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Anais do IV Simpósio Lutas Sociais na América Latina ISSN: 2177-9503

Imperialismo, nacionalismo e militarismo no Século XXI


14 a 17 de setembro de 2010, Londrina, UEL

GT 8. Marx e marxismos latino-americanos

Estado, democracia e lutas


sociais*
Juliana Faria Caetano**

Pretendemos neste artigo fazer uma breve reflexão teórica sobre o


papel do Estado burguês em sua complexa relação com o regime político,
no caso o democrático. Entendemos que o Estado comporta diferentes
regimes políticos (democracia ou ditadura) e, em conseqüência, os mesmos
sujeitos (classes e frações dominantes) podem ser ora “democráticos” ora
“ditadores”. As “opções” entre um regime e outro, para os dominantes, não
passam pelas preferências filosóficas, mas pela correlação de forças, pelos
interesses políticos e econômicos que estão em jogo em determinada
conjuntura. Quando se trata da “escolha”, se foi possível esvaziar o
conteúdo popular da democracia, não faltaram teóricos liberais para dar
forma institucional ao seu esvaziamento, como fez Schumpeter (entre
outros), para quem, a democracia não passa de um procedimento, de um
método para a escolha dos governantes.
Dessa forma, é importante repropor o debate em torno do tema,
mesmo que brevemente e limitado ao campo teórico. Portanto, não se
analisará nenhuma formação social específica e só se recorrerá a alguma tão-
somente como forma de ilustração. Para tal, recuperamos algumas análises
sobre a função do Estado (burguês), como ele organiza os interesses gerais
das classes dominantes e como o regime democrático é um instrumento

*
Este artigo é parte das pesquisas iniciais que desenvolvemos no mestrado, cujo tema principal é a
relação entre “responsabilidade social empresarial”, Estado burguês e democracia no Brasil.
** Mestranda em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina e pesquisadora do Grupo de

Estudos de Política da América Latina. End. eletrônico: jucaetano85@yahoo.com.br


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político e ideológico importante neste sentido. E, para finalizá-lo, como os
setores populares podem se posicionar política e ideologicamente em
relação àquelas “opções”.
Acreditamos na importância e na atualidade de retomarmos esse
debate e buscarmos um desenvolvimento teórico dessa discussão. Mesmo
com o fim do regime militar e a “abertura” democrática, as discussões que
se desenvolviam, em diferentes correntes de pensamento, passavam a
discutir temas como movimento de transição de democrática, discutia-se
democracia como procedimento, como programa político, ou ainda,
governabilidade, administração pública, burocracia, etc.
Com o início da transição para democracia (ou início da crise do
regime militar) no governo de Geisel, em 1974, inicia-se um processo de
“mudanças”, como, por exemplo, a reforma do sistema partidário e a
revogação do AI-5. Contudo, vale ressaltar que do início da transição para
democracia até a sua efetivação com as eleições diretas, em 1989, com a
eleição de Fernando Collor, houve um longo período. Existem diferentes
debates sobre as “transições democráticas” e as motivações para essa
abertura. Mas, de acordo com Machado:
Entendemos que um dos principais fatores que minou as bases de
sustentação políticas e ideológicas das ditaduras militares foi a
incapacidade desses regimes em seguir controlando os protestos populares,
os quais foram aumentando à medida que o “milagre” brasileiro (1967-
1974) e argentino (1963-1974) se esvaíam. (Machado, 2004, p.38)
Assim, o período final do regime militar foi marcado por crises
econômicas e aumento de protestos populares. Como sabemos, é no início
dos anos de 1980 que o processo de (re) democratização se aclara, por
exemplo, com o movimento pelas diretas já, a elaboração da Constituição de
1988, etc.
Diversos grupos e movimentos sociais voltam a lutar por mudanças
na organização do regime político, por estabilidade econômica e
alargamento de políticas sociais. Mais que isso, os movimentos sociais
clamavam por uma democracia que além de englobar mudanças no sentido
de uma maior igualdade política também englobassem igualdade social e
econômica.
Mas qual o real espaço que a democracia formal que floresce no
Brasil teria para esse tal movimento de mudanças, de uma democracia
política e também econômica? Para entender a democracia como regime
político é preciso também entendê-la como forma de Estado,
conseqüentemente, é preciso retomar a discussão sobre o papel do Estado.

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Vale ressaltar que nesse momento tanto as classes populares como a
burguesia defendiam a ‘instauração’ da democracia no país; porém, essas
classes tinham, de certo modo, interesses e expectativas distintas quanto à
democracia. Por um lado, as classes populares lutavam por uma abertura
política, mas também por mudanças na distribuição econômica, por um
aumento de políticas sociais, pelo igualitarismo e justiça social. Por outro
lado, as classes econômica e politicamente dominantes reivindicavam a
democracia como um procedimento para a escolha dos governantes e que
garantisse estabilidade política para a efetivação de seus interesses de classe.
Entendemos a democracia formal no Brasil como democracia
burguesa, assim como entendemos o Estado como Estado capitalista
burguês. De acordo com Saes, o Estado não é apenas uma dimensão da
atividade social total, mas sim, “é sempre uma organização especial, um
corpo de funcionários cuja função é praticar uma série de atos destinados a
amortecer o conflito entre as classes sociais” (1987, p.19).
Não é possível pensar o processo de democratização sem
problematizar, ainda que brevemente, a formação do Estado e quais classes
ele representa, quer dizer, pensá-lo como parte de uma formação social
capitalista. Essa questão talvez seja o elemento central sobre o movimento
de (não) transformações conjunturais, ou seja, mesmo mudando regimes
políticos ou a forma de planejamento econômico, os problemas de
desigualdades e de pobreza social permanecem ao longo dos séculos, pois os
elementos centrais dessa conjugação são retirados do debate e se mantêm
sob a bandeira de transformação e de democratização.
Para que essa forma de organização social dos modos de produção se
mantenha é preciso esse comitê, que representa as forças dominantes, para a
manutenção dessa ordem, ou seja, amortecer o conflito entre essas classes
antagônicas. É esse comitê e suas atividades que chamamos de Estado. Nas
palavras de Saes:
Para Marx e Engels, nas coletividades divididas em classes sociais
antagônicas (exploradora e explorada) o Estado se identifica com o
subgrupo de homem, destacado total ou parcialmente das tarefas inerentes
ao processo de produção, que desempenha a função de preservar essa
cisão, de impedir que a divisão da coletividade em classe social exploradora
e classe social explorada desapareça. (Saes, 1987, p.12)

Certamente não queremos resumir a estrutura e o papel do Estado


nessas breves definições, o que buscamos é definir o conceito do qual
partimos para pensar a relação do Estado moderno e o regime político
democrático formal. O Estado moderno se desenvolve e guarda
características especificas que precisam ser considerados. O que

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pretendemos com essa breve exposição é resumir a tese de Estado em geral
para Marx e Engels.
Dessa forma, também não é possível discutir o Estado sem discutir
sua estrutura de classe, assim como não é possível discutir democracia sem
discutir a relação de desigualdades políticas, econômica e social. Sobre o
Estado, Saes (1998) expressa de forma clara a peculiaridade do Estado
burguês moderno1.
A correspondência entre o Estado burguês e as relações de produção
capitalista não consiste numa relação simples e unívoca entre ambos. Qual
é, então, a natureza dessa correspondência? Um tipo particular de Estado –
o burguês- corresponde a um tipo particular de relações de produção –
capitalistas-, na medida em que só uma estrutura jurídico- política
específica torna possível a reprodução das relações de produção capitalista.
Essa é a verdadeira relação entre o Estado burguês e as relações de
produção capitalistas: só um Estado burguês torna possível a reprodução
das relações de produção capitalistas. (Saes, 1998, p.22)

A partir dessa compreensão, Saes desenvolve o conceito de Estado


burguês; para ele o Estado é burguês quando transforma todos os homens
em sujeitos iguais (seja da classe exploradora, seja da classe explorada),
como homens capazes de praticar atos de vontade, e no qual todos os
membros dessa sociedade podem fazer parte do corpo de funcionários do
Estado. Esse Estado atribui a todos capacidade jurídica geral, tornam todos
os sujeitos em indivíduos de direito e de deveres, em homens livres. (1987,
p.50)
O que especifica esse Estado burguês é sua capacidade de se
organizar internamente através de critérios ‘universalistas’, “pode se
apresentar à classe explorada como uma comunidade humana voltada à
realização dos interesses comuns a todos os ‘indivíduos’,
independentemente de sua posição no processo social de produção” (1987,
p.51). É sua capacidade em tornar a propriedade privada um direito
inalienável, de tornar a relação de exploração do processo social de
produção em contrato de trabalho, realizado entre homens iguais e livres.
Outro autor importante para pensarmos o Estado na sociedade
capitalista é Poulantzas (1977), que elabora sua tese de teoria regional do político
com o objetivo de compreender o papel do político e do Estado na
reprodução do modo de produção capitalista, ou seja, busca compreender a
superestrutura do Estado no modo de produção capitalista, a instância
regional do político. Poulantzas coloca o Político (Estado) como objeto
1
Vale explicar que Saes, nesse texto, está discutindo o Estado Burguês apoiando-se nas teses de
Poulantzas sobre o Estado, que para ele seria o Estado Capitalista, porém, essa citação de Saes vai ao
encontro com nossas inquietações e idéias.
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próprio do materialismo histórico, atribui ao político certa autonomia
relativa, sendo assim, entende que o modo de produção capitalista é
especificado por uma autonomia relativa entre suas instâncias.
Poulantzas caracteriza o Político como o lugar da estrutura político-
jurídico no capitalismo. O autor entende o Estado como reprodutor das
estruturas capitalistas, da divisão de classes, a atribuição do papel desse
Estado se dá pela suas estruturas repressivas, pelo direito burguês (valores
jurídicos) e o burocratismo. O que o autor busca explicitar em Poder Político e
classes Sociais é a relação do Estado capitalista com as classes e frações de
classes, com o bloco no poder.
Se as estruturas que se articulam na totalidade social capitalista consistem
num conjunto de valores que regulam e enquadram de modo duráveis de
um certo tipo (econômicas, políticas), a estrutura jurídico-política consiste
particularmente num conjunto de valores que, não obstante o fato de se
concretizarem de modo articulado, devem ser classificados em espécie
diferentes conforme a dimensão da prática política que é por eles regulada
e enquadrada. Pertencem a uma primeira espécie aqueles valores que
regulam e enquadram as práticas econômicas e as relações sociais por elas
condicionadas (por exemplo, as relações familiares): são os valores
jurídicos capitalistas, ou o direito capitalista. Pertencem a uma segunda
espécie aqueles valores que regulam e enquadram as relações entre os
agentes funcionalmente encarregados de regular e enquadrar as prática
econômicas e as relações sociais por elas condicionadas: são os valores
burocráticos capitalistas, ou o burocratismo. (Saes, 1998, p.49)

Outro ponto que Poulantzas nos coloca sobre a estrutura jurídico-


politica do Estado, é que essa está relacionada com a estrutura das relações
de produção, o que fica claro quando se fala em direito capitalista. Para
Poulantzas, a separação entre os meios de produção e o produtor direto se
dá através da “fixação institucionalizada” dos agentes da produção como
sujeitos jurídicos; ou seja, os agentes da produção só aparecem como
indivíduos nas relações jurídicas, do qual decorrem o contrato de trabalho e a
propriedade formal dos meios de produção. Dessa forma, essa separação
“que engendra no econômico a concentração do capital e a socialização do
processo de trabalho, instaura, conjuntamente, ao nível jurídico-político, os
agentes da produção na qualidade de ‘indivíduos- sujeitos’, políticos e
jurídicos, despojados da sua determinação econômica e, portanto, da sua
inserção em uma classe.” (Poulantzas, 1977, p.124)
Explicada brevemente essa questão, podemos pensar como essa
estrutura jurídico- política, o Estado, consegue se organizar como se não
houvesse luta de classes. Poulantzas desenvolve a tese do bloco no poder como
conceito aplicado ao Estado capitalista, já que esse Estado tem uma relação
específica entre as classes ou frações de classe, cujos interesses políticos este
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Estado responde. Isto permite situar as relações entre as diferentes formas
de Estado e a “configuração” típica que essa relação apresenta entre as
classes e frações de classe. Esse quadro não pode ser visto numa simples
visão “dualista” da luta de classes, ou seja, entender o Estado capitalista
através da luta entre classe dominante e classe dominada.
Convivem num mesmo terreno diversas classes e frações de classes
dominantes, assim como classes dominadas, dessa forma, desenvolvem-se
um mecanismo de organização desses interesses. O bloco no poder representa a
unidade política específica que está delineado na própria estrutura do Estado
capitalista. Esse conceito nos mostra que a unificação política das classes
proprietárias contra as classes trabalhadoras não exclui a submissão política
de certas frações de classe dominante à fração de classe dominante mais
poderosa. (Saes, 1998, p.05)
Com efeito, se essa coexistência de várias classes constitui um caráter geral
de toda a formação social, ela assume, contudo, formas específicas nas
formações capitalistas. Podemos estabelecer, nestas formações, a relação
entre, por um lado, um jogo institucional particular inscrito na estrutura do
Estado capitalista, jogo que funciona no sentido de uma unidade
especificamente política do poder de Estado, e, por outro lado uma
configuração particular das relações entre as classes dominantes: essas
relações, na sua relação com o Estado, funcionam no seio de uma unidade
política especifica recoberta pelo conceito do bloco no poder. (1998, p.
224)

Como dito, o Estado capitalista tem a particularidade da coexistência


e de variação entre as várias classes e frações de classe. Através do conceito
do bloco no poder, é possível constatar o favorecimento dos interesses
econômicos de uma fração da classe dominante, através da sua ação
político-administrativa, em detrimento das demais frações. Esse Estado
passa a ser um organizador da hegemonia de uma fração da classe
dominante no seio do bloco no poder. (Lazagna, 2007, p. 05)
Apesar de toda essa relação complexa, através dessas estruturas
racionais legais, do direito e do burocratismo, o Estado aparece como
neutro; como representante dos interesses da maioria, por exemplo, através
do sufrágio universal. Para Poulantzas, o sufrágio nada mais é que um jogo
institucional que permite o exercício das classes dominantes no exercício da
dominação. O sufrágio alarga a relação do Estado capitalista com a
existência particular de várias classes e frações dominantes.
Dessa forma, o sufrágio é um momento importante de disputa do
poder entre as frações de classe. A burguesia no modo de produção
capitalista apresenta-se dividida em frações de classe; nem sempre as frações
correspondem às formações concretas de produção, ou do bloco ou do

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Estado. Essa é uma característica importante do Estado moderno, que se
caracteriza pela autonomia relativa do Estado. Diversos outros pontos são
importantes para, ao menos, uma compreensão básica dos pressupostos da
teoria desenvolvida por Poulantzas, entretanto, nos cabe aqui, fazer apenas
alguns apontamentos sobre essa obra.
Como vemos, o Estado burguês pode ter como forma ou regime
tanto uma ditadura burguesa quanto uma democracia burguesa. Se todos os
membros da sociedade são considerados cidadãos no plano civil, efetiva-se
então uma democracia burguesa; caso essa cidadania política seja negada as
classes sociais, há então uma ditadura burguesa. Para que a democracia
burguesa exista é preciso considerar essas liberdades políticas, que são
formais e concretas; esse é um elemento importante para pensar a
participação política das classes exploradas, numa organização partidária,
haja vista que em outros regimes essa participação é muito mais limitada.
(1987, p.61-62)
Vale ressaltar que mesmo que as classes populares consigam eleger
delegados que os representem no Parlamento, ainda assim essa democracia é
burguesa, pois existem limitações políticas impostas ao Parlamento. E essas
limitações são encontradas quando é colocada em questão a exploração do
trabalho. Para que a democracia burguesa exista é preciso que esse
Parlamento tenha um papel real dentro desse Estado, porém, o Parlamento
está sempre se relacionando com a burocracia do Estado (civil e militar).
Caso essa burocracia esteja em risco, por exemplo, com o aumento da
organização da classe explorada (situação revolucionária), o Parlamento
pode ser suspenso, tornando-se uma ditadura burguesa.
Como ilustração dessa situação de “risco”, podemos pensar o caso da
ditadura brasileira, com o golpe de 1964. Dada uma situação de risco (real
ou ilusória) causada por crises econômicas, insatisfação popular e a ameaça
fantasmagórica da esquerda; as forças militares se juntam em prol dos
“interesses gerais” (da burguesia) e instauram a ditadura militar.
Assim, o Parlamento burguês tende a servir – mesmo na hipótese de todos
os seus membros defenderem abertamente os interesses gerais do capital-
como anteparo contra ataques policiais- militares da burocracia às classes
populares. Mas, (...) essa tendência é neutralizada em caso de emergência
de uma crise política aguda ou, no limite, de uma situação revolucionária.
(Saes, 1987, p.61)

Estamos partindo aqui de uma análise do Estado e da democracia


numa perspectiva de classe, dentro da estrutura teórica marxista, todavia,
não é essa a perspectiva dominante nem nos debates teóricos nem nas
implicações da vida política prática. Dessa forma, os pensadores sociais que
buscam desenvolver essas questões precisam debater com essas diferentes
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teses; certamente não nos cabe nesse breve artigo nos aprofundarmos nesse
debate, mas não podemos deixar de assinalar essa questão2.
Como nos mostra Wood, a democracia só pode ser compatível ao
capitalismo se for esvaziada do seu sentido popular, ou melhor, se for
separado ainda mais o político do econômico. De acordo com a autora, a
democracia não é compatível com o capitalismo, se for pensado democracia
em seu sentido clássico, ou seja, governo do povo; contudo a democracia
burguesa não só é compatível com o capitalismo, como pode ser um regime
muito favorável ao capital.
De acordo com Machado (2004), o debate sobre democracia pode ser
resumido em dois campos teóricos distintos:
No primeiro deles, estão aqueles que procuram justificar e legitimar a
'democracia realmente existente', como os teóricos da democracia
procedimental. No segundo, estão aqueles que analisam a democracia
burguesa e os seus limites a partir da forma como o Estado se organiza e
em decorrência, o regime democrático é encarado como resultado da
relação de forças no seio do bloco no poder e deste bloco com as massas
populares. (Machado, 2004, p. 59)

Machado (2004) está em sintonia com Wood (2006) no sentido de


entender a democracia institucional como democracia burguesa, e
principalmente na contradição entre democracia popular e capitalismo.
Seguindo o pensamento de Wood, a autora busca compreender as
transmutações do conceito de democracia problematizando a suposta
separação entre o político e o econômico na sociedade capitalista, todavia,
essa separação não se dá de forma completa:
A esfera política no capitalismo tem um caráter especial porque o poder de
coação que apóia a exploração capitalista não é acionado diretamente pelo
apropriador nem se baseia na subordinação política ou jurídica do
produtor a um senhor apropriador. Mas são essenciais um poder e uma
estrutura de dominação, mesmo que a liberdade ostensiva e a igualdade de
intercâmbios entre capital e trabalho signifiquem a separação entre o
“momento” da coação e o “momento” da apropriação. A propriedade
privada absoluta, a relação contratual que prende o produtor ao
apropriador, o processo de troca de mercadorias exigem formas legais,
aparato de coação e as funções policiais do Estado. Historicamente o
Estado tem sido essencial para o processo de expropriação que está na

2
Referimo-nos, principalmente, ao debate proposto por Ralph Miliband (1969), cujo intuito principal era
refutar as teses pluralistas, ao demonstrar como elas serviram para limitar o debate sobre o Estado.
Dessas teses democráticas pluralistas fica excluída a idéia de que o Estado poderia ser uma instituição
especial, “cujo objetivo é defender o predomínio na sociedade de uma determinada classe”; também se
excluem as classes e as lutas de classes. Em seu lugar, propõem “blocos de interesse”, com condições
iguais de competição política, garantido pelo Estado (Miliband, 1972:14).
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base do capitalismo. Em todos esses sentidos, apesar de sua diferenciação,
a esfera econômica se apóia firmemente na política. (Wood, 2006, p.35)

Um exemplo dessa implicação se dá na própria organização da classe


trabalhadora, haja vista que essa passa a perceber seu trabalho apenas no
campo econômico, travando lutas no interior de seu pólo industrial, por
soluções paliativas, como o aumento do salário, o que resulta por fim num
desmembramento da classe, cada grupo lutando separadamente. As lutas de
classe ficam concentradas no local da produção, numa disputa
aparentemente não política. (Wood, 2006, p. 47)
A questão central, abordada primeiramente por Marx, é desvendar o
capitalismo a fim de entender as relações sociais (políticas e econômicas) e a
disposição do poder entre exploradores e explorados. Entretanto, correntes
de teóricos liberais fazem um trabalho de harmonização da relação de
produção, separam o econômico do político, demonstrando que suas
relações são casuais e não determinadas.
A empresa privada capitalista coloca-se numa esfera separada da
organização do Estado e da sociedade civil, aparentemente são três
patamares separados, porém que se relacionam. Por exemplo, num período
de crise financeira, como a que ocorre atualmente (2008-2009), o Estado
deve intervir para saúde econômica da nação, investindo financeiramente
para recuperação do setor econômico privado, haja vista que o
desmoronamento desse setor poderá gerar uma crise social.
A ampliação da cidadania passa a incluir os trabalhadores livres e não
apenas os proprietários, entretanto ela é esvaziada da esfera política, sendo
entendida cidadania como liberdade do indivíduo. O capitalismo concebe
uma democracia formal, assim, essa forma democrática permite a igualdade
cívica convivendo junto à desigualdade social, assim, a democracia moderna
funciona sem discutir a locação do poder econômico.
Ao deslocar o centro do poder do senhorio para a propriedade, o capitalismo
tornou menos importante o status cívico, pois os benefícios do privilégio
político deram lugar à vantagem puramente “econômica”, o que tornou
possível uma nova forma de democracia. (...) a democracia capitalista ou
liberal permitiria a extensão da cidadania mediante a restrição de seus
poderes. (Wood, 2006, p.180)

As democracias modernas acolhem as desigualdades econômicas e os


conflitos de interesse em bem comum, seguindo uma noção abstrata de nação
e de cidadania; a democracia formal (burguesa) deixa intocada as relações
econômicas, principalmente a relação entre proprietários e produtores.

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Na democracia capitalista, a separação entre a condição cívica e a posição
de classe opera nas duas direções: a posição socioeconômica não
determina o direito à cidadania- e é isso o democrático na democracia
capitalista-, mas, como o poder do capitalista de apropriar-se do trabalho
excedente dos trabalhadores não depende de condição jurídica ou civil não
afeta diretamente nem modifica significativamente a desigualdade de classe
– e é isso que limita a democracia no capitalismo. As relações de classe
entre capital e trabalho podem sobreviver até mesmo à igualdade jurídica e
ao sufrágio universal. Neste sentido, a igualdade política na democracia
capitalista não somente coexiste com a desigualdade socioeconômica, mas
a deixa fundamentalmente intacta. (Wood, 2006, p.184)

Seguindo esse debate sobre a democracia moderna, observa-se em


Machado (2004) como as teses desenvolvidas pelos teóricos burgueses da
democracia, tiveram uma grande influência no debate da democracia como
regime político. Floresceu uma democracia subordinada ao sistema
capitalista, na forma de uma democracia limitada; o excesso de democracia
passa a ser entendida como perigosa para estabilidade econômica e política,
sendo assim deveria ser restrita. Na retórica de Machado vê-se:
(...) o esvaziamento da participação popular permite que representantes
políticos da burguesia assumidamente antidemocráticos a defendam e a
adéqüem aos seus interesses minoritários. A fim de evitar novas crises de
'governabilidade', esses teóricos sugerem limites ao seu funcionamento,
bem como não se importam que isso gere apatia política dos cidadãos. Ao
contrário, sustentam que a apatia é desejável à estabilidade do regime.
(Machado, 2004, p. 64)

Machado busca mostrar como o modelo de democracia moderna


(procedimental) que se desenvolveu estava concatenado com o
desenvolvimento do capitalismo; os defensores desse modelo se inspiravam
em Schumpeter (1961), na qual o processo de decisão política deveria se dar
por eleições competitivas livres e voto livre, mais do que isso, o
recrutamento desses políticos deveria advir naturalmente de uma elite
política com experiências em negócios privados, altamente qualificado. A
eficiência do governo democrático deve ser constituída por uma burocracia
forte, treinada e que instrua os políticos.
Outro elemento importante na teoria da democracia de Schumpeter é
que para que essa democracia funcione é preciso que “todos os grupos
importantes da nação estejam dispostos a aceitar todas as medidas
legislativas e todas as ordens governamentais” (Machado, 2004, p.66). Esse
método democrático está desprovido de intervenção popular, ou seja, o
eleitor tem direito de se manifestar, silenciosamente, através da escolha de
um governante entre um grupo pré-selecionado. Ou seja, o sentido da

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palavra democracia pouco tem do seu sentido original de governo do povo,
mas sim:
(...) a democracia não significa nem pode significar que o povo realmente
governa em qualquer dos sentidos tradicionais das palavras povo e
governo. A democracia significa apenas que o povo tem a oportunidade de
aceitar ou recusar aqueles que governarão. Mas, uma vez que decidir isso
de maneira inteiramente não-democrática, devemos limitar nossa
definição, acrescentando-lhe outro critério para identificação do método
democrático, isto é, a concorrência livre entre possíveis lideres pelo voto
do eleitorado. Um dos aspectos dessa definição pode ser expresso se
dizemos que a democracia é o governo dos políticos. (Schumpeter, 1961,
p. 346)
Apesar dos limites dessa democracia liberal (que não nos cabe aqui
prolongar ainda mais o debate), não podemos descartar a importância da
democracia para as classes populares. Como já discutido por Saes em um de
seus trabalhos, compreendemos que na democracia burguesa a participação
direta das classes exploradoras é maior, porém, as classes exploradas
também conseguem condições mais favoráveis a sua organização. "(...) a
classe explorada pode, graças a um esforço material coletivo, chegar a
usufruir minimamente desses direitos e a construir, assim, alguma forma de
organização da luta contra a classe exploradora." (Saes, 1998, p.147)
Entretanto, existe todo um debate sobre os limites que a democracia
burguesa traz para a classe proletária. Saes, a partir de sua releitura de Lênin,
compreende que a democracia burguesa traz consigo duas possibilidades
para a classe explorada: "(...) de um lado, é possível que instituições políticas
democráticas sirvam como instrumento de dominação ideológica burguesa
sobre o proletariado; de outro lado, é possível que tais instituições se
constituam em fator de desenvolvimento da consciência revolucionária do
proletariado. É evidente que, no tempo e lugar em se concretiza uma dessas
possibilidades, a outra possibilidade se acha excluída." (Saes, 1998, p.163)
Dessa forma, entende-se que a democracia formal pode ser a melhor
forma política para o capitalismo, porém, também é mais favorável para
liberdades de organização do proletariado. Mas como contraditória em sua
essência é essa colocação, os limites da luta permanece, dessa forma
entendemos a importância desse debate.

Bibliografia
LAZAGNA, A.; Outros. Nicos Poulantzas e a teoria regional do político na
transição socialista. In: 5o Colóquio Internacional Marx e Engels, 2007,
Campinas. CD-ROM: 5º Colóquio Internacional Marx e Engels, 2007.
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