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DESESPERANÇA COM A DEMOCRACIA: HÁ SAÍDA?

Marcos Luiz da Silva


Advogado/Professor Universitário (Uespi)

Pesquisas recentes apontam que o brasileiro está desconfiado da


democracia. Isso não significa necessariamente uma desaprovação do sistema,
mas muito provavelmente uma rejeição ao modo como ele vem se
desenvolvendo no Brasil. O Instituto Ipsos, em agosto do ano em curso, divulgou
uma pesquisa apontando que 94% dos eleitores brasileiros não se vêem
representados por políticos. Quanto ao modelo de democracia brasileiro, essa
pesquisa, divulgada amplamente nos meios de comunicação do país, informa
que: 34% consideram ainda o melhor modelo, e 47% discordam disso. Sendo que
desses 81% disseram que os problemas do País não estão no partido A ou B, mas
no sistema político que adotamos (vide:
https://www.opopular.com.br/editorias/politica/94-dos-eleitores-brasileiros-n%C3%A3o-se-
veem-representados-por-pol%C3%ADticos-1.1327047).

A pesquisa aponta, portanto, não para uma rejeição da democracia em


si, mas para uma desconfiança ou mesmo reprovação do modo como se vem
realizando as relações de poder no Brasil, principalmente em face do chamado
“presidencialismo de coalizão”, que eu preferiria chamar de presidencialismo de
“cooptação”, e alguns chamam de presidencialismo de “corrupção”. O fato é que
não há uma aprovação popular do modo de fazer política no Brasil por parte da
população. As pessoas não concordam com troca de cargos por votos, compra de
votos nas eleições, com a distribuição de emendas partidárias para fins de
composição de maiorias folgadas, abuso e de poder econômico, e ainda que isso
seja de alguma forma inevitável em qualquer sistema, há que se ter um limite. De
maneira geral, parece que a população percebe que não tem qualquer controle
sobre os políticos, e que há um abismo entre a representação partidária e os
legítimos interesses do povo, o que certamente tem feito com que a sociedade
coloque suas “barbas de molho” em relação à democracia.

A ideia de democracia mais antiga conhecida é a que remete à Grécia


antiga, com a ideia de Polis. Naquele momento, a democracia era concebida como
o direito de participação política de todos os cidadãos da cidade-estado, o que
era também resultante da ideia de participação igual dos demais membros
daquela comunidade, ou seja, do entendimento de que todos valem o mesmo
peso na sociedade e na tomada de decisões coletivas. Há uma igualdade de todos,
e em razão disso, nenhum sujeito pode impor-se sobre os demais, definindo os
rumos de uma comunidade em detrimento dos interesses dos demais
concidadãos. Cabe lembrar, no entanto, que essa democracia grega era limitada.
Nem todos eram considerados cidadãos, e uma parcela considerável de pessoas
ficavam fora da participação política, como escravos, metecos (estrangeiros) e
mulheres. Era, para os padrões atuais, uma democracia “capenga”.

Mais recentemente, somou-se ao ideal de democracia os princípios


norteadores do Estado republicano, ou seja, onde os interesses e ações do
governo fossem direcionadas ao atendimento do interesse público, e não a
interesses particulares. Se o Estado e os bens públicos são da coletividade, do
povo como um todo, ninguém tem o direito de usá-lo em proveito próprio,
direcionando-os para o atendimento de demandas particulares. O Estado não é o
“quintal” particular de qualquer corporação ou indivíduo, de modo que sua
atuação deve ser pautada na impessoalidade, neutralidade e no interesse
coletivo.

Na contemporaneidade, no entanto, a despeito de termos um longo


histórico de defesa dos ideais democráticos e republicanos, o que se percebe é o
crescimento exponencial de lideranças e forças políticas autoritárias e ultra-
nacionalistas, e algumas vozes já pregam abertamente o retorno a modelos
autoritários de governança pública. E que crescem assustadoramente na esfera
pública. E isso não só no Brasil, mas também em países da Europa e da America
do Norte. E o que tem provocado tal ressurgimento do pensamento autoritário?
Uma hipótese que me parece razoável é o fato de não termos mais o controle
sobre os nossos destinos, principalmente em face da economia. A economia
mundial globalizada e financeirizada é hoje um forte ingrediente de restrição as
soberanias estatais, de modo que os países têm pouco ou quase nenhum controle
sobre os mecanismos que possibilitariam um direcionamento da sua economia
interna. Estaríamos, pois, praticamente a mercê dos tecnocratas do mercado
financeiro, em uma marcha insana rumo ao desconhecido, o que incomoda
profundamente grande parcela da sociedade.

O modo como isso vem se desenvolvendo nos últimos anos tem


provocado situações de total descrédito dos governos e da representação política
parlamentar, o que, por conseguinte, vem gerando reações de vários tipos da
população, e uma delas é a volta ao apreço de regimes autoritários. Ora, o que
leva o cidadão a entregar o seu poder político, que é igual a todos os demais
cidadãos, a um indivíduo ou alguns indivíduos que de forma coercitiva e pela
força exerceria suas funções de governo? Se atualmente não temos controle sobre
os destinos do País, em face de mecanismos externos que nos impedem de atuar
incisivamente, a situação não seria pior se também entregássemos o controle
político total a um governante, um suposto “salvador da pátria”, para que ele
resolvesse nossos problemas? Creio que sim.
Ainda que com seus problemas, a democracia atual, com a
periodicidade das eleições e possibilidade de discussão no âmbito do eleitorado
periodicamente, ainda permite alguma alternância no poder, possibilitando que
a população possa, mesmo com os problemas inerentes a um sistema eleitoral
imperfeito, escolher pessoas distintas para o exercício de funções públicas. E o
mais importante: há uma educação para a cidadania. As eleições propiciam
alguma discussão sobre assuntos que são de interesse coletivo, com a economia,
tamanho do estado, privatizações, educação, saúde, dentre outros, o que, ainda
que a longo prazo, permitirá que tenhamos cidadãos mais conscientes dos seus
direitos e dos problemas que afligem o País como um todo, o que, por óbvio, se
reduziria substancialmente em um governo autoritário.

O que precisamos na verdade é de um choque de democracia. Ao


contrário de algumas pessoas que defendem a volta de regimes ditatoriais, penso
que o problema maior do sistema político brasileiro está exatamente no não
aperfeiçoamento desse mesmo sistema, garantindo-se maior impessoalidade,
ética, e respeito ao interesse público por parte de todos que ocupam cargos
públicos. Temos uma população que precisa se engajar mais na fiscalização dos
atos do poder público. Precisamos de um tipo de governança pública que
fomente essa participação, e que possibilite a existência de fóruns de discussão
amplos e plurais. E que tenhamos mais mecanismos de participação direta da
população. Com controle mais eficiente do poder econômico e da corrupção
eleitoral, problemas que terminam por interferir decisivamente no resultado de
eleições, com conseqüências das mais terríveis para a nossa sociedade.

A desconfiança certamente se reduzirá substancialmente na medida


em que o cidadão concluir que a sua voz se faz ouvida, e que as decisões do poder
público contaram com a sua participação. O problema não é a democracia, mas a
falta dela. É preciso, portanto, buscarmos novas formas de fazer política, onde o
interesse público e a participação cidadã sejam os pontos centrais desse sistema.
E onde possamos ter efetiva participação nas grandes decisões que vão
determinar o rumo do nosso País.

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