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E S T U D O S
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OS SABERES DA CURA:
ANTROPOLOGIA DA DOENÇA
E PRÁTICAS TERAPÊUTICAS
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L U Í S S I LVA P E R E I R A / C H I A R A P U S S E T T I
(Organizadores)
OS SABERES DA CURA:
ANTROPOLOGIA DA DOENÇA
E PRÁTICAS TERAPÊUTICAS
I S P A
L i s b o a
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C.P.
L.S.P.
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AGRADECIMENTOS
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INTRODUÇÃO
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(Bastide 1976). Numa crise identitária constante, num espaço que não
lhe pertence, num tempo fracturado, cujas memórias são silenciadas,
ocultadas, perdidas nos labirintos do trauma e que somente reemergem
na expressão muda dos sintomas (Capítulo 4).
O sofrimento dos imigrantes é simultaneamente social e político.
Como nos lembra insistentemente Sayad (1999), os imigrantes provêm
de países outrora colonizados, e muitas vezes residem nos países que
foram colonizadores. A relação que o antropólogo cria com o seu
informante nunca pode subtrair-se aos vínculos do passado, ao enredo
das múltiplas relações (históricas, políiticas e económicas) constante-
mente em jogo. O encontro etnográfico já não admite um olhar
inocente, que esqueça a questão do poder em causa. O uso da medicina
em contextos coloniais é um tópico cada vez mais estudado no âmbito
da antropologia médica e ilustra formas mais subtis (as biopolíticas das
quais falou Foucault, entre outros) de disseminação de poder por parte
do Estado colonial. Não podemos mais ignorar que a força da Verdade
(biomédica/científica neste caso) pode-se impor somente através da
verdade da Força (Capítulo 3).
Não podemos ignorar essa ligação histórica dolorosa e difícil, essa
“verdade colonial” geralmente omitida – como sustenta Homi Bhabha
(2001) – que emerge através do sintoma, através da linguagem do corpo
e do sofrimento. Neste sentido, o corpo doente aparece como um arquivo
histórico e os sintomas como histórias incorporadas que estabelecem a
relação entre o nível individual e o colectivo, o presente e o passado
(Capítulo 6). Didier Fassin (2002) sugeriu a este respeito o conceito de
“incorporação da história” para descrever o duplo processo através do
qual, por um lado, o social se inscreve no corpo, e. por outro, o corpo e
os seus estados contam histórias que relatam não só a vida individual,
mas também a memória histórica sedimentada nesse mesmo corpo.
Uma vez que o corpo é problematizado em termos fenomenoló-
gicos e culturais, emerge, como já antes salientámos, a possibilidade de
pensar a saúde e a doença independentemente dos pressupostos
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Chiara Pussetti
BIBLIOGRAFIA
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PA RT E I
GOVERNAR A DOENÇA:
HISTÓRIA, POLÍTICAS E PRÁTICAS
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Capítulo 1
Ramon Sarró*
O SOFRIMENTO AFRICANO
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1 De qualquer forma, isto não significa que eu tenha mudado a minha sensação, que ainda
mantenho, de que os emigrantes africanos desconhecem ou minimizam o sofrimento
que os espera quando chegam a uma Europa cada vez mais discriminatória, onde irão
enfrentar muitos dos seus piores pesadelos e onde viverão situações desumanas graves.
Sobre o sofrimento dos imigrantes e a frustração dos seus sonhos, ver por exemplo
Sayad (1999), Bordonaro e Pussetti (2006), Sarró (2007).
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2 Para uma análise comparativa do sofrimento nas diversas religiões, ver Hinnells e Porter
(1999).
3 Obviamente, limito-me a citar os textos mais relevantes para as ciências sociais. No
âmbito da teologia, a literatura sobre o sofrimento é, obviamente, muitíssimo mais
extensa. A meio caminho entre a teologia (cristã e judaica neste caso) e os religious
studies, o livro colectivo organizado por Gibbs e Wolfson (2002) parece-me ser
particularmente claro e inspirador.
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seja Asad 2003). Ao pensar nesta estética da perda, recordo que existe
um outro elemento da secularização enquanto perda, que é a progressiva
ocultação do sofrimento no mundo em que vivemos. Poderíamos dizer,
acrescentando mais uma palavra com o prefixo ‘des’ à nossa lista, que a
secularização é um ‘dessofrimento’ do mundo (peço desculpa pelo
péssimo neologismo). Hoje em dia, ‘sofre-se porque se quer’, como
disse uma entrevistada à minha colega Maria-Manuel Quintela,
especialista em antropologia da saúde (Quintela 2008: 302)4.
Em minha opinião, a I Guerra Mundial e os anos imediatamente a
seguir constituíram um momento-chave na história recente da
secularização na Europa. É como se a Grande Guerra nos tivesse
alertado que o esquecimento da religião tinha causado danos irrepará-
veis à consciência europeia. Foi nesse contexto que se escreveram
obras muito importantes, que colocaram um travão ao entusiasmo pela
secularização, promovendo um renascimento de aproximações
académicas, num compromisso entre a ciência e a teologia, que
convidavam a pensar o ser humano como fundamentalmente religioso.
Ocorrem-me à memória livros como A Ideia do Santo, de Rudolf Otto
(1917) ou O Eterno no Homem, de Max Scheler (1922) – que abriram
caminho à fenomenologia da religião –, o Comentário à Epístola aos
Romanos de Karl Barth (1919) – cuja segunda edição de 1922 fundou a
denominada Teologia Dialéctica –, e também obras poéticas como The
Waste Land de T.S Eliot (1922), que denunciavam a arrogância do
‘esquecimento de Deus’ e os perigos dos excessos de racionalidade.
Paul Hazard viria a desenvolver mais tarde este último tema no seu
livro histórico A Crise da Consciência Europeia (1935). Porém, julgo
que o autor que melhor expressou a ambiguidade do Iluminismo na
Europa do pós-guerra foi Thomas Mann em A Montanha Magica
(1924). Neste romance, Mann criou um personagem, Settembrini, que
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5 Mann, Th. La Montaña Mágica (cap. 5, secção ‘La Enciclopedia’). Cito a formidável
tradução ao espanhol de Isabel García Adánez (Barcelona, Edhasa 2005), p. 356.
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Noutro lugar escrevi, junto com o meu colega Ruy Blanes (Sarró e
Blanes 2009b), que a imigração constitui o grande desafio à teoria da
secularização. A Europa pode estar a secularizar-se (embora esta
afirmação não deixe de ser muito discutível), mas não há dúvida de que
os imigrantes que chegam de países meridionais (pensemos no Brasil e
África, em especial) vêm mais religiosos do que seculares, trazendo
um ar fresco de religiosidade à Europa. Algumas religiões, como o
kimbanguismo, vêm precisamente recordar-nos que sofrer faz parte da
nossa condição humana e histórica.
Nas reflexões teóricas sobre a história do sofrimento humano (ver
Escalante Gonzalbo 2006), é sempre dado destaque à Shoah
(holocausto). De facto, a Shoah coloca-nos problemas ligados à
transmissão do sofrimento na linha discutida mais atrás, que dificultam a
distinção entre a vivência e a memória semântica, na qual se baseia, por
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CONCLUSÃO
6 Talvez seja conveniente recordar que a teoria de Scheler, neste aspecto, é complexa e,
de facto, considera quatro factos distintos: o ‘imediato sentir algo com outro, o ‘simpati-
zar em algo com outro’; o ‘mero contacto afectivo’ e a ‘genuína unificação afectiva’
(Scheler 1943: 29). A empatia (ou ‘simpatia’, no vocabulário de Scheler) tem sido o
ponto de desencontro entre as ciências do espírito da escola alemã, baseadas em Dilthey
e Scheler, ciência orientada para a compreensão (verstehen), e as ciências naturais
empíricas, especialmente as cognitivas (Sperber, Boyer, Whitehouse), muito mais
orientadas para a explicação e dentro das quais a empatia é uma ilusão de que devemos
prescindir. No entanto, hoje há pontos de encontro muito interessantes, pois através do
estudo científico do funcionamento do cérebro e do seu desenvolvimento cognitivo está
a conseguir demonstrar-se que, com efeito, a empatia, ou seja, a faculdade que nos
permite perceber os nossos semelhantes como nossos semelhantes, pode ser explicada
cientificamente. Convido o leitor a ler, em especial, o artigo de Gallese (2003), que
apresenta um feliz encontro entre a explicação científica e a compreensão hermenêutica.
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CODA
BIBLIOGRAFIA
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Capítulo 2
Hepatite C:
Vivência da doença, do tratamento e da cura
Marta Maia*
INTRODUÇÃO
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METODOLOGIA
2 Existem, além da hepatite C, outras formas de hepatite viral, tais como a hepatite A, B e
Delta. Existe vacina para estas últimas mas não para a C.
3 Habitualmente, o tratamento é iniciado quando o fígado do doente começa a apresentar
lesões, a chamada fibrose.
4 Em Portugal, contamos apenas com uma asociação, a SOS hepatites, sediada em Lisboa.
5 Além das hepatites virais, existem as hepatites alcoólicas, medicamentosas, auto-imunes
e fulminantes.
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O HÉPATANT
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«As outras pessoas não percebem nada... As pessoas que não têm uma
hepatite, não lhes podes falar disso, quero dizer, é como com qualquer
outra doença, apercebes-te rapidamente que as outras pessoas não
conseguem partilhar aquilo que te está a acontecer... Como queres
que compreendam, as pessoas? Não é possível. É necessário teres
vivido tu mesmo as coisas, porque... Bom, além disso, eu não tinha ar
de doente, estás a ver... Além disso, durante o meu tratamento, tinha
engordado muito, por isso... Sim, podia-se ver que tinha engordado,
mas tinha ar de quem está boa de saúde. (...) Por isso, as pessoas, se
não ficas muito magra e toda... estás a ver...» [Aline, 50 anos, último
tratamento terminado poucos meses antes da entrevista, realizada em
2005]
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«Não saía, estava num buraco... Estava num pequeno estúdio, de vinte
metros quadrados (...) Estava debaixo de uma mezanine, com estantes
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CONCLUSÃO
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BIBLIOGRAFIA
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Capítulo 3
Jorge Varanda*
INTRODUÇÃO
1 Dr. Santos David 1965. Este médico entrou para a Diamang em 1946, tendo sido chefe
dos SSD entre 1957-1973 quando foi escolhido para representante da companhia.
2 Expressão retirada do A Eneida de Virgílio usada aqui sem conotação bélica, ilustrando
antes o uso de um truque para conquistar algo, no caso em discussão, a aceitação da
medicina Ocidental.
3 Varanda 2007, capítulos 3 e 4.
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6 Ford 1971; Gibblin 1990. Ambos os autores centram-se no distúrbio do equilíbrio entre
homens, animais, tripanossomas e moscas como factor explicativo para a expansão e as
epidemias de doença do sono ocorridas; Lyons apresenta um estudo importante sobre a
doença do sono no Congo Belga relacionando a conquista colonial e exploração
económica como principais catalizadores para a disseminação da doença do sono no
Congo Belga. Lyons 1991. Körner e Bell também tomam as explicações ambientais
para explicar a epidemia de doença do sono no Uganda e Sudão. Körner 1995; Bell
1999, capítulo 5; Hoppe e McKelvey apresentam informação detalhada sobre o combate
ao vector e doença, fármacos utilizados, acções levadas a cabo em diferentes territórios
africanos e épocas, desde o século XIX até aos anos 70, Hoppe 1997; McKelvey 1973.
7 Worboys 1994.
8 Arnold 1988.
9 Vaughan 1990.
10 Gyan Prakash refere a dificuldade em escrever sob a perspectiva, ou seja, dar a voz a
trabalhadores indianos, que não deixaram documentação escrita. Prakash 1994.
11 Van Onselen 1975.
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AS MISSÕES DE RECONHECIMENTO
17 Boletim Oficial de Angola Nº. 51, II série 1921, SGL. Para a relação entre o corpo
legislativo e o contexto político internacional ver Shapiro 1983, capítulo 5, parte I.
18 Carta 24/7/22 de Florival (chefe da circunscrição do Chitato), para Direcção Técnica de
Luanda (DTL), Pasta 126B, 5-1º, MPDS, 4/1/22 – 31/10/33, MAUC (Pasta 126B, 5-1º).
19 Esta ligação económica tinha o seu aspecto mais tangível nas administrações
metropolitanas, uma em Lisboa sob a tutela do administrador-delegado Ernesto de
Vilhena, que tratava do pessoal e a de Bruxelas que tinha a cargo questões técnicas da
exploração.
20 Carta 2/8/22 de Dr. Gillet para DTL, pasta 126B, 5-1º. O médico belga alertava para a
existência de moscas tsé-tsé na área da companhia e os perigos que estas constituíam.
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21 Carta 18/7/25 de Direcção Técnica de Bruxelas (DTB) para DTL, pasta 126B, 5-1º,
MAUC.
22 Carta 10/12/25 de DTB para DTL, Pasta 126B, 5-1º, MAUC.
23 Carta 15/12/25 de DTL para DTB e Lisboa, Pasta 126B, 5-1º, MAUC.
24 Carta 15/1/26 de DTL para DTB e Lisboa, pasta 126B, 5-1º, MAUC. Este engenheiro
fez parte da direcção durante a década de 1920, sendo na década de 40 conselheiro
técnico da Diamang.
25 Carta 5/2/26 de Vilhena para DTB, pasta 126B, 5-1º, MAUC.
26 Nesta altura os serviços de saúde governamentais efectuavam campanhas em algumas
áreas da colónia. Dr. Damas Mora, “Relatórios da direcção dos serviços de saúde e
higiene de Angola referente à II luta contra a moléstia do sono em Angola 1921-1934”,
Pasta 126B, 5-2º, MPDS, 1/11/34 – 31/8/35, MAUC. (Pasta 126B, 5-2º).
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30 Carta 12/12/27 de Lane, para chefe circunscrição do Chitato com “Relatório MPDS
Outubro e Novembro”, pasta, 126B, 5-1º, MAUC.
31 Carta 20/12/30 de Quirino Fonseca para Representante em Luanda com “Relatório
MPDS Nº.2 Novembro 1930” Dr. Almeida Sousa, Pasta 126B, 5-1º, MAUC.
32 Dr Almeida Sousa “Relatório MPDS, Fevereiro 1931”, Pasta 126B, 5-1º, MAUC.
33 Com 6.000 trabalhadores é possível que as missões tenham centrado as suas acções
nestes indivíduos, nas suas famílias e população que habitava locais perto das áreas
urbanas ou de exploração da Diamang.
34 Dr. Vasques Carvalho “Relatório dos SSD” 23/02/1935, p. 3, Pasta 126B, 5-2º, MAUC.
Como Lyons afirmou para o caso do Congo Belga, o equilíbrio ecológico podia ainda
não ter sido alterado. Lyons 1991.
35 Arnold 1993.
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36 Balandier 1955.
37 Pélissier 1986-1988.
38 Lyons 1991: 85.
39 Para caso similar no Sudão ver Bell 1999: 140-143, 148-153.
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40 Bell 1999.
41 Hoppe 1997. Assunto discutido por Bell 1999: 143-184. Apesar de não ter encontrado
material que corroborasse abertamente esta questão, o facto de nos anos 60 enfermeiras
africanas da companhia terem de persuadir sobas para que grávidas fossem levadas para
as maternidades é revelador que negociações eram comuns no Chitato. Teresa Penedo
entrevista 16/11/2004; Bernardo Montaubuleno entrevista 20/11/2004.
42 Apesar de não existirem documentos referindo abertamente negociações com sobas para
as convocatórias, uma leitura contra o pêlo aponta para o oposto, assim como
testemunhos locais, bem como a ocorrência em outros contextos coloniais. Teresa
Penedo entrevista16/11/2004; Bell 1999: 143-147.
43 Este rumor atingiu proporções tais que no Congo Belga considerou-se efectuar
diagnósticos baseados unicamente no exame às glândulas. Lyons 1991: 189. Ver
também White 2000, capítulo 7 para o caso na Rodésia do Norte.
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44 Lyons 1991: 183-184. Dr. José Picoto refere o impacto positivo que “curas
espectaculares” tinham no estabelecimento de confiança e consequente procura da
biomedicina por Africanos. Picoto, 1954.
45 Lyons 1991: 197 tradução do autor.
46 Lyons refere que as provas de resistência dos africanos, fugir ou não comparecer às
concentrações e não completar tratamentos, revelam um outro nível de significado
quando a coerção, as práticas dolorosas e intrusivas da medicina ocidental são tomadas
em consideração bem como com as diferenças culturais e os diferentes conceitos de
doença e visão do mundo. Lyons 1991: 180-189.
47 Lyons 1991: 183.
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48 Este baixo número de casos poderia estar relacionado com o reduzido numero de
exames efectuados (em 1925 somente foram efectuados 215 exames) assim como a
baixa qualidade destes, ou com a não alteração do equilíbrio ecológico. Lyons 1991;
Ford 1971.
49 Carta 16/8/28, de Dr. Almeida e Sousa, Pasta 126B, 5-1º, MAUC.
50 Carta 17/10/32 de Vilhena, Pasta 126B, 5-1º, MAUC.
51 Telegrama 11/9/33 de Quirino Fonseca, para Administrador do Cassai Norte, Pasta
126B, 5-1º, MAUC.
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COMBATE À TRIPANOSSOMÍASE
58 Dr. José Picoto 1939 – “Relatório Médico – Doença do Sono, 1938”, Pasta Direcção
Administrativa, Serviço de Saúde – Relatórios Anuais (Doença do Sono de 1934 a
1955) e (Serviço de Saúde – 1926, 1932 a 1935, 1940 a 1952), MAUC (Pasta DA-RA).
59 Dr. Picoto 10/7/41, Pasta 126B, 5-5º, MPDS 1/1/39 – 31/12/45, MAUC (Pasta 126B, 5-5º).
60 Dr. José Picoto 1953 – “Relatório Médico – Doença do Sono, 1952”, Pasta DA-RA,
MAUC (Relatório Médico 1952).
61 Dr. J.H. Santos David 1957 – “Memória para a reunião médica regional de Luanda,
companhia de Diamantes de Angola”, Dundo, Angola, p. 48, MAUC (Dr. Santos David,
“Memória”).
62 Dr. José Picoto 1952 – “Relatório Médico – Doença do Sono 1951”: 1, Pasta DA-RA
MAUC.
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63 Ibid.
64 Dr. José Picoto 1939 – “Relatório Médico – Doença do Sono 1938”; Dr. José Picoto
1955 – “Relatório Médico de 1954”, Pasta DA-RA, MAUC.
65 Dr. Vasques Carvalho “Relatório 1938, MPDS”, Pasta DA-RA, MAUC.
66 Petterson 1981.
67 Dr. José Picoto “Sono 1951”: 1, Pasta DA-RA, MAUC.
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Mas a terapêutica não era linear. Em 1945 o Dr. José Picoto, chefe
dos SSD, referia casos de cura espontânea na primeira fase, hemo-
linfática, enquanto que na terceira fase, encefalite, “a escolha do
medicamento [Triparsamida, Bayer 205 e Pentamidina] não está ainda
perfeitamente estabelecida” bem como a dosagem, isto devido aos
efeitos secundários – cegueira – e a resistência dos tripanossomas aos
dois primeiros fármacos68. O uso da Pentamidina estava ainda nesta
altura reservado para doentes triparsamido-resistentes, mas sendo a sua
aplicação cada vez mais ampla a partir do ano seguinte. Como se
ilustrará, a utilização do Pentamidine seria um foco de tensão entre
governo e Diamang.
Em 1955 a Diamang adoptava em todos os sectores os protocolos
estatais de combate à doença do sono. As missões passaram a fazer
exames de linfa fresca, exame de gôta espessa e ao líquido cefalorraqui-
diano, repetindo-se o procedimento no Dundo para os casos positivos69.
Nesse ano surgia o Arsobal, que seria utilizado em conjugação com os
restantes fármacos.
Quanto ao combate ao vector, embora o uso de meios mecânicos
continuasse, nomeadamente através da desflorestação e limpeza de mato,
levado a cabo por grupos de Africanos organizados pela administração
local70, a partir de 1945, o uso do DDT abria novas possibilidades para
este combate, excluindo-se, no entanto, a pulverização através de aviões,
utilizada na África do Sul, pois era considerada como ineficiente por não
penetrar nas galerias florestais71. A destruição ambiental que a abertura
de novas explorações mineiras a céu aberto era vista pelos SSD como
um factor positivo na luta contra a mosca tsé-tsé72. Mas, mais de uma
68 Dr. José Picoto 1946 – “Relatório Médico – Doença do sono, 1945”: 5-6, Pasta DA-RA,
MAUC. (“Sono 1945”)
69 Dr. Santos David, “Memória”, MAUC.
70 Carta 1/8/35 de Henrique Santos Palma (administrador da Circunscrição do Chitato),
para DTL, pasta 126B, 5-2º, MAUC.
71 Dr. José Picoto “Sono, 1945”, pp. 6-7, Pasta DA-RA, MAUC.
72 Dr. José Picoto “Sono, 1952”, p. 1, Pasta DA-RA, MAUC.
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década depois, em 1957, o Dr. Santos David, chefe dos SSD, considerava
a acção sobre glossinas pouco relevante. A vasta área da Diamang,
40.000km2, e a ubiquidade das moscas em galerias florestais e nas zonas
arborizadas de rios e riachos tornava os esforços mecânicos de captura à
mão ou com armadilhas de moscas infrutíferos. Assim, a companhia
retomava as antigas acções mecânica em pontos-chave do território:
“Diamang tenha limitado a sua actuação ao capítulo da profilaxia
agronómica ao “cleaning” nos troços das estradas e cursos de
água, nos pontos de passagens destas (pontes e jangadas) e nas
proximidades das aldeias.”73
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80 Para uma analise profunda sobre o papel destes actores como cultural brokers, na
tradução do conhecimento científico no Congo Belga, ver Nancy Rose Hunt 1999. A
Colonial Lexicon – of Birth Ritual, Medicalization and mobility in the Congo, Durham,
NC, Duke University Press.
81 Teresa Penedo entrevista 16/11/2004. Addae descreve como nas Medical Field Units
(Unidades médicas de Campo) do Gana os auxiliares médicos, embora com formação
rudimentar, eram treinados para serem “especialistas” em diversas técnicas de controlo de
doenças, tendo assim um papel chave contra a doença do sono. Addae 1996: 170-171.
82 Dr. José Picoto “Sono, 1945”, p. 4, Pasta DA-RA, MAUC. Nos anos 50 esta função a
ser realizada aquando da permanência dos doentes nos hospitais. Dr. José Picoto 1951,
Relatório Médico – Doença do Sono, p. 4, MAUC.
83 Para evolução do SSD ver Varanda 2007, capítulo 3.
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84 Dr. José Picoto “Sono, 1945”, pp. 2-3, Pasta DA-RA, MAUC.
85 Ibid. 2.
86 Dr. José Picoto “Sono, 1952”, Pasta DA-RA, MAUC.
87 Dr. Santos David 1957 “Memória”, MAUC.
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dizendo que ‘esta era uma obrigação do estado face à lei colonial’.
Numa comunicação interna Brandão de Melo era claro:
“O Diploma Legislativo 463 de 9 de Dezembro de 1926 do Alto
Comissário Vicente Ferreira, criou na Lunda uma zona de combate
à doença do sono, com dois sectores: leste e norte, mas a verdade é
que os serviços oficiais desta zona, nunca foram organizados e tudo
quanto tem sido feito na Lunda, é obra apenas da Diamang.”90
90 Carta 13/6/35 de Brandão Mello, para Vilhena, pasta 126B, 5-2º, MAUC.
91 A variedade de denominações dos serviços de saúde da colónia ao longo dos tempos, o
facto de não serem objecto deste texto e considerações de espaço fazem com que se
adopte a denominação de serviços de saúde de Angola para se referir os diversos
serviços de saúde estatais e a visão que estes tinham.
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92 Carta 24/2/51 de Sílvio Guimarães (Representante Interino nos anos 1950s e representante
depois) para Vilhena, pasta 126B, 6-7º, MAUC.; Pentamidização refere-se ao uso da em
campanhas preventivas, embora este fármaco fosse também usado curativamente.
93 Ibid.
94 Para a relevância combate tripanossomíase nas diversas colónias e relação com contexto
internacional ver Shapiro 1983, capítulo 5.
95 Para o caso mais geral do Império ver Shapiro 1983, capítulo 3; para o caso da Diamang
ver Porto 2002, capítulo 3, para o caso dos SSD ver Varanda 2007: capítulo 2.
96 Carta 20/3/51 de Sucena, para Vilhena, pasta 126B, 6-7º, MAUC.
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CONCLUSÃO
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100 F.J. Louis, P.P. Simarro e P. Lucas 2002; P. Simarro, Jean Jannin e Pierre Catt 2008;
Pieter de Raadt 1999. Estes textos centram-se na evolução focada no combate à
doença, com ênfase particular nas grandes figuras da medicina tropical no terreno
como o militar Francês Jamot. Apresentam usualmente uma visão de topo, centrada
unicamente
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BIBLIOGRAFIA
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Entrevistas
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PA RT E I I
Capítulo 4
Labirintos do trauma:
A verbalização do sofrimento
nos refugiados em Portugal
Cristina Santinho*
BREVE HISTÓRIA DE S2
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Nações Unidas e pelo ACNUR3, em 2007. Optou por contar a sua história
em português, apesar das suas limitações em se expressar neste idioma.
De acordo com o seu relato, durante três anos e meio procurou um
lugar para viver, tendo passado por diversos países, nos quais residiu
em condições de extrema precariedade. Antes de ser obrigado a fugir
do seu país, vivia com a mãe, entretanto falecida. O pai fora morto por
uma bomba treze anos antes, no seu local de trabalho. Após a morte do
pai, S e a sua mãe viveram da comercialização de leite e lã
provenientes de um rebanho de ovelhas, seu principal património. O
maior objectivo de vida de S era comprar um terreno, construir a sua
própria casa e procurar a filha emigrada do irmão mais velho do seu
pai, com quem em tempos a família o havia prometido casar.
Os seus sonhos foram interrompidos quando milícias armadas
entraram de rompante em casa e o prenderam juntamente com os
amigos, sob a acusação de subversão e terrorismo. Após ter sido
libertado, a mãe convenceu-o a fugir, pelo que venderam o rebanho,
para juntar o dinheiro necessário à compra dos documentos que lhe
permitiriam sair do país.
Com parte desse dinheiro, comprou um passaporte e a passagem
para o outro lado da fronteira. Foi então obrigado a fugir para a Líbia e
daí para a Guiné-Conacri, onde residiu durante algum tempo. O seu prin-
cipal objectivo era ir para os Estados Unidos da América ou mesmo para
a Grã-Bretanha, onde se integraria mais facilmente devido ao domínio
do idioma e à prévia existência de comunidades oriundas da sua região.
Na Guiné, trabalhou por vários meses na reparação dum navio
cargueiro, tendo ficado acordado com a tripulação, a quem entregou
todo o seu dinheiro, que poderia viajar no barco até aos Estados
Unidos. Um dia, quando chegou ao porto para começar o trabalho, o
barco tinha partido.
Tendo que enfrentar a decepção e frustração resultantes deste
logro, acabou por conseguir embarcar num navio cargueiro, o qual se
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4 Consideramos que a história do trauma deve ser avaliada no contexto mais amplo que a
produziu, ou seja: a história de vida narrada pelo refugiado. Esta abordagem parece-nos
essencial para a recolha de elementos determinantes, como por exemplo as referencias
socioculturais em que a narrativa se insere, para além da própria concepção de saúde,
doença e corpo. Só uma abordagem culturalmente sensível nos permitirá perceber a
linguagem do sofrimento e do trauma.
5 Designam-se por “menores não acompanhados” todas as crianças, ou jovens menores de
18 anos, que viajam sem acompanhamento de membros da família ou tutores que por
eles se responsabilizem. As políticas e práticas legais de acolhimento não são uniformes
em todos os países Europeus. Contudo, chama-se a atenção para o modo como no
Espaço Shengen se determina se os menores têm efectivamente menos de 18 anos. Em
Portugal, e uma vez que normalmente uma característica dos refugiados é a
impossibilidade de viajar com documentos de identificação, o Serviço de Estrangeiros e
Fronteiras recorre à determinação da idade através da medição do osso do pulso e do
raio-X dos maxilares. Este procedimento, que não toma em consideração o contexto
étnico e cultural da criança (o desenvolvimento físico não é idêntico em todos os
grupos, nem toma em conta as diferenças de desenvolvimento provenientes de carências
ou excessos alimentares), pode resultar numa avaliação errónea da idade, a qual
comporta consequências nefastas, tais como a negação do acesso a apoio social
específico que lhe deveria ser prestado. O desenvolvimento psicológico é ainda mais
subjectivo, dependendo das características culturais de cada grupo de pertença. Para
informação mais detalhada sobre esta questão, consultar: «La migration des mineurs
non accompagnés en Europe», nº 2, 2008; e-migrinter Maison des Sciences de
l’Homme et de la Société (MSHS).
6 Entidade que na região de Lisboa assume parte do apoio financeiro aos refugiados. Fora
da região de Lisboa, este apoio passa a ser suportado pela Segurança Social.
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11 “Banalidade do mal é uma expressão criada por Hannah Arendt no seu livro “Eichmann
em Jerusalém”, cujo subtítulo é “Uma reportagem sobre a banalidade do mal”. Ed.
Tenacitas, Coimbra; 2ª edição, Abril de 2004.
12 Ausência de formação específica por parte dos psiquiatras e clínicos generalistas, quer
no domínio científico da psiquiatria transcultural, ou mesmo da etnopsicologia;
inexistência de pontos de contacto entre paciente e médico, ao nível linguístico, ou
cultural; ausência de percepção do trauma como elemento que faz parte de um contexto
muito mais amplo, em que se integra a própria história de vida, e o entorno
sociocultural, económico e político.
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Como refere Csordas (1994) (…) the body has a history and is as
much as a cultural phenomenon as it is a biological entity is
potentially enormous. Also, if indeed the body is passing through a
critical storical moment, this moment also offers a critical
methodological opportunity to reformulate theories of culture, self, and
experience, with the body in the centre of analysis. Aos refugiados,
resta-lhes portanto, o corpo e a sua história. É através destes que
levantamos o véu sobre o conceito de saúde, doença, sofrimento,
somatização, tendo em conta o contexto de proveniência, e a história
do sofrimento e do trauma. Mais ainda, o corpo “lê-se” na sua relação
com o poder e com a autoridade, numa sequência de lógicas múltiplas
às quais não são alheios aqueles que intervêm sobre o corpo em nome
dos poderes públicos (Fassin 2004). São processos de subjectivização
impostos pelas políticas sanitárias e pelas práticas biomédicas.
De acordo com Nancy Scheper-Hughes e Margaret Lock (2004) o
corpo carrega consigo três dimensões: o corpo individual, o corpo
social e o corpo político, correspondendo o primeiro à experiência
vivida do corpo enquanto “self”, o segundo, aos usos representacionais
do corpo enquanto símbolo da natureza, da sociedade e da cultura e o
terceiro à regulação e controlo do corpo. Fazendo uso desta definição,
proporíamos corresponder a primeira dimensão, ao corpo feito de
memórias e experiências somáticas recorrentes da tortura e do trauma,
e a segunda à forma como cada refugiado experiencia o sofrimento e o
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18O primeiro Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM) foi publicado
pela “American Psychiatric Association” (APA) em 1952. Nele são apresentados vários
diagnósticos para as doenças mentais. Passou a constituir uma ferramenta de trabalho
inicialmente para todos os psiquiatras norte-americanos, espalhando-se depois por todo
o mundo ocidental. O DSM é também usado por clínicos, investigadores, companhias
farmacêuticas, companhias de seguros, políticos, entre outros. Actualmente, e apesar da
controvérsia que sempre suscitou, não só entres os próprios psiquiatras, como entre
outros cientistas sociais, está já em preparação a V edição que inclui um veque mais
vasto de “desordens mentais”.
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21 Alerto para o facto de que a continuação da investigação sobre esta matéria, poderá
futuramente trazer novos dados que permitam esclarecer melhor as ligações quase
confidenciais que colocam em relação os refugiados com os requerentes de asilo
residentes no CAR. Contudo pode-se afirmar que grande parte destas relações subsistem
ou pela partilha de histórias de vida semelhantes no mesmo país de origem, ou com
maior relevância, pela classe de idade (jovens e adolescentes).
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22 Tradução livre.
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Fica ainda em aberto uma outra perspectiva que não deve ser
descurada: a da importância da religião e da espiritualidade no
processo de cura de vítimas de trauma. Na recolha etnográfica das
narrativas de trauma, bem como nas abordagens terapêuticas dos
refugiados, explorar as suas crenças e práticas religiosas não significa
que partilhemos ou não dessas crenças. Poderemos usar o nosso
entendimento ou conhecimento de práticas religiosas no sentido de
facilitar a obtenção da cura, daqueles para quem o factor religioso
possui um significado holístico. Neste domínio, como em tantos
outros, do ponto de vista de um trabalho de recolha etnográfica em
profundidade, muito caminho está ainda por percorrer.
Para finalizar, uma abordagem que coloque o eixo fulcral nas
história de vida / histórias do trauma, e que aqui propusemos, advém
de um modelo médico não existente ainda em Portugal e que incorpora
para além da abordagem antropológica, a terapêutica, a investigação
científica, a formação, a valorização dos recursos (empowerment) e a
identidade recriada do próprio refugiado e sua incorporação, como um
dos elementos fundamentais do tratamento culturalmente sensível.
Também aqui, muita coisa está por fazer em Portugal, no domínio da
pesquisa científica e das respostas terapêuticas. Esse trajecto passa
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BIBLIOGRAFIA
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Capítulo 5
Ana Mourão*
INTRODUÇÃO
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RUPTURA BIOGRÁFICA
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DESARTICULAÇÃO NA DOENÇA
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PROCESSO MIGRATÓRIO
12 Cf. e.g., Porée 2002: 27-28; Mattingly e Garro 2000; Hunt 2000: 88-90; Charmaz 1999:
365; Frank 1995: 53 et seq.
13 O trauma é frequentemente referido, a par da doença crónica, como gerador deste tipo
de ruptura.
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ABORDAGEM NARRATIVA
NARRATIVA E IDENTIDADE
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14 Este é precisamente o título da sua obra de três volumes consagrada ao tema, Temps et
Récit (respectivamente, de 1983, 1984 e 1985).
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15 Para uma crítica a este pressuposto de finalidade da narrativa no contexto da doença, ver
Wikan (2000: 215-217).
16 Cuja concepção filosófica da história, aliás, examina num capítulo posterior da mesma
obra (White 1987: 169-184).
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ABORDAGEM TERAPÊUTICA
21 Cf. e.g., Sakalys 2003; Hunt 2000: 88-89; Crossley 2000: 541; Roberts 2000: 5 (na
abordagem específica à doença mental); Ochs e Capps 1996: 29; Frank 1995: 55;
Freeman 1993: 114, 170-172. Para críticas a esta posição, ver as perspectivas dos
autores em Mattingly e Garro 2000 – nomeadamente os artigos por Dreier, Wikan, e
Kirmayer.
22 Para perspectivas críticas sobre esta posição, ver Kirmayer 2000; Murray 1997: 17.
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problema de uma forma que potencia o seu controlo sobre ele, através
da ênfase sobre as “excepções” e capacidades do sujeito nessa luta24.
Frisando a orientação motivacional da narração, Baumeister e
Newman (1994) definem quatro categorias de motivos pessoais25 que
regem a construção individual de narrativas sobre experiências de
sofrimento. Esta classificação, assim como o carácter “pessoal” destes
motivos, relacionam-se com diferentes tipos de “necessidades de
significado” (needs for meaning) sentidas pelos indivíduos na interpre-
tação das suas experiências. Designadamente, os autores distinguem
entre necessidades: de propósito e finalidade (purpose); de justificação;
de eficácia e controlo; e de auto-valorização (Ibid.: 680-8). O primeiro
tipo de necessidade leva os sujeitos a organizarem os eventos na
narrativa causalmente, procurando retratá-los como conduzindo intencio-
nalmente a um fim – que pode ser objectivo/material (goal) ou
subjectivo/emocional (fulfillment). Em segundo lugar, a necessidade de
justificação orienta a descrição e interpretação das acções de uma forma
consistente com determinados valores morais positivos, que dessa forma
as justificam. Os autores enumeram a esse respeito múltiplas estratégias
e padrões de descrição possíveis. O terceiro tipo de necessidade prende-
-se com a capacidade de exercer controlo sobre o ambiente circundante,
o que motiva uma ênfase sobre a agência do protagonista ou o carácter
previsível e favorável do ambiente mantido por ele. A última categoria
de motivos reporta-se à necessidade de potenciar o sentido de auto-
-estima e eliminar ameaças a ele, ostentando o próprio mérito (Ibid.).
Os autores salientam o acto da narração em si como uma resposta
à terceira necessidade, de eficácia pessoal: ela constitui uma acção de
“controlo interpretativo” sobre a situação ou episódio narrado, na
medida em que estruturá-lo no relato permite a sua compreensão (Ibid.:
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28 Este autor foca também em algum detalhe benefícios do tipo “interpessoal”, que não
abordo aqui. Cf. Frank 1995 (sobretudo capítulos 7 e 8).
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30 E.g., Elliott 2005; Mattingly e Garro 2000; Tonkin 1995; Linde 1993; Freeman 1993.
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TEMPO
31 E.g., Evans-Pritchard entre os Nuer; Bahannan entre o Tiv; Tedlock entre os Quiché;
Geertz, Bloch e Howe entre os balineses; Christine e Stephen Hugh-Jones entre os
Barasana; Herzfeld entre os cretenses; Gell entre os Umeda; para além das análises mais
teóricas e transculturais Leach ou Lévi-Strauss (Munn 1992: 94-109; Gell 1996: 15-92).
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COERÊNCIA
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34 No caso dos relatos de vida Ocidentais, Linde sugere a título exemplificativo o lugar da
psicanálise, behaviorismo, astrologia, feminismo ou catolicismo em tal conjunto de
sistemas de coerência (Linde 1993: 163-164).
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PESSOA
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CONCLUSÃO
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BIBLIOGRAFIA
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Capítulo 6
Corações queimados:
A dor da memória nas narrativas de pacientes Bijagós
Chiara Pussetti*
1 Para criar uma aldeia, nas palavras dos anciãos, é necessário escolher uma grande
árvore, geralmente uma mangueira (Mangifera Indica), como ponto central ao redor do
qual organizar o espaço. Esta árvore é simbolicamente associada à figura da sacerdotisa
okinka, chefe religiosa da comunidade.
2 O odiáki é um adivinho e um médico tradicional com conhecimento especializado de
farmacopeia e do mundo sobrenatural. Os seus remédios são chamados unikán, palavra
que significa quer medicina de ervas, quer espírito. O termo odiáki deriva do radical –
diáki que gera palavras como n’odiáki, curar e nhudiaáki, restabelecimento; no crioulo
da Guiné-Bissau esta palavra é traduzida como kurandeiro ou djambakus.
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3 As interpretações que os iadiáki oferecem das doenças dos pacientes remetem na maior
parte dos casos para a intencionalidade de um agente: o mau-vento e o olhar penetrante
das pessoas invejosas são considerados causa da maior parte das aflições humanas.
4 Podemos dizer que o orebok simultaneamente tem vida e é vida. Tem vida na medida
em que pode desenvolver actividades diversas independentemente do corpo, pode ser
atacado, perdido, capturado, morto e comido por um feiticeiro desejoso de assimilar a
sua energia. É vida no sentido em que a sua existência e a existência do corpo são, se
não coincidentes, pelo menos intimamente dependentes. Por exemplo, se o orebok é
capturado, o kugbí adoece; se o orebok é comido ou matado, o kugbí começa a
decompor-se até – depois de algum tempo – morrer.
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5 A noção de kutribá (plur. n’atribá) junta na sua definição aspectos da esfera emocional
(como sentir tristeza, ciúme etc.) a elementos que nós consideraríamos próprios da
esfera racional: podemos dizer que se refere a tudo o que nós definiríamos como estados
psíquicos e os seus íntimos efeitos corporais.
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6 Stoller 1995.
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7 O erande é uma entidade sobrenatural que pertence ao panteão bijagó e se distingue dos
antepassados e de Nindo, a suprema entidade criadora. Cada erande tem características
individuais (nome, género, desejos, qualidades, gostos e idiossincrasias particulares) e
poderes específicos sobre o mundo dos humanos. Cada clã matrilinear tem o seu próprio
erande (erande enri kuduba), mas também se podem manter erande individuais, para
obter vantagens materiais. Provavelmente a palavra iran em crioulo, que designa
qualquer potência ou objecto ritual, deriva do termo bijagó erande.
8 No idioma bijagó de Bubaque existem pelo menos duas palavras para indicar a tipologia
de pessoas que em crioulo é chamada de futuseru: obané e omadók. Seguindo a
distinção proposta por Evans-Pritchard (1937), witchcraft representa o poder
incontrolado, inconsciente e perigoso do obané; e sorcery o poder controlado e exterior
do omadók, que age através de instrumentos externos.
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14 O verbo n’orokóm literalmente significa “brincar, gozar, lutar”, mas se empregue com a
preposição ta, que exprime essencialmente a proveniência ou o meio, assume o sentido
de “ser doido”.
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15 A infusão de raízes secas de yayi (Uvaria Chamae) é um remédio muito usado para
massajar os recém-nascidos para os tornar escuros (n’onitikokon), duros (n’onikpetí) e
secos (n’odan) o mais rapidamente possível.
16 Edík deriva do verbo n’odík, que entre os seus significados compreende: querer,
pretender, desejar, insistir, ganhar, ser fortes, ser irrequietos, bater o ferro, competir,
lutar.
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PERDER-SE
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da mãe, Pedro entrou num período de conflito com o pai. Esta disputa
familiar causou – em sua opinião – o acidente que sofreu em rapaz: a
queda de uma palmeira que lhe custou a coluna, obrigando-o a ficar
preso para sempre a uma cadeira de rodas. A paralisia de Pedro –
espelho e resultado, nas suas palavras, da relação conflitual entre os
pais – é somente uma das amarguras que Koká sofreu na sua vida e que
marcaram o seu corpo. O seu destino de dor estava já escrito no seu
nome. Quando era mesmo muito pequena a sua mãe e a sua irmã mais
velha morreram, deixando-a sem ninguém para cuidar dela.
Ainda me lembro dos gritos das mulheres da aldeia: orebok oisir,
orebok okan kugbí: koká! koká omgbá! nhinam konó eti amo,
omisonámo okpé, koká!, “o orebok descolou-se, o orebok abandonou
o seu corpo. Coitada, coitada criança! Sinto pena por ti (sou coração
por ti), a tua mãe morreu, coitadinha!” Koká, “coitada”, ficou como
meu nome e meu castigo. Desde então todo o que se passou comigo
é ligado ao meu nome e a gente na rua ao meu passar sussurra
“Koká, koká…” (Coitadinha, coitadinha…). Pronunciando o meu
nome, chamam o meu destino. No dia em que o meu primeiro filho
compreendeu o castigo trazido pelo meu nome, decidiu cuidar de
mim e ir trabalhar para os brancos, para os Tuga. Eu queria que ele
frequentasse a escola, mas ele decidiu sacrificar-se para me sustentar,
ele sabia que Koká é um nome que lacera o corpo e a vida. Ele foi
deixar-se explorar por minha causa, no lugar de metal dos brancos (a
fabrica alemã de óleo de palmeira na praça da Ilha de Bubaque).
Todos os dias era humilhado, maltratado, tinhas que ver as
condições, as condições… Tudo mudou em 1980, no dia 4 de Maio.
O caldeirão da água quente, que usavam para preparar o óleo de
palmeira, entornou-se e entre todos os que trabalhavam lá apanhou
somente o meu filho, a sua cara, a sua barriga. Koká! Koká!
Escutava este grito na rua: as mulheres chamavam o meu nome e
outra vez com a palavra marcavam o meu destino. Disseram-me que
tinha acontecido um acidente e que tinha que correr logo até à praça.
Eu comecei a correr mas de repente as pernas quebraram-se e tombei
no chão e não consegui levantar-me mais. O meu corpo lacerou-se
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19 Pussetti 2005.
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20 A tradução dos termos locais, regida pela consideração atenta aos seus empregos nos
discursos com os meus interlocutores, é uma aproximação e enquanto tal deve assumir-
se uma perda parcial do seu sentido original.
21 Pussetti e Bordonaro 2006.
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23 Ciclo ritual que distribui a população masculina em classes e graus de idade e que prevê
uma forma de pagamento dos jovens pelos anciãos em troca dos ensinamentos
necessários para se tornarem adultos.
24 O verbo n’oguén significa literalmente escutar, prestar atenção, compreender, saber,
conhecer.
25 O kumbonki é um tambor de fenda constituído por um tronco de árvore ôco, com uma
fissura longitudinal, a formar uma caixa de ressonância. Musicologicamente trata-se de
um idiofone de percussão (Nketia 1986: 77). A difusão do tambor de fenda na região da
Guiné-Bissau é muito ampla: além dos Bijagós, é empregue pelos Manjaco, Papeis,
Mancanha e Balanta (Wilson 1963: 201). Sobre os significados simbólicos do kumbonki
veja-se Bordonaro 1998.
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26 Uma das causas mais comuns de suicídio – neste caso moralmente aprovado – entre os
anciãos é a surdez.
27 A interrogação do morto é um ritual destinado a individuar as causas da morte difundido
em toda a Guiné-Bissau (Pussetti 2003).
28 Como nestes casos: nhokor kanhóma, matankasámak, “desapareceu o meu pano, tu és
culpado”; iató iatankasámak tanam moo mowan’o, “a gente é culpada de fazer coisas
que cheiram mal”.
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29 Uma metáfora típica compara o corpo (kugbí) a uma piroga na qual se senta o orebok,
como a expressão que define a possessão feminina (uruté iarebok, ‘pirogas de mortos”)
sintetiza perfeitamente (Pussetti 1998, 2001).
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corpo físico, mas também pelo que comunica sobre a esfera social e
moral, tratando os pacientes pela intervenção também nas relações. A
fim de recompor a ordem física e social, de atribuir e redefinir sentidos,
restabelecer a saúde da pessoa e o bem-estar colectivo, o odiaki
interpreta as metáforas incorporadas e as narrativas da doença que os
seus pacientes lhe transmitem como mensagens de crise pessoal e
existencial que também exprimem as feridas históricas, os problemas e
as contradições da comunidade.
Para melhor compreender a linguagem metafórica do corpo
poderíamos empregar a noção de “somatização”, muitas vezes sugerida
pelos médicos que tentaram tratar esta tipologia de sintomas. As
queixas físicas muitas vezes não se mostravam ligadas a uma disfunção
orgânica observável através de testes médicos: uma constante dos
relatos recolhidos no terreno é que a resposta “oficial” biomédica,
embora sempre procurada pelos pacientes, nunca se revelava eficaz,
limitando-se a denunciar a ausência de problemas físicos “objectivos”
ou “reais”. Ao mesmo tempo, a etiqueta de “somatização” bem pouco
auxilia a compreensão da realidade e significado do sofrimento dos
doentes: os estudos sobre a genealogia da categoria sublinham como a
sua definição conceptual reflecte a dicotomia cartesiana “corpo/mente”,
quer do ponto de vista epistemológico, quer ontológico.
Epistemologicamente, o conceito de somatização serve para encaixar as
excepções à regra de que doenças e distúrbios somáticos são
legitimados somente à luz de uma evidência orgânica cientificamente
demonstrável. À falta de tal evidência, conclui-se que o corpo está
apenas a expressar algo relacionado com o mundo emocional,
psicológico ou social do paciente. Os pacientes que se queixam de
sintomas somáticos perante inexistência de confirmações fisiológicas
colocam-se então numa posição equívoca face aos médicos. Esta falta
de credibilidade dos sintomas na ausência de provas orgânicas legítimas
suporta por sua vez a distinção ontológica radical entre doença física e
transtorno psicológico. A leitura clínica dos sintomas continua portanto
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35 Utilizo aqui o conceito de violência estrutural em bruto, ainda que este pudesse
beneficiar de alguma elaboração, diversificação, e talvez até redefinição. Diferentes
autores se têm empenhado em evidenciar as ligações complexas entre violência,
sofrimento, controlo e poder, entre as quais lembramos noções como a de “violência
simbólica” de Bourdieu (2000), a de “cultura do terror” de Taussig (1986, 1992), de
“violência do quotidiano” de Scheper-Hughes (1996), ou de “sofrimento social” de
Kleinman, Das, e Lock (1997). O que diferencia a definição proposta por Farmer das
restantes é a sua formulação enquanto instrumento teórico, método de pesquisa e
imperativo ético. A eficácia do conceito, como argumentam outros autores (Brendan
2005; McBride 2007), está na sua capacidade de tornar visíveis as dinâmicas sociais (e
portanto também económicas, políticas e históricas) da violência e da marginalização.
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PA RT E I I I
RITUAIS E ITINERÁRIOS
DO SOFRIMENTO:
PLURALIDADE TERAPÊUTICA
NA ÁREA DA GRANDE LISBOA
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Capítulo 7
Clara Carvalho*
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5 Nas eleições presidenciais de 2005 serviu como intermediário entre os dois principais
candidatos com origem no PAIGC, Malam Bacai Sanha e Nino Vieira, que concorria
como independente. Esta acção foi largamente publicitada nos media.
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6 Margaret Drewall refere que tanto o Esu yoruba como o seu sucedâneo Exu das ceri-
mónia de umbanda brasileiras, são manifestações de uma alteração de enquadramento:
Frame slippage is dangerous because ir destabilizes a situation and throws it into a
zone of ambiguity. At the same time, it sets up opportunities for alterations (Drewall
1992: 16).
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7 Eve Crowley privilegia, para além da “região de iniciação”, a “região de espíritos”, assim
definida: For any shrine or set of shrines, the term spirit region (...) designates the
largest ritual field including all clients who undergo a pilgrimage to make or pay a
contract. (Crowley 1990: 475). Neste caso incluem-se todos os clientes de um
determinado altar, independentemente da sua residência e origem. Este definição é tanto
mais importante quanto a autora considera que os altares da região do Cacheu are multi-
functional and draw clients from several different nations and over two dozen ethnic
groups. The large number of pilgrims have a significant impact on the province’s
economy and social structure and demonstrate the national and international importance
of the Cacheu Region as a reserve for spiritual resources. (Crowley 1990: 475).
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TORNAR-SE JAMBAKUS
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13 Este caso é analisado em detalhe por João Tavares, o clínico encarregue da paciente em
Tavares et al. 2009.
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Capítulo 8
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Pelo que acima foi descrito, considera-se que, nos últimos anos, as
ciências sociais e humanas têm mostrado como as metáforas da SIDA
transgridem “cultura”, ou seja, oferecem uma compreensão pandémica
ou universal da doença, livre das convenções contextuais do lugar,
status ou corpo. Neste sentido, muitos autores sugerem que a SIDA, tal
como o cancro, está “além da cultura”, e as metáforas que a descrevem
desmantelam fronteiras e categorias culturais, ao mesmo tempo em que
as imagens que se lhes associam mostram além da disrupção das
fronteiras internas do corpo, cruzam fronteiras nacionais e geográficas
e ultrapassam transgressões sociais e marcações sociais internas. Um
aspecto de concordância entre estudiosos é o de que a SIDA enfatiza
categorias sociais, ao defini-las como “grupos de risco”, e a ligação
entre SIDA e certos “grupos minoritários” realça quer a tão mencio-
nada “cultura da SIDA”, quer os grupos de risco ou outros aspectos
demográficos da doença.
Os cientistas sociais também debruçam-se sobre as “culturas locais
da SIDA”, e deixam claro que não existe “o soropositivo”, “o doente de
SIDA” ou, igualmente, “os riscos”. Como afirma Rodrigues (1999), a
questão não pode ser considerada generalizadamente: em cada subgrupo
existe um tipo de risco, circunstâncias objectivas próprias, bem como
comportamentos sexuais específicos, muitos deles fundados em
experiências colectivas, crenças, valores e preconceitos comuns aos
agentes de cada segmento. Retomando a perspectiva de Bourdieu sobre a
importância dos contextos e dos habitus de cada grupo social (Bourdieu
1972: 174), a autora enfatiza como estes estruturam as representações e
as práticas prevalentes e definem que para cada subgrupo sejam
diferentes: a maneira de buscar prazer sexual, os limites dentro dos quais
isso é considerado possível, o grau de transgressão social assumido
anteriormente, a constância com que praticam os actos sexuais mais
arriscados e o quanto acreditam ou não estar a correr riscos.
Estes aspectos são especialmente visíveis quando se trata de
jovens, particularmente sensíveis aos seus grupos de referência, cujas
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1 Desde a identificação do primeiro caso de Sida em Cabo Verde (1986) que o país é
apontado como um exemplo a seguir, pela forma como organizou-se para enfrentar a
epidemia e considerou o seu combate como uma das grandes prioridades nacionais. Com
efeito, o Banco Mundial atribuiu a classificação de muito satisfatório ao desempenho de
Cabo Verde na utilização dos recursos postos à disposição para o combate ao VIH/SIDA,
apontando o país como pertencente ao grupo dos países africanos que melhor
implementaram os seus projectos que o Banco Mundial financia na área da Luta Contra a
Sida. Este desempenho garante que todos os parceiros internacionais continuem a apoiar
o país na sua Luta Contra a Sida e a assegurar a sua permanência no grupo de países
com fraca prevalência para o VIH/SIDA (<1%) (CCS-SIDA, 2006).
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(1999), é digno de ser conhecido mesmo que não possa ser medido.
Conforme a proposta de captar conteúdos emocionais e significados
mais profundos das explicações dos jovens acerca dos comportamentos
preventivos face ao VIH/SIDA, a metodologia adoptada foi a de
entrevistas individuais, em parte abertas (discurso livre), e também
guiadas por roteiro. A utilização de uma técnica qualitativa, de
instrumentos mais ricos e menos rígidos mostrou-se mais adequada
para alcançar factores “irracionais”, denominação esta que, como
referimos acima, tem sido utilizada pelas ciências sociais em geral,
para designar factores que consideram como algo que existe mas não
pode ser apreendido pela razão. Ao mesmo tempo, o instrumento
adoptado permitiu a recolha detalhada de informações acerca do
contexto socioeconómico e do habitus do segmento social (Bourdieu
1972). Os dados sobre a migração bem como as condições objectivas
de vida (do indivíduo e do seu grupo) foram relacionados com as
disposições subjectivas detectadas no discurso livre, com destaque, no
caso deste estudo, nas disposições que não são individuais mas,
geradas ao longo da história do grupo e de acordo com as suas
condições objectivas de existência (Bourdieu, 1972).
Um estudo exploratório tal como o que realizamos fornece o
material acerca das ligações das diferentes variáveis entre si, quer
dizer, das explicações que os jovens produzem a partir das posições
que ocupam no interior dos seus grupos, em particular, neste caso, a
posição relativa à imigração (sua ou dos parentes mais próximos e
significativos) e ao tema do VIH/SIDA.
No processo global de análise, as informações recolhidas foram
ordenadas, estruturadas e interpretadas de acordo com uma orientação
geral da análise de conteúdo como um dos subcomponentes da análise de
discurso. Nesta fase do trabalho, procedemos, à ordenação do conteúdo
das entrevistas e das anotações dos diários de campo (incluindo os
relatórios de recusa), a leitura recorrente das transcrições das entrevistas,
os ensaios de organização dos conteúdos dos discursos em atenção à
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O SEXO E A SEXUALIDADE
3 Por exemplo, em expressões como: sexo é bom, para uns é fantasia, todos gostam,
mesmo os animais, faz parte da vida, é saudável... é uma coisa que faz parte da nossa
vida, estamos todos aqui é devido a isso, sexo é tudo.
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4 Estas podem ser ilustradas, por exemplo, quando se referem que “é satisfazer o desejo
de uma mulher e um homem; é fazer amor, etc.”
5 “também temos que saber controlar com método contra, contra... como é que se diz?”
6 Por exemplo, como a expressão que se segue: “agora há muito sexo por dinheiro ou só
curtir; o gajo chega gosta um bocado da gaja e já faz sexo, antigamente era menos
falado, só era pai e mãe, agora uma criança de 10 anos também já sabe.
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BIBLIOGRAFIA
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Capítulo 9
APRESENTAÇÃO DA INVESTIGAÇÃO1
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3 Todos os meses são realizadas “festas” dedicadas aos Orixás, por exemplo, a de Logun-
Edé (a “festa” maior, por ser esse o orixá do pai-de-santo), a feijoada de Ogum, a
fogueira de Xangô, etc.
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4 Os búzios utilizados no jogo são pequenas conchas de praia, ou cawris, usados como
moeda em várias zonas de África, como a do golfo da Guiné (v. Bascom 1980). Na
consulta, considera-se que o pai-de-santo está em comunicação com os orixás e que,
através desse contacto, pode identificar a natureza do ser humano que a ele recorre, a
sua relação com os orixás, o problema que o leva ao oráculo e o modo de o resolver (v.
Fainzang 1986 e Favret-Saada 1977; mais especificamente relacionados com o
candomblé: Abimbola 1969 e 1975, Bascom 1969, Maupoil 1981).
5 Conjunto de objectos que identificam os adeptos como pessoas ligadas pelos ritos do
candomblé a um orixá específico; é, também, a representação do orixá – v. Lody 1987: 18.
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É ajudado pelos Pais Ogãs (11), pelas Mães Ekedes (8), pelos Pais
Pequenos (3), pelas Mães Pequenas (3) e pelas Mães Criadeiras (4).
Outros adeptos também estão activamente ligados ao culto, como os
Filhos com Feitura de Orixá (6), os Filhos com Bori7 de Feitura (12) e
os Filhos com Bori (31).
Os Pais Ogãs têm tarefas específicas de apoio directo ao pai-de-
-santo, trabalhos relacionados com a formação dos adeptos (é o caso
das aulas diárias de instrumentos musicais usadas nas cerimónias,
como os atabaques e o agogô; os ensinamentos de cantigas e rezas, o
dos sacrifícios de animais e o do poder das ervas curativas).
As Mães Ekedes confeccionam as comidas para os orixás (e
também para os adeptos e outros participantes nas “festas” e nos rituais
curativos), mantêm as instalações em bom estado de ordem e higiene,
marcam as consultas para o Jogo de Búzios, orientam os visitantes do
terreiro, organizam os eventos.
Os Pais Pequenos e Mães Pequenas poderão ter, no futuro, após o
cumprimento das obrigações8 devidas (de 1 ano, dos 3, dos 5 e dos 7
anos), o cargo de pais e mães-de-santo. Apoiam directamente o pai-de-
-santo em várias tarefas, muitas delas relacionadas com as reuniões
religiosas e têm a incumbência de transmitir o seu conhecimento
àqueles que poderão ser novos chefes do culto.
As Mães Criadeiras supervisionam e ajudam os adeptos nos rituais
que implicam recolhimento (entre eles, o da iniciação).
Os Filhos de Santo com Feitura de Orixá encontram-se no escalão
anterior ao dos Pais e Mães Pequenos. Apoiam directamente os
Pais Ogãs e as Mães Ekedes, sempre que isso seja solicitado. São ras-
7 O Bori é um rito realizado pelo pai-de-santo, apoiado directamente pelos Pais Ogãs e
pelas Mães Ekedes. Ele é usado tanto para resolução de problemas genéricos quanto para
dar início à vida espiritual do adepto do candomblé. Implica um sacrifício animal (v.
Bastide 2001; Luz 2002; Prandi 2005). Segundo Luz (2002: 185): “Cerimônia litúrgica de
fortalecimento da pessoa, bo+ri significa adorar a cabeça, fortalecer a cabeça”.
8 Os dados que recolhi estão em sintonia com o que diz, a propósito dos candomblés em
São Paulo, Reginaldo Prandi (1991: 155), “A ideia de obrigação, no candomblé, é
sempre associada à obrigação ritual, ou seja, à relação entre o deus e o seu filho iniciado
para o seu culto”.
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remete-me para as de Verger (1972, citado por Dion 2002: 101): “Entre
os iorubás, a transmissão oral do conhecimento é tida como o veículo do
axé (...). O conhecimento, transmitido oralmente, tem o valor de uma
verdadeira iniciação pela palavra agente. A iniciação não se passa ao
nível mental da compreensão, mas ao nível dinâmico do comportamento.
Ela está fundamentada nos reflexos e não no raciocínio, reflexos
provocados por impulsos provenientes de um fundo cultural que
pertence ao grupo e que é válido sobretudo para ele”.
A tolerância dos adeptos relativamente a comportamentos de
quem recorre ao candomblé para equilibrar a sua vida revela a
capacidade que tem esta religião para se adaptar a diferentes terrenos e
para integrar indivíduos em dificuldade. São vários os exemplos de
casos de toxicodependência entre os adeptos e a suspensão desses
problemas, após a entrada na comunidade religiosa.
Diz N.: “Parei com vício da bebida e consegui finalmente
organizar a minha vida”. T., afirma: “Enveredei por uma vida de crime,
fui viciado em droga, atingindo finalmente o fundo quando me vi
entrar numa prisão. Tomando consciência dos meus maus caminhos,
tentei me recuperar de toda essa desgraça sozinho. Apesar de tudo, não
consegui. Graças à minha irmã, conheci (...) o Pai (...), onde recebi
uma grande energia positiva. Consegui então, através do Pai (...),
iniciar uma nova vida material e espiritual. Hoje sou outro homem,
digno e de bons costumes para com a sociedade.
Sou hoje um seguidor e defensor deste Axé, que se preocupa com
os bons princípios do ser humano, que leva uma doutrina de muito
respeito com os espíritos e segue os bons mandamentos da vida. A
minha vida é hoje muito mais espiritual que material”.
Os depoimentos prestados sobre a resolução de um problema
grave de saúde através do recurso ao candomblé revelam reflexões
sobre o assunto e manifestações de gratidão aos membros do terreiro e
ao seu pai-de-santo. No depoimento seguinte a explicação para uma
cura fica dentro do foro religioso, ela é atribuída à ligação ao terreiro e
ao que nele se passa, bem como, mais uma vez, é feito o confronto com
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a ciência biomédica. Diz R.: “Ao Pai (...) tenho uma gratidão especial,
porque (...) cuidou do marido de uma colega de trabalho que estava em
risco de vida, pela necessidade de um transplante de coração. Durante
as 4 semanas que antecederam a sua transferência do Hospital de
Lisboa para Coimbra, o mesmo esteve em risco de vida, até que, na
véspera da ida, aconteceu “um milagre”, expressão dita pelos próprios
médicos à minha colega. Eles não tinham explicação para o que
aconteceu e disseram-lhe: “Foi mão divina, acreditam em outras
forças? Isso aconteceu esta noite, com o seu marido”. O facto
aconteceu há dois anos, não tendo sido necessário o transplante.
Passado um mês, foi-lhe possível recomeçar a sua vida profissional,
encontrando-se bem actualmente. Os médicos não entenderam, mas eu
sim. Através de mim e com a minha Fé e dedicação, o Sr. Tranca-
-Ruas13 tratou-o sem eles terem conhecimento”.
No caso seguinte, a dor, o sofrimento, que provoca a doença de
um familiar, por um lado, e a fé no candomblé e no seu pai-de-santo,
por outro, são elementos decisivos para a permanência do adepto no
terreiro ao longo dos anos. Segundo U., “tive na dor a minha principal
motivação, dor essa que a minha família sentia pela doença que
assolava a minha mãe, e que médico algum conseguiu diagnosticar.
Assim, quando descobri que a doença da minha mãe tinha sido
aliviada, decidi conhecer a casa que possibilitou essa cura. Foi assim
que conheci o Pai (...).
Borizado em Dezembro de 2001, recebi o cargo de Ogan em
Junho de 2004. Tenho a meu cargo o auxílio directo ao pai-de-santo
nas diversas tarefas espirituais, assim como a realização de sacrifícios
para as Entidades cultuadas no Ilê14. Faço também questão de passar
aos visitantes e Filhos de Santo normas e regras de conduta, visando a
transmissão das boas práticas e costumes deste Ilê, evitando assim
condutas menos próprias num local de culto.
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Se pela dor entrei, por amor fiquei. Um ano após o início do meu
casamento, eu e a minha esposa decidimos aumentar a nossa família.
Seguiram-se 3 anos, ao longo dos quais a minha esposa tentou
engravidar sem sucesso. Após um trabalho espiritual realizado pelo Pai
(...), não só conseguiu a minha esposa engravidar, como também, dois
anos após o nascimento do meu filho (...), ele ganhou uma irmã (...). A
felicidade passou assim a ser uma constante nas nossas vidas. Mas as
mudanças na minha vida não cessaram por aí. Por motivos alheios à
minha vontade, eu era um viciado no jogo. Fazia do casino e do bingo
a minha segunda casa, o que naturalmente criava-me bastantes
problemas no lar, não só pela minha notável ausência, mas também
pelas dificuldades financeiras que este hábito criava à minha vida
familiar. Mais uma vez, com o auxílio deste Ilê, consegui vencer este
obstáculo, o que trouxe a estabilidade e harmonia no lar.”.
Como afirmei, centrei-me nos casos de pessoas que recorreram ao
candomblé devido a doença. Esta categoria não é tão marcada no
candomblé quanto noutros universos que a interpretam e classificam.
Juntamente com ela, a concepção de pessoa, que integra forças ou
energias que a perpassam de modo dinâmico, e os condicionalismos da
existência humana, são elementos que remetem para uma concepção
integradora da doença em causa, a qual é interpretada, consoante os
casos, como a manifestação de um desequilíbrio, um desajuste no
comportamento, uma desarmonia nas relações sociais, uma
instabilidade, uma insatisfação que conduz a rupturas no que é
considerado como uma normal interacção entre o indivíduo e o meio.
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15 Optei por deixar os testemunhos sem referência à profissão dos declarantes, para deixar o
texto mais “limpo”. Como complemento do que afirmo no texto acima, eis as respectivas
profissões: A – encarregada de refeitório; B – empresária; D – reformada da Função
Pública da Administração Local; E – empresária; K – doméstica; N e T – ajudantes de
culto do candomblé; R – administrativa/coordenadora; U – condutor de pesados.
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16 A propósito da importância das mulheres e do trabalho que está a seu cargo nos terreiros
de candomblé, lembro o exemplo do terreiro da Casa Branca do Engenho Velho (ou “Ilê
Axé Iyá Nassô Oká”), em Salvador da Bahia (historicamente, este é o primeiro terreiro
de culto africano na Bahia e em todo o Brasil), no qual desde a fundação só se faz mãe-
-de-santo (isto é, nunca houve um homem chefe do terreiro), e o trabalho que ali
desenvolveu Maria Salete Joaquim (2001).
17 A cozinha onde se prepara a comida para os orixás é separada daquela onde se prepara a
comida para os participantes.
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orientam inúmeras acções (de acordo com o lugar que cada uma ocupa
na hierarquia) na casa principal, na sala onde decorre o ritual, nos vários
espaços nos quais têm de intervir para que tudo esteja de acordo com os
preceitos religiosos. Elas mudam de ocupações, tratando da comida, da
ordem e da limpeza, do bom ambiente em que decorre a convivência,
dos filhos carnais e dos filhos-de-santo que necessitem da sua acção,
despindo e vestindo roupas, pendentes das directivas do pai-de-santo,
sempre separadas do universo dos homens, que corre ao lado do seu.
Nesse universo, as ocupações são os trabalhos pesados, o transporte e a
ordenação de alguns objectos, os consertos que exijam força física, as
construções, mas também o sacrifício de animais, a preparação dos
atabaques e dos outros instrumentos rituais, os trabalhos desempenhados
de acordo com o lugar que cada um ocupa na hierarquia do terreiro e
com as respectivas funções e tarefas que lhes estão adscritas.
A grande odisseia do trabalho masculino ocorreu com a
construção do novo terreiro. As mulheres quiseram participar, e
algumas delas fizeram-no, até ao momento em que o pai-de-santo pôs
cobro ao que era uma verdadeira violência para as mulheres
envolvidas, muitas delas com bolhas nas mãos e outros problemas que
manifestavam a dificuldade que sentiam em suportar o trabalho pesado
de construir casas, levantar muros, carregar tijolos, fazer cimento, etc.
Por outras razões, e também por determinação do pai-de-santo,
homens e mulheres comem separados, trabalham separados, convivem
separados, ainda que as pessoas e os grupos se cruzem constantemente.
Mesmo em dias de “festa”, seja na sala ou no pátio onde se come, há
mesas para homens e mesas para mulheres, organizadas de acordo com
a hierarquia do candomblé e com a atenção especial que se deve aos
convidados.
Esta organização é determinada pela vontade do pai-de-santo que
não quer “confusões” como as que diz ter assistido no Brasil, onde,
segundo ele, muitas pessoas frequentam o candomblé pela ideia de
poder encontrar aí par amoroso, álcool e comida. A preocupação do
chefe religioso é manter o respeito pelo culto, evitando ambiguidades
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18 Já o candomblé da Bahia, segundo Lima (2003: 174 e 175), “apresenta em sua estrutura
uma forma extrema de evitação de relacionamento intragrupal que é a interdição de
relações sexuais e casamento entre seus membros. Os irmãos, pais e mães-de-santo são
proibidos de manterem relações de sexo, exactamente como nos sistemas familiares
tradicionais entre parentes de santo.
Essa interdição é uma das formas mais respeitadas do que nos candomblés de nossa
análise, se chama de euó ou quizila (...) “coisa proibida” (...)”.
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19 “Bonito e bom” – Prandi 2005, p. 306; “bom e bonito, útil e belo” – Luz 2002: 190;
designa as qualidades de “eficácia e beleza” – Luz 2002: 97.
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ajuda, o apoio dos seus filhos. Não só dos seus filhos, mas também dos
clientes, que vêm e podem ficar durante o tempo de uma sessão, de
uma consulta, de um aconselhamento, mas que podem juntar-se ao
grupo e abraçar o candomblé como a sua religião, como uma nova
forma de pensar, de entender o mundo, de se orientar na vida, de viver.
Os adeptos reúnem-se todos os fins-de-semana. As comidas são
consumidas em grupo. Alguns dos adeptos ficam a dormir na casa,
outros vão e regressam no dia seguinte. São vários os casais com
filhos, que passam esses fins-de-semana convivendo, comentando a
sua vida, conversando sobre assuntos diversos, relacionados com a sua
profissão, os seus interesses, anseios ou preocupações, enquanto
cuidam as crianças e elas brincam umas com as outras.
Diz Lody (1987: 23): “Cada tarefa no candomblé (...) é alvo de um
aprendizado sistemático, orientado por pessoas mais velhas, experientes
e altamente conhecedoras de cada mister. Assim, a iniciação religiosa
integra-se ao aprendizado especializando-se para cada função que o
noviço receberá após a passagem da vida comum para o axé, visto aí
novamente como o elo insubstituível dos deuses com os homens em tudo
aquilo que ele ocupa, faz ou conhece, dentro e fora do terreiro”.
Claro que nem tudo é organização, hierarquia, ordem. Há
momentos, pessoas, sentimentos que desequilibram, que criam insta-
bilidade, tensão. Os ciúmes, por exemplo, são uma constante no
terreiro. O ambiente é semelhante ao de uma família unida e, assim,
parece normal aos próprios envolvidos que os filhos tenham, com
frequência, manifestações daquilo que categorizam como ciúmes.
Como escreve Barcellos (1995: 129), “Divergências são normais.
Porém, quando uma Comunidade parte para o campo do desentendi-
mento total, das intrigas, e isto se torna um hábito, compromete a
energia da Casa e o equilíbrio do Axé”. Mais uma vez, é o pai-de-santo
que avalia, arbitra, concilia e resolve os problemas de modo a que o
ambiente não se degrade. Ciúme é considerado como manifestação de
afecto, o que é desejável no terreiro, em demasia desloca da comuni-
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dade para o indivíduo uma atenção exagerada que pode criar desequi-
líbrios indesejáveis. Se o passado de todos é conhecido por todos é
porque, como já vimos, a verbalização, a narrativa, é valorizada e
considerada indispensável para a resolução do problema. Mas as
palavras podem ser perigosas e devem ser interpretadas, entendidas e
colocadas num sentido que corra a favor do terreiro, não contra, que o
indivíduo em dificuldade seja resgatado e não que arraste o ambiente
colectivo juntamente com a sua desgraça pessoal.
Todos os problemas referentes a pessoas que mantêm alguma
relação com o terreiro tendem a ser socializados – mesmo os
problemas que aqueles que não são do candomblé tenderiam a pensar
serem íntimos ou privados ou circunscritos ao conhecimento do pai-de-
-santo e de quem a ele recorre (seja adepto, cliente ou simpatizante).
Não existe privacidade no sentido que normalmente se atribui à
palavra, porque, segundo o pai-de-santo, “quem não fala do passado e
quer privacidade ainda não deixou o passado para trás”. Esta frase
explica sucintamente boa parte da vida da comunidade e o facto de se
falar abertamente das dificuldades nas relações amorosas, das doenças,
de aspectos mais ou menos sombrios da vida dos adeptos. A aceitação
do passado de cada um, por parte da comunidade dos filhos-de-santo,
só necessita de uma manifestação de vontade de mudança de quem
recorre ao candomblé. Isso mesmo se pode perceber quando o pai-de-
-santo diz que “não devemos ter vergonha do que fizemos no passado,
mas do que fazemos no presente ou faremos no futuro”.
Uma vida nova começa quando se entra no candomblé. Não há
acto, hábito, atitude, comportamento, que não possa ser resgatado com
a entrada no candomblé, com a aceitação das suas regras, a qual se
deve manifestar em atitudes adequadas à vontade de mudança do novo
adepto. Para ele é um mundo novo que começa. O passado servirá só,
ao ser recordado, para servir de exemplo, para lembrar o caminho que
foi feito depois da entrada na comunidade. Daí para a frente começa
uma nova contagem das boas e das más atitudes e o passado torna-se
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uma referência, que não deve ser esquecida, mas que não deve pesar no
espírito e nos actos do adepto, do cliente ou do simpatizante. No
candomblé, se as pessoas estiverem de corações abertos, os caminhos
também estarão abertos à sua frente. Segundo os adeptos, tudo isso
acontece graças aos orixás, que reconhecem a generosidade dos
corações dos seres humanos e que retribuem transmitindo-lhes as suas
energias, abrindo horizontes, resolvendo problemas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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BIBLIOGRAFIA
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CONCLUSÃO
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BIBLIOGRAFIA
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ÍND ICE
AGRADECIMENTOS ................................................................................. 9
INTRODUÇÃO ............................................................................................ 13
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Capítulo 9 – Nos caminhos dos orixás – Assistência e vida comunitária num ter-
reiro de candomblé ........................................................................................ 297
Luís Silva Pereira
342