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THEODORE J. KACZYNSKI
Apresentação e Apêndice por Último Reducto
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
________________________________________________________________
K13s
Kaczynski, Theodore J.
A sociedade industrial e seu futuro/Theodore J. Kaczynski; tradução Rui C.
Mayer. - 1. ed. - São Paulo: Baraúna, 2014.
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
Prólogo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
A Sociedade Industrial e Seu Futuro. . . . . . . . . . . . . . 25
Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
A Psicologia do Esquerdismo Moderno. . . . . . . . 30
Sentimentos de Inferioridade . . . . . . . . . . . . . . . 32
Sobressocialização. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
O Processo de Poder. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
Atividades Substitutivas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
Autonomia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
Causas dos Problemas Sociais. . . . . . . . . . . . . . . 56
Perturbações do Processo de Poder
na Sociedade Moderna. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
Como Algumas Pessoas se Adaptam. . . . . . . . . . 75
Os Motivos dos Cientistas . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
A Natureza da Liberdade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
Alguns Princípios Acerca da História . . . . . . . . . 91
A Sociedade Tecnoindustrial
Não Pode Ser Reformada . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97
A Restrição da Liberdade É Inevitável
na Sociedade Industrial. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99
As Partes “Más” da Tecnologia
Não Podem Ser Separadas das Partes “Boas”. . . 106
A Tecnologia É uma Tendência Social
Mais Poderosa que o Desejo de Liberdade. . . . . 109
Os Mais Simples Problemas Sociais
Têm-se Demonstrado Insolúveis. . . . . . . . . . . . 119
A Revolução É Mais Fácil que a Reforma. . . . . 121
O Controle do Comportamento Humano. . . . 123
A Humanidade numa Encruzilhada . . . . . . . . . 137
O Sofrimento Humano . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143
O Futuro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147
A Estratégia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 154
Os Dois Tipos de Tecnologia . . . . . . . . . . . . . . 171
O Perigo do Esquerdismo. . . . . . . . . . . . . . . . . 174
Nota Final . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 189
Notas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 190
Posfácio ao Manifesto. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 213
Nota sobre o Manifesto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 219
Apêndice . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 223
Apresentação
7
a uma verdadeira compreensão, da parte do público em
geral, das ideias expressas nessa obra. O que a maioria da-
queles que conhecem a existência desse manifesto sabe é,
única ou principalmente, que foi escrito por um doutor
em matemática pela Universidade de Michigan, o qual
se supunha que enviasse bombas, e que vivia sozinho em
uma cabana na floresta. Ou seja, pouca gente realmente
conhece ou recorda o conteúdo dessa obra. E, no entan-
to, é justamente esse conteúdo que faz dela particular-
mente interessante e digna de ser considerada.
Quais são as características mais notáveis que fa-
zem com que essa obra mereça ser lida e levada em con-
sideração por aqueles que estão interessados no proble-
ma provocado pelo desenvolvimento tecnológico? Os
principais aspectos que fazem essa obra merecer uma
consideração especial são:
8
supostamente críticos da sociedade tecnoindustrial.
A maioria das críticas à tecnologia moderna ou bem
não chega, no fundo, a tomar realmente uma posição
contrária a tal tipo de tecnologia e ao modelo de socieda-
de inevitavelmente acarretado por ela, ou então são base-
adas em pressupostos errôneos que as tornam ineficazes
ao se tratar de combater seriamente a sociedade tecnoin-
dustrial. Ou ambas as coisas ao mesmo tempo.
Um exemplo das primeiras, o temos no discurso de
certos filósofos e intelectuais supostamente radicais que,
apesar de reconhecer e denunciar que a tecnologia mo-
derna é incontrolável, e que ela inevitavelmente causa
graves transtornos à sociedade e ao mundo natural, se-
quer se prestam a levar suas próprias análises e críticas
às últimas consequências, e se detêm em propor tímidas
reformas ou simplesmente se calam acerca do que fazer.
Um exemplo das segundas estaria constituído por
grande parte do chamado movimento primitivista, em
que muitos de seus membros, apesar de odiarem real e
sinceramente a sociedade tecnoindustrial, adotam valores
e ideais que, na realidade, são próprios dessa sociedade
moderna que pretendem estar a combater (e, em especial,
adotam valores e ideais próprios do esquerdismo). Com
isso, tombam em cheio numa das principais armadilhas
que a sociedade tecnoindustrial utiliza para defender-se
das críticas e das correntes que, de outro modo, pode-
riam chegar a ser potencialmente perigosas para ela: o
descontentamento, legítimo e genuíno, é aliviado através
de atividades de protesto e reivindicações estereotipadas,
fúteis, inócuas ou até mesmo úteis para a sociedade tec-
9
noindustrial, apesar de que aqueles que as praticam acre-
ditarem que estão a afrontá-la.
Já em outro exemplo, para as terceiras, temos o caso
de certas correntes críticas autodenominadas “anti-indus-
triais”, descendentes diretas de outras correntes históricas
centradas na crítica social e política (marxismo e anar-
quismo). Essas correntes “anti-industriais”, apesar de seu
nome, não se baseiam em valores incompatíveis com os
da sociedade tecnoindustrial. Para essas correntes, bem
como para suas antecessoras, o problema principal é a fal-
ta de democracia, a dominação capitalista ou a opressão
do Estado, e não chegam jamais a defender a eliminação
total da tecnologia moderna em si.
Assim é que, em A Sociedade Industrial e Seu Fu-
turo, não se encontrarão as banais alusões contrárias à
competitividade, ao individualismo, à falta de solida-
riedade, à discriminação, à repressão estatal, ao poder,
ao capital, etc., tão típicas de praticamente todos os
discursos supostamente críticos da sociedade atual. Ao
contrário, A Sociedade Industrial e Seu Futuro centra-se
em expor, de maneira desapaixonada e objetiva, o modo
pelo qual o desenvolvimento tecnológico interfere ne-
gativamente e de uma forma inevitável na livre expres-
são da verdadeira natureza humana. Além disso, nessa
obra, mostra-se frequentemente como essa interferência
por vezes consiste, precisamente, no impedimento da
tendência humana natural para praticar, por exemplo,
certas formas de poder ou de discriminação numa escala
individual ou em pequenos grupos.
10
Sua conclusão também é clara e convincente: a tec-
nologia moderna, e, com ela, a sociedade tecnoindustrial
devem ser destruídas.
11
tecnologia moderna inevitavelmente interfere na liber-
dade humana, etc.).
2 Aqui vai uma ressalva: existem alguns textos que estão sendo
falsamente atribuídos a Ted Kaczynski, apesar de não ser ele o seu
verdadeiro autor. Esses textos são obra de esquerdistas oportunistas
e desleixados, que colocam na boca de Kaczynski discursos que
nada têm a ver com as verdadeiras ideias desse autor. Por isso, pe-
dimos prudência aos leitores se, em algum momento, se depararem
com algum texto assim — aparentemente subscrito por Kaczynski
—, cuja publicação não tiver sido expressamente autorizada pelo
autor, que não apresente uma posição clara e explícita em contrá-
rio ao sistema tecnondustrial, que use uma linguagem descuidada,
grosseira e/ou carregada de termos típicos da linguagem esquer-
dista (“capitalismo”, “patriarcado”, etc.) e se centre na análise dos
assuntos triviais próprios da temática oposicionista e “radical” (crí-
ticas ao capital, a este ou àquele político ou governo, ao sexismo, à
homofobia, ao Estado, etc.). Em tais casos, muito provavelmente,
estarão diante de textos espúrios.
12
que muitos desses artigos ainda não se encontram tradu-
zidos e publicados em português.3
A tudo isso vale acrescentar, finalmente, que A So-
ciedade Industrial e Seu Futuro está escrita em um estilo
sóbrio e conciso, o que torna a sua leitura e compreensão
relativamente fáceis, sem que se perca por isso a sua serie-
dade e a sua profundidade.
13
Prólogo 5
15
A presente tradução dessa obra para o português,
feita desde sua mais recente versão espanhola — La So-
ciedad Industrial y Su Futuro —, foi acompanhada pelo
seu tradutor do inglês e pelo seu editor na Espanha,
e detalhadamente comparada, parágrafo por parágrafo,
com a mais nova edição do texto em inglês, que apare-
ceu na coletânea Technological Slavery — Theodore J.
Kaczynski, Feral House, 2010. Foi dada esta preferência
a uma tradução para a língua portuguesa desde a versão
espanhola para podermos, assim, bem aproveitar o de-
talhado acompanhamento que o próprio Ted Kaczynski
pôde fazer da tradução para a língua espanhola (língua
essa, em se respeitando as proporções devidas, tão pró-
xima à portuguesa), e que já agora não poderia mais se
repetir. E por fim, durante a preparação da versão em
português, alguns pontos específicos também chegaram
a ser discutidos com Ted Kaczynski — por correspon-
dência, em inglês.
16
versão de Isumatag manteve a estrutura original dessa
obra: 232 parágrafos, com 36 notas. E vale a pena indicar
essa precisão, pois houve outras edições que simplesmen-
te incorporaram essas notas ao texto principal. A tradu-
ção publicada por Isumatag procedeu de uma versão em
inglês que Ted Kaczynski, preso nos Estados Unidos sob
a acusação de pertencer ao grupo signatário desse ma-
nifesto — o Freedom Club —, pôde finalmente revisar
apenas no ano de 2005, apesar do seu original ter sido
publicado em 1995.
Basicamente, essa tradução para o espanhol esteve
a cargo de Último Reducto e foi revisada pelos demais
membros do grupo editor da publicação, bem como por
outros colaboradores. O trabalho da nova tradução es-
teve dificultado por diversas razões. Uma delas é que,
justamente quando se ia enviar a Ted Kaczynski um es-
boço da tradução para que ele mesmo a revisasse, as au-
toridades estadunidenses ordenaram que as cartas e os
textos dirigidos a aprisionados acusados de terrorismo,
se estivessem em um idioma diferente do inglês, deve-
riam ser analisados através de uma perícia oficial. Isso
provocou atrasos, praticamente impossibilitando que se
mantivesse uma correspondência em espanhol (idioma
em que Ted Kaczynski é fluente) e fazendo com que a
continuação da discussão sobre os aspectos técnicos da
tradução tivesse de ser feita exclusivamente em inglês.
E o pior de tudo: grande parte da tradução não pôde
ser revisada por Ted Kaczynski, para o grande pesar do
grupo de Isumatag. Ainda assim, os próprios membros
desse grupo creem e afirmam que o derradeiro resultado
17
desse trabalho foi de boa qualidade, já que se apoia em
debates e discussões tais, nalguns casos de anos até, que
facilitaram a compreensão dessa obra — no todo e em
seus numerosos detalhes.7
Ted Kaczynski chegou a dar sua permissão, ao gru-
po de Isumatag, para que fizesse pequenas modificações
no texto traduzido; todavia, essas modificações seriam e
foram feitas somente quando necessárias à sua adaptação
ao contexto espanhol, facilitando assim a compreensão
desse manifesto — modificações que, em geral, facilitam
também sua compreensão em português. Algumas dessas
modificações estão indicadas e explicadas como notas de
tradução. O próprio Ted Kaczynski redigiu outras novas
notas, que tratam de explicar com mais precisão alguns
dos conteúdos da obra, as quais o leitor poderá ir acom-
panhando ao longo do texto.
A publicação original desse manifesto foi precedi-
da pelo envio de uma série de pacotes-bomba, o que foi
reivindicado pelo grupo Freedom Club — FC. Ao longo
18
de mais de 15 anos, nos Estados Unidos, esses pacotes-
-bomba causaram três mortes e deixaram vários feridos.
Em 1995, o FC propôs um acordo à imprensa nacional
estadunidense: abandonaria o envio de pacotes-bomba
em troca da publicação de um manifesto. Esse manifesto
era A Sociedade Industrial e Seu Futuro, que foi publicado
em vários periódicos, e também na Internet, poucos me-
ses depois. No ano seguinte, Ted Kaczynski seria detido,
acusado de pertencer ao FC.
Apesar de ser obra de um grupo terrorista, não se
pode considerar, sob uma ótica racional, que esse mani-
festo seja um argumento em favor do terrorismo. O ob-
jetivo tanto daquela edição em espanhol quanto o desta
nossa edição em português é o de se fazer conhecer as
ideias do Freedom Club, pela importância histórica de
seu manifesto e pela atualidade das questões que este pro-
põe. Com a publicação dessa obra, pois, não se pretendia
nem se pretende justificar ou fomentar atos ilegais, e sim
veicular ideias que ainda não teriam encontrado outros
caminhos melhores, ao menos não na língua portuguesa.
19
zio, de ausência de plenitude da vida que afeta muitas
pessoas. O texto detecta uma incompatibilidade entre
alguns traços da natureza humana, o que se denomina
“processo de poder”, e as formas de vida que os huma-
nos têm de adotar sob o condicionamento da sociedade
tecnoindustrial. Ora, o modo pelo qual as pessoas tratam
de escapar a essa incompatibilidade, ou de minimizá-la,
costuma afetar seus comportamentos. O texto ilustra isso
com os exemplos das motivações dos cientistas e dos es-
querdistas. Esses últimos são considerados, nesse mani-
festo, como mais uma evidência dos problemas que causa
a sociedade tecnoindustrial, ao se intrometer na necessi-
dade humana de experimentar o processo de poder. Tal
intromissão costuma levar muitas pessoas a se envolve-
rem em atividades políticas para tratar de satisfazer a essa
necessidade, ainda que as justifiquem de outras maneiras.
Desse modo, o texto adentra pelo núcleo de uma crítica
ao esquerdismo que é digna de ser mantida sempre, e
muito em conta.
A crítica e a caracterização do desenvolvimento
tecnológico ocupa a maioria das páginas do livro. Nessa
obra, se analisa a sociedade tecnológica atual como um
todo indivisível, do qual umas partes dependem de ou-
tras, irremediavelmente, e no qual é bastante complicado
fazer modificações em umas partes sem que as outras, por
sua vez, encontrem-se afetadas. De fato, quando se tra-
ta de modificações importantes em setores tecnológicos
e econômicos, é inevitável que se produzam mudanças
em outras partes da sociedade. Desde a publicação desse
manifesto, quando do ano de 1995, os avanços tecnoló-
20
gicos sucederam-se sem parar e num ritmo muitíssimo
intenso, e alguns dos tópicos que por então eram tratados
como possibilidades relativamente remotas, já hoje são
ameaças iminentes.
Além de oferecer explicações sobre o conjunto inter-
conectado de tecnologias que forma o sistema tecnoin-
dustrial, o texto do manifesto adverte sobre a tendência
deste sistema de ser independente das vontades humanas,
isto é, de definir seu próprio curso de desenvolvimento.
Isso implica que, cada vez mais, esse sistema se constitui
em uma trava à liberdade dos indivíduos e dos peque-
nos grupos. O manifesto tampouco quer dar a entender
que seja essa a única trava, e sim, porém, que é a funda-
mental, aquela da qual derivam, indireta ou diretamente,
mais restrições à liberdade. Mas a liberdade da qual se
está então a falar tem uma relação direta com o proces-
so de poder: seria como um gozar de autonomia — ao
defrontar-se com esse processo — com finalidades ver-
dadeiramente importantes e com sentido (por exemplo,
as necessidades físicas vitais). (Conferir os seus parágrafos
93-98: “A natureza da liberdade”.)
Assim como essa liberdade, entendida como au-
tonomia no processo de poder, é proposta como um
valor básico, outro ideal fundamental proposto é o da
Natureza selvagem (parágrafos 183-184). Isso está bem
apontado e comentado pelo tradutor para o espanhol,
em várias das notas; nelas se destaca como esse ideal está
mais bem espraiado pela cultura anglo-saxã que, por
exemplo, pela cultura hispânica — e o mesmo pode-
mos dizer quanto às culturas lusófonas (em países como
21
Angola, Brasil ou Portugal). Espera-se que essa carac-
terística diferencial não se constitua em uma barreira
intransponível, e que o leitor dela se aproxime mais com
curiosidade que com prejuízo.
Outro aspecto notável desse manifesto é sua visão da
história humana e da evolução das sociedades (conferir
os parágrafos 99-110: “Alguns princípios acerca da histó-
ria”). No seu texto, é reconhecida a complexidade dessa
evolução (e, desta, derivam mesmo dois desses tais “prin-
cípios”); entretanto, se reconhece também que existem
algumas tendências gerais ao longo do tempo, e que estas
devem ser levadas em conta ao se esboçar uma solução
para o problema do desenvolvimento tecnológico. De
fato, tais padrões no comportamento das sociedades ao
longo do tempo relacionam-se com muitos outros pro-
blemas, conquanto as pessoas que pretendem solucioná-
-los, normalmente, nem mesmo o percebam, tendo seus
esforços convertidos em meras tentativas inúteis.
E, finalmente, a estratégia proposta para solucionar
o problema do desenvolvimento tecnológico — uma re-
volução cujo único objetivo é a eliminação da sociedade
tecnoindustrial — pode ser qualificada de muitas manei-
ras, contudo é algo que bem merece uma séria discussão.
22
das em sua completude, está relacionada com o modo
pelo qual foram dadas a conhecer. Ao ser apresentada nos
meios de comunicação de massas, o que se ressaltou dessa
obra foram seus aspectos mais espetaculares e apelativos.
Esses meios introduzem, em sua forma de mostrar as coi-
sas, efeitos tais de distorção e de desfiguração das ideias
até que estas possam ser tratadas do modo como convém
à mídia. E isso tão somente no caso de que sequer as
tratem, pois há ocasiões em que esses meios se limitam a
especular sobre o perfil psicológico de quem defende tais
ideias — como ocorreu, em muitos casos, nos Estados
Unidos, após a publicação dessa obra.
Parece haver até mesmo, da parte de alguns editores
e comentaristas, uma séria dificuldade em se compreen-
der algumas das ideias de A Sociedade Industrial e Seu Fu-
turo (por exemplo, a crítica ao esquerdismo), e a excessiva
facilidade de se contornar aspectos básicos da obra (por
exemplo, sua defesa da Natureza selvagem como ideal
principal e básico). Certo é que esse manifesto não ofe-
rece uma definição concisa do termo “esquerdismo”; ofe-
rece, contudo, uma série de características definidoras e
de critérios úteis para se discernir, suficientemente, certos
pontos importantes. Assim, por exemplo, quando alguns
dos que anteriormente editaram essa obra criticam o seu
suposto “machismo”8, de certa maneira, se estão revelan-
do como elementos aproximados do esquerdismo. Essa
23
impressão fica confirmada pelas temáticas que são trata-
das pelo resto das obras publicadas por esses editores. A
sua necessidade psicológica de se rebelar leva-os a con-
centrar sua atenção em assuntos que são insignificantes
(como, por exemplo, o uso de uma linguagem politica-
mente correta), quando comparados com os da restrição
da liberdade e da destruição da Natureza selvagem.
É costumeiro, também, identificar-se o esquerdis-
mo — que esse manifesto tanto põe-se a criticar — uni-
camente com o reformismo, e isso é um erro. Boa parte
dos grupos e indivíduos habitualmente considerados
revolucionários, na atualidade e no passado, mostram
de fato muitas das características disso que o FC chama
de esquerdismo.
O próprio texto desse manifesto terá dado, talvez,
algum embasamento a essa confusão, ao não ser suficien-
temente preciso em sua definição de esquerdismo, ou por
usar como exemplos revoluções e movimentos revolucio-
nários históricos de caráter marcadamente esquerdista;9 no
entanto, claro está que a crítica do FC ao esquerdismo não
tem sido bem compreendida — e isso, por muita gente.
24
A Sociedade Industrial
e Seu Futuro
Freedom Club — FC
25
Introdução
27
2. O sistema tecnoindustrial pode sobreviver ou
pode desagregar-se. Se sobreviver, PODE ser que, afi-
nal, alcance um baixo nível de sofrimento físico e psi-
cológico, porém somente após passar por um longo e
bem doloroso período de ajustamento, e somente ao
custo de reduzir permanentemente os seres humanos
e muitos outros organismos vivos à condição de pro-
dutos de engenharia e de meras engrenagens da ma-
quinaria social. E, mais que isso, se o sistema sobre-
viver, essas consequências se tornarão inevitáveis: não
há qualquer maneira de se reformar ou modificar o
sistema de modo a impedi-lo de privar as pessoas de
dignidade e autonomia.
28
vernos, e sim derrubar as bases econômicas e tecnológicas
da sociedade atual.
29
tos até bem desenvolvidos, temos pouco escrito aqui
acerca da degradação ambiental ou da destruição dos
sertões selvagens, mesmo que consideremos que tais
temas sejam muito importantes.
30
quer modo, o que queremos dizer com “esquerdismo”
terá de ser esclarecido no transcurso de nossa discussão
da psicologia esquerdista. (Vejam-se também os pará-
grafos 227-230.)
31
Sentimentos de Inferioridade
32
ou mulatos.11 As conotações negativas têm sido associa-
das a esses termos pelos próprios ativistas. Alguns ativis-
tas pelos direitos dos animais têm chegado ao extremo de
recusar o uso da palavra “mascote” e insistir em que seja
substituída por “animal de companhia”. Antropólogos
de tendência esquerdista são capazes de tudo para evi-
tar dizer algo acerca dos povos primitivos que possa ser
interpretado como negativo. Querem substituir o termo
“primitivos” por “sem escrita”. Parecem quase paranoicos
33
a respeito de qualquer coisa que possa sugerir que algu-
ma cultura primitiva seja inferior à nossa. (Não estamos
dizendo que as culturas primitivas SEJAM inferiores à
nossa. Somente destacamos essa hipersensibilidade dos
antropólogos de tendência esquerdista.)
34
a pessoa deficiente, porém, sim, uma minoria de ativis-
tas, muitos dos quais nem mesmo pertencem a qualquer
grupo “oprimido”, provenientes que são de estratos mais
privilegiados da sociedade. A correção política cerca-se
de seus mais firmes defensores entre os professores uni-
versitários, os quais têm empregos seguros com uma boa
remuneração, e são, em sua maioria, varões brancos hete-
rossexuais de famílias de classe média alta.
35
res, os índios, etc., SEJAM inferiores; somente estamos
tentando explicar algo da psicologia esquerdista.)
36
“otimismo”, etc., jogam um papel insignificante no
vocabulário liberal e esquerdista. O esquerdista é anti-
-individualista, pró-coletivista. Ele espera que a socieda-
de resolva os problemas dos indivíduos em lugar de eles
mesmos os resolverem, que satisfaça as necessidades dos
indivíduos em vez de eles o fazerem por si mesmos, que
cuide deles. Ele não é o tipo de gente que acredita ser
capaz de resolver seus próprios problemas e satisfazer suas
próprias necessidades — por si mesmo. O esquerdista é
contrário ao conceito de competência porque, no fundo,
sente-se um fracassado.
37
bases do conhecimento. Os seus ataques à verdade e à
realidade mostram uma profunda implicação emocional.
Eles atacam tais conceitos devido às suas próprias necessi-
dades psicológicas. De um lado, seu ataque é uma forma
de aliviar sua hostilidade, e, de outro lado, na medida
em que o ataque tenha êxito, satisfaz sua necessidade de
poder. E o mais importante ainda: o esquerdismo odeia
a ciência e a racionalidade porque estas classificam certas
crenças como verdadeiras (isto é, exitosas, superiores) e
outras crenças como falsas (isto é, fracassadas, inferiores).
Os sentimentos de inferioridade do esquerdista são tão
profundos que ele não pode tolerar classificação alguma,
de umas coisas como exitosas ou superiores e de outras
como fracassadas ou inferiores. Isso subjaz também a re-
jeição de muitos esquerdistas ao conceito de enfermidade
mental, e à utilidade dos testes de quociente intelectual.
Os esquerdistas são contrários às explicações das capaci-
dades ou do comportamento humano por determinação
genética porque tais explicações tendem a fazer com que
algumas pessoas pareçam superiores e outras inferiores.
Os esquerdistas preferem que o mérito ou a culpa da ca-
pacidade ou da incapacidade dos indivíduos recaia sobre
a sociedade. Desse modo, se uma pessoa é “inferior”, não
é culpa sua, senão da sociedade, pois essa pessoa não terá
sido criada e educada adequadamente.
38
pletamente, sua confiança em si mesmas. Elas têm um
déficit em sua sensação de poder e em sua autoestima,
contudo, ainda podem imaginar-se a si mesmas com a
capacidade de serem fortes — e são seus esforços por
fazerem-se fortes que produzem seus comportamentos
desagradáveis.[NOTA 1] Mas o esquerdista está muito lon-
ge disso. Os seus sentimentos de inferioridade são tão
arraigados que não pode imaginar-se como alguém in-
dividualmente forte e valoroso. Daí o coletivismo do
esquerdista. Ele se sente forte somente como membro
de uma grande organização ou de um movimento de
massas com os quais possa se identificar.
39
portamento esquerdista não está racionalmente calculada
de modo a beneficiar aquela gente a qual os esquerdistas
afirmam estar tratando de ajudar. Por exemplo, se alguém
crê que as ações afirmativas13 são boas para as pessoas ne-
gras, qual o sentido de demandá-las em termos hostis ou
dogmáticos? Obviamente, seria mais produtivo tomar
uma atitude diplomática e conciliatória que fizesse, ao
menos, algumas concessões verbais e simbólicas, de modo
a tranquilizar as pessoas que porventura pensassem que as
ações afirmativas, em favor dos negros, fossem também
ações contrárias aos brancos. Mas os ativistas esquerdistas
não assumem essa atitude porque isso não satisfaria suas
necessidades emocionais. Ajudar as pessoas negras não é,
realmente, o seu objetivo. Em vez disso, os problemas ra-
ciais lhes servem como desculpas para expressar sua pró-
pria hostilidade e tratar de satisfazer sua frustrada neces-
sidade de poder. Ao fazer isso, na realidade, prejudicam
as pessoas negras, pois a atitude hostil dos ativistas para
com a maioria branca tende a intensificar o ódio racial.
40
22. Se nossa sociedade não tivesse, em absoluto,
quaisquer problemas sociais, os esquerdistas teriam de
INVENTÁ-LOS — com a finalidade de providenciarem
a si mesmos desculpas para armarem as suas confusões.
Sobressocialização
41
25. O código moral de nossa sociedade é tão exi-
gente que ninguém pode pensar, sentir e atuar de um
modo completamente moral. Por exemplo, é para su-
pormos que nunca devemos odiar os outros; entretan-
to, quase todo mundo odeia alguém em algum mo-
mento de sua vida, quer o reconheça ou não. Algumas
pessoas encontram-se tão fortemente socializadas que
a exigência de pensar, sentir e atuar moralmente torna-
-se para eles uma carga pesada. Assim, têm de se autoi-
ludir continuamente acerca dos verdadeiros motivos
de seus atos e buscar explicações morais para senti-
mentos e atos que, na realidade, não têm uma origem
moral — para evitar, dessa maneira, os sentimentos de
culpa. Usamos o termo “sobressocializada” para des-
crever uma pessoa dessas.[NOTA 2]
42
portam-se mal em muitas ocasiões. Mentem, come-
tem pequenos furtos, infringem as normas de tráfego,
ficam vagabundeando, odeiam alguém, praguejam ou
jogam sujo para obter vantagem sobre outras pessoas.
A pessoa sobressocializada não pode fazer coisas desse
tipo, ou, se o fizer, isso lhe provoca uma sensação de
vergonha e desprezo por si mesma. A pessoa sobres-
socializada não pode, sem sentir-se culpada, sequer
experimentar pensamentos ou sentimentos que sejam
contrários à moralidade vigente; não pode ter pen-
samentos “impuros”. E a socialização não é somente
uma questão de moralidade; somos socializados para
assumir muitas normas de comportamento que não
pertencem ao domínio da moralidade. Assim é que
a pessoa sobressocializada se encontra presa por gri-
lhões psicológicos, e passa pela vida sem se desviar da
trilha que a sociedade lhe determinou. Isso provoca,
em muitas das pessoas sobressocializadas, uma sensa-
ção de restrição e impotência que pode se tornar uma
pesada carga. Consideramos, pois, que a sobressocia-
lização é uma das mais graves crueldades que os seres
humanos infligem uns aos outros.
43
o segmento mais fortemente socializado de nossa socie-
dade, e também o mais orientado à esquerda.
44
29. Tomemos agora um exemplo ilustrativo do
modo pelo qual o esquerdista sobressocializado demons-
tra como é real o seu apego pelas atitudes convencionais
de nossa sociedade — enquanto pretende estar rebelan-
do-se contra ela. Muitos esquerdistas pressionam para
que ocorram ações afirmativas, para que se admita gente
negra em postos de trabalho de alto prestígio, para que se
melhore a educação nas escolas dos negros e para que se
destinem mais verbas para essas escolas — considerando
como uma desgraça social o modo de vida das “classes
baixas” negras. Querem integrar o negro ao sistema, fazer
dele um homem de negócios, um advogado, um cien-
tista — à imagem e semelhança dos brancos de classe
média alta. Os esquerdistas replicarão que a última coisa
que desejam é converter o negro numa cópia do bran-
co; que desejam, em lugar disso, preservar a cultura afro-
-americana. Mas em que consiste essa tal preservação da
cultura afro-americana? Dificilmente poderá se consistir
em algo mais que comer da comida feita no estilo dos
negros, escutar música negra, vestir roupa no estilo dos
negros e ir a uma igreja de negros ou a uma mesquita. Em
outras palavras, essa cultura pode se expressar por si mes-
ma somente em questões superficiais. Em todos os as-
pectos ESSENCIAIS, a maioria dos esquerdistas do tipo
sobressocializado quer que o negro se ajuste aos ideais
da classe média branca. Quer que se forme em carreiras
técnicas, que se transforme em um executivo ou em um
cientista, que passe sua vida esforçando-se por aumen-
tar seu status — para provar que os negros são tão bons
quanto os brancos. Quer que os pais negros se tornem
45
“responsáveis”, quer que as gangues de negros deixem de
ser violentas, etc. Mas esses são, precisamente, os valores
do sistema tecnoindustrial. Ao sistema, é indiferente o
tipo de música que as pessoas escutem, ou a roupa que
vistam, ou a religião em que creiam, desde que assistam
às suas aulas na escola, tenham um trabalho respeitável,
se esforcem por atingir um status mais alto, sejam pais
“responsáveis”, não sejam violentos e coisas desse tipo.
De fato, por mais que se tente negá-lo, o esquerdista so-
bressocializado quer integrar o negro ao sistema e fazê-lo
adotar os seus valores.
46
31. Somos conscientes de que podem ser feitas mui-
tas objeções a esse rudimentar esboço da psicologia es-
querdista. A situação real é mais complexa, e propor-se
a dela fazer uma descrição completa pressuporia a escrita
de vários volumes, e isso no caso de que todos os dados
necessários estivessem disponíveis. Somente pretendemos
haver assinalado muito por alto as duas tendências mais
importantes na psicologia do esquerdismo moderno.
O Processo de Poder
47
chamar de meta, esforço e consecução da meta. (Todo
mundo necessita ter metas cuja consecução requeira es-
forço e necessita ter êxito em atingir ao menos algumas
de suas metas.) O quarto elemento é mais difícil de de-
finir, e talvez não seja necessário para todo mundo. Nós
o chamaremos de autonomia e vamos comentá-lo mais
adiante (parágrafos 42-44).
48
faça necessários. Mas os aristocratas ociosos obtiveram
tais coisas sem esforço. Daí, então, que tenham ficado
entediados e desmoralizados.
Atividades Substitutivas
49
no tinham suas pretensões literárias; muitos aristocratas
europeus, há alguns séculos atrás, investiam uma enor-
me quantidade de tempo e energia em caçar, ainda que,
certamente, não precisassem da carne; outros aristocratas
têm competido por status através de elaboradas exibições
de riqueza; e uns poucos aristocratas, como Hirohito,
voltaram-se para a ciência.
50
ca do sexo e do amor (por exemplo) não é uma atividade
substitutiva, já que a maioria das pessoas, inclusive se sua
existência fosse satisfatória em todos os demais aspectos,
sentir-se-ia insatisfeita se passasse suas vidas sem jamais ter
qualquer relação com alguém do sexo oposto. (No entan-
to, tratar de se ter uma quantidade excessiva de relações
sexuais, além do que alguém realmente necessita, pode ser
uma atividade substitutiva.)
51
recebido instrução para a aquisição de alguma pequena
destreza técnica e, desde então, que se chegue ao traba-
lho no seu horário e aí se realize o modestíssimo esforço
que requer a conservação desse emprego. Os únicos re-
quisitos são um grau de inteligência mediano e, acima de
tudo, a simples OBEDIÊNCIA. Se alguém os cumpre,
a sociedade cuida dele desde o berço até o túmulo. (Há,
sim, uma classe muito baixa que não pode satisfazer facil-
mente suas necessidades físicas; no entanto, não estamos
aqui falando de grupos minoritários, e sim da maioria da
população da sociedade.) Assim, não é de se surpreender
que na sociedade moderna as atividades substitutivas se-
jam tão abundantes. Tais atividades incluem o trabalho
científico, as conquistas esportivas, o trabalho humanitá-
rio, a criação artística e literária, a ascensão profissional, o
acúmulo de dinheiro e a aquisição de bens materiais para
muito além do ponto da cobertura de qualquer satisfação
física adicional — e o ativismo social, quando centrado
em assuntos que não sejam pessoalmente importantes
para o ativista, como no caso do ativismo dos brancos
que trabalham em favor dos direitos das minorias não
brancas. Essas nem sempre são atividades substitutivas
PURAS, já que, para muita gente, podem vir em parte
motivadas por outras necessidades diferentes daquela de
se ter uma meta a qual perseguir. O trabalho científico
pode estar parcialmente motivado pela busca de prestígio,
a criação artística por uma necessidade de expressão dos
sentimentos, o ativismo social militante pela hostilidade.
52
Contudo, para a maioria das pessoas que as levam a cabo,
essas atividades são — e em grande medida — atividades
substitutivas. Por exemplo, a maioria dos cientistas pro-
vavelmente concordará que a “satisfação” que alcançam
com seu trabalho é mais importante que o dinheiro e o
prestígio que este lhes proporciona.
53
funcionando como peças de uma enorme maquinaria
social. Em contrapartida, as pessoas geralmente con-
tam com um elevado grau de autonomia quando reali-
zam suas atividades substitutivas.
Autonomia
54
será satisfeita. O mesmo se sucederá se as decisões, sen-
do ainda tomadas de maneira coletiva, forem, contudo,
tomadas por um grupo tão grande que o papel desem-
penhado por um ou outro indivíduo, ao se tomar uma
decisão, seja insignificante.[NOTA 5]
55
processo de poder seja perturbado) o tédio, a desmora-
lização, baixa autoestima, sentimentos de inferiorida-
de, derrotismo, depressão, ansiedade, sentimentos de
culpa, frustração, hostilidade, maus-tratos ao cônjuge
e aos filhos, hedonismo insaciável, comportamento
sexual anormal, transtornos do sono, transtornos da
alimentação, etc.[NOTA 6]
56
cobrar das pessoas que vivam submetidas a condições
radicalmente diferentes daquelas nas quais a espécie hu-
mana evoluiu, e que se comportem de modo a entrar
em conflito com os padrões de comportamento que a
espécie humana desenvolveu enquanto vivia naquelas
condições originais. Do que escrevemos até aqui, po-
de-se deduzir claramente que consideramos a falta de
oportunidades para se experimentar apropriadamente o
processo de poder como a mais importante das condi-
ções anormais às quais a sociedade moderna submete
as pessoas. Mas essa condição não é a única. Antes de
começarmos a comentar as perturbações do processo de
poder como causa dos problemas sociais, discutiremos
ainda algumas das outras causas.
57
população que nelas vive. Mesmo assim, a tecnologia
agrícola moderna tornou possível que a Terra suporte
uma população muito mais adensada que qualquer ou-
tra das que manteve no passado. (A tecnologia também
agrava os efeitos da alta aglomeração, ao dotar as pessoas
com uma maior capacidade de provocar transtornos. Por
exemplo, com uma grande variedade de aparatos ruido-
sos: aparadores de plantas, rádios, motocicletas, etc. Se
o uso desses aparatos não é restringido, as pessoas que
desejam paz e silêncio acabam frustradas com o ruído.
Se seu uso é restringido, as pessoas que usam os aparatos
acabam frustradas com as normas que regulam esse uso.
Mas se essas máquinas jamais houvessem sido inventadas,
não teria havido qualquer conflito nem haveriam gerado
qualquer frustração.)
58
tecnologia e na economia de uma sociedade sem causar
também mudanças rápidas em todos os demais aspectos
da sociedade, e que essas mudanças rápidas, inevitavel-
mente, destroem os valores tradicionais.
59
são consideradas terríveis pecados na sociedade moder-
na. As sociedades em vias de desenvolvimento, que têm
promovido insuficientemente a tarefa de subordinar as
lealdades pessoais ou locais à lealdade ao sistema são,
normalmente, pouco eficientes. (Olhemos, por exemplo,
para a América Latina.) Por isso, uma sociedade indus-
trial avançada só pode tolerar aquelas comunidades de
pequena escala que tiverem sido castradas, domesticadas
e convertidas em ferramentas úteis para o sistema.[NOTA 7]
60
famílias e grupos sociais de pequena escala ao menos no
mesmo grau em que se decompõem hoje em dia. De
fato, naquela época, muitos núcleos familiares, volun-
tariamente, decidiam viver num tal grau de isolamento,
sem vizinhos por muitos quilômetros ao redor, que já
não pertenciam a qualquer comunidade em absoluto, e,
apesar de tudo, não parece que isso viesse a resultar no
desenvolvimento de problemas psicológicos.
61
em grande medida) de que era ele mesmo, por vontade
própria, quem criava as mudanças que experimentava em
sua vida. Esse era o caso, por exemplo, de um colono
assentado em uma parcela de terreno escolhida por ele
mesmo e transformada em uma fazenda através de seu
próprio esforço. Naqueles dias, um condado17, em sua
totalidade, podia contar com apenas algumas centenas de
habitantes, e era uma entidade muito mais autônoma e
isolada do que é, hoje em dia, um condado moderno. Por
conseguinte, esse fazendeiro pioneiro participava, como
membro de um grupo relativamente pequeno, da criação
de uma nova e ordenada comunidade. Poderíamos nos
perguntar, e o faríamos com toda razão, se a criação dessa
comunidade foi, realmente, uma melhoria — contudo,
de todo modo, isso satisfazia a necessidade do colono de
experimentar o processo de poder.
62
trou perturbado o processo de poder. Provavelmente, a
maior parte ou mesmo a totalidade das sociedades civi-
lizadas tem interferido no processo de poder em maior
ou menor grau. Mas, na sociedade industrial moderna,
esse problema tornou-se especialmente grave. O esquer-
dismo, ao menos em sua forma recente (desde meados do
século XX), é em parte um sintoma dessa perturbação do
processo de poder.
63
61. Em sociedades primitivas, o atendimento às
necessidades físicas ficaria, geralmente, dentro do grupo
2: elas poderiam ser satisfeitas, porém somente ao custo
de se realizar um esforço importante. Mas a sociedade
moderna tende a garantir a satisfação das necessidades
físicas para todo mundo[NOTA 9] em troca de um esforço
muito pequeno; daí que as tentativas de se atender a essas
necessidades as tenham deslocado para o grupo 1. (Pode
haver desacordo sobre se o esforço necessário para alguém
se manter em um emprego é “pequeno”; porém, normal-
mente, em empregos de um nível baixo ou médio, o
único esforço requerido é meramente a OBEDIÊNCIA.
Permanecer sentado ou em pé onde lhe tenham dito que
permanecesse sentado ou em pé, e fazer o que lhe disse-
ram para fazer do modo como lhe disseram para fazer.
Raras vezes alguém teria de se esforçar seriamente, e, em
qualquer caso, teria bem pouca autonomia ao realizar o
seu trabalho, de modo que a necessidade de experimentar
o processo de poder não seria adequadamente atendida.)
64
63. Assim, certas necessidades artificiais têm sido cria-
das para fazer parte do grupo 2, e, deste modo, satisfazer
a necessidade de se experimentar o processo de poder. A
publicidade e as técnicas de marketing têm sido desenvol-
vidas de tal modo que muita gente sinta a necessidade de
coisas que seus avós nunca desejaram, ou mesmo que nem
sequer imaginaram. É requerido um sério esforço para se
ganhar dinheiro o suficiente para se satisfazer a essas neces-
sidades artificiais, e, por isso, tais necessidades pertencem
ao grupo 2. (Entretanto, vejam-se os parágrafos 80-82.)
O homem moderno tem de satisfazer sua necessidade de
experimentar o processo de poder principalmente através
da persecução de necessidades criadas pela indústria da pu-
blicidade e do marketing,[NOTA 11] assim como através da
realização de atividades substitutivas.
65
tantes da vida moderna.[NOTA 12] Algo bem amplamente
espalhado na sociedade moderna é a busca pela “autorre-
alização”. Mas pensamos que, para a maioria das pessoas,
uma atividade cujo objetivo principal seja a “realização
pessoal” (ou seja, uma atividade substitutiva) não pro-
duzirá uma satisfação completa. Dito de outra maneira,
não satisfaz plenamente a necessidade de se experimen-
tar o processo de poder. (Veja-se o parágrafo 41.) Essa
necessidade só pode ser completamente satisfeita com a
realização de atividades voltadas à conquista de uma meta
externa à própria atividade, como as necessidades físicas,
o sexo, o amor, o status, a vingança, etc.
66
namentais é parte essencial e inevitável de nossa extre-
mamente complexa sociedade. Uma grande quantidade
dos pequenos negócios, na atualidade, opera como fran-
quias. Há uns poucos anos, apareceu publicado no Wall
Street Journal que muitas das companhias que outorgam
as franquias exigem que os aspirantes à obtenção destas
franquias realizem um teste de personalidade formula-
do para EXCLUIR aqueles que mostrem criatividade e
iniciativa, já que essa gente não é suficientemente dócil
para funcionar seguindo obedientemente o sistema de
franquia. Isso exclui dos pequenos negócios muitas das
pessoas que mais necessitam de autonomia.
67
Uma dessas necessidades é a de segurança. Nossas vidas
dependem de decisões tomadas por outras pessoas; não
temos controle sobre essas decisões e normalmente nem
sequer conhecemos aqueles que as tomam. (“Vivemos
num mundo em que relativamente poucas pessoas —
talvez umas 500 ou 1000 — tomam as decisões impor-
tantes.” Philip B. Heymann, da Faculdade de Direito de
Harvard; citado por Anthony Lewis — New York Times
de 21 de abril de 1995.) Nossas vidas dependem das
normas de segurança de uma central nuclear serem cor-
retamente cumpridas; de qual quantidade de pesticida
se permita que apresentem os alimentos que comemos
ou quanta poluição o ar que respiramos; do quão hábil
(ou incompetente) seja nosso médico; perder ou conse-
guir um emprego pode depender de decisões tomadas
pelos economistas do governo ou pelos executivos das
grandes empresas, etc. A maioria dos indivíduos tem
apenas uma capacidade muito limitada de se proteger a
si mesma contra essas ameaças. Dessa maneira, a busca
de segurança da parte dos indivíduos vê-se frustrada, o
que lhe provoca uma sensação de impotência.
68
o é a sensação de confiança em nossa capacidade para
cuidarmos de nós mesmos. O homem primitivo, amea-
çado por feras ou pela fome, podia lutar em sua própria
defesa ou deslocar-se em busca de alimento. Ele não ti-
nha a certeza de alcançar êxito nesses intentos, contudo,
de modo algum sentir-se-ia indefeso diante das coisas
que o ameaçavam. O indivíduo moderno, pelo contrá-
rio, é ameaçado por muitas coisas contra as quais está
desamparado: acidentes nucleares, agentes cancerígenos
na comida, contaminação ambiental, guerra, aumento de
impostos, violação de sua vida privada por parte de gran-
des corporações, fenômenos sociais ou econômicos em
grande escala que podem transtornar seu modo de vida.
69
70. Por conseguinte, tinha o homem primitivo,
em grande medida, a sua segurança em suas próprias
mãos (tanto como indivíduo quanto como membro de
um PEQUENO grupo), enquanto que a segurança do
homem moderno está nas mãos de pessoas ou organiza-
ções que estão demasiadamente afastadas de si ou que
são demasiado grandes para que ele seja capaz de ne-
las influir pessoalmente. Assim é que a necessidade de
segurança do homem moderno tende a ser deslocada
para os grupos 1 e 3; em alguns aspectos (alimentação,
refúgio, etc.) sua segurança é garantida ao custo apenas
de um esforço muito pequeno, enquanto que em outros
aspectos NÃO PODE ter segurança. (O esboço ante-
rior implica uma grande simplificação da situação real,
porém indica, em largos traços, e de um modo geral,
em que medida as circunstâncias do homem moderno
diferem das do homem primitivo.)
70
patrão. Dessas e também de muitas outras maneiras, pois
o homem moderno fica aprisionado numa rede de regras
e regulações (explícitas ou implícitas) que frustram mui-
tas de suas necessidades ou tendências, e, portanto, inter-
ferem em seu processo de poder. E não se pode prescindir
da maioria dessas regulações, porque são necessárias ao
funcionamento da sociedade industrial.
71
blicos. A propaganda não se limita aos “anúncios” pu-
blicitários e de outros tipos, e, por vezes, nem sequer é
conscientemente planejada como propaganda pela gente
que a realiza. Por exemplo, o conteúdo da programação
televisiva dirigida ao entretenimento é uma poderosa for-
ma de propaganda. Um exemplo de coerção indireta: não
há qualquer lei que determine que tenhamos de ir traba-
lhar diariamente, nem que devamos cumprir as ordens
de nosso patrão. Legalmente, nada nos impede de irmos
a uma zona selvagem para viver como gente primitiva
ou de montar nosso próprio negócio. Mas, na prática,
restam bem poucas zonas selvagens, e na economia há es-
paço somente para um limitado número de proprietários
de pequenos negócios. Por conseguinte, a maioria de nós
só pode sobreviver se trabalhar para outros.
72
E é um sintoma, igualmente, a falta de interesse em se ter
filhos — algo bastante comum na sociedade moderna,
contudo, quase desconhecido em sociedades primitivas.
73
de quantidade de esforço que realizam tratando de man-
ter sua forma física, sua aparência e sua saúde. Afirmamos
que isso se deverá à insatisfação resultante de não have-
rem elas empregado suas capacidades físicas em qualquer
obra prática. Nunca experimentaram o processo de poder
usando seus corpos a sério. Não era o homem primitivo,
que usava seu corpo diariamente para realizar tarefas prá-
ticas, quem temia a deterioração devida à idade; quem a
teme, este sim, é homem moderno, que nunca usa seu
corpo para realizar tarefas de tipo prático — para além de
um caminhar desde seu carro até a porta de sua casa. É
aquele homem cuja necessidade de experimentar o pro-
cesso de poder tiver sido satisfeita ao longo da vida quem
estará mais bem preparado para aceitar o final da mesma.
74
Como Algumas Pessoas se Adaptam
75
80. A suscetibilidade das pessoas a respeito da publi-
cidade e das técnicas de marketing varia muito. Algumas
são tão suscetíveis que mesmo tendo uma grande quan-
tidade de dinheiro, não podem satisfazer seu constante
desejo de adquirir os novos joguinhos deslumbrantes que
a indústria do marketing agita diante de seus olhos. Por
isso, sentem-se sempre financeiramente muito pressiona-
das, mesmo quando sua renda é grande, e os seus desejos
sempre acabam sendo frustrados.
76
segurança, agressão). (Reconhecemos ter simplificado
excessivamente isso, nos parágrafos 80-82, uma vez que
tínhamos dado por aceito que o desejo de aquisição ma-
terial é inteiramente um produto da publicidade e da
indústria do marketing. Seguramente, isso não é algo
assim tão simples.)[NOTA 11]
77
(meta: castigar Noriega). Os Estados Unidos invadi-
ram o Panamá (esforço) e castigaram Noriega (conse-
cução da meta). Os Estados Unidos levaram a cabo o
processo de poder e muitos estadunidenses, devido à
sua identificação com os Estados Unidos, experimen-
taram o processo de poder indiretamente. Daí então
a ampla aprovação pública que obteve, nos Estados
Unidos, a invasão do Panamá; isso deu às pessoas uma
sensação de poder.[NOTA 15] Podemos observar o mes-
mo fenômeno nos exércitos, nas grandes empresas, nos
partidos políticos, nas organizações humanitárias e nos
movimentos religiosos ou ideológicos. Em particular,
os movimentos esquerdistas tendem a atrair pessoas
que buscam satisfazer sua necessidade de poder. Mas,
para a maioria das pessoas, a identificação com uma
grande organização ou com um movimento de massas
não satisfaz plenamente sua necessidade de poder.
78
ca até se acertar um buraco ou para se adquirir uma
série completa de selos dos correios. Entretanto, muita
gente em nossa sociedade dedica-se apaixonadamente
ao fisiculturismo, ao golfe ou à coleção de selos. Algu-
mas pessoas “dizem amém” mais que as outras, e, por-
tanto, atribuirão mais facilmente importância a uma
atividade substitutiva simplesmente por que as pessoas
de seu círculo a consideram como algo importante,
ou porque a sociedade lhes disse que isso é algo im-
portante. Essa é a razão pela qual tantas pessoas levam
tão a sério atividades essencialmente triviais, como os
esportes, o bridge21, o xadrez ou certos estudos e in-
vestigações obstrusas, enquanto outras pessoas, mais
lúcidas, nunca consideram tais coisas mais do que as
atividades substitutivas que são, e, em consequência,
nunca lhes atribuem uma importância tal como se,
dessa maneira, fossem satisfazer sua necessidade de ex-
perimentar o processo de poder. Resta apenas assinalar
que, em muitas ocasiões, a forma de uma pessoa ga-
nhar a vida pode ser também uma atividade substitu-
tiva. Não que seja uma atividade substitutiva PURA,
já que, em parte, o motivo dessa atividade é conseguir
a satisfação de suas necessidades físicas e (no caso de
algumas pessoas) alcançar a posição social e os luxos
que a publicidade lhes faz desejar. Mas muita gente
põe em seu trabalho muito mais empenho que o im-
prescindível para se ganhar a quantidade de dinheiro
79
e status que necessitam, e este esforço extra constitui-
-se em uma atividade substitutiva. Esse esforço extra,
junto com a implicação emocional que o acompanha,
é uma das forças mais poderosas que atuam a favor
do contínuo desenvolvimento e aperfeiçoamento do
sistema, com consequências negativas para a liberdade
individual. (Veja-se o parágrafo 131.) Em especial, no
caso dos cientistas e engenheiros mais criativos, o tra-
balho tende a ser, em grande medida, uma atividade
substitutiva. Esse ponto é tão importante que merece
ser discutido à parte, o que faremos num próximo mo-
mento (parágrafos 87-92).
80
ou através da socialização, o que provoca deficiência na
autonomia e frustração — isso devido à impossibilidade
de se alcançar certas metas e da obrigação que há em se
reprimir muitos impulsos.
81
to, não. Só um químico sente curiosidade por algo assim,
e sente curiosidade por isso somente porque a química
é sua atividade substitutiva. Sente o químico alguma
curiosidade por tratar da apropriada classificação de uma
nova espécie de escaravelho? Não. Isso só interessa ao en-
tomologista, e lhe interessa só por que a entomologia é
sua atividade substitutiva. Se o químico e o entomolo-
gista tivessem de se esforçar seriamente para conseguir
satisfazer suas necessidades físicas, e se, ao realizarem esse
esforço, exercitassem suas capacidades de um modo in-
teressante em tarefas não científicas, consequentemente,
não dariam a menor atenção ao isopropil-trimetilmetano
ou à classificação de escaravelhos. Vamos supor que a fal-
ta de fundos para a educação superior tivesse levado o
químico a tornar-se um agente de seguros — em vez de
um químico. Nesse caso, ele estaria por demais envolvi-
do com assuntos relacionados a seguros, enquanto o iso-
propil-trimetilmetano não lhe preocuparia em absoluto.
Seja como for, não é normal dedicar à satisfação da mera
curiosidade a grande quantidade de tempo e esforço que
os cientistas investem em seu trabalho. A explicação dos
motivos dos cientistas baseada na “curiosidade” resulta
ser, simplesmente, insustentável.
82
sim, os cientistas que trabalham nessas áreas entregam-
-se ao trabalho com o mesmo entusiasmo daqueles que
desenvolvem novas vacinas ou estudam a contaminação
do ar. Considere-se o caso do Dr. Edward Teller22, o
qual mostrava uma óbvia implicação emocional em re-
lação à promoção das centrais nucleares. Procedia, essa
implicação, do desejo de beneficiar a humanidade? Se
assim tivesse sido, por que o Dr. Teller não se emocio-
nava com outras causas “humanitárias”? Se fora assim
tão humanitário, então, por que colaborou no desen-
volvimento da bomba H? Da mesma forma que com
muitos outros avanços científicos, é mais que discutível
se as centrais nucleares realmente beneficiam a humani-
dade. A eletricidade barata compensa a acumulação de
resíduos e o risco de acidentes? O Dr. Teller via só um
dos lados da questão. Está claro que seu envolvimento
emocional em relação à energia nuclear não procedia de
um desejo de “beneficiar a humanidade”, porém, isto
sim, da satisfação pessoal que obtinha realizando seu
trabalho e vendo como este era posto em prática.
83
pal não é a curiosidade nem o desejo de beneficiar a hu-
manidade, porém, sim, a necessidade de experimentar o
processo de poder: ter uma meta (um problema cientí-
fico a resolver), fazer um esforço (investigar) e alcançar
a meta (resolver o problema). A ciência é uma atividade
substitutiva por que os cientistas trabalham principal-
mente pela satisfação que têm com a realização de seu
próprio trabalho.
84
92. Por conseguinte, a ciência continua adiantan-
do-se cegamente, sem respeitar o verdadeiro bem-estar
da espécie humana nem qualquer outra medida, obe-
decendo somente às necessidades psicológicas dos cien-
tistas, assim como às dos gestores governamentais e dos
dirigentes das grandes empresas, que fornecem os fun-
dos para as pesquisas.
A Natureza da Liberdade
85
porém, sim, o poder para controlar as circunstâncias da
própria vida.23 Ninguém tem liberdade se algum outro
(especialmente uma grande organização) tem poder
sobre ele, não importa quão benevolente, tolerante e
permissivamente esse poder seja exercido. É importante
não confundir a liberdade com a mera permissividade
(veja-se o parágrafo 72).
86
95. É costume dizer que vivemos em uma sociedade
livre porque temos uns tantos direitos constitucionalmen-
te garantidos. Esses direitos, porém, não são tão impor-
tantes quanto parecem. O grau de liberdade pessoal que
há em uma sociedade passa pela determinação da estru-
tura econômica e tecnológica dessa sociedade, num grau
maior que o das suas leis ou de sua forma de governo.
[NOTA 16]
A maior parte das nações indígenas da Nova In-
glaterra eram monarquias24, e muitas das cidades da Itália
renascentista estavam controladas por tiranos. Entretan-
to, ao ler-se acerca dessas sociedades, tem-se a impressão
de que nelas havia muito mais liberdade pessoal que na
nossa sociedade. Em parte, isso era devido à sua carência
de mecanismos eficientes para impor a vontade dos seus
governantes: não havia forças policiais modernas e bem
87
organizadas, nem meios rápidos de comunicação à longa
distância, nem câmeras de vigilância, nem arquivos com
informações acerca das vidas dos cidadãos comuns. Por
conseguinte, era relativamente simples evitar o controle.
88
produzem para o entretenimento que ler um ensaio sé-
rio. Até mesmo se esse escrito tivesse conseguido muitos
leitores, desses leitores todos, muitos logo esqueceriam
o que tivessem lido, devido ao soterramento de suas
mentes pela avalancha de material ao qual os meios de
massas as submetem. Para fazermos que nossa mensa-
gem pudesse chegar ao público, e que causasse nele uma
duradoura impressão, tivemos de matar pessoas.
89
fins coletivos. Chester C. Tan, em Chinese Political Thou-
ght in the Twentieth Century, p. 202, explica a filosofia do
líder do Kuomintang, Hu Han-min: “A um indivíduo se
concederiam direitos porque é membro da sociedade e a
vida de sua comunidade requer tais direitos. Por comuni-
dade, Hu entendia a totalidade da sociedade ou nação.” E
na página 259, Tan afirma que, segundo Carsun Chang
(Chang Chun-mai, presidente do Partido Socialista de
Estado na China)25, a liberdade teria de ser usada no in-
teresse do Estado e das pessoas em geral. Mas, que tipo
de liberdade tem alguém se este só pode usá-la do modo
que outro estabeleça? A concepção de liberdade do FC
não é a de Bolívar, Hu, Chang ou outros teóricos burgue-
ses. O problema com esses teóricos é que converteram o
desenvolvimento e a aplicação de teorias sociais em sua
atividade substitutiva. Em consequência, as teorias têm
sido elaboradas de modo a satisfazer as necessidades psi-
cológicas dos seus teóricos, em vez das necessidades dos
desafortunados indivíduos que tenham de viver em qual-
quer sociedade à qual tais teorias sejam impostas.
90
tem. A liberdade encontra-se parcialmente restringida
por mecanismos psicológicos de controle dos quais as
pessoas não são conscientes, e, além disso, as ideias
de muita gente acerca do que é a liberdade estão do-
minadas mais por uma convenção social que por suas
necessidades reais. Por exemplo: ainda que o esquer-
dista do tipo sobressocializado pague um caro preço
psicológico pelo seu alto grau de socialização, é prová-
vel que muitos esquerdistas desse tipo dissessem que a
maioria das pessoas, incluindo eles mesmos, está antes
bem pouco que por demais socializada.
91
rupção volta a aparecer. O grau de corrupção política em
uma determinada sociedade tende a permanecer constan-
te ou, quando muito, a variar muito lentamente com a
evolução da sociedade. Normalmente, a eliminação da
corrupção política será permanente somente se for acom-
panhada de mudanças sociais em grande escala; uma PE-
QUENA mudança na sociedade não será suficiente.) Se
uma mudança pequena em uma tendência histórica de
longo prazo parece ser permanente, isso se deve unica-
mente a que a mudança está a atuar na mesma direção
na qual a tendência estava já se movendo, de modo que
a tendência não se mostra alterada, e sim, porém, apenas
impulsionada adiante, um passo a mais.
92
103. TERCEIRO PRINCÍPIO. Em se realizando
uma mudança que seja suficientemente grande para al-
terar permanentemente uma tendência de longo prazo,
então as consequências para a sociedade em seu conjunto
não podem ser previstas de antemão. (A menos que ou-
tras sociedades tenham passado pela mesma mudança e
tenham todas experimentado as mesmas consequências,
caso no qual se pode prever empiricamente que outra
sociedade que passe por essa mesma mudança provavel-
mente experimentará consequências similares.)
93
dade. As sociedades se desenvolvem mediante processos
de evolução social que não se encontram sob um controle
humano racional.
94
109. A Revolução Americana não se configura-
ria num exemplo contrário ao que foi exposto. A “Re-
volução” Americana não foi uma revolução no mesmo
sentido em que estamos usando essa palavra, e sim uma
guerra de independência seguida por uma ampla reforma
política. Os Pais Fundadores26 não mudaram a direção
do desenvolvimento da sociedade norte-americana, nem
sequer aspiravam a isso. Eles somente libertaram o desen-
volvimento da sociedade norte-americana do lastro a que
estava ligado pelo domínio britânico. A sociedade britâ-
nica, da qual a sociedade norte-americana derivava, este-
ve por muito tempo a mover-se em direção à democracia
representativa. E antes da Guerra de Independência dos
norte-americanos já se praticava a democracia represen-
95
tativa, em grande medida, nas assembleias coloniais. O
sistema político estabelecido pela Constituição tomava
como modelo o sistema britânico e as assembleias colo-
niais — ainda que, é claro, com grandes modificações.
Não há dúvida de que os Pais Fundadores deram um pas-
so muito importante. Não obstante, foi um passo que
seguiu a senda pela qual o mundo anglófono já estava
caminhando. Prova disso é que a Grã-Bretanha e todas
as suas colônias, povoadas predominantemente por pes-
soas de ascendência britânica, acabaram por ter sistemas
de governo que são democracias representativas similares
àquela que se deu nos Estados Unidos. Se os Pais Funda-
dores tivessem fraquejado e declinado firmar a declaração
de Independência, o modo de vida dos atuais estaduni-
denses não seria muito distinto do qual, efetivamente, o
é. Talvez tivessem mantido vínculos mais estreitos com a
Grã-Bretanha, e tivessem um Parlamento e um Primeiro
Ministro, no lugar de um Congresso e um Presidente.
Ora, isso não é uma grande coisa. De fato, a Revolu-
ção Americana não é um exemplo que contradiga nossos
princípios, e porém, sim, que bem os ilustra.
96
sociedade. Tais princípios, com toda constância, deve-
riam ser trazidos à mente, e toda vez em que se chegasse
a uma conclusão que com eles conflitasse, haveria que
se reexaminar cuidadosamente o que se está pensando, e
manter essa conclusão somente se ainda houvesse boas e
sólidas razões para isso.
A Sociedade Tecnoindustrial
Não Pode Ser Reformada
97
a forma que acabaria adotando tal transformação da
sociedade (terceiro princípio). As mudanças suficien-
temente grandes para calcar uma diferença duradou-
ra em favor da liberdade não seriam levadas a termo,
porque, evidentemente, perturbariam gravemente o
sistema. Assim sendo, um esforço qualquer de reforma
seria demasiadamente tímido para chegar a ser efetivo.
Até mesmo se as mudanças se iniciassem suficiente-
mente grandes, para calcar uma diferença duradoura,
elas seriam paralisadas e revertidas quando seus efeitos
perturbadores começassem a se fazer patentes. Dessa
maneira, as mudanças permanentes em favor da liber-
dade poderão ser levadas a termo somente por pessoas
dispostas a aceitar uma alteração radical, perigosa e im-
previsível da totalidade do sistema. Em outras palavras,
por revolucionários, não por reformistas.
98
113. Assim é que, inclusive em termos gerais, pa-
rece altamente improvável que se chegue a encontrar
algum modo de se conseguir que a liberdade e a tec-
nologia moderna sejam compatíveis. Nas seções que
desde aqui se seguem, daremos razões mais concretas
para mostrar que a liberdade e o progresso tecnológico
são incompatíveis.
99
cada burocrata aplicaria seu critério de maneira diferen-
te. Claro que algumas restrições à nossa liberdade po-
deriam ser eliminadas, contudo, EM GERAL, a regula-
ção de nossas vidas por parte de grandes organizações é
necessária para o funcionamento da sociedade tecnoin-
dustrial. Como resultado disso, as pessoas comuns de-
senvolvem um sentimento de impotência. Pode acon-
tecer, de toda maneira, que as regras explícitas tendam
progressivamente a ser substituídas por ferramentas psi-
cológicas que nos façam querer fazer o que o sistema ne-
cessita que façamos. (A propaganda,[NOTA 14] as técnicas
educacionais, os programas de “saúde mental”, etc.)
100
e os jovens a estudar assuntos técnicos, o que fazem, em
sua maior parte, a contragosto.
101
e outros tipos de gente que resiste em se adaptar às exi-
gências da sociedade moderna.
102
avançada. O sistema trata de “solucionar” esse problema
mediante o uso de propaganda, para fazer que as pessoas
DESEJEM as decisões que não têm sido tomadas por elas
mesmas; entretanto, até mesmo se esta “solução” tivesse
um êxito total e fizesse que as pessoas se sentissem melhor,
isso ainda seria degradante.
103
119. O sistema não existe nem pode existir para sa-
tisfazer as necessidades humanas. Ao contrário, é o com-
portamento humano que tem de ser modificado para
adequar-se às necessidades do sistema. Isso se produz in-
dependentemente da ideologia política ou social a qual,
por sua vez, tenha a pretensão de estar dando a orien-
tação tomada no sistema tecnológico. A culpa não é do
capitalismo, nem do socialismo. A culpa é da tecnologia,
já que o sistema não é dirigido por ideologias, e sim pela
necessidade técnica.[NOTA 18] É claro que o sistema satisfaz
muitas das necessidades humanas — porém, no geral, só
o faz na medida em que isso lhe favorece. O principal
são as necessidades do sistema, não as do ser humano.
Por exemplo, o sistema fornece alimentos às pessoas por-
que não poderia funcionar se todo mundo morresse de
fome; ocupa-se das necessidades psicológicas das pessoas
toda vez e sempre que isso lhe resulta CONVENIEN-
TE, já que não poderia funcionar se demasiadas pessoas
ficassem deprimidas ou se rebelassem. Mas o sistema, por
boas e sólidas razões práticas, deve exercer uma pressão
constante sobre as pessoas para que estas modelem o seu
comportamento às necessidades do sistema. Acumulam-
-se resíduos demasiadamente? O governo, os meios de
comunicação, o sistema educacional, os ecologistas, todo
mundo nos bombardeia com um montão de propagan-
da em favor da reciclagem. Necessita-se de mais pessoal
técnico? Um coro de vozes exorta os garotos a estudar
ciências. Ninguém se detém a perguntar se seria inuma-
no forçar os adolescentes a passar a maior parte de seu
tempo estudando temas que a maior parte deles abomi-
104
na. Quando os operários qualificados perdem seu traba-
lho devido aos avanços técnicos e têm de se submeter a
programas de “atualização profissional”, ninguém se per-
gunta se é humilhante para eles serem manejados desse
modo. Simplesmente se dá por aceito que todo mundo
deve se curvar diante das necessidades técnicas. E por
bons motivos: se as necessidades humanas fossem ante-
postas às necessidades técnicas, haveria problemas econô-
micos, desemprego, escassez ou coisas ainda piores. Em
nossa sociedade, o conceito de “saúde mental” se refere,
numa grande medida, à maior ou menor capacidade dos
indivíduos de se comportarem de acordo com as neces-
sidades do sistema, sem apresentar sintomas de estresse.
105
pessoalmente escolhido, e sim somente na consecução
dos objetivos de seus patrões, como o são, por exemplo,
a sobrevivência e o crescimento da empresa. Qualquer
empresa deixaria de ser rentável se permitisse a seus em-
pregados atuar de outra maneira. De modo semelhante,
em qualquer empresa dentro de um sistema socialista, os
trabalhadores devem dirigir seus esforços para a consecu-
ção dos objetivos da empresa, pois, de outro modo, a em-
presa não cumpriria sua função como parte do sistema.
E uma vez mais, por motivos puramente técnicos, não é
possível que a maioria dos indivíduos ou dos pequenos
grupos tenha muita autonomia em uma sociedade in-
dustrial. Inclusive os proprietários de pequenos negócios;
eles têm, em geral, somente uma limitada autonomia.
Ainda que se deixe de lado a necessidade de regulação da
parte do governo, sua autonomia se encontra restringida
pelo fato de que têm de se ajustar ao sistema econômico e
de se adaptar às suas exigências. Por exemplo, quando se
desenvolve uma nova tecnologia, os donos de pequenos
negócios têm de utilizar essa tecnologia, queiram ou não,
para que possam continuar sendo competitivos.
106
Não é possível se desfazer das partes “más” da tecnologia
e se manter só as partes “boas”. Tome-se como exemplo
a medicina moderna. O progresso da ciência médica de-
pende do progresso da química, da física, da biologia, da
informática e de outros ramos da ciência. Os tratamentos
médicos avançados requerem caros equipamentos de alta
tecnologia, dos quais só se pode dispor em uma sociedade
economicamente rica e em constante desenvolvimento
tecnológico. Está claro que não se pode conseguir que a
medicina avance muito sem a totalidade do sistema tec-
nológico e o que este implica.
107
ou do acaso, ou de Deus (no que depender das crenças re-
ligiosas ou das opiniões filosóficas de cada qual) — para
ser, isso sim, um produto industrial.
108
dadeiramente protegeria a liberdade seria aquele que
proibisse TODA forma de engenharia genética em se-
res humanos, e, seguramente, um código assim nun-
ca irá vigorar numa sociedade tecnológica. Nenhum
código que reduzisse a engenharia genética a um pa-
pel secundário poderia manter-se vigente por muito
tempo, já que a tentação que representa o imenso po-
der da biotecnologia seria irresistível, especialmente
quando, para a maioria das pessoas, muitas de suas
aplicações parecessem óbvia e inequivocamente boas
(eliminar enfermidades físicas e mentais, conceder às
pessoas capacidades de que necessitam para adaptar-se
adequadamente ao mundo moderno). Inevitavelmen-
te, a engenharia genética será usada em grande escala,
somente, porém, da maneira que for compatível com
as necessidades do sistema tecnoindustrial.[NOTA 20]
109
a dar-lhe. O mais forte diz: “Que seja, negociemos. Dê-
-me metade do que eu pedi.” O mais fraco não tem ou-
tra opção que não a de ceder. Ao final de algum tempo,
o vizinho mais forte reivindica outro pedaço de terra,
negociam novamente, e o mais fraco cede. E, assim, su-
cessivamente. Forçando o vizinho mais fraco a chegar
a uma série de acordos, o vizinho mais forte acaba por
conseguir toda a terra do outro. E o mesmo se passa no
conflito entre tecnologia e liberdade.
110
a ser numerosos, fez-se necessário regular consideravel-
mente o seu uso. Uma pessoa não pode simplesmente
ir de carro até aonde quiser, e em seu próprio ritmo,
especialmente em áreas densamente povoadas; o seu
deslocamento encontra-se governado pelo fluxo do trá-
fego e por diversas normas de circulação. Tal pessoa está
sujeita a diversas obrigações: exigência de permissões,
exames de condução, renovação da carta de condutor,
seguros, requisitos de manutenção por motivos de se-
gurança, mensalidades da aquisição do veículo. Ainda
mais, o uso do transporte motorizado já não é opcio-
nal. Desde o aparecimento do transporte motorizado,
o ordenamento de nossas cidades tem mudado de um
modo tal que a maioria das pessoas já não vive a uma
distância de seu local de trabalho, das áreas comerciais e
de opções de diversão que, caminhando, possa chegar a
esses lugares com facilidade, e por isso TEM QUE de-
pender do automóvel para deslocar-se. Ou, então, terá
de usar o transporte público, caso em que terá ainda
menos controle sobre seus próprios movimentos do que
teria conduzindo um automóvel. Agora, até a liberdade
do caminhante encontra-se enormemente reduzida. Na
cidade, ele tem continuamente de parar e esperar que
mudem as luzes dos sinais de trânsito, que estão pensa-
dos, principalmente, para servir ao tráfego de automó-
veis. No campo, o tráfego motorizado torna perigoso e
desagradável caminhar ao longo da beira de uma estra-
da. (Note-se o importante ponto que ilustramos com o
exemplo do transporte motorizado: quando um novo
elemento tecnológico é introduzido na sociedade como
111
uma opção, a qual um indivíduo possa ou não aceitar
— de acordo com sua decisão —, não necessariamente
CONTINUA SENDO opcional, de um modo indefi-
nido. Em muitos casos essa nova tecnologia transfor-
ma a sociedade de tal modo que, ao final, as pessoas se
OBRIGAM a usá-la.)
112
causar dano algum, e evitará muito sofrimento. Todavia,
um grande número de melhorias genéticas, tomadas em
conjunto, converterá o ser humano num produto de en-
genharia, em lugar de manter-se ele como uma livre cria-
ção do acaso (ou de Deus, ou do que for, a depender das
crenças religiosas de cada qual).
113
tes de tudo, o sistema em seu conjunto torna-se dele
dependente. (Imaginem o que ocorreria ao sistema atu-
al se os computadores, por exemplo, fossem todos eli-
minados.) Dessa forma, o sistema pode mover-se em
uma só direção, que é para uma maior tecnologização.
A tecnologia força a liberdade a ir retrocedendo sucessi-
vamente, passo a passo; entretanto, a tecnologia mesma
nunca dá um passo atrás — a menos que se derrube o
sistema tecnológico em sua totalidade.
114
131. Os técnicos (usamos tal termo em sentido
amplo, para designar aqueles que executam qualquer
tarefa especializada que requeira formação) tendem a
ficar tão absorvidos pelo seu trabalho (sua atividade
substitutiva) que, quando surge um conflito entre seu
trabalho técnico e a liberdade, quase sempre decidem
em favor de seu trabalho. No caso dos cientistas, isso é
óbvio; contudo, isso também ocorre em qualquer ou-
tro tipo de trabalho técnico: educadores, associações
humanitárias, organizações ecologistas... ninguém tem
dúvidas em fazer uso de propaganda[NOTA 14] ou de outras
técnicas psicológicas que lhes possam ajudar a atingir
seus “louváveis” objetivos. Grandes empresas e agências
governamentais30, quando isto lhes parece útil, não têm
dúvidas em proceder à obtenção de informações acerca
dos indivíduos, sem preocuparem-se em respeitar sua
privacidade. A polícia e os promotores, frequentemen-
te, têm o seu trabalho dificultado pelos direitos consti-
tucionais dos suspeitos, e, muitas vezes, até mesmo pe-
los direitos de pessoas completamente inocentes, e daí
que fazem tudo o que for legalmente possível (ou, às
vezes, até o ilegal) para restringir ou evitar esses direi-
tos. Muitos desses educadores, funcionários públicos e
agentes da lei creem na liberdade, na privacidade e nos
115
direitos constitucionais; todavia, quando isso entra em
conflito com o seu trabalho, eles normalmente sentem
que o seu trabalho é mais importante.
116
uma proteção permanente contra a tecnologia. A história
mostra que todo acordo social é transitório; em algum mo-
mento, todos são modificados ou infringidos. Entretanto, os
avanços tecnológicos se mantêm sempre — dentro de uma
determinada civilização. Vamos supor, num exemplo, que
fosse possível se chegar a certo acordo social que impedisse
a aplicação da engenharia genética em seres humanos, ou
que impedisse que ela fosse aplicada de qualquer maneira
que ameaçasse a liberdade e a dignidade. Ainda assim, a
tecnologia permaneceria à espera. Cedo ou tarde, o acordo
social seria infringido. Cedo, provavelmente — haja vista
o ritmo das modificações em nossa sociedade. Aí então, a
engenharia genética começaria a reduzir a esfera de nossa
liberdade, e essa redução seria irreversível (salvo no caso da
derrocada da própria civilização tecnológica). Qualquer ilu-
são de se alcançar algo duradouro mediante acordos sociais
deveria desvanecer-se ao se observar o que está ocorrendo,
atualmente, com a legislação ambiental. Até há alguns pou-
cos anos, parecia que havia limites legais invulneráveis que
impediriam, ao menos, ALGUMAS das piores formas de
degradação ambiental. Uma mudança qualquer nas tendên-
cias políticas... e essas barreiras começam a desmoronar.31
117
134. Por todas as razões antes expostas, a tecno-
logia é uma força social mais poderosa que o desejo de
liberdade. Mas essa afirmação requer uma importan-
te matização. Parece que, durante as décadas que se
seguem, o sistema tecnoindustrial estará submetido a
severas pressões, devidas aos problemas econômicos e
ambientais, e também devidas, de um modo especial,
aos problemas de comportamento humano (alienação,
rebeldia, hostilidade, diversas complicações sociais e
psicológicas). Esperamos que as pressões às quais o sis-
tema provavelmente ficará submetido provoquem sua
derrocada, ou que, ao menos, debilitem-no o suficiente,
até que se faça possível promover uma revolução contra
ele. Se essa revolução ocorre e tem êxito, aí então, nesse
exato momento, o desejo de liberdade terá sido mais
poderoso que a tecnologia.
118
adoentado. Se pactuarmos com ele, e ele se recuperar de
sua doença, ao final, acabará por aniquilar totalmente a
nossa liberdade.
119
momento concreto, e outras, em outros momentos. A
linha pela qual seguem essas lutas varia de acordo com
as volúveis tendências da opinião pública. Esse não é
um processo racional, nem é provável que possa ser
dirigido de modo a se alcançar uma solução oportuna
e eficaz do problema. Os principais problemas sociais,
mesmo se chegam a ser totalmente “resolvidos”, rara-
mente — ou mesmo nunca — o são mediante um pla-
no racional e detalhado. Simplesmente se resolvem por
si mesmos, através de um processo em que vários gru-
pos competidores, que perseguem cada um dos quais
os seus próprios interesses[NOTA 23] (normalmente, em
curto prazo), chegam (por mera sorte, em geral) a uma
situação mais ou menos estável. Na realidade, os prin-
cípios que formulamos nos parágrafos 100-106 fazem
que pareça duvidoso que um planejamento social em
longo prazo tenha, ALGUMA VEZ, a possibilidade de
chegar a ser bem sucedido.
120
139. Note-se, ainda, esta importante diferença: tal-
vez os nossos problemas ambientais (por exemplo) pos-
sam algum dia ser resolvidos através de um plano racional
e detalhado; porém, se isso chega a acontecer, será só por
que a resolução desses problemas faz parte dos interesses
do sistema, num longo prazo. Por outro lado, preservar
a liberdade ou a autonomia dos pequenos grupos NÃO
faz parte dos interesses do sistema. Ao contrário, o que
convém ao sistema é pôr o comportamento humano sob
controle tanto quanto seja possível.[NOTA 24] Por conse-
guinte, enquanto as considerações práticas talvez possam,
finalmente, obrigar o sistema a tomar medidas racionais
e prudentes diante dos problemas ambientais, considera-
ções igualmente práticas obrigarão o sistema a regular o
comportamento humano até mesmo mais estreitamente
(preferencialmente através de meios indiretos, que ocul-
tem a redução da liberdade). Essa não é somente a nossa
opinião. Eminentes cientistas sociais (por exemplo, James
Q. Wilson32) têm insistido especialmente na importância
de se socializar as pessoas de um modo mais efetivo.
121
façam compatíveis a liberdade e a tecnologia. Nosso úni-
co caminho possível passará por cima do sistema tecnoin-
dustrial, em sua totalidade. Isso implica uma revolução;
não necessariamente um levante armado, porém sim, isto
certamente, uma transformação radical e fundamental na
natureza da sociedade.
122
como assinalamos no parágrafo 132, os reformadores, ao
tratarem de restringir certos aspectos da tecnologia, esta-
riam se esforçando para evitar uma consequência que lhes
seria negativa. Mas os revolucionários lutam para obter
uma grande recompensa — a materialização de seu ideal
revolucionário — e, consequentemente, se esforçam com
mais firmeza e persistência que os reformistas.
123
ta pobre, trabalho excessivo, contaminação ambiental) e
algumas têm sido psicológicas (ruído, aglomeração popu-
lacional, obrigar o comportamento humano a se ajustar
aos moldes que a sociedade exige). No passado, a nature-
za humana costumava se manter próxima do invariável,
ou então, se variava em algo, isso se dava apenas dentro
de uns fixos limites. Em consequência, as sociedades vi-
nham sendo capazes de pressionar as pessoas somente até
certos limites. Quando o limite da resistência humana
era ultrapassado, as coisas começavam a se sair mal: ocor-
riam rebeliões, ou crimes, ou a corrupção, ou a evitação
do trabalho, ou a depressão e outros transtornos mentais,
ou uma elevada taxa de mortalidade, ou uma queda na
taxa de natalidade, ou outras coisas assim, de tal maneira
que, ou bem a sociedade desmoronava, ou bem seu fun-
cionamento se tornava demasiado ineficiente — e essa,
então, seria substituída por alguma outra forma mais efi-
ciente de sociedade (rápida ou gradualmente, através da
conquista, do desgaste ou da evolução).[NOTA 25]
124
concomitantemente algumas drogas que eliminassem
essa sensação de infelicidade. Ficção científica? Em cer-
ta medida, isso é algo que já está acontecendo em nossa
própria sociedade. Sabemos bem que a frequência da
depressão clínica na população tem tido um incremen-
to importante ao longo das últimas décadas. Pensamos
que isso se deva à perturbação do processo de poder,
como já havíamos explicado nos parágrafos 59-76. Mas
ainda que estivéssemos equivocados, a crescente taxa de
depressão seguramente é o resultado de CERTAS con-
dições que existem na sociedade atual. Em vez de fazer
desaparecer as condições que fazem que as pessoas se
deprimam, a sociedade moderna administra-lhes drogas
antidepressivas. Com efeito, os antidepressivos são um
instrumento de modificação do estado interno dos indi-
víduos, para que eles sejam capazes de tolerar condições
sociais tais que, de outra maneira, resultar-lhes-ia into-
leráveis. (Sabemos, sim, que a depressão muitas vezes
tem uma origem puramente genética. Estamos aqui nos
referindo apenas aos casos em que o ambiente joga um
papel predominante.)
125
os computadores são utilizados para se obter e pro-
cessar grandes quantidades de informação acerca dos
indivíduos. A informação assim acumulada aumenta
enormemente a eficácia da coerção física (isto é, o po-
liciamento administrativo e judiciário).[NOTA 26] Para
continuar, há os métodos de propaganda, dos quais os
meios de comunicação de massas são um eficaz veículo
de difusão. Têm sido desenvolvidas técnicas eficientes
para se ganhar eleições, vender produtos ou se influir
na opinião pública. A indústria do entretenimento
atua como uma importante ferramenta psicológica
em favor do sistema, além de possibilitar também o
oferecimento de grandes doses de sexo e violência. O
entretenimento disponibiliza para o homem moderno
um meio essencial de escape psicológico. Enquanto
está absorto diante da televisão, do vídeo, etc., pode
esquecer-se do estresse, da ansiedade, da frustração,
da insatisfação. Muitas das pessoas primitivas, quan-
do não tinham que trabalhar, podiam sentar-se por
várias horas seguidas sem fazer o que quer que fosse,
tendo com isso o suficiente para estarem contentes,
pois estavam em paz consigo mesmas e com o mundo.
Mas a maioria das pessoas modernas tende a manter-se
constantemente ocupada ou entretida, posto que, de
outro modo, tais pessoas ficam “aborrecidas”, ou seja,
sentem-se inquietas, incomodadas, irritadiças.
126
criança quando esta não sabia a lição e cumprimentá-la,
então, quando a soubesse. Ela se converteu numa técnica
cientificamente projetada para se controlar o desenvol-
vimento das crianças. Os Centros de Aprendizagem Syl-
van33, por exemplo, têm obtido um grande êxito na mo-
tivação das crianças aos estudos; e, além disso, em muitos
estabelecimentos convencionais de ensino utilizam-se
técnicas psicológicas mais ou menos eficazes. Os conse-
lhos sobre como se “criar e educar os filhos”, que estão
sendo inculcados aos pais, foram pensados para se fazer
com que as crianças e os jovens aceitem os valores fun-
damentais do sistema e se comportem de um modo tal
que resulte benéfico ao sistema. Os programas de “saúde
mental”, as técnicas de “intervenção”34, a psicoterapia e
127
outras coisas desse tipo foram declaradamente pensadas
para ajudar os indivíduos — contudo, na prática, servem
normalmente como métodos para induzir os indivíduos
a pensar e a se comportar do modo como o sistema neces-
sita. (Nisso não há contradição: qualquer indivíduo cujas
atitudes ou cujo comportamento o levem a entrar em
conflito com o sistema estará em rota de colisão com uma
força demasiado poderosa para que ele a possa vencer ou
enganar, e, portanto, ele provavelmente sofrerá estres-
se, frustração, fracasso. Sua vida será muito mais fácil se
pensar e se comportar da maneira como o sistema exige.
Nesse sentido, o sistema atua em benefício do indivíduo
quando consegue que este se conforme, mediante uma
lavagem cerebral.) O abuso infantil, em suas formas mais
brutais e ostensivas, é algo malvisto na maioria das cul-
turas, talvez mesmo em todas. Maltratar uma criança por
motivos triviais ou sem qualquer motivo é algo que hor-
roriza a quase todo mundo. Mas muitos psicólogos in-
terpretam o conceito de abuso muito mais amplamente.
A surra seria uma forma de abuso, quando usada como
parte integrante de uma forma de disciplina racional e
consistente? A questão posta por esses psicólogos depen-
de de, se em última instância, essa surra consegue ou não
128
induzir quem a sofre a se comportar de uma maneira que
bem se enquadre no sistema social existente. Na prática,
a palavra “abuso” pode ser interpretada de maneira que
inclua qualquer forma de se criar ou educar uma criança
que produza algum comportamento que resulte incon-
veniente ao sistema. Desse modo, os programas contra o
“abuso infantil”, quando vão mais além de apenas tratar
de evitar a crueldade manifesta e sem sentido, são dire-
cionados para o controle do comportamento humano em
benefício do sistema.
129
do comportamento humano e em parte por problemas
econômicos e ambientais. E uma quantidade considerável
dos problemas econômicos e ambientais do sistema é o re-
sultado do modo como se comportam os seres humanos.
Alienação, baixa autoestima, depressão, hostilidade, re-
beldia; crianças que não querem estudar, gangues juvenis,
consumo de drogas ilegais, estupros, abuso infantil, todo
tipo de crimes, sexo inseguro, gravidez precoce, crescimen-
to demográfico, corrupção política, ódio racial, rivalidade
étnica, amargos conflitos ideológicos (como, por exemplo,
a defesa do aborto contra a sua recusa)35, extremismo po-
lítico, terrorismo, sabotagem, grupos antigovernamentais,
grupos que fomentam o ódio36. Tudo isso ameaça a pró-
pria sobrevivência do sistema. Desse modo, o sistema será
OBRIGADO a usar todos os meios práticos que estejam
ao seu alcance para controlar o comportamento humano.
130
de; eles nada mais são que o resultado das condições de
vida às quais o sistema submete as pessoas. (Afirmamos
que a mais importante dessas condições é a perturbação
do processo de poder.) Se o sistema algum dia chegar a
controlar o comportamento humano o suficiente para
assegurar sua própria sobrevivência, esta importante
barreira terá sido superada pela primeira vez na história
humana. Enquanto no passado os limites da resistência
humana sempre impuseram entraves ao desenvolvimento
das sociedades (tal como explicamos nos parágrafos 143
e 144), a sociedade tecnoindustrial será capaz de superar
esses inconvenientes mediante a modificação dos seres
humanos, fazendo uso de técnicas psicológicas ou de mé-
todos biológicos. Ou de ambas as coisas. No futuro, os
sistemas sociais não serão modificados para se adaptarem
às necessidades dos seres humanos. Ao contrário, serão
os seres humanos os modificados para se adaptarem às
necessidades do sistema.[NOTA 27]
131
um psiquiatra prescreve um antidepressivo a um paciente
deprimido, é claro que está prestando um favor a esse in-
divíduo. Seria desumano negar essa droga a alguém que a
necessita. E quando os pais mandam seus filhos aos Cen-
tros de Aprendizagem Sylvan, para que os manipulem e os
façam dar mostras de entusiasmo em seus estudos, fazem
isso pensando no bem de seus filhos. Pode ser que alguns
desses pais preferissem que não se tivesse de receber uma
formação especializada para se conseguir um emprego, e
que seu filho não tivesse de sofrer uma lavagem cerebral
que o convertesse em um viciado em informática. Mas...
que outra coisa poderiam fazer? Não podem mudar a so-
ciedade, e seu filho poderia ter sérias dificuldades para
encontrar um emprego, se não chegasse a adquirir certas
habilidades. Assim, pois, que o mandam ao Sylvan.
132
jovens e pô-la nas mãos do Estado, representado pelo sis-
tema público de ensino.
133
155. Nossa sociedade tende a considerar “doentio”
qualquer comportamento ou modo de pensar que de-
monstre ser inconveniente ao sistema. E assim o é por
que, quando um indivíduo não se encaixa dentro do sis-
tema, isso tem um resultado doloroso para o indivíduo ao
mesmo tempo em que causa problemas ao sistema. Por
conseguinte, a manipulação dos indivíduos para adaptá-
-los ao sistema é vista como a “cura” de uma “doença”, e,
consequentemente, como algo de bom.
134
lhesse submeter-se a esse tratamento, então o nível geral
de estresse na sociedade seria reduzido, e, desse modo,
o sistema poderia seguir incrementando as pressões que
geram estresse. Isso levaria ainda mais gente a submeter-
-se a tal tratamento — e assim sucessivamente, de modo
que, ao termo disso, as pressões poderiam chegar a ser
tão intensas que pouca gente seria capaz de sobreviver
sem ter de submeter-se àquele tratamento de redução de
estresse. De fato, algo assim parece já ter ocorrido com
uma das ferramentas psicológicas mais importantes de
acesso à redução do estresse (ou, ao menos, ao seu escape
temporário), em nossa sociedade: o entretenimento de
massas (veja-se o parágrafo 147). Nosso uso do entrete-
nimento de massas é “opcional”: nenhuma lei nos força a
assistir televisão, escutar rádio, ler revistas. Entretanto, o
entretenimento de massas é um meio de escape e de redu-
ção do estresse, e a maioria de nós se tornou dependente
disso. Todo mundo se queixa do lixo transmitido pela
televisão — contudo, quase todos assistem à televisão.
Alguns poucos deixaram de lado o hábito de assistir TV,
todavia, é raro encontrar-se hoje em dia uma pessoa que
não use QUALQUER tipo de entretenimento de massas.
(No entanto, até um período bastante recente da história
na humanidade, a maior parte das pessoas se dava por
muito contente sem mais entretenimento que aquele que
cada comunidade local criava para si mesma.) Sem a in-
dústria do entretenimento, o sistema provavelmente não
seria capaz de nos ter submetido ao alto grau de pressão
estressante a que nos submete.
135
157. Se a sociedade industrial sobreviver, é provável
que a tecnologia acabe por adquirir algo muito parecido a
um controle total sobre o comportamento humano. Que
o pensamento e o comportamento humanos tenham, em
grande medida, um embasamento biológico, é algo que
vem sendo demonstrado para além de toda dúvida racio-
nal. Como os experimentos têm demonstrado, sensações
tais como a fome, o prazer, a ira e o medo podem ser
provocadas ou inibidas através da estimulação elétrica das
zonas cerebrais apropriadas. As recordações podem ser
destruídas causando-se danos em certas áreas do cérebro,
ou podem mesmo aflorar à consciência através da esti-
mulação elétrica. Pelo uso de drogas, pode-se provocar
alucinações ou mudar os estados de humor. Pode ser que
exista algo como uma alma imaterial, ou mesmo que isso
não exista — contudo, se tal coisa existe, evidentemen-
te é menos poderosa que os mecanismos biológicos que
embasam o comportamento humano. Afinal, se assim
não fosse, então os investigadores não seriam capazes de
manipular tão facilmente as emoções e o comportamento
humano por meio de drogas e correntes elétricas.
136
plexas; o tipo de problema acessível à abordagem cientí-
fica. Dado o excelente histórico de nossa sociedade no
que se refere a resolver problemas técnicos, é muitíssimo
provável que se consigam grandes avanços no controle do
comportamento humano.
137
série de técnicas psicológicas e biológicas para manipu-
lar o comportamento humano, e outra, bastante distin-
ta, integrar-se essas técnicas dentro de um sistema social
em funcionamento. Esse último problema é, de ambos,
o mais difícil de resolver. Por exemplo, mesmo que as
técnicas de psicopedagogia funcionem bastante bem nas
“escolas” em que são desenvolvidas, não é exatamente
simples aplicá-las de maneira eficaz no conjunto de nosso
sistema educacional. Todos conhecemos a situação pela
qual atravessam muitas de nossas escolas. Os professores
estão por demais atarefados, tomando facas e revólveres
dos menores, para poder submetê-los a novas técnicas
que façam deles uns viciados em informática. Por isso,
apesar de todos os avanços técnicos quanto à modifica-
ção do comportamento humano, até presentemente, o
sistema não havia tido um êxito total ao se tratar de con-
trolar os seres humanos. As pessoas cujo comportamento
se encontra, em boa medida, sujeitado ao controle por
parte do sistema são aquelas que pertencem ao tipo que
poderíamos qualificar como “burguês”. Mas há uma cres-
cente quantidade de gente que, de um modo ou de outro,
rebela-se contra o sistema: parasitários de assistência so-
cial, gangues juvenis, certas seitas excêntricas, satanistas,
nazistas, ecologistas radicais, membros de milícias37, etc.
138
162. O sistema, atualmente, está travando uma
batalha desesperada para superar certos problemas que
ameaçam sua sobrevivência, entre os quais os mais im-
portantes são os problemas do comportamento huma-
139
no. Se o sistema chega a adquirir suficiente controle
sobre o comportamento humano, rápido o bastante,
provavelmente sobreviverá. Em caso contrário, irá cair.
Temos a convicção de que essa questão irá se resolver
nas próximas décadas — digamos que entre os próxi-
mos 40 e 100 anos.
140
com um arsenal de avançadas ferramentas psicológicas e
biológicas para manejar e modificar os seres humanos,
além de instrumentos de vigilância e coerção física. So-
mente um pequeno número de pessoas terá algum poder
real, e até mesmo essas pessoas, provavelmente, gozarão
de uma liberdade muito limitada, porque seu compor-
tamento também se encontrará regulado — do mesmo
modo que, hoje em dia, os políticos e os dirigentes de
grandes empresas só podem conservar suas posições de
poder se mantiverem seu comportamento dentro de cer-
tos limites bastante estreitos.
141
à ingerência em seu desenvolvimento. Pelo “bem da hu-
manidade” — sem qualquer dúvida.
142
que, quando o sistema industrial desmorone (se chegar a
desmoronar), seus escombros sejam arrasados para além
de toda possibilidade de recuperação, de modo que o sis-
tema não possa ser reconstruído. As fábricas deveriam ser
destruídas, os livros técnicos queimados, etc.
O Sofrimento Humano
143
to, que nos esforcemos para favorecer o colapso do siste-
ma? Pode ser que sim — ou que não. Em primeiro lugar,
os revolucionários nem mesmo poderão derrubar o siste-
ma se este não estiver tanto e a tal ponto debilitado que,
daí então, já haveria uma grande possibilidade, de todo
modo, de que ele acabasse se afundando por si mesmo. E
quanto maior o sistema se tornasse, mais desastrosas se-
riam as consequências de seu afundamento; assim, pode
até mesmo ser que, ao acelerarem a chegada do colap-
so, os revolucionários estejam, na realidade, reduzindo a
magnitude desse desastre.
144
temos um enorme rol de problemas econômicos, am-
bientais, sociais e psicológicos. Um dos efeitos da intro-
missão da sociedade industrial foi o de que muitos dos
mecanismos tradicionais de controle demográfico têm
sido alterados. Como consequência disso, vem ocorren-
do um crescimento explosivo da população, com tudo
o que isso provoca. Ademais, há o sofrimento psicológi-
co, que se acha amplamente espalhado entre a população
dos supostamente afortunados países do Ocidente (ver
parágrafos 44 e 45). Ninguém sabe que consequências
trarão a destruição da camada de ozônio, o efeito estufa
e outros problemas ambientais que nem sequer podem
ser previstos ainda, e, como já ficou demonstrado com a
proliferação das armas nucleares, nenhuma nova tecnolo-
gia pode ser mantida afastada do alcance dos ditadores ou
de irresponsáveis nações do Terceiro Mundo. Pensemos
como e para que utilizariam a engenharia genética, se o
pudessem, o Iraque38 ou a Coreia do Norte.
145
faremos com que todo mundo esteja são e contente!” —
pois sim, vão acreditando. Isso é o mesmo que se dizia já
há uns duzentos anos. Supunha-se, por aquela época, que a
Revolução Industrial faria desaparecer a pobreza, que faria
com que todo mundo fosse feliz, etc. As consequências re-
ais têm sido bem distintas. Os tecnófilos são irremediavel-
mente ingênuos (ou se autoiludem) em sua forma de en-
tender os problemas sociais. Não se apercebem (ou optam
pela ignorância) do fato que quando as grandes mudanças,
inclusive as aparentemente benéficas, são levadas a termo
numa sociedade, essas mudanças, por sua vez, desenca-
deiam uma longa sequência de outras novas mudanças, a
maior parte das quais são impossíveis de se prever (pará-
grafo 103). O resultado é a desestabilização da sociedade.
Desse modo, é muito provável que, com seus intentos de
acabar com a pobreza e a doença, produzir personalidades
dóceis e felizes e coisas desse gênero, os tecnófilos acabem
por criar sistemas sociais que serão terrivelmente conflitu-
osos, mais até que o próprio sistema atual. Por exemplo,
os cientistas alardeiam que acabarão com a fome criando
novas formas de cultivo de alimentos através da engenha-
ria genética. Mas isso permitiria que a população humana
continuasse se expandindo indefinidamente, e bem sabe-
mos que a aglomeração produz um aumento do estresse
e da agressão. Esse é só um exemplo dos problemas PRE-
VISÍVEIS que iriam surgir. Queremos insistir em que, tal
como tem mostrado nossa experiência passada, o progresso
tecnológico acarretará outros novos problemas que NÃO
PODERÃO ser previstos de antemão (parágrafo 103). De
fato, com a Revolução Industrial, a tecnologia tem estado
146
sempre criando novos problemas para a sociedade, muito
mais rapidamente que vem resolvendo os antigos. Por isso,
aos tecnófilos será exigido um longo e difícil processo de
tentativa e erro para livrar seu Admirável Novo Mundo
de todos os defeitos (se é que algum dia o consigam). E,
enquanto isso, produzir-se-á uma grande quantidade de
sofrimento. Assim, não está totalmente claro que a sobre-
vivência da sociedade industrial implique menos sofrimen-
to que provocaria o seu colapso. A tecnologia tem metido
a humanidade num imbróglio que não parece ter qualquer
solução fácil.
O Futuro
147
cenários possíveis: ou bem se acabaria permitindo que
as máquinas tomassem todas as decisões por si mesmas,
sem a supervisão dos seres humanos, ou bem os seres hu-
manos seguiriam mantendo sua capacidade de controle
sobre as máquinas.
148
las máquinas darão melhores resultados que aquelas
tomadas pelos homens. Ao termo disso, pode ser que
venha um tempo em que as decisões necessárias para
se manter o sistema em funcionamento fiquem tão
complicadas que os seres humanos sejam incapazes
de tomá-las com eficácia. Chegando-se a esse ponto,
na prática, as máquinas teriam todo o controle. As
pessoas já não poderiam desligar as máquinas, já que
delas estariam tão dependentes que desligá-las equi-
valeria a se suicidarem.
149
elite for composta por liberais generosos de coração e
mente, pode ser que eles decidam assumir o papel de
bondosos pastores do resto da espécie humana. Seu
intento será o de que todos tenham suas necessidades
físicas satisfeitas, que todas as crianças sejam criadas
em condições psicologicamente saudáveis, que todos
tenham um equilibrado e construtivo passatempo para
manterem-se ocupados e que qualquer pessoa que
possa chegar a sentir-se descontente seja submetida a
um “tratamento” — para curar esse seu “distúrbio”.
Bem entendido, nesse caso, a vida ficará de tal modo
destituída de sentido que as pessoas terão de ser ma-
nipuladas, biológica ou psicologicamente, seja para
eliminar sua necessidade de experimentar o processo
de poder, seja para fazer com que sintam “aplacada”
essa necessidade com a mera prática de algum passa-
tempo inofensivo. Esses seres humanos modificados,
numa sociedade assim como essa, talvez sejam mesmo
felizes, até; no entanto, bem claro está que não serão
livres. Terão sido reduzidos, então, a uma condição de
animais domésticos.
150
muita gente para quem conseguir um emprego já fica di-
fícil ou impossível, porque, por motivos intelectuais ou
psicológicos, não podem adquirir formação num nível
suficientemente necessário para serem úteis no atual sis-
tema.) Para aqueles que têm um emprego, serão feitas
cada vez mais exigências: necessitarão cada vez mais de
formação, de mais e mais qualificação, e deverão ser cada
vez mais e mais conformistas, dóceis e leais ao sistema —
de um modo tal que serão cada dia mais semelhantes às
células de um gigantesco organismo. Suas tarefas serão
cada vez mais especializadas, de maneira que seu trabalho
estará, de certo modo, fora do contato com o mundo real,
centrados numa diminuta fração da realidade. O sistema
terá de utilizar qualquer meio possível, seja psicológico
ou biológico, com o objetivo de manipular as pessoas
para mantê-las dóceis, fazer que apresentem as capacida-
des que o sistema exige e fazer que sintam sua necessida-
de de poder “aplacada” pela realização de alguma tarefa
especializada. Mas essa afirmação, que as pessoas de uma
sociedade tal terão de ser dóceis, exige uma consideração.
A competência talvez seja útil para tal sociedade, sempre
que se desenvolvam maneiras de se manter essa compe-
tência dentro de alguns limites — os quais levem-na a
servir às necessidades do sistema. Podemos imaginar uma
sociedade futura na qual ocorra uma interminável con-
corrência por posições de prestígio e poder. Mas somente
uns poucos chegarão a alcançar o topo, onde se encontra
o único poder real (veja-se o final do parágrafo 163). É
de causar repulsa, uma sociedade tal — na qual, para se
alcançar uma satisfação de sua necessidade de poder, uma
151
pessoa tenha de por muitos outros concorrentes para fora
dessa corrida, privando-os, assim, da SUA própria possi-
bilidade de alcançar o poder.
152
as mais prováveis. Mas, de todo modo, não imagina-
mos qualquer possível cenário que se mostre menos
repugnante que esses que descrevemos. É muitíssimo
provável que, se o sistema sobreviver nos próximos 40
ou 100 anos, daí então terá desenvolvido certas carac-
terísticas gerais: os indivíduos (ao menos os de tipo
“burguês”, que estão integrados ao sistema e fazem
com que este funcione, e que, em consequência, têm
todo o poder) serão mais dependentes que nunca das
grandes organizações; estarão mais “socializados” que
nunca, e suas características físicas e mentais serão, em
certa medida (possivelmente, em grande medida), um
produto da manipulação, em vez de serem o resultado
do acaso (ou da vontade divina, ou seja lá do que for);
e tudo o que ainda puder haver da Natureza selvagem
terá sido reduzido a restos preservados para estudos e
mantidos sob a supervisão e gestão de cientistas (pelo
que já não serão verdadeiramente selvagens). Em lon-
go prazo (digamos que seja dentro de poucos séculos),
é provável que nem a espécie humana e nem qualquer
outra espécie importante existam tais como as conhe-
cemos hoje em dia, porque, uma vez que se comece a
modificar os organismos através da engenharia genéti-
ca, não haverá motivo para se deixar de continuar a fa-
zê-lo ao se chegar a um determinado ponto, de modo
que as modificações provavelmente seguirão adiante,
até que o homem e outros organismos tenham sido
completamente transformados.
153
178. Aconteça o que acontecer, é certo que a tec-
nologia está impondo aos seres humanos um novo meio
físico e social radicalmente diferente do amplo leque de
ambientes aos quais a seleção natural vinha adaptando, fí-
sica e psicologicamente, a humanidade. Se o ser humano
não se conformar ao novo meio através de modificações
artificiais, terá então de se adaptar através de um longo e
doloroso processo de seleção “natural”. A primeira possi-
bilidade é bem mais provável que a segunda.
A Estratégia
154
suficientemente perturbado e instável, será possível reali-
zar-se uma revolução contra a tecnologia. O modelo seria
similar ao da Revolução Francesa e da Revolução Russa.
As sociedades francesa e russa, durante várias décadas antes
de suas respectivas revoluções, deram mostras de sinais de
tensão e debilitamento, num crescendo. Nesse ínterim, fo-
ram desenvolvendo-se ideologias que ofereciam uma nova
forma de ver o mundo, bem diferente da antiga. No caso
da Rússia, os revolucionários se dedicaram ativamente a
solapar as bases da velha ordem social. Aí então, quando
o sistema já se encontrava submetido a um tensionamento
suficientemente grande (devido à crise financeira, no caso
da França, e a uma derrota militar, no da Rússia), foi des-
truído pela revolução. O que propomos é algo parecido.
155
de um negativo; deve estar A FAVOR DE algo, além de
CONTRÁRIO A algo. O ideal positivo que nós propo-
mos é a Natureza. Ou melhor, a Natureza SELVAGEM:
aqueles aspectos do funcionamento da Terra e dos seres
vivos que são independentes do manejo humano e que
se encontram livres da ingerência e do controle huma-
nos. E consideramos que a natureza humana está inclu-
ída na Natureza selvagem, entendendo-se por natureza
humana aqueles aspectos do funcionamento do indiví-
duo humano que não se sujeitam a qualquer tipo de re-
gulação por parte de uma sociedade organizada, sendo
antes um produto da sorte, ou do livre arbítrio, ou de
Deus (a depender de quais sejam as crenças religiosas ou
filosóficas de cada um).
156
uma ideologia que exalta a Natureza e que se opõe à tec-
nologia.[NOTA 30] Não é preciso estabelecer-se qualquer tipo
de utopia quimérica, nem qualquer tipo de nova ordem
social para ajudarmos a Natureza. A Natureza cuida de si
mesma: é uma criação espontânea com existência muito
anterior ao surgimento de qualquer sociedade humana, e,
no decorrer de incontáveis séculos, vários tipos diferentes
de sociedades humanas coexistiram com ela, sem causar-
-lhe um estrago que chegasse a ser demasiadamente gran-
de. Foi com a Revolução Industrial, e somente então, que
o efeito da sociedade humana sobre a Natureza se tornou,
realmente, devastador. Para aliviar-se a pressão sobre a
Natureza, não seria preciso criar qualquer tipo especial
de sistema social — somente será necessário livrarmo-
-nos da sociedade industrial. Pois bem, isso não resolverá
todos os problemas. A sociedade industrial causou já um
enorme estrago à Natureza, e terá de se passar um perío-
do de tempo bem longo até que suas feridas cicatrizem.
Ademais, mesmo as sociedades pré-industriais podiam
provocar significativos estragos à Natureza. Entretanto,
livrarmo-nos da sociedade industrial já seria uma grande
conquista. Aliviaria as piores pressões sofridas pela Natu-
reza, de modo que suas feridas poderiam começar a sarar.
Anularia a capacidade das atuais sociedades organizadas
de estender seu controle sobre a Natureza (incluída, aí, a
natureza humana). Seja qual for o tipo de sociedade que
existir após a desaparição do sistema industrial, o certo é
que nela a maioria das pessoas terá de viver em contato
com a Natureza, porquanto, na ausência de tecnologia
avançada, as pessoas NÃO PODERÃO viver de outro
157
modo. Para poderem se alimentar, terão de ser campo-
neses, pastores, pescadores, caçadores, etc. E, em geral,
a autonomia local tenderá a aumentar, já que a falta de
tecnologia avançada e das comunicações rápidas limitará
os governos ou outras grandes organizações na sua capa-
cidade de controlar as comunidades locais.
158
modo mais racional possível. Os fatos jamais deveriam ser
intencionalmente distorcidos e dever-se-ia evitar o uso de
uma linguagem exacerbada. Isso não significa que jamais
se pudesse apelar às emoções; porém, no caso em que se o
fizesse, haveria que se tomar muito cuidado para evitar a
deformação da verdade ou fazer qualquer outra coisa que
abalasse a respeitabilidade intelectual da ideologia.
159
se pusesse ao seu lado. A história é feita por minorias
decididas e ativas, não pela maioria, a qual raramente
tem uma ideia clara e coerente daquilo que quer. Até que
chegue o momento do impulso final[NOTA 31] para a revo-
lução, a tarefa dos revolucionários deverá ser menos a de
ganhar o apoio superficial da maioria que a de construir
um pequeno núcleo de pessoas profundamente compro-
metidas. Quanto à maioria, bastará fazer-lhes saber da
existência da nova ideologia e recordá-la frequentemen-
te; ainda assim, é claro que seria desejável conseguir-se
aquele apoio majoritário, desde que e quando tal apoio
pudesse ser conquistado sem que isso debilitasse o núcleo
de pessoas seriamente comprometidas.
160
Qualquer uma das duas formas de se propor o assunto
terá correspondência com os fatos. É uma mera questão
de atitude escolher entre jogar a culpa na indústria pu-
blicitária, por manipular as pessoas, ou culpar as pessoas,
por deixarem-se manipular. Se quisermos uma estratégia
que seja eficaz, em geral, deveremos evitar jogar a culpa
sobre as pessoas.
161
caixem no marco de confronto entre a elite poderosa e as
pessoas comuns, entre a tecnologia e a Natureza.40
162
gal ou ilegalmente, até que o sistema industrial tenha
se debilitado tanto que esteja a ponto de desmoronar,
para que seu fracasso seja, assim, posto em evidência aos
olhos da maioria das pessoas. Vamos supor, por exem-
plo, que algum partido “verde”41 chegasse ao controle
do Congresso dos Estados Unidos, numa eleição. Para
preservar-se íntegro, evitando atraiçoar ou arrefecer
sua própria ideologia, ele teria, consequentemente, de
tomar rigorosas medidas que transformassem o cresci-
mento econômico em decrescimento econômico. Ao
homem comum, os efeitos disso pareceriam desastrosos:
haveria desemprego em massa, redução das comodida-
des, etc. Mesmo que se chegasse a evitar os efeitos mais
perniciosos, através de uma gestão com uma habilidade
sobre-humana, as pessoas ainda teriam de abandonar
os luxos com os quais se teriam viciado. A insatisfação
cresceria, o partido “verde” seria destituído do gover-
no e os revolucionários sofreriam um grave revés. Por
esse motivo, os revolucionários não deveriam intentar
obter poder político, até que o sistema, por si mesmo,
se tivesse tornado tão desastroso que, em havendo qual-
quer privação, esta seria considerada como um efeito do
fracasso do próprio sistema — e não como uma conse-
quência da atuação política dos revolucionários. A re-
volução contra a tecnologia, provavelmente, terá de ser
163
uma revolução daqueles de fora do poder político; uma
revolução desde baixo, e não desde cima.
164
a diferença entre um sistema industrial “democrático” e
um sistema industrial ditatorial, comparada à diferença
entre um sistema industrial e outro não industrial.[NOTA
33]
Poderíamos mesmo argumentar que seria preferível
um sistema industrial controlado por ditadores, já que
os sistemas ditatoriais têm demonstrado serem inefi-
cientes, e, portanto, parece até ser mais provável que
acabem por desmoronar. Não temos que observar mais
que o caso de Cuba.
165
197. Algumas pessoas são de opinião que o ho-
mem moderno tem demasiado poder, demasiado con-
trole sobre a Natureza; essas pessoas defendem que a
espécie humana deveria adotar uma atitude mais passi-
va. No melhor dos casos, essas pessoas estão se expres-
sando de uma maneira pouco clara, já que não chegam
a diferenciar o poder que têm AS GRANDES ORGA-
NIZAÇÕES e o poder que têm OS INDIVÍDUOS
e OS PEQUENOS GRUPOS. É um erro defender a
renúncia ao poder e a passividade, porque as pessoas
NECESSITAM ter poder. O homem moderno, en-
tendido como ente coletivo — vale dizer, o sistema
industrial —, tem um imenso poder sobre a Natureza;
e nós (o FC) consideramos que isso é algo ruim. Mas
OS INDIVÍDUOS e OS PEQUENOS GRUPOS
DE INDIVÍDUOS modernos têm muito menos po-
der que um dia teve o homem primitivo. Em geral, o
vasto poder do “homem moderno” sobre a Natureza
não é exercido por indivíduos ou por pequenos gru-
pos, e sim por grandes organizações. Até certo ponto,
o indivíduo moderno comum tem a possibilidade de
utilizar o poder da tecnologia, entretanto, só lhe é per-
mitido fazer isso dentro de uns limites muito estreitos
e somente sob a supervisão e o controle do sistema.
(Necessita-se de uma licença para tudo, e junto com
a licença vêm as normas e as regulações.) O indivíduo
tem somente aqueles poderes tecnológicos que o siste-
ma acha por bem outorgar-lhe. Seu poder PESSOAL
sobre a Natureza é escasso.
166
198. Os INDIVÍDUOS e os PEQUENOS GRU-
POS primitivos tinham realmente um considerável po-
der sobre a Natureza; ou talvez fosse melhor dizer que
tinham poder DENTRO da Natureza. Quando um ho-
mem primitivo necessitava de comida, ele sabia como en-
contrar e preparar raízes comestíveis, como rastrear suas
presas e como caçá-las com armas feitas por ele mesmo.
Ele sabia como proteger-se do calor, do frio, da chuva,
dos animais perigosos, etc. No entanto, o homem pri-
mitivo causava relativamente poucos danos à Natureza,
já que o poder COLETIVO da sociedade primitiva era
insignificante se comparado com o poder COLETIVO
da sociedade industrial.
167
memente organizado — de modo que, para se conservar
ALGUMAS tecnologias, estariam obrigados a continuar
mantendo A MAIOR PARTE delas e, como consequên-
cia, acabariam somente se desfazendo de umas poucas
tecnologias, de maneira simbólica.
168
203. Imagine-se um alcoólatra sentado diante de
um barril de vinho. Vamos supor que ele comece a dizer
a si mesmo: “O vinho não é daninho se se bebe com mo-
deração. Dizem mesmo que, em pequenas quantidades,
é até benéfico! Se tomo só um traguinho, não me fará
mal...” Ora bem, já sabemos no que isso vai dar. Não
devemos esquecer jamais que a humanidade, no que se
refere à tecnologia, é como um alcoólatra diante de um
barril de vinho.
169
205. O complicado é que muitas das pessoas que
tendem a se rebelar contra o sistema industrial também
se preocupam com o problema da superpopulação, de
maneira que costumam ter poucos ou nenhuns filhos.
Desse modo, pode ser que estejam deixando o mundo
nas mãos do tipo de gente que apoia — ou ao menos
aceita — o sistema industrial. Para se assegurar o vigor
da próxima geração de revolucionários, a geração atual
deveria se reproduzir copiosamente. Em fazendo isso,
pouco estariam a piorar o problema da superpopula-
ção. E o realmente importante é se desfazer do sistema
industrial, posto que, em se tendo o sistema industrial
desaparecido, a população mundial decrescerá necessa-
riamente (ver parágrafo 167); entretanto, se o sistema
industrial sobreviver, continuará desenvolvendo novas
tecnologias para a produção de alimentos, o que per-
mitirá que a população mundial continue crescendo
quase que indefinidamente.
170
Os Dois Tipos de Tecnologia
171
qualquer ferreiro habilidoso podia fabricar o aço a par-
tir dos métodos romanos, etc. Mas a tecnologia roma-
na dependente de grandes organizações passou SIM por
uma regressão. Seus aquedutos deixaram de ser repara-
dos, foram abandonados e nunca foram reconstruídos.
Suas técnicas de pavimentação se perderam. O sistema
romano de saneamento urbano caiu no esquecimento,
de uma forma que, até em épocas recentes, o saneamento
das cidades europeias não havia voltado a se igualar ao da
Roma Antiga.
172
um depósito para a neve, ou a conservação dos alimentos
secando-os ou salgando-os — como era feito antes da
invenção da câmara frigorífica.
173
grau similar de desenvolvimento. Três dessas civili-
zações permaneceram mais ou menos estáveis, e só a
Europa veio a tornar-se dinâmica. Ninguém sabe dizer
por que a Europa, por essa época, tornou-se dinâmica;
os historiadores têm elaborado suas teorias, as quais
não são, porém, mais que especulações. Seja como for,
está claro que o desenvolvimento acelerado até uma
forma tecnológica de sociedade ocorre apenas em si-
tuações especiais. Assim é que não existe motivo para
admitir-se que uma regressão tecnológica duradoura
não possa ser levada a termo.
O Perigo do Esquerdismo
174
tendência esquerdista poderá facilmente transformar
em esquerdista um movimento qualquer que, inicial-
mente, não fosse esquerdista — de modo que as metas
esquerdistas acabam por substituir ou desfigurar as me-
tas originais do movimento.
175
coletiva, através da identificação com um movimento
de massas ou uma organização. E é pouco provável
que o esquerdismo, algum dia, chegue a abandonar a
tecnologia, porque a tecnologia é uma fonte de poder
coletivo demasiado valiosa.
em inglês) — N.T.]
176
etc.; porém, tão logo chegaram ao poder, impuseram
uma férrea censura, criaram uma polícia secreta mais
impiedosa que qualquer outra que tivesse havido no
regime dos czares e oprimiram as minorias étnicas —
pelo menos tanto quanto os czares tinham feito. Nos
Estados Unidos, há um par de décadas, quando os
esquerdistas eram uma minoria em nossas universida-
des, os professores esquerdistas eram firmes defenso-
res da liberdade de cátedra; entretanto, hoje em dia,
naquelas de nossas universidades nas quais os esquer-
distas acabaram predominando, estes têm demons-
trado estar dispostos a eliminar a liberdade de cátedra
de todos os demais. (Isto é a “correção política”.) E o
mesmo sucederá aos esquerdistas e à tecnologia: irão
usá-la para oprimir as demais pessoas — se, por fim,
alcançarem o seu controle.
177
Vendo-se a história do esquerdismo, seria totalmente
estúpido que os revolucionários não esquerdistas cola-
borassem com os esquerdistas, hoje em dia.
178
219. O esquerdismo é uma tendência totalitária.
Sempre que o esquerdismo ascende a uma posição de
poder, tende a invadir até o último recanto de privaci-
dade e a fazer que todo o pensamento fique encerrado
dentro dos moldes esquerdistas. Isso se deve, em parte,
ao caráter semirreligioso do esquerdismo: todo aque-
le que for contra as ideias esquerdistas representará o
Pecado. Algo mais importante ainda: devido à neces-
sidade de poder dos esquerdistas, o esquerdismo é um
impulso totalitário. O esquerdista busca satisfazer sua
necessidade de poder através da identificação com al-
gum movimento social, e trata de experimentar o pro-
cesso de poder ajudando a perseguir e atingir as metas
desse movimento (ver parágrafo 83). Mas não importa
o quanto o movimento tenha avançado na consecução
de suas metas — o esquerdista nunca fica satisfeito,
porque seu ativismo é uma atividade substitutiva (ver
parágrafo 41). Vale dizer, o verdadeiro motivo do ati-
vismo do esquerdista não é a consecução das supostas
metas do esquerdismo; na realidade, o que motiva seu
ativismo é a sensação de poder que obtém ao lutar por
uma meta social qualquer e, depois, alcançá-la.[NOTA
35]
Por conseguinte, o esquerdista nunca fica satisfei-
to com as metas que já alcançou; sua necessidade de
poder o leva a sempre perseguir alguma nova meta. O
esquerdista deseja igualdade de oportunidades para as
minorias. Quando a consegue, insiste em alcançar a
igualdade estatística de ganhos reais pelas minorias. Se
alguém abriga, em algum recanto de sua mente, uma
atitude negativa em relação a alguma minoria, o es-
179
querdista tem de reeducar essa pessoa. E as minorias
étnicas não são o suficiente; não pode permitir a quem
quer que seja que mantenha qualquer atitude negativa
em relação aos homossexuais, aos inválidos, aos gor-
dos, aos velhos, aos feios, etc. Não basta que as pessoas
devam ser informadas acerca dos riscos do fumo — há
que se imprimir uma advertência em cada pacote de
cigarros. A publicidade dos cigarros, se não é proibi-
da, deve ao menos ser restringida. Os ativistas jamais
ficarão satisfeitos até que o tabaco seja tornado ilegal;
e depois o álcool, posteriormente a comida gordurosa,
etc. Os ativistas têm combatido os maus-tratos infan-
tis mais brutais, o que é razoável. Mas, agora, querem
impedir que se aplique qualquer tipo de castigo físico
às crianças, até mesmo dar-lhes uma surra no traseiro.
Quando tiverem conseguido tornar ilegais as surras no
traseiro, vão se dedicar a tentar fazer proibir qualquer
outra coisa que considerem prejudicial para as crianças,
depois outra, e logo outra mais. Nunca ficarão satisfei-
tos até que tenham o completo controle sobre todas
as práticas da criação e da formação das crianças. E,
então, buscarão outra causa pela qual passem a lutar.
180
corrigir; isso por que, repetimos, o esquerdista está mo-
tivado menos pela aflição que lhe causam os males da
sociedade que pela satisfação de sua necessidade de poder
ao impor suas soluções à sociedade.
181
ffer47 se refere em seu livro — The True Believer48. Mas
nem todos os fanáticos são do mesmo tipo psicológico
dos esquerdistas. Seguramente, um nazista fanático, por
exemplo, é psicologicamente muito diferente de um es-
querdista fanático. Devido à sua capacidade de devotar-
-se obstinadamente a uma causa, os fanáticos são um in-
grediente útil, talvez mesmo imprescindível, de qualquer
movimento revolucionário. Isso representa um proble-
ma — e teremos de reconhecer que não sabemos como
tratá-lo. Não estamos seguros acerca de como aproveitar
a energia do fanático em favor de uma revolução contra
a tecnologia. No momento, tudo o que podemos dizer é
que nenhum fanático representará um recrutamento se-
guro para a revolução, a menos que seu compromisso se
limite única e exclusivamente à destruição da tecnologia.
Afinal, se ele se comprometesse também com qualquer
outro fim, talvez pudesse querer usar a tecnologia como
ferramenta para atingir esse outro fim. (Vejam-se os pa-
rágrafos 200-201.)
182
ce. Eu conheço Fulano e Beltrana, que simpatizam com
o esquerdismo, e eles não dão mostras de todas essas ten-
dências totalitárias.” É certo que muitos dos esquerdis-
tas, possivelmente mesmo o maior número deles, sejam
uma gente honesta que acredita sinceramente em uma
tolerância (esta, até certo ponto) aos valores das outras
pessoas, e que não quereriam usar métodos despóticos
para alcançar suas metas sociais. Nossas afirmações acerca
do esquerdismo não pretendem ser aplicáveis a todo in-
divíduo esquerdista, porém sim descrever o caráter geral
do esquerdismo, tomado como movimento. E o caráter
geral de um movimento não se faz determinar, necessa-
riamente, pela proporção numérica dos distintos tipos de
pessoas que o constituem.
183
já que os esquerdistas sedentos de poder, frequentemen-
te, estão mais bem organizados, são mais desapiedados e
maquiavélicos e costumam ter a precaução de construir,
previamente, uma sólida base para seu poder.
184
afáveis e tolerantes, não impede de modo algum que
o esquerdismo, tomado como movimento, tenha uma
tendência totalitária.
185
feito nesta obra, e somente podemos aconselhar ao leitor
que use sua própria capacidade de julgamento quando a
decidir quem é um esquerdista.
186
psicopedagógicos “liberais”, do planejamento social,
das ações afirmativas, do multiculturalismo 51. Tende
a se identificar com as vítimas. Tende a ficar contra
a competência e a violência; porém, frequentemen-
te, encontra desculpas para aqueles esquerdistas que
levam a cabo ações violentas. Encanta-lhe usar as ex-
pressões clichês típicas da esquerda, como “racismo”,
“sexismo”, “homofobia”, “capitalismo”, “imperialis-
mo”, “neocolonialismo”, “genocídio”, “mudança so-
cial”, “justiça social”, “responsabilidade social”. Tal-
vez o melhor traço diagnóstico do esquerdista seja sua
tendência a simpatizar com os seguintes movimentos:
feminismo, direitos dos homossexuais, direitos étni-
cos, direitos dos incapacitados, direitos dos animais,
correção política, etc. Quem quer que demonstre
uma forte simpatia por TODOS esses movimentos
é, com quase total segurança, um esquerdista.[NOTA 36]
187
distas mais perigosos de todos talvez sejam certos indi-
víduos sobressocializados, que evitam dar as irritantes
demonstrações de agressividade e se abstém de deixar
transparecer seu esquerdismo, entretanto trabalham
calada e discretamente para promover valores cole-
tivistas, técnicas psicológicas “progressistas” para so-
cializar as crianças, a dependência dos indivíduos em
relação ao sistema, etc. Esses criptoesquerdistas — po-
deríamos assim chamá-los —, no que concerne à ação
prática, assemelham-se a certos indivíduos de tipo
burguês; contudo, deles se diferenciam na psicologia,
na ideologia e na motivação. O burguês típico trata
de submeter as pessoas ao controle pelo sistema para
proteger seu estilo de vida, ou o faz apenas porque suas
atitudes são as convencionais. O criptoesquerdista tra-
ta de submeter as pessoas ao controle pelo sistema por-
que é um fanático, adepto de alguma ideologia coleti-
vista. O criptoesquerdista se diferencia do esquerdista
sobressocializado pelo fato de que sua necessidade de
rebeldia é mais débil e está mais profundamente so-
cializado. Ele se diferencia também do típico burguês
bem socializado pelo fato de que há nele alguma pro-
funda carência, a qual obriga-o a comprometer-se com
uma causa e a diluir-se em uma coletividade. E, talvez,
sua (bem sublimada) sede de poder seja maior que a
do burguês típico.
188
Nota Final
189
vítimas elas mesmas desempenhem um papel decisivo em
sua psicologia. A identificação com as vítimas da parte de
pessoas que não são vítimas elas mesmas se pode observar,
em certa medida, no esquerdismo do século XIX e entre
os primeiros cristãos, contudo, pelo que sabemos, os sin-
tomas de baixa autoestima, etc., não eram tão evidentes
nesses movimentos, ou em quaisquer outros movimen-
tos, como o são no esquerdismo moderno. No entanto,
não podemos afirmar com certeza que não tenha havido
qualquer movimento com essas mesmas características e
num grau similar antes do esquerdismo moderno. Essa
é uma questão importante, à qual os historiadores deve-
riam dedicar sua atenção.
Notas
190
Nota 3 (§ 27). Isso não inclui, necessariamente, os
especialistas das engenharias ou das ciências puras.
191
eficaz para socializar seus filhos de acordo com as neces-
sidades do sistema. Nos parágrafos 51 e 52, explicamos
por que o sistema não pode permitir-se deixar que a fa-
mília ou outros grupos sociais de pequena escala sejam
fortes ou autônomos.)
192
exija esforço conduz ao tédio, e que este, quando se man-
tém por muito tempo, frequentemente acaba provocando
depressão. O fracasso na consecução de metas causa frus-
tração e queda da autoestima. A frustração produz enfa-
do, o enfado leva à agressão, o que frequentemente toma
a forma de maus-tratos à esposa ou aos filhos. Observa-
-se que a frustração contínua, durante um longo período
de tempo, frequentemente conduz à depressão, e que esta
tende a causar ansiedade, sentimento de culpa, transtor-
nos da alimentação e do sono e sentimentos ruins acerca
de si mesmo. Aqueles que tendem à depressão buscam o
prazer como antídoto; daí o hedonismo insaciável e o sexo
excessivo, com a prática de perversões para se desfrutar de
novas sensações. O tédio também tende a provocar uma
busca excessiva de prazer, já que, na falta de outras me-
tas, as pessoas frequentemente tomam o prazer como uma
meta. Veja-se o diagrama ao final desta nota.
O que acabamos de mencionar é uma simplificação.
A realidade é mais complexa e, com certeza, a perturba-
ção do processo de poder não é a ÚNICA causa possível
dos sintomas descritos.
Ademais, quando falamos da depressão, não nos re-
ferimos necessariamente às formas de depressão que são
suficientemente graves para serem tratadas por um psi-
quiatra. A depressão a que nos referimos toma frequente-
mente apenas formas leves. E quando falamos de metas,
não nos referimos, necessariamente, a metas meditadas e
em longo prazo. Para muita gente, talvez para a maioria
das pessoas ao longo de grande parte da história da hu-
manidade, as necessidades imediatas da existência (sim-
193
plesmente conseguir o alimento diário para si mesmo e
sua família) têm sido metas mais que suficientes.
Frustração
Enfado
Aborrecimento
Maus-tratos
Baixa
autoestima
Transtornos
do sono
194
exemplo, os bandos juvenis e certas seitas excêntricas53.
Todo mundo os considera perigosos, e realmente o são,
porque os membros desses grupos mostram-se leais uns
com os outros antes que com o sistema, e, portanto, o
sistema não pode controlá-los.
Ou tomemos, como exemplo, os ciganos. Os ciga-
nos geralmente saem impunes das acusações de roubo ou
fraude, porque sua lealdade mútua é tal que sempre en-
contram outros ciganos que testemunhem em seu favor,
“provando” assim a sua inocência. Obviamente, o sistema
teria sérios problemas se muita gente pertencesse a gru-
pos desse tipo.
Alguns dos pensadores chineses do início do século
XX, que estavam preocupados em modernizar a China,
reconheciam a necessidade de se decompor os grupos
sociais de pequena escala, tais como a família: “[Segun-
do Sun Yat-sen] o povo chinês necessitava uma nova in-
jeção de patriotismo, a qual o levasse a transformar sua
lealdade à família em lealdade ao Estado. (...) [Segundo
Li Huang,] os vínculos tradicionais, sobretudo com a
família, tinham de ser abandonados, se se quisesse que
o nacionalismo se desenvolvesse na China.” (Chester C.
Tan, Chinese Political Thought in the Twentieth Century,
ps. 125 e 297.)
195
Nota 8 (§ 56). Sim, sabemos que os Estados Uni-
dos, no século XIX, tinham os seus problemas, e graves;
entretanto, a exigência de brevidade fez com que tivésse-
mos de nos expressar de maneira simplificada.
196
do marketing. No entanto, está claro que a indústria
da publicidade e do marketing tem muito a ver com a
criação de tal cultura. As grandes empresas que gastam
milhões em publicidade não converteriam essas somas
sem sólidos indícios de que as recuperarão com acrésci-
mos. Um membro do FC conheceu, alguns anos atrás,
um chefe de vendas que foi suficientemente franco para
dizer-lhe: “nosso trabalho consiste em fazer que as pes-
soas comprem coisas que não querem, que nem sequer
necessitam”. Então lhe explicou que, se um vendedor
novato oferecesse ao público um produto mostrando-
-o tal como é, poderia nada vender, em absoluto, en-
quanto que um vendedor experiente faria muitíssimas
vendas desse mesmo produto, às mesmas pessoas. Isso
demonstra como as pessoas são manipuladas para com-
prar coisas que realmente não desejam.
54 Há que se ter em conta que isso se refere aos quinze anos ante-
riores a 1995, nos Estados Unidos. [N.T.]
197
se esse desejo se realizasse, a única coisa que conseguiriam
seria agravar o problema da falta de objetivos. A questão,
na realidade, não é se a sociedade proporciona bem ou
mal segurança às pessoas; o problema é que as pessoas
dependem do sistema para que este garanta sua seguran-
ça, no lugar de tê-la elas mesmas em suas próprias mãos.
Esse, diga-se de passagem, é um dos motivos pelos quais
algumas pessoas consideram tão a sério o direito de se
possuir armas; a posse de uma arma de fogo põe parte de
sua seguridade em suas próprias mãos.
198
Nota 14 (§§ 73, 114 e 131). Quando alguém con-
corda com a finalidade para a qual a propaganda é usada
num determinado caso, então, normalmente, chama-a de
“educação” — ou utiliza algum outro eufemismo seme-
lhante para denominá-la. Mas propaganda é propaganda,
independentemente do propósito para o qual se a utiliza.
199
so social contemporâneo mais fundamental, o da própria
urbanização industrial...
“Massachusetts, em 1835, tinha uma população de
uns 660.940 habitantes, dos quais 81% era população
rural, majoritariamente pré-industrial e nascida naque-
la mesma zona. Seus cidadãos costumavam desfrutar de
uma considerável liberdade pessoal. Fossem carroceiros,
fazendeiros ou artesãos, estavam acostumados a estabe-
lecer seus próprios horários, e a natureza de seu trabalho
fazia com que fossem fisicamente independentes uns dos
outros... Os problemas individuais, as faltas cometidas
ou mesmo os assassinatos, normalmente, não causavam
uma preocupação social generalizada...
“Mas o impacto das duas movimentações simultâ-
neas, para a fábrica e para a cidade, ambas já emergentes
em 1835, teve um efeito progressivo no comportamento
pessoal ao logo do século XIX e mesmo adiante, já no
século XX. A fábrica exigia regularidade no comporta-
mento, uma vida governada pela obediência aos ritmos
do relógio e do calendário, às ordens do capataz e do su-
pervisor. Na cidade ou no povoado, as limitações da vida
em vizinhanças estreitamente apertadas inibiram muitas
ações que anteriormente eram consideradas aceitáveis.
Nas grandes instalações, os empregados de colarinho azul
e de colarinho branco eram mutuamente dependentes;55
200
como o trabalho de um homem tinha de se encaixar com
o dos outros, a obra de cada homem deixou de ser pro-
priamente sua.
“Os efeitos da nova organização da vida e do tra-
balho fizeram-se evidentes ali por 1900, ano em que se
considera que aproximadamente 76% dos 2.805.346 ha-
bitantes de Massachusetts viviam em zona urbana. Gran-
de parte dos comportamentos violentos ou desregrados,
que haviam sido toleráveis na precedente sociedade infor-
mal e independente, deixou de ser aceitável na atmosfera
mais formalizada e cooperativa do período posterior... O
deslocamento para as cidades produziu, em resumo, uma
geração mais dócil, mais socializada, mais ‘civilizada’ que
suas predecessoras.”
201
comum...” (L. Sprague de Camp, The Ancient Engine-
ers, Edições Ballantine, p. 17.)
As vidas dos três empregados de banco não são
IDÊNTICAS. A ideologia exerce também ALGUMA
influência. Mas todas as sociedades tecnológicas, para
poderem sobreviver, têm de evoluir seguindo APROXI-
MADAMENTE a mesma trajetória.
202
TODAS as suas jogadas. Em cada ocasião particular, o Sr.
C fará um favor ao Sr. A, ao mostrar-lhe a melhor jogada;
contudo, ao fazer TODAS as jogadas por ele, estraga-lhe
o jogo, já que não tem qualquer sentido que o Sr. A siga
jogando se, na realidade, é outro quem realiza todas as
suas jogadas.
A situação do homem moderno é análoga à do Sr. A.
O sistema torna mais fáceis inumeráveis aspectos da vida
dos indivíduos; porém, ao fazê-lo, priva-lhes do controle
sobre seu próprio destino.
203
víduo deve permanecer sempre acorrentado, ainda que,
por vezes, as suas correntes sejam bastante alongadas.
(Vejam-se os parágrafos 94 e 97).
204
posse de QUALQUER arma de fogo, registrada ou não,
poderá ser um crime, e o mesmo poderá ocorrer com os
métodos politicamente incorretos de se criar e educar os
filhos, como o das surras no traseiro. Em alguns países,
a expressão de opiniões políticas dissidentes é um crime,
e não se pode assegurar que isso não vá acontecer jamais
nos Estados Unidos, já que nenhuma constituição e ne-
nhum sistema político duram para sempre.
Se uma sociedade tem necessidade de um gran-
de e poderoso aparato policial e judiciário para fazer
cumprir a lei, então é que há algo de gravemente erra-
do nessa sociedade — a qual tem de submeter as pes-
soas a enormes pressões, já que tantas pessoas há que se
recusam a seguir as normas, ou que as seguem apenas
por que se as obrigam. Muitas sociedades, no passado,
estiveram bem arranjadas com bem poucas ou nenhu-
mas forças policiais e instituições que velassem pelo
cumprimento da lei.
nha foi legalizado — com seu cultivo e comercialização feitos por
empresas autorizadas e controladas por autoridades governamen-
tais —, em moldes assemelhados aos adotados na Espanha, na
Holanda e no Uruguai. Quanto ao controle da comercialização,
posse e porte de armas de fogo, a legislação estadunidense ainda
se distingue da de outros países por considerá-la como um direito
civil fundamental; somente em Massachusetts ocorrem restrições
à sua comercialização e ao seu porte. Há, no entanto, fortes pres-
sões de alguns setores da sociedade civil norte-americana no sen-
tido de se instituir uma regulação federal sobre as armas de fogo,
as quais ganharam alguma força com as investidas do Presidente
Barack Obama sobre o Congresso dos Estados Unidos, em favor
dessa regulação. [N.T.]
205
Nota 27 (§ 151). Certamente, as sociedades do pas-
sado tinham também seus métodos para influenciar o
comportamento humano, os quais, porém, eram toscos
e pouco efetivos, se comparados com os meios tecnológi-
cos que estão sendo desenvolvidos na atualidade.
206
Gibbs — Scientific American de março de 1995.) Talvez
alguém pense que isso esteja bem, já que o tratamento
seria aplicado àqueles que poderiam converter-se em de-
linquentes violentos. Mas, seguramente, isso não irá pa-
rar por aí. Em continuidade, se aplicará um tratamento
àqueles que poderão se converter em condutores bêbados
(que também põem em perigo a vida humana), depois,
talvez, às pessoas que batem em seus filhos, em seguida
aos ecologistas que sabotem equipamentos da indústria
madeireira, e, finalmente, a qualquer um cujo comporta-
mento viesse a ser inconveniente ao sistema.
207
um irracionalismo grosseiro (seitas protestantes funda-
mentalistas, certas seitas excêntricas), ou simplesmente
se tem acabado calcificada (Catolicismo, correntes ma-
joritárias dentro do Protestantismo). O mais próximo
de uma religião forte, dinâmica e amplamente estendi-
da, que o Ocidente tenha visto em épocas recentes, terá
sido a semirreligião do esquerdismo; no entanto, o es-
querdismo atual está fragmentado e não tem uma meta
clara, unificada e estimulante. Por conseguinte, há um
vazio religioso em nossa sociedade que talvez pudesse
ser preenchido por uma religião centrada na Natureza,
em oposição à tecnologia. Mas seria um erro se ten-
tar criar artificialmente uma religião que cumpra essa
função. Uma religião pré-fabricada desse tipo, provavel-
mente, seria um fracasso. Tome-se a religião de “Gaia”60,
como exemplo. Seus seguidores REALMENTE creem
nela ou, simplesmente, estão fazendo uma encenação?
Se só estão interpretando um papel, sua religião acabará
por ser um fiasco.
Provavelmente será melhor não se tentar incluir a
religião no conflito entre a Natureza e a tecnologia, a me-
nos que haja quem REALMENTE creia nessa religião e
208
que se descubra que ela provoca uma resposta profunda,
forte e genuína em muitas outras pessoas.
209
de atitudes sociais tem sido denominadas “anarquistas”,
e é possível que muitos daqueles que se consideram a si
mesmos como anarquistas não aceitem nossa afirmação
do parágrafo 215. Cabe esclarecer, e o fazemos de passa-
gem, que existe um movimento anarquista não violento
cujos membros provavelmente negarão que o FC seja
anarquista, e que, seguramente, não aprovarão os méto-
dos violentos do FC.
210
dia. Nem todo aquele que acredite que as mulheres, os
homossexuais, etc., deveriam estes ter os mesmos di-
reitos que quaisquer outros, será, necessariamente, um
esquerdista. O movimento feminista ou o movimento
a favor dos direitos dos homossexuais, etc., tais como
existem em nossa sociedade mostram um tom ideológi-
co particular que caracteriza o esquerdismo; entretanto,
que alguém acredite, por exemplo, que as mulheres de-
veriam ter igualdade de direitos, não necessariamente
significa que deva simpatizar com o movimento femi-
nista, tal como ele existe na atualidade.
211
Posfácio ao
Manifesto 62
213
O Manifesto — A Sociedade Industrial e seu Futu-
ro — tem sido criticado como “pouco original”, porém
isso não é importante. O Manifesto nunca pretendeu ser
original. Seu propósito era expor certas questões acerca
da tecnologia moderna de uma maneira clara e relativa-
mente breve, de modo que essas questões pudessem ser
lidas e entendidas por pessoas que nunca leriam nem en-
tenderiam um texto tão difícil como The Technological
Society63, de Jacques Ellul64.
A acusação de falta de originalidade, em todo caso,
é irrelevante. Seria importante para o futuro do mundo
saber se Ted Kaczynski é original ou não? Obviamente,
não! Mas, ao contrário, é sim importante para o futuro
do mundo saber se a tecnologia moderna está nos levando
214
pelo caminho do desastre, se algo além de uma revolução
poderia evitar esse desastre e se a esquerda política é um
obstáculo para que se produza essa revolução. Se assim
é, por que a maioria dos críticos tem ignorado a essência
dos argumentos levantados no Manifesto e desperdiçado
tinta com assuntos sem importância, como, por exemplo,
a alegada falta de originalidade do autor e seus defeitos
de estilo? Está claro, os críticos não podem contestar as
ideias essenciais expressadas nos argumentos do Manifes-
to, de modo que pretendem desviar desses argumentos
sua própria atenção e a dos demais, atacando aspectos
irrelevantes do Manifesto.
Não é necessário ser original para se dar conta de
que o progresso tecnológico está nos levando pelo cami-
nho do desastre, e que nada menos do que a completa
destruição do sistema tecnológico, em sua totalidade, é
o que irá nos tirar desse caminho. Em outras palavras,
somente aceitando um grande desastre por agora é que
poderemos evitar um desastre muito pior no futuro.
Mas a maioria de nossos intelectuais — e uso aqui este
termo num amplo sentido — preferem não afrontar esse
dilema aterrador, pois, apesar de tudo, não são muito
valentes, e lhes resulta ainda ser mais cômodo dedicar
seu tempo a aperfeiçoar soluções para velhos problemas
da sociedade do século XIX, tais como as desigualdades
sociais, o colonialismo, a crueldade com os animais e
coisas semelhantes.
215
festo tenha sido precedido por algum outro texto que
expusesse o problema de uma forma igualmente breve
e acessível. Mas, mesmo que assim fosse, isso não im-
plicaria que o Manifesto fosse supérfluo. No entanto,
os pontos dos quais trata, por muito familiares que se-
jam para os cientistas sociais, esses pontos ainda não são
objeto da atenção de muitas outras pessoas que deve-
riam deles ser conscientes. Ainda mais, o conhecimento
disponível acerca desse tema não está sendo aplicado.
Eu nem mesmo acredito que, na atualidade, muitos de
nossos intelectuais possam negar que haja um problema
tecnológico, contudo, quase todos eles declinam falar
desse problema. No melhor dos casos, discutem proble-
mas particulares criados pelo progresso tecnológico, tais
como o aquecimento global ou a proliferação de armas
nucleares. O problema da tecnologia, tomada em seu
conjunto, é simplesmente desconsiderado.
Por conseguinte, seja quanto for que se chegue a re-
petir a verdade dos fatos acerca do progresso tecnológico
e das suas consequências para a sociedade, ainda assim
será valido continuar a repeti-la outro tanto mais. Mes-
mo as pessoas mais inteligentes podem se recusar a en-
frentar uma verdade dolorosa, até que esta verdade lhes
tenha sido insistentemente calcada muitas e muitas vezes.
Se há algo novo em minha teoria, é que conside-
rei seriamente a revolução como uma proposta prática.
Muitos ecologistas radicais e anarquistas “verdes” falam
de revolução, contudo, ao menos pelo que conheço, ne-
nhum deles tem demonstrado entender como se pro-
duzem as revoluções reais, e tampouco parecem com-
216
preender o fato de que o único objetivo da revolução
deva ser a tecnologia em si mesma, não o racismo, o
sexismo ou a homofobia. Uns poucos pensadores sérios
têm sugerido a revolução contra o sistema tecnológico;
por exemplo, Ellul em Autopsy of Revolution65. Mas Ellul
somente sonha com uma revolução que fosse o resulta-
do, vagamente definido, de uma transformação espiri-
tual da sociedade — e está muito próximo de admitir
que a revolução espiritual que propõe é impossível. Eu
creio, ao contrário, que seja possível que as condições
prévias para a revolução possam estar se desenvolven-
do na sociedade moderna, e me refiro a uma revolução
real, não fundamentalmente diferente, em essência, de
outras revoluções que ocorreram no passado. Mas tal
revolução não se tornará realidade sem um movimen-
to revolucionário bem definido, dirigido por líderes
apropriados — líderes que tenham uma compreensão
racional do que estão fazendo, não adolescentes irados
atuando unicamente com base na emoção.
Ted Kaczynski
31 de julho de 2007
217
Nota sobre o Manifesto 66
219
completo no presente pois, por razões que não devo ex-
plicar aqui, tenho muitas coisas para fazer e bem pouco
tempo no qual fazê-las. Então eu vou mencionar apenas
os dois pontos que parecem mais importantes.
Primeiro. Muito do que o tecnófilo Ray Kurzweil
prevê para o futuro da sociedade tecnológica (em seu
livro The Singularity Is Near, por exemplo) é apenas
ficção científica. Mas em alguns aspectos importantes,
Kurzweil está absolutamente certo. Entre outras coisas,
ele aponta, corretamente, que a maioria das pessoas,
ao pensar sobre o futuro, não leva suficientemente em
conta a aceleração inexorável do progresso tecnológico.
As coisas acontecem mais e mais rápidas, e mais rápido
ainda, aparentemente sem limitações. Até os últimos
anos, durante os quais a aceleração da inovação tecno-
lógica tornou-se demasiado evidente para ser ignorada,
eu mesmo não avaliei suficientemente este fator, e, con-
sequentemente, os prazos sugeridos em ISAIF, quase
certamente, estão bem errados. Veja-se, por exemplo,
o parágrafo 177, em que escrevi sobre o que poderia
acontecer dentro de “poucos séculos”, desde o presente.
Por agora, parece muito mais provável que a tecnologia
terá transformado o mundo, para além do que nos fosse
reconhecível, já pelo ano de 2100, ou mesmo talvez até
desde várias décadas antes.
Em conexão com a aceleração tecnológica, há que
se tomar o cuidado de não se deixar enganar pelo fato de
que o desenvolvimento de uma determinada área da tec-
nologia possa parecer parar, de modo que o seu progresso
seja mais lento que o previsto, pois, enquanto a pesquisa
220
em uma área está atolada em dificuldades, haverá outras
áreas em que a rapidez do progresso supera todas as ex-
pectativas (ou ao menos todas as expectativas daqueles
que não são especialistas no campo em questão).
Segundo. No parágrafo 174 de ISAIF, eu sugeri a pos-
sibilidade de uma sociedade futura em que uma elite de
“liberais generosos de coração e mente” governaria todos
os seres humanos como se fossem animais domésticos, os
quais iriam ser mimados e manipulados para seu próprio
bem. Em 2007, quando eu estava preparando The Road
to Revolution para sua publicação, eu ainda estava em dú-
vida sobre este ponto (isso pode ser visto ainda em sua
segunda edição, a qual apareceu sob o título Technological
Slavery, 2010 — p. 217-218, nota 2). Mas agora me sin-
to razoavelmente seguro de que o futuro verá o apenas o
tratamento cada vez mais cruel dos seres humanos, que
estão se tornando supérfluos pelo advento de uma tecno-
logia que pode fazer o seu trabalho melhor e mais barato
que eles. Baseio esta opinião tanto em considerações te-
óricas (como exposto em um artigo meu, ainda inédito,
intitulado “Why the Technological System Will Destroy
Itself ” quanto em tendências incipientes que são observá-
veis nos Estados Unidos, e talvez também, em menor ex-
tensão, em outros países tecnologicamente “avançados”.
Ted Kaczynski
20 de junho de 2012
221
Apêndice
— Esquerdismo67:
Função da pseudocrítica e da pseudo-
-revolução na sociedade tecnoindustrial
223
Definição
224
das as suas versões — incluídas as libertárias ou “anar-
quistas”), porém há, também, “esquerdismos” não so-
cialistas (por exemplo, todas as correntes e iniciativas
humanitárias derivadas exclusivamente do liberalismo
filosófico ou da filantropia cristã — certas associações
de base, certas organizações de caridade, algumas mis-
sões, etc.). De fato, ao menos alguns dos valores e ide-
ais fundamentais da maior parte disso que hoje em dia
se costuma chamar “direita” são, no fundo, os mesmos
do que se denomina “esquerda”.
O esquerdismo, concretamente, abarca todas as lu-
tas e iniciativas, governamentais ou não, pela igualdade
e pelos direitos de presumidos grupos de supostos “opri-
midos” (“antipatriarcalismo” em geral e feminismo em
particular, “liberação” homossexual, antirracismo, solida-
riedade aos imigrantes, ajuda aos pobres, iniciativas para
a integração social dos marginalizados e excluídos, defesa
dos trabalhadores, dos desempregados, dos inválidos, dos
animais...), em favor do desenvolvimento (“sustentável”,
acrescentam frequentemente), da justiça, da paz, das
“liberdades” e direitos e da democracia em geral (lutas
pela distribuição da riqueza, correntes favoráveis à “le-
galização” das drogas ou à “liberação sexual”, antimili-
tarismos, pacifismos, “ecologismos” sociais — correntes
aquelas quais, ainda que denominando-se ecologistas,
centram-se prioritariamente em assuntos meramente
sociais, antepondo-os aos problemas realmente ecológi-
cos — e ambientalismos — correntes cuja função real é
manter um perímetro suficientemente habitável para que
a população possa continuar cumprindo otimamente as
225
exigências da sociedade tecnoindustrial —, anticapitalis-
mos, etc.). Abarca, pois, praticamente a totalidade dis-
so que se chama “movimentos sociais”, “contestatórios”,
“oposicionistas”, “alternativos”... assim como a imensa
maioria das ONGs, além de qualquer iniciativa, oficial
ou não, baseada em favorecer a igualdade, a solidariedade
(indiscriminada) e a defesa de presumidas vítimas ou de-
ficientes (isso que, hoje em dia, abarca grande parte das
atividades dos governos e instituições).
Costuma-se considerar que “progressismo” e “es-
querdismo” são sinônimos, e, certamente, assim o é,
normalmente — porém não sempre. Se a ideia de pro-
gresso que algum progressismo69 defende está baseada em
aumentar-se a igualdade, a solidariedade (indiscrimina-
da) e a defesa de presumidas vítimas ou de “fragilizados”
(que acontece com frequência ser precisamente a noção
de progresso de quase todos os progressismos atuais), tal
progressismo é esquerdismo. Mas nem todo progressismo
tem essa ideia humanitária de progresso: o colonialismo
do século XIX, por exemplo, baseava-se em outra ideia
de progresso bem menos “suave”, e em nada compatível
com o progressismo esquerdista.
Por outro lado, ainda que o esquerdismo, frequente-
mente, seja abertamente progressista, há também corren-
tes esquerdistas minoritárias presumidamente contrárias
ao progresso, vale dizer, supostamente não progressistas.70
69 Progressismo: crença na bondade absoluta de algum tipo de
processo de desenvolvimento.
226
Hoje em dia, desde ao menos uma década, a ide-
ologia dominante na sociedade tecnoindustrial é es-
querdista. As instituições e os meios de comunicação
de massas baseiam-se nos valores básicos esquerdistas de
Igualdade, Solidariedade (indiscriminada) e vitimismo,
e os transmitem e põem em prática adotando, apoiando
e fomentando muitas das propostas que, antigamen-
te, defendiam-nas exclusivamente uns setores minori-
tários (os esquerdistas — há uns poucos anos). Basta
observar-se minimamente a propaganda institucional,
as notícias, as formas massivas de arte e entretenimento,
a publicidade... para então dar-se conta disso. Conse-
quentemente, a população em geral tem assumido os
valores esquerdistas dessa propaganda, em maior ou
menor grau.
No entanto, muita gente está convencida de que
esses valores esquerdistas são não apenas minoritários,
como são mesmo contrários aos da sociedade moderna
atual, a qual consideram não solidária e promotora de de-
sigualdade. Essa própria crença é, por sua vez, parte fun-
damental do esquerdismo, pois o justifica e o promove.
227
Valoração
228
se apresenta como “revolucionário”, é pseudo-
-revolucionário (coisa habitual nas formas de
esquerdismo mais “radicais”).
c) O esquerdismo é um mecanismo de alarma, au-
torreparação, automanutenção e autocatálise do
funcionamento e desenvolvimento do próprio
Sistema. Com suas pseudocríticas, o esquerdis-
mo atua como mecanismo de alarma que indica
os pontos frouxos, as contradições, os limites,
as falhas, etc., do Sistema. E com suas propos-
tas, favorece seu reparo e reajuste, promovendo
“melhoras”, ou, no mínimo, paliativos, atuações
que servem para reduzir as tensões sociais, psi-
cológicas ou ecológicas que possam impedir a
manutenção, funcionamento e desenvolvimen-
to da sociedade tecnoindustrial. O esquerdismo
lubrifica a maquinaria social, não a destrói.
d) Com suas propostas, ativismo, grupos, círculos,
estética, parafernália, ideologia, etc., aparente-
mente críticos, combativos, rebeldes e pseudo-
-radicais, oferece substitutivos artificiais, inó-
cuos para a sociedade tecnoindustrial, de certas
tendências e necessidades psicológicas humanas
naturais incompatíveis com a manutenção e de-
senvolvimento do Sistema (por exemplo, subs-
titui a sociabilidade natural humana que exige,
para poder ser plenamente satisfeita, que os gru-
pos sociais sejam de pequena escala — grupos
nos quais todos os seus membros sejam capazes
de se conhecer e relacionar diretamente entre
229
si —, pela sensação de pertinência a grandes
organizações e/ou aos círculos e subgrupos es-
querdistas). Também reconduz, e converte em
inofensivos para o Sistema, certos impulsos e
reações que, por expressarem-se de maneira es-
pontânea, poderiam ser danosos ou até mesmo
destrutivos para a estrutura e o funcionamen-
to da sociedade tecnoindustrial (por exemplo,
o ativismo esquerdista serve para o desafogo da
hostilidade provocada pela frustração crônica
gerada pelo modo de vida tecnoindustrial, de
modo que esta não prejudique real e seriamente
o funcionamento e estrutura do Sistema). As-
sim, o esquerdismo, com suas propostas, oferece
aos indivíduos a falsa ilusão de que, abraçando-
-o, possam atuar natural e livremente dentro da
sociedade tecnoindustrial, e, com suas práticas,
lhes oferece a impressão, não menos falsa, de
estarem rebelando-se. Funciona, pois, também
como válvula de escape psicológica do Sistema.
e) Ademais, devido à sua função como válvula
de escape psicológica e de seu aspecto, muitas
vezes, pseudocrítico e pseudo-revolucionário,
o esquerdismo atua como uma armadilha que
atrai pessoas e grupos realmente críticos e po-
tencialmente revolucionários, desativando-os e
transformando-os, por sua vez, em esquerdistas.
Os círculos e correntes esquerdistas servem-se da
sobressocialização politicamente correta (tabus
e dogmas) para prender, dentro dos esquemas
230
ideológicos e psicológicos esquerdistas, as ideias,
os valores, as motivações, os fins, etc. — natu-
rais, originais e potencialmente revolucionários
—, de muitos dos que estabelecem contato com
eles. Assim, aqueles que de maneira independen-
te chegam a sentirem-se descontentes com o que
a sociedade tecnoindustrial está fazendo com o
mundo não artificial e com a natureza humana,
em seu intento de contatar outros indivíduos
com inquietudes semelhantes, aproximam-se,
muitas vezes, de correntes, círculos e grupos es-
querdistas, já que estes aparentam ser críticos.
Muitos caem inconsciente e psicologicamente
aprisionados por esses círculos, ao estabelecer
com eles afinidades e vínculos socioafetivos que
anulam sua capacidade de reação e de crítica,
e acabam assim, em maior ou menor medida,
tácita ou explicitamente, e de bom grado ou re-
lutantemente, abandonando ou atalhando seus
próprios valores e atitudes originais e adotando
os valores, os dogmas, os tabus, os discursos, as
teorias, a (sub)/cultura, etc., dos esquerdistas.
E também funciona no sentido inverso: quan-
do surgem lutas, círculos, correntes, teorias ou
iniciativas críticas quanto à sociedade tecnoin-
dustrial, em princípio alheias ou pouco afins ao
esquerdismo, muitos esquerdistas (em especial
os mais pseudo-radicais) sentem-se frequente-
mente atraídos por elas, invadem esses círculos
e lutas críticos originalmente alheios ao esquer-
231
dismo e/ou adotam seus discursos como seus
próprios, adulterando-os, para que se ajustem às
teorias e aos valores básicos esquerdistas, dando
como resultado a conversão ao esquerdismo des-
sas lutas ou iniciativas inicialmente não esquer-
distas, e com isso, a sua desativação como lutas
potencialmente revolucionárias.
O esquerdismo atua, portanto, também como
mecanismo de autodefesa do Sistema, ao anu-
lar impulsos, iniciativas e atitudes rebeldes,
disfuncionais e potencialmente perigosos para
o Sistema e aproveitando-os (ao modo de um
“jiu-jitsu” psicológico e ideológico) em favor da
sociedade industrial, integrando-os em círculos
e correntes esquerdistas.
f ) O esquerdismo é fruto da alienação, de um
estado de debilidade e alheamento psicológi-
co, frequentemente causado pelas condições
de vida inerentes à sociedade industrial. A tec-
nologia moderna nega aos indivíduos a pos-
sibilidade de desenvolver e satisfazer plena e
autonomamente suas tendências, capacidades
e necessidades naturais, vale dizer, sua liberda-
de, inibindo ou pervertendo sua natureza. Pri-
va-os totalmente da possibilidade de exercer
controle sobre as condições que afetam suas
próprias vidas e atenta contra sua dignidade,
ao convertê-los em seres desamparados e com-
pletamente dependentes do Sistema. Obriga-
-os a viverem em condições antinaturais para
232
as quais não estão biologicamente preparados
(ruído, alta densidade populacional, ritmo de
vida acelerado, rápidas mudanças no ambien-
te ao redor, ambientes hiperartificializados,
etc.). Regula e restringe seu comportamento
natural em muitos aspectos... Tudo isso gera
mal-estar psicológico em muitos indivíduos
(baixa autoestima e sentimentos de inferiori-
dade, tédio, frustração, depressão, ansiedade,
enfado, vazio...). E esse mal-estar se expressa
na forma de vitimismo, hedonismo, hostilida-
de... Esses sentimentos e atitudes são habitu-
ais na sociedade tecnoindustrial e dão lugar a
diversos comportamentos antinaturais. O es-
querdismo é um desses comportamentos. Seus
valores fundamentais são inspirados pelos
sentimentos de inferioridade — e por detrás
de muitas de suas teorias, discursos e ativida-
des estão a falta de confiança em si mesmo, a
hostilidade e o tédio. E como o esquerdismo,
na realidade, favorece o desenvolvimento da
sociedade tecnoindustrial, atua como um me-
canismo de retroalimentação da alienação, e,
com ela, de si mesmo.71
233
g) Os valores e ideias esquerdistas são falsos e
equivocados, contrários à Realidade, à razão,
à verdade e à Natureza (humana ou não). Em
muitos casos, isso é efeito da alienação ine-
rente à sociedade tecnoindustrial em geral, e
ao esquerdismo em particular, e, por sua vez,
retroalimenta-os. A maioria das teorias es-
querdistas é lógica, empírica e filosoficamen-
te absurdas. E os valores básicos esquerdistas,
assim como alguns outros que em geral e fre-
quentemente aparecem associados ao esquer-
dismo são, no melhor dos casos, perversões
de valores naturais e corretos (por exemplo, a
solidariedade indiscriminada é uma adultera-
ção coletivista da solidariedade natural entre
indivíduos afins), e no pior, meros disparates
(o relativismo, por exemplo). O esquerdismo
necessita, pois, falsear os fatos para ajustá-los
à sua teoria e aos seus valores.
h) O esquerdismo é uma ameaça para a autono-
mia da Natureza selvagem, incluída a verdadeira
liberdade humana. Ao situar a igualdade, a so-
lidariedade indiscriminada ou a defesa das víti-
mas acima de qualquer outro valor, descura, ou
até mesmo deprecia a autonomia do não artifi-
cial — porque, de fato, esta é incompatível com
esses valores básicos esquerdistas.
234
Conclusão
235
absorvidos, pervertidos e desativados pelo esquerdismo.72
— Não envergonhar-se de ter valores e ideias não
esquerdistas; não deixar que as reações sobressocializado-
ras73, que os dogmas e os tabus esquerdistas politicamen-
te corretos nos influenciem.
Isso, por sua vez, ajudará a manter afastados os es-
236
querdistas de nossas teorias, discursos, círculos, de nossa
luta, e evitar, assim, sua nefanda influência.
— Avançar na criação e difusão de uma ideologia
realmente crítica, não esquerdista, verdadeiramente revo-
lucionária e contrária ao sistema tecnoindustrial, à Civi-
lização e a toda forma de sistema social que inevitavel-
mente atente contra a autonomia de funcionamento dos
sistemas não artificiais.
237