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METODOLOGIA
fc- EXEGESE
BÍBLICA
— Tu, que tens a Bíblia nas mãos,
entendes o que lês?
— Como poderia entender,
se ninguém m e ensina
um método de leitura?
— Então, abre-me,
e começarei a ensiná-lo a ti...
Vários colaboradores.
ISBN 85-356-0643-2
1. Bíblia: Exegese: Metodologia 220.601 • para meus pais, Caetano e Cida, que sempre
2. Exegese bíblica: Metodologia 220.601 me incentivaram em meus estudos. Seu amor e
sua dedicação estão presentes em cada página
desta obra.
Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
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1. COMO ASSIM...
2. PRECISAMOS APRENDER A LER
“LER É MAIS IMPORTANTE QUE ESTUDAR”?!
Mas, voltemos ao Ziraldo: “Ler é mais importante que
Esta frase do cartunista Ziraldo deve nos fazer pensar no
estudar”. Se “ler” é o mais importante, então, questionemo-nos:
modo como lemos. Em nosso caso específico, como lemos a Sagra
Sabemo s,“ler” a Bíblia?.Cada vez que a tomamos nas mãos,
da Escritura. Quando abordamos o texto bíblico, deixamos que ele
lembramo-nos de que a Bíblia é uma obra literária?
nos conduza ou, ao contrário, impomos a ele um direcionamento?
Em outras palavras, efetivamente, nós o lemos? Ou simplesmente Tal questionamento nos coloca diante de algo^crucial: _a
buscamos respostas a perguntas previamente estabelecidas? questão do metodo. Em outras palavras, quais os instrumentos
de que lançamos mão para ler a Sagrada Escritura?
Ao forçar o texto a responder determinadas questões, ab
dicamos da finalidade específica da Escritura: ela existe para. Para os estudiosos, desde muito tempo a “Sagrada” Escri
ser saboreada, ela existe para ser lida! tura deixou de ser apenas “o livro que traz a Palavra de Deus”, e
reconquistou sua identidade como Palavra Humana, Literatura.
Nem sempre nos damos conta de que fazer uma leitura con
Em outras palavras, a Bíblia não mais vista apenas como um
dicionada a questões previamente estabelecidas já não é mais ler... é
usar a Escritura como um depósito de argumentos ou de verdades, repertório de argumentos e de provas teológicas e dogmáticas,
consideradas válidas pois foram “canonizadas” no texto bíblico. mas como um livro que, tal qual qualquer texto literário, quer
também informar, divertir, fazer pensar. Como dissemos há pou
Alguém irá perguntar: “É possível fazer uma leitura não co, é um livro vivo e, como tal, quer entrar em diálogo com o
ideológica da Bíblia, isto é, uma leitura neutra?” Eis uma ques leitoF, influenciar sua vida, sua consciência.
tão intrincada... Primeiro, porque devemos contrapor outra per
gunta: É possível ler de forma neutra um texto que não foi Com efeito, o caminho mais curto e eficaz para matar a
escrito de forma neutra? E possível ler sem ideologia um texto Sagrada Escritura é não considerá-la como obra de literatura,
carregado de ideologia... ou de várias? Em segundo lugar, não como texto, e, assim, eooptar sua liberdade.
podemos nos esquecer de que a Bíblia é um livro vivo, não
porque nos conduz à salvação, mas porque cada um dos escritos
que a compõem passou por um longo processo de formação e 3. MAS... O QUE É MESMO UM TEXTO?
possui uma história digna de uma biografia:
Do latim textus = tecido, trama.
(a) Certo dia, alguém deu o “pontapé” inicial e começou a O conceito de texto pode ser avaliado sob vários pontos
escrever um texto, (b) Esse mesmo sujeito, ou algum ou de vista e, por isso, ganhar várias definições. Para não sermos
tro, fez a redação final, e transformou seu texto em um áridos, vamos evitar entrar nessa discussão intrincada. Ao con
livro. Através dos séculos, este livro foi (c) copiado, (d) trário, arrolaremos algumas características de um texto literário,
traduzido para as mais diversas línguas, (e) interpretado e sem que delas forjemos uma definição mais rígida1.
(f) citado muitas vezes, seja na tradição judaica (Targumim,
Antes de mais nada, convém lembrar que o texto pode_ser.
Midrashim etc.), seja na tradição cristã (Novo Testamen
decomposto em elementos menores, chamados frasesAEstas, por
to, Patrístiea, Escolástica etc.).
Qualquer um dos livros bíblicos, não só possui uma histó-- 1 Para um aprofundamento da questão, sugerimos a excelente obra A guiar e
ria, mas também criou história. S ilva, V. M. Teoria da Literatura. 8 cd. Coimbra, Almedina, 1990. pp.
561-567.
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sua vez, decompõem-se em elementos menores ainda, as palavras. 4. O TEXTO, DA PRODUÇÃO À LEITURA
Repetindo, a partir do fim: as palavras se articulam e interagem
em frases, que, por sua vez, se articulam e interagem no texto. Quando o autor decide produzir um texto, de sua parte,
Os fatores que concorrem para a articulação e a interação concorrem os seguintes fatores:
desses elementos pertencem a distintos aspectos lingüisticos:
a) a idéia ou o aspecto dela que ele quer transmitir;
a) Fonético: a configuração sonora do texto, as asso- b) suas fontes (orais ou escritas);
nâncias. c) o material simbólico que está disponível em sua cultu
b) Morfológico: os signos lingüísticos menores e suas pro ra e em sua língua;
priedades, as categorias gramaticais (verbos, substanti
d) a idéia que ele faz do leitor a quem escreve;
vos etc.).
e) o efeito que quer produzir no leitor.
c) _Sintático :ji articulação das palavras no todo, como es
trutura. Mas, imediatamente após sair das mãos do autor, o texto
d) Estilístico: a elegância do texto (mais poético ou não, torna-se autônomo, têm’ vida própria. Mesmo que, a princípio,
mais redundante ou não). possamos consultar o autor e perguntar a ele o que de fato
tinha em mente ao escrever, à medida que dele nos distancia
Conforme esses vários fatores estejam maior ou menor
mos no tempo e no espaço, não podemos mais consultá-lo e
mente presentes, o texto pode ter maior ou menor grau de
resta-nos apenas o texto que produziu. A comunicação, portan-
coerência.
to, torna-se unilateral.
Outra das qualidades do texto é sua delimitação. Em lin
guagem mais coloquial, dizemos que um texto precisa ter “co Eis o que acontece com a Sagrada Escritura. E tendo em
meço, meio e fim”. A ciência bíblica utiliza um termo técnico vista que a comunicação entre autor bíblico e seu leitor baseia-se
para designar uma unidade literária que preenche tais requisitos: somente no texto e não em dados exlralexluais, a compreensão
perícope. Várias perícopes formam um texto mais complexo, e do escrito, por parte do leitor, deve levar em consideração que:
assim por diante, até compor um livro. a) O autor e o leitor pertencem a mundos e culturas dife
Nenhum texto é uma entidade isolada, mas se insere no rentes: os signos e as categorias do primeiro nem sem
amplo contexto do processo da comunicação linguística. Um pre são naturais ao segundo;
processo carregado de deturpações, a saber, o autor percebe a
b) O leitor de hoje não foi previsto pelos autores da Bíblia;
realidade de modo parcial e, para traduzir e transmitir tal percep
ção parcial da realidade, está condicionado à língua que fala, à c) Até chegar a nós, o texto bíblico teve de superar obstá
cultura em que vive, aos meios materiais (pinturas rupestres, culos, sofreu mutações, foi interpretado sob diversas
escrita, rádio, jornal etc.) e simbólicos da comunicação. perspectivas, foi lido e aplicado a novas situações e,
Por fim, todo texto é construído sobre um sistema sígnico muitas vezes, acabou produzindo efeitos diferentes dos
determinado. Autor e leitor devem ter um sistema sígnico co pretendidos pelo autor;
mum, para que o processo comunicativo aconteça. No caso da d) O texto tornou-se estável, pois, as edições impressas
Bíblia, é mister levar em consideração as distâncias entre au.tor e eliminam o risco de deturpações quanto à letra escrita.
leitor: tempo, espaço, cultura, língua etc. As divergências ficam por conta das interpretações. Em
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caso de dificuldades, o leitor não pode consultar direta namentos ou os níveis de leitura. Esquematicamente, podemos
mente o autor, mas pode sempre reler o texto, confir- estabelecer o seguinte quadro:
mando ou modificando suas interpretações.
Ler, portanto, é decifrar, decodificar. A competência de
uma leitura depende diretamente da capacidade que o leitor tem
de formar um quadro abrangente dos diversos fatores que con
correram para a formação do texto.
Uma leitura competente exige responder a determinadas
perguntas:
autor: Quem elaborou o texto?
destinatário originário: A quem foi, primeiramente, desti
nado o texto?
escopo do autor. Com qual intenção escreveu? Que efeito
quis produzir?
tema: Qual o conteúdo? Oração:
código: Como? Qual a forma? Com quais palavras? É o direcionamento mais básico e espontâneo de nossa
tempo: Quando? leitura: buscamos no texto bíblico respostas para nossos anseios
lugar: Onde? e luz para nossas decisões, pois nós o tomamos como instrumen
to para dialogarmos com Deus.
destinatário atual: Quem é o atual leitor?
Este nível está sistematizado nos passos da “Lectio Divi-
apropriação: Como decifrar o código?
na”: o texto sagrado, a leitura, a meditação, a partilha, a ora
escopo do leitor: Com qual intenção lê? ção, a contemplação, a ação1.
Liturgia:
5. VÁRIOS NÍVEIS DE LEITURA
Os vários textos lidos durante uma celebração não querem
DA SAGRADA ESCRITURA
apenas nos levar a rezar e a refletir sobre determinados temas.
Na verdade, em termos de liturgia, o que celebramos não são
O último item (escopo do leitor) merece especial atenção,
temas, e sim acontecimentos (a vida é um acontecimento, não2
principalmente por se tratar da Bíblia. Nossa interpretação do
texto bíblico e nossa sensibilidade ao que ele nos sugere depen
dem diretamente da intenção com que o abordamos. Os rabinos 2 Assim na excelente exposição de M asini, M. Iniziazione alia “Lectio Divi
na” - teologia, método, spiritualità, prassi. Padova, Mcssaggero Padova,
judeus dizem que a Escritura tem “setenta faces”, isto é, há 1988: “sacra pagina”, “lectio”, “meditatio”, “collatio”, “orado”,
sempre uma nova maneira de interpretá-la. “contemplado”, “operado”. Para um esquema em quatro tempos (leitura,
No entanto, as muitas interpretações possíveis para o mes meditação, oração, contemplação), cf. C onferência dos R eligiosos do
B rasil (CRB). A Leitura ürante da Bíblia. São Paulo, Loyola/CRB, 1992,
mo trecho da Escritura podem ser agrupadas segundo os direcio
especialmente as pp. 20-32.
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um tema; a libertação é um acontecimento, não um tema; igual vo deste nível de leitura já não é formar na fé, mas articular uma
mente o perdão, a dor, a morte, a ressurreição etc.), pois é^jios reflexão mais racional.
acontecimentos que Deus está presente e se revela3. Ainda mais que no nível anterior, requer-se o conheci
Por isso^este nível de leitura requer que conheçamos a mento da Teologia dos autores bíblicos e de como a reflexão
História da Salvação, a fim de que saibamos Identificar os.aconte- teológica posterior lançou raízes no rico solo da fé bíblica.
cimentos a que as leituras da celebração se referem, os questiona
mentos que tais fatos provocaram na caminhada do povo de Deus Exegese:
e quais respostas foram dadas. A partir de então, vamos poder Busca-se, neste nível, compreender o texto bíblico.em si
avaliar a semelhança entre a nossa situação presente e a situação mesmo: as idéias, as intenções, a forma hterária_de um texto
do povo bíblico, bem como as respostas que estamos dando. específico e suas relações formais com outros textos. Entramos
no domínio das chamadas “Ciências Bíblicas”, um conjunto de
Catequese:
propostas de leitura, com metodologias, pressupostos e .critérios
Esta leitura já exige algum conhecimento, n ão só d a His- altamente elaborados ao longo de séculos.
tória da Salvação, mas também dos Dogmas e da Moral. Conhe
Enquanto nos níveis anteriores era muito importante a sín
cer os Dogmas nos ajuda a perceber como os conceitos de nossa
tese, neste ganha importância a análise: sem esquecer o conjun
fé, que tem suas raízes na experiência bíblica, foram amadure
to, avaliar cada uma das partes.
cendo ao longo dos séculos. Conhecer a Moral impede que nos-
sa catequese, diante de situações concretas que exigem de nós Aprender a ler neste último nível: eis o objetivo do pre
discernimento, se perca em “achismos” e subjetivismos. sente livro.
Em outras palavras, trata-se de ter fundamentos sólidos para
Uma leitura atenta deste quadro e de sua explicação nos
podermos atualizar a experiência de fé dos personagens bíblicos e
leva a observar:
usá-la como elemento formador do intelecto e da vontade.
a) Esta divisão é virtual, pois são cinco direcionamentos
Teologia: de leitura para um mesmo e único texto bíblico: não
. O discurso sobre os Dogmas, a Moral e a História da existe um texto só para oração e outro só para exegese.
Salvação se torna bem mais elaborado e utiliza outros instru O texto aponta simultaneamente para todas elas, somos
mentais: filosofia, história, ciências da linguagem etc. O objeti nós quem optamos por uma ou por outra.
b) As conclusões a que chegamos em um nível de leitura
3 No que se refere, por exemplo, à liturgia dominical dos católicos, os textos podem confirmar, negar ou redimensionar as conclu
bíblicos estão distribuídos num ciclo trienal, no qual “a escolha e distribui sões dos outros. Por exemplo: no nível da Exegese,
ção das leituras tende a que, de maneira gradual, os cristãos conheçam
mais profundamente a fé que professam c a história da salvação. [...] Com sabemos que Adão e Eva jamais existiram... mas isso
efeito, o Elenco das Leituras da Missa oferece os fatos e palavras princi não nos impede de utilizá-los em nossa Catequese.
pais da história da salvação [...] que a liturgia da palavra vai recordando c) Como decorrência da observação anterior, devemos,
passo a passo, em seus diversos momentos e eventos” (S agrada C ongre
portanto, aprender a nos movimentar nos vários níveis
gação para os S acramentos e o C ulto D ivino. Introdução ao "Ordo
Letionwn Missae”. In: L ecionário Dominical A-B-C. São Paulo, Paulus, de leitura e estar conscientes dos limites e das possibi
1994. pp. 27-28, nn. 60-61. lidades de cada um. Em outras palavras, é-nos necessá
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rio aprender a aproveitar as afirmações de um nível redundâncias do que a tradução funcional. Por isso, algumas
para alargar os horizontes dos outros. vezes articula as idéias de maneira pouco comum ao padrão
d) Curiosamente, quanto mais se aproxima da exegese, coloquial da língua de chegada. Isso não significa que ela deva
tanto menos nossa leitura requer fé. Antes, exige ins ser incompreensível.
trumental científico cada vez mais eficiente. Aliás, toda versão formal deve ter a mesma força que o
original tem, a fim de produzir os mesmos efeitos e as mesmas
emoções no leitor. Com efeito, versar palavra por palavra do
6. TRADUÇÃO E USO DE TRADUÇÕES hebraico (ou do grego) para o português, sem levar em conside
ração as particularidades de cada língua e o sentido do texto em
Caso trabalhemos com as línguas bíblicas (grego e hebrai seu conjunto, não significa fazer uma tradução formal. E apenas
co), antes de qualquer procedimento exegético, devemos tradu “escrever” hebraico (ou grego) com palavras portuguesas.
zir o texto que estamos por analisar. O resultado deste ato é a Um exemplo curioso do texto hebraico: J Sm 25,22^.
primeira objetivação de nosso esforço em compreender o texto.
Nenhuma tradução substitui o original, mas, quando se traduz, já 7 c1 T r r r r iò trn'bN rvi?ir"ns
se fazem opções e interpretações, que podem, é claro, ser modi ;Tp:i npnn—ly TNtílSrEN
ficadas ao longo do trabalho. Comparar a nossa versão com
traduções já existentes pode ser útil para verificarmos a reta Literalmente seria: "'Assim faça Deus aos inimigos de Davi
compreensão do original, ou como auxílio para evidenciar e su e assim continue, se eu deixar, de tudo o que é dele, até amanhã,
perar eventuais impasses. UM ‘MIJADOR’ DE MURO”.
Se não estivermos capacitados para trabalhar com os tex Risadas à parte, e descontando o neologismo, o problema
tos em hebraico e em grego, a comparação de diversas traduções reside exatamente na expressão Tp2 literalmente “mijado r
pode nos ajudar a perceber as dificuldades presentes na língua de muro, aquele que urina no muro”. Trata-se de um eufemismo
original. E, ainda que nosso objetivo seja preparar uma homilia, para "varão, macho”, seja ele um homem ou um cão. Uma tra
algum tipo de artigo ou comentário, é aconselhável tomar como dução que optasse por "varão” e apresentasse a seguinte versão
base a tradução mais fiel e literal (se não for possível no origi “assim aja Deus com os inimigos de Davi e o faça ainda mais,
nal). Jamais partamos, porém, de uma paráfrase popular (ou tra se eu deixar com vida, até amanhã, algo de tudo o que pertence
dução do lecionário ou folheto), ainda que depois esta seja usada a ele, mesmo um só VARÃO”, não deixaria de ser considerada
na celebração ou na catequese. formal. No entanto, seria apropriado que, ao longo de toda a
Esta última recomendação deriva do seguinte fato: há dois tradução, fosse sempre utilizado o mesmo vocabulário.
tipos de traduçãg, a saber, (1) formal ou literal e (2) funcional» Mas isso nem sempre acontece. A Bíblia - Tradução Ecu
ou dinâmica. Compreendamos a problemática de base: qualquer mênica, mais conhecida por TEB (sigla para Tradução Ecumê
tradução deve contemplar dois elementos, o significado da frase nica da Bíblia)1' , uma tradução considerada formal, infelizmen
e sua forma (ou expressão) lingüística. te, apresenta inconstâncias. Em ISm 25,22.34, traz literalmente
A tradução formajjpreocupa-se em respeitar a forma lin “o que urina contra o muro”. Contrariamente, em lRs 14,10;
güística do original. Por isso, sem deixar de ser compreensível, 16,11; 21,21 e 2Rs 9,8, traz “varão”. A nota de ISm 25,22*
renuncia à compreensão imediata, para manter a fidelidade ao
original. Q resultado é uma versão mais pesada e mais cheia de ■' B íblia - Tradução Ecumênica. São Paulo, Paulinas Loyola, 1994.
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explica que o sentido é incerto: Seria um cão, um homem ou um da Bíblia Fácil5678*10. O lecionário dominical católico apresenta uma
menino? Além disso, notemos que todos esses textos falam de tendência nesta linha11.
exterminar a família de alguém. Portanto, nada impediria que os Só para termos uma idéia das transformações de forma e
editores da TEB tivessem adotado o termo “varão” para traduzir de sentido que operam as traduções funcionais, o mesmo texto
‘T’ps ]Twl2 [o que urina no muro] e, mantendo a nota explicati usado como exemplo anteriormente, ISm 25,22, foi assim versa
va de ISm 25,22, nos demais textos, remeter a esta primeira do na Bíblia - Edição Pastoral: “que Deus castigue Davi, se até
amanhã cedo eu deixar vivo qualquer um de Nabal (sic!) que
ocorrência da expressão.
urina na parede”. Vemos que a preocupação com o entendimen
Quase todas as edições brasileiras podem ser consideradas to imediato fez surgir o nome “Nabal”, que não aparece no
formais. Algumas, é claro, com um cuidado maior do que as hebraico. Além disso, parece que a ameaça de extermínio refere-
outras quanto ao vocabulário da versão. São claramente eruditas se tão-só aos “mijadores” de muro.
A Bíblia de Jerusalém5 e a TEB. Esta última adota, para os
nomes próprios, a transliteração dos menos conhecidos e a for
ma abrasileirada para os mais usados. A Bíblia Sagrada traduzi 7. UM EXEMPLO
da por João Ferreira de Almeida6 possui duas edições em nossa
Ao longo de nosso estudo, vamos tomar como exemplo a
língua: a publicada em Portugal e a publicada no Brasil. Destas,
tempestade acalmada na versão de Marcos (4,35-41). Começa
a edição portuguesa é mais formal que a edição brasileira. remos apresentando o texto grego e, de forma interlinear, sua
Por sua vez, a tradução funcional visa superar a dificulda tradução:
de que o leitor hodierno tem em compreender a Sagrada Escritu
ra. Para eliminar as tensões, modifica as estruturas frasais, utili 35 Kai Àcyei aiíTol; cv ciaívr) rf] rpépa òi|/íaç yrvopéuriç,
za palavras mais simples e articula as idéias de forma a tornar o E diz a eles em aquele dia quando se fez tarde
texto imediatamenle compreensível. Tanto quanto a formal, a
AiéÂ.0ü)|iB' c- lç to trepai'. 36 Kai oxâou
tradução funcional busca reproduzir, na língua de chegada, a Atravessemos para a margem. E tendo eles despedido a multidão
força do texto na língua original (qual a expressão correspon
dente e que produz os mesmos efeitos), mas sem a preocupação TrapaÂapPáuouaii' auròu (3; fjv cu ia) ttàolw, Kai aÂÂ.a
de manter a forma do texto. Tal é o caso da Bíblia - Edição tomaram- consigo -no como eslava em o barco, e outros
Pastoral1, da Bíblia na Linguagem de Hoje*, da Bíblia Viva9 e uÂoia f\v per’ airmO. 37 Kai yíverai ÀaiÀaiJj peyáÀri
barcos estava com ele. E acontece tempestade grande
5 .4 B íblia de Jerusalém. 5 impr. São Paulo, Paulus, 1991. A Bíim.ia-Teb. São
Paulo, Paulinas, Loyola, 1995. àvépou, Kai rà KÚpara éuépaÂÀa' glç tò Tdoiou,
6 A B íblia Sagrada contendo o Velho e o Novo Testamento traduzida em de vento, e as ondas lançavam-se para dentro de o barco
português por João Ferreira de Almeida, ed. rev. e cor. Lisboa, Sociedade
Bíblica, 1988. 10 B íblia Fácil. São Paulo, Centro Bíblico Católico, s.d.
7 B íblia Sagrada - Edição Pastoral. 23 impr. São Paulo, Paulus, 1997. 11 Para uma avaliação geral das traduções brasileiras, cf. E güer, W. Metodo
8 .4 B íblia na Linguagem de Hoje. Brasília, Sociedade Bíblica do Brasil, logia do Novo Testamento, São Paulo, Loyola, 1994 pp. 65-67. E sobre
1989. traduções em geral, não podemos deixar de mencionar o recente B uzzetti,
■' A B íblia Viva. São Paulo, Mundo Cristão, 1981. C. Come scegliere le traduzioni della Bibbia. Torino, LDC, 1997.
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caate põri yepíCeoGai tò TfÀoXoy. 38 K al auròí; fjv cu tt] E diz a eles, naquele dia, quando se fez tarde: “Atraves
a ponto de já ficar cheio o barco. E ele estava em a semos para a outra margem”. E, tendo eles despedido a
Trpújiur] éttl to iTpoaKC-cfáÂaioi' KaGcúòwi'. K al é y e íp o u a iu aÚTÒv multidão, tomam-no consigo como estava no barco, e ha
popa sobre o travesseiro dormindo. E despertam- no via outros barcos com ele. E acontece grande tempestade
de vento e as ondas lançavam-se para dentro do barco, a
Âcyouaii' áureo, AiôáaKaÀe, ou piÂci ooi otl àrroÂÂúpeOa;
K al ponto de já ficar cheio o barco. E ele estava na popa,
e dizem a ele: Mestre, não importa a ti que pereçamos? sobre o travesseiro, dormindo. E despertam-no e dizem a
ele: “Mestre, não importa a ti que pereçamos?” E, tendo-
39 K al ÕLcyepGcl;; CTreiipriacv z(ò àvépxo K al elírev zr\ GaÀáaar],
E tendo-se levantado repreendeu ao vento e disse ao mar: se levantado, repreendeu o vento e disse ao mar: “Pica
quieto! Fica amordaçado! ” E o vento cessou e aconteceu
Eicúua, TTG(j)í|iGooo. Kal GKÓTiaoev ó avepoç Kal cycveTO grande bonança. E disse a eles: “Por que sois covardes?
Pica. quieto! Pica amordaçado! E cessou o vento e houve Ainda não tendes fé ? ” E ficaram muito amedrontados e
diziam uns aos outros: “Quem é este, afinal, pois até o
yaÂT|i'r| p e y c a r|. 40 ícal cittcb a ú t o i ; , Tí ôei oí cotc ;
vento e o mar obedecem a ele?”
bonança grande E disse a eles: Por que covardes sois?
exere i\íoziv, 41 K al
ouugo ccj)opf|Or|aau cjjópov péyau
Ainda não tendes fé? E amedrontaram!-se) medo grande 8. BIBLIOGRAFIA
ícal eÂcyoE rrpòç àÀ-A/qÀ-ouç, Tíç apa outoí; cot li» o ti A g u ia r b S il v a , V. M. Teoria da Literatura. 8. ed. Coimbra,
e diziam reciprocamente: Quemafinal este é pois Almedina, 1990.
K al 6 a v tp o ç K al i] G á aaoa úuaicouc-i auTtô; Buz/.biti, C. Come scegliere le traduzioni della Bibbia. Torino,
também o vento e o mar obedecem a ele? LDC, 1997.
C o n f e r ê n c ia d o s R e l ig io s o s d o B r a s il (CRB). A Leitura Orante
Como dissemos, esta tradução é chamada de “interlinear”, da Bíblia. São Paulo, Loyola/CRB, 1992.
pois, sob cada palavra em grego, está sua correspondente em
E g g e r , W. Metodologia para o Novo Testamento. São Paulo,
português. Por ser uma tradução palavra-por-palavra, tudo fica
Loyola, 1994.
muito truncado. Além disso, devemos levar em consideração as
particularidades da língua grega: sintaxe, expressões idiomáti I l a r i , R. & G h r a l d i , J.W. Semântica. São Paulo, Ática, 1985.
cas, aspecto verbal, gêneros dos substantivos etc. Portanto, para M a s in i , M . Iniziazione alia “Lectio Divina” - teologia, método,
que a tradução seja fluente, será necessário algo mais que a spiritualità, prassi. Padova, Messaggero Padova, 1988.
simples transposição das palavras de uma língua para outra. So S a g r a d a C o n g r e g a ç ã o ra ra os S a c r a m e n t o s e o C u l t o D iv in o .
bre problemas mais concretos da tradução retornaremos no capí Introdução ao “Ordo Letionum Missae”. In: Lecionário Do
tulo quinto, quando estudarmos a sintaxe deste texto. Veremos, minical A-B-C. São Paulo, Paulus, 1994.
naquela ocasião, detalhes que podem ser alterados, implicando
uma nova compreensão destes versículos. Por ora, basta estabe
lecer a tradução que utilizaremos ao longo de nosso estudo me
todológico. Vejamos, então:
34 35
Capítulo 2 ____________
Entrando em contato
com o texto “original”
... E a Bíblia?
37
1. TEXTO “ORIGINAL”? antes de serem escritos, muitos relatos pertenciam à tradição
oral. A fixação por escrito, o texto estável, é apenas parte de um
Não podemos fazer trabalho sério em exegese ou em teolo processo mais amplo, pois um novo contexto é sempre ocasião
gia bíblica se não partirmos do texto “original”. O termo “origi para a re-leitura e a re-elaboração de um texto do passado. Em
nal” deve ser colocado entre aspas já que o “verdadeiro texto outras palavras, um texto fixado e amadurecido pode tornar-se a
original” não existe. Isto é, ninguém possui a primeira edição do base para uma nova re-elaboração. Muitas vezes, o próprio texto
Livro dos Números, ou mesmo do evangelho de Lucas. O primeiro oferece indícios que permitem reconstruir as etapas da redação
manuscrito de qualquer texto bíblico perdeu-se no tempo e no que hoje possuímos.
espaço. Em outras palavras, como se já não fosse pouco o fato de Como veremos em breve, a ciência bíblica desenvolveu
termos de trabalhar com os textos em grego, em hebraico e, even certos critérios, a fim de refazer o caminho que o texto percorreu
tualmente, em aramaico, temos o seguinte complicador: a primeira até chegar às nossas mãos. O resultado desse trabalho de recons
redação, tal qual saiu das mãos do autor, já não existe mais. Negá- trução é encontrado nas chamadas “edições críticas”. São edi
lo, seria ingenuidade nossa. Tudo o que nos resta são cópias, por ções dos textos do Antigo e do Novo Testamentos (em hebraico,
vezes, defeituosas, incompletas, ou mesmo muito tardias. em grego, em aramaico e, ainda, em latim) que trazem, no roda
Como, então, podemos ousar fazer afirmações do tipo “Tal pé, o “aparato crítico”, isto é, o elenco das principais leituras
texto quer dizer tal coisa”, se nem podemos “jurar de pés juntos” variantes e os tipos textuais. Nas margens laterais, encontramos
que o texto é exatamente aquele? outras observações e anotações a respeito do texto. Para econo
mizar espaço, quase todas as informações do aparato crítico e
Por isso, é necessário reconstruir o texto “original”, isto é,
das margens estão abreviadas ou codificadas em símbolos, cuja
o texto que provavelmente tenha saído das mãos do autor. Para
decodificação encontramos nas introduções e nos apêndices de
tanto, trabalha-se sobre os manuscritos disponíveis1. Claro que
cada edição crítica.
não precisamos fazer tudo sozinhos. Só isso seria a tarefa de
toda uma vida... e muitas mais. As variantes decorrem, em parte, por erro de transcrição
e, em parte, por correções intencionais dos copistas. Sobre isso,
falaremos mais à frente.
2. UMA EDIÇÃO DIFERENTE DA BÍBLIA: Cada edição crítica é o resultado de anos de dedicação em
A EDIÇÃO CRÍTICA consultar TODOS os manuscritos existentes (textos bíblicos,
Targumim, Midrashim, lecionários, fragmentos, inscrições, co
Sem nenhuma dúvida, houve um texto que podemos cha mentários, textos patrísticos, e outros mais).
mar de “original”. Este, no entanto, sofreu re-elaborações e mais Por exemplo, a atual edição crítica do NT adotada como
re-elaborações. Além disso, não podemos nos esquecer que, padrão é a 27a de Nestle-Aland. Isso significa que este trabalho
já foi realizado 27 vezes sobre o mesmo texto. Começou com
1 A história dos textos do AT e NT c um assunto que requer uma longa E. Nestle, que publicou, em 1898, sua primeira edição crítica
tratação e, dentro de nossa proposta, consideramos lotalmentc inviável. Em do NT. Esta publicação foi sendo revista e aprimorada, com o
caso de interesse, sugerimos ao leitor consultar as seguintes obras: M annccci, estudo e a avaliação de novos manuscritos. Os atuais editores,
V. Bíblia, Palavra de Deus. São Paulo, Paulus, 1986. pp. 108-124; G onzai.hz uma comissão internacional, têm à sua frente K. Aland. E as
E ciiixíauay, J. et alii. A Bíblia e seu Contexto. São Paulo, Ave Maria, 1994.
pp. 435-511; T ruboi.lk B arrhra, J. A Bíblia Judaica e a Bíblia Cristã. pesquisas continuam. Talvez, daqui a alguns anos, seja publica
Vozes, Petrópolis, 1996. pp. 303-507. da a 28a edição...
38 39
E, não obstante a grande seriedade com que este trabalho e a entonação (acentuação, pausas, cantilenação) com que deve
é feito, ainda há versículos a respeito dos quais não podemos ser lido o texto.
afirmar com segurança qual foi a redação original.
Além da vocalização e dos sinais disjuntivos, a fim de se
evitar a corrupção e a perda de palavras no texto, os escribas
massoretas desenvolveram um sistema para garantir a integrida
3. TRABALHANDO COM UMA EDIÇÃO CRÍTICA
de da Escritura. É a chamada “massorahT.
As edições críticas publicadas em Stuttgart, na Alemanha, Não queremos aborrecer o leitor e, por isso, não vamos
pela Deutsche Bibelgesellschaft, acabaram se impondo como pa expor com minúcias a massorah. A modo de ilustração, daremos
drão. Cada uma delas é o resultado de muitos anos dedicados à apenas dois exemplos.
pesquisa e à atualização de edições anteriores. Além disso, têm o
mérito de poderem ser adquiridas com muita facilidade e por um a) A Massorah Final: ao final de cada livro, en
preço relativamente acessível. contraremos uma nota que nos informa quantos versos e
Vejamos o elenco destas publicações: quantos sedarim2 aquele livro possui e onde está o seu
meio. Por exemplo: ao final de Dt, é-nos dada a seguinte
Texto Massorético (TM): K. & R u d o l p h , W. Bí
E l l ig e r , informação: o livro possui 955 versículos, seu meio está
blia Hebraica Stuttgartensia em [agirás conforme] (17,10) e são 31 os
Setenta (Sepluaginta ou LXX): R ahlfs , A. Septuaginta sedarim. Além disso ficamos também informados que o
Novo Testamento: N estlh, E. & A land , K. Novum conjunto da Torah possui 5.845 versículos, 167 sedarim,
Testamentum Grae.ee 79.856 palavras e 400.945 letras.
U n it e d Bible Societies, The
b) A Massorah Marginal: trata-se, como o nome
Greek New Testament
diz, do conjunto de notas que os massoretas colocaram às
Vulgata: W e b e r , R. Biblia Sacra Vulgata
margens do texto. Nessas notas, eles fazem comentários a
respeito do texto, preservam tradições não textuais, identi
ficam palavras ou frases raras, indicam o meio dos livros
3.1. Biblia Hebraica Stuttgartensia (BHS) e das grandes seções, dão-nos outras informações estatís
ticas e uma espécie de concordância23. Devemos destacar
Precisamos, pois, aprender a manusear essas edições da
Bíblia. A seguir, vamos tratar brevemente do Antigo Testamento
2 Lições ou pcrícopes em que a tradição palestincnse divide o TM. São. no
em hebraico e, posteriormente, do Novo Testamento Grego. lotai, 452 sedarim.
Acabamos de afirmar que tornou-se padrão jnjjizaiL a Bi.=^ 3 Por alguns conhecida como "chave bíblica", a concordância é um livro que
filia Hebraica Stuttgartensia-Eld traz o chamado “Texto Masso traz, em ordem alfabética, todas as palavras da Bíblia, cada uma delas
rético” (TM), a versão escrita do Antigo Testamento hebraico seguida pelo elenco dos versículos cm que tal palavra é utilizada. No
que acabou se impondo como padrão. Os massoretas estabelece trabalho exegético são indispensáveis as concordâncias em grego, cm he
braico e, eventual mente, em latim. Mas também encontraremos concordân
ram um sistema altamente elaborado e complexo de vocalização
cias cm várias línguas: alemão, inglês, espanhol etc. Em português, temos
(supra e infra-linear) e acrescentaram ao texto uma série de si a CoscoRDÂbiciA Bíblica. Brasília, Sociedade Bíblica do Brasil, 1975, basea
nais disjuntivos, para indicar a pontuação (vírgulas, pontos etc.) da na tradução revista e corrigida de João Ferreira de Almeida.
40 41
o chamado Qerê / Ketíb (o que deve ser lido / o que está to crítico: sua organização e o número de variantes. O aparato
escrito), um recurso dos massoretas para esclarecer difi crítico do UBS Greek New Testament é menor do que o aparato
culdades com a vocalização, quando esta é incompatível crítico do Novum Testamentum Graece, pois reporta um menor
com as consoantes. Ou seja, quando o texto apresenta número de variantes textuais. Em compensação, o UBS Greek
consoantes de uma palavra com vogais de outra. E sempre New Testament atribui à lição escolhida para o texto uma classi
indicado da seguinte forma: no texto {Ketíb), aparece um ficação (A, B, C, D), segundo o maior ou menor grau de certeza,
pequeno círculo sobre a palavra em questão; na margem classificação esta que não consta no Novum Testamentum Graece.
(Qerê), as consoantes corretas estão impressas sobre um p Comparadas à Biblia Hebraica Stuttgartensia, as edições
encimado por um ponto. Um bom exemplo podemos en críticas do Novo Testamento revelam-se mais simples. Não há,
contrar em 2Rs 20,4. O Ketíb traz as consoantes Tl?n com por exemplo, as messarot (plural de massorah), e nem um siste
a seguinte vocalização TlíH. O Ketíb tem as consoantes da ma tão complexo de acentos e pausas. Além disso, é grande o
expressão “a cidacle”, mas a vocalização é totalmente ou número de manuscritos (códices e fragmentos), todos indicados
tra. Tal discrepância só fica esclarecida ao consultarmos o por uma letra, um número ou uma abreviação, simbologia essa
Qerê, que propõe as consoantes “úsn, que não significa que vem decodificada em tabelas que arrolam todo este material
“cidade”, mas “pátio”. Ou seja, os massoretas propõem e informam-nos acerca do número, do tipo (papiro, códice, frag
que “aquilo que está escrito” (Ketíb) TDn [a cidade], “seja mento; uncial [maiúsculo] ou minúsculo), da data e do conteúdo
lido” (Qerê) “i^n [pátio]. Mas, como não podem alterar o de cada manuscrito. Consultando as tabelas e os apêndices, pode-
texto (que possui só as consoantes), vocalizam-no segun se decifrar os símbolos e as abreviaturas usadas e, assim, avaliar
do a correção indicada na margem lateral. em quais manuscritos se encontram as diferentes lições.
E, por fim, o aparato crítico. No texto hebraico, aparecem Vejamos, como exemplo, Jo 16,27: [xoü] 0eoú [(de) Deus].
pequenos caracteres latinos (a,b,c...) que remetem ao fundo da No aparato crítico de qualquer uma das referidas edições, encon
página. Aí, encontramos as principais variantes do texto e a traremos a informação de que a leitura proposta no texto encon-
referência dos manuscritos ou das versões que lêem tais varian tra-se na segunda correção do códice C (século VI) e no códice
tes. Essas informações são dadas por meio de numerosas abre W (século V), entre outros. Sem o artigo, a mesma leitura 0eoü
viações em latim e/ou símbolos. Um breve exemplo: Dt 32,35. [(de) Deus] encontra-se no papiro 5 (século III), na leitura origi
O Texto Massorético lê cpD 'b [para mim a vingança e a. nal do códice X ou Sinaítico (século IV) e no códice A ou Ale
recompensa]; já o Pentateuco Samaritano e a Sepluaginta lêem xandrino (século V), entre outros. Mas, somos informados tam
cbtL'1 Cp: c rb [para o dia da vingança e da recompensa]. bém de que há outra possível lição, xoü TTocxpóç [do Pai], que
consta na primeira correção do códice X ou Sinaítico (séculos
IV-VI), no códice B ou Vaticano (século IV), na leitura original
3.2. UBS Greek New Testament e Novum Testamentum Graece do códice C (século V) e no códice D ou Bezae (século V), entre
outros. A comissão encarregada destas edições optou, com um
Para o texto do Novo Testamento, temos duas edições considerável grau de dúvida, por [xou] 0eoü [(de) Deus] (com o
gêmeas: o United Bible Societies’ Greek New Testament (atual artigo). Por isso, a leitura que aparece no texto recebe, na 4a
mente, na 4a edição), feita para tradutores, e o Novum edição do UBS Greek New Testament, a classificação {C}.
Testamentum Graece (atualmente, na 27a edição), feita para exe-
getas. O texto é o mesmo para ambas. A diferença está no apara
42 43
4. ÚLTIMAS CONSIDERAÇÕES PRÉVIAS B) Para quem usa os recursos da informática, recomenda
mos tomar contato com o excelente programa BibleWorks for
Um bom começo é tomar as edições críticas e ler as pági Windows, atualmente na versão 4.0, em CD-ROM. Embora o
nas introdutórias, nas quais, além das informações expostas an aparato crítico completo para a Bíblia Hebraica, a Septuaginta e
teriormente, vamos encontrar muitas outras, que nos serão muito o Novo Testamento Grego ainda seja uma promessa, este pro
úteis, tais como um histórico da presente edição crítica e suas grama é de extrema utilidade, pois, as mesmas fontes requeridas
particularidades: os critérios e as siglas adotados, os manuscritos pelo Windows para a visualização dos textos grego e hebraico
consultados, os apêndices. podem ser utilizadas por qualquer programa de elaboração de
Cada livro desses é uma verdadeira enciclopédia sobre o textos e nos permite escrever diretamente nas línguas bíblicas.
texto bíblico. A fíiblia Hebraica Stuttgartensia (BHS) possui Além disso, o BibleWorks possui vários outros recursos que po
“prolegomena” em alemão, inglês, francês, espanhol e latim, dem ser acionados durante o uso do programa: léxicos em grego
mas a lista completa dos sinais e dos manuscritos utilizados e hebraico, concordâncias, estatísticas, análise morfológica, ver
possui sua explicação somente em latim!... Quem não tem inti- são grega (LXX) para o AT, versão latina (Vulgata), e muitas
midades com essa língua pode consultar a seguinte obra: S c o t t , versões em línguas modernas, até em português (três edições da
William R. A Simplified Guide to BHS. Berkeley, Bibal, 1987. clássica tradução de João Ferreira de Almeida: corrigida, revista
Nesta publicação, além da tradução, em inglês, das abreviaturas e atualizada; revista e corrigida).
e das siglas utilizadas no aparato crítico, pode-se encontrar in
formações adicionais sobre as duas messarot, as pausas e os
acentos, e muito mais. Em português, um breve elenco com as 5. CRÍTICA TEXTUAL
principais abreviações e termos latinos pode ser encontrado em
M a in v il i .b , O . A Bíblia à luz da História. Guia de exegese-
Agora que já sabemos o que é uma edição crítica, precisa
histórico-crítica. São Paulo, Paulinas, 1999. pp. 147-152. mos saber para que serve. Para responder a tal pergunta, deve
mos lembrar que uma edição crítica apresenta as lições ou
Quanto ao Novo Testamento, a 4a edição do UBS Greek lectiones variantes para um mesmo texto. Não há dois manuscri
New Testament possui introdução apenas em inglês, enquanto a tos perfeitamente idênticos e as diferenças são apresentadas no
27a edição do Novum Testamentum Graece, em inglês e alemão. aparato crítico. Quando encontramos uma divergência nas tradi
No entanto, a editora distribui gratuitamente separatas com a ções de um texto bíblico, ou quando é difícil sua leitura, pode-se
mesma introdução em espanhol e em francês. pensar em uma eventual emendação, baseada sobre as várias
lições, ou, em casos mais raros, sobre conjecturas (quando o
Por fim, apenas mais alguns comentários. contexto ou a gramática exigem mudanças não atestadas em
A) E comum encontrar, cm nossas bibliotecas, a edição manuscritos).
crítica bilíngiie Mhrk, A. Novum Testamentum Graece et Latine. Como os estudiosos chegaram à conclusão de que o texto
Roma, Pontifício Istituto Biblico. Foi muito usada nos cursos de mais próximo do original é este e não aquele? E como explicam
Teologia desde seu aparecimento, em 1933, e continua sendo as mudanças?
reimpresso (a décima primeira edição é de 1992). No entanto, Reconstruir a (provável) redação original a partir dos ma
seu aparato crítico está totalmente defasado, uma vez que sua nuscritos atualmente conhecidos supõe realizar um trabalho crí
última atualização é de 1964. tico em duas direções, a crítica externa e a crítica interna. A crítica
44 45
externa toma em consideração o aspecto físico dos manuscritos: c) a lição divergente em lugar paralelo é preferível à con-
quantidade, qualidade, datação. Por sua vez, a crítica interna cordante;
analisa o texto propriamente dito: articulação das idéias, uso das d) é genuína a lição que explica a origem das demais.
palavras, estilo, teologia. Cada uma dessas duas críticas (externa
e interna) possui seus próprios critérios. Aliás, esse último critério exige não só sensibilidade, mas
também certa dose de intuição.
São critérios para a crítica externa:
Quanto à sua origem ou à sua causa, as mudanças podem
a) múltipla atestação; ser inconscientes ou conscientes. Os exemplos a seguir vão nos
b) manuscritos antigos e confiáveis; ajudar a clarificar tal problemática.
c) manuscritos independentes entre si (genealogia e geo
grafia); 5.1. Crítica textual do Antigo Testamento
São critérios para a crítica interna:
5.7.7. Mudanças inconscientes
a) a lição mais difícil é preferível à mais fácil (lectio
difficilior); Consideradas erros de escritura (quase sempre anteriores
b) a lição mais breve é preferível à mais longa (lectio ao I d.C.).
brevior);
a) Erro de ouvido:
c) estilo e teologia do autor;
Para se multiplicar os textos, um dos escribas ditava e os
d) não-influência de passos paralelos. demais transcreviam. Em alguns casos, podia acontecer de o
Claro que uma conclusão guiada pelos critérios externos copista compreender mal a leitura e confundir alguma letra. Tal
pode divergir daquela baseada nos internos. Para superar tal im é o caso de SI 28,8. A versão hebraica do TM lê
passe, uma vez estabelecida a forma original, deve-se explicar o rrirr
porquê das diferenças, reconstruindo a genealogia das variantes.
YHWH éforça para eles
Mas, devemos levar em consideração que o trabalho de
reconstrução do texto a partir dos manuscritos já está realizado Mas outras versões, tal como a siríaca, apresentam
por estudiosos que dedicaram toda sua vida a isso. Ou seja, não
precisamos partir do zero. Por isso, tendo cm mãos uma edição fàyb-w mt;r
crítica, que nos fornecerá as principais variantes para cada versí YHWH éforça para seu povo
culo, nossa tarefa será tentar entender as razões que levaram os
críticos textuais a tal veredicto. Para tanto, nosso trabalho deve seguindo a LXX (Septuaginta):
se pautamos seguintes critérios: KÚpLOç Kpamíojpa rou Àaoú ociruoü
a) a lição mais difícil é preferível à mais fácil (lectio o Senhor é força de seu povo
difficilior); O leitor pode ter pronunciado não muito claramente o V
b) a lição mais breve é preferível à mais longa (lectio (que possui um som gutural, mas alguns o pronunciam mudo ou
brevior); levemente aspirado), provocando uma alteração na cópia.
46 47
b) Haplografia (haplos = simples): a um fenômeno de paráblepsis, os vv. 36-37 (entre colchetes)
Quando determinada palavra, sílaba ou letra, que ocorre estão ausentes em vários manuscritos e em várias edições im
mais de uma vez, é escrita somente uma. Assim acontece em pressas do TM, bem como em manuscritos do Targum e da
Is 26,3-4. O TM e, com ele, o Targum e a Vulgata lêem Vulgata. Entretanto, o TM pode ser reconstituído em base à
LXX e à lista paralela de lCr 6,63-64.
Ocorrem quando o copista altera propositadamente o tex cc) ... explicar textos teologicamente difíceis:
to. Isso pode ser feito em virtude de o texto estar ainda vivo: as O texto hebraico de Ex 24,10 apresenta uma dificuldade:
mudanças não traem a fidelidade à sua transmissão. Para o AT
vemos, por exemplo, as diferenças de ortografia entre os Manus ‘rxeúr 'ribx nx ix tí
critos do Mar Morto e o Texto Massorético, bem como as lições E eles viram o Deus de Israel
da LXX.
Como é possível contemplar a Deus diretamente? Os tra
dutores da LXX, para eliminar tal problema, acrescentam alguns
a) Glosa: vocábulos:
Trata-se de um acréscimo para ...
Kofi cíôov [ TÒv tÓhou oi» c-lcmÍKe i ciai ] ó Gcòç rob Iapar|À.
a a )... corrigir: E eles viram [o lugar onde parou] o Deus de Israel
Em Jr 10,25, o TM diverge da LXX. Respectivamente Ninguém pode ver a Deus, mas não há nenhum problema
temos: quanto a se ver o lugar onde Deus se posiciona.
“iròpx;) upir-nN p b) Mudanças por razões teológicas:
Pois devoraram Jacó, devoraram-no e aniquilaram-no Algumas alterações ocorrem para substituir palavras ou
òtl KaTécjjayov tòv Iaiccop «cd k^avr\X(úoa.v olvzóv expressões que “ofendem” teologicamente:
Pois devoraram Jacó e aniquilaram-no aa) Alterações antipoliteístas:
Neste caso, pode-se explicar o TM assim: 1) um escriba Segundo lC r 8,33 e 9,39, o nome do quarto filho de
teria escrito inbpXI [e devoraram-no] em lugar de [e ani Saul é [’Eshbba'al]. A vocalização parece ser uma pe
quilaram-no]; 2) posteriormente, a fim de corrigir, ele mesmo quena variante de [’Ish-ba'al = homem de B a ‘al]. No
ou outro teria inserido [e aniquilaram-no], sem apagar a entanto, o infante recebe outro nome no Texto Massorético de
forma errada. 2Sm 2,8.10.12.15; 3,8.14-15; 4,5.8.12: n ^ " ’^ X ['Ish-bosheth
50 51
= homem da vergonha]. Embora Crônicas tenha sido compos Ao invés de [abençoar], o verbo que melhor se encai
to depois de Samuel, seus manuscritos preservam, neste caso xaria aqui é seu oposto, “:“1K [amaldiçoar], mas que foi evitado
particular, antigas tradições textuais, as quais, por sua vez, por respeito a Deus.
refletem um tempo em que o elemento teofórico bv2 [Ba ‘al]
deve ter sido comum em nomes próprios4. Em outras palavras,
o nome original é encontrado em Crônicas, e a forma corrigida
5.2. Crítica textual do Novo Testamento
em Samuel.
De fato, uma antiga recensão da LXX, o texto anlioqueno As variantes do NT têm uma origem semelhante às do
(normalmente chamada “recensão de Luciano” e que parece re
AT. Bem mais que no AT, é possível trabalhar com os critérios
portar uma versão pré-massorética do texto hebraico) lê diferen
da crítica externa (antiguidade, quantidade dos manuscritos etc.).
temente o livro de Samuel: o rapaz é denominado 'EiopaaÀ
Em geral, a gama de manuscritos para cada variante é extensa e
[Eishaal = homem de Ba‘al].
uma apresentação minuciosa, nestas páginas, seria inviável. Por
bb) Alterações eufemísticas: tanto, optamos por uma discussão simplificada. Para cada exem
plo, vamos arrolar apenas os melhores testemunhos. Caso o lei
No TM, termos pesados são substituídos por outros mais
tor esteja interessado em aprofundar a questão e disponha de
brandos, tal como em Jó 2,9. Se o texto hebraico dá ares de
uma das edições críticas, convidamo-lo a consultar as listas dos
ironia
manuscritos, o que implicará “decifrar” a simbologia utilizada
nr:) evòn -pE pelos editores.
Abençoa a Deus e morre! Vejamos alguns exemplos, tirados da 27a edição do Novum
Testamentum Graece:
a versão da LXX é ainda mais neutra
elnov tl prjpa c-Lç icúpiou ícai TcÀcúra At 6,8:
Diga uma palavra ao Senhor e morre! (1) iTÀiprií; xápiroç ícal Ôuuápc-wç
cheio de graça e de poder
4 Alguns nomes de pessoas: o apelido de Gedeão é ‘ryÇT \ Yerubba'al = que
Ba 'al lute], cf. Jz 6.32; 7,1; 8,29; 9,1-2.5.16.19.24.28.57 e ISm 12,11; em códice Sinaítico (X): séc. IV
2Sm 11,21, no enlanlo, este nome está alterado para [Yeruhheshet - códice Vaticano (B): see. IV
que a vergonha lute]. Um dos filhos de Davi é designado iíTrí::: \Be‘elxada‘
= Ba'al sabe] em ICr 14,7), mas JHpN f'Elyada ' = ’El (Deus) sabe] cm códice Alexandrino (A): séc. V
2Sm 5,16 e ICr 3,8. Um filho de Jônatas é chamado [Merib-ba'al códice D: séc. VI
= Ba'al é (meu/seu/nosso ?) advogado] ( ICr 8,34; 9,40a) ou \Meri-
b a ‘al = herói de Ba'al] (ICr 9,40b), nome também corrigido para rCE'EE (2) TrÀripri; Tríaxccúç icoà õuuápca);
[Mephiboshelh = ?] (2Sm 4,4; 9,6.10-13; 16,1.4; 19,26.31; 21,7) e mínça
[Mephibosheth = ?] (2Sm 16,25). .Segundo Tov, E. Textual Criticism o f cheio de fé e de poder
the Hebrew Bible. Minneapolis/Assen-Maastricht, Fortress/Van Gorcum,
a maioria dos manuscritos em grego koiné.
1992. p. 268, não há clareza quanto ã exata relação entre '"EE [meplú-] e
■(2)'“iE [men{b)-]. Gregório de Nissa (padre apostólico): séc. IV
52 53
(3) TíA-ipriÇ xáprüOÇ KG'! TTLOT6CJÚÍ decisão caberá à crítica interna, que considera a lição (1) uma
cheio de graça e de fé harmonização com textos paralelos, conforme o próprio aparato
códice E: séc. VI crítico indica com a siglap).
(2) Ouk gtt’ aprw póvw (parTm ò auBparuoc;. (4 ) ano Geou Traxpòç rpan' ícal Kupíou ppcou
não só de pão viverá o homem da parte de Deus Pai nosso e do Senhor nosso
códice Sinaítico (N): séc. IV todas as versões coptas
códice Vaticano (B): séc. IV todas as versões etíopes
códice W: séc. V Quanto à crítica externa, a lição (2) leva uma pequena
vantagem sobre a lição (3). No entanto, a crítica interna decide
A lição (1), com a segunda parte de Dt 8,3, é atestada por em favor desta ultima, por estar mais de acordo com o uso
bons manuscritos. Não obstante, a lição (2) consta também em paulino (cf., por exemplo, Rm 1,7; ICor 1,3; 2Cor 1,2). Copistas
manuscritos antigos e confiáveis. Parece haver um empate. A piedosos teriam transferido ppcâv [de nosso] para depois do Kupíou
54 55
[Senhor], a fim de associar tal pronome à fórmula “Senhor Jesus a maioria dos manuscritos em grego koiné
Cristo”. A ausência fipwi' [de nosso] na lição (1), bem como sua todas as versões coptas
duplicação, na lição (4), devem ser encaradas como desenvolvi
mentos secundários na transmissão do texto. todas as versões siríacas
(4) pCTK TTOa'TCOL' upcâv
Ap 22,21:
(com) todos vós
(1 ) toü Kupíou ’Ipaou Xp LOTOU manuscrito 296: séc. XVI
do Senhor Jesus Cristo todas as versões etíopes
a maioria dos manuscritos em grego koiné Pseudo-Ambrósio (padre apostólico): séc. IV
(2) TOU Kupíou ’Ipoou
( 5 ) (1<ET(X mia'TGH' fip á h '
do Senhor Jesus (com) todos nós
códice Sinaítico (N): séc. IV
manuscrito 2050: séc. XII
códice Alexandrino (A): séc. V
(6) p e rà m v x u v
(3) TOÜ KUpiOl) f]|i(ôl' ’Iriooü Xp lotou
(com) todos
do Senhor nosso Jesus Cristo
manuscrito 2067: séc. XV códice Alexandrino (A): séc. V
Vulgata e parte dos manuscritos da Vetus Latina Vulgata
Ticônio (padre apostólico): séc. IV
A bem atestada lição (2) foi transformada por escribas
piedosos na lição (1), e, posteriormente, na lição (3). (7) pc-TO uou.'TMi' xãv àyíwv auTou
(com) os seus santos
Ap 22,21: manuscrito 2030: séc. XII
( 1 ) pCTCL T(UU àyLCOL'
Bste exemplo é um pouco complicado. A lição (4), adota
(com) os santos
da pelo textus receptus5, é atestada apenas por um manuscrito
códice Sinaítico (X): séc. IV grego (296, do séc. XVI) e mostra a influência de 2Cor 13,13 e
(2 ) |iC-Tà TCÔLy àyLCjOL' oou 2Ts 3,18. As lições (2), (5) e (7) são sustentadas por fracas
evidências (nenhuma anterior ao do séc. X). A lição (3) tem, a
(com) os teus santos
seu favor, uma atestação mais numerosa que as demais e o fato
manuscrito 2329: séc. X
de o Apocalipse usar por doze vezes o termo oéyLoç [santo] (em
(3) pcrà uáuTíòv zcúv aytau'
(com) todos os santos 5 Assim designa-se uma antiga versão impressa do NT, publicada em 1633
pelos irmãos B. e A. Elvezir, na Holanda. Por sua grande exatidão passou
manuscrito 051: séc. X — mas no suplemento que su a ser base de quase todas as traduções, principalmentc dos evangélicos,
pre uma lacuna no original até 1881.
56 57
8,3 com ttcci'toh' [todos]) para designar os fiéis cristãos. Entre guar a antiguidade e a confiabilidade de cada manuscrito. Uma
tanto, parece ser a confluência das lições (1) e (6). Esta última, vez definidos esses dados, será a vez da crítica interna estabele
porém, é a melhor atestada (crítica externa) e a mais breve (críti cer a lectio difficilior e a lectio brevior, bem como o estilo do
ca interna). autor. Por fim, precisamos explicar como, da lição considerada
original, surgiram as variantes.
Ap 22,21: Coerentes à nossa proposta de apresentar de forma simpli
ficada um trabalho árido e meticuloso, arrolaremos apenas os prin
(1) à\vr\v cipais testemunhos de cada variante. Indicaremos, ainda, algumas
amém observações relevantes que estão presentes no aparato crítico: cor
códice Sinaítico (K): séc. IV reções, variantes à variante, lição hipotética. Vejamos, então:
manuscrito 046: séc X
No v. 36, para àcj^évueç tòv õ%A.ov [tendo (eles) despedido
manuscrito 051: séc. X ■ — mas no suplemento que su a multidão), as lições variantes são:
pre uma lacuna no original
a maioria dos manuscritos minúsculos em grego koiné (1 ) cajH O uaiv tou o ^A oi' kocl
despedem a multidão e
(2) — (ausente no texto)
códice Bezae (D): séc. V
códice Alexandrino (A): séc. V
códice W: séc. V
A lição (1) equivale ao textus receptus e conclui o livro papiro 45: séc. III — mas é uma lição não muito segura
com o qifji' [amém] litúrgico. Mas, se esta palavra originalmente (2) aírcóv
estava presente, como explicar sua ausência em um testemunho
tendo-a despedido
confiável como o códice Alexandrino (A)? Com um considerá
vel grau de incerteza, os responsáveis pelas atuais edições críti códice Alexandrino (A): séc. V
cas optaram pela lectio brevior, isto é, pela sua omissão.6
Podemos notar que a lição (1) não conta com nenhum
manuscrito anterior ao século V. A presença desta variante no
6. UM EXEMPLO Papiro 45 é hipotética. Embora estivesse mais de acordo com o
estilo paratático de Marcos, devemos considerar tal lição como
fracamente atestada. Também a crítica interna não lhe será favo
Vamos ver como tudo isso funciona na prática. Para tanto,
rável ao aplicar os princípios lectio brevior e lectio difficilior.
precisamos ter em mãos uma Edição Crítica. Nosso exemplo
Além disso, explica-se assim a flexão de à(|nr||j.i [despeço]: deve
continuará seguindo a 27a edição do Novum Testamentum Graece.
ter sido contaminada por TTapaÀoqj.pávoimr' [tomam consigo].
Consultando o aparato crítico correspondente a Mc 4,35-41, en Igualmente, explica-se a presença de aíruóv [ele], na lição (2),
contraremos uma série de símbolos, abreviações e frases em por uma contaminação de aúróv [ele(a), neste caso, de gênero
grego. E agora? neutro, no grego] objeto de rapaÀappávouaiv [tomam consigo].
O primeiro passo é fazer a crítica externa. Comecemos Com efeito, o texto ficaria completamente incompreensível: A
consultando as tabelas que encontramos nos apêndices ou no quem se referiría o pronome aifcóv [ele], da lição (2), visto que
encarte, a fim de interpretar cada uma das siglas e poder averi- não pode se referir a Jesus?
58 59
O Aparato Crítico não nos informa em quais manuscritos em favor da lição (4). A lição (2) pode ser explicada por um erro
aparece a lição escolhida pelos editores. Isso significa que tal é a de leitura, que transformou aXXa TrÂola [outros barcos] em a\ia
lição dos demais testemunhos, dentre eles, o códice Sinaítico (X) ttoááoí [muitos outros].
e o códice Vaticano (B), ambos do séc. IV. No v. 38, aÚTÒç rjv [ele estava]:
Ainda no v. 36, &XXa ttâolcí r\v peT’auTou [literalmente:
outros barcos estava6 com ele]: (1) rjv auto;
estava ele
( 1) ctXXct õè TTÀoia fju pei ’coutou códice Alexandrino (A): séc. V
no entanto, outros barcos estava com ele códice Bezae (D): séc. V
códice Alexandrino (A): séc. V códice W: séc. V
códice C, em uma segunda correção: séc. VI a maioria dos manuscritos em grego koiné
códice Bezae (D): séc. V — mas com uma lição parti
cular: TiÀoioc TTOÀÂà rjoooi' [muitos barcos estavam] (2) auròç fji' (o texto da edição crítica)
ele estava
a maioria dos manuscritos em grego koiné
códice Sinaítico (X): séc. IV
(2) a\ia ttoâàol rjoav peVaútoü códice Vaticano (B): séc. IV
muitos outros estavam com ele códice C: séc. V
códice W: séc. V
Como vemos, a diferença entre estas lições está na or
(3) rà olXXol tk ovxa ttáoiix pc-CauTou dem das palavras. A lição (2), porém, conta com manuscritos
os outros barcos que estavam com ele mais antigos.
códice 0: séc. IX
No mesmo v. 38, temos lições variantes para é/cípoucm;
(4) aXXa TTÀoia fjv pcCocutou (o texto da edição crítica) ocutÒv Kotí [despertam-no c f
outros barcos estava com ele (1) ôieyeípavTeç otuióv
códice Sinaítico (X): séc. IV despertando-o
códice Vaticano (B): séc. IV códice Bezae (D): séc. V
códice C, em sua lição original: séc. V códice W: séc. V
Seguindo os critérios da crítica externa, vemos que as (2) õicYoípoumi' corrói' «aí
lições (2) e (3) são fracamenle atestadas. Os melhores manuscri despertam-no e
tos trazem as lições (1) e (4); mas (4) consta em documentos códice Alexandrino (A): séc. V
mais antigos. Também o critério interno da lectio brevior depõe códice Vaticano (B), em uma primeira correção: séc. IV
Códice C, em uma segunda correção: séc. VI
Eis uma construção típica do grego: sujeito neutro no plural e verbo no
singular. a maioria dos manuscritos em grego koiné
60 61
(3) èyeípoimv aúxòv kcú (o texto da edição crítica) (4) õeiÀoí eote; ounce (o texto da edição crítica)
despertam-no e sois covardes? Ainda não
códice Sinaítico (X): séc. IV códice Sinaítico (X): séc. IV
códice Vaticano (B), em sua lição original: séc. IV códice Vaticano (B): séc. IV
códice C, em sua lição original: séc. V códice Bezae (D): séc. V
A crítica externa nos alerta para o fato de que (3) está A crítica externa depõe claramente a favor da lição (4). A
melhor atestada, uma vez que (2) aparece em revisões do códice crítica interna, por sua vez, irá confirmar tal veredicto. Um erro
Vaticano (B) e do códice C, não obstante o códice Alexandrino de leitura teria transformado ounce [ainda não?] em oüxceç [ci.y-
sim], lições (1) e (2). Nesta última, ncêç oúk [como não?] parece
(A) ateste a lição (2). Por outro lado, podemos explicar a trans
aliviar a repreensão de Jesus (o copista tenta amenizar uma cena
formação de c-yaipcú [levantof-mej, desperto], da lição (3), em
constrangedora para os discípulos). Igual finalidade talvez tenha
ôieycEÍpü) [levanto(-me), desperto], das lições (1) e (2), da se
motivado o acréscimo de oútwç [assim] na lição (3).
guinte forma: uma harmonização (talvez intencional) do escriba
com o õicyepGeíç [tendo-se levantado] do v. 39, lição esta que
Por fim, no v. 41, únaKoúei aúxw [obedece a ele]:
não é contestada por nenhum manuscrito. Ainda quanto à lição
(1), na direção contrária ao ocorrido no v. 36, o estilo de Marcos (1) ocúxcê únaicoúc- l
irá nos fazer preferir a parataxe em vez da subordinação com o a ele obedece
verbo no particípio.
códice Sinaítico (X), em sua lição original: séc. IV
No v. 40, para õe-iÀoí èote; ounco [.syVv covardes? Ainda códice C: séc. V
não] temos:
(2) únaicoúouoLU
(1 ) õçiÀOL krue outgúç; itgòç oúk obedecem
sois covardes assim? Como não códice Bezae (D): séc. V
códice Alexandrino (A): séc. V (3) únaicoúouoiv aúue
códice C: séc. V obedecem a ele
a maioria dos manuscritos em grego koiné códice Alexandrino (A): séc. V
(2) õeiÀoí éoxe ouxccç códice W: séc. V
sois covardes assim ? a maioria dos manuscritos em grego koiné
códice W: séc. V (4) úncucouc i aíraâ (o texto da edição crítica)
(3) OUTGOÇÔCLÁOL C-Ote; OU7TÜ) obedece a ele
assim sois covardes? Ainda não códice Sinaítico (X), em uma segunda correção: séc. VII
papiro 45: séc. III •— mas é uma lição não muito segura códice Vaticano (B): séc. IV
62 63
Seguindo a crítica externa, as lições (2) e (3) devem ser Novo Testamento:
descartadas, pois constam em manuscritos mais recentes que as
- alguns textos: Mt 11,20-24; 26,6-13; Mc 1; Lc 6,1-
lições (1) e (4). Também a crítica interna descartará as lições (2)
11; Rm 11,16-24; Ap 3,1-6.
e (3), pois, além do princípio da lectio difficilior, considera o
plural de umxKoúa} [obedeço] uma correção dos escribas para o - alguns versículos isolados: Mt 15,6; Mc 9,42; Jo 14,2.
plural impessoal (dois sujeitos coordenados seguidos por um
verbo no singular) tão comum em Marcos. O veredito entre as
lições (1} e (4) parece dever-se, em primeiro lugar, à antiguidade 8. BIBLIOGRAFIA
dos manuscritos. Sem desprezar a lição original do códice Sinaí-
tico (X), na qual consta a lição (1), os editores preferiram a lição E gger, W. Metodologia para o Novo Testamento. São Paulo,
(4), pois também a lição (3) depõe em favor dessa ordem das Loyola, 1994.
palavras, não obstante a correção na forma verbal. G o n z á l e z E c h e g a r a y , J. et alii. A Bíblia e seu contexto. Ave
Maria, São Paulo, 1994.
M a in v il l e , O . A Bíblia à luz da História. Guia de exegese-
7. EXERCÍCIOS
histórico-crítica. São Paulo, Paulinas, 1999.
Façamos, por fim, alguns exercícios. Claro que não se M e t z g e r , B. M. A Textual Commentary on the Greek New
trata de refazer o trabalho já amadurecido presente nas edições Testament. London, United Bible Societies, 1971.
críticas, isto é, não vamos partir do zero e sair correndo atrás dos P is a n o , S. Introduzione alia Critica Testuale delTAntico e del
manuscritos espalhados por este mundo afora. Antes, trata-se de Nuovo Testamento. 2. ed. Roma, PIB, 1997.
entender por que os editores preferiram tal lição. Scon-, W. R. A Simplified Guide to BHS. 3. ed. Berkeley, Bibal,
Ao longo do trabalho exegético, pode acontecer de prefe 1988.
rirmos uma lição diferente daquela escolhida pelos editores do Tov, E. Textual Criticism of the Hebrew Bible, Minneapolis/
texto crítico. Tal escolha deverá ter argumentos coerentes que a Assen-Maastricht, Fortress/Van Gorcum, 1992.
fundamentem. Mas, por enquanto, não é o momento para isso.
Nesta fase do trabalho, precisamos compreender por que foi T r h b o l l e B a r r e r a , J. A Bíblia Judaica e a Bíblia Cristã.
estabelecido aquele texto reportado pelas edições críticas. Petrópolis, Vozes, 1996.
Cremos que, ao longo deste capítulo, tenha ficado óbvio o
fato de que as traduções não servem para este trabalho. Princi
palmente, porque querem tornar o texto compreensível e, por
isso, às vezes, preferem a lição mais fácil.
Comecemos, pois:
Antigo Testamento:
- alguns textos: Gn 39,l-6a; 2Sm 16,5-14; 2Rs 4,1-7;
Is 21,1-10; 45,1-7
- alguns versículos isolados: Js 9,27; 2Rs 4,23; Is 5,8;
2Cr 6,32 li 1Rs 8,41-42.
64 65
Capítulo 3 ________
Delimitação do texto
... E a Bíblia?
67
1. OS LIMITES DO TEXTO não no texto? A João Ferreira de Almeida3 é ainda mais proble
mática. A primeira discrepância refere-se à própria numeração
Conforme afirmáramos no primeiro capítulo, uma das qua dos versículos. Seu versículo 5,1 corresponde ao 4,17 das outras
lidades de um texto é a sua delimitação, isto é, ele precisa ter duas bíblias comparadas. Quanto à divisão em perícopes e res
começo, meio e fim. Delimitar um texto, portanto, significa esta pectivos títulos, temos: 4,1-16 Cos males e as tributações da
belecer os limites para cima e para baixo, ou seja, onde ele vida”); 5,1-20 (“vários conselhos práticos''')- Por sua vez, a TEB34
começa e onde ele termina. O trecho da Escritura resultante apresenta um trabalho mais acurado quanto à divisão em períco
dessa delimitação recebe o nome de “perícope”. pes, mas os títulos continuam questionáveis: 4,1-3 (“a sorte dos
oprimidos”); 4,4-6 (“o trabalho e seus riscos"); 4,7-12 (“a soli
Em geral, nossas edições da Bíblia já trazem os livros
dão e os seus incovenientes"); 4,13-16 (“o poder político e seus
divididos em perícopes, cada uma delas ostentando um título. riscos"); 4,17-5,6 (“o gesto ritual e seus riscos"); 5,7-8 (“a auto
No entanto, nem o título nem a divisão constam no original: ridade necessária e seus abusos").
ambos, divisão e título, são definidos pelos editores. Em tal
b) Lc 14,25-35. Na Bíblia de Jerusalém, os vv. 28-33
trabalho editorial, podem ocorrer dois fenômenos. No primeiro,
(“renúncia a todos os bens"), estão separados dos vv. 25-27
pode-se quebrar uma unidade textual, isto é, pode haver uma má
(“renunciar ao que temos de mais caro"). Tal divisão, no entan
delimitação das perícopes, e, em conseqíiência, isolam-se versí
to, quebra um texto muito bem elaborado e cuja unidade foi
culos de seu contexto. O segundo fenômeno é oposto ao primei mantida pela TEB (“renunciar a tudo para seguir Jesus") e pela
ro: perícopes que, claramente, deveríam ter sido separadas en tradução de João Ferreira de Almeida (“parábola acerca da
contram-se agrupadas sob o mesmo título. Se compararmos vá previdência"). Esta última, no entanto, inclui na mesma perícope
rias edições da Bíblia, sentiremos que, por vezes, faltou um os vv. 34-35, que deveríam ser destacados, como o fazem a
maior cuidado quanto à delimitação dos textos. Em decorrência, Bíblia de Jerusalém (“não se tornar insosso") e a TEB (“não
os títulos são infelizes e insustentáveis. Três casos pinçados e perder o sabor").
confrontados: c) Jo 10,1-21. Ainda mais sofrível é o tratamento recebido
a) Ecl 4,1-5,8. As divisões e os títulos atribuídos ao livro por este trecho do quarto evangelho. Insiste-se em dar um título
do Eclesiastes são muito insólitos e genéricos. Quanto aos versí genérico a todo este trecho —■“o bom pastor" (Bíblia de Jerusa
culos do exemplo ora proposto, a Bíblia de Jerusalém1 os consi lém), “a parábola do pastor" (TEB); “Jesus, o bom pastor" (João
dera como uma única perícope sob o título “a vida em socieda Ferreira de Almeida) — , no mínimo, desprezando o v. 7, no
qual Jesus afirma kyth elpi í) 0úpoc tgòv upopcow [eu sou a
de", embora a nota d, referente ao título, apresente as várias
porta das ovelhas]. Saiu-se melhor a equipe responsável pelo
“misérias da vida em sociedade: opressão pelo abuso do poder e
Novo Testamento - Tradução Oficial da CNBB5: 10,1-6 (“a pa
desamparo do homem isolado (4,1-12); maquinações políticas
rábola do rebanho"); 10,7-10 (“Jesus, a porta"); 10,11-21
(32,13-16); religiosidade motivada pelo espírito de massa e abu
so na prática de fazer promessa (4,17-5,6); tirania do poder (5,7-8)”.
3 A B í b l i a Sagrada contendo o Velho e o Novo Testamento traduzida em
Apesar da imprecisão, por que apresentar essa divisão na nota e português por João Ferreira de Almeida, ed. rcv. c cor. Lisboa, Sociedade
Bíblica, 1988.
1 A B í b l i a de Jerusalém. 5 impr. São Paulo, Paulus, 1991. 4 B í b l i a - Tradução Ecumênica. São Paulo, Loyola/Paulinas, 1994.
2 Aqui há um erro que passou despercebido aos revisores da edição brasilei 5 C onferência N acionai. dos B ispos do B rasil. N o v o Testamento - Tradução
ra da Bíblia de Jerusalém. Claramente, o capítulo é 4, e não 3. Oficial da CNBB. São Paulo, Paulinas/Loyola, 1997.
68 69
("Jesus, o pastor'). Mas cm todas essas edições, os vv. 19-21 gem, ou com a atividade de alguém que até agora estava inativo
não foram, como deveríam ser, considerados à parte, pois nitida (Ex 2,1; 2Rs 4,42; Mc 7,1; Lc 1,26).
mente se referem ao episódio narrado no cap. 9, e não às três
parábolas (nem mesmo especificamente à última delas) interca c) Argumento:
ladas neste ponto do evangelho (cf. 10,21).
Podemos identificar uma nova perícope pela mudança de
Os exemplos poderíam se multiplicar indefinidamente, quer assunto, muitas vezes, introduzido por fórmulas de passagem:
confrontando outras traduções, quer comparando outros textos. Es “finalmente...”, “quanto a...”, “a propósito de...”, “por essa ra
ses três exemplos, porém, bastam para nos deixar claro quanto as zão...” (ICor 12,1; 2Tm 4,6). Às vezes não acontece uma mu
divisões e os títulos que aparecem nas traduções da Bíblia carecem dança de argumento, mas apenas de perspectiva. Nas cartas
de critérios sólidos e demonstram-se, por vezes, aleatórios. paulinas, é muito comum o uso da diatribe (o argumentador
Ora, é verdade que os autores bíblicos não dividiram ex introduz um interlocutor fictício, com o qual mantém uma dis
plicitamente suas obras. No entanto, não nos abandonaram “no cussão e responde a questões que tal personagem propõe) para
mato sem cachorro”. Antes, deixaram alguns indícios, a fim de assinalar essa passagem (Rm 7,13; 11,1).
evidenciar onde começa e onde termina determinada perícope.
Tais indícios divisores de texto não devem se limitar apenas à d) Anúncio de tema:
língua original, mas devem, igualmente, fazer parte da tradução. Alguns textos retóricos, ao término de uma parte da argu
mentação, introduzem ou antecipam os assuntos que serão trata
dos a seguir. Um bom exemplo é Hb 2,17-18, que anuncia o
2. CRITÉRIOS PARA A DELIMITAÇÃO DO TEXTO próximo tema, Jesus Cristo como Sumo Sacerdote fiel e miseri
cordioso, que será tratado em 3,1-5,10.
2.1. Elementos que indicam um novo início
e) Título:
Ao iniciar um novo relato ou um novo argumento, o autor Alguns autores deixaram explicitamente o título que de
precisa chamar a atenção do leitor para esse fato. Para tanto, marca uma parte importante de seu escrito (Is 21,1.11.13; Ap
lança mão de alguns recursos de abertura ou de focalização: 2, 1. 8 . 12).
a) Tempo e espaço: f) Vocativo e/ou novos destinatários:
Como todo episódio narrado se desenvolve dentro dessas Um novo oráculo profético ou uma nova mensagem po
coordenadas, tempo e espaço são indícios importantes. O tempo dem ser demarcadas por um vocativo que explicita a quem tais
pode indicar o início, a continuação, a conclusão ou a repetição palavras são dirigidas. Esses destinários podem ser os mesmos
de um episódio. O espaço, por sua vez, localiza fisicamente a de até então (G1 3,1; lJo 4,1.7), ou destinatários novos (Os 5,1;
ação e dá a noção de movimento (2Sm 11,1; 2Rs 4,38; Mt 2,1; J1 1,13; Ap 2,1.8.12). Esses mesmos indícios podem evidenciar
4,1; 8,5; Mc 16,1; Lc 1,5). uma nova fase da argumentação (Ef 5,22.25; 6,1.4.5.9).
b) Actantcs ou personagens: g) Introdução ao discurso:
Em textos narrativos, a nova ação pode se iniciar com a Como o próprio nome diz, introduz a fala de um dos
chegada, a percepção ou a mera aparição de um novo persona personagens (Jó 6,1; 8,1). Mas, algumas vezes, pode funcionar
70 71
como separação entre algo ocorrido ou contado pelo personagem d) Ação ou função do tipo partida:
e o comentário que este mesmo personagem faz a respeito Trata-se daquela ação ou função expressa por verbos como
(Lc 15,7.10; 18,6.14). sair, despachar, expulsar: alguém (normalmente o personagem
pivô dos acontecimentos narrados) sai de cena, separando-se dos
h) Mudança de estilo: demais (ISm 16,23; Mc 8,13; At 9,25).
O texto pode sofrer uma ruptura quando o autor mescla
e) Ação ou função terminal:
dois tipos diferentes de exposição. É o que acontece quando se
passa do discurso para a narrativa (Mt 10,4-5), da prosa para a Terminais são aquelas ações ou funções do tipo morrer,
poesia (Jz 5,1; F1 2,5-6), ou da poesia para a prosa (Jz 5,31; sepultar, bem como as reações decorrentes do episódio narrado,
Mt 11,1-2; F1 2,11-12). tais como rezar, admirar-se, ficar angustiado, converter-se, te
mer, glorificar a Deus etc. (Gn 49,33; At 5,5-6; Mt 9,8).
f) Ruptura do diálogo:
2.2. Elementos que indicam o termino
Muito freqüente em relatos que envolvem uma controvér
sia, o último a falar é o herói (profeta, Jesus, apóstolo). Isso
Ao término do episódio ou do argumento, outros indícios
ocorre porque chegamos ao clímax da discussão. O protagonista
nos informam que a conclusão está próxima.
do episódio profere uma palavra tida como final. Pode ser uma
questão retórica que ficará em aberto, uma citação da Escritura,
a) Actantes ou personagens: ou um dito ao estilo sapiencial. As vezes, o autor somente acres
O número de personagens pode ser multiplicado, de modo centa uma breve conclusão redacional (Lc 14,5-6; At 11,17-18).
a obscurecer o foco (Mc 1,45; Lc 5,15), ou mesmo reduzido,
de modo a provocar uma mudança na focalização (Mt 17,19; g) Comentário:
Mc 9,28). O narrador pode interromper sua exposição para fazer al
gumas observações que dão o sentido do relato (Jo 2,21-22; 20,30-31),
b) Espaço: ou para expor o sentimento dos personagens (Jo 2,24-25).
A narrativa pode ficar igualmente desfocada por causa de
h) Sumário:
um deslocamento do tipo partida (2Sm 19,40; At 12,17) ou de
uma extensão (Mc 1,39; At 14,6-7). Típico do expediente redacional do hagiógrafo, o sumário
pode ser considerado, em si mesmo, uma breve perícope, na
c) Tempo: qual o autor interrompe a narrativa para apresentar, de modo
resumido, aquilo que acabou de expor (Lc 3,18; Jo 8,20), ou
Informações temporais também podem indicar que a ação para abreviar o tempo e, assim, chegar logo ao episódio que
narrada está acabando. Pode acontecer a expansão do tempo, interessa (Lc 2,51 -52)6.
que dispersa nossa atenção (Nm 20,29; lRs 10,25; At 10,48),
bem como o chamado “tempo terminal”, com o qual o autor dá a 6 Tornaremos a falar dos sumários no capítulo oitavo, ao tratarmos dos crité
narrativa por concluída (Gn 32,22; Jo 13,30; At 4,3). rios da Crítica da Redação.
72 73
2.3. Elementos que aparecem ao longo do texto e) Quiasmo.
Neste último grupo, arrolamos elementos cuja função não Quando uma seqüência de palavras, frases ou idéias rea
se reduz a assinalar o início ou o fim, mas a imprimir ao texto parece em forma invertida (Ts 6,10). Também perícopes podem
certo ritmo ou dinâmica. Podem aparecer simultaneamente no estar agrupadas em forma quiástica (2Sm 21,l-14[a]; 21,15-22[b];
início e no fim da perícope, ou mesmo ao longo do seu desen 22[c]; 23,l-7[c’]; 23,8-39[b’]; 24[a’]). Por vezes, no centro do
volvimento. quiasmo, encontra-se um elemento isolado, sem outro corres
pondente (Is 53,4-5a). A técnica do quiasmo pode servir para
a) Ação: evidenciar a importância do(s) elemento(s) que está(ão) no cen
Normalmente constituída por princípio, meio e fim, a ação tro (Lc 4,16c-20a). No entanto, há outro uso do quiasmo: assina
é o núcleo de qualquer narrativa. Novas indicações de tempo, lar a reversão da situação inicial. Neste caso, o que realmente
espaço e personagens, geralmente, são completadas com o início importa não é o que está no centro, mas a mudança ocorrida. O
de uma nova ação (Gn 18,16; Jz 2,6; ISm 19,11; Mc 6,17). elemento central é apenas o fator que provoca ou explica tal
processo (Lc 11,8).
b) Campo semântico:
*****
Grupo de palavras cujos significados estão de alguma for
ma relacionados, normalmente por terem uma referência comum Tal elenco podería, ainda, incluir vários outros critérios.
(tema, idéia, ambiente). Numa perícope, pode funcionar como Estes, no entanto, oferecem um instrumental suficiente para ini
pano de fundo para o relato ou o argumento, mesmo que não seja ciarmos nosso trabalho. Precisamos, agora, aprender a utilizá-
utilizado explicitamente. Gênesis 22,6-10, utiliza palavras do cam los. Para isso, nada melhor do que um caso concreto.
po semântico “sacrifício”: lenha, fogo, cutelo, cordeiro, altar.
c) Intercalação: 3. UM EXEMPLO
As vezes, uma ação iniciada pode ser interrompida para
ser retomada mais na frente. Em decorrência, temos um episódio Vamos, agora, aplicar tudo isso a Marcos 4,35-41.
dentro do episódio, como se fosse um sanduíche. É uma técnica
muito comum em Marcos (3,1-3.4-5a.5b-6; 5,21-24.25-34.35-43), A delimitação da perícope não é problemática, pois, para
às vezes para preencher o arco de tempo entre dois acontecimen tanto, concorrem vários fatores.
tos (Mc 3,21.22-30.31: os parentes de Jesus partem de Nazaré Os vv. 33-34 são um sumário conclusivo da seção das
no v. 21, mas só chegam a Cafarnaum no v. 31; nesse meio parábolas.
tempo, Jesus entabula uma controvérsia com as autoridades ju No v. 35, temos um novo início assinalado, em primeiro
daicas, nos vv. 22-30). lugar, pela mudança de estilo, isto é, deixa-se o discurso para
iniciar uma narrativa. Temos também uma dupla indicação tem
d) Inclusão: poral (kv exeívr) irj rpépa òi|/íaç ycvopévriç [naquele dia, quando
Uma palavra, uma frase ou um conceito presente no início se fez tarde]) e a palavra imperativa de Jesus ordenando uma
reaparece no fim e funciona como um enquadramento, que deli mudança espacial (õiáÀOupev dç, do Jiépav [atravessemos para a
mita e encerra tudo o que ficou “incluído” entre elas (SI 8,2.10; outra margem]), embora o episódio se desenrole a meio caminho.
Am 1,3.5; Mt 5,3.10). Com todas essas coordenadas uma nova ação é desencadeada.
74 75
O v. 41 encerra essa perícope com uma ação terminal do Novo Testamento: Mt 11,20-24; 26,6-13; Mc 1; Lc 6,1-11;
tipo temor e questionamento (44>o(3f|0r|aay (fópou \xcyav ... Tí<; Rm 11,16-24; Ap 3,1-6.
apa outóç 4otiv... [ficaram muito amedrondatos ... Quem é este, Além desses, que já conhecemos desde a Crítica Textual,
afinal?...]), típico dos relatos de milagre. Em 5,1, conclui-se a podemos ver também: Ex 1-2; Jo 2; Ap 1-2.
travessia ordenada por Jesus em 4,35 e temos um novo início
assinalado por um novo espaço (Wi rjÀGov eíç xò irépay xf\ç
0aÂáaor|ç elç tt]v xúpoiv 7(nu repaaevwu [e chegou à outra 5. BIBLIOGRAFIA
margem do mar, à região do Gerasenos]). Em 5,2, temos um
novo personagem (avGpcrmoç kv uveúpaTi áKa0ápto) [um ho E g g e r ,W . Metodologia do Novo Testamento. São Paulo, Loyola,
mem (possuído) por um espírito impuro]). 1994. pp. 71-154.
A delimitação fica ainda bem marcada por dois outros S t e n g e r , W. Metodologia Bíblica. Brescia, Queriniana, 1991.
fatores. Primeiro, bem ao seu estilo, Marcos intercala um mila pp. 49-74.148-157.
gre de Jesus, entre a partida de Cafamaum (4,35) e a chegada à F u n k , R.W. The Poetics o f Biblical Narrative. Sonoma,
região dos Gerasenos (5,1). Segundo, há de se notar o campo Polebridgc, 1988. pp. 99-132.
semântico “mar”: QáXaooa [mar], õiépxopai [atravesso], uépav
[margem], ttàolou [barco], ÂafiÀoa|/ [tempestade de vento], ccnepoç
[vento], icupa [onda], Ttpúpya [popa], yaÂ.r|i'r| [bonança].
4. EXERCÍCIOS
... E a Bíblia?
79
1. SEMIÓTICA no segundo, a leitura é do tipo diacrônico (diacronia = evolução;
do grego õt.á = através de; xpóuo; = tempo).
Semiótica1 é a ciência que estuda os signos da linguagem Compreenderemos melhor essas categorias com um exem
(incluindo cores, gestos, palavras, espaços) e sua articulação. Quem plo. Suponhamos ter recebido a tarefa de organizar os números
escreve, portanto, está fazendo um exercício de semiótica, pois 1 2 4 7 8 2 3 5 6 9 1 4 5 6 9 1 3 6 8 2 6 7 9. Como fazer uma
não articula apenas os significados (as idéias e os sentimentos arrumação que nos ajude a saber quantas vezes cada número foi
que deseja exprimir), mas também deve escolher e articular os usado e, ao mesmo tempo, quais as falhas de cada seqíiência?
significantes (palavras, frases, relações dos textos) que expri Para atingir este duplo objetivo, deveriamos montar um quadro
mam, com maior ou menor intensidade, os significados deseja da seguinte maneira:
dos. No entanto, quem lê, realiza um processo oposto, um cami
nho de descoberta dos significados através dos significantes. O 12 4 78
leitor depende do texto enquanto tal e das relações deste com um 2 3 56 9
contexto maior (social, literário etc.). Tal busca de significado e
1 45 6 9
de sentido é domínio, não mais da semiótica, e sim da semântica.
1 3 6 8
Não podemos, nestas páginas, descer a maiores detalhes,
pois isso requerería, por si só, alguns livros. No entanto, precisa 2 67 9
mos nos deter um pouco no que se refere à semiótica e tomar Essa arrumação foi sincrônica ■ — agrupou todos os núme
contato com duas categorias fundamentais dessa ciência. Dois con ros idênticos em colunas — e também diacrônica — temos cada
ceitos distintos mas complementares: “sincronia” e “diacronia”. seqíiência numa mesma linha e em ordem crescente. Algo seme
lhante acontece com uma partitura musical: no pentagrama, as
notas que devem ser executadas simultaneamente (sincronia) es
2. SINCRONIA E DIACRONIA tão na mesma linha vertical, ao passo que as notas que devem
ser executadas umas após as outras (diacronia) encontram-se
No primeiro capítulo, colocamos a questão acerca do tipo
lado a lado.
de leitura que fazemos da Bíblia. Naquele mesmo capítulo, apre
sentamos um quadro com cinco direcionamentos ou níveis de Que isso tem a ver com a nossa leitura da Bíblia?
leitura. O último nível arrolado intitulava-se “exegese” c foi Muita coisa. Quando lemos uma perícopc cm seu estado
definido como “o domínio das Ciências Bíblicas”. Em outras atual e observamos como seus elementos interagem, ocorre algo
palavras, trata-se de uma leitura científica. semelhante ao que fazemos quando analisamos cada uma das colu
Ora, tal trabalho pode ser feito de duas formas: podemos nas do esquema proposto. É uma leitura sincrônica: todos os ele
(1) estudar o texto em sua condição atual, ou (2) procurar expli mentos de um mesmo texto são analisados simultaneamente. Por
car como se formou a redação que chegou até nós. No primeiro exemplo, quando lemos uma períeope onde Jesus realiza um mila
caso, dá-se uma leitura chamada sincrônica (sincronia = con- gre, nossa atenção estará voltada para ver qual o vocabulário utili
temporaneidade; do grego oúv = junto, com; xpóvoc, = tempo)', zado, qual a estrutura ou o esquema daquele texto isoladamente.
Porém, quando comparamos vários textos de alguma for
1 Tal termo é adotado pela escola americana. Por sua vez, a escola francesa ma relacionados e procuramos notar as diferenças e as seme
preferirá “semiologia”. lhanças entre eles, é como se léssemos o esquema anterior na
80 81
horizontal. Percebemos as lacunas e as constâncias das diversas
seqiiências. Continuando o exemplo: ao compararmos vários Capítulo 5
tipos de milagres realizados por Jesus, vemos que todos eles
possuem um esquema semelhante e somos levados a constatar
que há um esquema previamente estabelecido para se contar Leituras sob o aspecto sincrônico
todo e qualquer milagre, não importa de que tipo. Pode um ou
outro relato ter elementos a menos, ou até alguma novidade,
mas os componentes básicos são os mesmos. A leitura diacrôni-
ca irá explorar esse aspecto que não havia aparecido na leitura
sincrônica.
Na análise de textos, ambos os procedimentos são com
plementares. Qualquer exegese que despreze um deles será in
completa. Mas, por uma questão metodológica, devemos come
çar pelo procedimento sincrônico. Quando chegarmos ao proce
dimento diacrônico, pode acontecer de compreendermos melhor
algo que já havido sido evidenciado na leitura sincrônica, mas
que, talvez, não estivesse muito claro na ocasião. Com isso,
queremos dizer que precisamos sempre avançar e retroceder até
o amadurecimento de nossa análise.
... E a Bíblia?
82 83
1. É NECESSÁRIO DESMONTAR O TEXTO sivas estão articuladas entre si e dão ao texto fluência e signifi
cação — pois o texto só significa alguma coisa na correlação
Quando lemos uma perícope, nossa capacidade de com destes seus elementos. Para tanto, precisamos reescrever o texto
preensão pode ser iludida, não só pelas idéias pré-formadas que e subdividi-lo em linhas, como se estivéssemos escrevendo uma
temos a respeito do texto em questão, mas também por nossa poesia. W. Stenger nos oferece uma boa explicação deste novo
falta de hábito em avaliar cada um dos elementos que o com procedimento:
põem. Isto é, nós nos perdemos no conjunto, deixando de dar a
devida importância às palavras e às frases. “Quando se faz isto (a segmentação do texto), dever-se-ia
começar uma nova linha não só depois de cada frase com
O autor, depois de ter amadurecido as idéias que queria pleta, mas também depois de cada frase secundária. A
transmitir, foi buscar, em sua língua, certo conjunto de palavras regra aqui é que cada frase, principal ou secundária que
que julgou aptas a formarem frases, que, por sua vez, se uniram seja, tenha um só verbo. Também as unidades expressivas
e formaram o texto. Este, por mais que seja parecido com outros, que desenvolvem uma função em si completa, como os
sempre tem algo de próprio: seu vocabulário, as idéias ou os vocativos, os apostos e os elementos individuais em elen
acontecimentos a que dá mais ênfase etc. Com efeito, devemos cos e enumerações — a menos que não sejam ligados com
ter presente que, em exegese, jamais poderemos aceitar a afir outros para constituir um par, uma tríade etc. ■ — devem
mação de que “dois textos dizem a mesma coisa com palavras ser escritos cada um em uma linha. Ao contrário, não há
diferentes”. Se há palavras diferentes, é porque esses dois textos necessidade de nova linha quando se trata de construções
NÃO ESTÃO DIZENDO A MESMA COISA! subordinadas com o infinito, pois elas não constituem uni
Assim, o leitor-exegeta não poderá desconsiderar nenhum dades expressivas em si relativamente autônomas. Na prá
dos estágios da composição do texto (palavras - frases - texto), tica, deve-se proceder de tal modo que, conservando a
embora percorra um caminho inverso do autor: começa lendo o numeração em versículos, estas frases principais, estas fra
texto já pronto, secciona-o em frases e avalia cada uma das pala ses secundárias e estas unidades expressivas sejam separa
vras utilizadas em sua elaboração. Não se trata de questionar a das entre si e escritas uma depois da outra como as linhas
integridade de um texto, e sim compreender sua configuração atual. de uma poesia; cada linha deve ser indicada com a, b, c
etc. até o final do versículo. Quando as frases se entrela
çam uma na outra, isto é, quando uma frase ou uma unida
2. SEGMENTAÇÃO DO TEXTO de expressiva é interrompida por outra para ser retomada
de novo mais adiante, pode-se indicar o fenômeno acres
No capítulo terceiro, aprendemos a delimitar uma unidade centando pequenos números às letras (a,, a2, a3 etc.)”2.
textual. Tal capítulo nos forneceu alguns critérios de interpreta Cada linha resultante desse trabalho recebe o nome de
ção (pois procura definir os limites do texto), bem como já nos “segmento”. Segmentar o texto, portanto, significa reescrevê-lo
introduziu na questão do modo como as perícopes se articulam da forma apenas exposta. Como podemos facilmente deduzir,
para formar o conjunto da obra. quanto maior for nosso domínio da gramática —- da nossa pró
Uma vez delimitada a perícope sobre a qual iremos traba pria língua e, se for o caso, das línguas bíblicas —■, tanto maior
lhar, precisamos estudá-la sob o aspecto frasal, isto é, avaliar será nossa aptidão para operar tal procedimento.
cada frase, oração e unidade expressiva que compõem o texto e
explicitar como estas mesmas frases, orações e unidades expres 2 S tenger. Metodologia Bíblica. Brescia, Queriniana, 1991. p. 51.
84 85
Embora haja casos que vão depender de uma opção (e de sendo a primeira mais genérica (èv eKetvfl tfj ripipa [naquele
certa sensibilidade) do exegeta, quase sempre a correta aplicação dia)) e a segunda mais específica (ò\|/íaç yevopévriç [quando se
das regras gramaticais e sintáticas oferece critérios seguros para fez tarde]), e o conteúdo do discurso direto em apenas uma
a segmentação do texto. Talvez haja casos em que o exegeta oração AtéA0up.ev elç tò Tíépav [atravessemos para a outra
opte por uma segmentação que não tem a gramática como o margem]). Reescrevendo cada um destes elementos em uma nova
fator determinante. Mesmo assim, há uma norma que jamais linha temos:
deve ser abandonada: a coerência. Do início ao fim da segmen
tação, deve-se seguir o mesmo critério. v. 35 a Kai Aéyei autolç
b kv èiceívr] xr\ rpépa
Além disso, devemos recordar que nenhum texto bíblico c óij/íaç ycnopéuTiç,
foi escrito para ser segmentado, isto é, elaborado de modo a d AieA.0Gap.ey elç tò rrépav.
eliminar ambiguidades e complicações na hora do exegeta
segmentá-lo. Com efeito, nem sempre a ordem das palavras e v. 35 a E diz a eles
das frases é tão linear quanto gostaríamos, principalmente no b naquele dia,
hebraico e no grego. Nesses casos, devemos respeitar a ordem c quando se fez tarde:
em que as palavras aparecem no texto, e não modificá-la segun d “Atravessemos para a outra margem”.
do nossas conveniências.
v. 36: Kai àtjrévteç tòu b%Aoy 7TapaAap.pávouoiv autoy uç
fjy kv tu TTÀoícp, Kai aAAa nAoia f\v p,et’ autou.
2.1. Um exemplo E, tendo eles despedido a multidão, tomam-no con
sigo como estava no barco, e havia outros barcos
Visto que os critérios para a segmentação de qualquer com ele.
texto são múltiplos e que, por vezes, requer-se sensibilidade da
Após uma oração circunstancial (Kai àc|)éyteç tòv oxAov
parte do exegeta vamos expor nosso trabalho passo a passo.
[e, tendo eles despedido a multidão)), temos a oração principal
Antes, porém, uma pequena observação quanto ao estilo paratático (irapaAappávoucrlu autòu [tomam-no consigo]) seguida por outra
de Marcos. Como veremos mais à frente, ainda neste capítulo, o oração circunstancial (d>ç fjy kv tu ttAolco [como estava no
autor do segundo evangelho repete exageradamente a partícula barco)). A observação Kai aAAa nAoIa rjy p,et’ autou [e havia
Koá [e]. Devemos, pois, avaliar cada caso para discernir se real outros barcos com ele] é um período simples, constituindo, as
mente estamos diante de um período composto por coordenação
sim, um quarto segmento.
ou um equivalente marcano ao 1 narrativo do hebraico.
Passemos, pois, à segmentação de Mc 4,35-41. v. 36 a Kai àcjréyteç tòv òxAov
b napaAappávouaLV autòv
v- 35: Kai Aéyei autoiç kv eKeívi] rfj rpçpa óij/íac; c gÒç rjy kv tu nAoíca,
yevopivriç, AiéA0up.ev eu; tò népav. d Kai aAAa uAola fjy p.et’ autou.
E diz a eles, naquele dia, quando se fez tarde: “Atra
vessemos para a outra margem ”. v. 36 a E, tendo eles despedido a multidão,
b tomam-no consigo
Neste versículo, temos uma introdução ao discurso direto c como estava no barco,
(Kai Aéyei autoiç [e diz a eles]), duas indicações temporais, d e havia outros barcos com ele.
86 87
v. 37: teal yívexoa ÀoâÀaiJj p,eyá/lr| àvépou, iccà xà KÚpaxa gunda indicação e o particípio do verbo principal. Em uma tra
eTrépocA-Àei^ elç xò ttâolov, wore fjôr] yqiíCeoGca xò dução, esta dificuldade é facilmente solucionada ao se antecipar
nÀolov. o particípio para mantê-lo ligado diretamente à cópula. Contudo,
E acontece grande tempestade de vento e as ondas se estivermos seguindo o texto grego (como é o nosso caso),
lançavam-se para dentro do barco, a ponto de já como segmentar? Não fosse ènl xò TTpooK6(J)áÀcaov [sobre o
ficar cheio o barco. travesseiro], tudo poderia estar no mesmo segmento. Retoman
do a descrição do procedimento apresentada por Stenger, na qual
Temos um período simples (iccà yívam ÀoâA.caJ; peyáÂp
ele sugere que segmentos que constituem frases entrelaçadas
ávépoi) [e acontece grande tempestade de vento] seguido por um
período composto por subordinação: uma oração principal («ai sejam assinaladas pela mesma letra, optamos por:
xà KÚpaxa cTTcPaA.A.Gv elç xò ttàoI ov [e as ondas lançavam-se v. 38 Kai cmxòç rjv kv xfj TTpúpvr)
para dentro do barco] seguida por uma oração subordinada ad b 4ui xò upooK€c()áA.(uov
verbial consecutiva ou resultativa (oioxe põri yepíCeoBai xò ttâol
a0 KaGc-úõwv.
ov [a ponto de já ficar cheio o barco]).
v. 38 a] E ele estava na popa,
v. 37 a Koà yívexai ÀaiÂai}/ pcyáÀp ávépou,
b sobre o travesseiro,
b Koà xà KÚpaxa eirépodÀ.<EV elç xò itàoiov,
c e põp ycpíCeoGoa zb ttAoiov.
ü)ox<
a., dormindo.
v. 37 a E acontece grande tempestade de vento Esse mesmo versículo continua com duas orações coorde
b e as ondas lançavam-se para dentro do barco nadas (kou êyçípouoiv ccuxóv [e despertam-no] + Ka! Aiyouou'
c a ponto de já ficar cheio o barco. aux(ô [e dizem a ele]), sendo que a segunda introduz um discurso
direto, composto por um vocativo (AiôáoKaÀe, [Mestre,]) — que
v. 38: icoà ocuxòç rjv kv xí] upépvr] cttI xò irpooKetpáÂcuov sozinho deve ocupar uma linha — e por uma oração interrogati-
KaGeúÔQv. Kod èyeípouoiv auxòv «ai Aiyouoiv aüxtô, va (ou péàc i ooi òxi cnroA.A.up,eG<x; [não importa a ti que pereça-
AiõáoKodc, ou piÀei aot òxi àuoÂÀúpcOa; mos?]. òxi àTTOÀÀúpeGa [que pereçamos] ó o sujeito de oi) péÀei
E ele estava na popa, sobre o travesseiro, dormin ooi...; [não importa a ti...?] e, por isso, devemos mantê-los no
do. E despertam-no e dizem a ele: “Mestre, não mesmo segmento. Portanto:
importa a. ti que pereçamos?”.
v. 38 c Kcà éyGLpouoLV aúxòv
Como veremos mais à frente, ao tratarmos da gramática d Kai AiyouoLV auxcô,
desse texto, rjv KaGcúôcov [estava dormindo] é a forma perifrásti- e ALÕáoKaÀe,
ca do imperfeito indicativo de ícaGeúõco [durmo]. No entanto, f ou piA.ei ooi oxi àmuU.úp.e6oc;
entre cópula rjv [estava] e particípio presente KaOeúõwv [dormin
do] interpõem-se duas indicações de lugar: kv xfj Trpúpvri [na v. 38 c E despertam-no
popa] e €ttl xò iTpooKe(t)áÂíxiov [sobre o travesseiro]. Do modo d e dizem a ele:
como o período está construído, a primeira indicação liga-se e “Mestre,
naturalmente à cópula, mas o mesmo não acontece entre a se f não importa a ti que pereçamos? ”
88 89
V. 39: Kal ôieyepGelç Gneiipriaei' xá) ávépcp kccí eluev xf| v. 40: Kal gÍttgu aúxolç, Tí õeiAoí taxe-] oíma) gxgtg
GaÀáoar), Euóira, rr€(j)L(iG)oo. Kal eKonaaei' ò auepoç TTLOtlV;
Kal êyévexo yaXr\vr\ peyáAr|. E disse a eles: “Por que sois covardes? Ainda não
E, tendo-se levantado, repreendeu o vento e disse tendes fé ? ”
ao mar: “fic a quieto! Fica amordaçado! ” E o ven
to cessou e aconteceu grande bonança. Com um período simples (Kal ei/nev aòxoiç [e disse a
eles]), introduz-se um discurso direto composto por duas ora
Composta por um particípio aoristo, uma nova oração cir ções interrogativas (Tí ôeiÀoí taxe; [Por que sois covardes?] +
cunstancial (Kal õieyepGeíç [e, tendo-se levantado]) antecede um outtgo exexG ttÍgxiv; [Ainda não tendes fé?]). Três segmentos,
período composto por duas orações coordenadas (eTrexip.riaei' xq> portanto.
ai'c-pa) [repreendeu o vento] 4- Kal gíttgv xf| GaXáoor\ [e disse ao
mar]). Três orações que devem ocupar, cada uma delas, uma v. 40 a Kal cinev aúxolç,
linha à parte. Igualmente devemos separar os dois imperativos b Tí ÕGiAoí taxe,
coordenados assindeticamente que exprimem a intervenção de c OÍriTG) GXCTC TIÍOXIV]
Jesus (Hiwira [Fica quieto!] + necjHpcnao [Fica amordaçado!]).
v. 40 a E disse a eles:
V. 39 a Kal ÔieyepGelç b “Por que sois covardes?
b eTTeripriaev xtô àuépcp c Ainda não tendes fé ? ”
c ícal GLueu tf) GaAáoari,
d Eiorrra, v. 41: ícal e(()opf|0r|(7av 4>ópou péyav Kal eA.eyou upò;
e U€c|)LfiGúaO. áÀÂf|A.ouç, Tíç apa oúxóç toxiv oxi ícal ó avepoç
Kal f) GáAaaoa úuaiconcí aúxq);
v. 39 a E, tendo-se levantado, E ficaram muito amedrontados e diziam uns aos
b repreendeu o vento outros: “Quem é este, afinal, pois até o vento e o
c e disse ao mar: mar obedecem a ele ? ”
d “Fica quieto!
e Fica amordaçado! ” Novamente, duas orações coordenadas (que, portanto, de
vem ser separadas): Kal è(popf|0r|aai' (|)6pou péyav [E ficaram
E também devemos segmentar o período final desse versí muito amedrontados] + Kal cAeyov Trpòç àÀA.f|Àouç [e diziam uns
culo: duas orações coordenadas, completas em si mesmas (ícal aos outros]. A segunda, como vemos, introduz um discurso dire
GKOTraoGv ó ãvepoç [e o vento cessou] + Kal éyéuexo yaA.quq to composto por uma interrogação (Tíç apa ouxóç êoxu\..;
pcyáÀq [e aconteceu grande bonança], que exprimem o resulta [Quem é este, afinal...?]) e por uma oração subordinada causai
do da repreensão (expressa em discurso indireto no segmento b) que justifica o questionamento dos discípulos (oxi Kal ó avepoç
e do duplo imperativo (discurso direto nos segmentos d-e intro Kal p OáÂaaaa WTaKoúei auiw [pois até o vento e o mar obede-
duzido pelo segmento c).
cem a ele].
v. 39 f Kal GKomaeu ó ave|ioç
v. 41 a ícal ècj)o|3f|0r|aav (jrópou péyav
g Kal eyéuexo yaApuri peyaAp.
b ícal eAeyou irpòç àA.Àf|A.ouç,
v. 39 f E o vento cessou c Tíç apa oúxóç taxiv
g e aconteceu grande bonança. d oxi ícal ò ávepoç ícal f) GáAaooa ímaKoúei aúxw;
90 91
V. 41 a E ficaram muito amedrontados d üicóua,
b e diziam uns aos outros: e rre4) tp.Goao.
c “Quem é este, afinal, f Kal eKÓuaaev ó avcpoç
d pois até o vento e o mar obedecem a ele ? ” g Kal eyeueto yaA.f|vri jaeyáÀri.
40 a Kal €LU€U allTOLÇ,
Eis, pois, passo a passo, a exposição da segmentação de b T l õeiA.oí èoT€;
um texto; uma exposição que teve a preocupação de ser didática, c ouuco e/ete u Cotiv;
e por isso apresentou a justificativa para cada novo segmento. 41 a ícal ê^optíGriaav cj)ópou piyau
Caso estejamos elaborando um trabalho acadêmico, dá-se por b Kal eA.eyou upòç âA.A.f|A.ou;;,
suposto que o orientador e o(s) Ieitor(es) domine(m) a técnica e c T lç apa outoç gotiv
os critérios para a segmentação. Em conseqüência, deve-se apre d otl Kal ó avepoç Kal f] GáAaaaa ímaKoúei aircw;
sentar apenas o texto segmentado, sem a necessidade de se expli
car o porquê de cada nova linha, a não ser que o modo como o O texto traduzido:
texto está sendo segmentado faça parte essencial dos argumentos
que corroboram a tese a ser defendida. Salva esta circunstância, o 35 a E diz a cies
texto segmentado deve aparecer limpo e fluente, como a seguir: b naquele dia,
c quando se fez tarde".
35 a Kal Aiyei aírcoiç d “Atravessemos para a outra margem”.
b kv 4k€lvti if| ijpipa 36 a E, tendo eles despedido a multidão,
c ó\|/Laç yeyopéyr];, b tomam-no consigo
d Ai,éA.0GO|iey elç to uépau. c c.omo estava no barco,
36 a Kal ácf)éuTeç iòy o/Aou d e havia outros barcos com ele.
b TrapaÀappáyouoiy airuòu 37 a E acontece grande tempestade de vento
c d)ç rjy kv tcô uA.oi.co, b e as ondas lançavam-se para dentro do barco
d Kal aÀÀa uAota fjy peu’ aírrou. c a ponto de já ficar cheio o barco.
37 a Kal yiyeiat ÀalÀaiJ/ peyáÂri àuépou, 38 a, E ele estava na popa,
b Kal tà KÚpaia euépaAAeu ciç, to uÀolov, b sobre o travesseiro,
c wcrue rjôq yepíCecrGai to uàolou. a,, dormindo.
38 a, Kal aòiòç fjy kv irj upúpvq c E despertam-no
b çul to upooKe(J}áA.aLoy d e dizem a ele:
a. KaGeúõcoy. e “Mestre,
f não importa a ti que pereçamos?”
c i<al èyeípouaiu aiurou
39 a E, tendo-se levantado,
d Kal Aiyouaiu aírccô,
b repreendeu ao vento
e AiõáaKaA-e,
c e disse ao mar.
f oí) péÀei aoi otl áuoAÀúpeGa;
d “Fica quieto!
39 a Kal ôiçyepGclç e Fica amordaçado! ”
b éueiíprioey tgô àvlpcp f E o vento cessou
c Kal çíuey Tf| GaAáaar], g e aconteceu grande bonança.
92 93
40 a E disse a eles: análise da estrutura literária busca uma estrutura fruto das rela
b “Por que sois covardes ? ções existentes entre palavras e entre frases. Em outras palavras,
c Ainda não tendes fé ? ” a análise da estrutura literária preocupa-se com a organização e
41 a E ficaram muito amedrontados o sistema do texto “para encontrar seu conteúdo e significado”;
b e diziam uns aos outros: ao contrário, o método estruturalista “prescinde deste conteúdo
c “Quem é este, afinal, para ocupar-se só das funções e códigos que regulam a lingua
d pois até o vento e o mar obedecem a ele?” gem do relato”3.
Note-se, ainda, que alguns estudiosos utilizam a termino
logia “estruturação formal de superfície”. No entanto, embora a
2.2. Exercícios
análise da estrutura literária realmente comece com o que é
manifesto na superfície do texto, tende a buscar o conteúdo e a
Vamos, finalmente, nos exercitar. Nosso conselho dado
mensagem imanentes e profundos, o que a leva a superar os
nos exercícios anteriores permanece: se possível, trabalhar com
limites impostos pelo aspecto formal com que o texto se apre
o original. Assim, além de nos experimentarmos na segmenta
senta. Em outras palavras, a análise da estrutura literária não se
ção, iremos também praticar o hebraico e o grego...
limita ao aspecto formal do texto mas, partindo da unidade e do
Comecemos com nossos já estudados textos: sistema de relações do conjunto total, busca explicitar o con
Antigo Testamento: Gn 39,l-6a; 2Sm 16,5-14; 2Rs 4,1-7; teúdo que o texto quer transmitir. Pois só podemos atingir o
Is 21,1-10; 45,1-7 conteúdo de um texto por meio do próprio texto, que nos ofere
Novo Testamento: Mt 11,20-24; 26,6-13; Mc 1; Lc 6,1-1 1; ce inúmeras possibilidades de leitura em seus vocábulos, fra
Rm 11,16-24; Ap 3,1-6. ses, repetições, figuras literárias, palavras-gancho, inclusões,
E mais alguns complementares: SI 1; Is 40,1 -8; Ex 2,1 -10; quiasmos etc.
Lc 14,25-33; Fm 1-3; Ap 2,1-7.8-11.
Na esperança de provocar o surgimento dessa sensibilida Nesses segmentos, porém, a ação principal tica por conta
de no leitor, vamos expor o presente procedimento aplicado a dos discípulos, a tal ponto que parece ser deles a iniciativa de
Mc 4,35-41, passo a passo, como o fizêramos no caso da seg afastar Jesus da multidão. Nova linha horizontal, portanto, deve
mentação. ser traçada depois do segmento b.
Comecemos relendo o texto segmentado, do qual deve
mos ter sempre várias cópias, a fim de podermos rascunhar e 36 c Kcà àkka TiÀoia fjv per’ oüjtoü.
experimentar várias estruturas antes de optarmos por aquelas
que julgamos mais adequadas. 36 c e havia outros barcos com ele.
Em nosso caso, por se tratar de um texto narrativo, vamos Esses novos personagens, ainda que sem nenhuma função
começar dando especial atenção aos actantes, isto é, aos sujeitos no relato, devem ocupar uma seqüência à parte, assinalada por
que aparecem e agem no texto. Essa leitura com ênfase nos uma nova linha horizontal.
sujeitos e nas ações que realizam nos definirá uma primeira
estrutura para nossa perícope. 37 a Kcà yíue-toa ÀalÀaij; pc-yáÂr| àuépou,
Retomando, pois, uma cópia do texto segmentado, temos: b Kcà tà icupata cucj3aÀÀ,c-v cl; tò uA.o! oi\
c ware r|ôr| yepíCcoGai tò ttàoioi'.
35 a Kou À.çyc-1 corroí;
b èv èiceívq zr\ ripipa 37 a E acontece grande tempestade de vento
c òi|/íaç ycvopéur];, b e as ondas lançavam-se para dentro do barco
d AiéA.0O)|j.ei' el; zo TTépai'.35 c a ponto de jâ ficar cheio o barco.
f E o vento cessou a tempestade: inatividade Nesses segmentos, aos quais atribuiremos a letra A, o
8
g e aconteceu grande bonança. [efeito] texto insiste em diferenciar da multidão aqueles que participarão
do milagre, os discípulos. Algo semelhante se dá nos dois próxi
40a E disse a eles: Jesus: repreensão
9 b "Por que sois covardes? mos segmentos,
c Ainda não tendesfé?"
36 b trapa AapPavoucuu aútòv
41a Eficaram muito amedrontados os discípulos: medo C <ÒÇ fju k v TCÔ TTÀOLU),
10 b e diziam uns aos outros:
c “Quem é este, afinal, [reação]
d Kal aAla tíAora r\v per’ aútoü.
d pois até o vento e o mar obedecem a ele?"
36 b tomam-no consigo
c como estava no barco,
d e havia outros barcos com ele.
104
105
nos quais se estabelece a distinção entre o barco em que Jesus 39 a E, tendo-se levantado,
está e outros barcos. Será a seqüência A’. b repreendeu ao vento
A partir de então, o texto se concentra no barco de Jesus. c e disse ao mar.
d “Fica quieto!
37 a kou yíuetai A.alÀaip peY^Ü àuépou, e Fica amordaçado! ’’
b «ai tà KÚpata èirépaÀÀeu eíç tò ttàolou,
c wore põp yepíéeoGca tò ttI olov. recebem a 1letra B \ pois apresentam Jesus que faz frente à tem-
38 a. Kai aòtòç f\v kv tf) TTpúpur) pestade. 0 efeito produzido é expresso nos segmentos
b crrl tò TrpoaKecfá/laiov
KaOêúõui'. 39 f Kai 6KÓTiaoev ô auepoç
a2
g Kai kykvezo YaA.f|uq
37 a E acontece grande tempestade de vento
b e as ondas lançavam-se para dentro do barco 39 f E o vento cessou
c a ponto de já ficar cheio o barco. g e aconteceu grande bonança.
38 a, E ele estava na popa,
que recebem uma letra D.
b sobre o travesseiro,
dormindo. A resolução do segundo conflito está em
íl2
Essa nova seqüência (B) expõe um primeiro confronto 40 a Kai eiirgy aòtoiç,
entre a tempestade e (o barco de) Jesus. Também os discípulos b Tí õeiAm éatt;
entrarão em conflito com Jesus na próxima seqüência (C): c OUTTCO Tríativ;
os pares de opostos
Mc 4,35-41 os pares deopostos Mc 4,35-41
108 109
Uma terceira estrutura pode ser definida a partir do que 38 a, E ele estava na popa.
optamos denominar “o foco da atenção”, que pode ser assim b sobre o travesseiro,
definido: para onde o redator quer direcionar nossos olhares. a2 dormindo.
Nesta ulterior estrutura, definem-se três seqüências.
A seqüência p, constituída pelos segmentos
A primeira, leva-nos, em um movimento de tipo “zoom”,
de fora para dentro do barco (a outra margem — a multidão — 38 c Kal eyetpouoiu aútòn
os outros barcos — a tempestade de fora para dentro do barco — d Kal Aiyotmn aútcô,
na popa sobre o travesseiro). Assinalamo-la com a letra a: e AiõáoKaA.e,
f oú péÀci gol otl aTTOÀ/lúpeBa;
35 a Kal Jiyei aíitolç
39 a Kal ÔLeyepGc-íç
b in iKeínq rrj rpépa
b iuetíppaeu tcl) ánépq)
c ôij/úcc.ç yenopiuriç,
c Kal eiTren tfj GaAxaaq,
d AiiA.0(jO|ieu elç tò trepan.
d XhcoiTa,
36 a Kal accenteç tòn oxXov
e TCcfHpwao.
b TiapaÀappáuouout aútòn
í Kal è-KÓTiaaen ò ãncpoç
c úç rjn in tcô ttâoúco, -
g Kal iyénc-to yaA.f|nr) pe-yáÀr|.
d Kal aXXu uÀoXa r\v per’ aútoü.
38 e E despertam-no
37 a Kal yinc-tat ÀalÂat|; |ityáA.r| ànépou,
d e dizem a ele:
b Kal tà KÚpata ÍTrépaÀA.on elç xò ttàoiou,
c (Date f|õp yeplCeoGar tò ttàolou. e "Mestre.
r não importa a ti que pereçamos ?"
38 a, Kal aútòç rjn én rr) trpúpni^
39 a E, tendo-se levantado.
b éul tò trpooKecfiáÀaLOU
a, KaGeúõun.3567 b repreendeu ao vento
c e disse ao mar
35 a E diz a eles d "Fica quieto!
b naquele dia e Fica amordaçado!"
c quando se fez tarde: f E o vento cessou
d “Atravessemos para a outra margem g e aconteceu grande bonança
36 a e, tendo eles despedido a multidão,
b tomam-no consigo leva-nos, em um movimento contrário, de dentro para fora do
c como estava no barco, barco (Jesus e os discípulos no barco — ordem à tempestade
d e havia outros barcos com ele. desde dentro do barco — a (não) tempestade em todo o lago)
37 a E acontece grande tempestade de vento Por fim, uma última seqüência y nos arremessa para den
b e as ondas lançavam-se para dentro do barco, tro das consciências dos personagens envolvidos no relato
c a ponto de já ficar cheio o barco. (o julgamento de Jesus e a perplexidade dos discípulos).
40 a kcíI eiTTey aúxolç, o foco da atenção
Mc 4,35-41
b T l õeiAoí éoxe;
c outtCa) exexe TTioxty; Movimento de fora para
35a Kal líyíi “koU dentro:
41 a Ka! ècj)oPr|Gr|aay cjiópov piyav b èv txfívfi xt fyÉPÍ a outra margem
b «ai eÀeyov irpòç «ÀA^A-ouç, c òi|iía<; yEVOtxívnc-
d Aléxewvicv ele xf> flépav. a multidão
c Tíç Spa outoç éaxiv 36a xal áijitvxt; xòv Byi-ov
b napaJ.appávouoiv aúròi/
d bti Kal ó Svepoç Kal f] Gálaaaa úiraKoúei aúxcô; a c tòç ity tv xc} itAoícp,
os outros barcos
d Kal KUa uXola ffi p£x' atitoO. a tempestade de fora para
40 a E disse a eles: 37a Kal yívexai A/úXai|/ píyáJ.r| itvípov, dentro do barco
b kccI Ta KÚiiaxa knéficíXXcv elç tò ttXoI ov,
b “Por que sois covardes? c dSaxe f|6r| yfpí(€a0ai x8 itlnloi'. na popa sobre o
c Ainda não tendes fé?" 38a, Kal aíixòi fjv tv xp npupvfl travesseiro
b Éfll tò irpooKÉ(|)áXttiov
41 a E ficaram muito amedrontados a, Ka06ÚÔti)V.
b e diziam uns aos outros:
Movimento de dentro
c "Quem é este, afinal, c Kal tycípouou' aíixòv
para fora:
d Kal Uyouoiv aòxcj,
d pois até o vento e o mar obedecem a ele? ” e AiSaoKaXt, Jesus e os discípulos no
f oò píAri (7oi &u áiroXXúpcft1: barco
E, em decorrência, podemos montar novo quadro: 39a Kal 6teyep8ílp
b titíxípnosv Tl? ivíptp a tempestade desde o
p
c xal ftirtv xfl eaXáoor), barco
d Siúiia,
113
112
A tra d u ç ã o :
A exemplo do que fora a explicitação detalhada do proce
dimento de segmentação de um texto, também a estruturação foi
“] --------------------
apresentada didaticamente, para que o leitor que está sendo ini
Mc 4,35-41 o foco da atenção
ciado na exegese bíblica possa assimilar os múltiplos critérios
35a E diz a eles que regem essa etapa do trabalho. E, como já havíamos alertado
b naquele dia Movimento de fora para
c quando se fez tarde:
dentro: naquela ocasião, na apresentação de um trabalho acadêmico, não
a outra margem
d "Atravessemos para a outra margem " será necessário justificar a definição de cada nova seqüência.
36a e, tendo eles despedido a multidão, a multidão Basta apresentar o quadro com o texto já estruturado. Em nosso
a b tomam-no consigo
c como estava no barco, os outros barcos caso, como temos três estruturas, será necessário elaborar um
d e havia outros barcos com ele.
37a E acontece grande tempestade de vento quarto quadro, no qual as três estruturas apareçam justapostas.
a tempestade de fora para
b e as ondas lançavam-se para dentro do barco, dentro do barco Algo assim:
c a ponto dejá ficar cheio o barco.
38a, E ele estava na popa, na popa sobre o
b sobre o travesseiro, travesseiro
a2 dormindo.
c E o despertam
d e dizem a ele: Movimento de dentro
para fora:
e "Mestre,
f não importa a ti que pereçamos? Jesus e os discípulos no
39a E, tendo-se levantado, barco
p b repreendeu ao vento
c e disse ao mar:
d "Fica quieto! a tempestade desde o
barco
e Fica amordaçado/"
f E o vento cessou
g e aconteceu grande bonança. a tempestade no lago
40a E disse a eles:
b "Por que sois covardes ? dentro das consciências:
c A inda não tendes fé? "
o julgamento de Jesus
y 41a E ficaram muito amedrontados
b e diziam uns aos outros:
c "Quem é este, afinal,
a perplexidade dos
d pois até o vento e o mar obedecem a ele? " discípulos
114
115
A tra d u ç ã o :
Mc 4,35-41 os sujeitos os pares de o foco da
e suas ações opostos atenção
os sujeitos os pares de o foco da
Mc 4,35-41 e suas ações opostos atenção
35a Kal Aéya aíiToíc Jesus: 1#distinção: movimento de
b kv èKÚvfl tfl fyépç iniciativa de os discípulos e a fora para
c òtj/íaç yevopéviy;, atravessar 35a EdizaeUs Jesus: 1*distinção: movimento de
multidão dentro: fora para
d AiéAStopev etç tò népav, b naquele dia iniciativa de os discípulos e a
1 c quando sefez tarde: atravessar multidão dentro:
a outra margem
d “Atravessemos para a outra margem
a outra margem
36a Kal áfykvTtç tòv ifyXov os discípulos: a multidão X
b TrapaAoqipávouoiv aòtòv iniciativa de A a multidão
levar Jesus 36a e, tendo eles despedido a multidão, os discípulos:
c tò; fy kv tcj ttAoíc*>, 2*distinção: 2 iniciativa de
(o barco de) b iòmàm-no consigo levar Jesus
c como estava no barco, 2* distinção:
d Kal SAXa TrXoía p « ’ aíiroO. os outros barcos Jesus os outros (o barcode)
e os outros barcos os outros barcos Jesus os outros
barcos d e havia outros barcos com ele.
e os outros barcos
3 barcos
A’
37a Kal yívetai AatAaty pçyáXrt ávépou, a tempestade: Ioconflito: a tempestade de
b Kal xk Kbpaxa h^aXXtv *lç tò irjloíov, atividade a tempestade fora para 37a E acontece grande tempestade de vento a tempestade: 1° conflito: a tempestade de
c (Uotc ^ÔT| Y€pí(€o0ai tò tfAoíou. versus dentro do barco atividade a tempestade fora para
4 b e as ondas lançavam-se para dentro do barco,
[descrição] (o barco de) c a ponto dejáficar cheio o barco. versus dentro do barco
Jesus [descrição] (o barco de)
38üt Kal aúròí flv èv tf) npúp^TI Jesus: na popa sobre o
b k l TÒ TTpOOKÍijXKXaiOV inatividade travesseiro Jesus: na popa sobre o
38ai E ele estava na popa,
a2Ka0۟6o)v. 5 b sobre o travesseiro, inatividade travesseiro
B a
a2 dormindo.
c Kal èyeípouoiv aíiiòv os discípulos: 2oconflito: movimento de
d Kal A^youaiv aòtty, repreensão os discípulos dentro para c Eo despertam os discípulos: 2° conflito: movimento de
e AiÔáoKaXe, versus Jesus fora: d t dizem a ele: repreensão os discípulos dentro para
f oú péXei ooi 8tl íboUúpfÔa; Y e "Mestre, versus Jesus fora:
6
(“súplica”] Jesuse os f não importa a ti que pereçamos?".
discípulos no [“súplica”] c Jesus t os
39a Kal 6icyep0elç Jesus: atividade resolução do barco
resolução do barco
b Éncuprçocv tip áwpcp 1®conflito: 39a E, tendü‘Se levantado, Jesus: atividade
c K al í Í ttcv t f l QaAáooT), Jesus versus a a tempestade b repreendeu ao vento 1° conflito: a tempestade
d Eiaha, tempestade desde o barco 7 c e disse ao mar: Jesus versus a
tempestade desde o barco
e Tre(t>Lpc«}oo, [intervenção] B’ d “Fica quieto!
e Fica amordaçado!" [intervenção] B’
f Kal €KÓtraoev ò a tempestade: Tefeito: a tempestade no f Eo vento cessou a tempestade: l°efeito: a tempestade no
g Kal íyéveto yaAi^ri (ityáAri. inatividade bonança lago 8 lago
g e aconteceu grande bonança. inatividade bonança
[efeito] [efeito] D P
40a Kal clticv aíitolç, Jesus: resolução do dentro das 40a E disse a eles: Jesus: resolução do dentro das
b Tí ÓaAoí éotc; repreensão 2° conflito: consciências: consciências:
b “Por que sois covardes? repreensão 2“conflito:
c otfou fyerc Jesus versus os ojulgamento de Jesus versus os ojulgamento de
9 c Ainda não tendesfé?"
discípulos Jesus discípulos Jesus
C» C
41a Kttt è([)optí0r|oav ((xípov péyav os discípulos: 2®efeito: medo os discípulos: 2° efeito: medo
b Kal Ueyov irpò; áXXt^Xouç, a perplexidade 41a Eficaram muito amedrontados a perplexidade
10 medo b e diziam uns aos outros: medo
c Ttç ápa oítóç èouv dos discípulos Z 10 dos discípulos
c "Quem é este, afinal,
d bu Kal ô fivepoç Kal f| ôáXaooa òiraKoúci auttp: [reação] d pois até o vento e o mar obedecem a ele?" [reação] \ Y
D’
116 117
Sob o risco de nos tornarmos repetitivos, tomamos a aler a) Os sujeitos e suas ações8:
tar o leitor sobre dois erros muito frequentes no trabalho de Na coluna “os sujeitos e suas ações” encontramos, como
quem está iniciando a aplicação do procedimento de estrutura sabemos, breves frases que evidenciam a função de tal subunida-
ção de textos bíblicos. O primeiro erro é transpor mecanicamen de no conjunto da perícope e que, portanto, estabelecem a estru
te informações de uma estrutura para outra. Embora as estruturas tura básica do texto.
possam interagir, é necessário distinguir claramente o que per As três primeiras seqüências devem ser consideradas com
tence a cada uma delas, e só depois de analisá-las individual muita atenção, para não nos deixarmos enganar. O primeiro peri
mente, estudar suas relações recíprocas. go é ver entre as seqüências 1 e 2 (assinaladas com uma letra X
O outro erro, também já acenado e que devemos insistir na última coluna da esquerda) uma relação de ordem e obediên
veementemente em que seja evitado, é o de tomar as estruturas cia: Jesus ordena atravessar para a outra margem do lago e os
que acabamos de definir em nosso exemplo (os sujeitos e suas discípulos “obedecem”. No entanto, uma leitura mais atenta nos
ações; os pares de opostos; o foco da atenção) e aplicá-las, por revela que há, na realidade, uma justaposição de duas iniciativas:
vezes até acriticamente, a todo e qualquer texto. Em outras pala 1: a iniciativa de Jesus: ele decide atravessar para a outra
vras, repetimos: estas estruturas, com estes títulos, são exclusivas margem;
deste texto, e se aplicam desta maneira somente a este texto. É 2: a iniciativa dos discípulos: eles o tomam consigo como
claro que qualquer texto narrativo contará com sujeitos que reali
estava no barco.
zam uma ação (tal é a essência da narrativa), mas... será essa
necessariamente a estrutura fundamental de qualquer narrativa? Não ordem e obediência, mas tensão e inconsistência na
Como já afirmamos anteriormente, o exegeta deve se dei trama. Afinal, de quem, verdadeiramente, é a iniciativa? De Jesus
xar conduzir pelo texto. As estruturas e os critérios que as defi ou dos discípulos? Devemos deixar tal questão em aberto, neste
momento, pois precisaremos das ferramentas fornecidas pela crí
nem variam de texto para texto, de acordo com o estilo e a
tica literária e pela crítica da redação para respondê-la.
competência do autor / redator. E mesmo que operemos a estru
turação das versões de Mateus e Lucas, vamos notar que cada Igualmente, a seqiiência 3 merece especial cuidado: ela
uma delas apresenta diferenças que não podemos desconsiderar. parece conter apenas uma informação circunstancial, sem ne
nhuma relevância, pois esses “outros barcos” desaparecerão em
seguida. Numa primeira leitura, somos tentados a ver em tal
particular um exemplo do recurso narrativo chamado “economia
3.3.2. Análise da macroestnitura
do relato”, um artifício literário que faz permanecer em cena
apenas os elementos essenciais: tudo o que é supérfluo e serve
Uma vez definidas as estruturas, devemos estudar como tão-só para contextualizar ou dar verosimilhança ao episódio
os vários blocos ou seqüências se relacionam entre si: trata-se desaparece sem maiores comentários. No entanto, também esta é
da “análise da macroestrutura”. A “análise da microestrutura” uma questão que deveremos, por ora, deixar em aberto. Retorna
preocupa-se com a interação dos elementos dentro de cada remos a ela em dois momentos mais adiante, por ocasião da
seqiiência7. análise sintática e ao tratarmos da crítica literária, nos quais
1 Nosso exemplo não nos oferece elementos para a análise da microestruiu- * Seguiremos de perto, em bora operando algum as modificações, a análise dc
ra. Vamos nos limitar, portanto, à macroestrutura. Stbngiír. op. cit. pp. 151-157.
vamos procurar dar outra explicação para a referência “en seqüências sujeitos ações verbos
passant” a esses outros barcos, que não desempenham nenhuma (quiasm o) (paralelism o) (quiasm o, a p artir dos sujeitos)
função no narrado. y [v etai - h l(3 aU ev
4 tem pestade atividade
Do ponto de vista dos sujeitos, as sequências 4-8 formam inatividade fjv KaSeúôuv
5 Jesus
um quiasmo (mesmos elementos, em ordem inversa). Do ponto
6 discípulos repreensão éyeípouaiv - Jiy o u a iv
de vista das ações, temos um paralelismo9 (mesmos elementos,
7 Jesus atividade 5i€Y€p06L<; - eiteTÍ|tiiaev - d m
mesma ordem). Como resultado, temos um movimento de rever
são ou inversão: a grande tempestade de vento e as ondas (se 8 tem pestade inatividade 6KÓuao6v - éyévexo
quência 4) transformam-se, respectivamente, em vento calado e
grande bonança (seqüência 8). Isso só é possível graças a outro
movimento de reversão: Jesus, que estava dormindo (seqüência
5), levanta-se e ameaça o vento e o mar (seqüência 7). São, A tradução:
portanto, dois pares de seqüências opostas:
seqüências sujeitos ações verbos
4 x 5: a atividade da tempestade versus a inatividade de (quiasm o) (paralelism o) (quiasm o, a partir dos sujeitos)
Jesus;
7 x 8: a atividade de Jesus versus a inatividade da tempes 4 tem pestade atividade acontece - lançavam -se
tade. 5 Jesus inatividade estava dorm indo
6 discípulos repreensão despertam - dizem
No centro desse quiasmo, um elemento isolado (seqüên atividade tendo-se levantado - repreendeu - disse
7 Jesus
cia 6) que desencadeia o movimento de inversão, isto é, como inatividade cessou - aconteceu
8 tem pestade
fator que provoca as mudanças. Trata-se da repreensão que os
discípulos fazem a Jesus e que revela outra contraposição que
devemos notar: de um lado, a tranqüilidade de Jesus (que, incri
velmente, consegue dormir durante uma tempestade, com as on
das alagando todo o barco!); de outro lado, a intranqüilidade dos É entre as seqüências 7-8 que devemos ver uma relação de
discípulos (que já se consideram condenados a perecer). ordem e obediência: na seqüência 7, Jesus repreende o vento e
Acrescentemos ainda os verbos pelos quais se exprimem ordena ao mar que se aquiete, e estes obedecem na seqüência 8.
as ações e obteremos o seguinte esquema: Todo esse movimento de inversão (seqüências 4-8) assi
nalamos com uma letra Y.
Na seqüência 9, a pergunta de Jesus interpieta a repreen
são feita pelos discípulos (seqüência 6) como motivada pela fal
ta de fé. No entanto, a seqüência 10 insiste no termo c|)ópoç
[medo]. Devemos, então, perguntar: Qual a causa desse medo
dos discípulos? Jesus e sua autoridade sobre a tempestade, ou a
9 Esses dois recursos estilísticos (quiasmo e paralelismo) pertencem a um repreensão que dele receberam? À luz do questionamento ex
grupo maior de analogias matemáticas que constituem uma das bases da presso na seqüência 10, parece pouco provável que o medo dos
poesia hebraica. Oportunamente, iremos estudá-los com maiores detalhes.
121
120
discípulos seja provocado pela repreensão que Jesus a eles diri seria de se esperar em relatos de milagre, os discípulos repreen
ge. Por conseguinte, melhor considerar a seqüência 10 como dem a tranqüilidade (inatividade) de Jesus e interpretam-na como
conclusão e arremate do bloco assinalado com Y. Por isso, indiferença com o que está acontecendo (ou peAlei ooi...; [não
assinalamo-la com uma letra Z, mas deixamos a seqüência 9 importa a ti...?]).
sem nenhuma assinalação. A mudança de atitude de Jesus, de inativo para ativo,
encaminha os dois conflitos para suas respectivas resoluções.
b) Os pares de opostos: Em primeiro lugar, na seqüência B’, Jesus se levanta paia repre
Voltemos, agora, nossa atenção para a forma como o texto ender / ameaçar a tempestade e o mar. Como primeiio efeito
trata os vários personagens que nele aparecem e como eles se desse enfrentamento, os elementos cósmicos são reduzidos à
relacionam entre si. Como vimos, estamos diante de um texto inatividade, fato expresso na seqüência D. Jesus dará uma res
em que encontramos sempre a definição de actantes que se dis posta ao segundo conflito na seqüência C’, ao devolver a repie-
tinguem ou se confrontam. ensão a seus discípulos e considerá-los covardes e sem fé.
Nossa perícope começa com o estabelecimento de duas A seqüência D’ reporta o medo que se apodera dos discí
distinções, que se desenvolve nas sequências que ora designa pulos. Tal medo, porém, não é motivado pela repreensão de
mos A e A’. Na seqüência A, definem-se dois grupos distintos: Jesus, e sim pelo milagre. Trata-se, portanto, de um segundo
os discípulos de Jesus e a multidão. Somente o primeiro estará efeito da resolução do primeiro conflito, conforme a estrutura
envolvido no desenvolvimento da narrativa. A segunda distin anterior (os sujeitos e suas ações) já havia demonstrado.
ção, expressa na seqüência A’, exerce uma (unção ambígua, Resumindo, se na estrutura dos sujeitos e das ações pre
pois, ao mesmo tempo em que evidencia a presença de outros
valecia um quiasmo construído sobre um esquema típico de
barcos, que não são o de Jesus, opera também uma fusão de
relato de milagre, na estrutura dos opostos, temos um paralelis
elementos. Com efeito, deve-sc perguntar: A quem ou a que se
refere a locução per’ aèroô [com ele]? A Jesus ou ao barco no mo, a saber:
qual Jesus se encontra? E a resposta parece ser “a ambos”. Ou
seja, uma ambiguidade proposital, que irá fornecer a base para
um dos conflitos que em breve discutiremos. A os discípulos e a multidão
A partir de então, distinguem-se pares com um relaciona A’ a barca de Jesus e os outros barcos
mento conflituoso que tende a uma resolução, mediante a pala B a tempestade versus Jesus
vra de Jesus. O primeiro conflito está expresso na seqüência B:
a tempestade investe contra o barco no qual Jesus repousa. Re- C os discípulos versus Jesus
íorça-se a idéia de confusão entre Jesus e o barco: Jesus está na B’ Jesus versus a tempestade
popa, sobre o travesseiro do timoneiro. Esse dado poderia ter
aparecido antes de se falar das ondas que enchem o barco. Mas a D 1° efeito
ordem do texto não é aleatória: as ondas querem encher o barco, C’ Jesus versus os discípulos
ocupar o espaço onde Jesus está. Apenas um deles pode conti
nuar dentro do barco, ou as ondas ou Jesus. D’ 2o efeito
A seqüência C descreve outro conflito: também os discí
pulos investem contra Jesus. Em lugar da petição ou súplica que
122 123
c) O foco da atenção Esquematicamente:
A última coluna da direita coloca em evidência a focaliza-
Çã° operada pela narrativa. Esta estrutura tem a finalidade de,
dentro do barco,-—... "•"'aSmfôor do barco, emtodo o lago,
como em uma tomada de cena cinematográfica, direcionar nos Jesus c os discípulos Jesus repreende a tempestade triunfo sobre a tempestade
sos olhares para onde a ação se desenrola. Designamos, agora,
as sequências com letras gregas. A exemplo da exposição da
estrutura anterior, manteremos a numeração entre parênteses.
A princípio, sequência a, temos um movimento de fora Bruscamente, somos relançados para o interior do barco,
para dentro. Como em um “zoom”, partindo de um ambiente mas, desta vez, para dentro da própria consciência dos persona
mais geral, que inclui também a outra margem do mar da Gali- gens que compõem o par de opostos da seqüência y. Jesus e os
léia, somos levados até o interior do barco onde Jesus está, e discípulos. No julgamento do Mestre, os discípulos são conside
mais precisamente até a popa, onde ele dorme sobre o travessei rados covardes e sem fé. Por outro lado, na consciência dos
ro. Como em um afundamento, nossa atenção é levada a consi discípulos, reina a perplexidade e a desorientação.
derar somente Jesus; todo o resto fica de fora.
Esquematicamente, temos: d) Concluindo a análise da macroestrutura:
A narrativa desse milagre termina com a interrogação acer
ca da identidade de Jesus, interrogação esta que fica em aberto.
Quando tratarmos da crítica da redação, veremos mais profunda
a outra margem nesta margem, sobre o lago. • . Dentro >lo na popa, sobre mente como a questão da autoridade e do messianismo de Jesus
a multidão os outros barcos barco de Jesus,' o travesseiro, estabelece relações entre essas perícopes e outras do mesmo
a tempestade Jesus
evangelho.
Por ora, devemos ter claro as razões que levam Marcos a
deixar em aberto o questionamento final. Sob o pretexto de ser
uma pergunta que os discípulos dirigem-se mutuamente, Mar
O segundo movimento processa-se na seqüência p e é in
verso ao primeiro: desde dentro do barco de Jesus nossos olhares cos quer questionar seu leitor. No entanto, a resposta já fora
são direcionados para a totalidade do mar da Galiléia, no qual construída ao longo do relato e se faz presente, de alguma for
ma, em todas as estruturas. Em outras palavras, sob três aspec
também reina a bonança, depois da intervenção de Jesus: do
enfrentamento entre Jesus e a tempestade, que ocorre dentro do tos diferentes, Mc 4,35-41 quer levar-nos a refletir sobre a iden
barco, brota o triunfo de Jesus que se expande por todo o lago tidade de Jesus:
em forma de grande bonança. a) o sujeito e suas ações: Como Jesus age? Suas ações,
que dizem a respeito de sua identidade?
Os outros barcos não reaparecem neste movimento de den
tro pata fora. Antes, é a totalidade do lago que é considerada. b) os pares de opostos: Com quem Jesus se relaciona?
Assim, afastando-se do barco de Jesus, a câmera cinematográfi Como a identidade de Jesus fica atestada em meio aos
ca de Marcos dá uma visão panorâmica de todo o mar da Gali conflitos?
léia e provoca uma desfocalização que encerra o segundo movi c) o foco da atenção: Como a identidade de Jesus é perce
mento dessa estrutura. bida e reconhecida? Como reagir diante dela?
124 125
3.4. Exercícios a) Análise lexicográfica: estudo do vocabulário;
b) Análise sintática: estudo da gramática;
A fim de averiguarmos nossa compreensão do procedi
c) Análise estilística: estudo das figuras de linguagem.
mento que acabamos de expor, pratiquemos com as perícopes
que conhecemos desde a crítica textual: A ordem dessas abordagens não necessariamente deve ser
Antigo Testamento: Gn 39,l-6a; 2Sm 16,5-14' 2Rs 4 1-7' essa. Nossa exposição segue um critério metodológico. No tex
Is 21,1-10; 45,1-7 ’ ’ to, com efeito, tudo acontece simultaneamente. E mesmo ao
Novo Testamento: Mt 11,20-24; 26,6-13; Mc 1; Lc 6,1-11; realizar tais análises, determinada informação colhida em uma
Rm 11,16-24; Ap 3,1-6. pode esclarecer ou questionar dados levantados em outra, uma
Além desses, podemos sugerir alguns outros: SI 8; informação gramatical, por exemplo, pode lançar luz sobre a
Ez 37,1-14; Mc 16,1-8.9-20; Lc 22,14-20. significação de um termo ou tempo verbal. O importante é man
ter a coerência e a clareza e não deixar que as idéias simples
mente “atravessem” de uma para outra abordagem.
4. ANÁLISE LINGÜÍSTICA
134 135
potente pronunciada legitimamente por quem tem autoridade para sua vez, é prolongado na atividade demoníaca. Por isso, nosso
se impor sobre o vento tempestuoso. E quem a pronuncia não se relato incorpora elementos típicos de um exorcismo23.
coloca indiferente ao resultado de sua própria ação; ao contrário,
Não é à toa que a perícope termina com uma questão:
toma o partido daquele a quem está defendendo. Ao repreender
“quem é este, afinal, pois até o vento e o mar obedecem a ele?”.
o vento, Jesus assume como uma questão pessoal o perigo que
É uma pergunta que o autor dirige ao leitor e cuja resposta já
se abate sobre seus discípulos.
fora construída pelos verbos que acabamos de analisar.
O imperativo (ou a mera interjeição?) oicóua \fica quie
to!}, que aparece na boca de Jesus, em Mc 4,39, não tem a
finalidade de simplesmente dizer ao mar: fica silencioso, sem 5.1.2. Palavras raras e hapax legómena
fazer nenhum barulho. Antes, exige deste que cesse sua ativida
de caótica: fica inativo, fica tranqüilo, parado. E, em consonân Durante a análise dos vocábulos utilizados em nossa perí
cia com a LXX, é pronunciado por quem tem autoridade para cope, além de detectarmos a abrangência semântica de cada um
fazer tal exigência, autoridade esta que efetivamente é reconhe deles, pudemos também detectar a presença de algumas palavras
cida, pois o mar obedece a Jesus. pouco usadas em toda a Escritura. É natural que nos surja a
Ao ordenar ao mar TtetbCpicoao {fica amordaçado], Jesus pergunta: Que é melhor: ter muitas ou ter poucas ocorrências?
não está apenas proibindo-o de fazer barulho ou agitar-se. Mais Claro que não há uma resposta que sirva para todos os casos.
que isso, está, novamente, pronunciando uma palavra eficaz (ato Por um lado, um número pequeno de ocorrências do mes
perlocucionário), está colocando uma focinheira no mar, isto é, mo vocábulo evita que ele adquira variadas conotações, em uma
proibindo-o de devorar o barco no qual ele e seus discípulos se espécie de dispersão semântica, muito comum em palavras usa
encontram. O mar não só fica inativo, mas também impotente, das em excesso e em contextos diversos. Por outro lado, porém,
dominado pela força da palavra salvífica de Jesus. uma freqiiência escassa pode enfraquecer a importância teológi
Mas, dissêramos que o estudo do vocabulário nos ajuda a ca de determinado vocábulo e, em certo casos, oferecer poucos
compreender a teologia do autor. Como isso se dá em nosso texto? textos para que compreendamos seu significado.
Vejamos: palavra eficaz, palavra salvífica ... palavra cria A análise lexicográfica deve ser completada com duas
dora. A mentalidade semita, como qualquer mentalidade mítica, pequenas tabelas. A primeira, trará um elenco das palavras raras
não encara a criação como Deus tirando o mundo do nada, e sim no conjunto da Escritura c que foram utilizadas em nosso texto.
colocando ordem no caos primordial: criar significa “dominar, A segunda, limitando-se à perícope por nós analisada, mostrará
ordenar, tornar inativo, tornar impotente e aprisionado o caos e as palavras que nela se repetem. A finalidade dessas tabelas não
as forças que o simbolizam: os ventos, os mares, os monstros é, portanto, acrescentar algo novo a respeito do vocabulário,
das águas”. Dominar é criar, criar é dominar. Em nossa períco- mas isolar duas informações que já apareceram na análise lexi
pe, Jesus tem autoridade para salvar porque tem autoridade para cográfica.
dominar as forças do caos, ou seja, autoridade para criar. Basta Mais do que o significado teológico das palavras raras e
lembrar: a tempestade e o mar estão ativos enquanto Jesus per das palavras repetidas, esses dois complementos querem ressal
manece inativo, dormindo sobre o travesseiro; ao contrário, quan tar as implicações do uso desse vocabulário no texto estudado.
do Jesus adota uma postura ativa, o vento e o mar são reduzidos
à inatividade. Com efeito, nosso texto tem um matiz mítico, no
qual o mar aparece como símbolo do caos primordial, que, por 23 Sobre isso retornaremos, no próximo capítulo, ao tratarmos do contexto
imediato ou próximo.
136
137
Comecemos pelas palavras raras. Como vimos, uma boa Interessam-nos, porém, os quatro vocábulos que perten
concordância nos informa também acerca da frequência total de cem ao campo semântico “mar”: yaApuri [bonança], KÚpa [onda],
cada vocábulo nos livros bíblicos. Para esse tipo de informação, À.oâÀco|/ [tempestade] e npúpua [popa]. Destes, somente yakr\vr\
podemos utilizar igualmente uma estatística. Como alguns vocá [bonança] é utilizado nas três versões sinóticas desse milagre.
bulos raros no NT são relativamente freqüentes na LXX, ou vice- KÚpa [onda] aparece em Marcos e Mateus, mas não em Lucas;
versa, a tabela a seguir contemplará apenas os casos raros em inversamente, AalA.co|í [tempestade] aparece em Marcos e Lucas,
ambos. Nossa perícope possui algumas pequenas preciosidades: mas não em Mateus; rrpúpua [popa], por sua vez, apenas em
Marcos. Segundo a concordância da LXX, dois desses termos
têm ocorrência zero na versão grega do AT: yaApuri [bonança]
Vocábulo NT LXX (encontrada, todavia, na versão de Símaco, em SI 106[107],29) e
Trpúpva [popa].
ya.Xr\vr\ [bonança] 3 0(1) Outro caso a ser considerado é o do verbo koto( g) [cesso].
ygpíCw [encho] 8 3 No NT, esse vocábulo aparece sempre em relatos nos quais Jesus
opera uma salvação marítima (Mt 14,32; Mc 4,39; 6,51) e o
ôclAoç [covarde] 3 11 sujeito é sempre auepoç [vento]. Na LXX, contudo, é mais fre-
õieyeípo) [desperto/levanto] 6 5
qiiente e aplica-se a vários sujeitos: águas, mar, fogo, pessoas.
Na LXX, portanto, KOTTá(a) [cesso], eventualmentc, fica incluído
KOTTáCw [cesso] 3 28 no campo semântico “mar”.
Concluindo, vemos que os vocábulos ligados ao campo
KÜpa [onda] 5 26 semântico “mar” e utilizados por Marcos nesse relato estão entre
AouAcajj [tempestade] 3 8 os termos menos comuns do NT e, em alguns casos, também da
LXX. Trata-se de um vocabulário ligado a um tipo específico de
péÀc-L [importa-se] 10 5 milagre ou de ação salvífica de Deus. E isso reforça ainda mais a
delimitação do texto a partir do campo semântico, conforme
TrpooKecj)áÀaiov [travesseiro] 1 3 exposto anteriormente.
•npúpucc [popa] 3 0
oLoruáu) [fico quieto] 10 37 5.1.3. Palavras repetidas
140 141
Tabela de substantivos, adjetivos e verbos Tabela de artigos, pronomes, preposições e partículas
142 143
Tabela de artigos, pronomes, preposições e partículas Tanto quanto a tabela de vocábulos raros, a de palavras
repetidas evidencia algumas informações que já haviam apareci
35 a e ele do anteriormente, tais como:
b em a
c aa) Nas várias seqüências da estrutura “os sujeitos e suas
d a* para
36 a e 0 ações”, o perigo é descrito em duas etapas, sempre na mesma
b ele ordem: elemento aéreo e elemento aquático. Nesse binômio, o
c em 0* primeiro termo é sempre ãnepoç [vento]-, o segundo, porém, varia
d e ele a cada vez (KÚpaxa [ondas], BúXcloou [mar], yailf|ur| [bonança],
37 a e
b € para 0á.Xaaaa [mar]):
c
38 3] e ele em a — elemento aéreo — — elemento aquático —
b 0*
a2 € ele • seqüência 4:
c e ele
d Km yivexoa A,aiA,oa|/ Kai rà KÚpata gTrépaÀA.ei'
e peyáÀri áuépou eíç iò TTÀOLOU
f que [ e acontece grande e as ondas lançavam-se
39 a e
b o tempestade de vento para dentro do barco]
c e a
d • seqüência 7:
e CTTeciprjaei' uô ávé|icp Kal eÍTTeu xfj GaÀáoap
f e
g g [ repreendeu ao vento e disse ao mar ]
40 a e ele
b por quê? • seqüência 8:
c kcu ÉKÓTiaoey ò aucpoç Kal eyeyexo yaA.f|vr] peyáÀri
41 a até
b e [ e o vento cessou e aconteceu grande bonança ]
c quem?
d e(2) ele o a pois • seqüência 10:
otl «ai ô áygpoç Kal f) GáÀaoaa útTaKoúeL aúrcõ
[ pois até o vento e o mar obedecem a ele ]
158 159
e) Duplo passo ou dualidade: f) Ritmo binário:
Tal característica será, com certeza, discutida em uma in Nosso texto apresenta outro tipo de dualidade que não se
trodução ou um comentário a Marcos como obra literária. O limita a expressões duplas. Talvez como consequência da com
duplo passo, ou a dualidade, consiste em unir duas expressões binação do estilo paratático e do esquema do duplo passo, as
com funções semelhantes (dupla indicação temporal, duplo im ações se sucedem em um ritmo binário ou dual. Ou temos duas
perativo, dupla afirmação etc.). Muitas vezes, a segunda expres ações (simultâneas ou sucessivas) agrupadas, ou a mesma ação é
são (ou passo) esclarece a primeira, ou dela fornece detalhes. descrita em dois tempos. A descrição do segundo tempo (ou
Em nosso texto, temos uma dupla indicação temporal segunda ação) é mais longa do que a do primeiro e dele dá
em 35b-c: pormenores, ou passa do discurso indireto ao discurso direto.
Io passo: èv 6K6 LVT1 tf| fipepa Em 36a-c, temos duas ações sucessivas:
[,naquele dia]
Ia ação: «m àfyèvxzç tòv o/Hov
2o passo: ó\|/íaç yevopévriç [e tendo eles despedido a multidão]
[quando se fez tarde]
2a ação: TrapaA.ap.pái/ouau-' aótòv coç f\v èv
Duas locuções adverbiais de lugar, em 38aj-b: tw tt2olu)
[tomam-no consigo como estava no
Io passo: èv rrj Trpúpvq barco]
[na popa]
E duas ações simultâneas em 38c-f:
2o passo: èiu tò upooKecj)áÀ.ai.ov
[sobre o travesseiro] Ia ação: «a! èyeípouaiv ccútòv
[e despertam-no]
Os imperativos de 39d-e: 2a ação: Koà Axyouaiv aúttô, AiõáaKcde, oú
Io passo: ouátTO' (ic-A.ei gol otji áTroÀlúpe-0a;
[Fica quieto!] [e dizem a ele: Mestre, não importa
a ti que pereçamos?]
2o passo: Tre^ípojoo
O perigo é descrito em dois tempos, em 37a-c:
[Fica amordaçado!]
Io tempo: «ai yii/erai ÀalÀcaj; pgyáAp àvépou,
Igualmente, a repreensão que Jesus faz aos discípulos, [e acontece grande tempestade de
em 40b-c: vento,]
Io passo: tl òeiloí éote; 2o tempo: Kal m tcúgara éirépcdÀçv elç rò tiXolol1
[Por que sois covardes?]2 (vote r)õr| yepí(ea9ai tò ttàoiov
2o passo: outtgo e^ete itíotlv;
\e as ondas lançavam-se para den
[Ainda não tendes fé?] tro do barco a ponto de já ficar
cheio o barco]
160 161
Igualmente, em dois tempos, se dá a salvação, em 39f-g: Em nossa análise da macroestrutura, na estrutura “os su
jeitos e suas ações”, vimos que, nas seqüências 4, 5, 7 e 8, os
Io tempo: kou Ixcnraaev ó avepoç sujeitos formam um quiasmo:
[e o vento cessou]
2o tempo: iced kykvexo ycdr|vr| peyáÀp (a) seqüência 4: tempestade
[e aconteceu grande bonança] (b) seqüência 5: Jesus
E, também em dois tempos, é descrito o espanto dos discí (b’) seqüência 7: Jesus
pulos, no v .41: (a’) seqüência 8: tempestade
162 163
dos são: os outros barcos (36d), o barco (de Jesus - 37d), o vento Nossa análise poderia se prolongar e abordar várias outras
(39f; 41d), o mar (41d) e as ondas (37b). E exceto 38af a2, em figuras, tais como: repetição, metonímia, sinédoque, ironia, pro-
que aparece aútóç [ele] como sujeito de r\v KaBeuõcnu [estava sopopéia. As discutidas, porém, já bastam para a finalidade desta
dormindo, dormia], quando o sujeito da ação é Jesus ou os discí nossa apresentação.
pulos, os verbos estão sem o nominativo. É a chamada elipse ou
omissão, no caso, do nominativo.
Outra elipse, mas em razão de idiomatismo, ocorre em 35d. 7.2. Exercícios
Na construção elç tò uépau [para a (outra) margem], o artigo
provoca a substantivação de iTepotv (literalmente é um advérbio:
Os textos continuam os mesmos, mas nos reservam mui
além de, de lá de, do outro lado de, oposto a). De fato, é uma
tas surpresas...
expressão idiomática freqüente (além do nosso texto: lMc 9,48;
Mt 8,18.28; 14,22; 16,5; Mc 5,1.21; 6,45; 8,13; Lc 8,22; e outros Antigo Testamento: Gn 39,1-6a; 2Sm 16,5-14; 2Rs 4,1-7;
autores gregos). Nos evangelhos, aplica-se somente ao lago da Is 21,1-10; 45,1-7.
Galiléia e, exceto Mc 5,1 e Lc 8,22, omitem-se eáÀaooa [mar] e Novo Testamento: Mt 11,20-24; 26,6-13; Mc 1; Lc 6,1-11;
A.í|iur| [lago] por tratar-se, na Palestina, de uma referência óbvia. Rm 11,16-24; Ap 3,1-6.
E ainda: Dt 32,21; SI 115; Ecl 12,1-7; Jo 8,12-20;
j) Paronomasia:
At 17,22-31 ;Rm 10.
Quando se encadeiam duas ou mais palavras que soam de
forma semelhante, mesmo que o significado seja diverso, temos
a figura chamada paronomasia. Em nosso texto, ela aparece em 8. BIBLIOGRAFIA
39g: yaXr\vr\ |icyáA.r) [bonança grande; as palavras em grego
soam galêne megále]. Sua função é chamar nossa atenção para o
contraste entre o efeito da ação de Jesus e a situação anterior. A ustin, J.L. Palabras y Acciones. Como hacer cosas con
Tal afirmação fica ainda mais corroborada se recordarmos a ob palabrcis. Buenos Aires, Paidós, 1971. pp. 145-147.
servação a respeito de peyáA.r| - \xkyav [grande] feita anteriormen B aukr, W.; A land, K.; A land, B. Griechisch-Deiitsches
te (cf. análise das palavras repetidas). Worterbuch zu den Schriften des Nenen Testament und der
frühchristliciten Literatur. 6. ed. Berlin, de Gruyter, 1988.
k) Hipérbole: (também em inglês: Bauer, W. A Greek-English Lexicon of
Ao descrever o elemento aquático do perigo, 37c afirma: the New Testament and Other Early Christian Literature,
encrue põri yepíÇeoBcu tò TrÀolou [a ponto de já ficar cheio o 3. ed. Chicago, University of Chicago Press, 1998).
barco], Não podemos deixar de considerar tal expressão uma B lass, F.; D f.brunner, A.; Funk, R.W. A Greek Grammar o f the
hipérbole, isto é, um exagero considerável, que visa causar im New Testament and other Early Christian Literature. 13. ed.
pressão no leitor. Em nosso caso, para realçar a violência e a
Chicago, University of Chicago Press, 1986.
constância da agitação do lago. Com efeito, é difícil acreditar
que os discípulos tenham deixado o barco quase transbordar de Bullinger E.W. & Lacueva, F. Diccionario de Figuras de
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ele toca, todas as músicas parecem moda de viola, e que ele
espanhol: El griego del Nuevo Testamento. Estella, Verbo
precisa aprender as diferenças entre os vários ritmos. Lá
Divino, 1997). na Vila do Caapora, ele não precisava se preocupar com
essas coisas: o que não era baião, era valsa, ou era música
sertaneja. E, se não fosse nada disso, era rock! Mas agora,
9.4.4. Estatísticas
essa história de polca, barroco, rococó, ária... “Isso é um
balaio de gato ", como diria seu Januário, pai do Zeca.
G uerra G omes, M. El idioma del Nuevo Testamento. 3. ed.
Burgos, Aldecoa, 1981. pp. 151-241. Pois bem. O Zeca resolveu aprender. Emprestou uns
discos e começou a ouvir melodias dos vários ritmos, agru
pados segundo a classificação de cada um: primeiro, vá
9.4.5. Análisesfilológicas rias polcas; depois, melodias do barroco, e assim por diante.
Não demorou muito e ele já conseguia distinguir um estilo
R ienecker, F. & R ogers, C. Chave linguística do Novo Testa do outro. E mais: ficou também sabendo em quais situa
mento grego. São Paulo, Vida Nova, 1985. ções determinado tipo de música surgiu e era utilizada.
Z erwick, M. Analysis Philologica Novi Testamenti Graeci. 4. ed.
reimpr. Roma, Pontifício Istituto Biblico, 1984.
... E a B íb lia ?
172 173
1. UM OUTRO TIPO DE LEITURA sobrepõem. Por isso, convém deixar claro o que é próprio de
cada um deles. A Crítica Textual procura reconstruir o texto tal
Até agora, estudamos as perícopes em sua redação final, qual saiu da mão do autor ou do último redator, isto é, o texto
isto é, a formulação que chegou até nós. Com efeito, a leitura “original” (em alemão, Urtext). E, portanto, uma leitura “de trás
sincrônica não se questiona sobre a história do texto. Simples para a frente”, que parte de nós em direção ao redator final, a
mente procura compreender determinada perícope em sua confi fim de elucidar as mutações que o texto escrito sofreu de lá para
guração atual: como se articulam as várias estruturas, o uso do cá. A Crítica Literária, ao contrário, procura refazer o processo
vocabulário, a gramática e as figuras de linguagem. E, exceto no de formação literária, por meio da reconstrução das etapas ante
casos levantados pela Crítica Textual, até agora não nos questio riores à redação final. Para tanto, precisa distinguir os elementos
namos sobre a integridade do texto. que foram utilizados pelo último redator na conclusão de seu
trabalho e com os quais este mesmo redator modificou um texto
Chegou, pois, o momento de investigarmos as etapas pe ou uma tradição oral que já existia anteriormente, e que é consi
las quais passou o texto, desde sua primeira elaboração até a derado a forma primitiva (em alemão, Urform) . E contrariamen
versão que temos em nossas edições críticas. Com efeito, os
te à Crítica Textual, a Crítica Literária pode ser realizada mesmo
textos bíblicos não nasceram por mero gosto estético e, muito por quem não conhece o grego e o hebraico (embora isso não
menos, isolados da vida palpitante de uma comunidade concreta, seja o ideal), pois basta ter sensibilidade ao texto e aplicar os
seja ela judaica ou cristã. Antes, as Escrituras foram geradas no critérios que serão apresentados a seguir.
ambiente comunitário, repleto de reflexões, de intercâmbios com
outras comunidades, de vivências partilhadas e de desafios pro Feitas essas observações iniciais, tratemos especificamente
postos por problemas concretos e situados. da Crítica Literária. Sabemos que a maioria dos textos bíblicos
foram escritos “em mutirão”, isto é, foram transmitidos e modifi
Alguém, talvez, pergunte: É possível reconstruir “as fases cados ao longo das gerações, a princípio, oralmcntc. Sabemos
da vida” de um texto? também que cada geração adaptou, reformulou e enriqueceu tais
A ciência bíblica desenvolveu, ao longo dos últimos sécu textos, a partir de novas experiências. Por isso, é comum encon
los, passos metodológicos e critérios para recompor este proces trarmos perícopes com duplicações ou, mesmo, incoerências.
so. O complexo de tais passos e critérios compõe o chamado A Crítica Literária dá, pois, especial atenção a tais repeti
“Método Histórico-Crítico”, e será exposto neste e nos dois pró ções e incongruências, a fim de determinar, caso por caso, se
ximos capítulos. estamos diante de um texto unitário, homogêneo, consistente e
coerente, ou, ao contrário, diante de um texto compósito, hetero
gêneo, inconsistente e incoerente. Como resultado, quer-se che
2. A CRÍTICA LITERÁRIA 1 gar à forma primitiva (Urform) do texto. Não podemos nos es
quecer, porém, que há vários graus de interferência do redator
Comecemos por uma distinção necessária: Crítica Textual
e Crítica Literária. Embora sejam métodos de análise bem dife enquanto a Crítica da Fontes estudaria se elementos semelhantes ocorrem
rentes e com objetivos específicos, na prática, muitas vezes, se cm outros textos c se 6 possível estabelecer uma cronologia, uma origem c
uma estratificação comuns a eles. De nossa parte, deixaremos de lado tal
1 Muitos cxcgetas, notadamente os da Escola Americana, distinguem entre distinção, uma vez que não conquistou unanimidade entre os estudiosos
"Crítica Literária’’ e “Crítica das Fontes”. Tal diferenciação tem como base por revelar-se, por vez.es, inoperante e com resultados por demais fundados
o seguinte princípio: a crítica literária preocupar-sc-ia com um único texto. cm suposições.
174 175
final, isto é, há vários estratos redacionais, desde o acréscimo ou c) Fraturas e lacunas na estrutura da frase
substituição de pequenos fragmentos, até unidades mais comple e no desenvolvimento da ação:
xas, de um ou mais versículos2. A unidade é interrompida por uma digressão, um comen
tário ou uma observação secundária? (Mc 7,3-4; Js 14,15).
2 Convem fazer uma recomendação importante: a Crítica Literária seja feita g) Contradições surpreendentes no conteúdo:
somente depois da leitura sincrônica, a fim de não se começar já questionan
Os temas que aparecem são típicos desse autor? Embora
do a homogeneidade do texto. No entanto, não podemos deixar de observar
que este particular constitui um motivo de querelas entre os estudiosos.
não usuais, são encontrados em outros textos seus? Há incoerên
Alguns dizem que a Crítica Literária 6 a primeira análise a se fazer, logo cias quanto à teologia, ao ponto de vista, aos pressupostos, às
após a Crítica Textual. O estudo começaria, portanto, pelos fatores de incoe conclusões? (Paulo é o autor da carta aos Hebreus? E das epísto
rência e ruptura. Outros advogam que, antes de se questionar a unicidade de las pastorais?).
um texto, deve-se buscar os fatores de coerência, para não se cair na tenta
ção de se ver apenas tensões. Cf. E gger , W. Metodologia do Novo Testa
Quando temos textos paralelos, tais como os evangelhos
mento. São Paulo, Loyola, 1994. pp. 160-161 e, em especial, a nota 19.
sinóticos, é fácil perceber as diferenças e as mudanças operadas
3 S tr h c k er , G. & S chnf.l l e , U. Einführung in die neutestamentliche Exege
se. 4. ed. Gottingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 1994. p. 46; S t e c k , O. H.
em um texto. Quando, porém, estamos diante de um texto sem
Exegese des Alien Testaments. 13. ed. Neukirchen, Neukirchener, 1993. p.
53; B r ise b o is , M. Des Méthodes pour mieux lire la Bible - Texégèse 4 A apresentação teórica e sistemática sobre esse ponto se encontra mais à
historico-critique. Montréal, SOCABI-Paolines, 1983. p. 19. frente.
176 177
paralelo ou duplicata, o trabalho da Crítica Literária toma-se b) Tensões e contradições evidentes:
mais difícil e exigente: Como, a partir de um único texto, evi
4,35 x 4,36b quem toma a iniciativa de atravessar o
denciar as tensões e as incoerências e, assim, detectar a intromis
são de outro redator? lago? Jesus ou os discípulos?
Além disso, convém lembrar que o mesmo autor pode ser 4,35a x 4,2.33-34 x 4,13.21 a quem se refere o pronome aíiToíç
por vezes incoerente. Convém igualmente lembrar que há vários [u eles]! à multidão ou aos discípulos?
graus de incoerência. Por isso, o exegeta deve estar atento em 4,36a x 4,10 os discípulos despedem a multidão ver
determinar qual tipo de tensão e de incoerência presente no texto sus os discípulos estão a sós com Jesus.
deve ser considerada retoque de um eventual redator, em um 4,36c x 4,10 Jesus está no barco versus Jesus está
período posterior ao autor original. em um lugar à parte com os discípulos.
180 181
defender8. Além disso, sua colocação atual pode desviar nossa napaÀoqipávoucnv aútòu kv tâ> ttA.olu),
interpretação e nos levar a considerar que o medo dos discípu Kaí aXXa irAma fjv pgt’ aútoO.
los (v. 41) é provocado pela repreensão de Jesus. Contudo, ao Kaí YLvrtm ÀaíÀca|/ peyáÀri ávépou,
estudarmos a estrutura “os sujeitos e suas ações”, havíamos Kaí tà KÚpata êiTépaAAev elç tò ■nXolov,
afirmado que os discípulos ficam amedrontados porque o vento Kaí aútòç r\v kv tt) Trpúpvi]
e o mar obedecem a Jesus. E afirmáramos ainda que o v. 41 êní tò TTpooKe4>áA.aiou
deveria estar diretamente ligado ao v. 39, por ser a conseqüên- KaGeúõoov.
cia lógica deste. Além disso, não seria mais coerente da parte xaí gygípouaiu aútòv
de Jesus criticar a falta de fé dos discípulos antes de realizar o Kaí AcyoDom aútcâ,
milagre, isto é, repreender os discípulos enquanto se levanta? AtôáoKaÀe,
Isso tudo nos leva a afirmar que a inserção deste versículo áTTOÀXúpeGa.
neste ponto da narrativa é mais uma interferência do redator Kaí õieyepGeíç
final do Evangelho. g-nettprioep tc3 àugpa)
Kaí gÍTígy tfj GaÀáaar],
Além disso, deve-se mesmo questionar o porquê de tal Htcóua,
comentário da parte de Jesus. Conforme veremos mais adiante,
TTgtjnptoao.
ao abordarmos os gêneros literários, não cabe no esquema dos Kaí CKÓuaaeu ô aucpoç
relatos de milagre uma objeção ou reprimenda da parte do tau- Kaí éyéveto yalijup pgyáA.r].
maturgo. Este simplesmente atende ao pedido que a ele é ende Kaí gc))opí|0r|aav 4>ópou pgyau
reçado. Estamos diante de um elemento atípico a essa classe de Kaí gÀgyou Ttpòç àA.A,f|Àouç,
textos: a repreensão de Jesus aos discípulos, portanto, deve ser Tíç apa ouxóç koxiv
considerada também de origem marcana. òti Kaí ó ãugpoç Kaí ij GáÀaaaa ímaKoúgi aúttõ;
E já que falamos em gênero literário, que dizer dos seg
mentos 38d-f? O relato de milagre deveria conter uma súplica, e [Tomam-no consigo no barco,
não uma repreensão da parte dos doze. Também neste ponto o e havia outros barcos com ele.
redator final modificou o relato primitivo e transformou um pe E acontece grande tempestade de vento
dido de socorro em uma querela entre Jesus e seus discípulos. A e as ondas lançavam-se para dentro do barco.
fórmula primeira talvez fosse somente õiôáoKctÀe, àTT0ÀÀ.úpg6a E ele estava na popa,
[Mestre, estamos perecendo/]. sobre o travesseiro,
dormindo.
E então, como fica o texto? E despertam-no
Se eliminarmos os elementos que consideramos intromis e dizem a ele:
sões do redator, obteremos uma narrativa mais fluente. Talvez “Mestre,
seja esta a versão que Marcos usou como fonte. estamos perecendo!
E, tendo-se levantado,
repreendeu o vento
8 Para definições e distinções entre tema e tese, cf. o capítulo sétimo, mais à
frente. e disse ao mar.
182
“Fica quieto! 2.4. Exercícios
Fica amordaçado! ”
E o vento cessou Recordamos as recomendações já dadas anteriormente: co
e aconteceu grande bonança.
meçar lendo os capítulos ao redor daquele que estamos estudan
E ficaram muito amedrontados
e diziam uns aos outros: do; depois, consultar comentários exegéticos, isto é, que dêem
“Quem é este, afinal, relevo ao texto (comentários meramene teológicos ou pastorais
pois até o vento e o mar obedecem a ele?”]. não servem para esta finalidade); por fim, reler a perícope a
partir dos critérios da crítica literária. Sabemos que os resultados
não serão imediatos. Por isso, deixamos três regras para que o
2.3. Uma observação importante trabalho progrida: rever, rever, rever...
Talvez o leitor se assuste e pense: “Corta aqui, corta lá... Os textos que já estudamos nos reservam muitas surpresas.
Quase não sobra texto nenhum para continuarmos estudando...”. Não necessariamente todos os textos serão compósitos, muitos são
unitários. Chegar a tal veredicto, eis o trabalho da crítica literária.
Não precisamos, entretanto, ficar desesperados. É apenas
um susto inicial. Talvez não estejamos ainda preparados para Antigo Testamento: Gn 39,l-6a; 2Sm 16,5-14; 2Rs 4,1-7;
sozinhos fazermos esse tipo de análise. Isso é mais que natural. Is 21,1-10; 45,1-7
Bem mais que as leituras sob o aspecto sincrônico, as leituras Novo Testamento: Mt 11,20-24; 26,6-13; Mc 1; Lc 6,1-11;
sob o aspecto diacrônico exigirão de nós muita humildade diante Rm 11,16-24; Ap 3,1-6.
do texto. Mas também coragem para estudá-lo mais profunda
mente. Por isso, não desistamos! Alguns textos novos, com certeza, compósitos: Gn 7,17-24,
50,22-26; Jo 4,46-54; At 5,12-16.
Por outro lado, não nos aventuremos a ser “franco atirado
res” c começar a dissecar textos, sem consultar quem já há muito Mas, lembremo-nos de que a Crítica Literária não estuda
tempo está fazendo crítica literária, isto é, os exegetas. Em outras apenas perícopes isoladas, mas também o conjunto de um livro
palavras, aproveitemos da imensa quantidade de comentários que ou obra. Por isso, comparemos alguns textos: Gn 12,10-20 com
trabalham este e os demais passos do Método histórico-crítico, Gn 20,1-18; ISm 31,1-13 com 2Sm 1,1-16; SI 14 com SI 53.
pois, como observa Stenger, uma “relativa segurança” só virá com
muitos anos de prática. Este especialista chama, ainda, a atenção
para as divergências entre os exegetas de profissão: embora usem 3. CRÍTICA DOS GÊNEROS LITERÁRIOS
os mesmos critérios, chegam a conclusões diferentes! Como o
próprio Stenger afirma, caminhamos sobre uma “sutil camada de Desde os primeiros decênios do século XX, um grupo de
gelo” e as soluções propostas permanecem hipotéticas9. exegetas, em base às conclusões trazidas pela Crítica Literária,
Mas isso não quer dizer que não devamos abordar ques começou a comparar textos formalmente semelhantes, mesmo se
tões tão desafiadoras. Antes, tal afirmação deveria nos encorajar tais textos apresentassem diferenças quanto a seu conteúdo. O
a colaborar no esforço de reconstruir a caminhada do texto bíbli precursor desse trabalho foi Hermann Gunkel, que realizou estu
co, desde o momento de sua concepção primitiva até sua sedi dos nos livros de Gênesis e Salmos. Segundo esse estudioso, em
mentação nas edições críticas. culturas eminentemente orais (tal qual o antigo Israel), diferen
tes gêneros literários indicam diferentes contextos sociais. A partir
9 Sten g er, W. Metodologia Bíblica. Brescia, Queriniana, 1991. pp. 81-82. desse pressuposto, Gunkel estabeleceu os princípios básicos de
184 185
um método que denominou “Crítica dos Gêneros (Literários)” formal, e não segundo seu conteúdo, isto é, segundo sua estrutura
(em alemão, Gattungsgechichte)'0 e cujo trabalho consiste em: semântica. Esta última fornecerá elementos para complementar o
trabalho exegético realizado a partir da estrutura formal, ou su
a) determinar a estrutura formal de um texto; prirá lacunas que o estudo do Gênero Literário deixou em aberto.
b) comparar tal texto com outros estruturalmente seme Por outro lado, cada texto tem suas particularidades. O
lhantes, a fim de identificar o Gênero Literário; modelo estrutural que designamos Gênero Literário não existe
c) determinar em que situação concreta esse Gênero Lite na realidade. É, antes, o resultado de uma abstração, baseada no
rário era usado (Sitz im Leben); confronto de textos formalmente semelhantes. Em outras pala
d) determinar a finalidade desse Gênero Literário e, espe vras, um esquema reduzido aos elementos essenciais, obtido atra
cificamente, do texto estudado. vés da comparação de, no mínimo, dois casos concretos.
Apesar da designação Gênero “Literário”, não se trata de
Nesse tipo de leitura, portanto, o aspecto formal tem proe- modelos que já nasceram escritos. Antes, surgiram oralmente, na
minência sobre o aspecto contenunístico, isto é, os textos são vida quotidiana de um grupo social. Também nós temos vários,
agrupados e abordados segundo os elementos de sua estrutura10 ainda hoje: boletim de ocorrência de uma delegacia de polícia,
convite de casamento, choro das carpideiras em velório etc. No
10 Notemos que Gunkel utiliza o termo "Gattung” (gênero). A expressão temos que as características de um não se encaixam nos demais.
“Formgeschichte” (História das Formas) surgiu, pela primeira vez, cm um
estudo de M. D ib el iu s , Formgeschichte des Evangeliums, de 1919. Quanto Acabamos de afirmar que a origem dos Gêneros Literá
ao uso de Gattung e Form nas Ciências Bíblicas, devemos notar que os rios é oral. Isso porque eles...
estudiosos de língua inglesa talam mais freqüentemente em Form Criticism
(Crítica das Formas), enquanto a escola alemã, mais dada a minúcias c • ... têm uma função específica, isto é, existem para aten
distinções teóricas, utiliza, embora de forma muito disputada, Gattung para der às necessidades do grupo;
“designar entidades literárias maiores, tais como evangelho, epístola, apo
calipse, escrito histórico etc.”, e Form para “denotar unidades literárias • ... não possuem pretensões estéticas;
menores que surgem primariamente, mas não exclusivamcntc, na tradição • ... geralmente são breves;
oral”. Ainda falando da escola alemã, com os novos enfoques trazidos pelo
eslruturalismo, particularmente aplicado ao Antigo Testamento, o termo • ... têm uma tendência à padronização, isto é, seguem
Form passou a ser usado “em referência a textos individuais”, enquanto o um modelo básico.
termo Gattung para designar “seja a um modelo ou esquema estrutural
(Struktunnuster) envolvendo no mínimo dois exemplares, seja a um texto- O que é para nós, hoje, um texto, surgiu como um discur
tipo” (cf. S o u len , R. N. Handbook o f biblical criticism. 2 ed. Atlanta, John so, para cumprir uma função na vida da comunidade, a saber,
Knox, 1981. pp. 75-76). Em decorrência desta ultima distinção, a Crítica oferecer pistas para a comunidade encontrar respostas em meio a
das formas pertencería à leitura sincrônica, porque estuda o aspecto especí situações específicas.
fico de um único texto, ao passo que a Crítica dos Gêneros Literários
pertencería à leitura diacrônica, pois insere o texto em um grupo ou uma
família. No entanto, convém repetir, tais distinções todas não são unanime
mente aceitas, nem pelos alemães, nem pelos estudiosos de língua inglesa. 3.1. Gêneros literários bíblicos
O resultado é uma não-uniformidade na terminologia. Assim, o catálogo
dos Gêneros Literários normalmente se encontra nos capítulos referentes “Ler é mais importante do que estudar”. Uma leitura cor
ao método “Crítica das Formas”. Cf. ainda, S te n g e r , op. cit., pp. 72-74.88;
B a r t o n , J. Form Criticism (OT). In: F r ee d m a n , D.N., (ed.). The Anchor
reta de qualquer texto bíblico nos levará, antes de mais nada, a
Bible Dictionary. DoubleDay, New York, 1992. v. 2. pp. 838-841. fazer algumas distinções, por vezes, espontâneas: Estamos dian
186 187
te de um texto em prosa ou em poesia? Trata-se de um relato ou De nossa parte, como nosso objetivo é fornecer ferramen
de um discurso? Com isso, estamos praticando um primeiro exer tas para o trabalho exegético, apresentaremos alguns deles. Nos
cício de distinção entre os Gêneros Literários. As respostas a tais sa apresentação, portanto, será sumária. Os casos que abordare
perguntas nos oferecem a orientação elementar para classificar mos estarão agrupados segundo a tradição da qual são mais típi
mos o texto. Mas, como acabamos de afirmar, são distinções cos. Para cada tradição, indicaremos a bibliografia consultada,
espontâneas. O trabalho científico começa depois. que servirá para um aprofundamento do assunto.
Nossos amigos exegetas já realizaram um precioso traba
lho de ordenação e catalogação, do qual podemos e devemos
lançar mão. Uma boa exposição do assunto, não trará somente o 3.2. Antigo Testamento
esquema do Gênero Literário em questão. Mais que isso, discuti
rá também o contexto existencial no qual, provavelmente, tal 3.2.1. A tradição histórica11*2*
Gênero Literário era utilizado, bem como sua finalidade. Ma
nuais de metodologia procurarão identificar dentro de cada tradi A esta tradição pertencem os relatos que querem dar a
ção bíblica (histórica, profética, sapiencial, apocalíptica etc.), conhecer a ação de Deus na história de Israel. Não são narrativas
quais os Gêneros Literários que lhe são típicos. de fatos reais, e sim releituras teológicas: sobre um fato real,
constrói-se uma história que o interpreta e atualiza.
Mas, cuidado! Dizer que determinado Gênero Literário é
típico de determinada tradição não significa dizer que é exclusi A ) Novela
vo dela. Há alguns que perpassam toda a Sagrada Escritura.
Igualmente, pode acontecer uma justaposição de Gêneros Literá Como qualquer relato histórico, o tempo da novela é o
rios dentro da mesma perícope. Com efeito, lembremo-nos: o passado. Não se trata de um acontecimento isolado, e sim uma
Gênero Literário puro existe só na abstração; quando aplicado e série deles. Além disso, não são acontecimentos públicos, mas
inserido em um contexto, sofrerá influências e alterações. fatos da vida pessoal e privada de um personagem, seus senti1
mentos e suas reações. Na realidade, tais fatos são importantes
Vejamos, pois, algumas das informações que os estudio porque estão diretamente relacionados ao povo: O que significa
sos já sistematizaram ao longo dos anos. Normalmente, nós as tal personagem para a comunidade israelita? A trama se desen
encontramos em publicações (metodologias, introduções e co volve em três tempos:
mentários) que dêem especial enfoque ao aspecto literário. Como
não podia deixar de acontecer, a terminologia, as subdivisões e a
mento. E devemos ainda notar: a quase totalidade dos Gêneros Literários
classificação dos textos variam de autor para autor. Além das
utilizados pelos autores neotestamentários já se encontravam no Antigo
divergências metodológicas, some-se outro fator: a enorme va Testamento e na própria tradição judaica.
riedade do material a ser estudado. Apesar dos grandes avanços 12 A r en u o ev el , D. Assim se formou a Bíblia. 2. ed. São Paulo, Paulus, 1978.
dos estudos, ainda não temos uma publicação que catalogue, pp. 102-109; C o a t s , G. W. (ed.). Saga, Legend, Tale, Novella, Fable.
analise e sistematize todos os Gêneros Literários, tanto do Anti Sheffield, Sheffield Academic Press, 1985; S c h üssler - F io r en z a , E. Exem-
go como do Novo Testamento" . plificação do método exegético. In: S c h r e in e r , J. (ed.). Palavra e Mensa
gem. São Paulo, Paulus, 1978. pp. 512-515; S c h rein er , J. Formas y Gêne
ros Literários en el Antiguo Testamento, In :_____, (dir.). Introducción a
11 Para o Novo Testamento, uma exposição abrangente, embora complexa, los Métodos de la Exégesis Bíblica. Barcelona, Herder, 1974. pp. 257-262;
encontra-se ern B e r g e r , K. Aí Formas Literárias do Novo Testamento. São S el l in , E. & F o h r e r , G. Introdução ao Antigo Testamento. 2. ed. São
Paulo, Loyola, 1998. Mas falta-nos algo semelhante para o Antigo Testa- Paulo, Paulus, 1983. v. 1. pp. 103-120.
188 189
• início: uma situação de conflito ou tensão; requisitos indispensáveis para a formulação de mitologias: poli-
• meio: o conflito se complica cada vez mais; teísmo e magia. Isto, no entanto, não deixou Israel isento de
• fim: resolução do conflito e esvaecimento das compli sofrer a influência da mentalidade mítica. Pois, sendo “algo que
cações. nunca houve mas que sempre é”, o mito é a categorização de
uma visão de mundo. Gn 1-11 está eivado de elementos míticos.
Algumas novelas do AT: a história de José (Gn 37; 39-48;
Por outro lado, quanto mais se abandonaram os relatos
50), a narrativa primitiva que serve de inclusão para o livro de
mitológicos, mais se adotou a saga, narrativa sobre um fato ex
Jó (1-2; 42,7-17), o livro de Rute.
traordinário (as façanhas de um herói ou a história de um lugar
fí) N a rra tiv a h istó ric a
ou de uma coisa), contada e recontada oralmente durante muito
tempo e que, posteriormente, foi redigida. Nesse período de tra
O leitor moderno talvez preferisse colocar o termo “histó dição oral, a saga adquiriu uma linguagem exuberante e poética,
ricas” entre aspas, visto que a noção de história, no universo que acentua, por meio de um forte apelo emocional, a importân
bíblico, não corresponde à moderna ciência homônima. Com cia do que está sendo contado. A saga quer explicar determina
efeito, a historiografia bíblica não é científica e menos ainda das situações presentes a partir de acontecimentos passados.
neutra (se é que possa existir uma apresentação histórica neutra).
É uma história interpretada e interpretante: não se interessa por Dentre os vários tipos de saga, destacamos:
informar, de modo objetivo, os acontecimentos; antes, ao mes
mo tempo em que reporta o fato, fornece critérios para dele a) Saga de uma tribo ou de um povo:
colher a significação13. Nessas narrativas, portanto, encontramos Narra a história de um ancestral, real ou fictício, cujos
um jogo lingüístico, no qual aparecem elementos objetivos (os traços essenciais e cujo destino se prolongam em seus descen
fatos mensuráveis) mesclados a elementos ideológicos ou teoló dentes. É muito comum nos relatos do período dos patriarcas.
gicos (a interpretação religiosa): ISm 18,10-16 (elemento objeti Dentre elas, podemos citar a bênção e a maldição dos filhos de
vo: vv. 10b-11.13.16; elemento ideológico: vv. 10a. 12.14-15); Noé (Gn 9,20-27), bem como a adoção de Efraim e Manassés
2Sm 5,6-12 (elemento objetivo: vv. 5-10a.ll; elemento ideoló por Jacó (Gn 48).
gico: vv. 10b. 12); lRs 16,23-26 (elemento objetivo: vv. 23-24;
elemento ideológico: vv. 25-26). b) Saga de um herói:
O centro do relato é um herói (personagem positivo) ou
C) S ag a :
um vilão (personagem negativo). O contexto vital que fez surgir
Nos relatos mitológicos, os personagens são deuses e, mui e se desenvolver esse tipo de saga parece ter sido o período dos
tas vezes, interagem com os homens. À fé javista faltaram os confrontos de Israel com outros povos, desde a saída do Egito,
passando pela conquista da Terra Prometida, até a consolidação
13 A. A í tradições históricas de Israel. Petrópolis, Vo
G o n za le z L a m adrid , do reino de Davi diante dos povos vizinhos: vitória sobre os
zes, 1999, pp. 10-14, define a historiografia bíblica como uma história
amalecitas (Ex 17,8-16), vitória sobre os reis amorreus (Js 10),
sagrada, com as seguintes características: confessional (narrada do ponto
de vista da fé); querigmática (não só um relato dos fatos, mas também suas Davi e Golias (ISm 17,1 -54)14, Davi e Saul (ISm 26).
significações); interpelante (não somente informar, mas também questionar
o leitor), profética (lê os acontecimentos profeticamente), escatológica (li 14 Sobre esse episódio em particular, não podemos deixar de perguntar: Afi
near, rumo ao encontro pleno e definitivo com Deus); salvífica (não verda nal, quem matou Golias? ISm 17,1-54 contrasta com 2Sm 21,19, segundo
des científicas, mas de salvação). o qual o herói que derrotou e degolou o gigante filisteu foi Elcanã. Parece
190 191
c) Saga de um lugar: cam a instituição (ISm 2,12-17) ou querem legitimar o direito
Esse tipo de relato quer explicar a origem de um lugar, de dos sacerdotes (Nm 16,16-26). Em Dn 1-6 e 2Mc, encontramos
uma cidade, ou de uma particularidade impressionante — tal diversos exemplos de lendas dos mártires. Surgidos no contex
como a cidade e a torre de Babel (Gn 11,1-9) ou a origem e a to da helenização e da opressão selêucida, tais relatos visam
esterilidade do Mar Morto (Gn 19,1-29) — e apresenta um cará encorajar o judeu piedoso em um tempo de perseguições. Propo-
ter fortemente etiológico (explicam a origem e o nome de coisas sitadamente, deixamos por último a lenda profética. Nela, a
e lugares). Mas, os estudiosos chamam a atenção para o seguin palavra do profeta ou homem de Deus é eficaz e capaz de trans
te: é necessário distinguir entre as narrativas compostas em seu formar-se em acontecimento quando pronunciada (novamente, a
todo como uma etiologia (tal como Gn 21,22-31: os vv. 22-30 noção de “ato perlocucionário”). Maciçamente utilizada nos ci
foram gerados a partir da etiologia presente no v. 31) e narrati clos de Elias (lRs 17,7-16.17-24) e Eliseu (2Rs 2,19-22.23-24;
vas com apêndices ou acréscimos etiológicos15 (Ex 2,1-10: no 4,42-44), a lenda profética possui um esquema básico facilmente
v.10, a filha do Faraó egípcio conhece filologia hebraica!)16. identificável:
Tida por alguns como uma variante do gênero saga, a • uma situação dc crise (v. 19) v. 42
lenda caracteriza-se pelo santo e imitável. Não há uma descrição • súplica pela intervenção do profeta v. 19 —
do cenário, realça-se a oposição entre pessoas e atitudes, a lin • dúvida sobre a capacidade para realizar o milagre — v. 43a
guagem é edificante e privilegia o milagroso e a ação vitoriosa
• instrumentos para realizar o milagre v. 20 (os pães)
de Deus. No centro da narrativa pode estar um profeta ou um
local de culto. • palavras durante a realização do milagre v. 21 v. 42b;43b
• efeito produzido v. 22 v. 44b
a) Lenda pessoal: v. 22 (até hoje) v. 44c
• consequências
O protagonista é uma figura religiosa (profeta, sacerdote
ou mártir), apresentado como exemplar, alguém chamado e pos b) Lenda de santuário:
suído por YHWH. Tal tipo de narrativa visa formar discípulos
Também é um relato a respeito de determinado lugar;
ou arregimentar devotos. As poucas lendas sacerdotais ou criti
mas, diferentemente da saga, quer explicar por que tal santuário
é considerado sagrado. Em geral, descreve uma manifestação de
que temos aqui um típico caso de transferência: uma façanha fenomenal,
mas realizada por um herói desconhecido, é transposta e creditada para Deus naquele posto (Gn 16,7-14; 28,10-22).
alguém mais famoso, a fim de engrandecer ainda mais este último. lCr
20,5 tenta harmonizar os dois textos e atribui a Elcanã a morte de Lami, c) Lenda cultuai:
filho de Golias.
Esse tipo de narrativa quer justificar a prática de determi
15 Cf. no capítulo oitavo, à frente, os critérios para a crítica da redação.
nado culto ou rito: uma imagem de serpente no Templo de Jeru
16 Há estudiosos que não gostam da expressão “saga etiológica” e preferem
distinguir saga e etiologia. Para eles, a saga é uma narrativa que caminha
salém (Nm 21,4-9), a circuncisão (Gn 17; Ex 4,24-26; Js 5,2-9).
do passado para o presente de quem a redigiu; enquanto a etiologia parte
do presente do redator para o passado, isto é, para a causa (edría cm
grego).
192 193
3 .2 .2 .- A tr a d iç ã o j u r í d i c a 17 Para as sentenças de morte pode-se estabelecer o seguin
te formulário padrão:
Profundamente marcado pela dimensão ética da fé javista,
é exuberante a presença de textos normativos, englobando desde Ex 21,12.15-17
máximas de vida até pactos e contratos. Ainda que nem todos • descrição do delito (com verbo no particípio)
possam ser considerados “leis” no sentido estrito da palavra, vv. 12a.15a.16a.17a
exprimem, contudo, a mentalidade “canônica” na qual os autores
• pena capital: ní3V rriO [morrerá de morte violenta]
bíblicos se inserem.
vv. 12a.15b.16b.17b
a) O chamado “direito apodítico”:
b) O chamado “direito casuístico”
Preceitos e proibições formulados de maneira categórica
(“faze isto”, “não faças aquilo”), geralmente, aparecem em sé Com precedentes no Antigo Oriente, esse tipo de legisla
ries (Ex 20,1-17; Lv 18,6-23). Muitos, a princípio, não tinham ção procura contemplar as várias possibilidades de um caso jurí
conotação jurídica, e sim sapiencial: eram regras de vida e de dico e descreve os condicionamentos e a respectiva punição (Ex
comportamento que visavam regular a convivência da grande 21,18-19.22-23; Dt 13,13-16). Esses textos, sempre formulados
família nômade. Podemos distinguir dois tipos básicos: (a) aque de maneira impessoal, genérica (na 3a pessoa) e condicional,
las em que não se faz referência a nenhuma punição (Ex 22,17.28- apresentam o seguinte esquema básico:
30) e (b) aquelas em que se prevê a sanção para o crime: maldi
Ex 21,18-19.22-23
ção (Dt 27,16-25: “IDN [malditoJ) ou pena de morte (Ex 21,12.15-
17: nov nia [morrerá de morte violenta]). • prótase (primeira oração condicional) vv. 18.22
As maldições possuem um esquema nitidamente litúrgico1*: - a descrição genérica da situação
- normalmente introduzida por’S [caso, quando]
Dt 27,16.17.18
• orações condicionais consecutivas vv. 19a.23aa
• TTiX [maldito] + descrição do delito (com verbo no particípio)
- as variantes e as circunstâncias
vv. 16a.17a.18a - em geral introduzidas por □’X [se]
• ]QX Dyrrbs “U3X1 [e todo o povo dirá: “Amém”]
• apódose vv.19b.23ap
vv. 16b. 17b. 18b178
- determinação da impunidade ou da pena
- introduzida por 1 [então]
21 S chreiner, Formas..., art. cit. pp. 284-291; S ellin & F ohrer, op. cit. v. 2.
pp. 460-470; V ii.chez L índez, J. Sabedoria e Sábios em Israel. São Paulo,
Loyola, 1999. pp. 67-72.96-101. L évêque, L. O ensinamento dos sábios.
23 Os gcneros literários ora arrolados são típicos da Tradição sapiencial. Mas
In: M oni.oubou, L. O s Salmos e outros escritos. São Paulo, Paulus, 1996.
há também outros, presentes em quase todos os livros bíblicos: compara
pp. 131-134.
ções, parábolas, alegorias e fábulas. Esses gêneros literários serão estuda
22 Estudaremos mais profundamente o paralelismo no capítulo nono, à frente. dos mais à frente, ao tratarmos da Tradição da Palavra nos evangelhos.
198 199
a) Poema didático: 3 .2 .5 . A tr a d iç ã o d o s c a n to s
Textos que apresentam um comportamento a ser imitado
ou a ser evitado. Quanto à sua forma, não possuem uma estrutu Tanto quanto em nossa cultura, ou talvez mais ainda, os
ra predeterminada. Podem ser: momentos culminantes da vida do povo bíblico estão marcados
por cantos: a guerra, a vitória, a morte, o amor, o culto. No AT,
aa) discurso: de um pai (Pr 4,1-27); de um personagem (Jó encontramos uma enorme quantidade de cantos ou, pelo menos,
18,5-21); da Sabedoria (Pr 1,20-33); da insensatez (Pr 9,13-18). de restos de cantos.
bb) etopéia: cenas que descrevem o caráter, as inclina
ções e os costumes de personagens típicos da sociedade, tais A ) C a n to s d a vid a co tid ia n a
como o preguiçoso (Pr 6,6-11), a adúltera (Pr 7,6-27), o bêbado O trabalho, a colheita, o banquete, a guerra, a vitória, a
(Pr 23,29-35). derrota: tudo é motivação para um canto que interprete o que
está acontecendo e sirva de recordação.
b) Lista enciclopédica:
Nelas, temos uma catalogação dos fenômenos ou dos ele a) Cantos de guerra:
mentos da natureza (Jó 28), bem como das atividades humanas Esses cantos cumprem as mesmas funções dos atuais “gri
(Eclo 41,17-42,8 - vícios e virtudes!). tos de guerra” das torcidas organizadas de futebol:
aúxoO.
a reação das a reação das a reação de um leproso
testemunhas testemunhas
V. Kal è(|)opr|0r|oav ipópotz V. Kal é0appf|0r]oav V. elç ôè eÇ aúxcôi', lôcoe
41 péyau Kal tte y o r tipòç 27 atrayxeç côaxe ou(r)xeli' 15 oxl Lá0r), imeoxpeij/ei'
àXXtyA.ouç, Tíç âpa Trpòç tauTouç Acyomaç, pexà cJicoltiç pc-yáXr]ç
ouxóç èoxip oxl Kal ó Tí cau r toOto; õiôaxri ôo^áCíJU x b v dcàv,
214 215
A tra d u ç ã o :
Sem nenhuma dificuldade, podemos constatar que esses
Mc 4,35-41 Mc 1,23-27 Lc 17,12-16
três relatos possuem elementos comuns que aparecem na mesma
A tempestade acalmada Um exorcismo A cura de dez leprosos
Introdução: entra em
ordem. Tal fato nos leva a concluir que estamos diante de um
introdução: entra em introdução: entram em
cena a tempestade cena o doente cena os leprosos
mesmo Gênero Literário.
V. E acontece grande V. E logo estava na V. Ao entrar em um
37 tempestade de vento e as 23 sinagoga deles um 12 povoado, vieram ao seu Como sabemos, cada narrativa terá suas particularidades
ondas lançavam-se para homem possuído por um encontro dez homens (acréscimo, ausência ou modificação de algum elemento). Por
dentro do barco a ponto espírito impuro e que leprosos, isso, o passo seguinte consiste em explicar tais diferenças. Em
de já f icar cheio o barco. gritava: nosso caso:
“súplica” : os discípulos “súplica” : 0espírito súplica: os leprosos
repreendem Jesus impuro interpela Jesus pedem piedade a) A primeira particularidade a ser observada é que, nos
V. E despertam-no e dizem V. Que há entre nós e ti, V. E eles elevaram a voz, dois primeiros textos, em lugar da súplica (presente em Lc 17,13)
38 a ele: "Mestre, não 24 Jesus Nazareno? Vieste 13 dizendo: "Jesus, Mestre, há uma repreensão da parte dos discípulos (Mc 4,38) ou uma
importa a ti que para nos destruir? Eu piedade de nós!" interpelação (quase em tom de desafio) da parte do espírito im
pereçamos ? sei quem tu és: o santo puro (Mc 1,24).
de Deus.
a intervenção
b) Outro detalhe: em Mc 4,38 e Lc 17,13, são os discípu
a intervenção a “ intervenção”
de Jesus de Jesus de Jesus
los e os leprosos, respectivamente, que interpelam Jesus; inver
V. E tendo-se levantado, V. E Jesus 0 repreendeu, V. E vendo, disse a eles: samente, em Mc 1,24, quem se dirige ao taumaturgo é o próprio
39 repreendeu o vento e 25 dizendo: “Coloca a 14 "Ide apresentar-vos aos espírito impuro. Compreende-se porque, neste último caso, há
disse ao mar: "Fica mordaça e sai dele " sacerdotes”. mais propriamente um desafio, e não um pedido de socorro. Fica
quieto! Fica por explicar a repreensão feita pelos discípulos em Mc 4,38, o
amordaçado!". que faremos em breve.
0efeito produzido 0efeito produzido 0efeito produzido c) Enquanto em Mc 4 e Mc 1 a reação é coletiva e unâni
V. E 0 vento cessou e V. E 0 espírito impuro. V. E aconteceu que,
me, em Lc 17 temos a notícia da reação de somente um dos dez
39 aconteceu grande 26 sacudindo-o violenta- 14 enquanto iam, ficaram
bonança. mente e soltando um purificados.
ex-leprosos, a quem o autor do terceiro evangelho insiste em
grande grito, saiu dele.
qualificar como E apap ítr|ç [samaritano] (v. 16) e àWoytvfc, [es-
a reação das a reação das a reação de um leproso trangeiro] (v. 18). Com isso, Lucas deixa patente dois pontos
testemunhas testemunhas importantes de sua teologia: a salvação (a) chega aos pagãos e
V. Eficaram muito V. E todos ficaram V. Um deles, vendo que (b) não se reduz aos milagres (notar a contraposição: todos foram
41 amedrontados e diziam 27 admirados, de modo a 15 fora curado, voltou purificados [éK a0apío0poau], mas somente ao samaritano que re
uns aos outros: "Quem é perguntar uns aos atrás, com grande voz, tornou Jesus diz: 1) Tríatu; oou oéacoKéu ae [tua fé te salvou]).
este, afinal, pois até o outros, dizendo: "Que é gloríficando a Deus.
d) Além disso, o leproso de Lucas não é tomado pelo
vento e o mar obedecem isto? Um ensinamento
a ele?”
espanto (Mc 1,27), nem pelo medo (Mc 4,41), e sim pela alegria
novo com autoridade: e
ele ordena aos espíritos
(Lc 17,15). Em decorrência, em vez do questionamento acerca
impuros e obedecem a da identidade (Tíç apa outóç koxiv [quem, afinal, é este?]) e da
ele?" autoridade (Tí kaxiv touro; [que é isto?]) de Jesus, temos o
louvor a Deus (úrréotpei|/eu petà (fxuufiç peyáÀriç õoi;á(tov t bv
216 217
0eóv [voltou atrás, com grande voz, glorificando a Deus]). Tais caiamos no erro de uma definição exclusivista, conforme a se
diferenças se explicam pelo desenvolvimento programático de gunda observação apenas enunciada. Em nosso caso, não tendo
cada evangelho: Marcos quer levar seu leitor a responder grada razões para propor uma nova, vamos adotar a já consagrada
tivamente à questão “Quem é Jesus?” (resposta: o Messias, cf. designação “milagre de salvação marítima”.
Mc 1,1), ao passo que Lucas quer apresentar Jesus como Salva
dor (cf. Lc 2,11). O quinto passo nos leva a ultrapassar os limites dos evan
Outros elementos surgiríam em um estudo mais aprofun gelhos e a buscar em outros livros, bíblicos ou não, relatos de
dado do vocabulário e das estruturas. Acreditamos que estes são milagre semelhantes, a fim de traçarmos, ainda que de forma
suficientes para a compreensão do terceiro passo. rudimentar, a história do Gênero Literário. Em nosso caso espe
cífico, a utilização e o desenvolvimento dos relatos de salvação
O quarto passo tratará de encontrar a designação apropria marítima.
da para o Gênero Literário. Embora já possamos contar com Comecemos pelos textos bíblicos. Quase que espontanea
muitos trabalhos sobre o assunto, resta sempre a possibilidade da mente, nossos olhares se voltam para o livro de Jonas. Com
descoberta de um novo Gênero ou de uma nova abordagem do efeito, uma leitura sinótica de nossa perícope e do primeiro capí
que já está sistematizado. Os exegetas deixam algumas reco tulo de Jonas pode ser muito reveladora. No quadro a seguir,
mendações30: consideraremos as duas versões do AT: o Texto Massorético e a
Septuaginta. Vejamos:
• usem-se, de preferência, categorias bíblicas (por exem
plo, mãshãl, lamentação, parábola).
• visto que nem sempre isso é possível, evitem-se defini
ções genéricas demais (tal como “oração”) ou, no ex
tremo oposto, específicas demais (por exemplo: “ora
ção do rei vencido na guerra contra Amalec”). No
primeiro caso, temos uma categoria tão ampla que
abrange uma enorme variedade de textos; no segundo,
uma tão restrita, que pode nos impedir de utilizá-la
para outro texto.
• a terminologia não deve provocar conotações inade
quadas.
Nossa perícope já aparecera dentre os exemplos de “relato
de milagre”. Mas, podemos atribuir a ela uma nomenclatura ain
da mais afinada, pois, como vimos, há vários tipos de milagre.
Estamos diante de um milagre sobre a natureza. Mas isso ainda
não é suficiente. Podemos ser mais precisos, sem que, com isso,
220 221
São nítidos os pontos de contato entre o texto de Marcos e Esse forte paralelo, por vezes literal, levou L. Goppelt a
o relato de Jonas. Além da estrutura formal (os elementos típicos afirmar que Marcos tinha o relato de Jonas em mente quando
de um “relato de milagre de salvação marítima”), devemos ob escreveu o seu•31.
servar a estrutura semântica (o conjunto de elementos e de rela Não obstante, devemos também notar as diferenças:
ções que determinam o sentido do texto). Em ambos os relatos,
segue-se o mesmo padrão para ... • Em Jonas, o vento e o mar são desencadeados por
Deus, cuja ira foi provocada pela fuga de Jonas (1,4);
a) ... descrever o perigo: em Marcos, ao contrário, a tempestade de vento e a
— a fúria do mar é provocada por um forte vendaval agitação do mar são apresentados como fenômenos na
(Jn 1,4; Mc 4,37). turais comuns no Lago de Genezaré (4,37).
— o barco está prestes a romper-se (Jn 1,4) ou a en • Em ambos os relatos, há alguém dormindo e que vem a
cher-se de água (Mc 4,37). ser despertado. Em Jonas, o profeta é instado a invocar
— a bonança começa imediatamente depois de lança seu Deus (1,6); em Marcos, porém, os discípulos acor
rem Jonas ao mar (Jn 1,15) ou depois da palavra dam Jesus para que ele, em pessoa, encontre uma solu
imperiosa de Jesus (Mc 4,39). ção (4,38).
• No relato do AT, sómente depois de Jonas ser lançado
b) ... descrever as atitudes dos personagens: ao mar este se aplaca ( 1,12.15); em Marcos, basta uma
— alguém está dormindo no fundo do barco (Jn 1,5) palavra imperativa de Jesus para que haja bonança
ou na popa (Mc 4,38). (4,39).
— esse mesmo alguém parece estar tranquilo, enquan • Os companheiros de viagem de Jonas, todos pagãos,
to os outros estão desesperados (Jn 1,5.12; Mc temem (uso transitivo), oferecem sacrifícios e fazem
4,38.40). votos a YHWH (Jn 1,16); os discípulos de Jesus, por
— os demais personagens consideram-se destinados a sua vez, ficam amedrontados (uso intransitivo) e se
perecer (Jn 1,5a.6b; Mc 4,38). perguntam sobre a identidade do Mestre (4,41).
— ao final, o ambiente geral é de grande temor (Jn Outro texto veterotestamentário paralelo a estes é SI 107,23-32.
1,16; Mc 4,41). Nele, a tempestade é convocada por Deus (v. 25), os que
Se considerarmos a versão da Septuaginta, as referências estão ameaçados de perecer invocam-no (vv. 26-28a) e ele os
literais tomam os laços ainda mais estreitos: liberta (v. 28b) e reduz o vento e as ondas ao silêncio (v. 29).
Note-se ainda a inclusão com a fórmula vniíÒS31 [e as suas
• em primeiro lugar, note-se o vocabulário comum: ttàolov maravilhas / e os seus milagres], que a versão grega32 traduz kocI
[barco], QáXaaaa. [mar], (léyaç [grande], kk9Í(go [ador tà 0au|iáaux aütoO [e os seus milagres] (vv. 24.31). Além da
meço, deito-me], airoiUupi [pereço], tj>opéo|iou [temo, fico
amedrontado], tjjó(3o<; [temor, medo], kottcí( g) [cesso], 31 G o ppe lt , L. Typos. Die Typologische Deutung des Allen Testaments im
Nenen. Güstersloh, 1939, citado por L ane, W. L. The Gospel o f Mark,
• e, ainda, a mesma fórmula xá! ecpoprj0r|aav tjtópov péyav reimpr. Grand Rapids, Eerdmans, 1993. p. 175. n. 91.
(cpópto |ieyáA.cú) [e ficaram muito amedrontados], presen 32 Convém recordar a diferença de numeração entre o Texto Massorético e a
te em Jn 1,10.16, é repetida literalmente em Mc 4,41. Septuaginta. Nesta, o salmo que nos interessa é o 106.
222 223
temática, o texto do Salmo usa alguns vocábulos também pre [Rabi Tanchuma contou: “Aconteceu que certo navio de carga
sentes em Mc: GáÀaooa [mar], ttXdiov [barco], KÜ|ia [onda], pertencente aos gentios estava cruzando o Grande Mar e
nele havia um rapaz judeu.
Uma vez estudados os paralelos do AT, precisamos bus Uma grande tempestade desabou sobre eles no mar e cada um
car fora da Sagrada Escritura textos que pertençam ao mesmo deles começou a tomar seu ídolo em sua mão e a clamar,
Gênero Literário. No âmbito da própria tradição judaica, encon mas sem nenhum proveito.
tramos um relato similar no tratado jBerakôt (9,1) do Talmud de Então, quando viram que isso para nada servia,
.lerusalénv’3:
eles disseram ao tal (ao mesmo) judeu:
ema bra nnx nraon nostra xmmn 'sn nrax 'Meu filho, levanta-te! Clama ao teu Deus, para que ele nos
m im nnx p irn nn mm bnan erra noms nmntu ouça, pois ele vos responde quando vós o invocais, e ele é
nnx bra nrasti c a brra m?o p ’ bs nraa forte ’.
• 'ibra b’sin xb i xmpí ima mxm bran bmnm pra nnxi Imediatamente, o rapaz, com todo o seu coração, clamou e o
;ciba ib 's in abo ixmz? ]r>a Santo, Bendito seja ele, recebeu sua oração e o mar se
m m im xb nrax acalmou.
■pnbx bx xnp aip na Logo que chegaram à terra seca, todos eles desceram para com
m a n mm rb x a-psnx onxttD cranx mis: xin® ijuatmo prar as coisas de que necessitavam.
pstssi iab baa p e n n nas? ma Disseram a ele, ao tal (ao mesmo) rapaz: ‘Tu não vens? Não te.
-•ram pnoi m b’sn n "a n unn bmpí falta nada ?’
transi nnpb nnxi nnx ba n m rrcrarb nm ® ]ra
Ele respondeu a eles: ‘Por que vós quereis saber se vou com
tmba “|bb prato 'sra nx mb p irn inixb ib nrax
prar qualquer coisa, quando eu sou um estrangeiro?’
tnraibv xraorax p n p n n pnx nra pnb nrax
maiba nrorax nx ib nrax Eles disseram a ele: 'Tu, um estrangeiro!?
•‘brarara pnnnrarai xran p r x nraibra nrorax p r x Nós somos estrangeiros! Nós estamos aqui, mas nossos deuses
•’rama pnniiüoi xran p r x i estão na Babilônia;
:mba pnb pana xbi pnras? pnnnarai xran p r x i nós estamos aqui, mas nossos deuses estão em Roma; nós esta
qraa 'nbx btx nxn p x ba nx bax mos aqui, e mesmo aqueles que estão com seus deuses,
:rb x irx n p baa irn b x 'na n ''n n estes não servem para nada.
Tu, porém, onde quer que vás, teu Deus estará contigo,
conforme está escrito: Qual grande nação é tal que tem um
33 O Talmud foi conservado em duas versões: o de Jerusalém e o da Babilô Deus tão perto a ela como o nosso Deus cada vez que o
nia. O primeiro, tendo sido compilado em um período de perseguições
invocamos? (Dt 4,7)’ ”] 334.
(século IV), é mais incompleto e incoerente que o segundo. O Babilônico,
por sua vez, teve sua redação concluída nas últimas décadas do século V,
mas recebeu acréscimos até a Idade Média (séculos X e XI). Para se citar 34 T almud de Jerusalém. Shiloh, Shiloh, 5729/1969. Para uma versão cm
um ou outro, normalmente, utilizam-se as iniciais TJ ou TB. Para indicar a inglês, cf. C artlidge, D. R. & D ungan, D. L. (eds. ). Domuments fo r the
versão, acrescenta-se um pequeno “b” ou “j” antes do nome do tratado: Study o f the Gospels. 2. ed. Minneapolis, Fortress, 1994. p. 159. Para esta
jBerakôt = tratado Berakôt na versão do Talmud de Jerusalém-, bBaba versão em português, diretamente do aramaico, contamos com a preciosa
Mezia = tratado Baba Mezia na versão babilonesa. colaboração do professor Pe. Vitorio Maximino Cipriani.
224 225
Rabi Tanchuma viveu por volta do ano 350 d.C. Embora
bem posterior à redação dos evangelhos, esse relato reflete a Jonas 1 Marcos 4 jBerakôt 9
mesma piedade judaica presente na elaboração do NT. Se com
pararmos o relato talmúdico com Jn 1 e Mc 4, notaremos seme • a tempestade é • a tempestade é um • a tempestade é um
lhanças e diferenças, mas altemadamente. desencadeada pela fenômeno natural fenômeno natural
ira de YHW H
Para evidenciar tais elementos, utilizamos um expediente
muito simples, que descrevemos a seguir: • os marinheiros • __ • cada um dos
a) transcrevemos os textos (ou os elementos que nos inte pagãos gritam por [os discípulos irão pagãos se agarra à
ressam) em colunas paralelas, procurando deixar na mesma li socorro invocando repreender Jesus por imagem de seu
nha os termos equivalentes seus deuses sua inatividade] deus e reza
lançando gritos
b) evidenciamos as semelhanças com cores ou, quando o
jogo de cores não é possível, estilos de letra diferentes. Em • há alguém tranaüilo, • há alguém tranaüilo, • há alguém tranaüilo,
nosso caso, o que é comum a Jonas, Marcos e jBerakôt, assinala dormindo dormindo desperto, mas que não
mos com um duplo sublinhado; o que é comum a Jonas e Mar reza
cos, mas não se encontra em jBerakôt, com um sublinhado sim
ples: o que está em Jonas e jBerakôt, mas não em Marcos, com • esse alguém é • esse aluuém é • esse alguém c
negrito; o que está em Marcos e jBerakôt, mas não em Jonas, despertado, repreen- despertado, repreen- convocado a
com itálico35. Assim: dido e instado a dido e instado a também rezar a
clamar a seu deus fazer algo antes que seu Deus
antes que todos todos pereçam
pereçam
35 Este mesmo procedimento pode ser utilizado no estudo sinótico dos evan
gelhos.
226 227
Fica-nos clara a presença do mesmo esquema básico pre Evangelho encontraram, na própria tradição judaica, um substra
sente nestes três relatos: to literário adequado para apresentar Jesus como salvador, bem
como para falar de sua identidade messiânica e divina. O autor
• introdução, cenário e descrição do perigo marítimo de Marcos, por sua vez, reforçou ainda mais tais laços ao manter
• os esforços para superar o perigo relações literais com a versão grega de Jn 1 e do SI 107.
• a súplica
• a intervenção de Deus (ou de Jesus ou do rapaz judeu)
3.5. Exercícios
• o efeito produzido
• a reação das testemunhas Retomemos os textos sobre os quais nos exercitamos des
de o início:
R. Bultmann é da opinião que o relato de Marcos constitui
uma ponte ou um elo de ligação entre Jonas e o relato talmúdico. Antigo Testamento: Gn 39,l-6a; 2Sm 16,5-14; 2Rs 4,1-7;
E, considerando as transposições realizadas pela tradição cristã Is 21,1-10; 45,1-7.
(os marinheiros pagãos / os discípulos; o passageiro judeu, isto Novo Testamento: Mt 11,20-24; 26,6-13; Mc 1; Lc 6,1-11;
é, Jonas / Jesus), não duvida que o relato de Marcos seja um Rm 11,16-24; Ap 3,1-6.
relato de milagre oriundo de uma outra cultura (fremde Precisam todos eles, necessariamente, se encaixar em um
Wundergeschichte) e transposto para Jesus36. Menos radical, J. Gênero Literário? Claro que não. Alguns desses textos propostos
Gnilka nos alerta que a posição de Bultmann esbarra nas dife nem mesmo pertencem aos Gêneros que acabamos de arrolar.
renças entre os relatos, diferenças estas que fazem emergir temas Mesmo assim, precisamos praticar. Por isso, eis outros textos
com campos de ação muito amplos e tornam difícil se pensar em que podem ser classificados a partir do que discutimos neste
uma dependência mecânica e direta de um modelo literário37. capítulo da nossa Metodologia'. Gn 22,1-9; Jz 13,1-7; SI 1; 47;
Lc 6,20-26; ICor 11,23-25.
Concluindo tudo, que podemos dizer de nosso texto e seus
correspondentes?
Conforme já tivemos a oportunidade de afirmar, um Gê 4. S IT Z IM LEBEN (SITUA ÇAO OU CONTEXTO VITAL)
nero Literário é sempre uma abstração a partir de textos concre
tos, cada qual com suas particularidades. Com efeito, as diferen Ao iniciarmos o estudo dos Gêneros Literários, vimos que
ças de estilo e de teologia são próprios dos autores bíblicos, que Gunkel estabelecera quatro princípios. Até agora, ocupamo-nos
lançaram mão de um modelo preestabelecido, sem perder, po dos dois primeiros (determinar a estrutura formal de um texto e
rém, a liberdade para modificá-lo. Os primeiros anunciadores do identificar seu Gênero Literário). Chegou o momento de abordar
os outros dois.
36 B ultmann, R. Die Geschichte der synoptischen Tradition. 9. cd. Gottingen, O terceiro princípio de Gunkel afirma que situações típicas
Vandenhoeck & Ruprecht, 1979. pp. 249-250. Na página 250, ao final da da vida da comunidade acabam forjando formas esquematizadas
nota de rodapé, Bultmann chama a atenção para um motivo literário pre
sente em outras obras: o sorteio entre os prováveis culpados em uma situa de discurso. Às formas de discurso, Gunkel denominou Gêneros
ção de perigo marítimo. Literários; às situações típicas, “S/fze38 im Leben”. Ambos são o
37 G nilka, J. El Evangelio según San Marcos. Salamanca, Sígucme, 1986.
v. 1. p. 226. 38 Plural de Sitz.
228 229
resultado de uma abstração: de elementos semelhantes a vários brotam, de conduzir a comunidade e os seus membros a uma
textos, no caso do Gênero Literário; de experiências análogas a tomada de consciência ou a uma opção, de produzir um efeito.
várias pessoas ou comunidades, no caso do Sitz im Leben. Com isso, passamos ao quarto princípio de Gunkel: bus
Por Sitz im Leben, portanto, não se entende o ambiente car a finalidade do Gênero Literário e, mais especificamente, do
histórico, político, social ou econômico no qual o texto foi com texto que estivermos analisando.
posto, e sim uma situação padrão ou regular que motiva o surgi Para exemplificar o que este princípio significa, desdobra
mento dos Gêneros Literários. Não se trata de um evento históri remos o exemplo de Arenhoevel. A pregação do padre pode
co isolado, e sim de uma atividade generalizada e exercida em tomar vários direcionamentos, tais como uma meditação sobre a
circunstâncias típicas, uma experiência partilhada e, a princípio, fugacidade da vida humana, uma lamentação pela morte trágica
repetível. Por exemplo, as festas litúrgicas, a pregação missioná de dois jovens, uma crítica à falta de responsabilidade no trânsi
ria, o restabelecimento da saúde, a derrota em uma guerra. Por to, uma palavra de consolação para ambas as famílias. Somos
isso, a datação, os eventos históricos e os personagens reais a levados a admitir que um mesmo Sitz im Leben pode fazer surgir
que se refere o texto têm importância secundária. mais de um Gênero Literário, segundo o objetivo buscado por
Uma boa explicação sobre a diferença entre acontecimen quem fala ou escreve. Mas, se é possível questionar um autor
to histórico e Sitz im Leben é apresentada por D. Arenhoevel39, a vivo sobre seus objetivos, o mesmo não acontece com os autores
partir do seguinte exemplo: um acidente entre dois motociclistas bíblicos: não podemos mais atingir, com absoluta certeza, a in
oferece material para três tipos diferentes de discurso: a descri tenção deles, como pretendia Gunkel40.
ção acalorada feita por um transeunte a seus amigos, o boletim Sem dúvida, a intenção do autor pode ser um princípio
de ocorrência escrito por um policial e o sermão de um padre hermenêutico, mas não pode ser o único, pois entramos nova
sobre a fugacidade da vida humana. O Sitz im Leben não é o mente no terreno das suposições. Daí a necessidade da prudência
acidente, mas a situação na qual se fará uma descrição do aci ao se fazer afirmações do tipo “o autor QUER DIZER tal coisa”.
dente. A conversa entre amigos apresentará detalhes e expres
sões totalmente diferentes dos detalhes e das expressões presen
tes no boletim policial e no sermão. Mesmo desconhecendo o 4.1. S itze im L eb en no Antigo e no Novo Testamentos41
fato e a identidade dos que o descrevem, apenas analisando as
três versões, somos capazes de reconstruir o contexto em que Antes de continuarmos, uma afirmação evidente: os Sitze
cada uma delas foi utilizada, bem como as prováveis intenções im Leben são numerosos, variáveis, múltiplos e complexos, tan-
de seus autores.
40 Gunkel julgava possível chegar à experiência religiosa original dos hagió-
Com os textos bíblicos acontece o mesmo. Independente grafos, a partir da catalogação e da descrição dos gêneros literários. A
das circunstâncias históricas em que algo acontece, cada um dos respeito das bases e da aceitação do projeto exegético de Gunkel, cf. A lonso-
momentos da vida da comunidade ou de seus membros gera S chõkel, L. Treinta Salmos: poesia y oración. 2. cd. Madrid, Cristiandad,
formas de articular e de exprimir os sentimentos, ou maneiras de 1986. pp. 13-15. O mesmo Alonso-Schokel qualifica o projeto gunkeliano
sintetizar e de divulgar propostas para a superação de crises e como “hermenêutica do autor” e não do texto e, portanto, de tendência
psicologizante, isto é, usa o texto como um trampolim para uma análise
dificuldades. Isso acontece porque os Gêneros Literários têm a
psicológica do autor c abandona o próprio texto. Cf. A lonso-S chokel, L. &
finalidade de cumprir uma função na vida da comunidade da qual B ravo, J. M. Apuntes de hermenêutica. Madrid, Trotta, 1994. pp. 27-28.52.
41 D roge, A. J. Apologetics, NT. In: F reedman, D. N. The Anchor Bible
39 A renhoevel, op. cit. pp. 82-84. Dictionary. DoubleDay, New York, 1992. v. 1. pp. 302-307; H arrington,
230 231
to quanto a própria vida. Queremos, com isso, afirmar que é emite uma sentença (Dt 32,1-25; Is 1,2-3.10-20; SI 50). Alguns
impossível qualquer catalogação completa dos Sitze im Leben estudiosos relacionam textos desse tipo aos ritos de renovação
presentes na Bíblia. Não obstante, é sempre necessário buscar da Aliança, no santuário de Siquém (Js 24), ou mesmo à prega
conhecer e compreender, cada vez mais, as situações existen ção dos profetas do Norte (Amós e Oséias).
ciais dos autores bíblicos, pois só assim poderemos compreender
os Gêneros Literários por eles utilizados e a mensagem que, c) Catequese e instrução de discípulos:
provavelmente, queriam transmitir.
Nesse ambiente surgem ensinamentos cuja finalidade é
Vejamos, pois, apenas alguns Sitze im Leben e exemplos a aprofundar a opção e aprimorar o caráter de quem já pertence à
eles correspondentes: comunidade ou ao grupo de discípulos. Podemos destacar os
chamados salmos sapienciais (SI 1; 19,8-15; 112), os catálogos
a) Liturgia e culto: de vícios e virtudes (G1 5,19-23; Eclo 41,17-42,8), a doutrina
São as várias situações da vida humana ligadas à religião: moral de Jesus (Mt 5-7).
peregrinação, chegada a um santuário, votos e sacrifícios. Nesse
universo ganham especial importância as sagas e as lendas, como d) Pregação missionária da Igreja Primitiva:
narrativas etiológicas, que explicam a origem de um santuário A Igreja primitiva anunciou, quer entre gentios quer entre
ou de um rito. Há diversas subdivisões ou ramificações. Dentre judeus, a vida, a mensagem e o destino de Jesus. Para tanto, lan
elas, destacamos duas: çou mão de vários Gêneros Literários: querigma (ICor 15,3-5),
aa) Práticas cultuais: Gn 22 é uma saga que explica a milagres (Lc 7,18-23; Mc 1,21-28), controvérsias (Mc 11,27-33).
razão pela qual Israel não faz sacrifícios humanos; os Salmos 15
e 24 originam-se da chegada dos peregrinos à Cidade de Sião; e) Polêmica e apologia:
Mc 1,9-11 refere-se à celebração do batismo na antiga comuni O movimento cristão surgiu em um ambiente dominado
dade cristã. por duas mentalidades antagônicas: o Judaísmo e o Helenismo.
bb) Existência ou fundação de determinado santuário: Por isso, desde muito cedo precisou encontrar seu espaço. Mui
as origens do santuário de Dã e de seu sacerdócio, ambos julga tos textos foram escritos para promover e defender o Cristianis
dos negativamente (Jz 17-18). mo nascente e são considerados “apologéticos”. Por meio deles,
podemos estabelecer quatro grupos de adversários contra os quais
b) Tribunal de justiça: a Igreja primitiva precisou se defender:
O processo de acusação ou de defesa também oferece um aa) Judaísmo: Mt 2,15; Mc 8,31; Lc 24,26-27; G1 3,7-14;
esquema de pensamento e de articulação de conteúdos. Este é o bb) Paganismo: At 17,16-34; ICor 1,18-2,16; Uo 5,21;
Sitz im Leben de textos do tipo rib (S1")) ou requisitória: YHWH Ap 9,20;
entra em processo contra seu povo, acusa-o de transgressões e
cc) Império Romano: Lc 23,13-25; Rm 13,1-7; lPd 2,13-17;
W. J. Chave para a Bíblia. São Paulo, Paulus, 1985. pp. 435-436; S ellin & dd) Outras Formas de Cristianismo: G1 2,15-21; lTm 1,6-7;
F oiirer, op. cit. v.l. pp. 103-120; S icre, J. L. op. cit. pp. 142-146; Streck, Tt 1,10-12; 1Jo 4,2; 5,6-8.
O. H. Exegese des Alien Testaments, 13 ed. Neukirchen, Neukirchener,
1993. pp. 114-119; Z immermann. Metodologia..., art. cit. pp. 152-154 Não podemos nos enganar, pensando que essas categorias
(= Z immermann. Formas..., art. cit., pp. 328-331). se excluem mutuamente. Em alguns casos, os argumentos visam
232 233
simultaneamente a mais de um desses grupos. Devemos, ainda, • A salvação vem pela intervenção do judeu. Jonas dá a
lembrar que os argumentos apologéticos encontrados no NT an receita: “lançai-me ao mar” (Jn 1,12.15). O rapaz judeu interce
teciparam a apologética cristã do II século. de e sua súplica é acolhida por YHWH.
• Ao final, dá-se o reconhecimento positivo: os pagãos
reconhecem a soberania do Deus dos judeus. Os marinheiros de
4.2. Um exemplo Jonas temem, oferecem sacrifícios e fazem votos a YHWH. Os
pagãos de jBerakôt querem oferecer presentes ao rapaz judeu e
Retomemos aos três relatos de milagre de salvação maríti reconhecem que nenhuma outra nação tem um “Deus tão perto”.
ma anteriormente confrontados. Os primeiros anunciadores do
Evangelho encontraram, na própria tradição judaica, substrato Em Jonas não é o hebreu quem invoca a YHWH, e sim os
suficientemente rico para tecer a narrativa primitiva que, mais pagãos (1,14). No Talmud, são os pagãos que citam a Torah.
tarde, seria utilizada por Marcos. O pano de fundo e as categorias Esses elementos colocam em evidência a problemática de
são nitidamente veterotestamentários. Mas, há um elemento per fundo: a identidade do judeu e de seu Deus. A fim de levar os
turbador nisso tudo: os personagens que aparecem nos relatos. personagens pagãos a reconhecer a identidade e o senhorio de
Tomemos a confrontar Jn 1 e jBerakôt 9: YHWH, há, em ambos os textos, um processo de diminuição do
personagem judeu e, paralelamente, um crescente reconhecimento
• Há um único judeu (o relato do Talmud dá especial de YHWH por parte dos pagãos. Vejamos esquematicamente:
ênfase a este detalhe, utilizando o numeral “trtN [um, único]) em
um barco pagão entre marinheiros pagãos.
• O judeu é qualificado como “fiel a YHWH” e, conse-
qüentemente, distinto dos pagãos. Jonas se apresenta como “he-
breu e adorador de YHWH Criador” (Jn 1,9). Com efeito, após
o Exílio, o termo “Di? [hebreu] caiu em desuso. Sua presença,
neste texto, equivale a uma profissão de fé42. No relato talmúdi-
co, por duas vezes aparece a designação ■’Tiir [judeu],
• Há um primeiro reconhecimento, negativo: os ídolos não
são capazes de salvar e se faz necessário apelar para outro Deus.
O capitão ordena a Jonas que reze a seu Deus (Jn 1,6), mesmo
não sabendo de qual divindade se trata, pois Jonas ainda não
revelara sua própria identidade. A partir do momento que Jonas
se apresenta, fica-se também sabendo quem é seu Deus (Jn 1,9).
No Talmüd, diante da inutilidade dos ídolos, os marinheiros pe
dem ao rapaz judeu: “Clama ao teu Deus, para que ele nos
ouça, pois ele vos responde quando vós o invocais, e ele é fo r
te”. Sua identidade já é conhecida e a de seu Deus também.
240 241
1. MAIS UMA VEZ, 2. CRITÉRIOS PARA A CRÍTICA DA TRADIÇÃO,
O PROBLEMA DA TERMINOLOGIA OU ... O MATERIAL TRADICIONAL: OS “ T Ó P O I
Crítica (ou História) da Tradição, das Tradições ou dos Para este trabalho também encontraremos algumas dicas
Motivos Literários? Eis outra daquelas discussões entre exegetas já sistematizadas pelos estudiosos: são os chamados “tópoi”. Os
a respeito de distinções, definições e objetivos. Para alguns há teóricos da Literatura têm utilizado o termo “tópos” (do grego
tóttoç [lugar]) para designar um conceito geral que serve para
de se diferenciar entre a Traditionsgeschichte (História / Crítica
da Tradição: estudo das tradições orais e dos estágios da compo articular um argumento ou uma história. Em outras palavras,
uma tradição cultural ou literária que se torna de domínio co
sição de um texto), a Überliefenmgsgeschichte (História / Críti
mum e convencional e que gera vários episódios ou reflexões12.
ca das Tradições ou da Transmissão do Texto: estudo de sua
pré-história oral) e a Motivgeschichte (História / Crítica dos Mo Entretanto, devemos estar atentos para não cairmos no
tivos Literários: estudo dos elementos tradicionais que circulam engano de considerar os tópoi como meros estereótipos, isto é,
livremente, sem ligar-se a um grupo específico de pessoas). Para fórmulas tradicionais e esquemas de pensamento herdados pelo
outros, tudo isso não passa das várias etapas de um único méto autor. As recentes pesquisas literárias no campo da retórica reco
do: a Traditionsgeschichte (História / Crítica da Tradição). nhecem que os tópoi tinham a função de, numa situação deter
minada, descobrir e articular os argumentos a serem nela utiliza
Como vemos, a discussão é bem complexa, e não é nossa dos3. Ou seja, um papel ativo, e não passivo: semelhantemente
finalidade chegar a um veredito sobre qual a melhor terminolo aos Gêneros Literários, os tópoi oferecem elementos para desen
gia e qual o objetivo específico de tal método. Não adentraremos volver um raciocínio ou uma trama.
no labirinto de tais distinções, pois muitas vezes são apenas
Como tópoi podemos arrolar4:
virtuais e fictícias. Nossa postura será mais didática e “descom-
plicante”: utilizaremos “Crítica ou História da Tradição”
1 Nesla fase do trabalho, será novamente indispensável o uso dos Dicioná
(Traditionsgeschichte) para definir o método que estuda o subs
rios Teológicos e Bíblicos, bem como das Concordâncias. Pelos Dicionári
trato cultural de um texto. Trata-se de um trabalho de certa os ficaremos informados acerca do desenvolvimento dos termos e dos
forma paralelo ao da Crítica dos Gêneros Literários, mas com o conceitos, dentro da Escritura e fora dela; recorrendo às Concordâncias,
particular de retroceder ainda mais e incluir também elementos teremos um elenco das ocorrências destes mesmos termos e conceitos c
prc-codificados (expressões, imagens, temas e motivos), que já poderemos observar as características e as preferências dos redatores.
haviam atingido um estágio de fixação antes de serem utilizados 2 Por que “lugar”? “Porque, diz Aristóteles, para recordar-se das coisas,
pelo hagiógrafo. basta recordar-se dos lugares nos quais elas se encontram (o lugar é, por
tanto, um elemento dc associação de idéias, de condicionamento, de um
Devemos ainda ter claro o seguinte: elementos provenien adestramento, de uma mnemotécnica); os lugares não são, portanto, os
tes da tradição podem ser modificados na fase de redação. Com argumentos em si, mas os compartimentos nos quais são dispostos”.
efeito, o redator, ao assumir um motivo tradicional e inseri-lo B arthes, R. La Retórica Antica. 2. ed. Milano, Bompiani, 1985. p. 75.
num determinado ponto de sua fonte, modifica a ambos, motivo 3 Cf. G aravei.li, B. M. Manuale di Retórica. 5. ed. Milano, Bompiani, 1991.
tradicional e fonte, segundo sua teologia. É o caso do já acenado pp. 80-90; P erelman, C. The Realm of Rhetoric. Notre Dame, UNDP,
motivo “os discípulos incrédulos”, que, em Marcos, torna-se um 1982. pp. 29-31; B arthes, op. cit. pp. 74-82; S oulen, R. N. Handbook of
Biblical Criticism. 2. ed. Atlanta, John Knox, 1981. pp. 199-200.
Leitmotiv.
4 Como sempre, também neste caso não encontraremos unanimidade quanto
à terminologia. Vários comentadores utilizam indistintamente os termos
“motivo”, “tema”, “concepção” etc.
242 243
a) Motivo56: c) Tema e tese:
Situação típica que impulsiona, coloca em movimento, Esses dois tópoi devem ser tratados conjuntamente a fim
vários e semelhantes episódios, cada um de modo diferente. de que os distingamos claramente. Ambos são conceitos abstra
Exemplos: os irmãos-inimigos (Gn 4,1-16: Abel e Caim; Gn tos (idéias, pensamentos, doutrinas) propostos em dado texto —
27,1-28,5; 33,1-17: Jacó e Esaú), o justo sofredor (Jó; Jr 26- seja ele narrativo, poético ou argumentativo — e que exercem o
28.36-45: Jeremias; Mc 14,43-15,41: Jesus); a mulher estéril poder de unificação de elementos distintos e descontínuos. No
curada (Gn 21,1-17: Sara; Jz 13,2-24: a mãe de Sansão; Lc 1,5- entanto, enquanto o tema não oferece respostas, mas levanta
25.39-45.57-66: Isabel). Este último motivo está também pre questões; a tese sugere respostas em vez de problematizar. Em
sente em Lc 1,26-38; 2,6-20: Maria, a virgem, toma-se mãe. O outras palavras, o tema exige do leitor reflexão, a tese pede para
que para o homem é um problema, para Deus é algo facilmente ser aceita8. No entanto, ambos, tema e tese, aparecem sempre
superável. juntos: em Eclo, o tema é o temor a YHWH, ao passo que a tese
é o temor a YHWH como sabedoria superior à filosofia grega;
b) Imagem: em Jó e Ecl, o tema é a doutrina da retribuição, enquanto a tese é
Elemento utilizado como símbolo, a fim de evocar outra a rejeição de tal doutrina; em Hb, o tema é o sacerdócio de
realidade, outros sentimentos, outras experiências. O livro dos Cristo e a tese é a superioridade deste sacerdócio em relação ao
Salmos oferece abundantes exemplos de simbolismo. Para falar sacerdócio da antiga Aliança.
de Deus como herói transcendente, as imagens usadas são hile-
morfas, isto é, tiradas do mundo natural (rocha: 18,3; 31,3) ou d) Concepção:
bélicas (escudo: 18,3; 144,2; guerreiro: 35,2-3); para falar de si Termo ou frase que condensa um significado consolidado
mesmo e de seu estado de ânimo, o salmista utiliza muitos zoo- e aceito. Muitas vezes, concepção é confundida com tema. Po
morfismos (animais em geral: 18,34; 42,2), teriomorfismos (fe rém, o lema faz uso de argumentos e situações existenciais, ao
ras: 73,22) e hilemorfismos (vegetais, óleo, sangue: 1,3; 92,13- passo que a concepção utiliza imagens. O Dia de YHWH (Am
15; 133,2; 58,1 l)fi. Também os evangelhos utilizam um grande 5,18-20; Jr 30,7; Jl, Sf 1,2-2,3), o Templo como casa da Divin
número de imagens: Jesus como noivo (Mc 2,19), e sua novida dade (Jr 7,1-15; Is 56,7; Mc 11,17; Jo 2,16).
de como vinho (Mc 2,22)7.
e) Esquema tradicional:
Estrutura de pensamento mais ou menos abstrata, que expri
5 Certo estudioso, chamado Engnell, enfatizou tanto o estágio final da tradi
ção que chegou a propor a substituição do termo “Crítica da Tradição”
me as convicções do autor e funciona como pano de fundo para o
(Traditionsgeschichte) por “Crítica dos Motivos” (Motivgeschichte). Mas a texto. Os dois caminhos (Dt 30,15-20; SI 1; Mt 7,13-14; Lc 13,24);
definição de “tópos" é muito mais ampla que a de “motivo", abrangendo o princípio da retribuição9 (Pr 10,24-25; 11,18-21; Jo 9,1-2).
também as categorias que serão tratadas a seguir; imagens, temas etc. Cf.
S oulen op. cil. p. 199; S tenger , W. Metodologia Bíblica. Brescia,
8 Cf. P rince, G. Dizionario di Narratologia. Firenze, Sansoni, 1990.
Queriniana, 1991. p. 87. n. 24.
pp. 139.141.
6 Para um estudo mais aprofundado do “microcosmo simbólico” do saltério,
9 Quando um autor coloca em questão ou revisita uma visão de mundo,
cf. R avasi, G. II Libro dei Salmi - commento e attualizzazione. 4. ed.
temos um tema, como no caso anterior: o princípio da retribuição é o
Bologna, EDB, 1988. v. 1. pp. 30-34.
argumento que motiva a elaboração de Jó e Ecl. No presente caso, ao
7 Um bom estudo sobre isso encontramos em M ateos, J. & C amacho, F. contrário, o mesmo princípio da retribuição aparece como um critério acei
Evangelhos, figuras e símbolos. São Paulo, Paulus, 1992. to (esquema de pensamento) para julgar um fato ou uma realidade.
244 245
f) Fórmula fixa e vocabulário consolidado: • Tal conjunto de tradições possui uma tendência parti
Frases e termos que surgiram para responder às necessida cular, que a tradição identificada confirma ou dela se
des de um grupo e que passaram a ser usados com tal freqüên- afasta?
cia, a ponto de o significado original ser perdido ou deslocado. • Pode-se identificar o lugar cultural de tal tradição ou
Não são utilizadas isoladamente, mas em contextos que, de certa conjunto?
forma, são análogos àqueles em que surgiram. A fórmula de • Pode-se conjecturar uma história da tradição, desde sua
ressuscitamento (“Deus ressuscitou Jesus dentre os mortos”'. Rm origem até o texto estudado, bem como sua eventual
10,9; ICor 6,14; 15,15; ITs 1,9-10); a fórmula que indica a ulterior evolução?
presença de Deus com alguém, em suas variações: uma promes
sa de Deus (“Eu estou contigo”'. Gn 26,3; Ex 3,12), uma promes E, por fim, retomar ao texto:
sa ou um desejo dos homens (“Deus estará / esteja contigo”'.
Gn 28,20; Jz 1,17; 2Sm 14,17), uma constatação feita pelo ho • O texto está plenamente de acordo com a tradição iden
mem (“Tu estás comigo”'. SI 23,4; 46,8.12; Nm 23,21; Jr 20,11). tificada? O autor pode ser considerado um novo repre
sentante de tal tradição?
• O autor do texto continua a tradição, desenvolvendo-a
3. ALGUMAS DICAS PRÁTICAS e completando-a?
• O autor do texto modifica a tradição e a corrige?
H. Simian-Yofre*10 sugere algumas perguntas que ajudam
a identificar uma tradição subjacente a um texto:
4. UM EXEMPLO
• Há formulações similares em textos literariamente in
dependentes uns dos outros? Várias das informações que já surgiram ao longo de nosso
estudo serão agora retomadas sob outro ponto de vista, a fim de
• Há uma estrutura comum na formulação?
ajudar-nos a compreender quais elementos que, embora utiliza
• Há conteúdos comuns? dos no texto de Marcos, denunciam a influência de uma tradição
• Tais conteúdos transmitem a mesma mensagem? da qual o redator depende e se torna continuador (e modificador).
• Há variantes na formulação que podem ser explicadas No relato que estudamos, podemos identificar, entre ou
em cada caso, mesmo quando se mantém a tradição tros prováveis, o seguinte material tradicional:
comum?
• motivo: os discípulos incrédulos (que na obra de Mar
E, depois de se identificar uma tradição, continua-se com: cos torna-se um Leitmotiv)
• motivo: o taumaturgo desaparece
• A tradição identificada pertence a um conjunto de tra
dições? A qual? • motivo: há um passageiro salvador, geralmente des
conhecido
A diferença pode ser assim formulada: enquanto tema, a questão é: “A • tema: o senhorio de YHWH / tese: Jesus partilha do
Teologia da Retribuição funciona, sim ou não?”; enquanto esquema tradi senhorio de YHWH
cional, pergunta-se: “Como a Teologia da Retribuição explica tal fato?”. • esquema tradicional: a fé vence o medo
10 S imian-Y oi-re, H. Diacronia: os métodos hístóríco-críticos. In :_____(ed.).
Metodologia do Antigo Testamento. São Paulo, Loyola, 2000, pp. 106-107. Em nosso exemplo, desenvolveremos os dois últimos:
246 247
a) Tema: o senhorio de YHWH / tese: Por fim, o autor de 2Mc ridiculariza Antíoco IV Epífanes:
Jesus partilha do senhorio de YHWH está reduzido a nada e apodrecendo quem acreditava ter o poder de
subjugar o mar, isto é, ser tão poderoso quanto YHWH (9,8-10).
Como vimos anteriormente, tema e tese sempre estão jun
tos. Devemos começar estudando o tema no contexto da períco- • Retornando ao nosso texto
pe e sua freqüência na Escritura. Ao retomarmos ao nosso texto,
Convém recordar o já afirmado no estudo do Gênero Lite
ficará evidenciada também a tese. rário: em Jonas e no relato de jBerakôt, YHWH atende às ora
ções do judeu piedoso e realiza o milagre; em Marcos, porém, é
• O tema no contexto da perícope o próprio judeu piedoso (Jesus) quem acalma o mar, em virtude
Desde a análise sincrônica, sabemos que um dos conflitos de seu poder pessoal.
subjacentes ao nosso texto é o confronto entre Jesus e a tempes Define-se, assim, a tese do redator: o que, anteriormente,
tade. Mas, estranhamente, Jesus só se move para a superação da era prerrogativa exclusiva de YHWH, agora é atribuído a Jesus,
querela depois do pedido (ou repreensão) de seus discípulos. a saber, a autoridade para repreender (éuitip.áco [repreendo /
Aquilo que os discípulos consideram como uma indiferença da ameaço]) o vento e silenciar ( olwttku [fico quieto], c(jljj-Óco [colo
parte de Jesus parece ser mais a tranqüilidade de quem conhece co a mordaça]) o mar.
seu próprio poder. A resposta para a questão final (v. 41) supõe não só que
se tenha presente o substrato veterotestamentário desse tópos,
• Frequência na Escritura mas também que se perceba o deslocamento ocorrido no relato
No AT e na literatura judaica, o dominar as águas é uma evangélico.
das manifestações do poderio de YHWH. Já desde a criação, ele Aliás, devemos notar que a pergunta do v. 41 pertence a
age subjugando o mar e confinando-o dentro de seus limites uma série de outras, acerca da identidade ou das atitudes de
(Gn 1). O poder de YHWH sobre as inundações das águas, sobre Jesus (Mc 1,27; 2,7; 3,20-24; 6,2-3; 8,27-29 e, talvez, também
a tormenta e sobre o mar é repetidamente descrito e celebrado no 8,16-21). Como decorrência, questiona-se também a identidade
e as atitudes dos discípulos de Jesus (Mc 2,18.24; 7,5). Tais
AT, principalmente nos Salmos, e faz brotar, no judeu piedoso,
questões são motivadas e encontram sua resposta na manifesta
uma atitude de admiração pela grandeza do Deus de Israel
ção da autoridade de Jesus sobre os mais diversos elementos: os
(SI 74,13-14; 89,10-14; Jó 9,8; 38,8-11.22-27; Is 51,9-10, Jr 5,22). demônios, as doenças, a natureza, as conseqüências do pecado.
Ligado a isso tudo, está a crença de que YHWH resgata Ao utilizar o referido tema e defender a citada tese, Mar
de situações de perigo (SI 32,6; 69,2-3.15-16; 107,23-30; Is 43,2), cos se faz continuador da tradição eclesial e neotestamentária,
bem como a idéia de que este mesmo YHWH luta contra os tradição esta que transpõe para Jesus o senhorio e o domínio de
monstros, símbolos das potências do caos (SI 74,13-14; 89,10-11, YHWH sobre todos os elementos cósmicos (F1 2,6-11; Cl 1,15-
Jó 26,12-13). 17) e, até mesmo, sobre a morte (ICor 15,26; Ap 20,14).
O domínio de YHWH abrange também o vento, pois este
pertence a Deus e é prerrogativa divina enviar o vento sobre a b) Esquema tradicional: a fé vence o medo
terra (SI 104,4). A presença desta força cósmica no relato da • O esquema no contexto da perícope
saída do Egito (Ex 10,13.19; 14,21; 15,8.10) revela que o Deus Mesmo quando um versículo (ou parte dele) provém do
de Israel é operador de prodígios e insuperável em suas façanhas. expediente redacional de um autor, este mesmo versículo pode
248 249
conter idéias e concepções já assumidas anteriormente pela tra adesão a YHWH ou a Jesus, adesão esta que provoca encoraja
dição. Tal é o caso do v. 40: na boca de Jesus, encontramos uma mento e confiança no adepto'3.
afirmação que une, em termos de causa e conseqüência, a fé e a
coragem do discípulo. • Retornando ao nosso texto
Vemos que há uma estreita relação entre as duas fórmulas
• Frequência na Escritura fixas “não temais” e “se tiverdes fé ” e o esquema tradicional
Numerosos são os textos na Bíblia Hebraica que retratam “a fé vence tudo”.
situações de medo. Tal sentimento floresce quando o indivíduo Marcos, portanto, conta com duas possibilidades para com
se sente ameaçado e, ao mesmo tempo, se considera inferior ou por seu relato. Por ocasião de outro milagre de salvação maríti
mais fraco do que a ameaça''. A resposta de Deus, muitas vezes, ma (6,45-52), irá lançar mão da fórmula fixa de encorajamento
começa com uma exortação ao encorajamento: x v rrb x [não (Bapoelxe, èycó elpr pq (j)opelc0e [coragem, sou eu: não temais])
temas] (Gn 15,1; Nm 14,9; Js 10,8; ISm 12,20). No entanto, e dará a tal texto uma impostação positiva.
para que o medo seja superado, há uma condição indispensável: Em nossa perícope, porém, faz outra opção. Embora man
a fé. Ainda que Deus prometa ou conceda um sinal (Ex 4,1-9; Jz tendo o esquema mental da vitória da fé sobre o medo, Marcos
6,36-40; Is 7,10-17), este não é suficiente sem a fé, uma vez que prefere uma abordagem de sabor negativo e substitui ambas as
só Deus mesmo pode garantir sua própria fidelidade à palavra fórmulas anteriormente citadas, por uma pergunta dupla: tí òc-iáol
dada. Além disso, a falta de fé e de confiança na palavra de eore; outra) e%6ie ttÍotiv; [Por que sois covardes? Ainda não
Deus pode, igualmente, provocar o medo e a angústia (Jz 6,15; tendes fé?] (v. 40). E o equivalente a uma condicional: “se tivés
ISm 17,34-37; Is 7,2.4; Jr 1,17). seis fé, não teríeis medo”, que, por sua vez, seria uma variação
Também o NT oferece vários exemplos de fórmulas de da fórmula fixa presente em Mt 17,20; 21,21-22; Lc 17,6: eí
encorajamento: pf] cjiopoíj (c|)opeia0ej [não temas (temais)] (Mt 6X6T6 iríotir' [se tivésseis fé] + farieis x..
1,20; Mc 5,36; Lc 1,30; 8,50; Ap 15,4). Os evangelistas não se
cansam de mostrar Jesus acentuando a importância da fé para a
superação do medo e de toda dificuldade: Mc 5,36; 9,23; 11,23-
24; 16,17; Mt 17,20; 21,21-22; Lc 8,50; 17,6; Jo 11,25-26.40'2.
Outrossim Paulo conhece o dito de Mc 11,23p: k <xi é à u êxco
nâaav rnu uíoxiv ware õpr| peGiaxoam [e se eu tivesse toda a fé
de modo a remover montanhas] (ICor 13,2).
13 Não podemos deixar de citar a premiada tradução da Bíblia, cm vários
O que se deve notar, porém, é que não se trata da fidelida volumes, realizada pelo judeu francês André Chouraqui. Nos livros do
de à Aliança ou aos preceitos de Jesus, e sim o simples ato da*12 “Novo Pacto” (Novo Testamento), luoréuto [creio, acredito], cxw ttlotlv
[tenho fé] e paSiyníç [discípulo] são vertidos “adiro”, “tenho adesão” e
“adepto”, respectivamente (em francês: “j ’adhere", “j'a i adhérence”,
" Cf. C ostacurta, B. La Vita minacciata - il tema delia paura nella Bibhia “adepte”). Mc 4,40 é traduzido: “Ele lhes diz: 'Por que sois tão covardes?
Ebraica. Roma, Pontifício Istituto Biblico, 1988. Então! Ainda não tendes adesão?’” ( C h o u r a q u i , A. Marcos (O evangelho
12 J eremias, J. Teologia do Novo Testamento. São Paulo, Paulus, 1980. v. 1. segundo Marcos). Rio de Janeiro, Imago, 1996. p. 90). Para este versículo,
p. 254, chama-nos a atenção para o fato de que, nos sinóticos, com poucas Chouraqui anota: “O grego pistis traduz frequentemente o termo hebraico
exceções, os termos ttlotlç [fé] e iuctteúw [creio, acredito, tenho fé] apare émuna' e a adesão a IHVH, à sua palavra e à sua vontade. A covardia dos
cem sempre na boca de Jesus. adeptos vem da sua falta de fé em IHVH”.
250 251
5. EXERCÍCIOS L ane, W. L. The Gospel o f Mark, reimpr. Grand Rapids,
Eerdmans, 1993.
A Crítica da Tradição nos ajuda a compreender o pano de
fundo cultural dos textos bíblicos. Vejamos o que podemos des L e D éaut, R. La Septante, un Targun? In: A s s o c ia t io n
cobrir nos textos que já conhecemos: Etudes sur
C a t h o l iq u e F r a n ç a is e p o u r l ’ é t u d e d e l a B ib l e .
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E para continuarmos a nos exercitar: lRs 22,13-28;
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... E a Bíblia?
254 255
1. CRÍTICA (OU HISTÓRIA) DA REDAÇÃO1 mudanças. Antes, seu Sitz im Leben2, por ser diferente daquele
da fonte utilizada, tomou obrigatórias adaptações e atualizações.
Se a Crítica Literária chegou ao veredito de que o texto é A forma final do Livro dos Reis, por exemplo, pode nos oferecer
composite, a Crítica da Redação (Redaktionsgeschichte) deve informações a respeito dos redatores deuteronomistas e da comu
intervir, a fim de estudar as modificações que o redator final nidade judaica nos tempos de sua elaboração: sua situação, suas
introduziu em sua obra. A Crítica ou História da Redação surgiu expectativas, seus temores. Igualmente no caso dos evangelhos.
como reação à Crítica das Formas (Formgeschichte), que consi Em sua atividade literária, os redatores dos livros bíblicos
derava os autores bíblicos meros compiladores do material trans efetuaram os seguintes passos23:
mitido pela tradição (oral e escrita). Neste caso, o trabalho dos
hagiógrafos teria sido apenas o de conservar e aglutinar o mate Como já afirmado,
1. A e sc o lh a d o m a te ria l tra d icio n a l:
rial recebido. Em decorrência, os livros bíblicos estariam redigi os hagiógrafos são verdadeiros autores. No entanto, muitos tex
dos aleatoriamente, sem uma organização do conjunto. No en tos não surgiram ex novo. Antes, foram elaborados a partir de
tanto, isso não é verdade. material preexistente. Tendo em vista objetivos próprios, os ha
giógrafos apropriaram-se daqueles materiais que lhes interessa
A Crítica da Redação procura corrigir tal imprecisão, de
vam e descartaram os demais. Vejam-se, por exemplo, os relatos
fendendo que os redatores bíblicos são verdadeiros autores, que que o Cronista não aproveitou de Sm e Rs, bem como as períco-
selecionaram, modificaram e organizaram o material provenien pes de Mc que Lc rejeitou.
te da tradição, acrescentaram (criaram) novos textos e estabele
2. A estru tu ração g e ra l da obra: Cada redator tinha uma
ceram uma estrutura geral da obra. Neste trabalho, o redator
tese a propor e a defender. Por isso, embora Lucas, por exemplo,
deixa patente seu estilo, suas habilidades literárias, sua teologia,
tenha utilizado o mesmo material que os demais sinóticos, organi
seu Sitz im Leben (do autor, não do Gênero Literário).
zou-o de forma diferente. A disposição c a estruturação do mate
Além disso, como já asseveramos no capítulo quinto, ja rial oferecem excelentes critérios para a interpretação de um livro.
mais podemos afirmar que dois textos (dois evangelhos, por 3. A m o ld u ra : Os textos herdados pelos redatores eram
exemplo) “dizem a mesma coisa com palavras diferentes”. Se há completos em si mesmos. Mas, não bastou aglutiná-los para obter
modificações no texto, isto é, se as palavras são diferentes, então um relato coerente. Em muitos casos, foi necessário “costurá-los”,
o conteúdo apresentado também já não é mais o mesmo, toma isto é, elaborar passagens e transições, por vezes transformando o
outras nuanças, permite outras interpretações, abre outras pers texto. Esse trabalho recebeu o nome de “moldura”. Há casos em
pectivas históricas, culturais, teológicas. que, acredita-se, a moldura já provinha da tradição. Mas, na maio
ria das vezes, foi expediente literário do redator, e pode nos reve
lar sua teologia. Por exemplo: Mc 9,2 II Lc 9,28. Segundo Marcos,
1.1. O expediente redacional dos hagiógrafos
2 M a r x sen , W. El evangelista Marcos - Estúdio sobre la Historia de Ia
E verdade que os hagiógrafos tiveram grande respeito pelo Redacción del Evangelio. Salamanca Síguemc, 1981. pp. 21-22, fala de
material que herdaram, mas isso não significa que nunca fizeram três distintos Sitze im Leben: o de Jesus, o da comunidade primitiva e o da
comunidade do redator de Marcos (e, conseqüentemente, dos demais evan
gelistas).
Para um aprofundamento sobre a história desse mótodo, cf. Z im m er m a n n , H. 3 G r ec h , P. & S e g a l l a , G . Metodologia per uno studio della Teologia del
Metodologia dei Nuovo Testamento. Torino, Marietti, 1971. pp. 193-199. Nuovo Testamento. Torino, Marietti, 1978. pp. 74-75.
256
257
a transfiguração ocorre seis dias depois da confissão de Pedro e o Como sempre, nossos amigos exegetas sistematizaram al
primeiro anúncio da Paixão. Na versão de Lucas, porém, esses gumas informações que indicam a presença de um expediente
mesmos fatos distam cerca de oito dias. Em Marcos, a referência redacional. Entre vários outros, podemos destacar (principalmente
talvez seja a Festa das Tendas, que começava seis dias depois do para textos narrativos):
Dia da Expiação4, enquanto, em Lucas, o autor talvez queira vol
a) Correções estilísticas, gramaticais ou lingüísticas:
tar nossos olhos para Ex 24,16: no sétimo dia, Deus chamou
Moisés do meio da nuvem que pousara sobre o Sinai. Facilmente identificáveis nos sinóticos, principalmente de
Lucas em relação a Marcos. Como exemplo podemos citar: o
4. A modificação do material tradicional: Modificar signi
presente histórico quase sempre é mudado em uma forma do
fica também interpretar. Os redatores da Sagrada Escritura não se
passado (Aiyco [digo]: Mc 2,5 II Lc 5,20; áiToo-céÀÀto [envio]: Mc
utilizaram ingenuamente de suas fontes. Ao contrário, souberam
11,1 II Lc 19,29).
manipulá-las em favor de seus objetivos. Além disso, uma leitura
atenta pode revelar-nos tensões e contradições, nas quais se iden O Texto Massorético também contém exemplos desse ex
tificam tradição e redação. Esse trabalho, iniciado pela crítica pediente redacional. Sob esse aspecto, podemos repropor dois
literária, é desenvolvido pela crítica da redação, pois enquanto exemplos tratados anteriormente, por ocasião da crítica textual
aquela se limitava a identificar a presença de elementos disturba- do AT (mudanças conscientes por razões teológicas). Em 2Sm
dores no texto, esta quer explicar o seu porquê, qual sua impor 2-4, o nome do filho de Saul, bVTti'K [Ishbaal: homem de Baal],
é sistematicamente mudado para niiítrttTN [Ishboshet: o homem
tância no conjunto e na teologia da configuração final do livro.
da vergonha] (alterações anti-politeístas); em Jó 2,9, o discurso
da mulher de Jó, not trnbx “p a [Abençoa a Deus e morre!],
utiliza “|*l2 [abençoar] em lugar do pesado TIN [amaldiçoar]
1.2. Critérios para a crítica da redação5 (alterações eufemísticas).
É necessário não confundir a Crítica da Redação com a b) Explicações:
Crítica Textual. Embora alguns casos brotem da mesma motiva
ção (operar mudanças conscientes no texto recebido por tradi Quando quer tornar compreensível uma expressão ou uma
ção, oral ou escrita), a Crítica Textual preocupa-se com as mu situação que julga não muito clara ou mesmo quando quer infor
danças ocorridas na transmissão de um texto fixado (cópias e mar ao seu leitor como o texto deve ser interpretado, o redator
final introduz acréscimos elucidativos. Em alguns casos, tais ex
manuscritos), enquanto a Crítica da Redação procura evidenciar
plicações ocupam um ou mais versículos (Os 14,10; Ecl 12,13-
as alterações operadas pelos redatores DURANTE O PERÍODO
14; Jo 10,6); em outros, ocorre a simples inserção de uma ou
DE FIXAÇÃO do texto.
mais palavras: õúvoquç [poder] (Mc 14,62) II õúvapiç roí) 0eou
[poder de Deus] (Lc 22,69). Entretanto, devemos notar que há
4 No Dia da Expiação (Yom Kipur), o sumo-sacerdote penetrava no Santo casos especiais de explicações, que merecem ser tratados com
dos Santos e pronunciava o nome divino; seis dias antes da transfiguração, mais atenção:
Simão Pedro faz sua profissão de fé c pronuncia: “tu és o Cristo"\
5 G rech & S eo a l la , op. cit. pp. 75-77; Z im m e r m a n n , op. cit. pp. 202-208; aa) Contextualizações culturais: Visam fazer uma ponte
B arto n , J. Redaction Criticism (OT). In: F reedm an , D. N. (ed.) The Anchor entre dois universos, o do autor e o do leitor. O redator fornece
Bible Dictionary. New York, DoubleDay, 1992. v. 5, pp. 644-647; esclarecimentos a respeito de costumes (Est 4,2; Mc 7,2b-4) e de
M a in v il le , O . A Bíblia à luz da História. Guia de exegese-histórico-críti- palavras (ISm 9,9; Mc 5,41; 14,36).
ca. São Paulo, Paulinas, 1999. pp. 131-134.
258 259
bb) Referências históricas e biográficas: O redator pro pressão originária do ciclo de Eliseu (por causa de sua atuação
cura atualizar dados (Jz 19,10) e notícias históricas (2Sm 21,2); política) e que os redatores deuteronomistas aplicaram a Elias.
bem como suprir informações cronológicas e biográficas (lRs Na “paixão de Estêvão” (At 6,13-14), também comparecem fal
15,1-2.8; 15,33-34; Lc 2,1-3; 3,1-2). sas testemunhas, com as mesmas acusações anteriormente feitas
cc) Apêndices ou acréscimos etiológicos: Nas autênticas a Jesus (Mc 14,57-58; Mt 26,60-61).
etiologias, todo o relato é construído em função do que se afir
ma, isto é, a narrativa foi criada tendo em vista a explicação que f) Deslocamentos ou inversões:
se quer dar (Gn 11,1-9). Mas não é este o caso que ora tratamos.
O redator utiliza livremente as fontes de que dispõe e
Temos um apêndice etiológico quando a explicação é acrescen
varia a ordem dos elementos, quer alterando a seqüência dos
tada a um relato já antes existente (Gn 32,33; Jz 18,12).
acontecimentos narrados, quer invertendo os elementos dentro
de uma mesma perícope.
c) Omissões:
Em alguns casos, os redatores de Mateus e/ou de Lucas Inversões entre perícopes: O cronista faz Davi ir buscai
descartam expressões ou frases de Marcos. Em Lucas, omite-se a Arca da Aliança em Kiriat-Ierain antes de iniciar a constru
a repreensão de Jesus a Pedro (Mc 8,32-33; Mt 16,22-23), para ção de seu palácio (lC r 13 II 2Sm 5-6). Jesus é batizado antes
não arranhar a imagem do apóstolo como rocha da Igreja fiel a (Mc 1,9-11; Mt 3,13-17) ou depois (Lc 3,19-22) da prisão de
Cristo. Algo semelhante acontece em lCr 20,1-3 (II 2Sm 11,1- João Batista?
12,31): o redator evita tudo o que possa ofuscar a glória e a Inversões dentro da mesma perícope: Qual a ordem exata
santidade de Davi e deixa de fora o adultério com Betsabéia, o das tentações sofridas por Jesus no deserto? Deserto - Jerusalém
assassínio de Urias, as censuras de Natan, a morte do filho de - monte (Mt 4,1-11)? Ou deserto - monte - Jerusalém (Lc 4,1-
Davi e o nascimento de Salomão (2Sm 11,2-12,25). 13)? Um dos dois evangelistas modifica a fonte comum a am
bos. Qual a razão? Teológica, mnemônica ou literária?
d) Transposições de uma imagem:
O ambiente em que vive o redator influencia seu trabalho. g) Acréscimos de outros textos da tradição
Lucas, por não viver em ambiente palestino, e sim helenístico, e de ditos errantes:
modifica alguns detalhes em seus relatos: em Mt 7,24-27, a casa
Aforismos independentes e fragmentos pertencentes a fon
é fundada sobre a rocha; em Lc 6,47-49, porém, é necessário
primeiro escavar, aprofundar e, por fim, lançar o alicerce. Outros tes tradicionais provocam uma ruptura no texto em que são encai
casos: Mc 2,4 II Lc 5,19; Mc 4,21 II Mt 5,15 II Lc 8,16; 11,33. xados ou mudam totalmente o sentido do relato. lCr 4,9-10.38-43
interrompe as listas de descendentes de Judá e de Simeão, para
e) Transposições de textos tradicionais: reportar episódios particulares; Mt 22,11-13 transforma profun
damente a parábola original (Mt 22,1-10 II Lc 14,16-24).
Não se trata da citação (explícita ou implícita), e sim da
aplicação de um texto da Escritura em outro contexto. Com o Como lógion (dito) errante, podemos citar Oikwç eoontai
mesmo título: reinai btnfo1 :p~] ’ax [Meu pai! Meu pai! ol ea^atoL TTpcôxoi. Km ol TTpdkoi ’éo%aroí [Com efeito, os
Carro de Israel e sua cavalaria/] são conclamados Elias e Eliseu últimos serão (os) primeiros e os primeiros (serão os) últimos],
(2Rs 2,12 II 2Rs 13,14). A questão é: Quem contaminou quem? que encontramos em Mt 20,16; Mc 10,31; Lc 13,30 e no próprio
Os comentadores preferem considerar tal título como uma ex Mt 19,30, sempre em contextos diferentes.
260 261
h) Inserções de ditos tradicionais:
vezes, possui uma finalidade hermenêutica, isto é, indica em qual
Entre a parábola do semeador (Mc 4,3-9) e sua explicação sentido a nova perícope (ou o conjunto) deve ser interpretada.
(Mc 4,13-20), Marcos insere um lógion que fala da inteira ativi
Em geral, utilizam-se indicadores de sucessão cronológica
dade de Jesus (vv. 11-12). Para introduzi-lo, faz, de próprio pu
para realizar passagens de um texto a outro: Xinn ni?3 ’rn
nho, uma observação marginal (v.10).
[e aconteceu naquele tempo] (Gn 38,1); onn 073*2 ini1 [e acon
teceu naqueles dias] (Ex 2,11); kv éKeívco tcÔ Koaptô
i) Acréscimos de relatos complementares:
[naquele tempo] (Mt 11,25; 12,1); tore [então] (Mt 9,14; 11,20);
Episódios provenientes da tradição oral ou de outras fon ■p"Hnx ,n,l [e aconteceu depois disso] (ISm 10,1); perà raôra
tes escritas (documentos paralelos e arquivos oficiais) foram apro [depois disso] (Lc 5,27; Jo 3,22; 5,1). Entretanto, pode acontecer
veitados por razões teológicas e/ou literárias. Os seis apêndices de não haver nenhum ligame e novo episódio simplesmente co
de 2Sm 21-24 interrompem a crônica das intrigas palacianas meçar com um novo início: ■'ITl [e aconteceu / havia (= era uma
relativas à sucessão dinástica e ilustram o reinado de Davi. O vez)] (Jz 17,1); f\v õé [ora, havia] Jo 3,1); Ka! êyéueTa) [e aconte
sonho da mulher de Pilatos (Mt 27,19), talvez oriundo da tradi ceu (que)] (Mc 2,23); 1 [e / então] (Gn 21,1; Ex 1,8); kccl [e]
ção oral, provoca uma dilação e acrescenta um sabor dramático (Mc 6,6b. 14; Lc 6,14).
ao processo de Jesus.
m) Sumários:
j) Abreviações da fonte: Típicos da narrativa, os sumários são versículos que apre
Lucas e, sobretudo, Mateus não hesitaram em abreviar sentam uma série de eventos de forma sintética. Detectam-se,
Marcos, quando o consideraram muito detalhista e prolixo: Mc nos sumários, três distintas funções, por vezes, simultâneas: (a)
5,1-20 II Mt 8,28-34 II Lc 8,26-39; Mc 4,30-32 II Mt 13,31-32 II abreviar a narrativa, para chegar logo ao episódio que realmente
Lc 13,18-19. Nesse sentido, deve ser entendido o já citado texto interessa; (b) assinalar a conclusão ou o início da cena; (c) dar o
lCr 20,1-3 (II 2Sm 12,26-31). sentido do que acaba de ser exposto (sumários analépticos ou
retrospectivos) ou do que virá a seguir (sumários prolépticos ou
k) Composição com “palavra-gancho” : prospectivos). O sumário diferencia-se da “moldura”, pois apre
A presença da mesma palavra pode motivar a aglutinação senta o sentido dos acontecimentos e, por isso, serve como fonte
de ditos e provérbios originariamente independentes. Tal recurso, primária para se estudar a teologia do redator. Sumários analép
provavelmente, tem finalidade mnemônica: Pr 15,13-14 (31? [cora ticos: Js 5,4-5; ISm 2,18-21; 2,26 II Lc 2,40.52 (!); Mc 1,34;
ção]). 16-17 (2ia [bom, melhor])', 26,1-12 (S’p3 [estulto])', Mc 9,42 4,33-34; Lc 1,80. Sumários prolépticos: ISm 15,35; 2Sm 14,24
(oKavõaA.LCw [escandalizo/faço torpeçar]) + 9,43-48 (oKav5aÀ.Í.(w (cf. 2Sm 14,28); At 4,32-35.
+ Trvjp [escandalizo / faço tropeçar + fogo]) + 9,49 (imp + áA.Í(o)
[fogo + salgo]) + 9,50a (aÀccç [kí/]) + 9,50b (akecç [sa/]). n) Indicações geográficas e topográficas:
Quando quer situar o ambiente físico em que determinado
l) Conexões hermenêuticas de textos independentes: evento acontece, o autor / redator dá ao leitor as coordenadas
espaciais gerais (nome da cidade ou da região) e, eventualmente,
No caso anterior, a justaposição de textos é motivada pela
as coordenadas espaciais específicas (dentro ou fora da casa, pelo
presença, já no material tradicional, de uma palavra comum; neste
caminho, sobre o monte etc.). As primeiras são consideradas in
caso, a costura é construída intencionalmente pelo redator e, por
dicações geográficas; as segundas, indicações topográficas.
262
263
Nos evangelhos, algumas dessas indicações provêm da de situações podemos citar as pragas do Egito versus a dureza do
tradição (Cafamaum, em Mc 2,1; Cesaréia de Filipe, em Mc coração do Faraó (Ex 7-10) e as ordens de silêncio dadas por
8,27). Mas a necessidade de unir redacionalmente os episódios Jesus em Mc (1,25.43-45; 7,36; 8,30). Em se tratando de persona
isolados levou os evangelistas a compor verdadeiras “geografia gens, o redator constrói uma espécie de perfil psicossocial: Saul é
e topografia teológicas”. O termo opoç [montanha], em Mt (5,1; sempre mais reprovado, enquanto Davi é sempre mais exaltado
15,29), é o local de onde Jesus, o novo Moisés, revela a nova (ISm 16 - 2Sm 1); os discípulos de Jesus não compreendem seu
Mestre (entre outras: Mc 8,31-33; 9,30-37; 10,32-45).
Lei, ao passo que, em Lc (6,12; 9,28), é o local da oração solitá
ria; na obra lucana, Jerusalém é o centro da história da Salvação
r) Títulos e subtítulos:
(Lc 1,8-23; 2,22-38; At 1,8; 2,1-4; 19,21).
Esse recurso pode identificar o início de uma coletânea
Nas primeiras redações do Deuteronômio, parece que a lei (Pr 10,1), de uma fonte (Jr 46,1; Is 38,9) ou, mesmo, de uma
do santuário único não se referia a Jerusalém (Dt 12; 14,22-29;
obra (Ecl 1,1; Mc 1,1).
15,19-23), e sim a um dos lugares santos do Reino do Norte:
Siquém (Dt 11,29-30; Js 8,30-35) ou, mesmo, Silo (Jr 7,12).
1.3. Expediente redacional também na LXX8
o) Cumprimentos do Antigo Testamento:
A fim de evidenciar a realização das Escrituras, os autores Ao falarmos na Septuaginta (LXX) como a versão grega
neotestamentários referem-se constantemente ao Antigo Testa do AT, duas considerações devem ser feitas. A primeira refere-
mento, por meio de citações, ora explícitas, ora implícitas. As se ao texto hebraico que está na base (em alemão, a Vorlage) de
citações explícitas podem ou não ser introduzidas por uma fór tal tradução. Não se trata do Texto Massorético, mas de outro
mula de cumprimento (Mc 14,49; Mt 1,22-23; 2,15.17-18; Lc texto hebraico, anterior e, com certeza, mais original que o Tex
24,44; Jo 12,38-40). Por sua vez, as citações implícitas se dão to Massorético. A segunda refere-se ao processo mesmo da tra
pela ocorrência de palavras-gancho (Mt 24,15 II Dn 9,27; 11,31). dução. Influenciados pela tendência midráshica, que se faz pre
sente até mesmo no Texto Massorético, os tradutores realizam
p) Referências bibliográficas: um trabalho de verdadeira adaptação ou, como diriamos hoje,
Também são citações, mas diferem-se das tratadas no item inculturação do texto para o ambiente social, histórico e cultural
anterior, por afirmar que o texto (anterior ou a seguir) traz o em que vivem.
resumo ou o extrato de uma fonte da qual se serve o redator: lRs Esses dois pressupostos inserem a LXX no processo de
14,19.29; 1Cr 29,29-3067; 1Mc 8,22. Revelação e de Inspiração. Com efeito, há estudiosos que defen-
q) Leitmotive1 (motivos condutores): mento”). Quando o motivo se repete em um texto ou em uma obra, fala-se
de Leitmotiv. O motivo, por estar ligado à origem e à transmissão do texto,
A estilização de personagens, de situações ou de eventos é estudado pela crítica da tradição, enquanto o Leitmotiv é estudado pela
pode gerar, em um mesmo livro, diferentes episódios, de forma a crítica da redação, pois trata-se de um motivo assumido e reiteradamente
estabelecer o fio condutor (ou um deles) do relato. Como exemplo usado pelo autor.
Tov, E. The Text-Critical use o f the Septuagint in Biblical Research.
6 Cf. a nola y da TEB. Jerusalem, Simor, 1981; L e D é a u t , R. La Septante, un Targun?. In:
7 Uma situação ou um personagem típico que é utilizado em diferentes epi A ssociation C a th o liq u e F rançaise pour l ’e t u d e d e la B ib le . Études sur le
sódios é denominado “motivo” (etimologicamente “que coloca em movi- Judaísme Hellénistique. Paris, Cerf, 1984. pp. 147-195.
264 265
dem a canonicidade e a inspiração da LXX. Isso equivale dizer c) Mudanças interpretativas:
que nossas Bíblias deveríam conter DOIS Antigos Testamentos:
o hebraico e o grego. Nada de se admirar, pois temos QUATRO Textos difíceis exigem uma interpretação imediata. Por
evangelhos! isso, os tradutores operaram algumas mudanças. Gn 1,1; 6,9;
2Sm 4,6; 17,3.20; Is 9,13.
Pois bem, utilizando alguns dos critérios do elenco que
acabamos de apresentar, podemos compreender as diferenças 2Sm 17,3:
entre o Texto Massorético e o seu “irmão” grego. Não nos refe
rimos, neste momento, aos casos que a Crítica Textual considera t ^ x ayrrbp nrrtzixi
Kal êTTLOTpéiJrco uávra tòv
mudanças inconscientes: diferentes manuscritos, confusão de le b in W s
Àaòu Trpòç aé, õu tpóuov
tras, erro na divisão das palavras etc. Interessam-nos as mudan tíjpnn nnx -im urxn6TROTpé(j)ei. q vúp4>r| rrpòç tòv
ças conscientes: glosas, omissões, estilismos. OLvàpu cojríjç- TTÀpv il/u^py
Dibtti rrrr Dyirbi
èvòç ávõpòç ai) Ch^eiç, Kai
A lista dos casos é enorme. Por isso, vejamos apenas alguns:
ttíxutí tcô Àatô eoToa elppup.
Farei retornar a ti todo o E retornará a ti o povo todo,
a) Adições: povo. Como a volta de todos como retorna a noiva a seu
A LXX surge como tradução litúrgica e, portanto, deve (é) o homem que procuras. marido. Pois buscas a vida de
ser compreendida imediatamente. Nesta busca de clareza, os tra Todo o povo estará em paz.. um só homem, e para todo o
dutores acrescentam vários elementos que não estão presentes povo haverá paz.
no texto original. Entre outros textos, podemos citar Gn 9,22;
Ex 32,26; Js 5,3; Jó 5,27.
Jó 5,27: d) Substituições de palavras raras (e h a p a x leg ó m en a )
nnxi ou ôè yucâÕL oeauttú por palavras comuns:
et tl ’ÉupaÇaç Quando o texto Hebraico traz um vocábulo raro ou um
quanto a t sabe por ti quanto a ti, fica sabendo por hapax, os tradutores optam por outro mais simples e mais colo
mesmo ti mesmo se fizeste algo quial, mesmo em se tratando de um nome próprio. Gn 33,19;
Nm 13,33; Js 24,32; Jó 42,11; SI 78,25.
Gn 33,19:
b) Omissões:
ntrtop ápvóç
Inversamente ao caso anterior, os tradutores omitiram vá
moeda? quantidade de dinhei cordeiro (!)
rios outros elementos, por considerá-los supérfluos. Js 4,14; 5,8.
ro? ou uma antiga medida de
Js 4,14: peso, de valor desconhecido?
Aparece 3 vezes no TM.
inX ix ti (cal ècjmPoüvTO aútòv
n!iiü[-nx WT “içínÍ? uarrep [ ] Muuaíji'
e eles o temeram como [havi- e eles o temeram como 1 1 a
am temidoJ a Moisés Moisés
266
267
e) Adaptações e atualizações midráshicas: g) Mudanças de ordem teológica:
Ocorre, principalmente, com termos técnicos de adminis Certas divergências entre o Texto Hebraico e a LXX não
tração (Is 19,2), de culto (Is 22,15) etc. Detalhes referentes à se devem apenas a questões de tradução ou esclarecimentos de
geografia, ao hábitat e ao modo de vida dos egípcios ficam pa tipo targúmico. Elas podem ter um valor teológico. Entre outros,
tentes na versão grega (Gn 41,45; 45,10; Ex 1,11; 10,13; Is 27,12). destacamos:
271
270
estranhamente, os companheiros mais íntimos de Jesus são sem a colocação literária da perícope no conjunto da obra. É o Sitz in
pre os últimos a captar o real significado dos acontecimentos. der Literatur. Trata-se de contextualizar a perícope, a partir de
Em conclusão, podemos afirmar que o expediente reda- sua função no desenvolvimento geral da obra.
cional de Marcos converteu a narrativa, originalmente um “rela Utilizando os mesmos critérios de delimitação do texto,
to de salvação marítima”, em um “relato de discípulos”, no qual mas fazendo um caminho oposto, procura-se, agora, explicar as
a epifania da autoridade e do poder de Jesus serve como pretexto relações entre a perícope que estudamos e suas adjacentes. Com
para uma discussão sobre a incredulidade de seus seguidores". isso, quer-se identificar e delimitar um bloco de perícopes que,
Essa estratégia literária do redator tem uma finalidade eminente de alguma forma, estejam coligadas. Esse bloco, por sua vez,
mente catequética: corrigir falsas idéias a respeito do Messias e também se relaciona com os blocos seus adjacentes, com os
da era messiânica e levar os discípulos a um compromisso radi quais forma um bloco ainda maior, e assim por diante. E a partir
cal com o Mestre, a ponto de não renunciar ao discipulado dian dessas conexões que o Sitz in der Literatur busca uma compre
te da perseguição e das crises. ensão do conjunto do livro.
Além disso, não sejamos “franco-atiradores”, começando
do zero. Muitos já realizaram este trabalho antes de nós. Portan
1.5. Exercícios to, consultemos os comentários de que pudermos lançar mão.
Um só não basta, pois, ainda que os estudiosos utilizem os mes
Como vimos, o expediente redacional dos hagiógrafos pode mos critérios, sempre há espaço para interpretação e subjetivida
provocar vários tipos de transformações no material do qual se de, o que ocasiona discordâncias quanto às delimitações dos
serviram ao longo da composição dos livros bíblicos. Os textos blocos e o nome pelo qual devem ser tratados. Por isso, confron
propostos como exercício ao longo dessa metodologia, quais temos vários autores e procuremos compreender as razões de
surpresas ainda nos reservam? suas opções. Caso tenhamos nossa própria interpretação, não nos
Antigo Testamento: Gn 39,1-6a; 2Sm 16,5-14; 2Rs 4,1-7; esqueçamos de formulá-la de modo coerente.
Is 21,1-10; 45,1-7.
Novo Testamento: Mt 11,20-24; 26,6-13; Mc 1; Lc 6,1-11;
Rm 11,16-24; Ap 3,1-6. 2.1. O problema da terminologia ... ainda uma vez!
E, para quem quer mais, exercícios complementares:
Infelizmente, não há uma uniformidade, por parte dos exe-
Rt 4,7; 2Sm 13,1; Pr 31,1; Es 7,11; Jz 10,1-2.3-5; Lc 23,39-43;
getas, quanto aos termos pelos quais se deve designar as várias
Jo 4,1-3; At 6,1-7.
divisões e subdivisões do texto. Alguns falam de “cena”, outros,
de “seqüência”, em lugar do genérico “perícope”. Esta, por sua
vez, pode ser subdividida em “quadros” ou “atos”. Tal inconsis
2. SITZ IN DER LITERATUR (COLOCAÇÃO LITERÁRIA)
tência é devida, grandemente, à subjetividade dos estudiosos.
Uma vez estudadas as modificações que o redator final Como nossa finalidade não é encontrar a solução definiti
introduziu em sua versão, a crítica da redação pergunta-se sobre1 va para tal discussão, e sim introduzir nosso leitor na problemá
tica, vamos adotar uma terminologia menos complicada e, de
11 J. El Evangelio según San Marcos. Salamanca, Sígueme, 1986. v.
G n il k a , certa forma, já consagrada: perícope, subseção, seção, parte, obra
1, pp. 225-226. ou livro. Várias perícopes formam uma subseção; várias subse-
272 273
ções formam uma seção; várias seções formam uma parte; as
2.2. Contexto, plano e escopo 12
várias partes compõem a obra.
Um esquema básico pode ser o seguinte: A partir do que acabamos de afirmar, podemos dizer que
o Sitz in der Literatur busca evidenciar as relações, manifestas
ou latentes, entre o texto que estudamos e as demais perícopes
PERÍCOPE
do mesmo livro. Nessa abordagem, busca-se estabelecer os con
PERÍCOPE SUBSEÇÃO
textos próximo e remoto de determinada perícope, o plano geral
PERÍCOPE
da obra e o escopo pretendido pelo autor/redator.
SEÇÃO
Esclareçamos cada um dos termos em itálico, começando
PERÍCOPE pelo contexto, que pode ser próximo ou remoto.
PERÍCOPE SUBSEÇÃO PARTE
a) Contexto próximo: Também chamado contexto imedia
PERÍCOPE
to. Trata-se da articulação da perícope que estudamos com a que
PERÍCOPE
imediatamente a precede e com a que imediatamente a segue.
PERÍCOPE SUBSEÇÃO SEÇÃO b) Contexto remoto: Refere-se ao relacionamento de nossa
PERÍCOPE perícope com outras um pouco mais distantes, menos estreita
mente a ela ligadas. Abrange perícopes da mesma ou de outras
PERÍCOPE SUBSEÇÃO OBRA subseções, ou até mesmo de outro livro, no caso de uma obra em
PERÍCOPE mais de um volume (como a obra do Deuteronomista, ou a de
Lucas). Não se trata de referências paralelas ou citações da es
PERÍCOPE SEÇÃO critura, e sim de pressupostos no desenvolvimento da trama ou
PERÍCOPE SUBSEÇÃO do argumento.
PERÍCOPE PARTE
PERÍCOPE Quando dividimos uma obra em partes, seções e subseções,
estamos, em outras palavras, buscando estabelecer o plano geral
PERÍCOPE de tal escrito. Para lograrmos tal objetivo, são de extrema valia os
PERÍCOPE SUBSEÇÃO SEÇÃO critérios para a delimitação do texto (cf. capítulo terceiro), pois
PERÍCOPE eles constituem o elemento objetivo deste trabalho, isto é, quais
os indícios com os quais o hagiógrafo assinala o fechamento ou o
início de uma nova parte ou de uma nova seção em seu escrito.
Por escopo, designa-se a finalidade a que o autor se pro
No entanto, o fato de um estudioso usar esses ou outros
põe, qual o objetivo que tem em vista ao escrever sua obra.
termos (e fazê-lo com rigor) não significa, necessariamente,
que sua proposta de divisão e de estruturação geral da obra Contexto, plano e escopo são elementos que se mesclam
seja sustentável. Trata-se apenas de uma questão de terminolo em uma obra e, portanto, devem ser considerados juntos. Apenas12
gia. Pode ocorrer de um exegeta usar outros rótulos, mas ter
detectado com precisão as divisões, as passagens e as rupturas 12 T erry,M. S. Biblical Hermeneutics. 4. reimpr. Grand Rapids, Zondervan,
no conjunto. 1976. pp. 210-220; E g g er , W. Metodologia Bíblica. São Paulo, Loyola,
1994. pp. 54-55.
274
275
por uma questão metodológica é que são tratados em separado. ram de acrescentar13 um final que respondesse a uma objeção do
Podemos começar estudando o escopo do livro (qual tese o autor gênero: “Como as mulheres não contaram nada a ninguém? Se
quer provar). Em seguida, buscaremos estabelecer o plano da nós estamos sabendo, hoje, que Jesus ressuscitou, é porque, ao
obra (quais as divisões e subdivisões). Com isso, tomaremos menos para alguém, elas narraram o acontecido!”.
consciência dos contextos próximo e remoto do texto que anali No entanto, o próprio Marcos dá à sua obra um título que
samos (com quais outras perícopes a nossa se articula). exprime suas pretensões: ’Ap/f] toíi eúayyeÀÍou... [INICIO do
Dito de outra forma, a articulação da perícope que anali Evangelho...}. É como se o autor nos dissesse: “O que está escri
samos com outras perícopes (contexto imediato e contexto re to aqui não é tudo, é só o INÍCIO. Muitas outras coisas, com
certeza, aconteceram e ainda vão acontecer. Eu estou escrevendo
moto) não é algo aleatório, mas deve ser considerada a partir da
só o que se deu no começo. O resto vocês devem buscar na
organização geral da obra (plano), a fim de evidenciarmos como
caminhada da Igreja...”.
e em que medida essa mesma perícope colabora para que o autor
prove suas teses (escopo). Portanto, o final “abrupto e estranho” de Marcos não tem
nada de abrupto e estranho. Antes, está altamente coerente com
o que o autor já havia dito no título de sua obra: ele não quer
narrar tudo minuciosamente, não quer esgotar a história. Quer
2.3. Um exemplo
apenas dizer como foi que tudo começou... o início (ápxf|).
a) O escopo: b) O plano:
Comecemos procurando identificar o que o autor preten Uma vez definido ou esclarecido o que o autor pretende,
dia transmitir com seu escrito. Marcos não inicia seu relato sem passemos à organização geral do livro, isto é, ao seu plano. Para
antes nos dar a conhecer suas pretensões: ’Apxf| toü eúayyeA,íou tanto, observemos as propostas de vários estudiosos. A primeira
’Ipoou Xp lotou ulou 9eoô [Início do Evangelho de Jesus Cristo coisa a ser notada é que determinar o plano de Marcos e, por
Filho de Deus] (Mc 1,1). Além de ser o título do livro, tal conseguinte, a colocação literária (Sitz in der Literatur) de nossa
versículo já exprime o que a obra em seu conjunto pretende ser: perícope não é um trabalho muito fácil. Com efeito, os exegetas
uma apresentação do surgimento e dos primeiros passos (“iní e comentadores, partem, muitas vezes, dos mesmos pressupostos
cio”) da Boa Nova de Jesus. e dos mesmos critérios, mas acabam chegando a conclusões bem
diferentes. Vejamos brevemente:
A partir de tal compreensão do título, podemos abordar
também a discussão a respeito do final de Marcos. Várias foram J. Gnilka14 evita uma estruturação muito elaborada. Em sua
as propostas que visavam superar a- dificuldade causada pelo proposta, Mc 1,1-15 é denominado “o começo” e considerado um
insólito Mc 16,8, considerado a conclusão original: traí k&XQovoou bloco à parte. O restante do evangelho é dividido em seis seções
’étjmyou dcTrò tou pur||ieí.ou, et^eu yàp aúràç rpópoç Kcà ecauxau;-
Kaí oúõev! oúõèv eíua v 4cJ)o|3oOuto yáp [e saíram e fugiram do 13 Cf. as notas da Bíblia de Jerusalém e da TEB para 16,9. Para um aprofun
túmulo, pois o temor e o estupor as possuíam; e não disseram damento da questão: A guirre M onasterio, R. & R odriguez C a r m o n a , A.
nada a ninguém, pois estavam amedrontadas]. Evangelhos sinóticos e Atos dos Apóstolos. São Paulo, Ave Maria, 1994.
pp. 116-119; G nilka, op. cit. v. 2, pp. 411-419; L ane, W. L. The Gospel of
Copistas do Evangelho, por não terem dado a devida aten Mark, reimpr. Grand Rapids, Eerdmans, 1993. pp. 601-611, entre outros.
ção ao título, julgaram que o escrito estava incompleto e trata 3 G n il k a , op. cit. v. 1 , pp. 38.9-10.
276 277
(terminologia de Gnilka). Cada uma delas subdivide-se em várias 3. Continuamente em viagem (6,6b-8,26).
perícopes, sem nenhum outro agrupamento intermediário. 4. Convite ao seguimento da cruz (8,27-10,45).
Como critério delimitador de cada nova seção, Gnilka as 5. A atuação de Jesus em Jerusalém (10,46-13,37).
sume a temática do discipulado. Exceto a última (“paixão e vitó 6. Paixão e vitória (14,1-16,8).
ria”), todas as seções se iniciam com um relato no qual a presen
ça dos discípulos e o tema do seguimento estão fortemente acen W. L. Lane16 divide a obra em oito unidades. Exceto a
tuados. E, como veremos a seguir, Mc 4,35-41 constitui a déci primeira (1,1-13, o prólogo) e a última (16,1-8, o relato da res
ma perícope da segunda seção (“doutrina e milagres de Jesus”). surreição), todas as unidades são denominadas “seções” e subdi
Fiel ao seu critério do discipulado, Gnilka assim intitula nosso vididas em blocos, que, por sua vez, podem ser também subdivi
relato: “os discípulos fracassam na tempestade”. didos. Nessa proposta, algumas perícopes, por si sós, constituem
Esquematicamente, temos (com destaque para a seção que uma espécie de subseção, enquanto outras subseções são forma
nos interessa)15: das pelo agrupamento de várias perícopes. E, para ajudar a com
plicar, não há uma definição muito clara da terminologia.
O começo (1,1-15).
Diferentemente de Gnilka, que delimita as seções a partir
1. Jesus atua soberanamente diante de todo o povo (1,16-3,12). das narrativas que envolvem o discipulado, Lane prefere o crité
2. Doutrina e milagres de Jesus (3,13-6,6a). rio espacial (Galiléia, fora da Galiléia, a caminho de Jerusalém,
Jerusalém). Contudo, para diferenciar as duas fases do ministé
1. Instituição do círculo dos Doze (3,13-19).
rio na Galiléia, apóia-se em sumários (1,14-15; 3,7-12). No es
2. Repreensões de amigos e parentes. A verdadeira famí quema de Lane, nossa perícope encontra-se na seção III (“fases
lia de Jesus (3,20-35). finais do ministério na Galiléia”). Por outro lado, essa seção se
3. A parábola do semeador (4,1-9). subdivide em sete subseções (algumas constituídas por uma úni
4. Sobre o ministério do reino de Deus e o ensinamento da ca perícope). O texto que estudamos é considerado a primeira
parábola (4,10-12). perícope da quinta subseção (4,35-5,43), a qual se intitula
5. Explicação da parábola do semeador confiante (4,13-20). “o aniquilamento dos poderes hostis a Deus”.
6. Da revelação do oculto e do presente de Deus (4,21-25). O plano proposto por Lane é o seguinte:
7. A parábola da semente (4,26-29). I. Prólogo do evangelho (1,1-13).
8. A parábola do grão de mostarda (4,30-32). II. A fase inicial do ministério na Galiléia (1,14-3,6).
9. Conclusão das parábolas (4,33-34). III. Fases finais do ministério na Galiléia (3,7-6,13).
10. Os discípulos fracassam na tempestade (4,35-41) 1. Afastamento para o mar (3,7-12).
11. Um possesso se converte em pregador (5,1-20). 2. A escolha dos Doze (3,13-19a).
12. A cura da mulher e a ressurreição da menina morta 3. O caráter da família de Jesus (3,19b-35).
(5,21-43).
4. Parábolas referentes ao Reino de Deus (4,1-34).
13. Jesus é rejeitado em sua pátria (6,1 -6a).
5. O aniquilamento dos poderes hostis a Deus (4,35-5,43).
15 Neste c nos demais exemplos, seguimos fielmente o método de numeração
dos autores citados. 16 L a n e , op. cit. pp. 28-32.
279
278
(a) A sujeição do mar (4,35-41). (A) Respostas positivas (3,7-19a).
(b) O geraseno endemoninhado: a sujeição do de (B) Respostas negativas (3,19b-35).
mônio (5,1-20).
(C) Parábolas e explicações (4,1-34).
(c) O apelo de Jairo (5,21-24).
(D) Três ações milagrosas (4,35-5,43):
(d) A mulher com hemorragia (5,25-34).
(a) Silenciando a tempestade (4,35-41).
(e) A ressurreição da filha de Jairo: a sujeição da
morte (5,35-43). (b) Exorcizando um demônio (5,1-20).
6. Rejeição em Nazaré (6,1-6a). (c) Curando os doentes (5,21-43).
7. A missão dos Doze na Galiléia (6,6b-13). (E) Rejeição de Jesus por seu próprio povo (6,l-6a).
IV. Afastamento além da Galiléia (6,14-8,30). IV. Jesus é mal compreendido por seus discípulos na Galiléia e
fora dela (6,6b-8,21).
V. A viagem para Jerusalém (8,31-10,52).
V. Jesus instrui seus discípulos no caminho para Jerusalém
VI. Ministério em Jerusalém (11,1-13,37).
(8,22-10,52).
VII. A narrativa da paixão (14,1-15,47).
VI. Primeira parte da semana da paixão em Jerusalém
VIII. A ressurreição de Jesus (16,1-8). (11,1-13,37).
VII. Morte de Jesus em Jerusalém (14,1-16,20).
D. J. Harrington17 defende uma rígida estrutura geográfi-
co-teológica. O aspecto geográfico refere-se ao deslocamento de
P. J. Achtmeier18 também defende uma organização geral
Jesus (da Galiléia para Jerusalém); o aspecto teológico evidencia
em termos teológicos: a estrutura da narrativa é demarcada por
a autoridade de Jesus. Não obstante, a terminologia utilizada é
pontos teologicamente importantes. Segundo esse estudioso, o
insólita: cada “seção” está dividida em “partes”.
expediente redacional de Marcos foi bem restrito, mas dcstaca-
Também este estudioso chama a atenção para 4,35-5,43, se pelo acurado arranjo e pela cuidadosa justaposição das várias
como um provável agrupamento de relatos tradicionais de mila tradições de que dispunha.
gres. Segundo Harrington, nosso texto foi encaixado na quarta
Marcos estaria organizado em cinco partes, cada uma de
parte (“três ações milagrosas”) da terceira seção (“Jesus é rejei
tado na Galiléia”). las é aberta e é encerrada por relatos estrategicamente localiza
dos, embora nem sempre do mesmo tipo. Além disso, cada parte
Vejamos: se subdivide em cinco segmentos (terminologia de Achtmeier).
I. Prólogo (1,1-15). Nossa perícope está englobada no segmento D (“Jesus realiza
ações poderosas”) da parte 2 (“o ministério de Jesus na Gali
II. A autoridade de Jesus é revelada na Galiléia (1,16-3,6).
léia”), que se inicia com uma ação envolvendo os Doze discípu
III. Jesus é rejeitado na Galiléia (3,7-6,6a): los (tal qual partes 3 e 4) e se encerra com uma oposição a Jesus
(tal qual partes 1 e 3).
17 H arrington , D. J. The Gospel according to Mark. In: B row n , R. E.; F itzmyer
J. A.; M u r ph y , R. E. (eds.). The New Jerome Biblical Commentary. London
18 A c h tm eier , P. J. Mark, Gospel of. In: F r ee d m a n , D. N. (ed.). The Anchor
Geoffrey Chapman, 1990. p. 598.
Bible Dictionary. New York, DoubleDay, 1992. v. 4, p. 541.
280
281
A estrutura geral proposta por esse comentador é a Esquematicamente:
seguinte: Introdução (1,1-13).
I. Evangelho é Jesus enquanto Messias que proclama o Reino
1. Jesus aparece pregando o Reino de Deus (1,11-3,6). de Deus (1,14-8,30).
2. O ministério de Jesus na Galiléia (3,7-6,6): 1. Atuação de Jesus e resposta dos fariseus (1,14-3,6).
A. Jesus elege os Doze (3,7-19). 2. Atuação de Jesus e resposta do povo (3,7-6,6a):
B. Jesus elege os verdadeiros seguidores (3,20-35). — sumário-anúncio: Jesus rodeado pelo povo (3,7-12).
C. Jesus ensina em parábolas (4,1-34). — relato sobre os discípulos: eleição dos Doze (3,13-19).
D. Jesus realiza ações poderosas (4,35-5,43). — agrupamento quiástico de quem se opõe a Jesus:
E. Jesus rejeitado; conflito com os seus (6,1-6). família + escribas hierosolimitanos + escribas + famí
lia (3,20-35).
3. Jesus e os discípulos a caminho (6,7-8,21).
— agrupamento topográfico e cronológico: atividade ao
4. Jesus cura cegos; ensinamentos sobre a vida de discipulado redor do mar da Galiléia (4,1-5,43):
(8,22-10,52). * discurso parabólico (4,1-34).
5. Jesus em Jerusalém (11,1-16,8). * sinais no lago e seus arredores, a partir do entarde
cer (4,35-5,43).
A. Rodriguez Carmona19 assume vários critérios conjun — conclusão: os nazarenos se escandalizam de Jesus
tamente (literários, geográfico-cronológicos e teológicos) e utili (6,1-6a).
za uma terminologia mais estável. Na proposta desse comenta 3. Atuação de Jesus e resposta dos discípulos (6,6b-8,30).
dor, o evangelho de Marcos se divide em uma introdução (1,1-13)
II. Evangelho é Jesus enquanto Filho de Deus que morre e res
e em duas grandes partes, as quais pretendem desenvolver as suscita (8,31-16,8).
duas teses presentes no título (1,1). A primeira parte (1,14-8,30)
1. Caminhando pela Galiléia e Judéia, Jesus se dirige a Jeru
quer apresentar Jesus como Messias e se encerra com a confis
salém, anunciando sua morte e ressurreição (8,31-10,52).
são de Pedro (8,27-30). A segunda (8,31-16,8), pretende mostrar
2. Atividade de Jesus em Jerusalém, antes da paixão (11-13).
que tipo de Messias é Jesus, Filho de Deus - Servo Sofredor, e
terá seu desfecho na profissão de fé do centurião (15,39). 3. Paixão, morte e proclamação da ressurreição em Jerusa
lém (14,1-16,8).
Nossa perícope localiza-se na primeira parte (“Evangelho
é Jesus enquanto Messias que proclama o Reino de Deus”), na Caso consultemos outros comentários, veremos tantas ou
segunda seção (“atuação de Jesus e resposta do povo”), no “agru tras propostas. Estas, porém, já nos bastam. Uma vez estudada
pamento topográfico e cronológico: atividade ao redor do mar cada uma delas em separado, o próximo passo é montar uma
da Galiléia”, como o primeiro dos “sinais no lago e seus arredo sinopse, a fim de avaliar as semelhanças e as diferenças entre os
res, a partir do entardecer”. planos propostos pelos vários comentadores. De modo especial,
tal quadro sinótico deve evidenciar a perícope que nos interessa.
Algo do tipo:
19 A g uir r e M o n a s te r io & R o d r ig u e z C a r m o n a , op. cit. pp. 105-109.
283
282
G n ilk a L ane H a rrin g to n A c h tm e ie r R o d rig u e z
(sub)seção na qual nosso texto se encaixa apresenta a sujeição
C a rm o n a dos poderes hostis ao Reino de Deus — os elementos cósmicos
(4,35-41), os demônios (5,1-23), a doença (5,25-34) e a moite
0 C om eço I. P r ó l o g o ... I. P r ó lo g o ... 1. J e s u s a p a re c e ... In tro d u ç ã o
1. J e s u s ... II. A f a s e ... II. A a u to r id a d e ... 2 . 0 M in is té r io ... I. E v a n g e lh o é ...
(5,21-24.35-43) — à autoridade de Jesus. Com isso, retomamos
2. D o u trin a ... III. F a s e s f i n a i s ... III. J e s u s ... [.,.] [...] ao problema da identidade de Jesus.
l-J l-J 1—J Recordemos, porém, que nosso objetivo não é dar a pala
10. O s d i s c í p u l o s ... (a) A s u je iç ã o .., (a) S i le n c ia n d o ... (D ) Je su s r e a liz a ... * S i n a i s ...
l-J l-J [...]
vra final sobre a questão do plano da obra marcana (isso impli
3. C o n tin u a m e n te ... IV . A f a s ta m e n to ... IV . J e s u s ... 3. J e s u s ... II. E v a n g e lh o é ... caria confrontar o maior número possível de propostas), e sim
oferecer pistas metodológicas para o trabalho exegético. Por isso,
Trata-se de uma espécie de painel (algo impossível de se dentre esses poucos comentadores que tomamos como exemplo,
fazer em uma simples folha de sulfite) a ser utilizado como optamos, como hipótese de trabalho, pela proposta de Rodriguez
ferramenta, mas que não necessariamente deva aparecer na reda Carmona, por considerá-la como a que procura articular o maior
ção final de uma dissertação. número de critérios. Dizer que a tomamos como hipótese de
trabalho significa que não descartamos as demais como absolu
O que podemos deduzir a partir desse confronto de pro tamente falhas. Antes, significa deixar aberta a possibilidade de
postas? Escolher uma delas ou formular a nossa própria? que intuições e análises presentes nas demais venham a comple
Eis aí uma questão para a qual não há uma resposta pré tar a que escolhemos21.
definida. Tudo vai depender de nosso objetivo e do trabalho que
estamos elaborando. Como já afirmado, antes de qualquer deci c) O contexto próximo ou imediato:
são, procuremos compreender os critérios de cada comentador e Como nosso texto se relaciona com aqueles que o ro
avaliar cada plano proposto a partir do texto bíblico. Obviamen deiam, isto é, com o precedente e com o seguinte?
te, nossa opção deverá recair sobre o que nos parecer mais bem A perícope imediatamente anterior é o sumário conclusivo
fundamentado. do discurso parabólico (4,33-34). Nele encontramos dois escla
Em nosso exemplo, vemos que há um bom número de recimentos sobre a atividade doutrinai de Jesus: é uma palavra
elementos comuns entre as propostas confrontadas. Exceto na de (a) sábia (irapaPoA/rj [parábola]22, vv. 33-34a) (b) ministrada em
Gnilka, Mc 4,35-5,43 é considerada uma subseção internamente
articulada, na qual estão agrupados relatos de ações poderosas 21 Na verdade, estamos diante de uma questão espinhosa: como garantir que
de Jesus ao redor do lago da Galiléia. No entanto, é unânime o o hagiógrafo tivesse consciência de todos os elementos, até mesmo os
parecer de que tal agrupamento de milagres tem a finalidade de detalhes, que os exegetas assumem como critérios para estabelecer a orga
potenciar ou de acrescentar autoridade à pessoa e ao ensinamen nização geral de um livro bíblico? Se tais critérios fossem 100% inquestio
náveis e a estrutura da obra igualmente segura e evidente, não haveria
to de Jesus. Ou melhor, demonstrar que a doutrina de Jesus e tantas divergências entre os estudiosos. Quase que anedoticamente pode
seus milagres provêm da mesma autoridade20. Com efeito, a mos dizer que a única delimitação com a qual absolutamente todos os
exegetas concordam é que determinado livro (seja ele qual for) começa no
20 Na opinião de A chtmf.ier , op. cit. p. 555, “o ponto é que o poder que Jesus capítulo 1, versículo 1. De resto, não há unanimidade. Nem mesmo quanto
demonstrou em seus atos poderosos eie também demonstrou em sua dou ao último versículo de um livro (neste particular, pensamos no caso de
trina. Corno uma consequência, mesmo se o poder demonstrado em seus Marcos, conforme a discussão indicada anteriormente).
atos poderosos não for mais disponível após sua morte, não obstante, o 22 Ao estudarmos os gêneros literários, vimos que os evangelistas não são
poder envolvido em sua doutrina é”. muito precisos na utilização deste termo, pois denominam “parábolas” aos
284 285
dois níveis (um, destinado às multidões, outro, reservado aos • a ordem do exorcista ao demônio para que saia do
discípulos, v. 34b). Por sua vez, nossa perícope marca o início possesso.
de outro tipo de atividade, a taumatúrgica. Até agora, a palavra
• a saída acompanhada de demonstração.
de Jesus era reconhecida como sábia. A partir deste momento, é
necessário averiguar sua eficácia. Para tanto, Mc 4,35-5,43 apre • a reação dos espectadores.
senta uma série de milagres nos quais, com a força de sua pala Ora, não nos será difícil evidenciar, em nossa perícope,
vra, Jesus enfrenta as forças opostas ao Reino de Deus e, por boa parte desses elementos:
elas, tem reconhecida a sua autoridade.
Vemos, portanto, que a relação de nosso texto com aquele • o estado do possesso, expresso na agitação do vento e do
que o precede é de descontinuidade: encerrada uma subseção, mar (v. 36):
tem-se o início de outra, da qual o relato da tempestade acalma Koà yívetaL ÀcâAcu|/ peyáÀq ávépou,
da é a porta de entrada.
E acontece grande tempestade de vento
Isso será confirmado ao considerarmos a perícope que
Koà t à KÚpata èiTépaAAev elç tò ttAoiov ,
segue imediatamente à que estamos estudando. O primeiro ligame
com o episódio posterior encontra-se na movimentação geográ e as ondas lançavam-se para dentro do barco,
fica. Em 4,35, Jesus decide passar para a outra margem. Tal w are põp yep.í(ea9ca tò tiAoXo p .
deslocamento será concluído em 5,1. a ponto de já ficar cheio o barco.
Mas não só. O episódio narrado ao longo da travessia tem
ligações mais profundas com aquele que o segue: durante a tra • o encontro do exorcista com o possesso (v. 39a):
vessia temos um confronto cósmico (Jesus versus a tempestade) teal ôicyepôeíç
que prepara o confronto político em território pagão (Jesus ver
E, tendo-se levantado,
sus a Legião)23.
Comecemos considerando, brevemente, o Gênero Literá • a ordem do exorcista ao demônio (v. 39b-e):
rio “relato de exorcismo”, que é um tipo específico de relato de
CTTCTLppOCP TCÔ ápépXO
milagre. Os relatos de exorcismo possuem algumas característi
cas particulares que convém abordar aqui24: repreendeu o vento
xal eíuen tfj GaAáoap,
• a indicação do estado do possesso.
e disse ao mar:
• o encontro do exorcista com o possesso. T lwto,
• a tentativa de defesa por parte do demônio. “Eica quieto!
TTetJupwao.
mais diversos tipos de discursos, até mesmo aos que a literatura sapiencial
classificaria de “ m ã s h ã r .
Fica amordaçado!”
23 Para as referências deste texto à dominação romana, cf. Myers, op. cit. pp. • a saída acompanhada de demonstração (v. 39f-g)
237-241.
2J Cf. Weiser, A. O q u e é m i l a g r e n a B íb lia . 2. ed. São Paulo, Paulus, 1978. kch èKÓTraoep ó apepoç
pp. 89-90. E o vento cessou
286
287
Koà éyéueto yaÂ.r|vri peyáAr|. • Igual correlação pode ter a grande bonança (4,39) com
e aconteceu grande bonança. o são juízo do já não mais endemoninhado, mas agora
sentado e vestido (5,14).
• a reação e o questionamento dos espectadores (v. 41):
• O mar no qual se afogam os porcos possuídos agora pela
Km é(j)opq0r|ooü' cf>ó(3ov (léyau Legião de espíritos impuros (5,13) é o mesmo mar ao
E ficaram muito amedrontados qual, momentos antes, Jesus colocara a mordaça (4,39).
Kal eÀeyou rrpòt; âÀA.r|Àouç,
• A palavra eficaz de Jesus é portadora de autoridade
suficiente para derrotar as forças adversas ao anúncio
e diziam uns aos outros: do Evangelho. A tempestade, o mar e a legião são
Tíç apa oíkóç ècrnv apenas diferentes faces de Satã, entidade que personifi
“Quem é este, afinal, ca as potências opostas ao Reino.
otl Kal ó ãnepoç Kal f) BáÀaaoa ÚTraKoúei. oa>t(3 ;
Em resumo, essas duas narrativas foram agrupadas•25 não
pois até o vento e o mar obedecem a ele?” só por razões de ordem formal (estrutura semelhante), mas tam
bém por causa de seus conteúdos: são como dois quadros que
Temos, pois, um relato de salvação marítima que empres
devem ser lidos conjuntamente.
ta o vocabulário e alguns elementos dos relatos de exorcismo.
Mas tal afirmação não diz muita coisa a respeito do contexto Tal afirmação, porém, nos leva a perguntar se a cena com
imediato. Ou seja, não basta dizer que o relato da tempestade pleta compõe-se apenas desses dois quadros, ou se abrange ainda
acalmada se relaciona com o episódio do endemoninhado gera- outros. Ora, o estudo do plano da obra já nos havia fornecido a
seno porque, em ambos, Jesus realiza um exorcismo. Devemos resposta: a cena engloba ainda outros episódios. Estamos, portan
buscar algo mais. to, diante de um “políptico”, isto é, uma cena composta por vários
quadros — em nosso caso, quatro —, nos quais o Jesus taumatur-
Além do aspecto formal, essas duas narrativas articulam
conteúdos que se reclamam mutuamente: go continua a subjugar os poderes opostos ao projeto de Deus.
Tais relatos, porém, serão objeto do contexto remoto.
• A insistência em que ninguém conseguia dominar /
subjugar o endemoninhado, nem mesmo com correntes d) O contexto remoto:
e grilhões (5,3.4), faz pensar no vento e no mar, os Para não nos prolongarmos demais, visto que nosso obje
quais ninguém consegue dominar. Nesse sentido, a per tivo é ensinar um método, e não fazer a exegese completa de
gunta final dos discípulos, em 4,41, pode ser assim Mc 4,35-41 (é sempre bom lembrarmos isso!), vamos começar
interpretada: “Quem é esse que domina / subjuga o com algumas breves indicações.
vento e o mar?”.
Antes de mais nada, devemos recordar que nosso texto se
• A descrição da atividade do endemoninhado em seu liga a eventos narrados anteriormente em Marcos. Já havíamos
delírio (5,5) é descrita como as ações de um vento
impetuoso ou de um mar agitado. Em outras palavras,
a tempestade de vento e a agitação do mar equivalem 25 Vários estudiosos defendem uma coleção pré-marcana de sete milagres
estruturados quiasticamente e incluídos entre dois sumários: 3,7-12 e 6,53-
aos fenômenos desencadeados no rapaz geraseno, quan 56. Cf. Pesch, R. II Vangelo de Marco. Brescia, Paideia, 1980. v. 1, pp.
do possuído pela Legião. 441-444, e a bibliografia citada por Pesch, à p. 447.
288 289
notado, por exemplo, que a decisão da parte de Jesus de atraves as sobre o mar (4,35-41; 6,45-52) e a figueira que seca (11,12-
sar o mar está em consonância com seu desejo de pregar o 14.20-25). A subseção que nos interessa (4,35-5,43) é bastante
Evangelho alhures (Mc 1,38). Além disso, o barco já fora prepa curiosa, pois nenhum dos milagres nela narrados é presenciado
rado em 3,9, embora Jesus só entre nele em 4,1. pela multidão enquanto acontece. Havería nisso uma referência
A pergunta dos discípulos, igualmente, deve ser conside à rejeição, por parte dos judeus, de Jesus como Messias?
rada em conexão a, pelo menos, três outras, referentes à autori Vejamos o seguinte quadro:
dade de Jesus. A primeira delas é a formulada pelos presentes na
sinagoga de Cafarnaum, por ocasião do primeiro exorcismo: TÍ o milagre quem presencia
kaxiv roíruo; õt,6axr| Kcavr] Kat’ é^oucnav kccI xolç TTvajpaai o milagre acontecendo
toiç <ka0ápTot.ç éiutáoaa, xai úiTaxoúouau' aívctò. [Que é isto?
Um ensinamento novo com autoridade! E até aos espíritos im 4,35-41 Jesus acalma a tempestade apenas os discípulos
puros ele dá ordens e eles obedecem a ele!] (1,27). A segunda é
5,1-20 Jesus expulsa o demônio os discípulos e o possesso
aquela que será dirigida aos discípulos pelo próprio Jesus, em
(os guardas dos porcos não
Cesaréia de Filipe: úpeiç ôè xíva pie Xcyexe eivar; [vós, porém, presenciam o milagre em
quem dizeis que eu sou?] (8,29). E a última sai da boca dos si, somente a precipitação
adversários de Jesus, quando este expulsa os vendedores do Tem dos animais)
plo: ’Ev TTora èÇouaía tanta iToielç; i) tíç aoi eôwxev tqv
èÇouaíav taútr)v iva tauta Troufiç; [Com qual autoridade fazes 5,25-34 Jesus cura (sem querer''’) só a mulher (além de
estas coisas? Ou, quem te deu tal autoridade para que faças tais a mulher com um fluxo de Jesus) tem consciência do
sangue que está acontecendo (os
coisas?] (11,28).
discípulos e a multidão
Vejam-se, ainda, as várias repreensões que Jesus dirige nem mesmo parecem to
aos discípulos (7,18; 8,17-21.32-33; 9,19; e ainda 16,14 e 4,13). mar conhecimento do mi
Nelas, a causa é sempre a incredulidade dos que deveríam ser os lagre)
primeiros a reconhecer e a aderir ao Mestre como Messias.
5,21-24.35-43 Jesus ressuscita a filha de três dos discípulos e os
São outros, porém, os pontos que queremos agora focar. Jairo pais da criança presenciam
Para tanto, retomaremos a segunda informação do sumário de o ato do milagre (a multi
4,33-34: em particular, aos discípulos, Jesus ministrava ensina dão apenas constata o
mentos mais profundos do que os dirigidos à multidão. acontecido)
Sem nenhuma dificuldade podemos constatar que essa mes
ma duplicidade ocorre em relação aos milagres que Jesus reali 26 Sob esse aspecto, temos um milagre bastante curioso. Embora a cura acon
za. Isso é, embora em Marcos a maioria dos milagres seja reali teça em meio a uma multidão, a percepção do ocorrido se dá em forma
zada em público, não podemos deixar de notar que há também gradativa: primeiro, a mulher curada; depois, Jesus, que realiza um milagre
milagres que Jesus opera apenas na presença dos discípulos (4,35- sem querer (em contraste com Mc 1,40-41: OrjXw, Ka0apío0r|TL- [quero,
fica purificado!])-, a seguir, os discípulos, que, apesar da insistência de
41; 6,45-52; 11,12-14.20-25), ou na presença de alguns deles
Jesus, não confiam em sua advertência de que algo ocorrera; por fim, a
(5,35-43), ou mesmo a sós com o agraciado (1,40-45; 7,31-36). multidão, quando a mulher confessa a verdade. Ou seja, trata-se de um
Os três milagres realizados somente na presença dos discípulos milagre realizado em público, mas não percebido durante sua atuação,
não são curas, e sim milagres sobre a natureza: as duas travessi somente em seus efeitos.
290 291
Em nossa perícope, portanto, temos um milagre cuja reali acalmar o vento. Portanto, não tenhais medo como da
zação é presenciada tão-só pelos discípulos, em consonância com outra vez!”.
o princípio exposto no v. 34b: koct’LôCorn óè tolç íõíotç iiaGrpm • Quando Jesus se levanta e pronuncia uma palavra efi
ç èTTCÀuev tráuta [em particular, porém, a seus discípulos expli caz, o vento e o mar se tomam inativos (4,39); basta a
cava tudo], Como já tivemos a oportunidade de estudar, por
chegada de Jesus no barco, para que o vento se acalme
ocasião da estruturação do texto, os vv. 35-36 insistem que o
(6,51). Notar que a salvação é descrita com as mesmas
grupo de discípulos se afasta da multidão.
palavras: iced eKomxoev ó auepoç [e o vento cessou].
Além disso, lancemos nosso olhar para o outro relato de Devemos, agora, observar a lógica das quatro ações de
salvação marítima, narrado em Mc 6,45-52. Este possui vários poder que compõem esta subseção. Como afirmamos há pouco,
pontos de contato com Mc 4,35-41 e parece supô-lo: em Mc 4,35-5,43, temos um políptico: quatro quadros que refle
tem as várias dimensões do conflito contra Satã:
• Em ambos os relatos, a iniciativa é apresentada como
sendo de Jesus: õilÀGcopev elç tò vkpuv [atravessemos • 4,35-41: na natureza, que retoma ao caos (dimensão
para a outra margem] (4,35d); pwr/Kaoev touç pocGritàç cósmica);
ocútoO èpPíjwi- elç tò irAmou Koà TTpoáyeu' elç tò
• 5,1-20: na possessão (ou invasão), que destrói a ima
TTÉpav Tipòc; Br|0oodõáv [obrigou seus discípulos a en
gem de Deus impressa no homem (dimensão política);
trar no barco e precedê-lo para a outra margem, rumo
a Betsaida] (6,45). Jesus r\váyKcn.acv [forçou, obrigou] • 5,25-34: na doença, que toma a mulher impura (di
os discípulos a empreender a viagem (v.45). Por quê? mensão religiosa);
• Na segunda travessia, Jesus mesmo despede a multi • 5,21 -24.35-42: na morte, que abala a fé (dimensão exis
dão (6,45). Na primeira, ao contrário, são os discípulos tencial).
que realizam tal ação (4,36a).
Curioso é notar que a técnica da intercalação está também
• Na segundo relato, Jesus permanece em terra (6,45- presente nos dois últimos relatos: Jesus está a caminho da casa
46); no primeiro, está no barco, mas dormindo (4,38a,- de Jairo quando a mulher com o fluxo de sangue “rouba” dele
a2). Em ambos, portanto, os discípulos estão a sós con uma cura. Tanto quanto no caso da tempestade e do endemoni-
tra o vento. nhado geraseno, o texto intercalado antecipa o sentido do inter
• Os discípulos ficam apavorados. Em 4,38c-f, pela fú calate. Lane assim o exprime: “a cura da mulher que viveu com
ria do vento e do mar; em 6,49-50a, por julgarem ver a ameaça da morte antecipa a cura da menina que está atualmen
um fantasma quando Jesus se aproxima, caminhando te experimentando a morte. [...] A cura experimentada pela mu
sobre o mar. lher é ela mesma um reverso da morte e uma garantia da ressur
• A palavra de encorajamento presente em 6,50b parece reição da filha de Jairo”27.
supor uma experiência anterior do poder de Jesus sobre Além disso, o tema da fé, que estivera ausente no episódio
a tempestade. Com efeito, que implica dizer ©apoeLie, do endemoninhado geraseno (talvez por estarmos em território
êyoó erpi- pr) cpoPeloBe [Coragem! Sou eu! Não pagão), reaparece nestes dois últimos quadros. Nas três vezes
temais!]! Talvez algo a ser interpretado assim: “Cora
gem, não sejais covardes! Sou eu! Vocês já me viram 27 L ane, op. cit. pp. 189-190.
292 293
em que tal tema se faz presente nesta subseção, encontra-se vra, mas também o Messias da ação, pois repete e supera as
sempre na boca de Jesus: ações dos profetas do AT. Com efeito, Jesus realiza os milagres,
• 4,41: Kcà eÍTTeu otòtolç, T í õeiÀoí eote; ouikj exeie não mais com a força de Deus, mas por seu próprio poder. Ou,
ttíotlu; [e disse a eles: “Por que sois covardes? Ainda de outra forma, a palavra de Jesus não é apenas plena de sabedo
não tendes fé ? ”]. ria, mas também plena de poder e eficácia, pois ele tem o mes
• 5,34: ó 5è eÍTTeu atrurj, ©UYátrip, f) uíotiç oon aéatúKéu mo poder criador de Deus, poder este capaz de subjugar as for
oe uuaye eíç elppvTiv kou íoGi iryifiç áirò trjç páaxLYÓç ças demoníacas e de estabelecer uma realidade nova e libertada.
oou. [Mas ele disse a ela: “Filha, tua fé te salvou! Vai
em paz efica curada deste teu tormento!”].
2.4. Exercícios
• 5,36: ó õe ’IpooOç uapaKoíiaaç xòu XÓyou kcdoiiperw
Xéyei xô ápxiawaYWYqr Mq c|)opoO, póuou túaxeue.
[Mas Jesus, ouvindo a palavra que fora pronunciada, Comecemos com os textos que nos acompanham desde o
diz ao chefe da sinagoga: “Não temas, apenas tem fé !”]. início:
Antigo Testamento: Gn 39,1-6a; 2Sm 16,5-14; 2Rs 4,1-7;
No episódio da tempestade, trata-se de uma repreensão, Is 21,1-10; 45,1-7.
enquanto, nos outros dois, temos um encorajamento. Por outro
Novo Testamento: Mt 11,20-24; 26,6-13; Mc 1; Lc 6,1-11;
lado, nos dois primeiros casos, temos o milagre já realizado,
enquanto, no terceiro, ainda estamos à espera. Rm 11,16-24; Ap 3,1-6.
Talvez devamos ver, nesses relatos, três aspectos daquela E mais alguns outros, pois, como diz um ditado, “é a
fé que Jesus espera dos discípulos: prática que faz o mestre”: Jz 2,11-19; lRs 21,17-29; Am 1-2; Mt
8,5-13; Lc 9,18-27.
• na tempestade acalmada: quem não tem fé fracassa no
confronto com os inimigos do Reino de Deus;
• na cura da mulher: a fé impede que a salvação trazida 3. BIBLIOGRAFIA
pelo Reino permaneça submissa aos preceitos religio
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Em conclusão, o estudo do contexto remoto abre-nos a
seguinte perspectiva: embora sejam expressões que aparecerão B r is e b o is , M. Des méthodes pour mieux lire la Bible - 1’exégèse
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296 297
Capítulo 9
... E a Bíblia?
299
1. “HOJE A POESIA VEIO AO MEU ENCONTRO...” semi-independente. Estrofes maiores são denominadas “bicolon”,
“tricolon” e assim por diante, segundo o número de cola que a
Vamos, por fim, tomar alguns contatos com a poesia he compõem. Os 6,4:
braica bíblica ou clássica. Tanto quanto nas línguas modernas, a
essência da poesia na Bíblia encontra-se na densidade ou no uso rrn rr na Que farei por ti, Judá?
intenso de conotações, de comparações e de metáforas, mais do
Para a identificação dos cola no Texto Massorético, são
que em características formais (rima, métrica etc.). E, nesse sen
de grande valia os acentos ou sinais distintivos (pausas).
tido, todo o exposto até aqui em nossa Metodologia pode, e
deve, ser aplicado também a poemas. Análises como a da sinta Monocolon = colon que forma, por si só, uma estrofe no
xe, do estilo, dos gêneros literários, dos tópoi nos ajudam a poema, embora não totalmente isolado, isto é, cumpre uma fun
perceber a densidade poética de um texto. ção estrutural (abertura, fecho, clímax, refrão) no conjunto do
Resta em aberto, porém, a questão da forma, isto é, a da poema. Um exemplo de monocolon como refrão (conjugado com
verbalização dos sentimentos do poeta. A bibliografia a respeito outros elementos do poema) temos em Os 4,6.8.9.10.11:
é abundante. Nas páginas a seguir, vamos apresentar o resumo
de alguns capítulos do excelente manual de W. G. E. Watson, rnrr-DX) Oráculo de YHWH.
Classical Hebrew Poetry1, livro que recomendamos vivamente
para os leitores que desejarem aprofundar a questão. Bicolon = um par de linhas ou cola3, geralmente (mas não
sempre) paralelas, que formam um todo único ou estrofe. Pr 7,3:
D“lttíj5 Ata-as aos teus dedos.
2. DE NOVO... PROBLEMAS COM A TERMINOLOGIA!
rnb'by nsns escreve-as na tábua do teu coração.
Como não poderia deixar de ser, não há um consenso entre
os estudiosos quanto à terminologia a ser empregada na definição Tricolon = um conjunto de três cola que formam uma
dos versos e das partes de um poema. Advogando uma nomencla estrofe. Jó 21,84:
tura que evite inconsistências e ambigüidades, Watson2 propõe: DIT1T Sua linhagem é estável,
Hemistíquio = subdivisão do colon, quase sempre corres CDD crrjsS seus pais estão com eles
pondendo à metade do comprimento do colon. SI 69,18: Drrryb e seus renovos perante seus olhos.
Colon (Estíquio) = uma linha singular na poesia. Temos Estrofe = unidade de versos constituída por um ou mais
um “monocolon” quando um único colon constitui uma unidade cola, considerada como parte do todo maior.
302 303
3.1. Signo e sequência a) Paralelismo (congruência própria):
mesmos signos, mesma seqüência.
Tomemos como exemplo objetos colocados diante de um
espelho: a imagem refletida estará invertida e proporcional à
distância entre o espelho e o objeto real. Dizemos que o objeto e
a imagem são simétricos entre si.
Jr 51,27:
y“lX2 opxto Levantai um estandarte sobre a terra
Qiiaa “iDití lilpn Tocai um shofar entre as nações
Pois
mira ninbp “isto ele quebrou portas de bronze,
ina b m ■’ir-n i e trancas de ferro despedaçou.
Pr 7,21:
3.2. Exercícios
3.3. Alguns casos especiais
Vamos praticar um pouco. Procuremos identificar qual
combinação signo-seqiiência temos nos seguintes versículos pin- Muitas vezes, o poeta consegue fundir outros recursos às
çados: combinações signo-seqüência, de modo a atingir uma elaboração
Is 5,7b: mais sofisticada. Comecemos com alguns diagramas. Uma ilus
tração gráfica será melhor do que palavras para dar-nos uma
nsipp narri ttsuip1? ip') Ele esperava pelo direito, mas eis o crime, idéia das estruturas formais resultantes. Depois, poderemos cons
npyis nam npnisS pela justiça, mas eis o clamor (dos oprimidos). tatar como isso se concretiza no texto bíblico.
306 307
Ecl 1,28:
£Q m ca
nbnp aax D’brin ban Mentira das mentiras, diz o pregador,
ban ban D’ban ban Mentira das mentiras, tudo é mentira!
£Q Ê9 ca Ô ca ca
Ct 2,15:
escada pivo terraço (cascata) aba-monocolon D^bptí a b ‘ **nx Capturai-nos as raposas,
aaap D^bptí as raposas pequeninas,
D’ nna c 'b a ra que invadem as vinhas
a) Escada: Jz 5,3 m-aot;
iranoi
" t:
pois nossas vinhas estão em flor.
rn/tíN raíX rrirrb p jx Eu, a YHWH, eu cantarei. 2Sm 19,1a:
biOto’ -nbx rnrpb iaTX Louvarei a YHWH, o Deus de Israel.
a a aibtüax aa Meu filho, Absalão, meu filho!
b) Pivô: Jr 51,31
SI 114:
■pT ^TnXTpb 0 estafeta ao encontro do estafeta corre,
TM nxnpb TJttl eo mensageiro ao encontro do mensageiro. a p a a a bxpr' nxaa Quando saiu Israel do Egito
:fyb aaa apy: rvá e a casa de Jacó de um povo bárbaro,
c) Terraço (cascata): Jz 5,23 ittínpb rrnrr n n p Tornou-se Judá seu santuário,
ivnibttían bxnár Israel seu domínio.
’3 P ois
JTJIT rntyb )X3'xb não vieram para socorrer YHWH, Nossa tradução leva em conta dois dados. Primeiro, o próprio termo he
CPTiaa3 JTirP rntyb para socorrer YHWH cornos guerreiros. braico ban. Normalmente, este vocábulo é traduzido por “vaidade”. Seu
significado, porém, é bem mais amplo: vapor, névoa, nevoeiro, fumaça,
d) Aba-monocolon: SI 57,2 sopro, fôlego, vento impalpável, o vazio, o que se dissolve (não é à toa que,
em Gn 4,2-9, o nome do primeiro homem a morrer é ban [Hebei (Abel) =
p n Dpbx p n Misericórdia de mim, óDeus, misericórdia de mim! alguém que não vai durar muito tempo...)). Em conseqüência, vários textos
utilizam ban em referência aos ídolos (Dt 32,21; 2Rs 17,15; Is 30,7; Jr 2,5),
a fim de caracterizá-los como nulidade, mentira, falsidade, o absurdo, o
enganoso. Segundo, o escopo do livro do Eclesiastes: provar que a Teolo
3.4. Exercícios gia da Retribuição carece de bases sólidas. Como não se cansará de afirmar
ao longo de sua obra, tendo submetido os dogmas da sabedoria tradicional
Continuemos colocando à prova nossa veia poética, com ao crivo de sua experiência pessoal, o sábio é levado a assumir a postura
os seguintes textos: critica do ceticismo. Afirmamos, portanto, que a tese fundamental expressa
na inclusão ban ban D’ban ban [mentira das mentiras, tudo é mentira\
(Ecl 1,2; 12,8; mas também repetida variadamente cá e acolá em todo o
Ez 32,13: livro) se refere à tradicional doutrina retributiva: a Teologia da Retribuição
é trban ban [mentira das mentiras, o maior dos enganos, uma falsidade
“liy D IX 'bin Dnb“tn xbl E n ã o a s tu rva rá o p é d o h om em n o vam en te (m ais) tremenda, um absurdo excessivamente grande], ban ban [é tudo / tudo é
.. T : • xb n ar n" a: niOOD)
Dnb“in :- e o s c a sc o s d o s a n im a is n ão a s tu rva rã o mentira, é o total engano, é a completa falsidade, é o absoluto absurdo].
308 309
biT nxn dtt O mar viu e fugiu, b) Inclusão:
n in x 1? ab,T|V vn o Jordão voltou para trás. Como vimos, ao tratarmos da delimitação do texto (capí
Dnnn Av montanhas saltaram como cordeiros, tulo terceiro), temos uma inclusão quando a mesma palavra ou
qxtoiibb nii/na as colinas como cabritos. frase, presente no início da stanza ou do poema, reaparece no
oun ’b D*h Tj>»-nb Que tens, ó mar, pois foges? final. O texto fica, assim, enquadrado e nitidamente delimitado.
ninx*?. abn ]T vn Por que, Jordão, voltas para trás? SI 103,1.22:
n ^ x a npnn nnnn As montanhas, saltais como cordeiros?
qxir-bbb niuna As colinas como cabritos? mtrp-nx vit■o: - ’ ana
• T Bendiz, 6 minha alma, a YHWH.
f i x ■'‘pan yinx ■ba'pa Diante da face do Senhor trema a terra,
' :apin nibx Tabp Diante da face do Deus de Jacó. Outros exemplos: SI 150,1.6; Jr 5,21; ISm 2,1.10.
a’Q-oax Tsstobbhn Aquele que torna a rocha em pântano, Em alguns casos, temos inclusão também dentro de um
iT o to to b w nbn a pedra em fonte de água. único versículo. Is 29,9:
y /x T r p b Estão bêbados, mas não de vinho;
4. PROCEDIMENTOS POÉTICOS9 "lbl£f xVi W] Cambaleiam, mas não estão bêbados.
310 311
O u tr o s e x e m p lo s : M i 7 ,3 f a z a lu s ã o a J z 9; S f 1 ,3 f a z h) Oxímoro:
a lu s ã o a G n 1 ,2 6 e a c o s m o g o n ia s ( m it o s d a c r ia ç ã o ) e m g e r a l. Trata-se da combinação de duas palavras ou de duas ex
pressões semanticamente incompatíveis. Desta forma, realça-se
f) Elipse: determinado aspecto de uma situação ou coisa, para, a seguir,
Quando se omite um elemento (uma ou mais palavras) negá-lo. Pr 28,19:
exigido pelo contexto. Os 5,8:
□nbiyçúT in07N 722 Quem cultiva sua terra sacia-se de pão,
nip33 7Sítí 133pFi Tocai o shofar em Gabaá, t£r~rilÇiçr cpp ^770) mas quem persegue o vazio sacia-se de pobreza.
7072
t tt
m^iín
t : *:
--------a trombeta em Ramá.
Outros exemplos: Jr 22,19; Os 10,1; 12,12; Pr 17,26.
Outros exemplos: Jr 22,10; Nm 23,19a; Mi 7,1b; Is 38,18.
i) Abstrato por concreto:
g ) Ironia:
Um termo abstrato adquire um significado concreto. Is 3,25:
Quando se diz o oposto do que deve ser entendido. Pode
ser verbal (quando se diz o contrário do que se pensa) ou dramá )i72'’ 37112 ipnp Teus varões pela espada cairão,
tica (quando apresenta uma ação cujo resultado é o contrário do npnbps ijrninin e tua força (isto é, teus heróis) na guerra.
planejado ou quando o leitor conhece e compreende a situação,
mas o personagem não). Outros exemplos: Pr 22,12; SI 36,12; 37,28.
Ironia verbal. SI 114,5-6 (cf. vv. 3-4): j) Hipérbole:
01311 •’2 cm pV'Hfi Que tens, ó mar, pois foges? Um exagero (referente a tamanho, números, perigo, pode
ilínxS 307 |7T7 Por que, Jordão, voltas para trás? res, fertilidade etc.) expresso por termos da linguagem comum.
D^NÇ) rrppn O’-inn As montanhas, saltais como cordeiros? SI 5,10:
:]X1T''332 7Í103 As colinas como cabritos?
□3173 m ncnnp Um sepulcro aberto é sua garganta.
Outros exemplos de ironia verbal: Am 4,4-5; Mi 2,6.11.
Outros exemplos: Os 12,12; SI 69,5; Ct 1,4b.8b.
Ironia dramática. Eel 10,311:
k) Merismo:
i|b7 boonoiS 7|773~D3>] E mesmo pelo caminho pelo qual o estulto anda,
70n ia1? seu discernimentofalha, Eis outra figura literária à qual já havíamos nos referido
bbb 70N1 e ele diz a respeito de todos: anteriormente (capítulo quinto). É uma fórmula abreviada para
Nin *720 “ele é um estulto". exprimir totalidade. Há quatro tipos de merismos:
Outros exemplos de ironia dramática: Jr 14,6; Jz 5,30. (a) lista seletiva ou merística (enumeram-se algumas par
tes para se referir ao todo: Os 4,3; SI 146,6-9);
" Versículo com tradução e interpretação discutíveis. G insburg, C. D. C o h e l e t h . (b) expressão polar (usam-se os extremos para se falar do
London, Longman, 1861. p. 426, defende que, se o sentido fosse “ c liz a todo: SI 95,5; 50,13; Jó 29,8);
t o d o s q u e e le m e s m o é e s t u l t o ” , a frase seria ÍOH bpt? ’3 [ q u e e le é e s t u l t o ] ou
(c) quiasmo (congruência reflexiva: Is 10,4a; Ez 17,27);
7N bpo [ e u s o u u m e s t u l t o ], G lasser, E. O p ro c e s s o d a fe lic id a d e p o r C o é le t.
São Paulo, Paulinas, 1975. p. 189, por sua vez, evocando outro texto (2,2), (d) paralelismo antitético do gênero (anticongruência pró
faz notar que a construção b idn tem o sentido de “ d i z e r d e , a r e s p e it o d e ” . pria: SI 98,5-6; Is 41,4; Pr 22,17).
312 313
Vejamos apenas Os 4,3 (lista seletiva ou merística): o) Identificação tardia:
Primeiro se descrevem as características ou as ações de
rnim !Tn3 Com as feras do campo
alguém, que só será identificado mais tarde (às vezes, dois ou
□,dtín piypl e com as aves do céu
três cola à frente). SI 34,18-19:
ISON’ D»n ■'H'Din e também os peixes do mar serão retirados.
yptií m/PI Ipya Eles clamam e YHWH os escuta,
l)Hendíadis: nnD ^'bdpi e de todas as suas angústias ele os liberta.
Dois substantivos ou dois verbos ligados por uma conjun db^pdtzpb rnrt' didp Próximo está YHWH dos c o r a ç õ e s q u e b r a n ta d o s
ção, a fim de exprimir uma idéia simples mas, ao mesmo tempo, Ipdi1 nrnXd'TnX'i e os e s p írito s a b a tid o s ele salva.
complexa. Os dois elementos envolvidos não devem ser consi
derados em separado, e sim combinados. SI 42,5: Outros exemplos: SI 110,2; Jr 5,30-31.
6. BIBLIOGRAFIA
... E a Bíblia?
316 317
1. A SAGRADA ESCRITURA TEM SETENTA FACES difuso atualmente e muito em voga na América Latina, mas,
infelizmente, nem sempre praticado com a seriedade e o rigor
Segundo a tradição judaica, “a Torah tem setenta faces”. científicos necessários. Com isso, a Leitura Sócio-Antropológi-
Com tal afirmação, os rabinos querem dizer que nenhum co ca recebeu uma tratação diferente e bem mais extensa em rela
mentário será capaz de esgotar o sentido da Torah, uma vez que ção às outras quatro, levando-nos a reservar para ela um capítu
ela é divina. Quanto mais interpretações para o mesmo texto, lo exclusivo.
tanto melhor!
Esperamos que essas abordagens sejam também provoca
Tudo o que foi exposto, até o momento, neste livro, é ape tivas e incentivem o leitor a aprofundá-las recorrendo, principal
nas UM entre outros métodos de leitura da Bíblia. Um método que mente, às bibliografias utilizadas e recomendadas por cada um
não quer substituir nem invalidar os demais. Antes, quer oferecer dos autores.
fundamentos e novas pistas para outras leituras, principalmente
para as realizadas na América Latina, de cunho mais engajado.
Este e o próximo capítulo de nosso livro querem, precisa 2. LEITURA FUNDAMENTALISTA
mente, oferecer-nos uma visão panorâmica de outros métodos de
interpretação bíblica. Embora nosso interesse seja a leitura fundamentalista da
Vamos começar discutindo, ainda que brevemente, a pro Bíblia, precisamos começar notando que o fundamentalismo é
blemática do fundamentalismo. Depois, passaremos a cinco ou algo bem mais amplo do que uma simples postura hermenêutica
tras leituras. Elas estão agrupadas segundo o tipo de abordagem diante dos livros sagrados. E não obstante esteja, hoje, presente
que fazem do texto bíblico, a saber, duas leituras baseadas na também no Islamismo, no Judaísmo, no Hinduísmo, no neo-
Tradição (Leitura judaica e Leitura patrística) e três leituras de confucionismo e em outras seitas asiáticas radicais e extremis
tipo contextual (Leitura popular, Leitura feminista e Leitura Só tas, o fundamentalismo teve seus inícios entre os cristãos protes
cio-Antropológica). tantes nos Estados Unidos e no Canadá, no período imediata
mente posterior à Primeira Guerra Mundial. Suas raízes, no en
Para tanto, contamos com a preciosa colaboração de cole tanto, remontam à ortodoxia confessional do século XVIII.
gas biblistas, que trabalham o texto bíblico na linha das leituras
que introduzirão. Já o fato de serem cinco formas diferentes de
ler a Bíblia apresentadas por diferentes professores nos indica 2.1. O fundamentalismo
que estaremos diante de estilos diferentes. Há no entanto algo
comum entre as colaborações que vêm a seguir. Visto que cada O tema é, sem dúvida, bastante complexo e não é nossa
uma dessas leituras merecería um volume à parte, se quisésse pretensão esgotá-lo aqui. Cada vez mais, sociólogos, antropólo
mos expor, passo a passo, seus pressupostos, sua metodologia e gos, psicanalistas, historiadores e estudiosos da religião se inte
exemplos de textos bíblicos interpretados, teremos aqui somente ressam por esse fenômeno que tende a crescer em períodos de
uma introdução a cada uma dessas leituras. incerteza, ocasionados por mudanças sociais, econômicas, cultu
No entanto, devemos fazer uma exceção à Leitura Sócio- rais e políticas, a serem enfrentadas tanto pela coletividade como
Antropológica, pois julgamos oportuno e necessário aproveitar pelo indivíduo. Com efeito, Shupe e Hadden definem “em ter
a publicação deste livro para tratar com maior profundidade dos mos extremamente simples” o fundamentalismo como “um mo
pressupostos teóricos e ideológicos desse método de leitura tão vimento que visa recuperar a autoridade sobre uma tradição sa
318
319
grada que deve ser reintegrada como antídoto contra uma socie de posição diante da vida e da conjuntura social. Em um mundo
dade que se soltou de suas amarras institucionais”' . sempre mais complexo, incoerente, plurifacetado e em mutação,
a busca de valores simples, coerentes, unitários e perenes acaba
Em quase todas as línguas, o termo “fundamentalismo” excluindo os pontos de vista diferentes.
evoca as idéias de reacionário, antimodemo, conservador, con
A honestidade científica nos leva, porém, a reconhecer que
trário à evolução da ciência, adverso a novas idéias, literalista e
um fenômeno tão ligado à subjetividade humana adquire manifes
até paranóide.
tações bastante complexas e variadas (mesmo especificamente quan
Em uma abordagem psiquiátrica, Hole confronta funda to à leitura da Bíblia), decorrentes de uma “atitude fundamentalis
mentalismo, dogmatismo e fanatismo e procura distingüir estes ta”, presente em maior ou menor grau e, por vezes, inconsciente e
três fenômenos tão aparentados. A atitude fundamentalista é en bem articulada. Em outras palavras, tratar o fundamentalismo de
tendida como “a orientação para um valor ou uma idéia bási modo simplista e descartá-lo a priori como característico de indi
ca que tem que ser perfeccionisticamente protegida; além disso, víduos afetiva e intelectualmente inferiores ou perturbados seria
o medo de perder esse valor mediante compromissos” e caracte- encarar o fundamentalismo fundamentalisticamente.
riza-se “pela necessidade de: Devemos, portanto, focar as variadas facetas da atitude
fundamentalista quanto à leitura da Bíblia. A primeira delas é a
• embasamento (Verankerung),
dificuldade em lidar com a complexidade do texto bíblico e o
• identificação clara, pluralismo de idéias e de teologias por ele propostas, o que leva
• perfeccionismo, a uma rejeição. Para o fundamentalista, a Palavra de Deus está
• simplicidade”12. livre dos erros e das incoerências próprias da palavra humana.
As limitações culturais, linguísticas e científicas dos hagiógrafos
são minimizadas, quando não descartadas, pois os autores/reda-
2.2. Fundamentalismo e Bíblia tores agiram sob a divina inspiração, capaz de remover e superar
todos os obstáculos.
Após essas premissas, podemos retomar à temática que A segunda pode ser definida como realismo ingênuo3. O
nos interessa e fazer algumas ponderações breves e sumárias. leitor fundamentalista julga desnecessário interpretar o escrito e
tende a ignorar outras possíveis significações e as variadas pers
O fato de se ler a Bíblia de forma fundamentalista, isto é, pectivas de abordagem do mesmo texto. Para tal leitor, o sentido é
acentuar e aferrar-se à autoridade absoluta da Escritura entendi claro e está claramente expresso em palavras perfeitamente ade
da como inspirada e infalível, reflete uma atitude, uma tomada quadas. Questionado acerca das dificuldades e das várias opções
de uma tradução, o realista ingênuo dirá que, mesmo no original, o
sentido é claro e, portanto, também a tradução o será. E qualquer
1 S hupe, A. & H adden, J. (eds.). Secularization and Fundamentalism tradução divergente daquela que tal leitor acredita ser autêntica
Reconsidered, v. III. New York, Paragon, 1989. p. 111. Citado por C oleman, será tida como falsificação realizada por gente mal-intencionada.
J. A. Fundamentalismo global - Perspectivas sociológicas. Concilium 241
(1992/3): 55. Este número da revista Concilium teve como título Funda
mentalismo: um desafio ecumênico e foi inteiramente dedicado à proble 3 Atitude epistemológica que considera as idéias, os conceitos e as palavras
mática. Trata-se de um excelente ponto de partida para quem deseja apro como descrições verídicas, transparentes e não problemáticas da realidade.
fundar o assunto. Uma exposição breve e bem humorada da questão encontra-se em C arraher,
2 H ole, G. Fundamentalismo, dogmatismo, fanatismo - Perspectivas psiquiá D. W. Senso-crítico: do dia-a-dia às ciências humanas. São Paulo, Pionei
tricas. Concilium 241 (1992/3): 37. (itálicos do autor). ra, 1983. pp.100-101.
320 321
A terceira faceta disfarça a atitude fundamentalista sob a Testamento, se um Salmo ou uma perícope tirada da epístola de
égide da confessionalidade e se manifesta quando determinada Tiago, se uma lei do Deuteronômio ou a genealogia de Jesus no
doutrina ou teologia se utiliza do texto bíblico para comprovar evangelho de Mateus —, ele será sempre lido de modo a confir
seus dogmas. O texto bíblico, visto como linear, coerente e har mar determinada “interpretação”. Imaginemos um estudioso da
mônico, toma-se um tesouro de argumentos que corroboram o Sagrada Escritura que adota somente uma teoria ou uma linha de
credo e a doutrina de um grupo. Típico desse expediente é a interpretação e que força os textos para fazê-los concordar com
utilização de variados versículos, que foram pinçados de seus as idéias que quer provar. Não haveria nisso uma manifestação
contextos e sem levar em consideração a questão do gênero de fundamentalismo? Em outras palavras, só porque utilizamos
literário, para comprovar um artigo da fé e motivar ou legitimar o Método Histórico-Crítico, ou fazemos uma leitura feminista,
um comportamento. ou realizamos estudos sócio-antropológicos, isso significa que
A confessionalidade se desdobra em espiritualidade. Bem tenhamos superado a atitude fundamentelista?
mais numerosos que os fundamentalistas crassos e declarados
são os que abdicam do senso crítico e da própria capacidade de
buscar sentidos novos para as perícopes bíblicas e se deixam 2.3. Bibliografia
conduzir acriticamente por líderes e movimentos espirituais. Es
ses leitores interpretam o texto bíblico sempre da mesma pers B arr, J. A compreensão fundamentalista da Bíblia. Concilium
pectiva, normalmente de cunho moralizante, e descartam (ao 158 (1980/8): 87-93
menos para a própria vivência) a possibilidade de interpretações C o l e m a n , J. A. Fundamentalismo global - Perspectivas socioló
baseadas nas ciências bíblicas. Quando muito, aproveitam-se das gicas. Concilium 241 (1992/3): 53-64.
conclusões e dos questionamentos dos estudiosos apenas para H o l e , G. Fundamentalismo, dogmatismo, fanatismo - Perspecti
comprovar as interpretações que já operavam anteriormente, mas vas psiquiátricas. Concilium 241 (1992/3): 36-52.
rejeitam tudo o que coloca em dúvida uma leitura já assumida c
S u a id e n , S. O Fundamentalismo na leitura da Bíblia. Cadernos
tida como o sentido evidente e claro do texto.
de Teologia4 2 (1996): 28-37.
Por fim, a última faceta do fundamentalismo aponta para
a própria ciência bíblica. Mesmo entre os exegetas, não pode
haver um “fundamentalismo”? Não falamos apenas das pesqui
sas históricas, arqueológicas, antropológicas etc., que se empe
nham em provar a historicidade dos relatos bíblicos. Falamos de
algo bem mais sutil. Em vez de dar a liberdade ao texto para que
diga o que quer (ou o que pode), a atitude fundamentalista pode
levar o exegeta a realizar uma trapaça metodológica, que pode
ser assim definidida: não é a “interpretação” que abre o texto e
sim o texto que comprova a “interpretação”. O termo “interpre
tação” aparece entre aspas, pois não se trata mais de uma verda
deira interpretação, e sim de uma abordagem pseudocientífica: o
que deveria ser provado é utilizado como pressuposto. Em de
4 Publicação semestral do Instituto de Teologia e Ciências Religiosas da
corrência, não importa qual o texto — se do Antigo ou do Novo Pontifícia Universidade Católica de Campinas (SP).
322
323
3. LEITURAS BASEADAS EM UMA TRADIÇAO 4. Esta relação entre Palavra escrita e Palavra oral aconte
ce, até hoje, entre os Judeus, em diversos momentos e maneiras:
3.1. Leitura judaica5
Vitorio Maximino Cipriani* • na liturgia;
• na leitura-comentário;
A expressão “Leitura Judaica da Escritura” possui alguns • na leitura-busca.
pressupostos indispensáveis, os quais apresentamos, resumida
mente, a seguir6:
1. Por “Escritura” entende-se o que no mundo cristão é 3.1.1. Liturgia: lendo o texto da Escritura
comumente, embora não corretamente7, designado por “Antigo
Testamento”. Quando falamos em liturgia sinagogal, devemos ter em
2. Há um cânone chamado “hebraico” da Escritura, a Bíblia mente que não nos referimos apenas ao ofício religioso realizado
hebraica, que deve ser distinguida da Septuaginta ou LXX, a Es na casa de oração. O ofício é, sem dúvida, o centro da liturgia,
critura grega, quanto aos livros contidos e à razão de sua ordem. mas ele faz parte de um quadro bem mais amplo, que envolve
outros momentos que o preparam e o prolongam.
3. Com base na crença de que essa Escritura (hebraica) é a
Palavra de Deus escrita, nasce e desenvolve-se, a partir da volta São quatro os modos litúrgicos em que a comunidade si
do Exílio da Babilônia, a convicção de que essa Palavra escrita nagogal emprega a Escritura8:
deve, precisa e, mesmo, pede para ser atualizada, mediante a a) a leitura solene e contínua no ofício sinagogal;
leitura e re-leitura ao longo dos tempos. Estabelece-se assim,
para a comunidade judaica, uma outra fonte de autoridade que b) a leitura de textos escolhidos como prolongamento do
acompanha, comenta, interpreta e, eventualmente, inclui a Pala ofício;
vra escrita. Trata-se da Palavra oral. A Tradição judaica, antes c) a leitura de textos escolhidos para preparar a oração;
mesmo do Novo Testamento, fala, portanto, na Torah escrita d) textos escolhidos que integram a oração.
(Escritura) e na Torah oral (comentário, interpretação). Ambas
constituem “toda a Torah”, como as fontes, a autoridade da Re a) A leitura solene e contínua no ofício sinagogal:
velação, o Sinai.
Segundo a Literatura Rabínica (jMegillah9 4,1; 75a) e o
Novo Testamento (At 13,15; 15,21), a leitura regular e contínua
5 Seguirei, fundamentalmentc, o trabalho de A vrii., A. C. & L enhardt, P. La da Torah (Pentateuco), na liturgia sabática e nas Festas, remonta
Lettura Ebmica delia Scrittura. 2. ed. Magnano, Qiqajon, 1989.
* Especialista em Línguas Bíblicas pelo Instituto Ratisbone de Jerusalém.
aos tempos de Moisés.
Professor de Hebraico Bíblico na Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa
Senhora da Assunção, São Paulo. Consultor da edição em português da s Cf. A vril & L enhardt, op. cit. p. 20.
Bíblia - Tradução Ecumênica (TEB). 9 Tratado Megillah na versão do Talmud de Jerusalém. Este texto diz: “Moisés
6 É meu dever prevenir o leitor quanto à natureza absolutamente esquemáti- instituiu, em Israel, a leitura da Torah para os sábados e os dias de festa, as
ca da exposição. A falta de exemplos, principalmente no que diz respeito à luas novas e os dias semi-festivos, como se diz: ‘E Moisés falou a respeito
Leitura-Comentário e à Leitura-Busca (Midrash), deve-se à exigüidade de dos encontros festivos (mo'adim) do Senhor aos filhos de Israel’ (Lv 23,44).
espaço. Esdras instituiu em Israel a leitura da Torah para as segundas e as quintas-
7 O próprio Novo Testamento emprega a expressão “Antigo Testamento” feiras, bem como para o sábado, no ofício da tarde”. (A vril & L enhardt,
uma única vez, em 2Cor 3,14. op. cit. p. 21).
324 325
Atualmente, tanto nas comunidades judaicas como nas sa- Não como a Torah e os Profetas, a inclusão da leitura dos
maritanas, a leitura completa da Torah (Pentateuco) se cumpre Rolos na liturgia sinagogal foi definidida de modo variável, mais
no decurso de um ano de liturgia sabática (54 seções). Esta ou menos antiga, dependendo do Rolo e das comunidades. Em
divisão e esta periodicidade correspondem ao antigo costume bora, atualmente em Israel, tenha um uso generalizado, ainda
babilônico que se impôs a todas as comunidades da terra de apresenta variações segundo as comunidades.
Israel (judaicas e samaritanas), desde o décimo século de nossa
Os textos essenciais, Torah e Profetas, são lidos na manhã
era. Antes dessa data, o ciclo era trienal, seguindo uma divisão
em seções que variam conforme o lugar e o tempo (a divisão do Sábado ou da festa, entre o ofício da manhã (shaharít) e o
inassorética atesta 154 seções, mas há outras divisões que pro ofício adicional (mussqf), que conclui a oração da manhã. Para
põem 161, 167 e 175 seções, essa última correspondendo a um que o Sábado ou o dia de festa adquira sua tonalidade própria,
ciclo de três anos e meio!). essas leituras devem ser preparadas pelo estudo e esclarecidas
pela leitura-busca (notadamente homilética) e pela prática.
A leitura de textos dos Profetas também remonta a tempos
imemoriais e é atestada tanto pela Literatura Rabínica como pelo
Novo Testamento (Lc 4,15-20). A escolha das perícopes varia b) A leitura de textos escolhidos
segundo os tempos, os lugares e, eventualmente, as comunida como prolongamento do ofício:
des, é feita em função do texto da Torah lido no sábado ou no Diariamente, a leitura solene sinagogal é prolongada pela
dia de festa e se tornou estável também a partir do décimo sécu leitura do Shema ‘ Israel. Nos dias de festa, após o ofício matuti
lo. Com a leitura dos Profetas, encerra-se o ofício das leituras. no, lê-se o Hallel.
Lêem-se, igualmentc, em momentos fixos do ano litúrgico, Na liturgia, a expressão Shema ‘ Israel designa, no sentido
as Megillôt (Rolos). Trata-se de cinco livros, todos pertencentes ao estreito, o texto de Dt 6,4-9 e, em sentido lato, abrange dois
terceiro grupo dos livros da Bíblia hebraica, os Hagiógrafos outros textos, Dt 11,13-21 e Nm 15,37-41. A tradição de leitura
(Ketubim), que vem depois da Torah e dos Profetas. Cada um des regular dos três parágrafos é confirmada pela Literatura Rabíni
ses cinco livros é lido por ocasião de uma festa ou comemoração: ca (Mishnah, Tamid 5,11'). A posição do primeiro parágrafo,
como expressão fundamental da comunidade judaica, é igual
• Cântico dos Cânticos: lido por ocasião da festa da Pás
mente confirmada pelo Novo Testamento (Mc 12,28-34p).
coa (Pêssah) — 14/15 do mês de nlsan (março/abril);
• Rute: lido por ocasião da festa de Pentecostes (Shahaôt) Realizada toda manhã e, pelo menos os dois primeiros
— sete semanas após Pêssah (maio/junho); parágrafos (Dt 6,4-9; 11,13-21), toda tarde, a leitura obrigatória
do Shema‘ Israel era realizada, individualmente ou em comuni
• Qohelet (Eclesiastes): lido por ocasião da festa das Ten
dade, em comunhão com o Templo e seu culto. Tal prática re
das (Sukkôt) — 15 a 23 de tishri (setembro/outubro);
• Ester: lido por ocasião da festa de Purim — 14/15 de
nos da última fortaleza judia (135 d.C.); expulsão dos judeus da Espanha
adar (fevereiro/março); (1942); Primeira Guerra Mundial.
• Lamentações: lido na comemoração simultânea da que 11 “O tratado Tamid ('holocausto perpétuo’; cf. Nm 28,3; 6; 10; etc.) da
da do primeiro e do segundo Templos (respectivamen Mishnah, reúne tradições muito preciosas sobre a vida do Templo. Este é
te, 587 a.C. e 70 d.C.) — 9 de ah (julho-agosto)10*1. um dos primeiros tratados redigidos em Jâmnia, depois da destruição do
Templo. Com efeito, os Sábios quiseram, cm nome do povo, que a memó
ria do Templo permanecesse concreta na vida e na oração da nação, en
10 Um dia dc jejum e de luto, no qual se comemoram tambcm outras catástofes quanto o Senhor não restabelecer sua Habitação, sua Presença real (shekinah)
da história judaica, todas ocorridas nesta data: queda nas mãos dos roma- em Sion”. (A vrii. & L i-niiardt, op. cit. p. 63).
326 327
monta a tempos imemoriais e modelou o povo de Israel. É essa d) Textos escolhidos que integram a oração:
leitura na oração, esclarecida pela leitura-busca, da qual falare A Tradição não só organiza as leituras sinagogais, mas
mos à frente, que sustentou inumeráveis judeus chamados a tes também redige e dá forma às orações que nasceram da piedade
temunhar pelo martírio seu amor a Deus. popular. Nesse processo, cita e transpõe trechos da Escritura
O Hallel (Salmos 113 a 118), por sua vez, constitui um para o corpo das próprias orações. Rabbi Hillel12 dizia que o
canto de louvor a YHWH pelos atos de libertação, tanto os Espírito Santo repousa sobre o povo. Portanto, inspirada pelo
passados como os vindouros, que se realizarão no tempo messiâ Espírito, a oração deve levar o povo à Escritura, “em vista de
nico. Por isso, é recitado, desde tempos muito antigos, por oca uma coerência que seja a melhor expressão possível da fé”13.
sião das três festas de Peregrinação (Páscoa, Pentecostes e Caba Dentre inúmeros exemplos desse trabalho da Tradição so
nas) e da festa da Dedicação (hanukkah), depois do ofício da bre a Escritura, a fim de adaptá-la para a oração comunitária,
manhã. A partir de uma época mais recente, tal recitação se dá escolhemos dois que ilustram o poder de adaptação que a Torah
igualmente por ocasião da Neomênia (surgimento da Lua nova oral tem.
que marca o início de um novo mês). O emprego desses Salmos Para evitar vãs dificuldades14 no momento da oração, a Tra
é claramente indicado no Novo Testamento, no evangelho de dição modifica o texto de Is 45,7, “Eu formo a luz e crio as trevas,
Mateus 26,30 e seus paralelos. eu faço a paz e crio a desgraça. Eu, YHWH, faço todas estas
coisas”. Este versículo, sofre uma adaptação para abrir a primeira
c) A leitura de textos escolhidos para preparar a oração: bênção que antecede a recitação matutina do Shema' Israel:
Os Salmos em geral oferecem uma oração que, por si “Bendito és Tu, YHWH nosso Deus, Rei do Universo,
mesma, prepara e fornece o pano de fundo para a leitura solene que formas a luz e crias as trevas, fazes a paz e crias todas
sinagogal. A Mishnah, Tamid 7,4, fala de sua recitação no qua as coisas”.
dro do próprio culto do Templo.
Quanto ao texto original do versículo, sua discussão é
De fato, paralelo ao Hallel dos dias festivos (Salmos 113 reservada para os momentos de estudo, e não para os momentos
a 118), temos o chamado “Hallel de cada dia” (Salmos 145 a de oração.
150) lido todas as manhãs, antes da oração comunitária. No O segundo exemplo é tomado da oitava bênção do
sábado e na noite de Páscoa, recita-se, também, “o grande Hallel” Shemoneh ‘Eshreh, que pede de YHWH a cura das doenças.
(SI 136). Começa nestes termos :
O ofício comunitário vesperal é, preparado diariamente,
“Cura-nos, YHWH, e nós seremos curados; salva-nos e
pela recitação do SI 145, precedido por dois versículos pinçados,
nós seremos salvos, porque Tu és o nosso louvor”.
SI 84,5 e SI 144,15. A oração comunitária das Shemoneh ‘Eshreh
[Dezoito Bênçãos], rezada três vezes ao dia, é sempre precedida O texto da bênção se inspira em Jr 17,14: “Cura-me,
pelo SI 51,17. Ao término da oração, recita-se o SI 19,15. YHWH, e eu serei curado; salva-me e serei salvo; porque Tu és
Devemos ainda assinalar que, no sábado entre a festa dos o meu louvor”. A passagem para o plural é mais do que uma
Tabemáculos e a festa da Páscoa, após o ofício da tarde, lêem-se
também o Salmo 104 e os “cânticos de subidas”, isto é, Salmos 12 Cf. Toséfta Pesahim 4,13-14.
13 A vril & L enhardt, op. cit. p. 28.
120 a 134.
14 Cf. bBerakôt (tratado Berakôt na versão do Talmud da Babilônia) 11b.
328 329
modificação estilística; trata-se de uma adaptação de ordem teo • O Targum está ligado à liturgia sinagogal: Surge da
lógica: uma vez que a oração é comunitária, deve ser formulada necessidade de adaptar o texto a um auditório concre
na primeira pessoa do plural, e não na primeira do singular. to. Nesse esforço de clareza, são inseridos no texto
interpelações, doxologias, dramatizações, parêneses, re
preensões e exclamações.
3.1.2. Leitura-comentário • O Targum é uma literatura de caráter popular. Volta
do para a gente inculta, o Targum é uma tradução po
Tão antiga quanto a própria Escritura é a busca de seu
pular que ama, entre outras coisas, os exageros, os per
significado. Essa busca se concretiza nos comentários que surgem
sonagens lendários, as associações populares, as eti
ao redor de determinado texto: esclarecimento de termos difíceis
mologias fantasiosas, a simbologia dos números, a no
e obscuros, justificativa de prescrições da Torah, aplicação a ca
meação dos anônimos, as genealogias, a tipologia bons
sos práticos e a circunstâncias concretas, atualização de narrati
versus maus.
vas, transposições de linhas de conduta em situações diferentes.
Os textos mais recentes da própria Escritura apresentam • O Targum deve ser compreendido de imediato'. Para
exemplos desse esforço de comentário, atualização e releitura de fazer com que o significado da Escritura seja claro,
textos mais antigos. A Literatura Rabínica continuou essa busca utiliza-se um vocabulário mais simples que o texto he
do significado da Escritura, na tentativa de fazer uma ponte braico (evitam-se palavras raras e dá-se o significado
entre o tempo da Escritura e o tempo de seus leitores. Quanto de palavras obscuras), muda-se a estrutura gramatical,
maior a distância, em termos de língua e de mentalidade, tanto suprem-se nomes, números e datas, completam-se la
mais criativo o trabalho dos comentadores judaicos. cunas (por exemplo, textos ou discursos a que o texto
hebraico apenas faz referência), usa-se uma linguagem
a) O mctodo targúmico concreta (parábolas, metáforas, comparações).
Em certos lugares e épocas, não bastou comentar e expli • O Targum traduz um livro sagrado: A Escritura não
car o texto; antes de mais nada, foi preciso traduzi-lo. É precisa pode conter erro, nem contradição, nem palavra sem
mente dessa necessidade que nasce o Targum (tradução-comen- sentido. Tudo nela deve ter significado e importância.
tário) e a própria Bíblia grega (Septuaginta). O Targum procura solucionar as mínimas dificuldades
O capítulo oitavo desta Metodologia reservou algumas pági textuais, dar o significado profundo mesmo a expres
nas para a Septuaginta, ao falar dos critérios para a crítica da reda sões em si mesmas não importantes, fazer a exegese de
ção. Queremos, agora, dedicar alguns parágrafos ao Targum. Inte cada detalhe, interpretar textos obscuros, harmonizar
ressa-nos, em particular, o método targúmico de interpretação da textos contraditórios e responder de pronto a questões
Escritura. De antemão, devemos salientar que “método targúmico” que possam surgir na assembléia.
não significa um esquema de trabalho exclusivo do que chamamos • O Targum considera a Escritura uma unidade: A Es
de Targum. A própria Septuaginta e, como veremos em breve, a critura interpreta a Escritura. Muitos textos são consi
leitura-busca (Midrash) partilham de várias características que ora derados paralelos mesmo que o nexo entre eles seja
passamos a enumerar, ainda que sucintamente15: apenas uma palavra comum. Toda a Escritura pode
explicar um versículo em particular, porque na Palavra
15 Cf. L e D éaut, R. Targum du Pentateuque. Tome I. Genèse. (Sources de Deus não existe um antes e um depois. Assim, abo
Chrétiennes 246). Paris, Cerf, 1978. pp. 43-62. le-se a cronologia e a perspectiva histórica.
330 331
• O Targum apresenta uma Escritura atualizada'. A Es pretação (derash) da tradição rabínica, faz uma explicação sim
critura deve mudar sempre se quiser continuar sempre ples do texto (peshat), o que inclui a tradução de algumas pala
a mesma, isto é, deve estar constantemente atualizada vras para o francês de sua época.
às condições concretas da vida do fiel. Assim, no Tar Sua obra abre perspectivas inovadoras que serão a base de
gum, o passado projeta-se no presente e o presente tira comentários até hoje, potenciados, principalmente, pelo uso da
seu sentido do passado. Essa atualização é histórica, gramática, da lingüística, da filosofia e da Qabbalah.
geográfica, cultural e religiosa.
16 O comentário de Rashi, sobre o Pentateuco, também se encontra em edição 17 Avril & L enhardt, op. cit. p. 38.
bilíngüe, hebraico-espanhol. Uma edição bilíngüe hebraico-português já 18 D íez M acho, A. Derash y exegesis del Nuevo Testamento. Sefarad 35
está sendo publicada. Sobre Rashi, sua vida, sua obra, seus comentários da (1975) 37-41; Idem. El Targum. Introducción a las traducciones aramai-
Bíblia e do Talmud, ver S ed-R ajna, G. (cd.). Rashi - 1040-1990 — Homage cas de la Biblia. Madrid, Textos y Estúdios “Cardenal Cisneros”, 1979, pp.
à Ephraim E. Urbach. Paris, Cerf, 1993; R othkoff, A. et alii. Rashi. In: 12-31; ambos citados por P érez A. A. El método midrásico y la exégesis
R oth, C. & W igoder, G., (eds.). The Encyclopaedia Judaica. Jerusalem, del Nuevo Testamento. Valencia, Institución S. Jeronimo para la
Kcter, 1971. v. 13. cols. 1558-1565. Investigation Bíblica, 1985. p. 34. n. 19.
332 333
Sitz im Leben litúrgico. Sem dúvida, o Targum é midráshico por • Oüj?*? [cumprir] = dar sentido. No primeiro nível, o
natureza, pois é uma tradução que traz consigo o resultado do Midrash descobre, na Escritura, qual deve ser nossa fé
Midrash, mas de forma condensada, em poucas palavras. O (teologia) em vista de nossa ação (prática). É o chama
Midrash, por sua vez, pode romper os limites apenas citados e do “cumprimento exegético”.
deter-se mais longamente no seu verdadeiro propósito: comentar
• □"j?1? [cumprir] = agir. No segundo nível, o Midrash
o texto da Escritura bem como atualizá-lo constantemente e
aplicá-lo ao maior número de situações possíveis a fim de que o apresenta alguém que age de maneira conforme o sen
texto sempre tenha uma resposta a dar a qualquer situação, real tido descoberto no primeiro nível.
ou possível. O fator decisivo, porém, para distinguir Targum e • D’pb [cumprir] = realização das promessas. Cabe ago
Midrash não é a quantidade, e sim o propósito e a intenção19. ra a YWHW cumprir as promessas da Torah e dos
Midrash, portanto, é a exegese ou a “hermenêutica do Profetas.
judaísmo antigo”20. Exegese porque busca a plenitude de sentido Esses três níveis são inconfundíveis e irredutíveis, ao me
da Escritura; hermenêutica, porque utiliza técnicas e procedi
nos na tradição rabínica. A tradição rabínica, pelo menos no que
mentos determinados21, a saber, os mesmos do Targum. No en
lhe toca, não permite que se confundam ou se reduzam os níveis.
tanto, por não ter as limitações impostas ao Targum, o Midrash
“O fim da história, a vinda do Reino de Deus, é, sem dúvida, o
os eleva ao máximo grau, chegando a fazer exegese não só de
cumprimento de todas as coisas, mas, no centro e na base de
seções, de frases e de palavras, mas também de letras.
todas essas coisas, está a Torah estudada e praticada por Israel”24.
De fato, visto que cada consoante de alfabeto hebraico
tem um valor numérico, além do conjunto da palavra, cada letra c) M id ra sh H a g g a d a h e M id ra sh H a la k a h
mantém seu significado e valor próprios. Por isso, a atual divi
são de palavras não é obrigante (uma palavra pode ser decom A Literatura Rabínica divide a Escritura em dois gêneros
posta em duas ou mais) e palavras de mesmo valor numérico (a literários: aquele dos mandamentos (jurídico) e aquele dos relatos
soma dos valores das letras que as compõem) relacionam-se e (narrativo). Para cada um deles, há um tipo diferente de Midrash.
interpretam-se mutuamente. Comecemos pela leitura-busca aplicada aos relatos. O
Midrash resultante é chamado Haggadah (do radical 133 [nar
b) O M id r a s h cumpre a Escritura rar, contar, relatar], do qual deriva o sentido de relato, conto).
O termo D’j?1? [cumprir] é elemento central na linguagem Sua natureza é homilética, espiritual, teológica, não legal, isto é,
do Midrash22. A Literatura Rabínica, já desde antes do final do sem a intenção de determinar uma prática concreta, mas de
primeiro século da era comum, no que se refere à Escritura, elucidar um relato por meio de outro relato. A literatura rabínica
emprega esse verbo em três níveis23: produziu Midrashim deste gênero sobre, praticamente, todos os
livros da Escritura. Dentre eles, destaca-se o Midrash Rabba
19 Cf. L e D éaut, op. cit. 43-45; D iez M acho, A. El Targum. Introducción a [Grande Midrash].
las traducciones aramaicas de la Bíblia. Madrid, Textos y Estúdios Quando o Midrash se ocupa de textos jurídicos, como, por
“Cardenal Cisneros”, 1979. pp. 12-13.
exemplo, os mandamentos25, para cumprir a Escritura em vista
20 D íez M acho, A. El Targum... op. cit., p. 13.
21 Cf. P érez, op. cit. pp. 31-79. da ação e da prática, temos a chamada Halakah (do radical "jbn
22 Observe-se sua presença explícita em numerosas passagens do Novo Tes
tamento, tais como Mt 5,17. 24 Idem, ibidem, pp. 48-49.
23 Cf. A vril & L enhardt, op. cit. pp. 48-49. 25 Veja-se Mt 5,20-48.
334 335
[andar, caminhar, conduzir-se, comportar-se], do qual deriva o L im e n t a n i , G. O Midraxe. São Paulo, Paulinas, 1998.
sentido de norma de conduta). O Midrash Halakah cobre apenas M u n k , E. The World o f Prayer. New York, Philipp Felheim,
os livros da Escritura nos quais se encontram os mandamentos 1961. (também em francês: Le Monde des Prières. Paris,
(Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio). Na Literatura Ra- Presse du Temps Présente, 1970).
bínica, encontramos cinco obras principais desse tipo de Midrash, P é r e z , A. A. El método midrásico y la exégesis del Nuevo Testa
todas de caráter acadêmico ou escolar (exegese minuciosa, ver mento. Valencia, Institución S. Jeronimo para la Investigación
sículo a versículo) Mekilta de Rabbi Ishmael e a Mekilta de Bíblica, 1985. pp. 31-79.
Rabbi Shim’on ben Yohay, ambas sobre Ex 12,1-23; 31,12-17;
P é r e z F e r n a n d e z , M. Literatura Rabinica. In: A r a n d a P é r e z , G.;
35,1-3; a Sifra’, sobre o Iivro do Levítico; Sifrê Números, sobre
G a r c ía M a r t in e z , F .; P é r e z F e r n a n d e z , M. Literatura judia
o livro dos Números, e Sifrê Deuteronômio, sobre o livro do
intertestamentária. Estella, Verbo Divino, 1996. pp. 419-562.
Deuteronômio.
R o t h k o f f , A. et alii. Rashi. In: R o t h , C. & W ig o d e r , G. (eds.).
“Por tudo isso, não nos deve surpreender que estejamos
The Encyclopaedia Judaica. Jerusalem, Keter, 1971. v. 13.
assistindo a uma revalorização do Midrash, compreendido, já
cols. 1558-1565.
não como sinônimo de fábula, lenda ou narrativa lendária, algo
S e d - R a jn a , G., (ed.). Rashi - 1040-1990 — Homage à Ephraim
fruto da capacidade imaginativa, definitivamente não histórico,
mas como a mentalidade hermenêutica com a qual o Judaísmo E. Urbach. Paris, Cerf, 1993.
antigo (e o Cristianismo primitivo) atualizava(m) o texto bíblico, T r e b o l l e B a r r e r a , J. A Bíblia judaica e a Bíblia cristã.
considerando-o como tradição viva, iluminadora da realidade Petrópolis, Vozes, 1996. pp. 562-592.
presente e futura”26.
A v r il , A. C. & L e n h a r d t , P. La Lettura Ebraica delia Scrittura. A exegese patrística deu início ao que hoje chamamos de
2. ed. Magnano, Qiqajon, 1989. hermenêutica cristã.
Díhz M a c h o , A. El Targum. Introducción a las Traducciones Sabe-se que alguns textos de literatura patrística, tais como
Aramaicas de la Biblia. Madrid, Textos y Estúdios “Cardenal a Didaqué, a Carta de Clemente Romano aos Coríntios, a Expli
Cisneros”, 1979. cação das Palavras do Senhor e as Cartas de Inácio de Antioquia
são praticamente contemporâneos às últimas redações dos livros
H e r r , M. D. Midrash. In: The Encyclopaedia Judaica. Jerusalem,
neotestamentários.
Keter, 1971. v. 11. cols. 1507-1514.
K e t t e r e r , E. & R e m a u d , M. O Midraxe. São Paulo, Paulus,
Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, mes
1996. tre em História pela Universidade de São Paulo. Professor de Filosofia nas
L e D é a u t , R. Targum du Pentateuque. Tome I. Genèse. (Sources Faculdades Associadas Ipiranga, São Paulo. Professor de Grego Bíblico,
Patrologia e Gênero Apocalíptico na Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa
Chrétiennes 246). Paris, Cerf, 1978. pp. 43-62.
Senhora da Assunção, São Paulo. Professor de Patrologia, Introdução a Santo
Tomás, Introdução à Bíblia, Apocalipse e Cartas Católicas na Escola Domi
26 P érez, op. cit. p. 32. nicana de Teologia. Membro do comitê tradutor da Bíblia de Jerusalém.
336 337
O trabalho dos Padres da Igreja e dos escritores eclesiásti de João. O que se conhece desse comentário, hoje, são apenas os
cos, nos primeiros séculos de nossa era, até contribuiu para a fragmentos citados por Orígenes.
formação do Cânon cristão, bem como para formar a Tradição. A literatura latina cristã não produziu nada de grande im
Da contribuição deles, portanto, foi tomando corpo a norma da portância antes do fim do primeiro século. Nessa época, porém, a
fé cristã para os séculos vindouros. literatura grega cristã já havia produzido obras muito marcantes.
A interpretação bíblica desses autores privilegiados encon Os primeiros textos pós-apostólicos têm uma história
tra-se nos comentários e nos escritos apologéticos, nas instruções semelhante à redação do próprio Novo Testamento: necessida
catequéticas e, especialmente, nas reuniões de oração, com desta
de de preservar a memória (Papias de Hierápolis), correspon
que para as homilias realizadas nas celebrações litúrgicas.
dências intereclesiais (Clemente Romano), vademecum mis
Nas páginas a seguir, vamos propor uma breve visão his sionário (Didaqué), peças litúrgicas ou aprimoramento moral
tórica da interpretação cristã das Escrituras na Igreja dos primei (Carta de Barnabé, O Pastor de Hermas), mística do martírio
ros séculos. (Inácio de Antioquia) etc. A primeira lírica cristã surge com as
Odes de Salomão.
3.2.1. Os primeiros passos Até a metade do segundo século, os cristãos se comunica
vam praticamente apenas entre si (literatura ad intra, de edifica
As origens da exegese cristã, contudo, ainda estão envol ção mútua), em um tom familiar, muito próximo à linguagem do
vidas em mistério. É claro que, desde as primeiras pregações, os Novo Testamento. A partir da segunda metade do século II,
mensageiros da Boa Nova apoiaram seu trabalho sobre os Livros surgem as apologias (defesa da fé, da doutrina e do comporta
Sagrados. Nisso, seguiram o Mestre Jesus, que diversas vezes mento cristãos), as quais, direta ou indiretamente, eram dirigidas
declarou que, em sua pessoa, realizavam-se todas as profecias à opinião pública, aos judeus, aos pagãos e às autoridades (Justino,
concernentes ao Messias. Com todas as chances de verossimi Aristides, Carta a Diogneto, Melitão de Sardes). Surge, também,
lhança, atribuem-se sentenças bíblicas à pregação oral do pró uma literatura polêmica, anti-herética, dada a necessidade de se
prio Jesus. Sob esse aspecto, portanto, tão antiga quanto a pró fazer frente às opiniões heterodoxas, geralmente gnósticas, que
pria Igreja é a exegese cristã, cujo desenvolvimento contou com se introduziam no seio das comunidades. Uma abundante produ
a colaboração das exigências da pregação, a começar pelo século ção literária resulta, enfim, nos apócrifos do Novo Testamento.
II, particularmente as da polêmica anti-judaica. Somente no século II começou entre os cristãos o gênero
Livros como o Diálogo com Trifão, de Justino, nada mais do comentário escriturístico. Mas tais comentários foram prece
são, substancialmente, que um comentário dos principais textos didos por alguns esforços de abordagem sistemática da Escritu
messiânicos. ra. Os gnósticos deram os primeiros passos. Além do já mencio
Mas, uma coisa é explicar um texto ou uma série de textos nado Heraclião, costuma-se citar Ptolomeu, cuja Carta a Flora já
isolados, em vista da comprovação de uma tese; outra coisa é faz uma primeira tentativa de exegese científica. Por volta de
comentar um livro bíblico do começo ao fim, com o intuito de 172, Taciano, que já tinha se enveredado pelo encratismo, redi
edificar ou instruir os fiéis. giu (em siríaco?) uma harmonia dos quatro evangelhos
É curioso constatar que o primeiro cristão a realizar esse CDiatéssaron), com a intenção de apresentar aos cristãos um
propósito foi um gnóstico da escola valentiniana, Heraclião (sé relato contínuo. A tradução dessa obra para o latim pode ter sido
culo II), que escolheu como tema de suas reflexões o evangelho a primeira versão latina do evangelho.
338 339
O fato é que, diante das orientações heréticas, a Igreja Orígenes ensinou que a Sagrada Escritura possui três
começou a sentir a necessidade de um maior esclarecimento da sentidos:
fé cristã, a partir do verdadeiro sentido das Escrituras. Como
• sentido literal, corporal, somático ou histórico;
resultado, a controvérsia contra os gnósticos, nos séculos II e III,
foi eminentemente exegética. • sentido psíquico ou moral;
• sentido espiritual, místico ou anagógico.
O primeiro sentido tem valor propedêutico, sem ele não se
3.2.2. A í duas grandes linhas pode chegar aos demais. O segundo sentido consiste em extrair
do texto sagrado normas de tipo prático ou moral, mediante uma
Mais especificamente, se nos perguntarmos acerca do pro leitura atualizante das Escrituras, as quais interpelam o leitor;
blema hermenêutico da interpretação da Bíblia na era patrística, estabelece-se uma relação pessoal entre a alma humana e o Se
podemos resumi-lo apontando as duas grandes linhas brotadas nhor. O terceiro sentido é o mais profundo, pois atinge o misté
do amadurecimento de uma prática cujas origens permanecem, rio cristão na sua plenitude cristológica, eclesial e sacramentária.
como se viu, difíceis de precisar. Por essa ótica, para os alegoristas, a história pode mais
ocultar do que revelar a verdade.
A hermenêutica patrística oscilou sempre entre o alegoris-
mo e o literalismo. Estas duas palavras servem para caracterizar Mesmo não deixando regras rígidas de interpretação, con
fiando na capacidade intelectual e no bom senso do exegeta,
as duas famosas escolas de interpretação da Bíblia na antiguida
Orígenes propôs que aos três sentidos da Bíblia (literal, moral e
de cristã: a alexandrina e antioquena. espiritual) conviría corresponder uma tríplice interpretação:
Não se trata de “escolas” no sentido técnico, como se gramático-hislórica, física e alegórica, respectivamente.
fossem duas instituições; nem se trata de orientações opostas, Essa metodologia produziu bons frutos, mas deu também
pois, muitas vezes, um mesmo autor soube se servir com geniali oportunidades para o que A. von Hamack chamava de “alquimia
dade de ambas as metodologias. bíblica”, ou seja, muitas acomodações arbitrárias.
E a B íblia?,..
354 355
1. POR QUE UMA LEITURA mente ambíguos, de alinharmos coração e cabeça, de combinar
SÓCIO-ANTROPOLÓGICA DA BÍBLIA? mos teoria e prática”2.
Vale lembrar aqui outro aspecto: a aplicação das Ciências
Philip R. Davies, exegeta britânico, ao falar dos métodos Sociais ao estudo da Bíblia vem conseguindo responder satisfa
usados na leitura da Bíblia nas últimas duas décadas, sugere que toriamente a questões que a clássica “teologia bíblica” não con
a combinação das abordagens literárias e sociológicas apresenta seguiu abordar de modo adequado até agora3.
hoje o caminho mais promissor para o avanço dos estudos da É igualmente importante salientar que a leitura sociológi
Bíblia hebraica. É que essas abordagens examinam não só a ca da Bíblia está relacionada especialmente com os métodos
literatura e a realidade social de Israel, mas também as forças histórico-críticos e com a leitura popular. Na medida em que
sociais subjacentes à produção da literatura bíblica, onde se dis toda abordagem sociológica de um texto histórico é também
tingue a sociedade que está por trás do texto da sociedade que uma abordagem histórica, a leitura sociológica tem complemen
aparece dentro do texto. Além disso, sublinha ainda Philip R. tado e corrigido a leitura histórico-crítica. Especialmente impor
Davies, tais abordagens situam Israel no seu contexto histórico tante é a percepção de que sua colaboração se faz necessária
apropriado e questionam preconceitos teológicos que, freqüente- quando a historiografia não se contenta em descrever as ações
mente, estorvam os especialistas em exegese bíblica1. dos grupos dominantes de determinada sociedade, mas a história
Na mesma direção sinaliza Norman K. Gottwald, quando quer revelar a atividade total de um povo. Do mesmo modo, a
diz que a leitura sociológica fecha a porta “firme e irrevogavel- leitura popular que vem sendo feita entre nós se beneficia das
contribuições das Ciências Sociais. No estudo do contexto em
mente, às ilusões idealistas e supematuralistas que ainda impreg
que foram escritos os textos bíblicos, por exemplo, costuma-se
nam e enfeitiçam nossa perspectiva religiosa”, quando aborda
olhar os quatro lados da situação enfocada: os lados econômico,
mos um texto bíblico. E acrescenta: “Cumpre que tanto Iahweh
como ‘seu’ povo sejam desmistificados, desromantizados, des-
2 G ottwald, N. K. A s tribos de Iahweh. Uma sociologia da religião de
dogmatizados e desidolizados. Somente quando realizarmos essa Israel liberto 1250-1050 a.C. São Paulo, Paulus, 1986. p. 709. (original em
desmitologização da fé javista, e dos seus derivados judaico e inglês: The Tribes of Iahweh: A Sociology o f the Religion of Liberated
cristão, seremos capazes, aqueles dentre nós que foram forma Israel, 1250-1050 B.C.E. Maryknoll, New York, Orbis Books, 1979).
dos e alimentados por esses símbolos judeus e cristãos curiosa- 3 Cf. Idem, ibidem, pp. 669-700. A teologia bíblica é um movimento paralelo
à nco-ortodoxia de Karl Barth (1885-1968) e ao existencialismo de Rudolph
Bultmann (1884-1976), que surgiu depios da Primeira Guerra Mundial e
(SP) e do Centro de Estudos da Arquidiocese de Ribeirão Preto (SP). Autor atingiu o seu apogeu na década de 50. A teologia bíblica tenta harmonizar a
de vários artigos e livros, entre eles Nascido Profeta, São Paulo, Paulus, descontinuidade histórica de Israel, procurando demonstrar a unicidade reli
1992 e Voz Necessária (a), São Paulo, Paulus, 1998. giosa do “pensamento bíblico”. E acaba falindo ao tratar a religião de Israel
1 Cf. D avies, Ph. R. In Search o f ‘Ancient Israel’. Sheffield, Sheffield como um fenômeno social. Diz Gottwald na p. 669: “As boas intenções da
Academic Press, 1995. pp. 11-12. Idem, The Society of Biblical Israel. In: teologia bíblica foram frustradas constantemente pelo seu insucesso em
E skenazi, T. C. & R ichards, K. H. (eds.). Second Temple Studies 2: Temple tratar a religião de Israel como um fenômeno social. Ao contrário, tentarei
and Community in the Persian Period. Sheffield, Sheffield Academic Press, mostrar que pelo menos algumas das afirmações do movimento da teologia
1994. pp. 22-23. Cf. também O den, R. Historical Understanding and bíblica podem ser expressas de maneira coerente e convincente numa teoria
Understanding the Religion of Israel. In: C arter, C. E. & M eyers, C. L. sociológica da religião, interessada em descobrir de que modo símbolos
(eds.). Community, Identity and Ideology. Social Sciences Approaches to religiosos funcionam com respeito aos seres sociais dentro de uma perspec
the Hebrew Bible. Winona Lake, Indiana, Eisenbrauns, 1996. pp. 201-229. tiva cultural-material histórica de desenvolvimento humano”.
356 357
social, político e ideológico. Esta é uma atitude sociológica, en O autor nos oferece alguns exemplos que apontam para o
tre outras que poderíam ser aqui citadas4. risco da projeção de nossa visão moderna de mundo para o
É sobre essa atitude que David J. Chalcraft, organizador universo do NT. Tomemos a questão da expectativa de vida hoje
de um livro sobre a aplicação das Ciências Sociais ao Antigo nos países ricos e nas cidades pré-industriais do Império Roma
Testamento, diz: “A crítica social científica não deve se restrin no: “Cerca de 1/3 daqueles que ultrapassavam o primeiro ano de
gir a modelos e teorias preditivas no seu esforço para reconstruir vida (portanto, não contabilizados como vítimas da mortalidade
o que está ‘atrás dos textos’: mais do que isso, ela abarca toda infantil) morriam até os seis anos de idade. Cerca de 60% dos
uma série de questões, teorias, conceitos e metodologias. Ela, e sobreviventes morriam até os dezesseis anos. Por volta dos vinte
isso é o mais importante, implica em ‘modos de pensar’ socioló
e seis anos 75% já tinha morrido e aos quarenta e seis anos, 90%
gico e antropológico”5.
já desaparecido, chegando aos sessenta anos de idade menos de
Até aqui falamos quase que só da Bíblia hebraica e das 3% da população”7.
questões que ela propõe a uma leitura sociológica, mas se consi
derarmos mais especificamente o Novo Testamento hoje com o E claro que esses dados não são uniformemente distribuí
auxílio da antropologia, perceberemos que o mundo mediterrâ dos por toda a população da época. Os que mais sofriam perten
neo no qual ele foi gestado tem muito menos em comum com o ciam às classes mais pobres das cidades e povoados, já que um
Ocidente moderno do que imaginamos. E que costumamos olhar pobre em Roma, no século I de nossa era, tinha uma expectativa
o texto com os parâmetros sociais atuais e não conseguimos, de vida de 30 anos, quando muito. E o autor acrescenta: “Estu
frequentemente, perceber a diferença do mundo antigo. dos feitos por paleopatologistas indicam que doenças infecciosas
Considerações desse gênero são feitas, por exemplo, por e desnutrição eram generalizadas. Por volta dos 30 anos a maio
Richard L. Rohrbaugh, na Introdução de um volume sobre “As ria das pessoas sofria de verminose, seus dentes tinham sido
Ciências Sociais e a Interpretação do Novo Testamento”, obra destruídos e sua vista acabado [...]. 50% dos restos de cabelo
escrita por membros do The Context Group, “uma associação de encontrados nas escavações arqueológicas tinham lêndeas”8.
estudiosos interessados no uso das Ciências Sociais como um Com moradias precárias, sem condições sanitárias ade
instrumento heurístico na interpretação do Novo Testamento”6, quadas, sem assistência médica, com uma má alimentação... se
que ao longo de mais de uma década vem trabalhando com a visto assim, o quadro romântico que um leitor de um país rico de
questão da antropologia do mundo mediterrâneo, visto como nossa época faz da audiência de Jesus começa a ruir. Este mes
uma unidade cultural na qual foi escrito o NT. mo Jesus, com seus trinta e poucos anos de idade, era mais velho
do que 80% de sua audiência... uma audiência doente, desnutri
4 Cf. Da Silva, A. J. Leitura sociológica da Bíblia. In: De O liveira, E. M. et da e com uma expectativa de mais dez anos de vida, se tanto!
alii. Métodos para ler a Bíblia. Estudos Bíblicos 32 (1991): 81; Idem.
Notas sobre alguns aspectos da leitura da Bíblia no Brasil hoje. REB 50 Douglas E. Oakman, em um estudo sobre as condições de
(março 1990): 126-128. Cf. também F erreira, J. A. et alii. Sociologia das vida dos camponeses palestinos da época de Jesus, mostra que a
Comunidades Paulinas. Estudos Bíblicos 25 (1990), que utiliza a leitura violência que sofriam era brutal. Fraudes, roubos, trabalhos for
dos quatro lados.
çados, endividamento, perda da terra através da manipulação das
5 C halcraft, D. J. Introduction. In: _____. (ed.). Social Scientific Old
dívidas atingiam a muitos. Havia uma violência epidêmica na
Testament Criticism. A Sheffield Reader. Sheffield, Sheffield Academic
Press, 1997. pp. 16-17.
6 R ohrbaugh, R. L. Introduction. In :_____. (ed.). The Social Sciences and 7 Idem, ibidem, pp. 4-5.
New Testament Interpretation. Peabody, Hendrickson, 1996, p. 10. 8 Idem, ibidem, p. 5.
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Palestina9. E é neste contexto que Oakman propõe uma leitura E conclui o autor: “Refletir sobre como a oração de Jesus
radical do pai-nosso. “Ele sugere” — diz R. L. Rohrbaugh — deve ter sido recebida pelos camponeses mediterrâneos angus
“que o pedido ‘perdoa-nos as nossas dívidas’ (Mt 6,12) refere-se tiados com a perda potencial da terra e do seu sustento pode nos
aos processos nos quais os camponeses perdiam sua terra para os causar certo choque cultural, mas pode também nos ensinar quão
credores urbanos que sistematicamente exploravam as condições autenticamente aquela oração expressava a experiência de vida
econômicas precárias em que viviam. Além disso, argumenta daquelas pessoas concretas. Há um rico sentido aqui, mas que só
Oakman, a prece final (Mt 6,13) ‘não nos ponha em teste’ — emerge quando nos preocupamos em captar o ambiente social
normalmente traduzida com a idéia anacrônica de não cair em do qual o texto provém”11.
tentação — é o apelo do camponês para que não seja levado a
um tribunal de cobrança de dívidas e colocado diante de um juiz
corrupto (‘mas livra-nos do Maligno’) cujo veredito daria à ex- 2. ORIGEM E CARACTERÍSTICAS
propriação de sua terra força de lei”10. DO DISCURSO SOCIOLÓGICO
de um ou de outro não modifica essencialmente a intenção do que foi dito Abril Cultural, 1978. (coleção “Os Pensadores”), pp. VII-VIII. Cf. também
por Mateus, porque aqui se trata da realidade e atividade urgente e da L ara, T. A. Caminhos da Razão no Ocidente. A fdosofia ocidental do
realidade e atividade escatológica iminente do mal [...]”. Renascimento aos nossos dias. 2 ed. Petrópolis, Vozes, 1986. pp. 26-30.
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A natureza, considerada pelo sobrenaturalismo da Idade O segundo deslocamento se dá quando se passa da análise
Média como objeto de medo e de contemplação, toma-se objeto da natureza para a análise da sociedade. Percebe-se, então,
de estudo e de atuação do homem que procura modificá-la para que a organização da sociedade não é natural, mas histórica.
que se adapte melhor às suas necessidades. Surgem, para isso, Questionam-se, filosoficamente, os fundamentos da sociedade a
métodos mais empíricos e precisos, como acabamos de mencio partir da ótica da nova ordem burguesa. E uma crítica ao poder
nar. Esse fenômeno se dá com a ascensão da burguesia, na for absoluto, no qual Deus criava, organizava e geria o mundo por
ma de capitalismo mercantilista. meio da Igreja e de suas leituras da realidade.
É importante observarmos que, norteando-se por três prin É de se notar: Descartes (1596-1650) descobre o sujeito
cípios fundamentais para a ciência moderna — 1. E necessário pensante autônomo, coloca a consciência como a medida e a
observar os fenômenos tais como eles ocorrem, sem se deixar forma do ser, marcando uma definitiva virada antropocêntrica14.
perturbar por preconceitos de natureza filosófica ou religiosa; 2. De outro lado, o empirismo inglês do século XVII, representado
Toda afirmação sobre os fenômenos naturais deve ser verificada especialmente por T. Hobbes (1588-1679) e J. Locke (1632-
empiricamente; 3. A matemática oferece ao cientista a lingua 1704), é responsável por uma nova abordagem da questão políti
ca. Hobbes e Locke viveram intensamente o processo de conso
gem rigorosa de que ele necessita para descrever a natureza —
lidação do poder político da burguesia inglesa.
Galileu (1564-1642) destrói a concepção anterior do universo
como sistema imutável e hierarquizado, governado por Deus e Como tão bem explica Tiago Adão Lara, “ao terminar o
reduz o universo a um mundo geométrico, a uma física mecani- século XVII, estavam consolidadas as duas correntes modernas de
cista . Em O Ensaiador, Galileu deixa claro que a matemática é pensamento”, o racionalismo e o empirismo. “O Estado substitui
a linguagem da física que começa a se constituir, quando diz: “A a Igreja, na tarefa de marcar os limites da racionalidade, para a
convivência humana [...]. Nessa sociedade, desvinculada da Igre
filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamen
ja, embora ainda religiosa, não é mais à teologia que se vai pedir a
te se abre perante nossos olhos (isto é, o universo), que não se
última palavra a respeito dos princípios supremos da moralidade e
pode compreender antes de entender a língua e conhecer os ca da política, mas sim, à filosofia, enquanto produção da razão hu
racteres com os quais está escrito. Ele está escrito em linguagem mana. E a filosofia inovava e abria horizontes mais largos. O
matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e ou empirismo rompia com as barreiras tradicionais da cultura. Não
tras figuras geométricas, sem cujos meios é impossível entender era mais a partir do alto, do mundo das essências, mas a partir de
humanamente as palavras; sem eles nós vagamos perdidos den baixo, do mundo dos fatos ou dos fenômenos que se devia cons
tro de um obscuro labirinto”13. truir algo de positivo. O Estado, concebido pelo empirismo, é
criatura humana, fruto da convenção, destituído de sacralidade,
13 G alileu. O Ensaiador. In: B r u n o . . . , op. cit. p. 119. Cf. ainda V ida c obra
religiosa ou profana. E o próprio homem que dá as cartas de
dc Galileu. In: B r u n o .., op. cit. pp. 97-98. De Galileu devem ser lidos O
Ensaiador {II Saggiatore de 1623), neste volume citado de “Os Pensado 14 De Descartes devem ser lidos o famoso Discurso do método, de 1637, e
res”, e o fundamental A Mensagem das Estrelas (Sidereus Nuncius de outros textos, em D escartes. 3 ed. São Paulo, Abril Cultural, 1983. (cole
1610). Rio de Janeiro, Museu de Astronomia e Ciências Afins/Salamandra, ção “Os Pensadores”). Em o Discurso do método, Descartes formula a
1987. Sobre Galileu devem ser lidos K oyré, A. Do mundo fechado ao proposta de um novo método, baseado no procedimento da matemática.
universo infinito. 2 ed. Rio de Janeiro, Forense-Universitária, 1986. pp. 90- Esse método deverá servir “para bem conduzir a própria razão e procurar a
100; Idem. Estudos Galilaicos. Lisboa, Dom Quixote, 1986; P agani, S. M. verdade das ciências”, conforme expresso no título original do livro:
& L uciani, A. O s documentos do processo de Galileu Galilei. Petrópolis, Discours de la méthode pour bien conduire sa raison et chercher la vérité
Vozes, 1994. à trovers les sciences.
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leitura da sua existência e do mundo que o cerca. O homem toma- Se o idealismo metodológico de Descartes privilegia a
se, realmente, a medida do seu mundo significativo”15. razão ante os sentidos e a tradição, o idealismo gnoseológico de
Mas se Descartes, no século XVII, representa a burguesia Kant privilegia a forma do conhecimento — produto espontâneo
progressista pela racionalização (“penso, logo existo”) é Kant, da razão — ante a matéria do conhecimento — que é oferecida
no século XVIII, quem incorpora ao racionalismo os elementos na sensação17.
do empirismo inglês (existo como um feixe de sensações organi Mas é Hegel (1770-1831) o intérprete fiel do momento
zadas), resultando que o homem pode ser feliz e organizar a histórico da Revolução. Ele é o representante máximo do idealis
sociedade com o uso de sua razão. Não é Deus, mediante a
mo alemão do século XVIII. A razão é, para ele, uma deusa. A
Revelação, que ordena a sociedade, mas é a própria Razão hu
mana que fornece ao homem os instrumentos políticos para or idéia é a totalidade. Tudo o que existe é a exteriorização da idéia.
ganizar e alcançar a sua felicidade. O real é o racional e vice-versa! O idealismo hegeliano é ontoló-
gico. O mundo é a explicitação da idéia que lhe é imanente.
Kant (1724-1804), de tradição racionalista, faz uma sínte
se entre o empirismo inglês e o racionalismo europeu. Nega que Hegel filosofou assim porque viveu plenamente a Revolu
o homem possa conhecer algo que transcenda completamente a ção Francesa (1789). A burguesia triunfara, vencendo o clero e a
matéria (solução empirista), mas nega também que a experiência nobreza. Era uma nova ordem, ordem racional baseada nos mol
baste para o homem conhecer a matéria (solução racionalista). des que o homem queria, e não mais em tradições e fé religiosas.
Afirma que aquilo que conhecemos da matéria, cientifica A razão humana conseguira sua libertação. Explodiam as insti
mente, é o que a razão dá à matéria, ou seja, as formas. O tuições liberais vigorosamente, com toda a sua pujança. Era o
fenômeno torna-se compreensível pelas aplicações das categori homem, era a razão humana — da burguesia, mas que se julgava
as a priori do Espírito. Mas o Espírito não conhece o em si, o universal! — que triunfara. A sensibilidade pela história estava
nownenon, a essência da coisa: Kant assim interdita a metafísica no auge. A burguesia estava consciente de que suas idéias, final-
e fundamenta a física, a ciência por excelência. mente, se encarnavam em estruturas sociopolíticas, aptas a via
As questões básicas para Kant são: bilizar a nova realidade econômica.
No hegelianismo, a ordem estabelecida não retrata mais
• Como fundamentar, filosoficamente, a nova ciência,
um plano divino, mas a racionalidade imanente da própria histó
ou seja, a física?
ria. História que é palco de lutas entre contrários, fruto da con
• Como fundamentar a moralidade? tradição, superando-se sempre (tese, antítese, síntese). Daí a gran
Kant é a encarnação filosófica da classe burguesa, con de novidade hegeliana: a dialética.
fiante no poder demiúrgico do homem: nada melhor do que a
concepção de um homem que cria o universo científico e o entendimento sem a direção de outrem, menoridade pela qual ele é respon
universo moral, segundo as normas da própria razão, para tradu sável, uma vez que a causa reside não em um defeito do entendimento, mas
zir a experiência histórica do burguês que descobre, inventa, numa falta de decisão e coragem em se servir dele sem a direção de
constrói e domina. Não é mais Deus o fiador do conhecimento outrem. Sapere audel Tenha a coragem de te servir de teu próprio entendi
científico nem da vida moral. É o homem16. mento. Eis a divisa das Luzes” diz Kant, E. O que é a Aufklãrung? De
Kant deve ser lida pelo menos a Crítica da Razão Pura, de 1781, em K ant
(I). 2 ed. São Paulo, Abril Cultural, 1983. (coleção “Os Pensadores”). Mas
15 L ara, op.cit. pp. 49-50. são importantes também a Crítica da razão prática, de 1788, e a Crítica da
16 “O que são as Luzes? A saída do homem de sua menoridade pela qual ele faculdade de julgar, de 1790.
próprio é responsável. Menoridade, isto é, incapacidade de se servir de seu 17 Cf. L ara, op. cit. pp. 60-64.
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No plano dos fatos, temos classes sociais antagônicas em Podemos, assim, verificar que a sociologia nasce mesmo é
luta: é a revolução. No plano do pensamento, temos dois pólos como conseqüência das profundas transformações geradas pela
contraditórios que, mediante superação contínua, constituem o Revolução Francesa e pela Revolução Industrial. É a formação
avançar histórico, encarnação da idéia em contínua tensão. A da sociedade capitalista “que impulsiona uma reflexão sobre a
dialética é a revolução vitoriosa, em forma conceituai! O mun sociedade, sobre suas transformações, suas crises, seus antago
do, a história, não são réplicas imperfeitas de um mundo trans nismos de classe”21.
cendente e estático na sua perfeição. Eles são a idéia, fazendo-
Ou seja: na Europa, duas condições precedem o apareci
se, procurando a perfeição. E a superação da metafísica18.
mento do pensamento sociológico:
Estes são, resumidamente, alguns dos pressupostos nos
quais as Ciências Sociais se fundamentam. Entre os vários tipos • uma secularização de atitudes e dos modos de com
de abordagens das sociedades humanas e de suas instituições preender a natureza humana, a origem e o fundamento
que podemos chamar de Ciências Sociais estão, entre outras, a das instituições.
sociologia, a antropologia, a arqueologia, a economia, a psicolo • um processo de racionalização que projeta na esfera da
gia, as ciências políticas.... Vamos nos restringir aqui à sociolo
ação coletiva a ambição de conhecer, explicar e dirigir
gia e à antropologia.
os acontecimentos e a vida social22*.
Vamos exemplificar esse processo com uma síntese do
2.2. A sociologia, ciência da sociedade e de suas instituições pensamento de Comte, que, abalado com os resultados mais ra
dicais da Revolução Francesa, e ao considerar que a humanidade
Quando Auguste Comte (1798-1857)19 e Émile Durkheim se encontrava numa fase de desorganização social perigosa, pro
(1858-1917)20 procuram formular as leis que regem a organiza
põe uma nova ordem social que deve nascer de um sólido espíri
ção social, a especulação filosófica sobre a sociedade transfor
to positivo em oposição ao espírito negativo do Iluminismo,
ma-se em sociologia, ciência que pode ser sumariamente defini
da como o estudo da sociedade humana e de suas instituições. segundo seu parecer.
Comte estrutura seu pensamento em tomo de três temas
básicos que são: uma filosofia da história, uma classificação das
18 Cf. L ara, op.cit. pp. 64-69. Dc Hegel deve ser lida a Fenomenologia do
Espírito, de 1807, em “Os Pensadores”, São Paulo, Abril Cultural, 1980 ciências e uma reforma das instituições.
(esta tradução traz apenas o Prefácio, a Introdução c os capítulos I e III); A filosofia da história de Comte pode ser resumida na sua
outra edição da Fenomenologia do Espírito: Petrópolis, Vozes, 1997 (3 ed. lei dos três estágios ou três fases pelas quais o espírito humano
do volume I) e 1993 (2 cd. do volume II).
passou historicamente: a teológica, a metafísica e a positiva. Na
19 De A. Comte devem ser lidos o Curso de filosofia positiva, de 1839/42 e o
fase teológica, o homem, impotente diante dos fenômenos natu
Discurso preliminar sobre o conjunto do positivismo, de 1848, que contêm
suas principais idéias sobre o positivismo. Ambos estão em “Os Pensado rais, apela para seres sobrenaturais aos quais atribui sua origem.
res”, São Paulo, Abril Cultural, 1978. Isto se dá na Idade Antiga. Na fase metafísica, o homem, mais
20 De E. Durkheim pode ser lido, na mesma coleção “Os Pensadores”, Aí habituado ao manejo da racionalidade, passa a atribuir a causa
regras do método sociológico, de 1895. Fundamental também é o livro As dos fenômenos naturais a forças da natureza, incontroláveis do
formas elementares da vida religiosa. São Paulo, Paulus, 1989. E impor
tante observarmos que Durkheim ocupou, a partir de 1887, na Universida
21 M artins, C.B. O que é sociologia. São Paulo, Brasiliense, 1982. p. 16.
de de Bordéus, a primeira cátedra exclusivamente dedicada ao estudo da
sociologia no ensino superior francês. 22 F ernandes, F. A sociologia no Brasil. Petrópolis, Vozes, 1977. p. 25.
366 367
ponto de vista prático, mas passíveis de serem pensadas de modo espírito teológico e o espírito metafísico, os únicos até agora a
abstrato. Isso ocorre na Idade Média. Na fase positiva, já presen disputar ativamente um lugar ao sol, a razão pública deve en
te entre os gregos e que agora reaparece com Bacon, Galileu e contrar-se implicitamente disposta a acolher o espírito positivo
Descartes, o homem abandona a consideração das causas dos como a única base possível para uma verdadeira resolução da
fenômenos, que era uma atitude teológica ou metafísica, e põe- anarquia intelectual e moral, que caracteriza sobremaneira a gran
se a pesquisar as suas leis, entendidas como relações constantes de crise moderna”25.
entre os fenômenos. E acrescenta um pouco mais adiante: “Não se pode pri
Em suas palavras: “O caráter fundamental da filosofia po meiramente desconhecer a aptidão espontânea dessa filosofia a
sitiva é tomar todos os fenômenos como sujeitos a leis naturais constituir diretamente a conciliação fundamental, ainda procura
invariáveis, cuja descoberta precisa e cuja redução ao menor da de tão vãs maneiras, entre as exigências simultâneas da or
número possível constituem o objetivo de todos os nossos esfor dem e do progresso [...] Para a nova filosofia, a ordem constitui
sem cessar a condição fundamental do progresso e, reciproca
ços [...]. Cada um sabe que, em nossas explicações positivas, até
mente, o progresso vem a ser a meta necessária da ordem [...].
mesmo as mais perfeitas, não temos de modo algum a pretensão
Especialmente considerado, em seguida, no que respeita à or
de expor as causas geradoras dos fenômenos, posto que nada
dem, o espírito positivo apresenta-lhe hoje, em sua extensão
mais faríamos então além de recuar a dificuldade. Pretendemos social, poderosas garantias diretas, não somente científicas mas
apenas analisar com exatidão as circunstâncias de sua produção também lógicas, que poderão logo ser julgadas muito superiores
e vinculá-las umas às outras, mediante relações normais de su às vãs pretensões duma teologia retrógrada...”26.
cessão e de similitude”23.
Ou seja: para o conservador Comte, como a Revolução
A classificação das ciências é o segundo tema básico de Francesa destruira as instituições sociais por ter sido negativa e
Comte, que, partindo da que julga mais simples, as ordena de metafísica em seus pressupostos, mas ao mesmo tempo tinha sido
acordo com sua complexidade: matemática, astronomia, física, necessária para superar as anacrônicas instituições políticas e so
química, biologia e sociologia. A sociologia, no topo da classifi ciais ainda teológicas, só uma nova elite científico-industrial seria
cação, é para Comte “a única meta essencial de toda filosofia capaz de instaurar o espírito positivo na organização social e polí
positiva, considerada de agora em diante como formando, por tica, fazendo com que as ciências se tornassem bem comum.
sua natureza, um sistema verdadeiramente indivisível, em que Esse anseio por uma reforma intelectual e social levou
toda decomposição é radicalmente artificial, sem ser aliás, de Comte a desenvolver, nos últimos quinze anos de sua vida, uma
modo algum, arbitrária, já que tudo se reporta finalmente à Hu religião da humanidade, com novo calendário, cujos meses ti
manidade, única concepção plenamente universal”24. nham os nomes de grandes figuras da história do pensamento,
O terceiro tema básico da filosofia de Comte é a reforma com dias santos, em que se deveríam comemorar as obras de
das instituições que tem seus fundamentos teóricos na sociolo Dante, Shakespeare, Adam Smith e outros, e com novo catecis
gia. Diz Comte que “conforme o sentimento, cada vez mais mo, que substitui Deus pela Humanidade. A Igreja Positivista do
desenvolvido, de igual insuficiência social que hoje oferecem o Brasil existe até hoje no Rio de Janeiro, nossa bandeira tem o
lema comteano “Ordem e Progresso” e a Constituição de 1891
23 C omte, A. Curso..., op. cit. p. 7. Cf. uma síntese do pensamento de Comte em
foi fortemente influenciada pelos positivistas.
L ara, op.cit. pp. 82-85; M artins, op. cit. pp. 43-46; e ainda na introdução do
volume dedicado a Comte da coleção “Os Pensadores”, pp. VI-XVIII. 25 C omte. Discurso..., op. cit. pp. 68-69.
24 C omte. Discurso..., op. cit. p. 90. 26 Idem, ibidem, p. 69.
368 369
Por sua vez, E. Durkheim, em Da divisão do trabalho pequenas cidades, nas diferentes profissões. Por outro lado, não
social, de 1893, coloca duas questões sobre as relações entre os muda em cada geração, mas, ao contrário, liga as gerações que
indivíduos e a coletividade27: se sucedem. Portanto, não se confunde com as consciências par
• Como pode um conjunto de indivíduos constituir uma ticulares, embora se realize apenas nos indivíduos. E o tipo psí
sociedade? quico da sociedade, tipo que tem suas propriedades, condições
de existência, seu modo de desenvolvimento, exatamente como
• Como esse conjunto de indivíduos consegue obter um
os tipos individuais, embora de outra maneira”28.
consenso para a convivência?
Nas sociedades dominadas pela solidariedade mecânica a
Segundo Durkheim, duas formas de solidariedade social consciência coletiva abrange a maior parte dos membros dessa
podem ser constatadas: a solidariedade mecânica, típica das so sociedade. Nas sociedades dominadas pela solidariedade orgânica
ciedades pré-capitalistas, em que os indivíduos se identificam há uma redução dessa consciência coletiva porque os indivíduos
por meio da família, da religião, da tradição, dos costumes. É são diferenciados. Por isso, nestas últimas, em oposição às pri
uma sociedade que tem coerência porque os indivíduos ainda meiras, ocorre um enfraquecimento das reações coletivas contra a
não se diferenciam. Reconhecem os mesmos valores, os mesmos violação das proibições sociais e há, especialmente, uma margem
sentimentos, os mesmos objetos sagrados, pois pertencem a uma maior na interpretação individual dos imperativos sociais.
coletividade. E a solidariedade orgânica, característica das so Durkheim defende também o primado da sociedade sobre
ciedades capitalistas, nas quais, pela divisão do trabalho social, o indivíduo:
os indivíduos tornam-se interdependentes, garantindo, assim, a
união social, mas não pelos costumes, tradições etc. Os indiví • as sociedades têm prioridade histórica sobre os indi
duos não se assemelham, são diferentes e necessários, como os víduos;
órgãos de um ser vivo. Assim, o efeito mais importante da divi • as sociedades têm prioridade lógica sobre os indiví
são do trabalho não é o aumento da produtividade, mas a solida duos, porque se a solidariedade mecânica precede à
riedade que gera entre os homens. solidariedade orgânica, não se pode explicar a diferen
Algumas idéias fundamentais decorrem desta análise, como ciação social a partir dos indivíduos, pois a consciência
o conceito de consciência coletiva: “O conjunto de crenças e de de individualidade não pode existir antes da solidarie
sentimentos comuns entre os membros de uma mesma socieda dade orgânica e da divisão do trabalho social.
de, forma um sistema determinado que tem sua vida própria;
podemos chamá-la de consciência coletiva ou comum. Sem dú Daí que os fenômenos individuais devem ser explicados a
vida, ela não tem como substrato um órgão único; é, por defini partir da coletividade, e não a coletividade pelos fenômenos indi
ção, difusa, ocupando toda a extensão da sociedade; mas nem viduais. Donde a divisão do trabalho ser um fenômeno social que
por isso deixa de ter características específicas, que a tomam só pode ser explicado por outro fenômeno social, como a combi
uma realidade distinta. Com efeito, ela é independente das con nação do volume, densidade material e moral de uma sociedade,
dições particulares em que se situam os indivíduos. Estes pas sendo que o único grupo social que pode proporcionar a integra
sam, ela fica. É a mesma no Norte e no Sul, nas grandes e nas ção dos indivíduos na coletividade é a corporação profissional.
27 Cf. A ron, R. Aí etapas do pensamento sociológico. 2 ed. São Paulo/Brasília, 28 D urkheim, E. De la division du travail social. Paris, PUF, 1960. p. 46, ou
Martins Fontes/Editora da UnB, 1987. pp. 295-375. em http:// gallica.bnf.fr/Fonds_Frantext/T0088267.htm, p. 46.
370 371
Em outra importante obra, publicada em 1912, As Formas regras de comportamento e de pensamento que não fizemos nem
Elementares da Vida Religiosa, E. Durkheim propõe a elabora quisemos e que, às vezes, são até contrárias às nossas tendências
ção de uma teoria geral da religião fundamentada nas formas e aos nossos instintos fundamentais.
mais simples e primitivas das instituições religiosas. Durkheim
Todavia, se a sociedade obtivesse de nós essas concessões
acredita, assim, que se possa apreender a essência de um fenô
meno social observando suas formas mais elementares. Por isso e esses sacrifícios apenas por imposição material, só poderia
parte do estudo do totemismo nas tribos australianas, chegando à despertar em nós a idéia de força física à qual devemos ceder
conclusão de que os homens adoram uma realidade que os ultra por necessidade, e não a idéia de força moral do gênero das que
passa, que sobrevive a eles, mas que essa realidade é a própria as religiões adoram. Mas, na realidade, o domínio que ela exerce
sociedade sacralizada como força superior. Nem as forças natu sobre as consciências vincula-se muito menos à supremacia físi
rais, nem os espíritos, nem as almas são sagradas por si mesmas. ca, de que tem o privilégio, do que à autoridade moral de que
Só a sociedade é uma realidade sagrada por si mesma. Pertence está investida. Se nos submetemos às suas ordens, não é sim
à ordem da natureza, mas a ultrapassa. E ao mesmo tempo causa plesmente porque está armada de maneira a triunfar das nossas
do fenômeno religioso e justificativa da distinção entre sagrado resistências, é, antes de tudo, porque constitui o objeto de autên
e profano. Para Durkheim, qualquer crença ou prática religiosa é tico respeito”29.
semelhante às práticas totêmicas, Em As Regras do Método Sociológico, de 1895, Durkheim
Mas, por que a própria sociedade torna-se objeto de cren propõe, com sua sociologia, formular uma teoria do fato social,
ça e de culto? Durkheim explica: “De maneira geral, não há demonstrando que pode haver uma ciência sociológica objetiva
dúvida de que uma sociedade tem tudo o que é preciso para e científica, como nas ciências físico-matemáticas.
despertar nos espíritos, unicamente pela ação que ela exerce
Para que haja tal ciência, são necessárias duas coisas: um
sobre eles, a sensação do divino; porque ela é para os seus
objeto específico que se distinga dos objetos das outras ciências
membros o que um deus é para os seus fiéis. Um deus, com
efeito, é antes de tudo um ser que o homem imagina, em deter e um objeto que possa ser observado e explicado, como se faz
minados aspectos, como superior a si mesmo e de quem acredita nas ciências.
depender. Quer se trate de personalidade consciente, como Zeus Daí duas outras importantes afirmações de Durkheim:
ou Javé, ou então de forças abstratas como as que estão presen
tes no totemismo, o fiel, tanto num caso como no outro, acredi- • os fatos sociais devem ser considerados como coisas;
ta-se obrigado a determinadas maneiras de agir que lhe são im • os fatos sociais exercem uma coerção sobre os indi
postas pela natureza do princípio sagrado com o qual se sente víduos.
em relação. Ora, a sociedade também alimenta em nós a sensa
ção de contínua dependência. Como tem natureza que lhe é pró E explica: “É um fato social toda a maneira de fazer,
pria, diferente da nossa natureza de indivíduo, ela visa a fins que fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coa
lhe são igualmente especiais; mas, como só pode atingi-los por ção exterior; ou ainda, que é geral no conjunto de uma determin-
nosso intermédio, reclama imperiosamente nosso concurso. Ela dada sociedade tendo, ao mesmo tempo, uma existência própria,
exige que, esquecidos de nossos interesses, nos tomemos seus independente das suas manifestações individuais”30.
servidores e nos impõe toda espécie de incômodos, de privações
e de sacrifícios sem os quais a vida social seria impossível. É 29 D urkheim. A s Formas..., op. cit. pp. 260-261.
por isso que a cada instante somos obrigados a nos submeter a 30 D urkheim. Aí Regras..., op. cit. pp. 92-93.
373
E, na conclusão desse mesmo livro, resume as caracterís cias da natureza são ciências objetivas, neutras, livres
ticas desse método sociológico: “Em primeiro lugar, é indepen de juízos de valor, de ideologias políticas, sociais ou
dente de qualquer filosofia [...] Em segundo lugar, o nosso méto outras, as ciências sociais devem funcionar exatamente
do é objetivo. É totalmente dominado pela idéia de que os fatos segundo esse modelo de objetividade científica”. Ou
sociais são coisas e devem ser tratados como tais [...]. Mas, se seja: o positivismo “afirma a necessidade e a possibili
consideramos os fatos sociais como coisas, consideramo-los como dade de uma ciência social completamente desligada
coisas sociais. A terceira característica de nosso método é ser de qualquer vínculo com as classes sociais, com as
exclusivamente sociológico [...]. Mostramos que um fato social posições políticas, os valores morais, as ideologias, as
só pode ser explicado por um outro fato social e, simultanea utopias, as visões de mundo, pois este conjunto de op
mente, como esse tipo de explicação é possível assinalando no ções são prejuízos, preconceitos ou prenoções que pre
meio social interno o motor principal da evolução coletiva [...]. judicam a objetividade das Ciências Sociais”32.
Tais nos parecem ser os princípios do método sociológico”31.
Contudo, Comte e Durkheim são pensadores positivistas. Entretanto, o marxismo dá um passo a mais: o conhecimen
Ambos acreditam que a sociedade pode ser analisada da mesma to da realidade social é um instrumento político que pode orientar
forma que os fenômenos da natureza. A sociologia tem, assim, os grupos sociais na luta pela transformação da sociedade. E no
como tarefa, o esclarecimento de acontecimentos sociais cons terreno da prática que se deve demonstrar a verdade da teoria.
tantes e recorrentes. O papel fundamental da sociologia seria o Na segunda de suas onze teses contra Feuerbach, de 1845,
de explicar a sociedade para manter a ordem vigente. diz Karl Marx (1818-1883): “A questão de saber se ao pensa
Na clara síntese de Michel Lõwy, o tipo ideal de positi mento humano pertence a verdade objetiva não é uma questão
vismo pode ser dito em três idéias principais: da teoria, mas uma questão prática. É na práxis que o ser hu
mano tem de comprovar a verdade, isto é, a realidade e o poder,
• a primeira é a hipótese fundamental do positivismo: “a
o caráter terreno do seu pensamento”. Para concluir na última
sociedade humana é regulada por leis naturais”, leis
tese: “Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de dife
invariáveis, independentes da vontade e da ação huma
rentes maneiras; a questão, porém, é transformá-lo”33*.
nas, como a lei da gravidade ou do movimento da terra
em tomo do sol, de modo que na sociedade reina “uma Vista por esse ângulo, a função da sociologia não é o
harmonia semelhante à da natureza, uma espécie de restabelecimento da ordem social ou a determinação das normas
harmonia natural”. do bom funcionamento da sociedade, como dizem os positivis
• dessa primeira hipótese decorre, para o positivismo, a tas. Ela deve, antes de mais nada, contribuir para a mudança
conclusão epistemológica de que “a metodologia das social. E aí que reside sua função crítica, na medida em que
ciências sociais tem de ser idêntica à metodologia das apóia os movimentos de transformação da ordem existente.
ciências naturais, posto que o funcionamento da socie
dade é regido por leis do mesmo tipo das da natureza”. 32 L õwy, M. Ideologias e Ciência Social. Elementos para uma análise mar
xista. São Paulo, Cortez, 1985. pp. 35-36; cf. Idem. As aventuras de Karl
• a terceira idéia básica do positivismo, talvez a de maior
Marx contra o Barão de Münchhausen. Marxismo e Positivismo na Socio
conseqüência, diz que “da mesma maneira que as ciên- logia do Conhecimento. São Paulo, Busca Vida, 1987. pp. 17-18.
K. Teses sobre Feuerbach. In :_____. &
33 M a r x , E ng els , F. Obras escolhi
31 Idem, ibidem, pp. 159-161. das. Tomo I. Lisboa, Avante, 1982. pp. 1-3.
374 375
Com isso, já conseguimos definir o discurso sociológico Na opinião de Peter Berger, “Robert K. Merton, da Uni
em relação à história como aquele que não se limita a descrevê- versidade de Columbia, representa, juntamente com Talcott
la como uma sucessão de fatos e acontecimentos, mas como um Parsons, de Harvard, o mais destacado teórico da sociologia ame
conjunto de situações, de normas, de usos, de instituições. ricana contemporânea. A análise de Merton sobre as funções
Mais ainda, nas palavras do exegeta alemão Gerd Theissen, ‘manifesta’ e ‘latente’, bem como outras exposições importantes
as questões sociológicas “ganham significação central também do que ele considera ser a abordagem funcionalista da sociedade,
onde se busca clarear as grandes transformações da história, suas será encontrada em seu livro Social Theory and Social Structure
revoluções e crises, declínios e renascimentos, em ligação com [Teoria Social e Estrutura Social], Chicago, Free Press, 1957”36.
as tensões estruturais”34. Funções manifestas são as funções conscientes e deliberadas dos
Assim foi que, de 1830 às primeiras décadas do século XX, processos sociais, enquanto as funções latentes são inconscientes
se consolidaram os principais métodos e conceitos sociológicos35. e involuntárias. Um exemplo dado por Berger nos ajuda a enten
der a distinção: “Missões cristãs em certas partes da África tenta
Além disso, a existência de interesses opostos e conflitan ram ‘manifestamente’ converter os africanos ao cristianismo, mas
tes na sociedade se manifesta igualmente no pensamento socio ajudaram ‘latentemente’ a destruir as culturas tribais, proporcio
lógico. Há diferentes tradições sociológicas e modos diversos de nando condições para rápida transformação social”37.
entender o papel da religião na sociedade. Os especialistas cos
tumam dizer, certamente com alguma simplificação, que as di O funcionalismo, ao analisar qualquer elemento de um
sistema social, procura saber de que maneira esse elemento se
versas sociologias podem ser reconduzidas a três tendências bá
sicas :funcionalista, compreensiva e marxista. relaciona com os outros elementos do mesmo sistema social e
com o sistema social como um todo, para daí tirar as conseqüên-
cias que interferem no sistema, provocando sua disfunção, ou,
2.3. A sociologia funcionalista por outro lado, contribuem para a sua manutenção, sendo, por
tanto, funcionais.
A sociologia funcionalista é hoje uma das mais difundi Esses conceitos foram desenvolvidos a partir do pensa
das nas sociedades capitalistas, em primeiro lugar nos Estados mento de Durkheim, que, como vimos, se esforçou para mostrar
Unidos. O pensamento de Émile Durkheim foi retomado e de a existência própria e independente dos fatos sociais em relação
senvolvido especialmente por dois sociólogos americanos, Robert aos indivíduos particulares. Durkheim chamou de consciência
K. Merton e Talcott Parsons, sem dúvida os maiores responsá coletiva as formas padronizadas de conduta e de pensamento
veis pelo desenvolvimento do funcionalismo moderno.
36 Berger, P. Perspectivas sociológicas. Uma visão humanista. 9 ed. Petrópolis,
Vozes, 1989. p. 197. Merton nasceu em 1910.
34 T h eisse n ,G. Sociologia da cristandade primitiva. Estudos. São Leopoldo,
37 Idem, ibidem, p. 51. J o h n so n , A. G. Dicionário de Sociologia. Guia Práti
Sinodal, 1987. p. 9.
co da Linguagem Sociológica. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1997, verbete
35 Cf. A r o n , op. cit., onde este autor diz que “tendo partido em busca da Merton, Robert K., observa que “sua dissertação de doutorado sobre o
sociologia moderna, cheguei, de fato, a uma galeria de retratos individuais” desenvolvimento da ciência no século XVII é em geral creditada por ter
(p. 11). Raymond Aron divide esses sete “retratos” em dois grupos: os provocado uma grande mudança nos métodos sociológicos de estudar a
fundadores, que são, no seu entender, Montesquieu, Comte, Marx e ciência, que influencia desde então o trabalho nesse campo”. Sua tese tem
Tocqueville e a geração da passagem do século, constituída por Durkheim, por título Science, Technology and Society in Seventeenth-Century England,
Pareto e Weber. e data de 1938.
376 377
que se observam no interior de um grupo social: “Sem dúvida, é mental é a de considerar os fatos sociais como coisas". Para
evidente que nada existe na vida social que não esteja nas cons acrescentar mais adiante, neste mesmo capítulo: “De fato, Comte
ciências individuais; mas quase tudo que se encontra nestas últi proclamou que os fenômenos sociais são fatos naturais, submeti
mas vem da sociedade. A maior parte de nossos estados de dos a leis naturais. Reconheceu, assim, o seu caráter de coisas,
consciência não seriam produzidos pelos indivíduos isolados, visto que na natureza só há coisas”41.
mas seriam produzidos pelos indivíduos agrupados de outra ma Michel Lõwy observa que essa abordagem de Durkheim é
neira. Eles derivam, portanto, não da natureza psicológica do perfeitamente homóloga à desenvolvida pela economia política
homem em geral, mas da maneira segundo a qual os homens, burguesa e explica: “É aqui que provavelmente se encontram as
uma vez associados, interagem mutuamente, dependendo de se raízes do naturalismo positivista enquanto discurso ideológico
rem mais ou menos numerosos, de estarem mais ou menos pró típico da nova ordem industrial (burguesa)”. E, citando Durkheim,
ximos. Sendo produtos da vida em grupo, somente a natureza do no texto La science et l ’action [A ciência e a ação]. Paris, PUF,
grupo pode explicá-los”38. 1970, pp. 80-81, Michel Lõwy acrescenta que “o próprio
Citando ainda uma vez Peter Bergen “Segundo a perspec Durkheim apresenta a economia política como precursora da
tiva durkheimiana, viver em sociedade significa existir sob a démarche positivista nas ciências sociais: ‘Os economistas fo
dominação da lógica da sociedade. Com muita freqüência, as ram os primeiros a proclamar que as leis sociais são tão necessá
pessoas agem segundo essa lógica sem o perceber. Portanto, rias como as leis físicas. Segundo eles, é tão impossível a con
para descobrir essa dinâmica interna da sociedade, o sociólogo corrência não nivelar pouco a pouco os preços[...] como os cor
terá muitas vezes de desprezar as respostas que os próprios ato pos não caírem de forma vertical[...]. Estenda este princípio a
res sociais dariam a suas perguntas e procurar as explicações de todos os fatos sociais e a sociologia estará fundada”’42.
que eles próprios não se dão conta. Esta atitude essencialmente Ainda citando Durkheim, M. Lõwy mostra que “desde os
durkheimiana foi levada à abordagem teórica hoje chamada de seus primeiros escritos em 1867, o pensamento de Durkheim
funcionalismo. Na análise funcional, a sociedade é analisada em exprime com precisão, clareza, coerência e rigor exemplares esta
termos de seus próprios mecanismos como sistema, e que muitas nova função social: ‘É ainda ao professor de filosofia que cabe
vezes se apresentam obscuros ou opacos àqueles que atuam den despertar nos espíritos que lhe são confiados a idéia do que é
tro do sistema”39. uma lei; de lhes fazer compreender que os fenômenos físicos e
Segundo o pensamento de Durkheim, a função da sociolo sociais são fatos como os outros, submetidos a leis que a vonta
gia “seria a de detectar e buscar soluções para os ‘problemas de humana não pode interromper à sua vontade, e que, por con-
sociais’, restaurando a ‘normalidade social’ e se convertendo seqüência, as revoluções no sentido próprio do termo são coisas
dessa forma numa técnica de controle social e de manutenção do tão impossíveis como os milagres”’43.
poder vigente”, explica C. B. Martins40.
Com efeito, no início do segundo capítulo de seu livro As regras.... op. cit. pp. 94 e 96.
41 D u r k h e im . A s
regras do método sociológico, E. Durkheim define seu princípio 42 L õwy. As aventuras..., op. cit. p. 26.
metodológico fundamental: “A primeira regra e a mais funda- 43 Idem, ibidem, p. 27. Lõwy cita o texto de D urkheim , E. La philosophic dans
les Universités allemandes, 1866-67. In:_____. Textes 3, Fonctions sociales
38 D urkheim. De la division..., op. cit. p. 342. et institutions. Paris, Ed. de Minuit, 1975. p. 485. Esta é também a perspec
tiva 1'uncionalista de Peter Berger, em Perspectivas sociológicas. Uma vi
39 B e r g e r , op. cit. pp. 50-51.
são humanista, p. 58, quando diz que “a percepção sociológica é refratária a
40 M a r tin s , op. cit. p. 50. ideologias revolucionárias, não porque traga consigo alguma espécie de
378 379
Finalmente, diz Lõwy: “Entre as leis naturais da socieda método positivista que permite legitimar constantemente, atra
de que seria vão, utópico, ilusório — em uma palavra: anticien- vés de argumentos científico-naturais, a ordem (burguesa) esta
tífico — querer ‘interromper’ ou transformar, Durkheim situa belecida”. Isso lhe possibilita passar “sem hesitação das leis da
com destaque a desigualdade social”44. Os argumentos estão na seleção natural às ‘leis naturais’ da sociedade, e dos organismos
obra Da divisão do trabalho social, de 1893: as sociedades “são vivos aos ‘organismos sociais”’. O apoio para esse enfoque? “A
constituídas, não por uma repetição de segmentos semelhantes e homogeneidade epistemológica dos diferentes domínios e, por
homogêneos, mas por um sistema de órgãos diferentes, onde consequência, das ciências que os tomam como objeto”48.
cada um tem um papel particular, sendo eles mesmos formados
Raymond Aron, escrevendo em 1966, olha com desgosto
de partes diferenciadas”. Isto é absolutamente normal, pois se
para a sociologia funcionalista americana, herdeira desse pensa
encontra em qualquer organismo, como, por exemplo, “nos ani
mento, e classifica-a como essencialmente analítica e empírica.
mais, [onde] a predominância do sistema nervoso sobre os ou
Multiplicando questionários para saber como vivem os homens
tros sistemas se reduz ao direito, se se pode falar assim, de
em sociedade, transformando-se, deste modo, em mera sociogra-
receber um alimento mais seleto e de receber sua parte antes dos
fia, caricatura de uma autêntica ciência social, ela deixa de ser
outros”45. E ainda: “Pois, se nada entrava ou nada favorece in
crítica, no sentido marxista do termo, não questionando a ordem
justamente os concorrentes que disputam entre as tarefas, é ine
social nos seus traços fundamentais e admitindo implicitamente
vitável que apenas os que são os mais aptos a cada gênero de
a visão de mundo da sociedade norte-americana49.
atividade a alcancem”46.
O próprio Durkheim não faz segredo do conservadorismo
do seu método positivista: “O nosso método não tem, portanto, 2.4. A sociologia compreensiva
nada de revolucionário. E até, num certo sentido, essencialmente
conservador, uma vez que considera os fatos sociais como coisas Foram os alemães, sobretudo, os defensores de uma atitu
cuja natureza, por mais elástica e maleável que seja, não é, no de antipositivista nas ciências sociais, herdeiros que eram dos
entanto, modificável à nossa vontade”47. filósofos da época do Romantismo. Os neokantianos, por exem
Ao ler essa afirmação, Michel Lõwy chega, finalmente, ao plo, estabeleceram algumas distinções fundamentais entre as ciên
âmago do problema quando diz que é inútil ficar discutindo, cias humanas e as ciências da natureza. Importante é a distinção
como o fazem alguns sociólogos hoje, quais são os elementos formulada pelo filósofo e historiador Wilhelm Dilthey (1833-
formais e doutrinários do conservadorismo de Durkheim: o seu 1911) entre explicar (erklàren) e compreender (verstehen).
problema está “na sua própria concepção do método. É seu As ciências naturais procuram explicar as relações causais
entre os fenômenos, enquanto as ciências humanas precisam com
preconceito conservador, c sim porque ela enxerga não só através das ilu preender processos da experiência humana que são vivos, mutá
sões do s t a t u s q u o atual como também através das expectativas ilusórias
veis, que precisam ser interpretados para que se extraia deles o
concernentes a possíveis futuros, sendo tais expectativas o costumeiro ali
mento espiritual dos revolucionários. Em nossa opinião, essa sobriedade seu sentido. Ao aplicar o método da compreensão aos fatos hu-
não revolucionária e moderadora da sociologia é altamente valiosa”.
44 L õwy. A í a v e n tu r a s ..., op. cit. p. 27. 48 L õwy. A s a v e n tu r a s ..., op. cit. p. 29. O sublinhado no texto é de Michel
Lõwy.
45 D urkheim. D e l a d i v i s i o n . . . , op. cit. pp. 157-158.
49 Cf. Aron, op. cit. pp. 4-5. E na p. 6 ele diz: “Os norte-americanos são
46 Idem, ibidem, pp. 369-370.
reformistas quando se trata de sua própria sociedade e, implicitamente pelo
47 D urkheim. A s r e g r a s ..., op. cit. p. 74. menos, com relação a todas as sociedades”.
380 381
manos sociais, M. Weber elabora os fundamentos de uma socio conhecer um fenômeno social quando o compreendemos como
logia compreensiva ou interpretativa50. fato carregado de sentido que aponta para outros fatos significati
Ao contrário de Durkheim, Weber não pensa que a ordem vos. O sentido, quando se manifesta, dá à ação concreta o seu
social tenha de se opor e se distinguir dos indivíduos como uma caráter, quer seja ele político, econômico ou religioso. O objetivo
realidade exterior a eles, mas que as normas sociais se concreti do sociólogo é compreender esse processo, desvendando os nexos
zam exatamente quando se manifestam em cada indivíduo sob a causais que dão sentido à ação social em determinado contexto.
forma de motivação. E Weber distingue quatro tipos de ação Por isso, para Weber, há profunda ligação entre as ciên
social que orientam o sujeito: cias históricas e a sociologia. Raymond Aron assim explica essa
• a ação racional com relação a um o b jetiv o característica do pensamento de Weber: “Nas ciências da reali
(Zweckrational), como, por exemplo, a de um enge dade humana deve-se distinguir duas orientações: uma no senti
nheiro que constrói uma estrada, onde a racionalidade do da história, do relato daquilo que não acontecerá uma segun
é medida pelos conhecimentos técnicos do indivíduo da vez, a outra no sentido da sociologia, isto é, da reconstrução
visando alcançar uma meta. conceituai das instituições sociais e do seu funcionamento. Estas
• a ação racional com relação a um valor (Wertrational), duas orientações são complementares. Max Weber nunca diria,
como um indivíduo que prefere morrer a abandonar como Durkheim, que a curiosidade histórica deve subordinar-se
determinada atitude, onde o que se busca não é um à investigação de generalidades. Quando o objeto do conheci
resultado externo ao sujeito mas a fidelidade a uma mento é a humanidade, é legítimo o interesse pelas característi
convicção. cas singulares de um indivíduo, de uma época ou de um grupo,
tanto quanto pelas leis que comandam o funcionamento e o de
• a ação afetiva, que é aquela definida pela reação emo
senvolvimento das sociedades [...]. A ciência weberiana se defi
cional do sujeito quando submetido a determinadas cir
cunstâncias. ne, assim, como um esforço destinado a compreender e a expli
cai' os valores aos quais os homens aderiram, e as obras que
• a ação tradicional, que é motivada pelos costumes, tra construíram”52.
dições, hábitos, crenças, quando o indivíduo age movi
do pela obediência a hábitos fortemente enraizados em Mas esse processo nunca é acabado, pois “o conhecimen
sua vida51. to é uma conquista que nunca chega ao seu termo”53, fazendo da
ciência um vir a ser constante. Aqui, vê-se como Max Weber se
Weber vê como objetivo primordial da sociologia a capta distancia de A. Comte, quando julga impossível que a sociologia
ção da relação de sentido da ação humana, ou seja, chegamos a possa um dia formular um quadro claro e definitivo das leis
fundamentais da sociedade humana. E se distancia também de
50 Cf. W eber, M. Textos selecionados. 2 ed. São Paulo, Abril Cultural, 1980. Marx, quando defende que um mesmo acontecimento pode ter
(coleção “Os Pensadores”); C ohn, G. (org.). Max Weber: Sociologia. 2 ed. causas econômicas, políticas e religiosas, sendo que nenhuma
São Paulo, Ática, 1982; W eber, M. Economia e sociedade. Fundamentos dessas causas pode ser considerada superior em relação às ou
da sociologia compreensiva. Brasília, Editora da UnB, 1991. v. 1.; Idem.
tras. O que garante a objetividade da explicação sociológica é o
A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo/Brasília, Pionei-
ra/Editora da UnB, 1981; A ron, op. cit. pp. 461-540. A contribuição de seu método e não a objetividade pura dos fatos.
Weber se estende por todas as áreas das Ciências Sociais, com exceção da
Antropologia, e é muito difundida no Brasil. 32 A ron, op. cit. pp. 469-470.
51 Cf. W eber. Economia..., op. cit. pp. 15-16. 33 Idem, ibidem, p. 467.
382 383
É impossível fazer um resumo do pensamento de M. Weber realidade e o quadro ideal [...] Ora, desde que cuidadosamente
em poucas linhas, mas quero lembrar aqui apenas que a sociolo aplicado, esse conceito cumpre as funções específicas que dele se
gia compreensiva de M. Weber, para chegar ao objetivo propos esperam, em benefício da investigação e da representação”55*.
to anteriormente, trabalha com um instrumento teórico chamado
“tipo ideal”. O tipo ideal é um conceito sociológico construído e
testado previamente, antes de ser aplicado às diferentes situa 2.5. A sociologia marxista
ções nas quais se acredita que ele tenha ocorrido. É um modelo
teórico fabricado a partir de fenômenos isolados ou da ligação Um resumo da sociologia de Marx pode ser encontrado no
entre eles, e que é testado, em seguida, empiricamente. célebre “Prefácio” da Contribuição à Crítica da Economia Polí
A. Giddens diz que “um tipo ideal é construído pela abs tica, escrito em janeiro de 1859: “O resultado geral a que cheguei
tração e combinação de um número indefinido de elementos e que, uma vez obtido, serviu-me de guia para meus estudos,
que, embora encontrados na realidade, são raramente ou nunca pode formular-se, resumidamente, assim: na produção social da
descobertos nesta forma específica [...]. Um tipo ideal assim não própria existência, os homens entram em relações determinadas,
é nem uma ‘descrição’ de um aspecto definido da realidade, necessárias, independentes de sua vontade; estas relações de pro
nem, segundo Weber, é uma hipótese; mas ele pode ajudar tanto dução correspondem a um grau determinado de desenvolvimento
na descrição como na explicação. Um tipo ideal não é, natural de suas forças produtivas materiais. A totalidade dessas relações
mente, ideal em sentido normativo: ele não traz a conotação de de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base
que sua realização seja desejável [...]. Um tipo ideal é um puro real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e
tipo no sentido lógico e não exemplar[...]. A criação de tipos à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência.
ideais não é um fim em si mesmo[...] o único propósito de O modo de produção da vida material condiciona o processo de
construí-los é para facilitar a análise de questões empíricas”54. vida social, política e intelectual. Não é a consciência dos ho
mens que determina o seu ser; ao contrário, é o seu ser social que
Weber assim define o tipo ideal na obra A “objetividade”
determina a sua consciência. Em certa etapa de seu desenvolvi
do conhecimento nas Ciências Sociais: “Obtém-se um tipo ideal
mento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em
mediante a acentuação unilateral de um ou vários pontos de
contradição com as relações de produção existentes, ou, o que
vista, e mediante o encadeamento de grande quantidade de fenô
não é mais que sua expressão jurídica, com as relações de pro
menos isoladamente dados, difusos e discretos, que se podem dar
priedade no seio das quais elas se haviam desenvolvido até então.
em maior ou menor número ou mesmo faltar por completo, e que
De formas evolutivas das forças produtivas que eram, essas rela
se ordenam segundo os pontos de vista unilateralmente acentua
ções convertem-se em entraves. Abre-se, então, uma época de
dos, a fim de se formar um quadro homogêneo de pensamento.
revolução social. A transformação que se produziu na base eco
Torna-se impossível encontrar empiricamente na realidade esse
nômica transtorna mais ou menos lenta ou rapidamente toda a
quadro, na sua pureza conceituai, pois trata-se de uma utopia. A
colossal superestrutura. Quando se consideram tais transforma
atividade historiográfica defronta-se com a tarefa de determinar,
ções, convém distinguir sempre a transformação material das con
em cada caso particular, a proximidade ou afastamento entre a
dições econômicas de produção — que podem ser verificadas
fielmente com a ajuda das ciências físicas e naturais — e as
54 G iddens, A. Capitalism and Modern Social Theory. An Analysis o f the
Writings o f Marx, Durkheim and Max Weber. Cambridge, Cambridge
University Press, 1971. pp. 141-142. Citado em C arter & M eyers, op. cit. 53 W eber, M. A “Objetividade” do Conhecimento nas Ciências Sociais. Apud:
p. 260. C ohn, op. cit. p. 106.
384 385
formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em quanto ela não passa de um processo natural nas sociedades de
resumo, as formas ideológicas sob as quais os homens adquirem forma antagônica”57.
consciência desse conflito e o levam até o fim. Do mesmo modo Raymond Aron, por sua vez, diz que “encontramos nessa
que não se julga o indivíduo pela idéia que faz de si mesmo, passagem [transcrita acima] todas as idéias essenciais da inter
tampouco se pode julgar uma tal época de transformação pela pretação econômica da história, com a única reserva de que nem
consciência que ela tem de si mesma. É preciso, ao contrário, a noção de classes nem o conceito de luta de classes aparecem aí
explicar esta consciência pelas contradições da vida material, pelo explicitamente. No entanto é fácil reintroduzi-los nessa concep
conflito existente entre as forças produtivas sociais e as relações ção geral”58. Vamos percorrer, com R. Aron, as sete “idéias
de produção. Uma sociedade jamais desaparece antes que este essenciais” do pensamento de Marx sobre a sociedade, idéias
jam desenvolvidas todas as forças produtivas que possa conter, e que formam o arcabouço do chamado materialismo histórico.
as relações de produção novas e superiores não tomam jamais
seu lugar antes que as condições materiais de existência dessas 1. A primeira idéia é a de que “na produção social da
relações tenham sido incubadas no próprio seio da velha socieda própria existência, os homens entram em relações de
de. Eis porque a humanidade não se propõe nunca senão os pro terminadas, necessárias, independentes de sua vonta
blemas que ela pode resolver, pois, aprofundando a análise, ver- de; estas relações de produção correspondem a um
se-á sempre que o próprio problema só se apresenta quando as grau determinado de desenvolvimento de suas forças
condições materiais para resolvê-lo existem ou estão em vias de produtivas materiais”. Ou seja, para compreender as
existir. Em grandes traços, podem ser designados, como outras sociedades é necessário analisar suas estruturas, as for
tantas épocas progressivas da formação econômica da sociedade, ças de produção e as relações de produção que nelas se
os modos de produção asiático, antigo, feudal e burguês moder encontram. A compreensão do processo histórico está
no. As relações de produção burguesas são a última forma anta condicionada à compreensão dessas relações sociais que
gônica do processo de produção social, antagônica não no senti ultrapassam os indivíduos, pois as relações sociais se
do de um antagonismo individual, mas de um antagonismo que lhes impõem, com frequência, sem levar em conta suas
nasce das condições de existência sociais dos indivíduos; as for preferências. Se adotarmos o modo de pensar dos ho-
ças produtivas que se desenvolvem no seio da sociedade burgue
sa criam, ao mesmo tempo, as condições materiais para resolver 57 F ernandes, K. Marx..., op. cil. p. 46.
este antagonismo. Com esta formação social termina, pois, a pré- 58 A ron, op. cit. p. 140. Cl'., para o que se segue, Idem, ibidem, pp. 140-204.
história da sociedade humana”56. Cl. também B ottomore, T. (ed.). Dicionário do pensamento marxista. Rio
Comentando o “Prefácio” de Marx, na Introdução da co de Janeiro, Jorge Zahar, 1988, verbetes forças produtivas e relações de
letânea citada, diz Florestan Fernandes que “o que emerge é uma produção, base e superestrulura, classe, luta de classes. Sobre Marx e o
marxismo podem ser lidos com proveito também: H obsbawm, E. J. et alii.
refinada teoria sociológica da revolução social, esbatida sobre o
História do marxismo. 12 v. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979-1989;
pano de fundo das correntes históricas que atravessam as estru M cL e iía n , D. Karl Marx. Vida e Pensamento. Petrópolis, Vozes. 1990;
turas da sociedade”. Esse texto “exibe a consciência revolucio I anni, O. (org.). Karl Marx: Sociologia. 4 ed. São Paulo, Ática, 1984; K a r l
nária da história sob a forma acabada de teoria científica, des Marx. 2 ed. São Paulo, Abril Cultural, 1978. (coleção “Os Pensadores”);
vendando como se produz historicamente a revolução social e W rigiit, E. O. et alii. Reconstruindo o marxismo, ensaios sobre a explica
ção e teoria da História. Petrópolis, Vozes, 1993. A leitura da principal
obra de Marx, O Capital. Crítica da economia política, v. I-III, pode ser
56 M arx, K. Contribuição à Crítica da Economia Política. In: F ernandes, F. feita na edição da Abril Cultural, São Paulo, 1983-1985. (coleção “Os
(org.). K. Marx & F. Engels: História. São Paulo, Ática, 1983. pp. 233-234. Economistas”).
386 387
mens de determinada sociedade como o único ponto de nada sociedade. R. Aron explica assim: “Em outras
partida para entendê-la, não teremos uma compreensão palavras, a dialética da história é constituída pelo mo
suficiente de todas as suas determinações. vimento das forças produtivas, que entram em contra
2. A segunda idéia diz que “a totalidade dessas relações dição, em certas épocas revolucionárias, com as rela
de produção constitui a estrutura econômica da socie ções de produção, isto é, tanto as relações de proprie
dade, a base real sobre a qual se eleva uma superestru dade como a distribuição de renda entre os indivíduos
tura jurídica e política e à qual correspondem formas ou grupos da coletividade”59.
sociais determinadas de consciência. O modo de pro 5. Embora esse texto do “Prefácio” não faça alusão à luta
dução da vida material condiciona o processo de vida de classes, nessa contradição entre forças e relações de
social, política e intelectuaí’. O que significa que em produção é fácil introduzir o conceito: na contradição
toda sociedade podemos distinguir a base econômica existente entre forças e relações de produção, uma classe
ou infra-estrutura, constituída pelas forças e pelas rela está associada às antigas relações de produção que cons
ções de produção, e a superestrutura, constituída pelas tituem um obstáculo ao desenvolvimento das forças
instituições jurídicas e políticas, assim como pelos mo produtivas, enquanto outra classe representa as novas
dos de pensar ou consciência social, se quisermos. relações de produção que favorecem o desenvolvimen
3. “Não é a consciência dos homens que determina o seu to dessas forças. Segundo o Manifesto do Partido Co
ser; ao contrário, é o seu ser social que determina a munista, “a história de todas as sociedades existentes
sua consciência”, do que decorre que, para explicar a até hoje é a história das lutas de classe. Homem livre e
maneira de pensar dos homens, é preciso analisar as escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre de
relações sociais às quais eles estão integrados. corporação e companheiro, numa palavra, opressores
4. “Em certa etapa de seu desenvolvimento, as forças pro e oprimidos, em constante oposição, têm vivido numa
dutivas materiais da sociedade entram em contradição guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada; uma
com as relações de produção existentes, ou, o que não guerra que terminou sempre, ou por uma transforma
é mais que sua expressão jurídica, com as relações de ção revolucionária da sociedade inteira, ou pela des
propriedade no seio das quais elas se haviam desen truição das duas classes em luta”60.
volvido até então. Deformas evolutivas das forças pro 6. “Uma sociedade jamais desaparece antes que estejam
dutivas que eram, essas relações convertem-se em en desenvolvidas todas as forças produtivas que possa
traves. Abre-se, então, uma época de revolução so conter, e as relações de produção novas e superiores
cial”. Aqui é preciso definir o que Marx entendia por não tomam jamais seu lugar antes que as condições
forças produtivas e por relações de produção. O con materiais de existência dessas relações tenham sido
ceito de forças produtivas abrange os meios de produ incubadas no próprio seio da velha sociedade. Eis por
ção, como o desenvolvimento tecnológico, as fontes de que a humanidade não se propõe nunca senão os pro
energia disponíveis, a organização do trabalho coleti blemas que ela pode resolver, pois, aprofundando a
vo, entre outros, enquanto as relações de produção são
constituídas pela propriedade econômica das forças pro 59 A ron, op. cit. p. 141.
dutivas, como a burguesia que detém, no capitalismo, 60 M arx, K. & E ngels, F. Manifesto do Partido Comunista. In: F ernandes, F.
o controle dos meios de produção dos bens de determi K. Marx..., op. cit. pp. 365-366.
388 389
análise, ver-se-á sempre que o próprio problema só se jetivas, de hoje, era, portanto, um profeta e um homem de ação,
apresenta quando as condições materiais para resolvê- além de um cientista”62.
lo existem ou estão em vias de e x i s t i r As revoluções Não vou tratar aqui do tema polêmico da religião em Marx,
não acontecem por acaso, são expressão de uma neces mas o que foi dito já é suficiente para percebermos que, como a
sidade histórica. religião pertence ao nível ideológico da realidade, ao nível da
7. “Em grandes traços, podem ser designados, como ou consciência humana, é preciso, quando se quer analisá-la, antes
tras tantas épocas progressivas da formação econômi de mais nada, desvendar a influência dos fatores materiais de
ca da sociedade, os modos de produção asiático, anti uma sociedade determinada sobre as práticas religiosas e os sis
go, feudal e burguês moderno”. Marx distingue as eta temas de crenças das pessoas que a vivem.
pas da histórica humana a partir de sua estrutura eco Para se compreender a Bíblia, neste caso, devemos verifi
nômica, falando desses quatro modos de produção. Cada car a totalidade do processo social ao qual ela pertence. Não são
um deles se caracteriza por determinado tipo de rela misteriosas inspirações nem complexas psicologias dos autores
ções entre os homens na produção da riqueza. O modo que, em nosso caso, explicam os textos bíblicos. O que explica
de produção antigo caracteriza-se pela escravidão; o um texto é sua mundivisão, sua maneira específica de ver a reali
modo de produção feudal, pela servidão; o modo de dade, condicionada pelas ideologias da sua época e classe social.
produção burguês, pelo trabalho assalariado e, mais
problemático na sua definição, o modo de produção Compreender um texto bíblico implica, portanto, analisar
asiático ou tributário, pela submissão dos trabalhadores as relações complexas e indiretas — em geral, extremamente
ao tributo estatal e ao trabalho forçado61. mediatizadas — entre esse texto e o mundo em que foi produzi
do e lido.
Este resumo dá apenas uma rápida idéia da complexidade,
do alcance e das inúmeras polêmicas que o pensamento de Marx
gera, necessariamente, tanto entre os estudiosos como entre os 3. ORIGEM E CARACTERÍSTICAS
homens engajados em qualquer ação social. DO DISCURSO ANTROPOLÓGICO
Raymond Aron define isso com muita competência quan
do diz que “Marx era incontestavelmente um sociólogo, mas um Enquanto a sociologia foi aqui definida como o estudo da
sociólogo de tipo determinado, sociólogo-economista, convicto sociedade humana e de suas instituições, a antropologia pode
de que não podemos compreender a sociedade moderna sem ser definida, de modo geral, como o estudo dos seres humanos e
uma referência ao funcionamento do sistema econômico, nem da cultura humana. O Dicionário Aurélio assim a caracteriza:
compreender a evolução do sistema econômico se desprezamos “Ciência que reúne várias disciplinas cujas finalidades comuns
a teoria do seu funcionamento. Enfim, como sociólogo, ele não são descrever o homem e analisá-lo com base nas características
distinguia a compreensão do presente da previsão do futuro e da biológicas (antropologia física) e culturais (antropologia cultu
determinação de agir. Comparativamente às sociologias ditas ob- ral) dos grupos em que se distribui, dando ênfase, através das
épocas, às diferenças e variações entre esses grupos”63*.
61 Sobre o modo de produção “asiático” ou tributário, cf. C ardoso , C. F. S.
(org.). Modo de produção asiático. Nova visita a um velho conceito. Rio 62 A ron, op. cil. p. 135.
de Janeiro, Campus, 1990; G ebran, P u. (org.). Conceito de modo de pro 63 L acerda, C. A. & G eiger, P., (eds.). Dicionário Aurclio Eletrônico, versão
dução, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978. 2.0. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1996. verbete antropologia.
390 391
Como se vê na definição do Aurélio, a antropologia divi Quanto ao seu desenvolvimento, podemos dizer que da
de-se em duas áreas: a antropologia física e a antropologia cul segunda metade do século XIX até o começo do século XX
tural. Há certa ambigüidade na terminologia usada para desig dominava na antropologia a perspectiva da evolução cultural e o
nar esta última, mas o mesmo Aurélio vem nos socorrer: “A método comparativo, que fundamentou melhor o estudo das cul
designação antropologia cultural é mais usada nos E.U.A., en turas humanas.
quanto na Grã-Bretanha o termo antropologia social designa ou Sobre Durkheim já falamos o suficiente para percebermos
a etnologia, ou a antropologia cultural. Nos demais países euro que, segundo seu pensamento, todas as sociedades poderíam ser
peus — por exemplo, na França — observa-se uma tendência classificadas de acordo com um movimento de transformação do
para o uso dos três termos que representam os níveis de pesqui mais simples para o mais complexo. As mudanças na divisão do
sa que, gradualmente, se vêm estabelecendo nos E.U.A. dentro trabalho social são vistas por ele como a lei que explica o pro
da antropologia cultural: etnografia, etnologia comparada, an cesso evolutivo na sociedade. Durkheim fala de solidariedade
tropologia social. Os autores nacionais fazem uso de ambas as mecânica nas sociedades pré-capitalistas e de solidariedade or
designações”64. gânica nas sociedades capitalistas.
Refazendo o percurso histórico dos conceitos antropológi Já o sociólogo alemão Ferdinand Tõnnies (1855-1936) for
cos, Philippe Laburthe-Tolra e Jean-Pierre Wamier explicam os mulou a distinção, tomada clássica, entre dois tipos básicos de
motivos da diferença terminológica: “Por oposição à antropolo organização social: a comunidade (Gemeinschaft) e a sociedade
gia americana definida e considerada uma antropologia cultural
{Gesellscha.fi). As relações de comunidade, típicas de grupos de
herdeira de Herder e de Tylor, a antropologia definiu-se na Grã-
caçadores / coletores e hordas — portanto, grupos relativamente
Bretanha por referência a Morgan e Durkheim, isto é, como uma
pequenos e pré-industriais — baseiam-se na coesão nascida do
antropologia social. Na medida em que não existe civilização
parentesco, das práticas herdadas dos antepassados e dos fortes
que não seja a de uma sociedade determinada, nem sociedade
sentimentos religiosos que unem o grupo. Já as relações de so
que não seja portadora de uma civilização, os adjetivos ‘cultural’
ciedade são típicas de grupos que vivem vida urbana desenvol
e ‘social’ que qualificam, respectivamente, a antropologia ame
vida, organizam-se em Estados e possuem uma complexa divi
ricana e britânica não indicam uma divergência teórica radical
são do trabalho66.
mas uma diferença de ênfase, ou, antes, de opção quanto à forma
escolhida para abordar os fatos socioculturais”65. Fundamentada em tais pressupostos, a antropologia de
senvolveu, nesse período, grande interesse pelas sociedades pri
mitivas e buscaram-se práticas e idéias primitivas que teriam
64 Idem, ibidem, verbete antropologia. Cf. também C arter, C. E. A Discipli
ne in Transition. The Contributions of the Social Sciences to the Study of sobrevivido na forma de crenças e superstições nas sociedades
Hebrew Bible. In :_____. & M kyi-r s , op. cit. p. 7, nota 7. Por outro lado, modernas. Assim, a diferença entre uma sociedade primitiva e
Philip R. D avies, In Search..., op. cit. p. 11, nota 1, diz que não consegue uma sociedade complexa não é de “essência”, mas apenas de
encontrar uma distinção satisfatória entre as abordagens sociológica c an “grau”. Um quadro das duas sociedades, hoje considerado inade
tropológica: Onde, por exemplo, a sociologia é entendida como “a antropo
quado, teria o seguinte aspecto67:
logia de sociedades industrializadas” e se afirma a existência da antropolo
gia social, é difícil ver uma demarcação nítida”. Cf. a mesma perspectiva
em C astilho C osta, M. C. Sociologia. Introdução à ciência da sociedade. 66 A principal obra de Ferdinand Tõnnies é Gemeinschaft und Geselschaft e
São Paulo, Moderna, 1987. pp. 90 e 104-105. foi publicada cm 1887. A tradução inglesa é Community and Association.
65 L aburthe-T olra, P h. & W arnier, J.-P. Etnologia-Antropologia. Petrópolis, London, Routledge & Kegan Paul, 1955.
Vozes, 1997. p. 68. 67 Cf. C astilho C osta, op. cit. p. 92.
392 393
A fase seguinte da antropologia é marcada pela preocupa
Sociedades “prim itivas” Sociedades “m odernas”
ção com o rigor na pesquisa de campo e com a abordagem
• pequena divisão social do tra • grande divisão social do tra funcionalista. A antropologia orienta-se, agora, para uma obser
balho balho vação mais objetiva das culturas ou instituições, numa aborda
• organização social baseada na • sociedade fundada em códigos gem mais descritiva que valorativa, enfatizando a relação entre
tradição legais os diversos elementos que as compõem. Os funcionalistas defen
dem a observação participativa: os antropólogos devem convi
• ausência de burocracia • presença de burocracia
ver com os povos analisados observando os detalhes dos seus
•lid e r a n ç a tra d ic io n a l h e re • organização estatal costumes sociais, mesmo quando parecem sem sentido.
ditária O funcionalismo mudou a tendência das teorias evolucio-
• grande coesão com unitária • predom ínio do indivíduo nistas, partindo do princípio de que cada sociedade deve ser
• importância dos costumes e tra • desenvolvim ento da racionali analisada em si mesma como um todo integrado de relações e
dições dade costumes. Assim, “a permanência de formas tradicionais de or
ganização social deveria ser explicada pela função que elas de
• religião politeísta • religião m onoteísta sempenhassem do ponto de vista da sociedade global, e não pelo
• poligam ia nos casamentos • m onogam ia predominante ‘atraso’ em relação a uma suposta evolução geral das sociedades
• visão m ágica da realidade • visão racional da realidade humanas”, explica Maria Cristina Castilho Costa68.
• predom inância de um a econo •eco n o m ia industrial predom i Bronislaw Kasper Malinowski (1884-1942), antropólogo
nante
polonês, foi o grande teórico da observação participante.
m ia agrária
Malinowski viveu entre os nativos das ilhas Trobiand, próximo à
• artesanato doméstico •grandes indústrias organizadas Nova Guiné, de 1914 a 1918. Definiu o conceito de função, em
• econom ia de subsistência • econom ia voltada para o lucro nível primário, como a resposta de uma cultura determinada às
• tecnologia simples c estática •te c n o lo g ia com plexa c d in â necessidades básicas do homem, tais como a alimentação, a ha
mica
bitação ou a defesa. Mas função é também social, respondendo
às necessidades sociais do grupo, tais como as relações conju
• aproveitamento mínimo dos re •aproveitam ento “racional” dos gais e a paternidade6970*.
cursos naturais e humanos recursos naturais e humanos
Outro importante antropólogo funcionalista foi o inglês
• ausência de escrita • presença de escrita Alfred Reginald Radcliffe-Brown (1881-1955), que pesquisou
• fam ília ampliada • fam ília nuclear os nativos das ilhas Andaman, no golfo de Bengala. Destacam-
• formas diversificadas de garan
se entre suas obras A organização social das tribos australianas;
• coesão social garantida predo
Sistemas africanos de parentesco e casamento; Estrutura e fu n
m inantem ente pela força m i tir a coesão social
ção na sociedade primitiva10.
litar
• econom ia de troca, im portân • econom ia de mercado
68 Idem, ibidem, p. 93. Cf. também C arter. A Discipline..., op. cit., pp. 7-8.
cia social das dádivas e tri
69 De Malinowski podem ser lidos Argonautas do Pacífico Ocidental. São
butos Paulo, Abril Cultural, 1978. (coleção “Os Pensadores”) e Uma teoria cien
tífica da cultura. Rio de Janeiro, Zahar, 1970.
70 C astilho C osta, op. cit. p. 95, observa que “Malinowski e Radcliffe-Brown
concordavam num ponto: a grande lei sociológica uni versai mente aplicável
394 395
Muitos outros aspectos e correntes da antropologia pode sociedade, colocando, de um lado, Max Weber, como defensor
ríam ser abordados, como a abordagem estruturalista e seu cam de um idealismo cultural, e, de outro lado, Karl Marx, como o
peão Claude Lévi-Strauss... mas vamos parar por aqui e passar teórico do materialismo cultural.
direto para a questão da aplicação dos métodos das ciências Charles Carter nos lembra, finalmente, que essas perspec
sociais à Bíblia, tanto a hebraica como a cristã71. tivas são, às vezes, utilizadas individualmente, mas outras vezes,
Contudo, talvez fosse conveniente lembrar ao leitor que duas ou mais abordagens podem ser colocadas lado a lado como
muitos autores, como Charles E. Carter, na introdução a complementares pelos estudiosos da Bíblia72.
Community, Identity and Ideology [Comunidade, identidade e
ideologia], somando as contribuições das teorias antropológicas
e sociológicas preferem falar das abordagens vistas acima de 4. A BÍBLIA E A LEITURA SÓCIO-ANTROPOLÓGICA
modo diferente.
4.1. Israel e a Bíblia Hebraica
Algumas perspectivas enfatizam as forças ou conflitos que
produzem mudanças sociais, enquanto outras enfatizam a estabili
Um dos pioneiros na aplicação das ciências sociais à Bí
dade de uma sociedade determinada baseada sobre a estrutura e a
blia Hebraica foi W. Robertson Smith. Em 1885, em Kinship
função das instituições e então teríamos, de um lado, uma pers
and Marriage in Early Arabia [Parentesco e matrimônio na anti
pectiva de conflito, como em Max Weber, e, de outro lado, uma ga Arábia] e em Lectures on the Religion o f the Semites - First
perspectiva estrutural funcional, como a de E. Durkheim, ambos Series: The Fundamental Institutions [Lições sobre a religião
com significativo número de seguidores nos estudos bíblicos. dos semitas - Série Primeira: As instituições fundamentais], res
Charles Carter diz ainda que alguns teóricos enfatizam os pectivamente de outubro de 1888 e março de 1889, as idéias
modos específicos de subsistência que caracterizam uma socieda sobre o totemismo que influenciaram E. Durkheim, J. G. Frazer
de, enquanto outros enfatizam as relações econômicas existentes ou S. Freud já estavam delineadas73*. Como muitos de seus con
dentro do processo social, o que nos leva a classificar suas aborda temporâneos, W. Robertson Smith tinha uma visão evolucionista
gens com o nome de estratégias de subsistência (como em Hopkins) da religião, defendendo que a cultura e a religião semíticas ti
versus modo de produção (como em Marx e seguidores). nham passado por uma fase primitiva, matrilinear e totêmica, na
Outros ainda sublinham a importância das idéias e da ideo qual a comunhão entre os membros de um grupo e seu deus era
logia na explicação de como as sociedades se organizam, en mantida mediante o sacrifício e consumação do animal totêmico
quanto outra corrente vê a ideologia como um processo que deve que representava a divindade.
ser explicado a partir das condições materiais próprias de uma Mas o que é mais importante em W. Robertson Smith é
sua idéia de que a pesquisa etnográfica é fundamental para
era a de que toda e qualquer sociedade constitui um todo integrado de
aspectos que respondem a problemas de sobrevivência enfrentados por 72 Cf. C arter. A Discipline..., op. cit. pp. 9-13. Cf. tam bém J ohnson. Dicio
todos os homens em todos os lugares. As necessidades de alimento, abrigo, nário..., op. cit. verbetes Perspectiva de conflito, Perspectiva estrutural-
reprodução e defesa são respondidas nas formações sociais por modos funcionalista. Perspectiva interacionista.
peculiares de vida, por um sistema singular de instituições inter-relaciona- 73 Cf. S mith, W.R. Kinship and Marriage in Early Arabia. Cambridge, Cambridge
das e que funcionam conjuntamente”. University Press, 1885; Idem. Lectures on the Religion of the Semites - First
71 Para o uso da antropologia no estudo da Bíblia Hebraica, recomendo o Series: The Fundamental Institutions. 2 ed. London, Black, 1894. As páginas
estudo de O verholt, T.W. Cultural. Anthropology and the Old Testament. 213-243 desta ultima obra, sob o título Sacrifice: Preliminary Survey estão
Minneapolis, Fortress Press, 1996, especialmente as pp. 1-23. em C arter & M eyers, Community..., op. cit. pp. 43-64.
396 397
o estudo da religião e da cultura. Esteve entre os árabes do Oriente tor seminômade, Weber volta-se para as leis do livro da Aliança
Médio quatro vezes e defendia que sua cultura mantinha padrões e do Deuteronômio, e depois para a questão da aliança”7f’.
rituais dos tempos antigos que podiam ser aproveitados, de modo Diz Max Weber: “O conceito de ‘aliança’ era importante
comparativo, no seu estudo dos semitas antigos. para Israel porque a antiga estrutura social de Israel baseava-se
Outro estudo que teve impacto direto nos estudo bíblicos em parte em uma relação permanente, regulada contratualmente,
foi Das Antike Judentum [O Judaísmo antigo] de Max Weber. de guerreiros sedentários aparentados, com tribos hóspedes, as
Os ensaios que deram origem a este livro de Weber foram escri sim como com estrangeiros residentes protegidos por lei: pasto
tos entre 1917 e 1919 e publicados por sua viúva em 1921, em res nômades e artesãos hóspedes, mercadores e sacerdotes. Um
Tübingen74. intrincado labirinto de arranjos fraternos, nós vimos, dominava a
Como a sociologia de Weber é sociologia histórica, ele estrutura social e econômica. Daí que foi nessas circunstâncias
que a aliança com Deus, com o próprio Iahweh, tomou-se uma
define primeiro uma situação e depois busca suas origens. Em
concepção fundamental para a auto-avaliação de Israel de seu
Das Antike Judentum, Weber começa pela definição da comuni lugar entre as nações”7677.
dade judaica pós-exílica, para, em seguida, buscar suas origens
na história do antigo Israel. Nesse processo, verifica-se, portanto, a formação de Israel
como uma sociedade urbana em gradual desenvolvimento. Uma
A comunidade judaica é descrita como uma comunidade
sociedade que, apesar dos antagonismos sociais e econômicos,
de párias, não sendo a consciência de sua unidade baseada em manteve-se unida pela lei, considerada como lei de Iahweh.
considerações econômicas: “Sociologicamente falando os judeus
eram um povo pária, o que significa, pelo que sabemos da índia, Mas, como Weber entende essa união? Diz ele que “não
que eles eram um povo hóspede ritualmente separado, formal foram as condições de vida de beduínos e seminômades que
‘produziu’ uma ordem social cujo estabelecimento poderia ser
mente ou de fato, de seu ambiente social. Todas as característi
considerado como algo do tipo ‘explicação ideológica’ de suas
cas essenciais da atitude judaica em relação ao ambiente social
condições econômicas. Esta forma de construção histórica mate
podem ser deduzidas de sua existência pária — especialmente
rialista é inadequada aqui como alhures”. A emergência de tal
seu gueto voluntário, muito anterior à internação compulsória, e
ordem foi “determinada por circunstâncias e vicissitudes concre
a natureza dualista de sua moral interna e externa”75. tas de natureza histórico-religiosas e não raro muito pessoais”78.
“Depois de discutir as estruturas sociais de beduínos nô Andrew D. H. Mayes explica: “À luz da sociologia geral
mades, de cidades na Palestina, do lavrador do campo e do pas- de Weber, significa, manifestamente, com isso, em primeiro lu
gar, que foi na base das compreensões e interpretações de sua
Usarei a versão inglesa do livro: Ancient Judaism. Trad. Hans H. Gerth c situação tidas por indivíduos que a crença numa aliança comum
Don Martindale. New York, Free Press, 1952. paperback edition 1967.
Muito do que será dito aqui foi lido em M ayes, A. D. H. Sociologia e
Antigo Testamento. In: C lements, R. E. (org.). O mundo do antigo Israel. 76 M ayes, A. D. H. Sociologia e Anligo Testamento. In: C lements, op. cit.
Perspectivas sociológicas, antropológicas e políticas. São Paulo, Paulus, p. 49. “Uma peculiaridade da ordem social israelita encontra sua expressão
1995. pp. 48-51, texto em que Mayes faz uma leitura do livro de Max no verdadeiro nome do mais antigo livro da lei: sefer haberit ‘Livro da
Weber. Mas veja-se igualmente M ayes, A. D. H. Idealism and Materialism Aliança’. O que nos interessa é o importante conceito de berith”, diz W eber.
in Weber and Gottwald. In: C arter & M eyers, Community..., op. cit. pp. Ancient..., op. cit. p. 75.
258-272, para uma análise do livro de Weber. 77 Idem, ibidem, p. 79.
75 W eber. Ancient..., op. cit. p. 3. 78 Idem, ibidem, p. 80.
398 399
com Iahweh veio a surgir, e, em segundo lugar, que as leis do ‘profissionalmente’. Assim o era, por exemplo, pelos numerosos
livro da Aliança e do Deuteronômio representam a ‘racionaliza ‘profetas’ (nabi, nebi’im) mencionados no Antigo Testamento,
ção’ progressiva da irmpção original carismática realizada nos especialmente nas Crônicas e nos livros proféticos. Mas é preci
inícios por Moisés e o grupo do êxodo. A irmpção ramo à per samente destes que se distingue o profeta, no sentido que aqui
cepção básica, da qual se podiam enfrentar novas situações so lhe damos, por um critério puramente econômico: pelo caráter
ciais e históricas, realizou-se historicamente ao se criar a comu gratuito de sua profecia. Amós rejeita com ira a denominação
nidade de aliança de Israel”™. nabi. E a mesma diferença existe também em relação aos sacer
Weber analisa também o papel dos levitas, segundo ele, dotes. O profeta típico propaga a ‘idéia’ por ela mesma e não —
os responsáveis pelo desenvolvimento do javismo mais racional pelo menos não de modo perceptível e de forma regulada — por
e ético, associados por sua vez aos profetas, que “pregavam a uma remuneração”82.
ética levítica, cuja existência e cujo conhecimento retinham como Os estudos de Albrecht Alt (1883-1956), especialmente
evidentes por si”7980. Aqui, Weber insiste repetidamente na figura com seus conceitos de carisma e de cidade-estado, e de Martin
do profeta como um carismático solitário que, heroicamente, Noth (1902-1968), sobre a importância social da aliança, foram
luta contra a corrente institucional. Enfatiza, igualmente, suas muito influenciados por Max Weber.
visões e audições, que o fazem viver um estado quase doentio de “Durante sua vida, Albrecht Alt esteve ligado à Palestina.
ansiedade e tensão emocional. Inclusive coordenou instituições que objetivavam a pesquisa ar
Em outros estudos, Weber fala igualmente da função dos queológica e histórico-cultural da Palestina e do Antigo Oriente.
profetas: “Por ‘profeta’ queremos entender aqui o portador de Seus continuados contatos com a terra palestinense e seus traba
um carisma pessoal, o qual, em virtude de sua missão, anuncia lhos de pesquisa de campo lhe proporcionaram vastos e profun
uma doutrina religiosa ou um mandado divino [...]. O decisivo dos conhecimentos sobre as condições concretas e as circunstân
para nós é a vocação ‘pessoal’. Esta é que distingue o profeta do cias territoriais da Palestina. Isto se reflete em sua interpretação
sacerdote. Primeiro e sobretudo porque o segundo reclama auto dos textos bíblicos e em sua historiografia. Ele mesmo designa
ridade por estar a serviço de uma tradição sagrada, e o primeiro, seu método de ‘método histórico-territorial” ’, explica M.
ao contrário, em virtude de sua revelação pessoal ou de seu Schwantes na introdução ao livro de A. Alt, Terra prometida.
carisma. Não é casual o fato de que, com pouquíssimas exce Ensaios sobre a história do povo de IsraeP .
ções, nenhum profeta procedeu do sacerdócio. Os mestres de A influência de Max Weber sobre Martin Noth é ainda
salvação hindus em regra não são brâmanes, os israelitas não são mais marcante: a teoria de Noth de uma anfictionia no Israel
sacerdotes e somente Zaratustra talvez proceda da aristocracia pré-monárquico, publicada em 1930, foi durante muito tempo
sacerdotal. Em oposição ao profeta, o sacerdote distribui bens de um terreno quase sagrado no qual não se podia mexer. Uma
salvação em virtude de seu cargo”81. anfictionia é uma liga de seis ou doze tribos ao redor de um
Não sendo profissional, um traço característico da profe santuário no qual habita a divindade e onde se renova a aliança
cia é a gratuidade, segundo Weber: “Muitas vezes, tanto a adivi entre as tribos, cada uma cuidando de sua manutenção durante
nhação quanto a terapêutica e a consulta mágica são exercidas
82 Idem, ibidem, p. 304.
83 A lt, A. Terra prometida. Ensaios sobre a história do povo de Israel. São
79 M ayes. Sociologia..., art. cit. p. 50.
Leopoldo, Sinodal, 1987. p. 5. Este livro é a tradução de textos seleciona
8(1 W eber. Ancient..., op. cit. p. 277. Cf. tam bém as pp. 90-117;267-335. dos da obra Kleine Schriftten zur Geschichte des Volkes Israel. München,
81 W eber. Economia..., op. cit. p. 303. C. H. Beck’sche Verlagsbuchhandlung. v. I. 1953; v. II. 1953; v. III. 1959.
400 401
dois ou um mês por ano. Assim, Israel, no período pré-monár- rapidamente. “A disciplina foi dominada, por um lado, por uma
quico, teria se constituído nesta forma anfictiônica ao redor de abordagem lingüística comparativa, literária e histórica [...] e,
Iahweh. Esta explicação de Martin Noth é bastante semelhante à por outro lado, por uma orientação teológica tipicamente protes
de Max Weber de um Israel pré-monárquico existindo como tante em sua natureza. Qualquer estudo das origens de Israel ou
uma comunidade de aliança, o que teria possibilitado a coesão de suas instituições — tanto da lei como das práticas sociais ou
de grupos diversos tanto econômica como socialmente84. da religião — tendia a ser escrita dentro destas perspectivas,
Andrew D. H. Mayes comenta essa influência do seguinte com a escola Alt / Noth dominante na pesquisa européia e a
modo: “Alt e Noth tomaram-se a influência predominante na escola de Albright dominante na América do Norte”878.
compreensão histórica de Israel, continuando a sê-lo até o pre A sacudida que a pesquisa bíblica precisava veio com um
sente. Embora os três tópicos a que nos referimos tenham sido artigo de George Mendenhall, The Hebrew Conquest of Palestine
objeto de discussão crítica mais recente, que minou seriamente [A conquista hebraica da Palestina], de 1962s8. O artigo já co
as reconstituições que ofereceram, foi por seu trabalho que a meça com uma constatação que hoje tomou-se lugar comum em
perspectiva sociológica de Weber consolidou-se e que as possi congressos ou salas de aula: “Não existe problema da história
bilidades que forneciam essa perspectiva sociológica para enten bíblica que seja mais difícil do que a reconstrução do processo
der Israel se tornaram claras”85. histórico pelo qual as Doze Tribos do antigo Israel se estabelece
ram na Palestina e norte da Transjordânia”89.
Winfried Thiel, só para citar um exemplo mais recente,
em Die soziale Entwicklung Israels in vorstaatlichen Zeil [O De fato, a narrativa bíblica enfatiza os poderosos atos de
desenvolvimento social de Israel na época pré-estatal], de 1980, Iahweh, que liberta o povo do Egito, o conduz pelo deserto e lhe
“atualiza inteiramente a compreensão de Weber do Israel pré- dá a terra, informando-nos, deste modo, sobre a visão e os obje
monárquico à base de estudos mais recentes. Ele considera mi tivos teológicos dos narradores de séculos depois, mas ocultan
do-nos as circunstâncias econômicas, sociais e políticas em que
nuciosamente a natureza da sociedade beduína, do seminomadis-
se deu o surgimento de Israel.
rno e da sociedade urbana, vendo a origem de Israel sobretudo
no contexto seminômade e sua fixação no país como processo Diante disso, os pesquisadores sempre utilizaram modelos
demorado e em larga medida pacífico, indo do pastoreio seminô ideais para descrever as origens de Israel, como o fez Martin
made com agricultura subsidiária, passando por prática econô Noth com a tese da anfictionia, importada do mundo grego. O
mica mais igualitária distribuída, rumo a uma economia plena que George Mendenhall propôs com o seu artigo foi apresentar
mente agrária com pastoreio subsidiário”86. um novo modelo ideal em substituição a modelos que não mais
se sustentavam, sugerindo uma linha de pesquisa que levasse em
Charles E. Carter observa que depois de Alt e Noth o uso conta elementos que até então não tinham sido considerados90.
das ciências sociais nos estudos da Bíblia Hebraica declinou
87 C arter. A Discipline..., op. cit., p. 17. É claro que muitos outros pesquisa
84 Cf. N oth, M. Das System der zwõlf Stamme Ismels. Stuttgart, Kohlhammer, dores e estudos deveríam ser citados aqui, como Antonin Causse, Johannes
1930; Idem. Geschichle Israels. Gottingen, 1950. Para uma crítica do mo Pedersen, Roland de Vaux, Hermann Gunkel, Sigmund Mowinckel, W. F.
delo da anfictionia, cf. G ottwai.d . Aj Tribos..., op. cit. pp. 353-394. Albright...
85 M ayes. Sociologia..., art. cit. p. 53. 88 M endenhall , G. The Hebrew Conquest of Palestine. In: Biblical
88 Idem, ibidem, p. 58; cf. T hiel, W. A sociedade de Israel na época pré- Archaeologist 25 (1962): 66-87. O artigo está reproduzido cm C arter &
estatal, São Leopoldo/São Paulo, Sinodal/Paulus, 1993. (original em ale M eyers, Community..., op. cit. pp. 152-169.
mão: Die soziale Entwicklung Israels in vorstaatlichen Zeit. Berlin, 89 M endenhall. The Hebrew..., art. cit., p. 152.
Evangelisches Verlaganstalt, 1980). 90 Cf. Idem, ibidem, pp. 152-153.
402 403
G. Mendenhall começa descrevendo os dois modelos exis sumariado, do ponto de vista de um historiador interessado so
tentes até então para a entrada na terra de Canaã, o da conquista mente nos processos sociopolíticos, como uma revolta campone
militar e o da infiltração pacífica de seminômades e arrola os sa contra a espessa rede de cidades-estado cananéias”.
três pressupostos presentes em ambos: Esses camponeses revoltados contra o domínio das cida
• as doze tribos entram na Palestina vindo de outro lugar des cananéias se organizam e conquistam a Palestina, diz
na época da “conquista”; Mendenhall, “porque uma motivação e um movimento religioso
criou uma solidariedade entre um grande grupo de unidades so
• as tribos israelitas eram nômades ou seminômades que
ciais preexistentes, tomando-os capazes de desafiar e vencer o
tomam posse da terra e se sedentarizam; complexo mal estruturado de cidades que dominavam a Palesti
• a solidariedade das doze tribos é do tipo étnico, sendo na e a Síria no final da Idade do Bronze”92. Essa motivação
a relação de parentesco seu traço fundamental, caracte- religiosa é a fé javista que transcende a religião tribal, e que
rizando-as até mesmo em contraste com os cananeus. funciona como um poderoso mecanismo de coesão social, muito
acima de fatores sociais e políticos... Por isso a tradição da alian
Ora, continua Mendenhall, o primeiro e o terceiro pressu
ça é tão importante na tradição bíblica, pois esta é o símbolo
postos até que podem ser aceitos, mas “a suposição de que os
formal mediante o qual a solidariedade era tornada funcional.
israelitas primitivos eram nômades, entretanto, está inteiramente
em contraste com as evidências bíblicas e extra-bíblicas, e é aqui A ênfase na mesma herança tribal, por meio dos patriar
que a reconstrução de uma alternativa deve começar”91. cas, e na identificação de Iahweh com o “deus dos pais”, pode
ser creditada à teologia dos autores da época da monarquia e do
A seguir, Mendenhall critica a visão romântica do modo
pós-exílio que deram motivações políticas a uma unidade que
de vida dos beduínos, erroneamente vistos como nômades con foi criada pelo fator religioso93.
trastando com os sedentários das cidades, que foi assumida sem
criticidade pelos pesquisadores bíblicos e usada como modelo Niels Peter Lemche, além disso, critica Mendenhall, por
para o Israel primitivo. Mostra que os próprios relatos bíblicos seu uso arbitrário de macroteorias antropológicas, mas espe
jamais colocam os antepassados de Israel como inteiramente nô cialmente por seu uso eclético dessas teorias, o que os teóricos
mades, como, por exemplo, Jacó e Labão, Jacó e os filhos, onde da antropologia não aprovariam de nenhum modo 94. Sem dú
há sempre uma parte do grupo que é sedentária. Critica igual vida, seu ponto mais crítico é o idealismo que permeia seu
mente a noção de tribo como um modo de organização social estudo e coloca o “javismo”, um javismo não muito bem expli
próprio de nômades, mostrando que tribos podem ser parte ou cado, mas principalmente só o javismo e nenhuma outra esfera
estar em relação com povoados e cidades. da vida daquele povo, como a causa da unidade solidária que
faz surgir Israel.
Aproximando o conceito de hebreu ao de Hab/piru, e utili
zando as cartas de Tell el-Amama, Mendenhall procura demons
trar que ninguém podia nascer hebreu já que este termo indica 92 Idem, ibidem, pp. 158-159.
uma situação de ruptura de pessoas e/ou grupos com a fortemen 93 Cf. Idem, ibidem, p. 167.
te estratificada sociedade das cidades cananéias. E conclui: “Não 94 Cf. L emche, N. P. “On the Use of “System Theory”, ‘Macro Theories’, and
houve uma real conquista da Palestina. O que aconteceu pode ser Evolutionistic Thinking” in Modern Old Testament Research and Biblical
Archaeology. In: C arter & M eyers. Community..., op. cit. p. 279. Segun
do Lemche, Mendenhall usa os modelos de Elman Service expostos era
91 Idem, ibidem, p. 154. sua obra Primitive Social Organization. 2 cd. New York, Random, 1962.
404 405
Alguns anos mais tarde, Norman K. Gottwald publicou as coisas comecem a clarear: a evidência etnográfica de que o
seu polêmico livro The Tribes o f lahweh: A Sociology o f the seminomadismo era apenas uma atividade secundária de popula
Religion o f Liberated Israel, 1250-1050 B.C.E. [As tribos de ções sedentárias que criavam gado e cultivavam o solo; indica
lahweh: Uma sociologia da religião de israel Liberto 1250 - ções de que mudanças culturais e sociais são frequentemente con-
1050 a.C.]. Maryknoll, New York, Orbis Books, 1979, no qual seqüências do lento crescimento de conflitos sociais dentro de
retoma a tese de G. Mendenhall e avança por quase mil páginas uma população determinada mais do que resultado de incursões
em favor de uma revolta camponesa ou processo de retribaliza- de povos vindos de fora; a conclusão de que conflitos ocorrem
ção que explicaria as origens de Israel. Mas, em um artigo ante tanto dentro de sociedades controladas por um regime único como
rior, de 1975, didaticamente, Gottwald expõe sua tese então em entre estados opostos; a percepção de que a tecnologia e a organi
desenvolvimento, e que usarei aqui para sintetizar seus pontos zação social exercem um impacto muito maior sobre as idéias do
fundamentais95. que pesquisadores humanistas poderíam admitir; evidências da
Ele diz que, até recentemente, a pesquisa sobre o Israel fundamental unidade cultural de Israel com Canaã em uma vasta
primitivo era dominada por três idéias básicas: gama de assuntos, desde a língua até a formação religiosa...
Os conceitos centrais que emergem desse deslocamento
• o pressuposto de mudança social ocorrida no desloca
de pressupostos, cada vez maior entre os estudiosos, podem ser
mento de populações, ou seja: um hiato sociopolítico
sintetizados da seguinte maneira:
em Canaã teria ocorrido como resultado da substitui
ção demográfica ou étnica de um grupo por outro, quer • o pressuposto da ocorrência normal de mudança social
por imigração, quer por conquista militar; ocorrida por pressões e conflitos sociais internos, como
• o pressuposto da criatividade do povo do deserto em resultado de novos avanços tecnológicos e de idéias
iniciar mudanças sociais em regiões sedentárias, ou seja, em confronto numa interação volátil;
Israel teria ocupado a terra como recurso para realizar • o pressuposto da função secundária do deserto em pre
a passagem do seminomadismo para a sedentarização, cipitar a mudança social, sendo que, no Antigo Oriente
resultando numa aculturação sociopolítica; Médio, o seminomadismo era econômica e politica
• o pressuposto de mudança social produzida por carac mente subordinado a uma região predominante agríco
terísticas especiais de um grupo ou por elementos cul la e que nunca foi ocasião de deslocamentos maciços
turais de destaque, ou seja, a partir do momento em de populações ou de conquistas políticas provocadas
que o Judaísmo é lido na perspectiva do judaísmo tar por esses deslocamentos;
dio e do Cristianismo, o javismo é visto como fonte
• o pressuposto de que a mudança social ocorre pela
isolada e agente de mudança na emergência de Israel96.
interação de elementos culturais de níveis diversos,
As forças e pressões que dobraram e quebraram esses pres especialmente o fato de que os fatores ideológicos
supostos foram muitas, mas basta citarmos umas poucas para que não podem ser desligados de indivíduos e grupos vi
vendo em situações específicas, nas quais determina
95 Cf. G ottwald, N. K. Domain Assumptions and Societal Models in the
dos contextos tecnológicos e sociais adquirem confi
Study of Pre-Monarchic Israel. In: C arter & M eyers. Community..., op. gurações novas97.
cit. pp. 170-181.
96 Cf. Idem, ibidem, p. 172. 97 Cf. Idem, ibidem, pp. 173-174.
406 407
A partir de tais constatações, Gottwald propõe um modelo das origens de Israel, como o modelo misto de B. Halpem (1983),
social para o Israel primitivo que segue as seguintes linhas: “O o modelo da evolução progressiva de Niels Peter Lemche (1985),
Israel primitivo era um agrupamento de povos cananeus rebeldes o modelo de simbiose de Volkmar Fritz (1987). Muitas críticas
e dissidentes, que lentamente se ajuntavam e se firmavam carac também foram formuladas a Gottwald, sendo a de maior consis
terizando-se por uma forma anti-estatal de organização social tência a do dinamarquês Niels Peter Lemche, que em Early Is
com liderança descentralizada. Esse desligar-se da forma de or rael. Anthropological and Historical Studies on the Israelite
ganização social da cidade-estado tomou a forma de um movi Society before the Monarchy [Antigo Israel. Estudos Antropoló
mento de ‘retribalização’ entre agricultores e pastores organiza gicos sobre a Sociedade Israelita antes da Monarquia], analisa
dos em famílias ampliadas economicamente auto-suficientes com longamente os fundamentos do modelo de Gottwald100.
acesso igual aos recursos básicos. A religião de Israel, que tinha Segundo Lemche, Gottwald fundamenta suas teorias no
seus fundamentos intelectuais e cultuais na religião do antigo estudo de Morton Fried, The Evolution o f Political Society [A
Oriente Médio cananeu, era idiossincrática e mutável, ou seja, Evolução da Sociedade Política], mas faz um uso eclético de
um ser divino integrado existia para um integrado e igualitário outras teorias e autores, de uma maneira que dificilmente qual
povo estruturado. Israel tomou-se aquele segmento de Canaã quer um deles aprovaria101. Mas a birra principal de Lemche
que se separou soberanamente de outro segmento de Canaã en com esses autores e suas teorias é que, segundo ele, os modelos
volvendo-se na ‘política de base’ dos habitantes dos povoados derivados da corrente antropológica do “evolucionismo cultural”
organizados de forma tribal contra uma ‘política de elite’ das desconsideram a variável chamada Homem (enquanto indivíduo
hierarquizadas cidades-estado”989. livre e imprevisível em suas ações) por não ser controlável102.
Assim, Gottwald vê o tribalismo israelita como uma for Entretanto, um dos problemas do ecletismo de Gottwald é
ma escolhida por pessoas que rejeitaram conscientemente a cen que, embora se reporte às vezes a Marx, faz uma leitura do Israel
tralização do poder cananeu e se organizaram em um sistema pré-monárquico segundo a tradição durkheimiana. Nas palavras
descentralizado, onde as funções políticas ou eram partilhadas de A. D. H. Mayes: “Existem, porém, boas razões para ver
por vários membros do grupo ou assumiam um caráter temporá Gottwald neste contexto [durkheimiano] antes do que na tradição
rio. O tribalismo israelita foi uma revolução social consciente, de conflito a que pertence Marx. As características distintivas da
uma guerra civil, se quisermos, que dividiu e opôs grupos que teoria de conflito, que entende a sociedade dentro do quadro da
previamente viviam organizados em cidades-estado cananéias. E
Gottwald termina seu texto dizendo que o modelo da retribaliza 11X1 L emche, N. P, Early Israel. Anthropological and Historical Studies on the
ção levanta uma série de questões para posterior pesquisa e re Israelite Society before the Monarchy. Leiden, E. J. Brill, 1985; cf. tam
flexão teórica". bém M artin, J. D. Israel como sociedade tribal. In: C lements, op. cit. pp.
97-118; S icre, J. L. Los orfgenes de Israel. Cinco respuestas a un enigma
Realmente, o livro de Gottwald suscitou uma grande polê histórico. Estúdios Bíblicos 46 (1988): 421-456 e F ritz, V. Die Entstehung
mica e polarizou as atenções dos especialistas durante muito tem Israels im 12. und 11. Jahrhundert v. Chr. Stuttgart, Kohlhammer, 1996.
po. O modelo da retribalização ou da revolta camponesa passou a pp. 104-121, textos em que os vários modelos são descritos e analisados.
ser citado como uma alternativa bem mais interessante do que os Na opinião de R ogerson, J. W. Antropologia e Antigo Testamento. In:
modelos anteriores e fez surgir outras tentativas de explicação C lements, op. cit. p. 34, a obra de Lemche é “um modelo de como se
poderia estudar a antropologia com referencia ao Antigo Testamento”.
101 Cf. F ried, M. The Evolution of Political Society. New York, Random
9S Idem, ibidem, pp. 174-175. 1967.
99 Cf. Idem, ibidem, pp. 180-181. 1(12 Cf. L emche. On the Use..., op. cit. pp. 280-286.
408 409
interação de diversas classes ou grupos de status, estão inteira Na segunda área mencionada, a dos estudos sobre as insti
mente ausentes do estudo de Gottwald: nele, Israel surge como tuições israelitas, constituiu-se uma ampla discussão em torno
unidade harmoniosa e indiferenciada. Gottwald adota enfoque dos estudos de Robert Wilson e de Thomas Overholt, que apli
funcionalista da sociedade israelita, que tem certamente raízes na caram modelos transculturais no estudo da profecia israelita.
teoria social de Durkheim, e enfatiza sua dimensão estrutural Robert Wilson trabalha questões relativas ao profeta visto como
sincrônica, antes que sua dimensão histórica diacrônica”103. intermediário e as forças sociais que o sustentam e distingue
Muitos outros estudos sócio-antropológicos sobre a Bíblia duas vertentes na profecia israelita: a vertente efraimita e a ver
Hebraica foram desenvolvidos nos últimos trinta anos. Os de tente judaíta108. Thomas Overholt trabalha um modelo de profe
Mendenhall e de Gottwald podem ter chamado mais a atenção, cia orientado pela cultura nativa norte-americana e enfatiza a
mas, de modo geral, duas áreas receberam a atenção de muitos relação entre o profeta, a divindade e a comunidade para a qual
o profeta fala, mostrando que o feedback dado pela comunidade
estudiosos:
é fundamental para a constituição da autoridade profética109.
• a emergência de Israel na Palestina, a primitiva socie Já Paul Hanson, de Harvard, na tradição do conflito, vai
dade israelita e a formação do Estado israelita; buscar as raízes da apocalíptica dentro da profecia, mostrando
• as instituições do antigo Israel, incluindo a profecia, a que no Trito-Isaías (Is 56-66) há um confronto entre grupos
religião israelita e as questões de gênero na sociedade visionários herdeiros do profetismo e grupos sacerdotais sado-
israelita104. quitas conservadores, na definição dos papéis sociais que se re-
Quanto à primeira área, apenas citarei alguns autores que constroem na comunidade pós-exílica110.
procuraram avançar a partir e além de Mendenhall e Gottwald, O alemão Hans G. Kippenberg publicou em 1978 um es
como Coote e Whitelam que, em 1986, situam o primitivo Israel tudo interessantíssimo sobre a formação do judaísmo pós-exílico
no contexto das mudanças ocorridas no final da Idade do Bronze chamado Religião e formação de classes na antiga Judéia. Estu
e consideram importantes elementos como o aumento da popula do sociorreligioso sobre a relação entre tradição e evolução
ção, a intensificação da agricultura e a estratificação progressiva social, “uma tentativa de interpretar social e antropologicamente
que levou à formação do Estado105. Ou Frank S. Frick que, em os temas da história religiosa da antiga Judéia”, tarefa possível
1985, também procura explicar a origem do Estado israelita a graças aos “consideráveis progressos da antropologia social anglo-
partir de múltiplos fatores106. Ou ainda Abraham Malamat que, saxônica e da etnologia francesa”111.
em 1973, analisa o período dos juizes pela perspectiva dos tipos
ideais e da natureza da liderança carismática de Max Weber107. 108 Cf. W ilson, R. R. Prophecy and Ecstasy: A Reexamination. In: C arter &
M eyers, op. cil. pp. 404-422. O esludo original foi publicado em 1979.
Idem. Profecia e sociedade no Antigo Israel. São Paulo, Paulus, 1993
103 M ayes, Sociologia..., art. cit. p. 55; cf. também M ayes. Idealism..., op. cit. (original inglês de 1980). Cf. uma análise do teor e da função do discurso
pp. 267-272. profético em D a S ilva, A. J. A voz necessária. Encontro com os profetas
IW C arter. A Discipline..., op. cit. p. 20. do século VIIIa.C. São Paulo, Paulus, 1998. pp. 17-42.
105 Cf. C oote, R. B. & W hitelam, K. W. The Emergence of Israel: Social 109 Cf. O verholt, T. Prophecy: The Problem of Cross-Cultural Comparison.
Transformation and State Formation following the Decline in Late Bronze In: C arter & M eyers, op. cit. pp. 423-447. O estudo original é de 1982.
Age Trade. In: C arter & M eyers, op. cit. pp. 334-376. 110 Cf. H anson, P. The Dawn of Apocalyptic. The Historical and Sociological
106 F rick, F. S. The Formation o f the State in Ancient Israel: A Survey of Roots of Jewish Apocalyptic Eschatology. Philadelphia, Fortress Press, 1983
Models and Theories. Decatur, Georgia, Almond Press, 1985. (Revised Edition). A obra foi publicada pela primeira vez em 1975.
107 Cf. M alamat, A. Charismatic Leadership in the Book of Judges. In: C arter 111 K ippenberg, H. G. Religião e formação de classes na antiga Judéia. Estudo
& M eyers, op. cit. pp. 293-310. sociorreligioso sobre a relação entre tradição e evolução social. São Paulo,
410 411
O que motivou o rigoroso estudo de Kippenberg? É que que procuram resgatar uma perspectiva ocultada por longos sé
os movimentos judaicos de resistência contra os gregos e contra culos de patriarcalismo. Phyllis Bird, por exemplo, em 1987,
os romanos tiveram interpretações divergentes por parte dos es mostrou que a mulher tinha um papel mais destacado nos cultos
pecialistas, como M. Hengel, H. Kreissig, S. K. Eddy, A. Causse israelitas do que sempre se supôs, enquanto Carol Meyers mos
e M. Weber. Mas, nesse meio tempo, avançou a sociologia etno tra que a mulher tinha função importante na sociedade israelita,
lógica em três áreas — etnologia do parentesco, etnologia eco especialmente na esfera doméstica113.
nômica e antropologia política —, o que possibilitou esta pes
quisa, na qual Kippenberg interpreta a antiga literatura judaica
em relação aos conceitos e métodos da etnologia ou antropolo 4.2. O cristianismo primitivo e o Novo Testamento
gia social. Utilizando a etnologia, ele tenta reconstruir o tipo de
ordem social da Judéia antiga, comparando-o com o de outras
Segundo Gerd Theissen em Sociologia da cristandade pri
sociedades do Antigo Oriente Médio. Nesse processo, diz o au
mitiva, na virada do século XIX para o XX (e até a década de
tor, considera-se ainda a relação do indivíduo com a sociedade e
30, acrescento eu), perguntas sociológicas foram regularmente
da idéia religiosa com a ordem social mais como contradição do
aplicadas aos textos bíblicos do Novo Testamento. “As pergun
que como unidade.
tas sociológicas logicamente pertenciam à ciência neotestamen-
Os movimentos judaicos de resistência levantam, para tária: descrevia-se a vida das comunidades primitivas (E. V.
Kippenberg, a seguinte questão: existia uma relação intrínseca Dobschütz), examinavam-se aspectos sociais da missão e da ex
entre determinados conteúdos da tradição religiosa e as lutas de pansão do Cristianismo (A. v. Hamack), apresentava-se a socie
resistência, ou a relação era extrínseca ou casual? A hipótese do dade palestinense nos moldes de uma história contemporânea
autor será: a tradição se uniu com duas tendências antagônicas: a
neotestamentária (E. Schürer), analisavam-se as idéias sociais do
tendência à formação de classes e a tendência à solidariedade.
cristianismo primitivo (E. Troeltsch) e, com auxílio da epigrafia
Formam-se, então, dois complexos divergentes de tradição que
e da papirologia, procurava-se iluminar a vida das camadas bai
fundamentam os conteúdos religiosos dos movimentos judaicos
xas (A. Deissmann). Sobretudo, porém, formulava-se, no inte
de resistência*112.
rior da ciência veterotestamentária, determinado programa, que
É lendo obras como essa de Kippenberg que percebemos ainda hoje é determinante para a pesquisa sociológica: a história
como a história da comunidade judaica pós-exílica é muito mais das formas e a história da religião (H. Gunkel). Não foi um
do que o relato da passagem da região de um dominador para acaso que ao mesmo tempo em que se perguntava pelas relações
outro, sejam persas, gregos ou romanos, mas é um desenrolar-se entre textos bíblicos e fenômenos extra-bíblicos — e com isso se
de um drama social que, lentamente, vai dando novo rosto ao
resguardava o isolamento dos textos em contraposição ao seu
povo judeu.
contexto — perguntava-se também pelas relações entre os textos
Finalmente, não podem ficar esquecidas as sempre mais e a vida social passada — e com isso se anulava a alienação dos
freqüentes e produtivas leituras feministas da Bíblia Hebraica, textos da vida da comunidade. Pois a pergunta pelo contexto
Paulus, 1988. p. 7. A obra original em alemão, fruto de uma tese de
1,3 Cf. B ird, P h. The Place of Women in the Israelite Cultus. In: C arter &
doutorado, chama-se Religion und Klassenbildung im antiken Judaa. Eine
M eyers, op. cit. pp. 515-536; M eyers, C. L. The Family in Early Israel. In;
religionssoziologische Studie zuni Verhaltnis von Tradition und
P urdue, L. G. (ed.). Families in Ancient Israel. Louisville, Westminster/
gesellschaftlicher Entwickhmg. Gottingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 1978.
John Knox, 1997. pp. 1-47 (cf. resenha em The Catholic Biblical Quarterly
112 Cf. Idem, ibidem, pp. 9-13. 60/3 [July 1998]: 602-603).
412 413
histórico, assim como a pergunta pelo Sitz im Leben social, é What is Social-Scientific Criticism? [O que é crítica sociocientífi-
expressão de uma mesma consciência histórica, aquela consciên ca], resume a história dos estudos atuais por essa ótica na área do
cia que, através de analogias factuais e correlações causais, in Novo Testamento, começando exatamente por Gerd Theissen116.
terliga a crítica das fontes tradicionais com sua explicação”114. Em 1973, Gerd Theissen, exegeta alemão e, na época, pro
Mas, no século XX, aconteceu um retrocesso na pesquisa fessor da Universidade de Bonn, publicou um artigo chamado “Ra
sociológica bíblica. Entre os motivos por ele enumerados nas pp. dicalismo itinerante. Aspectos de sociologia da literatura na trans
11-14, destacam-se especialmente: missão de palavras de Jesus no cristianismo primitivo”117, no qual
propõe que “analisar o Novo Testamento na perspectiva da socio
1) A teologia dialética de K. Barth, que levou a exegese a
logia da literatura significa [...] perguntar pelas intenções e condi
refletir sobre o conteúdo teológico dos textos, espiritualizando a
cionamentos do comportamento inter-humano de autores, trans
pergunta pelo Sitz im Leben (contexto social), que passou a ser
missores e destinatários de textos neotestamentários”. E continua
apenas o “lugar vivencial” religioso. Os textos eram lidos prima
riamente como expressão da teologia da comunidade e de sua fé. um pouco mais à frente: “A transmissão das palavras de Jesus no
cristianismo primitivo é um problema sociológico sobretudo pelo
Diminuiu o interesse social e aumentou o religioso.
fato de Jesus não haver fixado suas palavras literariamente” e que
2) A hermenêutica existencial de R. Bultmann que, com sua “uma tradição oral [em contraposição à escrita] depende do inte
tendência individualizante na leitura do Novo Testamento, enfra resse de seus transmissores e destinatários. Sua preservação está
queceu mais ainda o interesse pela dimensão social dos textos. ligada a condicionamentos sociais bem específicos[...]”118.
Nas palavras de G. Theissen: “Conexões sociais pertence E a tese que Gerd Theissen defendeu nesse estudo foi a
ríam ao ‘impróprio’ do qual uma existência humana preocupada seguinte: “O radicalismo ético da tradição das palavras de Jesus
com o ‘próprio’ deveria se distanciar. A nova interpretação exis é um radicalismo itinerante. Ele só pode ser praticado e transmi
tencial afirmou-se sobretudo no âmbito da exegese de Paulo e de tido sob condições extremas de vida: só quem está desligado das
João, que, com isso, recebeu um peso teológico muito maior do relações do mundo, quem abandonou casa, mulher e filhos, dei
que a interpretação dos sinóticos, nos quais o método histórico- xou aos mortos o enterrar os seus mortos e toma os pássaros e os
formal havia se radicado. Sim, o método histórico-formal, por lírios como exemplo pode renunciar à moradia, à família, à pro
vezes, teve que prestar-se a minimizar o peso teológico das tra priedade, ao direito e à defesa. Somente em tais circunstâncias
dições jesuânicas preservadas nos evangelhos sinóticos, em par podem ser transmitidas semelhantes orientações sem que caiam
te através de um grande ceticismo histórico, em parte através do no descrédito. Essa ética tem chance apenas na margem da so
pré-ordenamento do primitivo querigma cristão da cruz e ressur ciedade, só aí tem um Sitz im Leben, ou para ser mais exato: não
reição ante a diversidade das tradições sinóticas”115. tem um Sitz im Leben. Deve, isso sim, a partir de um ponto de
O retorno das questões sociológicas acontece a partir da vista externo, levar uma vida questionável à margem da vida
década de 70, em um momento em que as questões sociais emer
giam fortemente mundo afora. John H. Elliot, exegeta norte-ame 116 Cf. E l l io t , J. II. What is Social-Scientific Criticism? Minneapolis, Fortress
ricano que utiliza modelos sociológicos e antropológicos para a Press, 1993. pp. 21-35.
leitura dos textos bíblicos, em um excelente livrinho chamado 117 T heissen, G. Wanderradikalismus: Literatursoziologische Aspekte der
Uberlieferung von Worlen Jesu im Urchristentum. Zeitschrift fiir Theologie
und Kirche 70 (1973): 245-271 . Este texto está no livro de T heissen, Socio
114 T heissen, op. cit. p. 9. logia..., op. cit. pp. 36-55.
1,5 Idem, ibidem, p. 12. nl< T heissen. Sociologia..., op. cit. p. 37.
414 415
normal. Somente aqui as palavras de Jesus estavam protegidas gese não estava assim tão habituada a olhar os textos do Novo
contra alegorizações, modificações, minimizações e supressões Testamento perguntando prioritariamente pelas condições sociais
pela simples razão de que aí eram levadas a sério e praticadas. da época, pelos problemas levantados e pelas estratégias empre
Apenas carismáticos apátridas podiam fazê-lo”119. gadas pelo movimento de Jesus.
J. H. Elliot faz o seguinte comentário sobre o artigo de No ano seguinte ao do pioneiro artigo de Gerd Theissen
Gerd Theissen: “A fusão de exegese e ‘sociologia da literatura’ e de 1973, um estudo, com sabor de manifesto, causou viva dis
esta tese explodiu no meio exegético como uma bomba. As fa cussão nos meios exegéticos: foi o do português Fernando Belo.
miliares mas domesticadas palavras da ética radical de Jesus não
Utilizando dados da leitura estruturalista do texto, segun
mais puderam ser tratadas isoladamente das condições sociais do
tempo de Jesus ou das circunstâncias sociais e dos interesses do Roland Barthes, somados à análise marxista dos modos de
específicos dos seguidores de Jesus. Esse casamento criativo produção na linha de Louis Althusser e à psicologia e psicanáli
entre crítica histórica e uma perspectiva sociológica mais rigoro se de Jacques Lacan, entre outros122, Fernando Belo escreveu,
sa trouxe uma perspectiva nova e revigorante que alimentou um em 1974, um estudo revolucionário sobre o evangelho de Mar
velho e cansado empreendimento e foi decisiva para expandir e cos, chamado Lecture matérialiste de 1’évangile de Marc. Récit-
incrementar a aventura exegética. A crítica histórica estava so pratique-idéologie [Leitura materialista do evangelho de Mar
frendo uma promissora transformação”120. cos. Relato-prática-ideologia], Paris, Du Cerf, 1974.
Os estudos de Gerd Theissen, embora abranjam uma larga Nesse estudo Fernando Belo adota a seguinte perspectiva:
faixa de temas, tratam prioritariamente do movimento de Jesus “Ler Marcos de modo materialista é tomá-lo como uma narração
na Palestina tentando explicar as razões de sua falência ali e de que não se pode compreender fora da situação social de seu autor
seu grande sucesso no meio gentio fora da Palestina. Sua pesqui e dos protagonistas (Jesus, seus amigos, seus adversários, a multi
sa, entretanto, provocou menos pelo método empregado (funcio dão...). E pôr o acento menos nas palavras de Jesus do que na sua
nalismo estrutural121) do que pelas questões levantadas. A exe prática; tanto mais que a narração de Marcos não é uma coleção
de ‘palavras’ ou ‘discursos’, mas expõe práticas e estratégias”123*.
l|,J Idem, ibidem, p. 41. A obra de Fernando Belo, de 415 páginas, linguagem difí
120 Elliot, op. cit. pp. 21-22. Gerd Theissen, posteriormente, publicou uma cil por causa do ecletismo do método, traz, em primeiro lugar,
serie de estudos provocadores, tais como Soziologie der Jesusbewegung. um ensaio formal do conceito de modo de produção. Depois
Ein Reitrag zur Entstehungsgesc.hichte des Urchrislentums. München, Chr.
Kaiser Verlag, 1977; Studien zur Soziologie der Urchristentums. Tübingen,
trata do modo de produção da Palestina antiga e do séc. I d.C.,
J.C.B. Mohr, 1979; Social Reality and the Early Christians: Theology, para só então propor uma leitura de Mareos. Fernando Belo
Ethics, and the World o f the New Testament. Minneapolis, Fortress Press, termina o livro com um ensaio de eclesiologia materialista.
1992. Os dois primeiros estão traduzidos em português: Sociologia do
Merece, no mesmo contexto, ser citado o experimento de
movimento de Jesus. Petrópolis/São Leopoldo, Vozes/Sinodal, 1989, e o já
citado Sociologia da cristandade primitiva. Estudos. M. Clévenot, Enfoques materialistas da Bíblia. O original francês
121 O funcionalismo estrutural “enfatiza a unidade essencial de sociedades,
uma unidade que emerge quando diferentes grupos conseguem o equilíbrio 122 Cf. Barthes, R. S/Z. Essai. Paris, Seuil, 1970; Althusser, L. A favor de
pelo consenso [...]. A abordagem funcionalista estrutural identifica e analisa Marx. Pour Marx. Rio de Janeiro, Zahar, 1979 (original francês: 1965);
as estruturas básicas de uma sociedade específica e examina suas relações; Idem. Ler o Capital. 2 v. Rio de Janeiro, Zahar, 1979 (original francês:
seu interesse maior está em entender como os componentes de determinada 1966); Lacan, J. Ecrits. Paris, Seuil, 1966.
sociedade (suas instituições, estruturas, crenças etc.) funcionam dentro da 123 Belo, F. citado em Ciiarpentier, E. Dos evangelhos ao Evangelho. São
sociedade mais ampla”, define Carter. A Discipline..., op. cit. p. 9. Paulo, Paulus, 1977. p. 163.
416 417
vem de Paris (1976). Livro modesto, mais um divulgador de Belo ciai de seus mitos, a atividade missionária cristã como uma res
do que um criador, mas com aspectos interessantes, tanto no que posta para a não-ocorrência do fim antecipado do mundo, os
diz respeito ao Antigo Testamento como à leitura de Marcos. meios cristãos para legitimar o poder e controlar os desvios in
“Responsável pela edição do ‘Belo’, pareceu-me útil apresentar ternos, e o relativo e rápido sucesso do Cristianismo como reli
aos numerosos leitores interessados por esse novo acesso à Bíblia gião dominante no mundo gentio126.
um livro menor, mais modesto e, espero, mais abordável”124.
John Gager utilizou duas teorias para estruturar seu estu
A primeira parte do livro de Clévenot, fruto de um semi do: a teoria da dissonância cognitiva de L. Festinger e a teoria
nário de dois anos, do qual participou também Fernando Belo, das funções do conflito social de L. Coser. Além disso, Gager
traz uma abordagem materialista das tradições javista, eloísta,
apóia-se na sociologia do conhecimento de Peter Berger e
sacerdotal e deuteronomista, vistas como produto da conjunção
Thomas Luckmann, na análise dos movimentos carismáticos de
de fatores ideológicos, políticos e econômicos. A segunda parte
Max Weber e nos estudos sobre movimentos milenaristas de K.
faz uma leitura do evangelho de Marcos como um relato da
O. L. Burridge127.
prática de Jesus, seguindo os passos de Fernando Belo. Como
explica Clévenot, na p. 22, “nós consideraremos os textos que O resultado, segundo H. C. Kee, é uma “reconstituição
compõem a Bíblia como produtos ideológicos. Nosso projeto histórica iluminadora e sugestiva quanto ao amplo enquadramen
será analisar as condições nas quais ele foi produzido”. to da evolução do Cristianismo a partir de uma seita milenarista,
Mas o que vem a ser esse enfoque materialista de Clévenot? passando por um período de incipiente estruturação e disciplina,
Ele mesmo explica: “Ao contrário da filosofia alemã (idealista), até chegar ao estabelecimento da Igreja da era constantiniana”.
que desce dos céus à terra, aqui nós subiremos da terra para o Mas, “apesar de insistir na importância dos métodos cicntífico-
céu. Quer dizer, não vamos nos basear no que os homens dizem, sociais para o estudo histórico e de sua maestria admirável em
pensam, representam, nem naquilo que eles são segundo as pala manuseá-los, ele concentra sua atenção em problemas estrita
vras, pensamentos, imaginação e representação de outros para mente sociais, tendendo a negligenciar e até mesmo evitar temas
então chegar aos homens em carne e osso; não, nós nos basea religiosos, teológicos ou hermenêuticos, que, com certeza, tam
mos nos homens em suas atividades reais, quer dizer, é a partir bém se esclarecem mediante os métodos sociológicos”128*.
do processo real de vida que podemos representar o próprio
desenvolvimento dos reflexos e das repercussões ideológicas desse 126 Cf. E lliot, op. cit. p. 24.
processo vital”125. 127 Cf. F estinger, L. et alii. When Prophecy Fails: 4 Social and Psychological
Em 1975, John G. Gager publicou Kingdom and Study o f a Modern Group that Predicted the Destruction of the World.
Community: The Social World of Early Christianity [Reino e Minneapolis, University of Minnesota Press, 1956; Idem. A Theory of
Cognitive Dissonance. Evanston, Row Peterson, 1957; C oser, L. The
Comunidade: O Mundo Social do Cristianismo Primitivo], Functions of Social Conflict. New York/London, Routledge/Kegan Paul,
Englewood Cliffs, N. J., Prentice-Hall. Nesta obra, o professor 1956; B erger, P. O dossel sagrado. Elementos para uma teoria sociológi
de Princeton procurou explicar a natureza e o desenvolvimento ca da religião. São Paulo, Paulinas, 1985; W eber, M. Economy and Society.
do Cristianismo como um movimento milenarista, a função so- Berkeley, University of California Press, 1968; B urridge, K. O. L. New
Heaven, New Earth: A Study of Millenarian Activities. New York, Schoken
Books, 1969.
124 C lévenot, M. Enfoques materialistas da Bíblia. Rio de Janeiro, Paz e
128 K ee, H. C. As origens cristãs em perspectiva sociológica. São Paulo, Paulinas,
Terra, 1979. p. 17. 1983. p. 16. (original em inglês.- Christian Origins in Sociological
125 Idem, ibidem, p. 22. Perspective. Methods and Resources. Philadelphia, Westminster Press, 1980).
418 419
Não é este o momento de explicarmos detalhadamente que é o uso das ciências sociais tanto na reconstrução histórica
essas teorias e nem de verificarmos sua aplicação. Só quero das origens cristãs como na interpretação de sua literatura131. “A
chamar a atenção para o pressuposto utilizado: as teorias são intenção do nosso livro”, escreve ele no primeiro capítulo, “con
aqui utilizadas como instrumentos heurísticos que sugerem um siste, portanto, em explicitar uma série de recursos metodológi
conjunto de questões e estimulam a pesquisa129. cos desenvolvidos ou em desenvolvimento nas ciências sociais,
Embora na Europa o uso das ciências sociais na leitura da que possam nos prover de paradigmas adequados à análise da
Bíblia tenha menor penetração, em 1977, na Alemanha, Alfred literatura cristã das origens, com o propósito de aumentar a com
Schreiber usou uma pesquisa sociológica sobre dinâmica de gru preensão dos acontecimentos relatados, bem como das circuns
pos para propor uma reconstrução hipotética da interação social tâncias e do ambiente vital, a partir dos quais e para os quais
entre Paulo e os coríntios. Em 1980, o sueco Bengt Holmberg foram preparados os relatos”132.
aplicou modelos weberianos de dominação para analisar os ní Os vários estudos de Bruce J. Malina, professor na
veis de poder nas comunidades paulinas e o processo de passa Creighton University, Nebraska, começando com uma publica
gem de uma autoridade carismática para uma autoridade institu ção feita em 1981, são significativos para a leitura sócio-antro-
cionalizada e racionalizada130. pológica do Novo Testamento, especialmente no âmbito da exe
Em 1980 Eloward Clark Kee, da Universidade de Boston, gese norte-americana. A seguir, um elenco de seus principais
publicou Christian Origins in Sociological Perspective. Methods livros (omiti aqui os artigos, mas muitos deles foram relançados
and Resources [Origens Cristãs em Perspectiva Sociológica. Mé em alguns destes livros):
todos e Fontes], no qual chama a atenção para o valioso recurso • The New Testament World: Insights from Cultural Anthropology
[O Mundo do Novo Testamento. Intuições a partir da Antropo
129 Cf. para uma exposição crítica, Rodd, C. S. On Applying a Sociological logia Cultural], Atlanta, John Knox Press, 1981.
Theory to Biblical Studies. In: Chalcraft, op. cit. pp. 22-33. Rodd diz na
p. 32: “Gostaria de afirmar que as tentativas de aplicar teorias sociológicas • The Gospel o f John in Sociolinguistic Perspective [O
a documentos bíblicos não parecem ter sido frutíferas. A chance de testar Envangelho de João em Perspectiva Sóciolingüística].
uma hipótese é tão pequena que pode ser negligenciada”. E acrescenta na Berkeley, Center for Hermeneutical Studies, 1985.
p. 33: “Minha convicção é de que há uma enorme diferença entre a socio
logia aplicada à sociedade contemporânea, onde o pesquisador pode testar
• Christian Origins and Cultural Anthropology: Practical
suas teorias ante a evidência coletada, e a sociologia histórica, onde há tão- Models for Biblical Interpretation [Origens Cristãs e Antro
só uma evidência fossilizada que foi preservada por acaso ou para propósi pologia Cultural: Modelos Práticos para Interpretação Bíbli
tos muito diferentes daqueles do sociólogo”. Entretanto, o capítulo 3 de ca], Atlanta, John Knox Press, 1986.
Kingdom and Community, sobre o milenarismo — “Earliest Christianity as
a Millenarian Movement” — chamou a atenção dos estudiosos para o
• Calling Jesus Names: The Social Value o f Labels in Matthew
estudo da categoria no cristianismo primitivo, produzindo boas pesquisas, [Invocando o Nome de Jesus. O Valor Social dos Títulos em
segundo Dulling, D. C. Millennialism. In: Rohrbaugh. The Social..., op. Mateus], Sonoma, Polebridge Press, 1988 (com Jerome H.
cit. p. 200. Neyrey).
130 Cf. Elliot, op. cit. p. 28; Schreiber, A. Die Gemeinde in Korinth: Versuch • Vários capítulos em N eyrey, J. H. (ed.). The Social World of
einer gruppen-dynamischen Betrachtung der Entwicklung der Gemeinde
Luke-Acts: Models for Interpretation [O Mundo Social de Lucas-
von Korinth aufder Basis des erster Korintherbriefes. Münster, Aschendorff,
1977; Holmberg, B. Paul and Power: The Structure o f Authority in the
Primitive Church as Reflected in the Pauline Epistles. Philadelphia, Fortress 131 Cf. Kee, op. cit.
Press, 1980. 132 Idem, ibidem, pp. 16-17.
420 421
Atos: Modelos para Interpretação}. Peabody, Hendrickson lidade pressupostos na terceira carta de João, a relação patrão-
Publishers, 1991. cliente modelando a relação Deus-homem e as orações de Jesus134,
• Social-Science Commentary on the Synoptic Gospels [Comen a percepção característica do tempo na antiguidade caracterizan
tário sóciocientífico aos Evangelhos Sinóticos]. Minneapolis, do as noções de escatologia e apocalíptica...135.
Fortress Press, 1992 (com Richard L. Rohrbaugh). Diz Bruce Malina, na introdução de um de seus livros, que
• On the Genre and Message of Revelation: Star Visions and o objetivo da interpretação do Novo Testamento é “descobrir o
Sky Journeys [Sobre o Gênero e a Mensagem do Apocalipse: que um grupo específico do século primeiro do Mediterrâneo orien
Visão de Estrelas e Visões Celestes]. Peabody, Hendrickson, tal entendia quando documentos contidos em o Novo Testamento
1995. eram lidos para eles. Por isso, minha tarefa é descobrir o que os
• Portraits o f Paul: An Archaeology o f Ancient Personality documentos têm a dizer e o que eles significavam para os seus
[Retratos de Paulo: Uma Arqueologia da Personalidade Anti destinatários originais. Eu considero que o sentido, tanto lá como
aqui, reside, em última instância, no sistema social compartilhado
ga]. Louisville, Westminster/John Knox, 1996 (com Jerome
por pessoas que regularmente interagem umas com as outras”136.
H. Neyrey).
Em 1981, J. H. Elliot publicou uma análise da primeira
• The Social World o f Jesus and the Gospels [O Mundo Social
carta de Pedro com o título A Home for the Homeless: A
de Jesus e dos Evangelhos]. London and New York,
Sociological Exegesis o f 1 Peter; Its Situation and Strategy [Um
Routledge, 1996.
Lar para quem não tem casa: Uma Exegese Sociológica da pri
• Social-Science Commentary on the Gospel o f John [Comen meira carta de Pedro; sua Situação e Estratégia], na qual, utili
tário sóciocientífico ao Evangelho de João], Minneapolis, zando uma teoria de Robbin Scroggs de que o cristianismo pri
Fortress Press, 1998 (com Richard L. Rohrbaugh), mitivo constituiu uma seita messiânica surgida dentro do Judaís
Bruce Malina fundamenta-se em teorias antropológicas atu mo, o autor aplica o modelo de seita desenvolvido por Bryan
ais para entender a cultura do mundo mediterrâneo antigo onde o Wilson para retratar a situação precária do cristianismo da Ásia
Novo Testamento foi gerado. Seu enfoque privilegia o estudo Menor e a estratégia de resposta da carta a tal situação137*.
dos ambientes sociais, dos modos de pensar e dos padrões de
comportamento das comunidades bíblicas em contraste com o 134 Idem, ibidem, pp. 143-175.
mundo do intéiprete moderno da Bíblia, tentando construir uma 135 C f Elliot, op. cit. pp. 24-27.
ponte entre esses dois mundos que nos permita resgatar o senti 136 Malina, op. cit. p. XI.
do dos textos do Novo Testamento. É assim que Malina estuda 137 C f Elliot, op. cit. pp. 24-25. O estudo de Elliot, J. I I. A Home for the
Paulo e a lei numa perspectiva sócio-antropológica, Jesus mais Homeless: A Sociological Exegesis o f 1 Peter; Its Situation and Strategy.
Philadelphia, Fortress Press, 1981, foi traduzido pela Paulus, em 1985,
como um personagem de consagrada reputação do que uma fi com o título Um larpara quem não tem casa. Interpretação sociológica da
gura carismática133, o grupo de contracultura que produziu o primeira carta de Pedro. Este livro foi relançado em 2“ edição, com nova
evangelho de João, a pobreza como ausência de laços sociais e introdução e outro subtítulo: A Home fo r the Homeless: A Social-Scientific
não apenas como falta de bens materiais, os códigos de hospita- Criticism of I Peter; Its Situation and Strategy, with a New Introduction.
Minneapolis, Fortress Press, 1990. O estudo de Robbin Scroggs é The
Earliest Christian Communities as Sectarian Movement. In: Neusner, J.
133 Cf. M alina, B. J. The Social World of Jesus and the Gospels. London and (cd.). Christianity, Judaism and Other Greco-Roman Cults. Leiden, E. J.
New York, Routledge, 1996. pp. 123-142. Brill, 1975.
422 423
Ao avaliar o resultado de seu estudo do ponto de vista estudou Lucas e Atos e seu programa teológico como um pro
metodológico, J. H. Elliot diz que “analisar a primeira carta de cesso de legitimação ideológica. Em 1988 Margaret MacDonald
Pedro em termos de um modelo sectário forneceu um recurso estudou as estratégias, os processos e os estágios da instituciona
heurístico para visualizar a dinâmica social implícita neste escri lização do cristianismo primitivo nas cartas paulinas e deutero-
to e esclarecer o modo pelo qual os vários conteúdos, temas e paulinas. Também em 1988 o norueguês Halvor Moxnes, da
metáforas organizadoras foram integrados para formar uma co Universidade de Oslo, publicou The Economy o f the Kingdom:
municação coerente e persuasiva para motivar sua audiência para Social Conflict and Economic Relations in Luke’s Gospel [A
uma forma efetiva de ação social”138. Economia do Reino: Conflito Social e Relações Econômicas no
Em 1983, Wayne A. Meeks, da Universidade de Yale, Evangelho de Lucas], analisando o evangelho de Lucas à luz das
publicou The First Urban Christians: The Social World o f the relações econômicas antigas, “abrindo, assim, uma nova pers
pectiva para a sustentação da visão de Lucas sobre os fariseus
Apostle Paul [Os primeiros cristãos urbanos: O mundo scoial do
como ‘amigos do dinheiro’ e a base social da ‘economia do
apóstolo Paulo]. Usando a abordagem do funcionalismo estrutu
Reino’ de Lucas”140.
ral, estudou a origem, a posse e o status social dos indivíduos
das comunidades paulinas, e também os programas, a organiza Ched Myers, em 1988, publicou um comentário ao evange
lho de Marcos que tem como título Binding the Strong Man. A
ção e o comportamento dos grupos mencionados no conjunto
Political Reading of Mark’s Story of Jesus [Amarrando o Homem
dos textos paulinos, para chegar à conclusão de que o cristão Forte. Uma Leitura Política da História de Jesus de Marcos]141*.
paulino típico era o artesão livre e o pequeno comerciante, gente
A obra compõe-se de quatro partes: a primeira trata do
dotada de alta mobilidade social nas grandes cidades do Império
texto e do contexto sócio-histórico do evangelho de Marcos, a
Romano. Não teriam pertencido às comunidades paulinas nem o
segunda e a terceira lêem o texto, e a quarta traz as conclusões
topo da pirâmide social da época (constituída por aristocratas do trabalho. Um posfácio e um apêndice consideram as várias
donos de terras, senadores, cavaleiros etc.) nem a base da pirâ leituras sociopolíticas atuais da narrativa de Jesus.
mide (constituída, então, por agricultores pobres, escravos agrí
O autor adota o modelo centro-periferia, que ele (norte-
colas, trabalhadores braçais da roça, entre outros)139. americano, escrevendo do centro imperial) considera adequado tanto
Em 1986, na Grã-Bretanha, Francis Watson leu com o para a produção do texto de Marcos como para a sua leitura atual.
recurso da sociologia a visão de Paulo a respeito do Judaísmo,
da lei, e dos gentios em Gálatas e Romanos, focalizando as 140 Elliot. What is..., op. cit. p. 28; Watson, F. Paul, Judaism and the Gentiles:
raízes sociais de seu pensamento. Em 1987, Philip Francis Esler A Sociological Approach. New York, Cambridge University Press, 1986;
Esler, Ph. F. Community and Gospel in Luke-Acls: The Social and Political
Motivations of Lucan Theology. New York, Cambridge University Press,
138 E lliot. What is..., op. cit. p. 86.
1987; MacDonald, M.Y. The Pauline Churches: A Socio-Historical Study
139 Cf. Meeks, W. A. Os primeiros cristãos urbanos. O mundo social do o f Institutionalization in the Pauline and Deutero-Pauline Writings. New
apóstolo Paulo. São Paulo, Paulus, 1992. (original em inglês: The First York, Cambridge University Press, 1988; Moxnes, H. A economia do Rei
Urban Christians: The Social World o f the Apostle Paul. New Haven, Yale no. Conflito social e relações econômicas no evangelho de Lucas. São
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cidade: o evangelho de Paulo. Vida Pastoral 152 (maio-junho de 1990): Social Conflict and Economic Relations in Luke’s Gospel. Philadelphia,
13-18. Naturalmente, as conclusões de W. A. Meeks não foram unanime Fortress Press, 1988).
mente aceitas, pois os dados dos quais se inferem os resultados são em
141 Cf. Myers, C. O evangelho de são Marcos. São Paulo, Paulus, 1992.
geral bastante vagos. Para uma recensão do livro de Meeks, cf. Comblin, J.
(original em inglês: Binding the Strong Man. A Political Reading of Mark’s
Sociologia das comunidades paulinas. Estudos Bíblicos 25 (1990): 58-64.
Story of Jesus. Maryknoll, NY, Orbis Books, 1988.
424
425
“O mundo mediterrâneo antigo era dominado pela lei da fronto de Jesus com a ordem sociosimbólica dominante, tendo
Roma imperial. No entanto, se eu leio situando-me no centro como sujeito os defensores dessa ordem: os escribas, os fariseus,
[EUA], Marcos escreveu da periferia palestina [na Galiléia, en os herodianos e o clero dirigente de Jemsalém. Jesus confia seu
tre 66 e 70 d.C., quando Roma destruía a Palestina], Seu princi mandamento a eles diversas vezes na primeira campanha de ação
pal auditório era constituído por aqueles cujas vidas diárias su direta, afirmando sua autoridade sobre o sistema de pureza e de
portavam o peso explorador do colonialismo, ao passo que os débito (2,10.28) e desafiando as autoridades a optarem pela jus
meus ouvintes são os que se acham em posição que lhes possibi tiça e pela compaixão em vez da dominação”145.
lita usufruir os privilégios do colonizador”142. Essas três subtramas levam Jesus à prisão e à execução,
Assim, citando Dorothee Sõlle, o autor reflete: “Nós que com a deserção dos discípulos, a decepção da multidão e a hosti
nos achamos no centro [...] não temos outra opção senão a de lidade das autoridades. Jesus segue sozinho o caminho da cruz.
‘fazer teologia na casa do faraó’, ou seja, ficar do lado dos “Essa tragédia, porém, é revertida pela promessa de que, como
hebreus mesmo sendo cidadãos do Egito”143. Privilegiada, para Jesus vive, a aventura do discipulado pode continuar (16,6 s.)”146.
ler Marcos, é a situação de quem se situa na periferia e pode Deste modo, o evangelho de Marcos é visto como um
enfocar adequadamente temas de libertação, como o fazem os manifesto escrito para súditos do poder imperial romano “apren
teólogos latino-americanos, emenda o autor. derem a dura verdade sobre o seu mundo e sobre eles mesmos”.
Assim, mesmo situado no centro, o autor defende uma Para Ched Myers o relato de Marcos “é história feita pelos com
leitura libertadora de Marcos, considerando a chave apocalíptica prometidos, que versa sobre os comprometidos e que se dirige
a mais adequada para a leitura do texto, a partir de sua definição aos comprometidos com a obra de Deus, obra de justiça, de
dos escritos apocalípticos, tais como Daniel e Apocalipse, como compaixão e de libertação no mundo”.
“manifestos políticos de movimentos não-violentos de resistên Aos teólogos modernos Marcos não “oferece sinais do
cia à tirania”. “Meu comentário” acrescenta Myers “demonstra céu” (Mc 8,11-12), como não os oferece aos fariseus; aos exege-
que o mesmo pode ser dito a propósito de Marcos”144. tas que recusam um compromisso ideológico Jesus não dá res
Ched Myers procura extrair três fios narrativos ou subtra- posta alguma, como não a deu aos sumos sacerdotes (Mc 11,30-
mas do evangelho de Marcos. “A primeira subtrama envolve 33)... “Mas aos que querem provocar a ira do império, Marcos
tentativas de Jesus para criar e consolidar uma comunidade mes apresenta uma forma de “discipulado (8,34ss)”147. Um discipula
siânica, tendo como sujeito evidentemente seus discípulos. Seu do radical.
mandamento a eles dirigido deve levar avante a obra do reino J. Andrew Overman publicou, em 1990, um estudo sobre
[...]. A segunda subtrama é o ministério de Jesus de cura, de o mundo social da comunidade de Mateus. Na Introdução da
exorcismo e de proclamação da libertação, tendo como sujeito obra, ele expõe, apoiado em M. Weber, Berger, Luckmann e
os pobres e oprimidos, encarnados pela ‘multidão’ no Evange outros, seus pressupostos e sua proposta: “Este é um estudo da
lho. O mandamento aparece no primeiro exorcismo da sinagoga, vida e do mundo da comunidade representada pelo evangelho de
em que a multidão reconhece que a autoridade de Jesus supera a Mateus [...]. A comunidade de Mateus, como qualquer outra,
dos supersenhores, os escribas [...]. A terceira subtrama é o con- defrontava-se com a tarefa de explicar suas experiências e con
432 433
que alguém, mesmo com um conhecimento razoável das obras de co, porque ela é determinada por interesses que precedem a
Durkheim, Weber e Marx, se sinta bastante perdido quando se própria busca do conhecimento e condicionam o seu desenvolvi
fala de perspectivas de conflito, funcionalismo estrutural, idealis mento. Desta postura decorre que nem toda interpretação pode
mo cultural, materialismo cultural... Com freqüência não se sabe ser verdadeira, por mais objetiva que possa parecer, mas somen
que método escolher ou misturam-se na análise várias tendências te aquelas que têm claros seus objetivos sociais e humanos e
sociológicas, criando um método eclético que corre o risco de deliberadamente os assumem. E que tais objetivos sejam rele
oferecer uma belíssima solução para um problema inexistente ou vantes para a pessoa, grupo ou sociedade envolvida na busca em
mal colocado. Ou, como alertam outros autores, nós, biblistas, questão. Pois relevante para a sociedade humana é aquilo que
costumamos utilizar teorias antropológicas e sociológicas que já humaniza. Nesse sentido, as categorias de transformação, totali
foram abandonadas pelos especialistas nas respectivas áreas, por dade e contradição, pertencentes ao método dialético, podem ser
que consideradas superadas. Ou, em outras duras palavras: che fundamentais para a percepção engajada:
gamos sempre atrasados, e o resultado é bastante insatisfatório.
De fato, uma teoria nunca se baseia em dados empíricos • a transformação nos alerta para o fato de que nada
apenas, transcende-os sempre. Por isso, Gerd Theissen assinala existe de fixo ou estabelecido de um vez por todas,
que diante de uma teoria podem ser assumidas três atitudes161: sejam idéias, categorias, princípios ou estruturas sociais;
• a categoria de totalidade indica que, na análise de cada
a) A tolerância hermenêutica, a qual afirma que os obje um dos elementos ou dimensões da realidade social, não
tos (sociais) não existem em si mesmos, mas como possibilidade se pode perder de vista a sua relação com o conjunto;
de compreensão para o homem. A consequência disso é a de que
qualquer interpretação seria verdadeira. E o que ocorre na leitura • já a contradição nos adverte que há um conflito social
existencialista quando ela diz ser a religião a busca da autentici permanente, levando a enfrentamentos ideológicos, po
dade humana e a fé um salto no escuro. Qualquer interpretação líticos, religiosos que, em última instância, são os con
dos textos bíblicos feita a partir desse pressuposto é verdadeira frontos entre as várias classes sociais. “Uma análise
para as pessoas ou os grupos que a fazem. Não há nenhum dialética é sempre uma análise das contradições inter
critério de objetividade científica. nas da realidade”, lembra Michel Lõwy162.
b) A verificação crítica, também chamada de racionalis- Do ponto de vista das instituições eclesiásticas, as leituras
mo crítico, garante, por sua vez, que a legitimidade de uma que fazem uso das ciências sociais são vistas como necessárias,
proposição depende de sua verificabilidade segundo um método mas comportam alguns riscos, como diz o documento da Pontifí
científico. É preciso sempre confrontar a teoria com os dados da cia Comissão Bíblica, A interpretação da Bíblia na Igreja, de 15
realidade para verificar a sua validade. Parece boa atitude, e de de abril de 1993, do qual vale a pena transcrever alguns trechos163*.
fato o é do ponto de vista da objetividade da questão tratada. Depois de lembrar que o problema da interpretação da
Mas certamente corre-se o risco de permanecerem ocultas as Bíblia não é uma invenção moderna, como alguns querem fazer
opções éticas prévias e a destinação histórica posterior dos resul crer, o documento mostra que, no entanto, ele se acentuou com o
tados obtidos.
c) A percepção engajada já afirma que toda compreensão 162 Lõwy. Ideologias..., op cit., p. 16.
da realidade é sempre feita segundo um ponto de vista específi-
163 Pontifícia Comissão Bíblica. A interpretação da Bíblia na Igreja. São
Paulo, Paulinas, 1994. C f também o comentário ao documento feito por
161 Cf. T heissen Sociologia do movimento..., op. cit. pp. 121-123. F itzmyer, J. A. A Bíblia na Igreja. São Paulo, Loyola, 1997.
434 435
desenrolar do tempo, e uma das razões é o uso dos métodos à crítica histórica. A tarefa da exegese, de bem compreender o
científicos usados para interpretar os textos bíblicos: “Em que testemunho de fé da Igreja apostólica, não pode ser levada a
proporção esses métodos podem ser considerados apropriados à termo de maneira rigorosa sem uma pesquisa científica que estu
interpretação da Sagrada Escritura?” de os estreitos relacionamentos dos textos do Novo Testamento
E logo responde: “A esta questão a prudência pastoral da com a vivência social da Igreja primitiva. A utilização dos mo
Igreja durante muito tempo respondeu de maneira muito reticen delos fornecidos pela ciência sociológica assegura às pesquisas
te, pois muitas vezes os métodos, apesar de seus elementos posi dos historiadores das épocas bíblicas uma notável capacidade de
tivos, encontravam-se ligados a opções opostas à fé cristã. Mas renovação, mas é preciso, naturalmente, que os modelos sejam
uma evolução positiva se produziu, marcada por uma série de modificados em função da realidade estudada”165.
documentos pontifícios, desde a encíclica Providentissimus Deus E é aí que o documento fala dos riscos dessa abordagem:
[O Deus de toda Providência], de Leão XIII (18 de novembro de “E o caso aqui de assinalar alguns riscos que a abordagem socio
1893), até a encíclica Divino afflante Spiritu [Inspirada pelo Di lógica faz correr à exegese. Efetivamente, se o trabalho da socio
vino Espírito], de Pio XII (30 de setembro de 1943), e foi confir logia consiste em estudar as sociedades vivas, é previsível encon
mada pela declaração Sancta Mater Ecclesia [A Santa Mãe Igre trar algumas dificuldades logo que se quer aplicar seus métodos a
ja] (21 de abril de 1964) da Pontifícia Comissão Bíblica e, espe ambientes históricos que pertençam a um passado longínquo. Os
cialmente, pela Constituição Dogmática Dei Verbum [A Palavra textos bíblicos e extra-bíblicos não fornecem forçosamente uma
de Deus] do concilio Vaticano II (18 de novembro de 1965). documentação suficiente para dar uma visão de conjunto da so
E o documento continua: “A fecundidade desta atitude ciedade da época. Aliás, o método sociológico tende a dar mais
construtiva manifestou-se de maneira inegável. Os estudos bíbli atenção aos aspectos econômicos e institucionais da existência
cos tiveram um progresso notável na Igreja católica e o valor humana do que às suas dimensões pessoais e religiosas”166.
científico deles foi cada vez mais reconhecido no mundo dos A postura do documento sobre a abordagem dos textos
estudiosos e entre os fiéis. O diálogo ecumênico foi considera bíblicos com o recurso da antropologia cultural é praticamente a
velmente facilitado. A influência da Bíblia sobre a teologia se mesma da leitura sociológica. Depois de falar da utilidade do
aprofundou e contribuiu para a renovação teológica. O interesse método para o estudo do Antigo e do Novo Testamentos, o
da Bíblia aumentou entre os católicos e favoreceu o progresso da documento afirma: “Esta abordagem permite distinguir melhor
vida cristã. Todos aqueles que adquiriram uma formação séria os elementos permanentes da mensagem bíblica cujo fundamen
nesse campo estimam doravante impossível retomar a um estado to está na natureza humana, e as determinações contingentes
de interpretação pré-crítica, pois o julgam, com razão, claramen segundo culturas particulares. Todavia, não mais que outras abor
te insuficiente”164. dagens particulares, ela não está em si à altura de levar em conta
E é com este mesmo espírito que o documento fala, mais as contribuições específicas da revelação. Convém estar ciente
adiante, da leitura sociológica: “Geralmente a abordagem socio disso no momento de apreciar o alcance de seus resultados”167.
lógica dá uma abertura maior ao trabalho exegético e comporta Parece-me bastante equilibrada a perspectiva do documento
muitos aspectos positivos. O conhecimento dos dados sociológi quando fala dos métodos científicos de leitura da Bíblia, espe
cos que contribuem a fazer compreender o funcionamento eco
nômico, cultural e religioso do mundo bíblico é indispensável 165 Idem, ibidem, pp. 68-69.
,r,ft Idem, ibidem, p. 69.
164 P ontifícia... op. cit. pp. 32-33. 167 Idem, ibidem, p. 71.
436 437
cialmente se lido integralmente. Apesar de, ambiguamente, dei Acusa-se, ainda hoje, a leitura sociológica de fechar as
xar mais ou menos explícito que são os documentos do Magisté portas ao transcendente e ao sobrenatural, na medida em que ela
rio que fazem avançar a pesquisa exegética, quando o oposto é se reduz ao horizonte empírico da Bíblia. A leitura sociológica
que seria mais realista. seria reducionista, porque reduz fenômenos religiosos a fatores
Já os comentários do documento e as posturas assumidas não-religiosos e também porque determina fenômenos religiosos
pelos exegetas católicos diante do método sócio-antropológico por fatores não-religiosos.
são mais diversificadas e me parece que, às vezes, mais conser Diz-se também que a leitura sociológica sujeita a Bíblia a
vadoras do que o texto da Pontifícia Comissão Bíblica permiti contínua reinterpretação dependente de estruturas sociopolíticas
ría. Vou citar como exemplo o comentário de J. A. Fitzmyer, ele instáveis, e isto elimina o magistério da Igreja e atropela as
mesmo um membro da referida comissão. Ao comentar a abor verdades eternas do Cristianismo170.
dagem sociológica ele diz que ela “está realmente mais interes Naturalmente tais críticas partem de um pressuposto epis-
sada em ler nas entrelinhas do texto bíblico para descobrir os temológico específico, que costuma colocar do lado do “natural”
fatores históricos positivos que moldaram a vida humana e co uma série de conceitos relativos ao mundo e à história, e do lado
munitária nos tempos bíblicos do que em determinar o significa do “sobrenatural” tudo o que é relativo ao sagrado.
do religioso da própria Palavra de Deus. Em outras palavras, Esse dualismo não pode ser sustentado, já que assim opo
apesar de toda a importante contribuição que deu recentemente mos como duas grandezas iguais Deus e o homem, revelação e
ao estudo da Bíblia, esta abordagem raramente contribui de fato razão, graça e pecado. Ora, teologicamente, o sobrenatural nada
para o significado da própria Palavra de Deus escrita”168. mais é do que o próprio natural elevado ao nível de sua destina-
E ao falar da abordagem da antropologia cultural, logo em ção divina, pelo olhar da fé.
seguida, depois de enumerar seus aspectos positivos, Fitzmyer Entretanto, a persistência dessa visão dualista transforma
afirma: “Entretanto, como no caso de outras derivadas de ciên a Salvação no seu conhecimento. Conhecimento que é enuncia
cias humanas, esta abordagem não está qualificada para determi do num conjunto doutrinai, celebrado num rito e organizado
nar qual é, especificamente, o conteúdo da revelação. Como numa instituição. Finalmente, esta visão opõe Igreja e mundo,
acontece com a abordagem sociológica, esta tende a ler nas en levando a prática dos cristãos ao sectarismo, ao clericalismo e ao
trelinhas do texto bíblico e não as linhas propriamente ditas. Em apolitismo171*.
outras palavras, os aspectos antropológicos da Bíblia não aproxi Por último, quero lembrar que uma das dificuldades da
mam necessariamente o leitor do significado religioso ou espiri leitura sócio-antropológica vem de seu interior mesmo, das op
tual da Palavra de Deus”169. ções de seus teóricos. A partir da Segunda Guerra Mundial acon
teceu a burocratização do trabalho do sociólogo e o comprometi
Postura mais radical ainda é a daqueles que dizem que, ao
mento cada vez maior de seus teóricos com a defesa da socieda
pretender estudar racionalmente a religião, os seus textos funda
de capitalista contra a expansão do socialismo. Passou-se a con
dores ou as instituições religiosas, a sociologia crítica é vista fundir a sociologia crítica, não conservadora e não funcionalista,
como materialista, ímpia e desagregadora dos valores cristãos.
170 Cf. Terra, J. E. M. Como se lê a Bíblia na América Latina. Revista de
168 F itzmyer, op. cit. pp. 58-59. Cultura Bíblica 45-46 (1988): 40-56.
168 Idem, ibidem, p. 59. Este “ler nas entrelinhas do texto bíblico e não as linhas 171 Cf. Boff, C. Teologia e Prática. Teologia do político e suas mediações.
propriamente ditas” serve para desqualificar o valor dos métodos citados. 3 ed. Petrópolis, Vozes, 1993. pp. 175-237.
438 439
com um comunismo a ser combatido a todo o custo. Na socieda te”173. Cabe aos especialistas investigar as atuais condições do
de norte-americana, a sociologia, vinculada ao meio universitá pensamento sócio-antropológico e aos biblistas retomar esse veio
rio, caracterizou-se por um acentuado reformismo, investigando crítico dos grandes clássicos que nunca secou de verdade. Reco
temas relacionados com a desorganização social, com as ques mendo, nesse sentido, especialmente as obras de Robert Kurz174.
tões urbanas, com a integração das minorias etc., mas perdeu de
vista a totalidade social.
A avalanche empirista que tomou conta das ciências so 6. BIBLIOGRAFIA
ciais nos Estados Unidos chegou também aos países periféricos,
como o Brasil, representando uma profunda ruptura com as ten A lt, A. Kleine Schriftten zur Geschichte des Volkes Israel.
dências de clássicos como Weber e Marx. O fenômeno atual da München, C. H. Beck’sche Verlagsbuchhandlung, v. I, 1953;
pós-modemidade, com a suposta falência das grandes teorias v. II 1953; v. III, 1959. Em português, parcialmente: Terra
explicativas da história, agravou ainda mais o fenômeno. prometida. Ensaios sobre a história do povo de Israel. São
Leopoldo, Sinodal, 1987.
Não é difícil perceber também como o funcionalismo é a
referência mais comum dos estudos bíblicos analisados nestas A l t h u s s e r L. A favor de Marx. Pour Marx. Rio de Janeiro,
páginas. A postura conservadora, inerente ao funcionalismo, preo Zahar, 1979.
cupado com a ordem social é que, apesar das características de _____. Ler o Capital, 2 v. Rio de Janeiro, Zahar, 1979.
cada um, talvez tenha unido pensadores tais como Durkheim, A r e n s , E. Asia Menor nos tempos de Paulo, Lucas e João. As
Malinowski, Radcliffe-Brown, Talcott Parsons e tantos outros. pectos sociais e econômicos para a compreensão do Novo
No Brasil a situação se agrava mais ainda, pois numa Testamento. São Paulo, Paulus, 1998. p. 6. (original em espa
sociedade em transição do rural para o urbano como a nossa nhol: Asia Menor en tiempos de Pablo, Lucas y Juan - Aspec
persiste em muitos meios uma ordem patrimonial que sufoca o tos sociales y econômicos para la comprensión del Nuevo
pensamento racional livre, considerado incompatível com seus Testamento. Eduardo Arens, 1995).
interesses. A justificação moral existente emanava, ainda há pou
A r o n , R. As etapas do pensamento sociológico. 2 ed. São Paulo/
co, do poder dos costumes, e a “explicação racional do compor
Brasília, Martins Fontes/Editora da UnB, 1987.
tamento humano e da origem ou do funcionamento das institui
ções, como a sociológica, encontrava natural resistência”, já di B a l z , H. & S c h n e id e r , G. (eds.). Diccionario exegético del Nuevo
zia Florestan Fernandes172. Testamento. 2 v. Salamanca, Sígueme, 1998. (original em
alemão: Exegetisches Wórterbuch zum Neuen Testament. 2 ed.
Mas, como nos lembrava Carlos B. Martins, na década de
80, “ao lado de uma sociologia que estendeu suas mãos ao poder, Kohlhammer, Stuttgart, 1992; também em inglês: Exegetical
não se pode deixar de mencionar as importantes contribuições Dictionary o f the New Testament. 3 v. Grand Rapids,
proporcionadas por uma sociologia orientada por uma perspecti Eerdmans, 1994).
va crítica [como a da Escola de Frankfurt e a de seus seguidores]. B a r t h e s , R., SÍZ. Essai. Paris, Seuil, 1970.
Em boa medida, essa sociologia tem permitido a compreensão da
sociedade capitalista atual, das suas políticas de dominação e dos 173 M artins. O que <?..., op. cil. p. 91.
processos históricos que buscam alterar a sua ordem existen- 174 K urz, R. O colapso da modernização. Da derrocada do socialismo de
caserna à crise da economia mundial. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1992;
172 F ernandes. A sociologia..., op. cil. p. 30. Idem. Os últimos combates. Petrópolis, Vozes, 1997.
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Pois é... Hoje o Zeca é formado em música, participa de
Kegan Paul, 1955. vários festivais, dentro e fora do Brasil. Quase sempre ganha o
W a t s o n , F. Paul, Judaism and the Gentiles: A Sociological primeiro lugar. Até já gravou disco.
Approach. New York, Cambridge University Press, 1986.
Mas ele não se esquece da Vila do Caapora: vai sempre
W e b e r , M. Textos Selecionados. 2 ed. São Paulo, Abril Cultural, visitar os irmãos, parentes e amigos. E continua se sentando
1980. (coleção “Os Pensadores”). com eles na roda para contar “causos” e tocar violão. E quan
_____. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São do o instrumento chega na mão dele, acontece uma coisa curio
Paulo/Brasilia, Pioneira/Editora da UnB, 1981. sa, que ninguém sabe explicar muito bem por que acontece.
_____. Ancient Judaism. New York, Free Press, 1952; paperback Quando é a vez do Zeca tocar, aquelas músicas que todo mundo
edition 1967. já está cansado de repetir parece que ficam mais bonitas e mais
_____. Economia e sociedade. Fundamentos da sociologia com gostosas de se entoar. E até quem é desafinado, nessa hora
preensiva. Brasília, Editora da UnB, 1991. v. 1. (original em acerta o tom e canta no compasso certo!
inglês: Economy and Society. Berkeley, University of É... o povo da Vila Caapora não sabe explicar muito bem
California Press, 1968). por que isso acontece. Só o Zeca é quem pode dizer ... e nós
W il s o n , R. R. Profecia e Sociedade no Antigo Israel. São Paulo,
também!
Paulus, 1993.
W r ig h t , E. O. et alii. Reconstruindo o Marxismo. Ensaios sobre
... E a Bíblia?
a Explicação e Teoria da História. Pctrópolis, Vozes, 1993.
A Bíblia continua a mesma. Mas, como agora, depois da
leitura deste livro, adquirimos um instrumental mais aprimora
do e científico para lê-la, começamos a enxergar nela o que
antes passava despercebido a nossos olhos. Não foi a Bíblia que
mudou, fomos nós, ou melhor, a maneira pela qual nos relacio
namos com esta coisa tão bonita, importante e viva que é a
Sagrada Escritura
É como quando olhamos algo através de uma lente de
aumento: a lente não inventa nem acrescenta nada ao que já
existia; mas faz com que vejamos o que antes não éramos capa-
450 451
zes de ver. Talvez por estarmos já tão habituados a lê-la sempre
da mesma maneira, já condicionados por alguma interpretação
ou princípio de interpretação, muitas vezes não deixamos que o À Guisa de Conclusão
texto nos conduzisse por outros caminhos, propondo novas pos
sibilidades de leitura.
ANTIGO TESTAMENTO
Gênesis
6; gêneros literários do AT; tradição histórica; saga
1 6; crítica literária; critérios; duplicações
1 7; crítica da tradição; exemplo; tema
1,1 8; crítica da redação; LXX; mudanças interprctativas
1,26 9; poética hebraica; procedimentos; alusão
1,27 6; crítica literária; critérios; tensões
2 6; crítica literária; critérios; duplicações
2,21 6; crítica literária; critérios; tensões
2.23 6; crítica literária; critérios; tensões
4.1- 16 7; crítica da tradição; tópoi\ motivo
4.2- 9 9; poética hebraica; paralelismo; casos especiais; exer
cícios; nota 7
6,9 8; crítica da redação; LXX; mudanças interpretativas
7,17-24 6; crítica literária; exercícios
7,17 6; crítica literária; critérios; tensões
7.24 6; crítica literária; critérios; tensões
457
9,20-27 6; gêneros literários do AT; tradição histórica; saga de 38.1 8; crítica da redação; critérios; conexões hermenêuticas
um povo 39-48 6; gêneros literários do AT; tradição histórica; novela
9,22 8; crítica da redação; LXX; adições 39.1 -6a exercícios
11,1-9 6; gêneros literários do AT; tradição histórica; saga de 41.1- 7 5; análise lexicográfica; exercícios
um lugar 41,45 8; crítica da redação; LXX; adaptações midráshicas
11,1-9 8; crítica da redação; critérios; explicações; acréscimos 45,10 8; crítica da redação; LXX; adaptações midráshicas
etiológicos 48 6; gêneros literários do AT; tradição histórica; saga de
12, 10-20 6; crítica literária; exercícios um povo
14,14 2; crítica textual do AT; mudanças inconscientes; con 49,33 3; delimitação do texto; critérios; término; funções ter
fusão de letras minais
15.1 7; crítica da tradição; exemplo; esquema tradicional 50 6; gêneros literários do AT; tradição histórica; novela
16,7-14 6; gêneros literários do AT; tradição histórica; lenda de 50,22-26 6; crítica literária; exercícios
santuário
17 6; gcneros literários do AT; tradição histórica; lenda Êxodo
cultuai 1-2 3; delimitação do texto; exercícios
18,16 3; delimitação do texto; critérios; coesão; ação 1,8 8; crítica da redação; critérios; conexões hermenêuticas
18,30 8; crítica da redação; LXX; mudanças teológicas LU 8; crítica da redação; LXX; adaptações midráshicas
18.32 8; crítica da redação; LXX; mudanças teológicas 2.1 3; delimitação do texto; critérios; novo início; actantes
19.1- 29 6; gêneros literários do AT; tradição histórica; saga de 2 . 1- 10 5; segmentação do texto; exercícios
um lugar 2 , 1-10 6; gêneros literários do AT; tradição histórica; saga de
20.1- 18 6; crítica literária; exercícios um lugar
21.1- 17 7; crítica da tradição; tópoi; motivo 2,11 8; crítica da redação; critérios; conexões hermenêuticas
21.1 8; crítica da redação; critérios; conexões hermenêuticas 3.1- 12 6; crítica literária; critérios; duplicações
21,22-31 6; gêneros literários do AT; tradição histórica; saga de 3,12 7; crítica da tradição; tópoi; fórmula fixa
um lugar 4.1- 9 7; critica da tradição; exemplo; esquema tradicional
21.32 6; crítica literária; critérios; dados contraditórios 4,24-26 6; gêneros literários do AT; tradição histórica; lenda
21,34 6; crítica literária; critérios; dados contraditórios cultuai
22 6; Sitz im Lebeir, liturgia c culto; práticas cultuais 4,24 8; crítica da redação; LXX; mudanças teológicas
22.1- 9 6; Sitz im Lebeir, exercícios 6.2- 13 6; crítica literária; critérios; duplicações
22.1- 9 6; gêneros literários; exercícios 7-10 8; crítica da redação; critérios; Leitmotivs
22 , 6-10 3; delimitação do texto; critérios; ao longo do texto; 10.13 1; crítica da tradição; exemplo; tema
campo semântico 10.13 8; crítica da redação; LXX; adaptações midráshicas
26,3 7; crítica da tradição; tópoi', fórmula fixa 10,19 7; crítica da tradição; exemplo; tema
27.1- 28,5 7; crítica da tradição; tópoi', motivo 12.1- 23 10; leitura judaica; leitura-busca; Haggadah e Halakah
28,10-22 6; gêneros literários do AT; tradição histórica; lenda de 14,21 1; crítica da tradição; exemplo; tema
santuário 15.2 9; poética hebraica; procedimentos; hendíadis
28,20 7; crítica da tradição; tópoi; fórmula fixa 15.3 8; crítica da redação; LXX; mudanças teológicas
32,22 3; delimitação do texto; critérios; término; tempo 15,8 7; crítica da tradição; exemplo; tema
32.33 8; crítica da redação; critérios; explicações; acréscimos 15,10 7; crítica da tradição; exemplo; tema
etiológicos 15,20-21 6; gêneros literários do AT; cantos da vida cotidiana;
33.1- 17 7; crítica da tradição; tópoi; motivo vitória
33,19 8; crítica da redação; LXX; termos raros 17,8-16 6; gêneros literários do AT; tradição histórica; saga de
37 6; gêneros literários do AT; tradição histórica; novela um herói
37.10 5; análise lexicográfica; exemplo; cireuipriacv 20.1- 17 6; gêneros literários do AT; tradição jurídica; direito
37.10 (LXX) 5; análise lexicográfica; exemplo; éiteTÍpriacv apodítico
458 459
21,12 6; gêneros literários do AT; tradição jurídica; direito 23,19a 9; poética hebraica; procedimentos; elipse
apodítico 23,21 7; crítica da tradição; tópov, fórmula fixa
21,15-17 6; gêneros literários do AT; tradição jurídica; direito 24,4 9; poética hebraica; procedimentos; fórmula quebrada
apodítico 28,3 10; leitura judaica; liturgia; prolongamento do ofício;
21,18-19 6; gêneros literários do AT; tradição jurídica; direito nota 11
casuístico
21,22-23 6; gêneros literários do AT; tradição jurídica; direito Deuteronômio
casuístico 2,23 8; crítica da redação; LXX; atualizações históricas
22,17 6; gêneros literários do AT; tradição jurídica; direito 4,7 (jBerakôt) 6; gêneros literários; exemplo
apodítico 4,37 8; crítica da redação; LXX; mudanças teológicas
22,28-30 6; gêneros literários do AT; tradição jurídica; direito 6,4-9 10; leitura judaica; liturgia; prolongamento do ofício
apodítico 8,3 2; crítica textual do NT
24.1- 2 6; crítica literária; critérios; dados contraditórios 11,13-21 10; leitura judaica; liturgia; prolongamento do ofício
24,10 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; glosa
11,29-30 8; crítica da redação; critérios; indicações geográficas e
24.12- 15a 6; crítica literária; critérios; dados contraditórios
topográficas
24,15b-18 6; crítica literária; critérios; dados contraditórios
12 8; crítica da redação; critérios; indicações geográficas e
24,16 8; crítica da redação; moldura
topográficas
24,3-8 6; crítica literária; critérios; dados contraditórios
13,13-16 6; gêneros literários do AT; tradição jurídica; direito
24,9-11 6; crítica literária; critérios; dados contraditórios
casuístico
31.12- 17 10; leitura judaica; leitura-busca; Haggadah e Halakah
14,22-29 8; crítica da redação; critérios; indicações geográficas e
32,26 8; crítica da redação; LXX; adições
8; crítica da redação; LXX; mudanças teológicas topográficas
33,13
10; leitura judaica; leitura-busca; Haggadah e Halakah 15,19-23 8; crítica da redação; critérios; indicações geográficas e
35.1- 3
topográficas
Levítico 17,10 2; edições críticas; BHS; massorah final
18,6-23 6; gêneros literários do AT; tradição jurídica; direito 25.4 5; análise lexicográfica; exemplo; necjrí|iwao
apodítico 25.4 (LXX) 5; análise lexicográfica; exemplo; Trstjuptoao
23,44 10; leitura judaica; liturgia; leitura solene; nota 9 26.5 8; crítica da redação; LXX; atualizações históricas
26,8 8; crítica da redação; LXX; mudanças teológicas
Números 27,9 (LXX) 5; análise lexicográfica; exemplo; atuira
1,53 8; crítica da redação; LXX; mudanças teológicas 27,16-25 6; gêneros literários do AT; tradição jurídica; direito
5,12 6; gêneros literários do AT; cantos da vida cotidiana; apodítico
estímulo ao combate 30,3 8; crítica da redação; LXX; mudanças teológicas
6,10 10; leitura judaica; liturgia; prolongamento do ofício; 30,15-20 7; crítica da tradição; tópoi; esquema tradicional
nota 11 32,1-25 6; Sitz im Leben; tribunal de justiça
13,33 8; crítica da redação; LXX; termos raros 32,8 8; crítica da redação; LXX; mudanças teológicas
14,9 7; crítica da tradição; exemplo; esquema tradicional 32.21 5; análise estilística; exercícios
15,37-41 10; leitura judaica; liturgia; prolongamento do ofício 32.21 9; poética hebraica; casos especiais; exercícios; nota 7
16,16-26 6; gêneros literários do AT; tradição histórica; lenda 32,43 8; crítica da redação; LXX; mudanças teológicas
pessoal
20,29 3; delimitação do texto; critérios; término; tempo Josué
21,4-9 6; gêneros literários do AT; tradição histórica; lenda 4,14 8; crítica da redação; LXX; omissões
cultuai 5,2-9 6; gêneros literários do AT; tradição histórica; lenda
21,18 9; poética hebraica; procedimentos; variante de lastro cultuai
22-24 6; gêneros literários do AT; cantos da vida cotidiana; 5,3 8; crítica da redação; LXX; adições
bênção e maldição 5,4-5 8; crítica da redação; critérios; sumários
460 461
5,8 8; crítica da redação; LXX; omissões 9 9; poética hebraica; procedimentos; alusão
8,30-35 8; crítica da redação; critérios; indicações geográficas e 9,1-2 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; razões
topográficas teológicas; nota 3
9,27 2; crítica textual; exercícios 9,1-2 6; crítica literária; critérios; dados contraditórios
10 6; gêneros literários do AT; tradição histórica; saga de 9.1 6; crítica literária; critérios; dados contraditórios
um herói 9.2 6; crítica literária; critérios; dados contraditórios
10,8 7; crítica da tradição; exemplo; esquema tradicional 9,5 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; razões
10,12 6; gêneros literários do AT; cantos da vida cotidiana; teológicas; nota 3
bruxaria 9,6 6; crítica literária; critérios; dados contraditórios
14,15 6; crítica literária; critérios; tensões 9,8-15 6; gêneros literários do NT; evangelhos; fábula
21,35-38 2; crítica textual do AT; mudanças inconscientes; 9,16 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; razões
paráblepsis teológicas; nota 3
24 6; Sitz im Leben\ tribunal de justiça 9,19 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; razões
24,32 8; crítica da redação; LXX; termos raros teológicas; nota 3
9,24 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; razões
Juizes teológicas; nota 3
1,17 7; crítica da tradição; tópoi\ fórmula fixa 9,28 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; razões
2,11-19 8; Sitz in der Literatur, exercícios teológicas; nota 3
2,6 3; delimitação do texto; critérios; ao longo do texto; 9,28 6; crítica literária; critérios; dados contraditórios
ação 9,57 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; razões
3,19 (LXX) 5; análise lcxicográfica; exemplo; oLÚtra teológicas; nota 3
5,1 3; delimitação do texto; critérios; novo início; alternân 10.1- 2.3-5 8; crítica da redação; exercícios
cia de estilos 13.1- 7 6; gêneros literários; exercícios
5,3 9; poética hebraica; paralelismo; casos especiais; esca 13.1- 7 6; Sitz im Leben; exercícios
da 13.2- 24 7; crítica da tradição; tópor, motivo
5,12 9; poética hebraica; procedimentos; repetição 17-18 6; Sitz im Leben; liturgia e culto; santuário
5,19 9; poética hebraica; procedimentos; variante de lastro 17,1 8; crítica da redação; critérios; conexões hermenêuticas
5,23 9; poética hebraica; paralelismo; casos especiais; terra- 18,9 (LXX) 5; análise lcxicográfica; exemplo; olúttoí
ço 18,12 8; crítica da redação; critérios; explicações; acréscimos
5,28 9; poética hebraica; procedimentos; variante de lastro etiológicos
5.30 9; poética hebraica; procedimentos; ironia dramática 19,10 8; crítica da redação; critérios; explicações; referências
5.31 3; delimitação do texto; critérios; novo início; alternân históricas
cia de estilos
6-8 6; crítica literária; critérios; dados contraditórios Rute
6,32 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; razões Rt 10; leitura judaica; liturgia; leitura solene; Megill.ôt
teológicas; nota 3 Rt 6; gêneros literários do AT; tradição histórica; novela
6,11-23 5; análise sintática; exercícios 2.16 (LXX) 5; análise lexicográfica; exemplo; éTTeTÍ|ir]aev
6,15 2.16 5; análise lexicográfica; exemplo; CTrcTÍpr|aev
7; crítica da tradição; exemplo; esquema tradicional
4,7 8; crítica da redação; exercícios
6,36-40 7; crítica da tradição; exemplo; esquema tradicional
7,1 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; razões
1 Samuel
teológicas; nota 3
ISm 16 - 2Sm 1 8; crítica da redação; critérios; Leitmotive
7,15-25 9; poética hebraica; procedimentos; alusão
2,1 9; poética hebraica; procedimentos; inclusão
8,29 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; razões 2,10 9; poética hebraica; procedimentos; inclusão
teológicas; nota 3
2,12-17 6; gêneros literários do AT; tradição histórica; lenda
8,31 6; crítica literária; critérios; dados contraditórios
pessoal
462
463
2,18-21 8; crítica da redação; critérios; sumários 3,14-15 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; razões
2,26 8; crítica da redação; critérios; sumários teológicas
7.8 (LXX) 5; análise lexicográfica; exemplo; cuoymx 4.4 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; razões
9.9 8; crítica da redação; critérios; explicações; contextua- teológicas; nota 3
lizações 4.5 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; razões
10,1 8; crítica da redação; critérios; conexões hermenêuticas teológicas
12,11 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; razões 4.6 8; crítica da redação; LXX; mudanças interpretativas
teológicas; nota 3 4,8 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; razões
12,20 7; crítica da tradição; exemplo; esquema tradicional teológicas
15,35 8; crítica da redação; critérios; sumários 4.12 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; razões
16,23 3; delimitação do texto; critérios; término; funções de teológicas
partida 4.12 8; crítica da redação; critérios; correções estilísticas
17,1-54 6; gêneros literários do AT; tradição histórica; saga de 5-6 8; crítica da redação; critérios; deslocamentos
um herói 5,6-12 6; gêneros literários do AT; tradição histórica; narrativa
17,1-54 6; gêneros literários do AT; tradição histórica; saga de histórica
um herói; nota 14 5,16 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; razões
17,34-37 7; crítica da tradição; exemplo; esquema tradicional teológicas; nota 3
18,6-7 6; gêneros literários do AT; cantos da vida cotidiana; 9,6 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; razões
vitória teológicas; nota 3
18,10-16 6; gêneros literários do AT; tradição histórica; narrativa 9,10-13 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; razões
histórica teológicas; nota 3
19,11 3; delimitação do texto; critérios; ao longo do texto; 11,1-12,31 8; crítica da redação; critérios; omissões
ação 3; delimitação do texto; critérios; novo início; tempo e
23,9 (LXX) 5; análise lexicográfica; exemplo; oicórra espaço
25,22 1; tradução 11,2-12,25 8; crítica da redação; critérios; omissões
25,34 1; tradução 11,21 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; razões
26 6; gêneros literários do AT; tradição histórica; saga de teológicas; nota 3
um herói 12,1-4 6; gêneros literários do NT; evangelhos; parábola
31,1-13 6; crítica literária; exercícios 12,26-31 8; crítica da redação; critérios; abreviações da fonte
13.1 8; crítica da redação; exercícios
2 Samuel 14,17 7; crítica da tradição; tópoi; fórmula fixa
1,1-16 6; crítica literária; exercícios 14.24 8; crítica da redação; critérios; sumários
1,19-27 9; poética hebraica; nomenclatura; stanza 14,28 8; crítica da redação; critérios; sumários
2-4 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; razões 16.1 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; razões
teológicas teológicas; nota 3
2-4 8; crítica da redação; critérios; correções estilísticas 16,4 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; razões
2,8 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; razões teológicas; nota 3
teológicas 16,5-14 exercícios
2,10 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; razões 16.25 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; razões
teológicas teológicas; nota 3
2,12 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; razões 17,3 8; crítica da redação; LXX; mudanças interpretativas
teológicas 17,20 8; crítica da redação; LXX; mudanças interpretativas
2,15 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; razões 19,1a 9; poética hebraica; paralelismo; casos especiais; exer
teológicas cícios
3,8 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; razões 19,26 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; razões
teológicas teológicas; nota 3
464 465
19,31 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; razões 17,17-24 6; gêneros literários do AT; tradição histórica; lenda
teológicas; nota 3 pessoal
19,40 3; delimitação do texto; critérios; término; espaço 19,19-21 6; gêneros literários do NT; evangelhos; relato de vo
21-24 8; crítica da redação; critérios; relatos complementares cação
21,2 8; crítica da redação; critérios; explicações; referências 21.17- 29 8; Sitz in der Literatur, exercícios
históricas 21.17- 19 6; gêneros literários do AT; tradição profética; palavra
21,1-14 3; delimitação do texto; critérios; ao longo do texto; de desgraça
quiasmo 21,21 1; tradução
21,7 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; razões 22,13-28 7; crítica da tradição; exercícios
teológicas; nota 3
21,15-22 3; delimitação do texto; critérios; ao longo do texto; 2 Reis
quiasmo 2,3 (LXX) 5; análise lexicográfica; exemplo; ouóira
21,19 6; gêneros literários do AT; tradição histórica; saga de 2,5 (LXX) 5; análise lexicográfica; exemplo; olúto
um herói; nota 14 2,12 8; crítica da redação; critérios; transposições de textos
22 3; delimitação do texto; critérios; ao longo do texto; tradicionais
quiasmo 2,19-22 6; gêneros literários do AT; tradição histórica; lenda
22,16 (LXX) 5; análise lexicográfica; exemplo; ^ucupriaev pessoal
23,1-7 3; delimitação do texto; critérios; ao longo do texto; 2,23-24 6; gêneros literários do AT; tradição histórica; lenda
quiasmo pessoal
23,8-39 3; delimitação do texto; critérios; ao longo do texto; 4,1-7 exercícios
quiasmo 4,23 2; crítica textual; exercícios
24 4,38 3; delimitação do texto; critérios; novo início; tempo e
3; delimitação do texto; critérios; ao longo do texto;
quiasmo espaço
4,42-44 6; gêneros literários do AT; tradição histórica; lenda
1 Reis pessoal
4,42 3; delimitação do texto; critérios; novo início; tempo e
7,31 (LXX) 2; crítica textual do AT; mudanças inconscientes;
espaço
metátese
9,8 1; tradução
7,45 2; crítica textual do AT; mudanças inconscientes;
13,14-19 7; crítica da tradição; exercícios
metátese 8; crítica da redação; critérios; transposições dc textos
13,14
8,41-42 2; crítica textual; exercícios
tradicionais
10,25 3; delimitação do texto; critérios; término; tempo 13,17 6; gêneros literários do AT; cantos da vida cotidiana;
14,10 1; tradução bruxaria
14,19 8; crítica da redação; critérios; referências bibliográficas 7; crítica da tradição; exercícios
13,20-21
14,29 8; crítica da redação; critérios; referências bibliográficas 14,9 6; gêneros literários do NT; evangelhos; fábula
15,1-2 8; crítica da redação; critérios; explicações; referências 17,15 9; poética hebraica; casos especiais; exercícios; nota 7
históricas 20,4 2; edições críticas; BHS; massorah marginal; Qerê /
15,8 8; crítica da redação; critérios; explicações; referências Ketib
históricas
15,33-34 8; crítica da redação; critérios; explicações; referências 1 Crônicas
históricas 3,8 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; razões
16,11 1; tradução teológicas; nota 3
16,23-26 6; gêneros literários do AT; tradição histórica; narrativa 4,9-10 8; crítica da redação; critérios; ditos errantes
histórica 4,38-43 8; crítica da redação; critérios; ditos errantes
17,7-16 6; gêneros literários do AT; tradição histórica; lenda 6,63-64 2; crítica textual do AT; mudanças inconscientes;
pessoal paráblepsis
466 467
8,33 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; razões 2 Macabeus
teológicas 2Mc 6; gêneros literários do AT; tradição histórica; lenda
8,34 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; razões pessoal
teológicas; nota 3 9,8-10 7; crítica da tradição; exemplo; tema
9,39 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; razões
teológicas Jó
9,40a 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; razões Jó 7; crítica da tradição; tópoi; motivo
teológicas; nota 3 Jó 7; crítica da tradição; tópoi; tema e tese
9,40b 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; razões Jó 7; crítica da tradição; tópoi; esquema tradicional; nota 9
teológicas; nota 3 1-2 6; gêneros literários do AT; tradição histórica; novela
13 8; criticada redação; critérios; deslocamentos 2,9 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; razões
14,7 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; razões teológicas
teológicas; nota 3 2,9 8; crítica da redação; critérios; correções estilísticas
15,3-5 6; gêneros literários do NT; epístolas; confissões de fé 4,8 9; poética hebraica; procedimentos; enjambment
20.1- 3 8; crítica da redação; critérios; omissões 5,27 8; crítica da redação; LXX; adições
20.1- 3 8; crítica da redação; critérios; abreviações da fonte 6,1 3; delimitação do texto; critérios; novo início; introdu
20,5 6; gêneros literários do AT; tradição histórica; saga de ção ao discurso
um herói; nota 14 6,30 9; poética hebraica; procedimentos; questão retórica
8,1 3; delimitação do texto; critérios; novo início; introdu
29,29-30 8; crítica da redação; critérios; referências bibliográficas
ção ao discurso
8,3 9; poética hebraica; paralelismo; exercícios
2 Crônicas
9,8 7; crítica da tradição; exemplo; tema
6,32 2; crítica textual; exercícios
12,4 9; poética hebraica; procedimentos; hendíadis
13,22 10; leitura judaica; Ieitura-busca
13.7 9; poética hebraica; procedimentos; enjambment
24,27 10; leitura judaica; leitura-busca
18,5-21 6; gêneros literários do AT; tradição sapicncial; discurso
21.8 9; poética hebraica; nomenclatura; tricolon
Esdras
25 9; poética hebraica; nomenclatura; poema
7,11 8; crítica da redação; exercícios 26,12-13 7; crítica da tradição; exemplo; tema
28 6; gêneros literários do AT; tradição sapiencial; lista
Neemias enciclopédica
8,11 (LXX) 5; análise lexicográfica; exemplo; aitóra 28 9; exercícios
29,8 9; poética hebraica; procedimentos; merismo
Judite 38.8- 11 7; crítica da tradição; exemplo; tema
5,21 8; crítica da redação; LXX; mudanças teológicas 38,22-27 7; crítica da tradição; exemplo; tema
9,7 8; crítica da redação; LXX; mudanças teológicas 40,24-31 9; poética hebraica; procedimentos; questão retórica
42,7-17 6; gêneros literários do AT; tradição histórica; novela
Ester 42.9- 10 8; crítica da redação; LXX; mudanças teológicas
Est 10; leitura judaica; liturgia; leitura solene; Megillôt 42,11 8; crítica da redação; LXX; termos raros
4,2 8; crítica da redação; critérios; explicações; contextua-
lizações Salmos
8,12k.n 8; crítica da redação; LXX; atualizações históricas 1 5; segmentação do texto; exercícios
1 6; gêneros literários; exercícios
1 Macabeus 1 6; Sitz im Leben; exercícios
8,22 8; crítica da redação; critérios: referências bibliográficas 1 6; Sitz im Leben; catequese
9,48 5; análise estilística; elipse 1 7; crítica da tradição; tópoi; esquema tradicional
468 469
1,3 7; crítica da tradição; tópoi; imagem 9; poética hebraica; procedimentos; hendíadis
42,3
1,6 6; gêneros literários do AT; tradição sapiencial; parale 9; poética hebraica; procedimentos; hendíadis
42,5
lismo sintético 7; crítica da tradição; tópoi; fórmula fixa
46,8
2 9; exercícios
46.12 7; crítica da tradição; tópoi; fórmula fixa
5.10 9; poética hebraica; procedimentos; hipérbole
47 6; gêneros literários; exercícios
8 5; estruturação do texto; exercícios
47 6; Sitz im Leben; exercícios
8,2 3; delimitação do texto; critérios; coesão; inclusão
49[50],3 (LXX) 5; análise lexicográfica; exemplo; ouÓTra
8,2 6; gêneros literários do AT; cantos cultuais; hinos
50 6; Sitz im Leben; tribunal de justiça
8,3-9 6; gêneros literários do AT; cantos cultuais; hinos
50.13 9; poética hebraica; procedimentos; merismo
8.10 3; delimitação do texto; critérios; ao longo do texto;
51,17 10; leitura judaica; liturgia; preparar a oração
inclusão 53 6; crítica literária; exercícios
8,10 6; gêneros literários do AT; cantos cultuais; hinos 6; gêneros literários do AT; cantos cultuais; salmos de
54,3-4
9,5 (LXX) 5; análise lexicográfica; exemplo; éncTÍpriaev
súplica
14 6; crítica literária; exercícios 6; gêneros literários do AT; cantos cultuais; salmos de
54,5-7
15 6; Sitz im Leben; liturgia e culto; práticas cultuais
súplica
17,10 2; crítica textual do AT; mudanças inconscientes; ha- 6; gêneros literários do AT; cantos cultuais; salmos de
54,8-9
plografia súplica
17.15 (LXX) 5; análise lexicográfica; exemplo; eneupriaev 9; poética hebraica; paralelismo; casos especiais; aba-
57,2
18.3 7; crítica da tradição; tópov, imagem monocolon
18,34 7; crítica da tradição; tópov, imagem 58,11 7; crítica da tradição; tópoi; imagem
19,8-15 6; Sitz im Leben; catequese 9; poética hebraica; procedimentos; enjambment
59,8
19.15 10; leitura judaica; liturgia; preparar a oração 6; gêneros literários do AT; cantos cultuais; salmos de
60,3
23 7; crítica da tradição; exercícios súplica
23.4 7; crítica da tradição; tópov, fórmula fixa 60,4-7 6; gêneros literários do AT; cantos cultuais; salmos de
24 6; Sitz im Leben; liturgia c culto; práticas cultuais
súplica
28,8 2; crítica textual do AT; mudanças inconscientes; erro 60,8-10 6; gêneros literários do AT; cantos cultuais; salmos de
de ouvido súplica
29 9; poética hebraica; procedimentos; palavra-chave 60,11-14 6; gêneros literários do AT; cantos cultuais; salmos de
31,3 7; crítica da tradição; tópoi; imagem súplica
32,1-2 6; gêneros literários do AT; cantos cultuais; salmos ação 69,2-3 7; crítica da tradição; exemplo; tema
de graças 69,5 9; poética hebraica; procedimentos; hipérbole
32,3-5 6; gêneros literários do AT; cantos cultuais; salmos ação 7; crítica da tradição; exemplo; tema
69,15-16
de graças 69,18 9; poética hebraica; nomenclatura; hemistíquio
32.5 9; poética hebraica; procedimentos; enjambment
71,1-6 6; gêneros literários do AT; cantos cultuais; salmos de
32.6 7; crítica da tradição; exemplo; tema
súplica
32,6-7 6; gêneros literários do AT; cantos cultuais; salmos ação 71,7-21 6; gêneros literários do AT; cantos cultuais; salmos de
de graças súplica
33,4 9; poética hebraica; paralelismo; exercícios 71,22-24 6; gêneros literários do AT; cantos cultuais; salmos de
33,9 9; poética hebraica; nomenclatura; anacrusis súplica
34,18-19 9; poética hebraica; procedimentos; identificação tardia 73,22 7; crítica da tradição; tópoi; imagem
35,2-3 7; crítica da tradição; tópoi; imagem 74,13-14 7; crítica da tradição; exemplo; tema
36,12 9; poética hebraica; procedimentos; abstrato por concreto 78,25 8; crítica da redação; LXX; termos raros
37,28 9; poética hebraica; procedimentos; abstrato por concreto 78,56 9; poética hebraica; procedimentos; hendíadis
37,30 9; poética hebraica; paralelismo; anticongruência reflexiva 84,5 10; leitura judaica; liturgia; preparar a oração
42,2 7; crítica da tradição; tópoi; imagem 85,12 9; poética hebraica; paralelismo; anticongruência própria
470
471
88,2-3 6; gêneros literários do AT; cantos cultuais; salmos de 138,4-7 6; gêneros literários do AT; cantos cultuais; salmos ação
súplica de graças
88.4- 19 6; gêneros literários do AT; cantos cultuais; salmos de 138,8 6; gêneros literários do AT; cantos cultuais; salmos ação
súplica de graças
89.10- 14 7; crítica da tradição; exemplo; tema 144,2 7; critica da tradição; tópoi', imagem
89.10- 11 7; critica da tradição; exemplo; tema 144,15 10; leitura judaica; liturgia; preparar a oração
90 9; poética hebraica; procedimentos; palavra-chave 145-150 10; leitura judaica; liturgia; preparar a oração
92,13-15 7; crítica da tradição; tópoi', imagem 145 10; leitura judaica; liturgia; preparar a oração
95,5 9; poética hebraica; procedimentos; merismo 145.1- 2 6; gêneros literários do AT; cantos cultuais; hinos
98.5- 6 9; poética hebraica; procedimentos; merismo 145,3-20 6; gêneros literários do AT; cantos cultuais; hinos
103.1 9; poética hebraica; procedimentos; inclusão 145,21 6; gêneros literários do AT; cantos cultuais; hinos
103,22 9; poética hebraica; procedimentos; inclusão 146,6-9 9; poética hebraica; procedimentos; merismo
104 10; leitura judaica; liturgia; preparar a oração 146,10 9; poética hebraica; procedimentos; variante de lastro
147.1 6; gêneros literários do AT; cantos cultuais; hinos
104,4 7; crítica da tradição; exemplo; tema
9; poética hebraica; procedimentos; inclusão 147.2- 6 6; gêneros literários do AT; cantos cultuais; hinos
105,6
5; análise lexicogrâfica; exemplo; èneTÍpriaev 147,7 6; gêneros literários do AT; cantos cultuais; hinos
106[107],29 (LXX)
147,8-9 6; gêneros literários do AT; cantos cultuais; hinos
1061107],29 (Símaco) 5; análise lexicogrâfica; exemplo; palavras raras
147,12 6; gêneros literários do AT; cantos cultuais; hinos
107,16 9; poética hebraica; paralelismo; quiasmo
147,13-20ab 6; gêneros literários do AT; cantos cultuais; hinos
107.23- 32 6; gêneros literários; exemplo
147,20c 6; gêneros literários do AT; cantos cultuais; hinos
107.23- 30 7; crítica da tradição; exemplo; tema
150.1 9; poética hebraica; procedimentos; inclusão
108[ 1091,1 (LXX) 5; análise lexicogrâfica; exemplo; auátra
110.2 9; poética hebraica; procedimentos; identificação tardia
Provérbios
112 6; Sitz im Leben; catequese
1,8 6; gêneros literários do AT; tradição sapicncial; parale
113-118 10; leitura judaica; liturgia; prolongamento do ofício lismo sinonímico
114 9; poética hebraica; paralelismo; casos especiais; exer 9; poética hebraica; procedimentos; fórmula quebrada
1,11
cícios 1,20-33 6; gêneros literários do AT; tradição sapicncial; discurso
114.3-4 9; poética hebraica; procedimentos; ironia verbal 4,1-27 6; gêneros literários do AT; tradição sapicncial; discurso
114,5-6 9; poética hebraica; procedimentos; ironia verbal 4,24 6; gêneros literários do AT; tradição sapiencial; parale
115 5; análise estilística; exercícios lismo sinonímico
117.1 6; gêneros literários do AT; cantos cultuais; hinos 6,6-11 6; gêneros literários do AT; tradição sapiencial; elopéia
117,2ab 6; gêneros literários do AT; cantos cultuais; hinos 6,27-29 6; gêneros literários do AT; tradição sapiencial; ques
117,2c 6; gêneros literários do AT; cantos cultuais; hinos tões retóricas
118[119],21 (LXX) 5; análise lexicogrâfica; exemplo; ciroTL(rr|aev 7,3 9; poética hebraica; nomenclatura; bicolon
120-134 10; leitura judaica; liturgia; preparar a oração 7,6-27 6; gêneros literários do AT; tradição sapiencial; etopéia
124.1- 2 6; gêneros literários do AT; cantos cultuais; salmos ação 7,21 9; poética hebraica; paralelismo; exercícios
de graças 9,13-18 6; gêneros literários do AT; tradição sapiencial; discurso
124.3-7 6; gêneros literários do AT; cantos cultuais; salmos ação 10,1-2 6; gêneros literários do AT; tradição sapiencial; parale
de graças lismo antitético
124,8 6; gêneros literários do AT; cantos cultuais; salmos ação 10,1 8; critica da redação; critérios; títulos e subtítulos
de graças 10,24-25 7; critica da tradição; tópoi, esquema tradicional
129,4 9; poética hebraica; procedimentos; enjambment 10,26 6; gêneros literários do NT; evangelhos; comparação
133.2 7; crítica da tradição; tópoi; imagem 11,1 9; poética hebraica; procedimentos; fórmula quebrada
136 10; leitura judaica; liturgia; preparar a oração 11,18-21 7; crítica da tradição; tópoi', esquema tradicional
138.1- 3 6; gêneros literários do AT; cantos cultuais; salmos ação 11,19 6; gêneros literários do AT; tradição sapiencial; parale
de graças lismo antitético
472 473
13,7 6; gêneros literários do AT; tradição sapiencial; parale 10; leitura judaica; liturgia; leitura solene; Megillôt
Eel
lismo antitético 8; crítica da redação; critérios; títulos e subtítulos
1,1
13,15 8; crítica da redação; LXX; mudanças teológicas 9; poética hebraica; paralelismo; casos especiais; exer
1,2
14,21 6; gêneros literários do AT; tradição sapiencial; maca- cícios
rismos 9; poética hebraica; procedimentos; repetição
1.5
14,27 6; gêneros literários do AT; tradição sapiencial; parale 3; limites do texto
4.1- 5,8
lismo sintético 3; limites do texto
4.1- 16
15,13-14 8; crítica da redação; critérios; palavra-gancho
4.1- 12 3; limites do texto
15,16-17 8; crítica da redação; critérios; palavra-gancho
4.1- 3 3; limites do texto
16,8 6; gêneros literários do AT; tradição sapiencial; senten-
4,4-6 3; limites do texto
ças-tov 3; limites do texto
4.7- 12
16,20 6; gêneros literários do AT; tradição sapiencial; maca-
4.13- 16 3; limites do texto
rismos
4,17 3; limites do texto
16,31 6; gêneros literários do AT; tradição sapiencial; parale
4,17-5,6 3; limites do texto
lismo sintético
5,1 3; limites do texto
17,16 6; gêneros literários do AT; tradição sapiencial; ques
5.1- 20 3; limites do texto
tões retóricas
5.7- 8 3; limites do texto
17,26 9; poética hebraica; procedimentos; oxímoro
7.6 6; gêneros literários do NT; evangelhos; comparação
19,6 6; gêneros literários do AT; tradição sapiencial; parale
7.6 (LXX) 5; análise lexicográfica; exemplo; cttctÍpt|oêv
lismo sinonímico
7,26 10; leitura feminista, questão de gênero
20,7 6; gêneros literários do AT; tradição sapiencial; maca-
10,3 9; poética hebraica; procedimentos; ironia dramática
rismos
12.1- 7 5; análise sintática; exercícios
21,28 6; gcncros literários do AT; tradição sapiencial; parale
12.1- 7 5; análise estilística; exercícios
lismo sintético
12.1- 7 6; gêneros literários do NT; evangelhos; alegoria
22,12 9; poética hebraica; procedimentos; abstrato por concreto
12,8 9; poética hebraica; paralelismo; casos especiais; exer
22,17 9; poética hebraica; procedimentos; merismo
cícios; nota 7
23,29-35 6; gêneros literários do AT; tradição sapiencial; ctopéia
12,12b introdução
25,24 6; gêneros literários do AT; tradição sapiencial; senten-
12.13- 14 8; crítica da redação; critérios; explicações
ças-/ov
26,1-12 8; crítica da redação; critérios; palavra-gancho
Cântico dos Cânticos
26,1 6; gêneros literários do NT; evangelhos; comparação
Ct 9; exercícios
28,19 9; poética hebraica; procedimentos; oxímoro
Ct 10; leitura judaica; liturgia; leitura solene; Megillôt
30,15a 6; gêneros literários do AT; tradição sapiencial; núme
1,4b 9; poética hebraica; procedimentos; hipérbole
ro global
1,5-6 6; gêneros literários do AT; cantos da vida cotidiana;
30,18-19 6; gêneros literários do AT; tradição sapiencial; parale
amor
lismo dos números
1,8b 9; poética hebraica; procedimentos; hipérbole
31,1 8; crítica da redação; exercícios
1,9-11 6; gêneros literários do AT; cantos da vida cotidiana;
31,10-31 9; poética hebraica; nomenclatura; poema
amor
31,10a 6; gêneros literários do AT; tradição sapiencial; ques
2.4 6; gêneros literários do AT; cantos da vida cotidiana;
tões retóricas
amor
2,7 9; poética hebraica; procedimentos; refrão
Eclesiastes
2,15 9; poética hebraica; paralelismo; casos especiais; exer
Ecl 7; crítica da tradição; tópoi\ tema e tese
cícios
Ecl 7; crítica da tradição; lópoi', esquema tradicional; nota 9
3.5 9; poética hebraica; procedimentos; refrão
Ecl 9; poética hebraica; paralelismo; casos especiais; exer
4,1-7 6; gêneros literários do AT; cantos da vida cotidiana;
cícios; nota 7
amor; wasf
474
475
5,8 9; poética hebraica; procedimentos; refrão 7,4 7; crítica da tradição; exemplo; esquema tradicional
5,10-16 6; gêneros literários do AT; cantos da vida cotidiana; 7,10-17 7; crítica da tradição; exemplo; esquema tradicional
amor; wasf 7,14 2; edições críticas; BHS; aparato crítico
7,1-7 6; gêneros literários do AT; cantos da vida cotidiana; 8,1-4 6; gêneros literários do AT; tradição profética; ação
amor; wasf simbólica
9,3 9; poética hebraica; procedimentos; alusão
Sabedoria 9.11 8; crítica da redação; LXX; atualizações históricas
5,23 8; crítica da redação; LXX; mudanças teológicas 9.11 9; poética hebraica; procedimentos; refrão
9.13 8; crítica da redação; LXX; mudanças interpretativas
Eclesiástico 9,16 9; poética hebraica; procedimentos; refrão
2,10 6; gêneros literários do AT; tradição sapiencial; ques 9,20 9; poética hebraica; procedimentos; refrão
tões retóricas 10,4 9; poética hebraica; procedimentos; refrão
9,1-13 10; leitura feminista, questão de gênero 10,4a 9; poética hebraica; procedimentos; merismo
11,7 5; análise lexicográfica; exemplo; ctcuptiosv 10.9 9; poética hebraica; procedimentos; questão retórica
13,1 6; gêneros literários do AT; tradição sapiencial; parale 10,15 9; poética hebraica; procedimentos; questão retórica
lismo sinonímico 11.1- 5 6; crítica literária; critérios; estilos diversos
21,3 8; crítica da redação; LXX; mudanças teológicas 11, 6-8 6; crítica literária; critérios; estilos diversos
22,14 6; gêneros literários do AT; tradição sapiencial; ques 11.9 6; crítica literária; critérios; estilos diversos
tões retóricas 11.10 6; crítica literária; critérios; estilos diversos
24,23 8; crítica da redação; LXX; mudanças teológicas 11,11-16 6; crítica literária; critérios; estilos diversos
25,1 6; gêneros literários do AT; tradição sapiencial; núme 20 6; gêneros literários do AT; tradição profética; ação
ro global simbólica
25,2 6; gêneros literários do AT; tradição sapiencial; núme 21. 1- 10 exercícios
ro global 21,1 3; delimitação do texto; critérios; novo início; título
25,7-11 6; gêneros literários do AT; tradição sapiencial; parale 21.11 3; delimitação do texto; critérios; novo início; título
lismo dos números 21.13 3; delimitação do texto; critérios; novo início; título
25,24 10; leitura feminista, questão de gênero 22,22 9; poética hebraica; paralelismo; exercícios
26,5-6 6; gêneros literários do AT; tradição sapiencial; parale 26,3-4 2; crítica textual do AT; mudanças inconscientes; ha-
lismo dos números plografia
41.17- 42,8 6; Sitz im Lebeiv, catequese 27,2-3 9; poética hebraica; procedimentos; fórmula quebrada
41.17- 42,8 6; gêneros literários do AT; tradição sapiencial; lista 27.12 8; crítica da redação; LXX; adaptações midráshicas
enciclopédica 28,10 9; poética hebraica; procedimentos; repetição
29.9 9; poética hebraica; procedimentos; inclusão
Isaías 30,7 9; poética hebraica; casos especiais; exercícios; nota 7
1,2-3 37,38 8; crítica da redação; LXX; atualizações históricas
1,10-20 38.9 8; crítica da redação; critérios; títulos e subtítulos
6; Sitz im Lebetv, tribunal de justiça
3,25 38,18 9; poética hebraica; procedimentos; elipse
9; poética hebraica; procedimentos; abstrato por con
40.1- 8 5; segmentação do texto; exercícios
creto
40.1- 8 9; exercícios
5,1-7 6; gêneros literários do NT; evangelhos; parábola
40,6e 6; crítica literária; critérios; duplicações
5,2 9; poética hebraica; procedimentos; variante de lastro
40,7d 6; crítica literária; critérios; duplicações
5,7b 9; poética hebraica; paralelismo; exercícios 40.12 2; crítica textual do AT; mudanças inconscientes; dito-
5,8 2; crítica textual; exercícios
grafia
6,10 3; delimitação do texto; critérios; ao longo do texto; 41,4 9; poética hebraica; procedimentos; merismo
quiasmo 41,8-12 6; gêneros literários do AT; tradição profética; palavra
7,2 7; crítica da tradição; exemplo; esquema tradicional de salvação
476 477
42.13 8; crítica da redação; LXX; mudanças teológicas 22,19 9; poética hebraica; procedimentos; oxímoro
42.14 (LXX) 5; análise lexicográfica; exemplo; cruóira 26-28 7; crítica da tradição; tópoi; motivo
43,2 7; crítica da tradição; exemplo; tema 28,13-14 6; gêneros literários do AT; tradição profética; palavra
44.1- 5 6; gêneros literários do AT; tradição profética; palavra de desgraça
de salvação 29,27 5; análise lexicográfica; exemplo; èneupTiaev
45.1- 7 exercícios 30,7 7; crítica da tradição; tópoi; concepção
45.7 10; leiturajudaica; liturgia; oração 32,6-15 6; gêneros literários do AT; tradição profética; ação
49,12 8; crítica da redação; LXX; atualizações históricas simbólica
51,9-10 7; crítica da tradição; exemplo; tema 36-45 7; crítica da tradição; tópoi; motivo
51.17 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; glosa 46,1 8; crítica da redação; critérios; títulos e subtítulos
51,22 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; glosa 51,27 9; poética hebraica; paralelismo; paralelismo
52.1 9; poética hebraica; procedimentos; repetição 51,31 9; poética hebraica; paralelismo; casos especiais; pivô
53,4-5a 3; delimitação do texto; critérios; ao longo do texto;
quiasmo Lamentações
56.7 7; criticada tradição; tópoi; concepção Lm 10; leiturajudaica; liturgia; leitura solene; Megillôt
62.1 (LXX) 5; análise lexicográfica; exemplo; aLtómx 1,7 9; poética hebraica; procedimentos; enjambment
62.6 (LXX) 5; análise lexicográfica; exemplo; muira
63,9 8; crítica da redação; LXX; mudanças teológicas Ezequiel
64,11 (LXX) 5; análise lexicográfica; exemplo; c h u t o 4,1-5,6 6; gêneros literários do AT; tradição prolética; ação
66,7-9 9; poética hebraica; procedimentos; questão retórica simbólica
13,18 (LXX) 5; análise lexicográfica; exemplo; palavras raras
Jeremias 13,20 (LXX) 5; análise lexicográfica; exemplo; palavras raras
1.17 7; crítica da tradição; exemplo; esquema tradicional 17,27 9; poética hebraica; procedimentos; merismo
2,5 9; poética hebraica; casos especiais; exercícios; nota 7 24,3-13 9; poética hebraica; procedimentos; palavra-chave
2.14 9; poética hebraica; procedimentos; questão retórica 32,13 9; poética hebraica; paralelismo; casos especiais; exer
2,31 9; poética hebraica; procedimentos; questão retórica cícios
4,19 (LXX) 5; análise lexicográfica; exemplo; cjuóto 37,1-14 5; estruturação do texto; exercícios
5.21 9; poética hebraica; procedimentos; inclusão 37,15-19 6; gêneros literários do AT; tradição prolética; ação
5.22 7; crítica da tradição; exemplo; terna simbólica
5,30-31 9; poética hebraica; procedimentos; identificação tardia 39,11 5; análise lexicográfica; exemplo; TTecj)í|i(.>ao
7.1- 15 7; crítica da tradição; tópoi', concepção
7,12 8; crítica da redação; critérios; indicações geográficas e Daniel
topográficas 1-6 6; gêneros literários do AT; tradição histórica; lenda
9,17-21 9; poética hebraica; nomenclatura; poema pessoal
10-lla 6; gêneros literários do AT; tradição profética; ação 9,27 8; crítica da redação; critérios; cumprimentos do AT
simbólica 11.30 8; crítica da redação; LXX; atualizações históricas
10,25 2; crítica textual do AT; mudanças conscientes; glosa 11.31 8; crítica da redação; critérios; cumprimentos do AT
13.1- 11 6; gêneros literários do AT; tradição profética; ação
simbólica Oséias
14.6 9; poética hebraica; procedimentos; ironia dramática Os 6; Sitz ini Leben; tribunal de justiça
17.14 10; leiturajudaica; liturgia; oração 1 6; gêneros literários do AT; tradição profética; ação
19.1- 2a 6; gêneros literários do AT; tradição profética; ação simbólica
simbólica 3 6; gêneros literários do AT; tradição profética; ação
20,11 7; crítica da tradição; tópoi', fórmula fixa simbólica
22,10 9; poética hebraica; procedimentos; elipse 4,3 9; poética hebraica; procedimentos; merismo
478 479
4,6 9; poética hebraica; nomenclatura; monocolon Jonas
¥ 9; poética hebraica; nomenclatura; monocolon 1 6; Sitz im Lebeir, exemplo
4.9 9; poética hebraica; nomenclatura; monocolon 1,3 6; Sitz im Lebeir, exemplo; nota 43
4.10 9; poética hebraica; nomenclatura; monocolon 1.4- 16 (TM) 6; gêneros literários; exemplo
4.11 9; poética hebraica; nomenclatura; monocolon 1.4- 16 (LXX) 6; gêneros literários; exemplo
4.13 9; poética hebraica; procedimentos; variante de lastro 1,5 6; Sitz im Lebeir, exemplo; nota 42
5.1 3; delimitação do texto; critérios; novo início; vocativo 1,9 6; Sitz im Lebeir, exemplo; nota 42
5.2 8; crítica da redação; LXX; mudanças teológicas
5,8 9; poética hebraica; procedimentos; elipse Miquéias
2,6 9; poética hebraica; procedimentos; ironia verbal
6.4 9; poética hebraica; nomenclatura; colon
2,11 9; poética hebraica; procedimentos; ironia verbal
7,15 9; poética hebraica; procedimentos; hendíadis
7,1b 9; poética hebraica; procedimentos; elipse
8.13 8; crítica da redação; LXX; atualizações históricas
7,3 9; poética hebraica; procedimentos; alusão
10,1 9; poética hebraica; procedimentos; oxímoro
10.11 5; análise lexicográfica; exemplo; oiúira; nota 21 Habacuc
10.13 5; análise lexicográfica; exemplo; o l g Í ttoc; nota 2 1 3,18 9; poética hebraica; paralelismo; exercícios
12,12 9; poética hebraica; procedimentos; hipérbole
12,12 9; poética hebraica; procedimentos; oxímoro Sofonias
14,10 8; crítica da redação; critérios; explicações 1,2-2,3 7; crítica da tradição; tópoi, concepção
1,3 9; poética hebraica; procedimentos; alusão
Joel
J1 7; crítica da tradição; tópoi; concepção Zacarias
1.2 9; poética hebraica; procedimentos; questão retórica 2,1-4 5; análise lexicográfica; exercícios
1.13 3; delimitação do texto; critérios; novo início; vocativo 3.2 5; análise lexicográfica; exemplo; eireupriaev
3.2 (LXX) 5; análise lexicográfica; exemplo; ciKU|ir)aev
Amós
Am 6; Sitz im Lebeir, tribunal de justiça Malaquias
1-2 8; Sitz in der Literatur, exercícios 2,3 5; análise lexicográfica; exemplo; cTrcrípriocu
1.3- 5 6; gêneros literários do AT; tradição profética; palavra 3,11 5; análise lexicográfica; exemplo; èirmpriacr'
de desgraça
1,3 3; delimitação do texto; critérios; ao longo do texto;
NOVO TESTAMENTO
inclusão
1.5 3; delimitação do texto; critérios; ao longo do texto;
Mateus
inclusão
1,20 7; crítica da tradição; exemplo; esquema tradicional
1, 6-8 6; gêneros literários do AT; tradição profética; palavra 1,22-23 8; crítica da redação; critérios; cumprimentos do AT
de desgraça 3; delimitação do texto; critérios; novo início; tempo c
2,1
3.3- 6 9; poética hebraica; procedimentos; questão retórica espaço
4,1-3 6; gêneros literários do AT; tradição profética; palavra 2.15 8; crítica da redação; critérios; cumprimentos do AT
de desgraça 2.15 6; Sitz im Lebeir, polêmica e apologia
4.4- 5 9; poética hebraica; procedimentos; ironia verbal 2,17-18 8; crítica da redação; critérios; cumprimentos do AT
5,18-20 7; crítica da tradição; tópoi, concepção 3,13-17 8; crítica da redação; critérios; deslocamentos
6,12 5; análise lexicográfica; exemplo; oiuira; nota 21 4,1-11 8; crítica da redação; critérios; deslocamentos
7,16-17 6; gêneros literários do AT; tradição profética; palavra 4,1 3; delimitação do texto; critérios; novo início; tempo e
de desgraça espaço
480 481
5-7 6; Sitz im Leben; catequese 14.22 5; análise estilística; elipse
5,1 8; crítica da redação; critérios; indicações geográficas e 14,32 5; análise lexicográfica; exemplo; palavras raras
topográficas 15,6 2; crítica textual; exercícios
5,3 3; delimitação do texto; critérios; ao longo do texto; 15.29 8; crítica da redação; critérios; indicações geográficas e
inclusão topográficas
5,3-12 7; crítica da tradição; exercícios 16,5 5; análise estilística; elipse
5,10 3; delimitação do texto; critérios; ao longo do texto; 16,20 5; análise lexicográfica; exemplo; cTTETÍprioev
inclusão 16,22-23 8; crítica da redação; critérios; omissões
5,15 8; crítica da redação; critérios; transposições de imagem 16.22 5; análise lexicográfica; exemplo; eirexippaev
5,17 6; gêneros literários do NT; evangelhos; ditos “eu” 17.18 5; análise lexicográfica; exemplo; èireupr|aev
5,20-48 10; leitura judaica; leitura busca; Haggadah e Halakah; 17.19 3; delimitação do texto; critérios; término; actantes
nota 25 17.20 7; crítica da tradição; exemplo; esquema tradicional
6.12- 13 11; leitura sócio-anlropológica; por quê? nota 10 18.15 5; análise lexicográfica; exemplo; eTTctippoev
6,12 11; leitura sócio-antropológica; por quê? 19.30 8; crítica da redação; critérios; ditos errantes
6,13 11; leitura sócio-antropológica; por quê? 20.16 8; crítica da redação; critérios; ditos errantes
7.13- 14 7; crítica da tradição: tópoi; esquema tradicional 21, 21-22 7; crítica da tradição; exemplo; esquema tradicional
7,24-27 8; crítica da redação; critérios; transposições dc imagem 22 , 1-10 8; criticada redação; critérios; ditos errantes
8,5 3; delimitação do texto: critérios; novo início; tempo e 22,11-13 8; crítica da redação; critérios; ditos errantes
espaço 22,12 5; análise lexicográfica; exemplo; ireijítptooo
8,5-13 8; Sitz in der Literatur, exercícios 22,34 5; análise lexicográfica; exemplo; Trccjúpuao
8,18 5; análise estilística; elipse 24,15 8; crítica da redação; critérios; cumprimentos do AT
8,23-27 10; leitura popular; exemplo 26,6-13 exercícios
8.25 10; leitura popular; exemplo 26.30 10; leitura judaica; liturgia; prolongamento do ofício
8.26 10; leitura popular; exemplo 26,60-61 8; crítica da redação; critérios; transposições de textos
8,28 5; análise estilística; elipse tradicionais
8,28-34 8; crítica da redação; critérios; abreviações da fonte 27,19 8; crítica da redação; critérios; relatos complementares
9,8 3; delimitação do texto; critérios; término; funções ter
minais Marcos
9,14 8; crítica da redação; critérios; conexões hermenêuticas 1 exercícios
10,4-5 3; delimitação do texto; critérios; novo início; alternân 1,1 6; gêneros literários; exemplo
cia de estilos 1,1 8; crítica da redação; critérios; títulos c subtítulos
10,34 6; gêneros literários do NT; evangelhos; ditos “eu” 1,1 8; Sitz in der Literatur, exemplo; escopo
11, 1-2 3; delimitação do texto; critérios; novo início; alternân 8; Sitz in der Literatur, exemplo; plano; Rodriguez
cia de estilos Carmona
11,18-19 6; gêneros literários do NT; evangelhos; ditos "eu” 1.1- 13 8; Sitz in der Literatur, exemplo; plano; Rodriguez
11,20-24 exercícios Carmona
11,20 8; crítica da redação; critérios; conexões hermenêuticas 1.1- 13 8; Sitz in der Literatur, exemplo; plano; Lane
11,25 8; crítica da redação; critérios; conexões hermenêuticas 1.1- 15 8; Sitz in der Literatur; exemplo; plano; Harrington
12,1 8; crítica da redação; critérios; conexões hermenêuticas 1.1- 15 8; Sitz in der Literatur; exemplo; plano; Gnilka
12,16 5; análise lexicográfica; exemplo; siTCTLprioev 1.9- 11 8; crítica da redação; critérios; deslocamentos
13,3-9 6; gêneros literários do NT; evangelhos; comparação 1.9- 11 6; Sitz im Leben; liturgia e culto; práticas cultuais
13,24-30 6; gêneros literários do NT; evangelhos; alegoria 1,11-3,6 8; Sitz in der Literatur; exemplo; plano; Achtmeier
13,31-32 8; crítica da redação; critérios; abreviações da fonte 1,13 5; análise sintática; exemplo
13,36-43 6; gêneros literários do NT; evangelhos; alegoria 1.14- 15 8; Sitz in der Literatur; exemplo; plano; Lane
13,52 conclusão 1.14- 3,6 8; Sitz in der Literatur; exemplo; plano; Lane
482 483
1,14-3,6 8; Sitz in der Literatur, exemplo; piano; Rodriguez 3,5b-6 3; delimitação do texto; critérios; ao longo do texto;
Carmona intercalações
1,14-8,30 8; Sitz in der Literatur; exemplo; piano; Rodriguez 3.7- 6,13 8; Sitz in der Literatur; exemplo; plano; Lane
Carmona 3.7- 6,6 8; Sitz in der Literatur; exemplo; plano; Achtmeier
1,15 6; gêneros literários do NT; evangelhos; ditos proféticos 3.7- 6,6a 8; Sitz in der Literatur; exemplo; plano; Rodriguez
1,16-18 6; gêneros literários do NT; evangelhos; relato de vocação Carmona
1.16- 3,12 8; Sitz in der Literatur; exemplo; plano; Gnilka 3.7- 6,6a 8; Sitz in der Literatur; exemplo; plano; Harrington
1.16- 3,6 8; Sitz in der Literatur; exemplo; plano; Harrington 3.7- 19 8; Sitz in der Literatur; exemplo; plano; Achtmeier
1,19-20 6; gêneros literários do NT; evangelhos; relato de vocação 3.7- 19a 8; Sitz in der Literatur; exemplo; plano; Harrington
1,21-28 6; Sitz im Leben; pregação missionária 3.7- 12 8; Sitz in der Literatur; exemplo; plano; Lane
1.23- 27 6; gêneros literários do NT; evangelhos; relato de milagre 3.7- 12 8; Sitz in der Literatur; exemplo; plano; Rodriguez
1.23- 27 6; gêneros literários; exemplo Carmona
1.25 5; análise lexicográfica; exemplo; èireupTiaev 3.7- 12 8; Sitz in der Literatur; exemplo; contexto imediato;
1.25 5; análise lexicográfica; exemplo; irc4>ipuoo nota 25
1.25 8; crítica da redação; critérios; Leitmotive 3,9 8; Sitz in der Literatur; exemplo; contexto remoto
1.27 1; crítica da tradição; exemplo; tema 3,12 5; análise lexicográfica; exemplo; ciTcupriaev
1.27 8; Sitz in der Literatur; exemplo; contexto remoto 3.13- 19 8; Sitz in der Literatur; exemplo; plano; Gnilka
1,29-31 6; gêneros literários do NT; evangelhos; relato de milagre 3.13- 19 8; Sitz in der Literatur; exemplo; plano; Rodriguez
1,34 8; crítica da redação; critérios; sumários Carmona
1.38 8; Sitz in der Literatur; exemplo; contexto remoto 3.13- 19a 8; Sitz in der Literatur; exemplo; plano; Lane
1.39 3; delimitação do texto; critérios; termino; espaço 3.13- 6,6a 8; Sitz in der Literatur; exemplo; plano; Gnilka
1.40- 45 6; gêneros literários do NT; evangelhos; relato de milagre 3,19h-35 8; Sitz in der Literatur; exemplo; plano; Harrington
1.40- 45 8; Sitz in der Literatur; exemplo; contexto remoto 3,19b-35 8; Sitz in der Literatur; exemplo; plano; Lane
1.40-41 8; Sitz in der Literatur; exemplo; contexto remoto; nota 26 3.20- 35 8; Sitz in der Literatur; exemplo; plano; Gnilka
1,43-45 8; crítica da redação; critérios; Leitmotive 3.20- 35 8; Sitz in der Literatur; exemplo; plano; Rodriguez
1,45 3; delimitação do texto; critérios; término; actantes Carmona
, 1-12
to to
6; crítica literária; critérios; elementos atípicos 3.20- 35 8; Sitz in der Literatur; exemplo; plano; Achtmeier
,1 8; crítica da redação; critérios; indicações geográficas e 3.20- 24 7; crítica da tradição; exemplo; tema
topográficas 3,21 3; delimitação do texto; critérios; ao longo do texto;
,4
ro to jo jo to to to to
484 485
4.1 6; crítica literária; exemplo 5.1 8; Sitz in der Literatur; exemplo; contexto imediato
4.1 8; Sitz in der Literatur, exemplo; contexto remoto 5.2 3; delimitação do texto; exemplo
4.2 6; crítica literária; exemplo 5.3 8; Sitz in der Literatur, exemplo; contexto imediato
4,3-9 8; crítica da redação; critérios; ditos tradicionais 5.4 8; Sitz in der Literatur, exemplo; contexto imediato
4.10- 20(25) 6; crítica literária; exemplo 5.5 5; análise sintática; exemplo
4.10- 12 8; Sitz in der Literatur, exemplo; plano; Gnilka 5.5 8; Sitz in der Literatur, exemplo; contexto imediato
4.10 6; crítica literária; exemplo 5,11 5; análise sintática; exemplo
4.10 8; crítica da redação; critérios; ditos tradicionais 5.13 8; Sitz in der Literatur, exemplo; contexto imediato
4.11- 12 8; crítica da redação; critérios; ditos tradicionais 5.14 8; Sitz in der Literatur, exemplo; contexto imediato
4.13- 20 8; Sitz in der Literatur, exemplo; plano; Gnilka 5.21- 43 8; crítica da redação; exemplo; nota 10
4.13- 20 8; crítica da redação; critérios; ditos tradicionais 5.21- 43 8; Sitz in der Literatur, exemplo; plano; Harrington
4.13 6; crítica literária; exemplo 5.21- 43 8; Sitz in der Literatur, exemplo; plano; Gnilka
4.13 8; crítica da redação; exemplo 5.21- 24 3; delimitação do texto; critérios; ao longo do texto;
4.13 8; Sitz in der Literatur, exemplo; contexto remoto intercalações
4,21-25 8; Sitz in der Literatur, exemplo; plano; Gnilka 5.21- 24 6; gêneros literários do NT; evangelhos; relato de milagre
4.21 6; crítica literária; exemplo 5.21- 24 8; Sitz in der Literatur, exemplo; plano
4.21 8; crítica da redação; critérios; transposições de imagem 5.21- 24 8; Sitz in der Literatur, exemplo; plano; Lane
4,26-29 8; Sitz in der Literatur, exemplo; plano; Gnilka 5.21- 24 8; Sitz in der Literatur, exemplo; contexto remoto
4,26 6; crítica literária; exemplo 5.21 5; análise estilística; elipse
4.30- 32 8; crítica da redação; critérios; abreviações da íonte 5.21 6; crítica literária; exemplo
4.30- 32 8; Sitz in der Literatur, exemplo; plano; Gnilka 5.21 8; crítica da redação; exemplo
4.33- 34 6; crítica literária; exemplo 5.25- 34 3; delimitação do texto; critérios; ao longo do texto;
4.33- 34 8; crítica da redação; critérios; sumários intercalações
4.33- 34 8; Sitz in der Literatur, exemplo; plano; Gnilka 5.25- 34 8; Sitz in der Literatur, exemplo; plano
4.33- 34 8; Sitz in der Literatur, exemplo; contexto imediato 5.25- 34 8; Sitz in der Literatur, exemplo; plano; Lane
4.33- 34 8; Sitz in der Literatur, exemplo; contexto remoto 5.25- 34 8; Sitz in der Literatur, exemplo; contexto remoto
4.35- 5,43 5.35- 43 3; delimitação do texto; critérios; ao longo do texto;
8; Sitz in der Literatur, exemplo; contexto imediato
4.35- 5,43 intercalações
8; Sitz in der Literatur, exemplo; contexto remoto
4.35- 5,43 5.35-43 6; gêneros literários do NT; evangelhos; relato de milagre
8; Sitz in der Literatur, exemplo; plano; Achtmeier
4.35- 5,43 5.35- 43 8; Sitz in der Literatur, exemplo; plano
8; Sitz in der Literatur, exemplo; plano; Lane
5.35- 43 8; Sitz in der Literatur, exemplo; plano; Lane
4.35- 5,43 8; Sitz in der Literatur, exemplo; plano; Rodriguez
5.35- 43 8; Sitz in der Literatur, exemplo; contexto remoto
Carmona
5.35- 42 8; Sitz in der Literatur, exemplo; contexto remoto
4.35- 5,43 8; Sitz in der Literatur, exemplo; plano; Harrington
5.36 7; crítica da tradição; exemplo; esquema tradicional
4.35-5,1 8; crítica da redação; exemplo
5.36 7; crítica da tradição; exemplo; esquema tradicional
4,37-41 6; gêneros literários do NT; evangelhos; relato dc milagre 5,41 8; crítica da redação; critérios; explicações; contextua-
5.1- 23 8; Sitz in der Literatur, exemplo; plano lizações
5.1- 20 6; gêneros literários do NT; evangelhos; relato de milagre 6 , 1-6 8; Sitz in der Literatur, exemplo; plano; Achtmeier
5.1- 20 8; crítica da redação; critérios; abreviações da fonte 6.1- 6a 8; Sitz in der Literatur, exemplo; plano; Gnilka
5.1- 20 8; Sitz in der Literatur, exemplo; contexto remoto 8; Sitz in der Literatur, exemplo; plano; Harrington
6.1- 6a
5.1- 20 8; Sitz in der Literatur, exemplo; plano; Lane 6.1- 6a 8; Sitz in der Literatur, exemplo; plano; Lane
5.1- 20 8; Sitz in der Literatur, exemplo; plano; Gnilka 6.1- 6a 8; Sitz in der Literatur, exemplo; plano; Rodriguez
5.1- 20 8; Sitz in der Literatur, exemplo; plano; Harrington Carmona
5.1 3; delimitação do texto; exemplo 6.2-3 7; crítica da tradição; exemplo; tema
5.1 5; análise estilística; elipse 6,6b-8,30 8; Sitz in der Literatur, exemplo; plano; Rodriguez
5.1 6; crítica literária; exemplo Carmona
486 487
6,6b-8,26 8; Sitz in der Lileratur, exemplo; plano; Gnilka 8,27 8; crítica da redação; critérios; indicações geográficas e
6,6b-8,21 8; Sitz in der Lileratur, exemplo; plano; Harrington topográficas
6,6b-13 8; Sitz in der Literatur, exemplo; plano; Lane 8.27- 10,45 8; Sitz in der Literatur; exemplo; plano; Gnilka
6,6b 8; crítica da redação; critérios; conexões hermenêuticas 8.27- 30 8; Sitz in der Literatur; exemplo; plano; Rodriguez
6,7-8,21 8; Sitz in der Literatur, exemplo; plano; Achtmeier Carmona
6,14-8,30 8; Sitz in der Literatur, exemplo; plano; Lane 8,27-29 7; crítica da tradição; exemplo; tema
6,17-29 8; crítica da redação; exemplo; nota 10 8.29 8; Sitz in der Literatur; exemplo; contexto remoto
6,14 8; crítica da redação; critérios; conexões hermenêuticas 8.30 5; análise lexicográfica; exemplo; éireiípriaev
6,17 3; delimitação do texto; critérios; ao longo do texto; ação 8.30 8; crítica da redação; critérios; Leitmotive
6,30-44 6; gêneros literários do NT; evangelhos; relato de milagre 8,31-16,8 8; Sitz in der Literatur; exemplo; plano; Rodriguez
6.45- 53 8; crítica da redação; exemplo Carmona
6.45- 52 7; crítica da tradição; exemplo; esquema tradicional 8,31-10,52 8; Sitz in der Literatur; exemplo; plano; Rodriguez
6.45- 52 8; Sitz in der Literatur, exemplo; contexto remoto Carmona
6.45 5; análise estilística; elipse 8.31- 10,52 8; Sitz in der Literatur; exemplo; plano; Lane
6.45 6; crítica literária; exemplo 8.31- 33 8; crítica da redação; critérios; Leitmotive
6,51 5; análise lexicográfica; exemplo; palavras raras 8.31 6; gêneros literários do NT; evangelhos; ditos “eu”
6,53-56 8; Sitz in der Literatur; exemplo; contexto imediato; 8.31 6; Sitz im Leben; polêmica e apologia
nota 25 8.32 5; análise lexicográfica; exemplo; CTrcupr|aev
7,1-23 6; gêneros literários do NT; evangelhos; controvérsia 8.32- 33 8; crítica da redação; critérios; omissões
7,1 3; delimitação do texto; critérios; novo início; tempo e 8.32- 33 8; crítica da redação; exemplo
espaço 8.32- 33 8; Sitz in der Literatur; exemplo; contexto remoto
7,2b-4 8; crítica da redação; critérios; explicações; contextua- 8.33 5; análise lexicográfica; exemplo; circupr|acv
lizaçõcs 8,34ss 11; leitura sócio-antropológica; cristianismo primitivo
7,3-4 6; crítica literária; critérios; fraturas c NT
7,5 7; crítica da tradição; exemplo; tema 8,38 6; gêneros literários do NT; evangelhos; ditos “eu”
7.18 8; crítica da redação; exemplo 9.1 6; gêneros literários do NT; evangelhos; ditos proféticos
7.18 8; Sitz in der Literatur, exemplo; contexto remoto 9.2 8; crítica da redação; moldura
7.21- 22 6; gêneros literários do NT; epístolas; catálogos de vícios 9,14-29 6; gêneros literários do NT; evangelhos; relato de milagre
7,24-30 7; crítica da tradição; exercícios 9.19 8; crítica da redação; exemplo
7,31-36 8; Sitz in der Literatur, exemplo; contexto remoto 9.19 8; Sitz in der Literatur; exemplo; contexto remoto
7,36 8; crítica da redação; critérios; Leitmotive 9,23 7; crítica da tradição; exemplo; esquema tradicional
8,10 8; crítica da redação; exemplo 9,25 5; análise lexicográfica; exemplo; èneTLprioev
8, 11-12 11; leitura sócio-antropológica; cristianismo primitivo 9,28 3; delimitação do texto; critérios; término; actantes
eN T 9,30-37 8; crítica da redação; critérios; Leitmotive
8.13 3; delimitação do texto; critérios; término; funções de 9.41 6; gêneros literários do NT; evangelhos; ditos proféticos
partida 9.42 2; crítica textual; exercícios
8.13 5; análise estilística; elipse 9.42 8; crítica da redação; critérios; palavra-gancho
8.13 6; crítica literária; exemplo 9,43-48 8; crítica da redação; critérios; palavra-gancho
8.13 8; crítica da redação; exemplo 9,49 8; crítica da redação; critérios; palavra-gancho
8,16-21 7; crítica da tradição; exemplo; tema 9,50a 8; crítica da redação; critérios; palavra-gancho
8.17- 21 8; crítica da redação; exemplo 9,50b 8; crítica da redação; critérios; palavra-gancho
8.17- 21 8; Sitz in der Literatur, exemplo; contexto remoto 10,2-12 6; gêneros literários do NT; evangelhos; controvérsia
8.22- 10,52 8; Sitz in der Lileratur; exemplo; plano; Achtmeier 10,13 5; análise lexicográfica; exemplo; cirmpTiaev
8.22- 10,52 8; Sitz in der Literatur; exemplo; plano; Harrington 10,15 6; gêneros literários do NT; evangelhos; ditos proféticos
8,22 8; crítica da redação; exemplo 10,29-30 6; gêneros literários do NT; evangelhos; ditos proféticos
488 489
10.31 8; crítica da redação; critérios; ditos errantes 16,6 11; leitura sócio-antropológica; cristianismo primitivo
10,32-45 8; crítica da redação; critérios; Leitmotive eNT
10.32 5; análise sintática; exemplo 16,8 8; Sitz in der Literatur, exemplo; escopo
10,46-13,37 8; Sitz in der Literatur, exemplo; plano; Gnilka 16,9-20 5; estruturação do texto; exercícios
11-13 8; Sitz in der Literatur; exemplo; plano; Rodriguez 16.14 8; crítica da redação; exemplo
Carmona 16.14 8; Sitz in der Literatur, exemplo; contexto remoto
11.1- 13,37 8; Sitz in der Literatur, exemplo; plano; Harrington 16,17 7; crítica da tradição; exemplo; esquema tradicional
11.1- 13,37 8; Sitz in der Literatur, exemplo; plano; Lane
11.1- 16,8 8; Sitz in der Literatur, exemplo; plano; Achtmeier Lucas
11,1 8; crítica da redação; critérios; correções estilísticas 1,5-25 7; crítica da tradição; tópoi', motivo
11,12-14 8; Sitz in der Literatur, exemplo; contexto remoto 1,5 3; delimitação do texto; critérios; novo início; tempo e
11,15-17 8; crítica da redação; exemplo; nota 10 espaço
11,17 7; crítica da tradição; tópoi', concepção 1,8-23 8; crítica da redação; critérios; indicações geográficas e
11,20-25 8; Sitz in der Literatur, exemplo; contexto remoto topográficas
11,23 7; crítica da tradição; exemplo; esquema tradicional 1,20 5; 5; análise lexicográfica; exemplo; oiútra; nota 20
11,23-24 7; crítica da tradição; exemplo; esquema tradicional 1,26-38 7; crítica da tradição; tópoi', motivo
11.27- 33 6; gêneros literários do NT; evangelhos; controvérsia 1,26 3; delimitação do texto; critérios; novo início; tempo e
11.27- 33 6; Sitz im Lebetr, pregação missionária
espaço
11,28 8; Sitz in der Literatur, exemplo; contexto remoto
1,30 7; crítica da tradição; exemplo; esquema tradicional
11,30-33 11; leitura sócio-antropológica; cristianismo primitivo
1,39-45 7; crítica da tradição; tópoi', motivo
eNT
1,57-66 7; crítica da tradição; tópoi', motivo
12,1-11 6; gêneros literários do NT; evangelhos; alegoria
1,80 8; crítica da redação; critérios; sumários
12,13-17 6; gêneros literários do NT; evangelhos; controvérsia
10; leitura judaica; liturgia; prolongamento do ofício 2,1-3 8; crítica da redação; critérios; explicações; referências
12,28-34
12,38-40 6; gêneros literários do NT; evangelhos; ditos proféticos históricas
6; gêneros literários do NT; evangelhos; ditos proféticos 2,6-20 7; crítica da tradição; tópoi', motivo
13
14.1- 16,20 8; Sitz in der Literatur, exemplo; plano; Harrington 2,11 6; gêneros literários; exemplo
14.1- 16,8 8; Sitz in der Literatur, exemplo; plano; Rodriguez 2,22-38 8; crítica da redação; critérios; indicações geográficas e
Carmona topográficas
14.1- 16,8 8; Sitz in der Literatur, exemplo; plano; Gnilka 2,40 8; crítica da redação; critérios; sumários
14.1- 15,47 8; Sitz in der Literatur, exemplo; plano; Lane 2,51-52 3; delimitação do texto; critérios; término; sumário
14,1 5; análise sintática; exemplo 2,52 8; crítica da redação; critérios; sumários
14,36 8; crítica da redação; critérios; explicações; conlextua- 3,1-2 8; crítica da redação; critérios; explicações; referências
lizações históricas
14,43-15,41 7; crítica da tradição; tópoi; motivo 3,18 3; delimitação do texto; critérios; término; sumário
14,49 8; crítica da redação; critérios; cumprimentos do AT 3,19-22 8; crítica da redação; critérios; deslocamentos
14,57-58 8; crítica da redação; critérios; transposições de textos 4,1-13 8; crítica da redação; critérios; deslocamentos
tradicionais 4,4 2; crítica textual do NT
14,62 8; crítica da redação; critérios; explicações 4,15-20 10; leitura judaica; liturgia; leitura solene
15,39 8; Sitz in der Literatur, exemplo; plano; Rodriguez 4,16c-20a 3; delimitação do texto; critérios; ao longo do texto;
Carmona quiasmo
15,40 5; análise sintática; exemplo 4.35 5; análise lexicográfica; exemplo; érretípTiaev'
16,1-8 8; Sitz in der Literatur; exemplo; plano; Lane 4.35 5; análise lexicográfica; exemplo; Trecjupwao
16,1-8 5; estruturação do texto; exercícios 4,39 5; análise lexicográfica; exemplo; éiT6tLpr|ocv
16,1 3; delimitação do texto; critérios; novo início; tempo e 4,41 5; análise lexicográfica; exemplo; érreupriaei'
espaço 5,1-11 6; gêneros literários do NT; evangelhos; relato de milagre
490 491
5,15 3; delimitação do texto; critérios; término; actantes 15,10 3; delimitação do texto; critérios; novo início; introdu
5,19 8; crítica da redação; critérios; transposições de imagem ção ao discurso
5,20 8; crítica da redação; critérios; correções estilísticas 17,3 5; análise lexicográfica; exemplo; èueTÍpr|OÈV
5,27 8; crítica da redação; critérios; conexões hermenêuticas 17.6 7; crítica da tradição; exemplo; esquema tradicional
6,1-11 exercícios 17.12- 16 6; gêneros literários; exemplo
6,12 8; crítica da redação; critérios; indicações geográficas e 18.6 3; delimitação do texto; critérios; novo início; introdu
topográficas ção ao discurso
6,14 8; crítica da redação; critérios; conexões hermenêuticas 18,14 3; delimitação do texto; critérios; novo início; introdu
6,20-26 6; gêneros literários; exercícios ção ao discurso
6,20-26 6; Sitz im Lebeir, exercícios 19,29 8; crítica da redação; critérios; correções estilísticas
6,47-49 8; crítica da redação; critérios; transposições de imagem 19,39-40 5; análise lexicográfica; exemplo; èiTeTLpr|oev
7,11-17 6; gêneros literários do NT; evangelhos; relato de milagre 22,14-20 5; estruturação do texto; exercícios
7,18-23 6; Sitz im Lebeir, pregação missionária 22,69 8; crítica da redação; critérios; explicações
8,16 6; gêneros literários do NT; evangelhos; comparação 23.13- 25 6; Sitz im Lebeir, polêmica c apologia
8,16 8; crítica da redação; critérios; transposições de imagem 23,29-43 8; crítica da redação; exercícios
8,22 5; análise estilística; elipse 24,26-27 6; Sitz im Lebeir, polêmica e apologia
8,22-25 10; leitura popular; exemplo 24,44 8; crítica da redação; critérios; cumprimentos do AT
8,24 10; leitura popular; exemplo
8,25 10; leitura popular; exemplo João
8,26-39 8; crítica da redação; critérios; abreviações da fonte 1,1-18 5; análise sintática; exercícios
8,50 7; crítica da tradição; exemplo; esquema tradicional 2 3; delimitação do texto; exercícios
9,18-27 8; Sitz in der Literatur; exercícios 2, 1-11 6; gêneros literários do NT; evangelhos; relato de milagre
9,21 5; análise lexicográfica; exemplo; éiT€TÍpr|oeu 2,16 7; crítica da tradição; tópoi; concepção
9,28 8; crítica da redação; critérios; indicações geográficas c 2 ,21-22 3; delimitação do texto; critérios; término; comentário
topográficas 2,24-25 3; delimitação do texto; critérios; término; comentário
9,28 8; crítica da redação; moldura 3.1 8; crítica da redação; critérios; conexões hermenêuticas
9,42 5; análise lexicográfica; exemplo; éiTerípiiacv 3,22 8; crítica da redação; critérios; conexões hermenêuticas
9,55 5; análise lexicográfica; exemplo; CTTguprioen 4.1- 3 8; crítica da redação; exercícios
11,8 3; delimitação do texto; critérios; ao longo do texto; 4,46-54 6; crítica literária; exercícios
quiasmo 4,47 6; crítica literária; critérios; duplicações
11,33 8; crítica da redação; critérios; transposições de imagem 4.49 6; crítica literária; critérios; duplicações
13,18-19 8; crítica da redação; critérios; abreviações da fonte 4.50 6; crítica literária; critérios; duplicações
13,24 7; crítica da tradição; tópoi; esquema tradicional 4,53 6; crítica literária; critérios; duplicações
13,30 8; crítica da redação; critérios; ditos errantes 5.1 8; crítica da redação; critérios; conexões hermenêuticas
14,5-6 3; delimitação do texto; critérios; término; ruptura do 8. 2 - 11 5; análise lexicográfica; exercícios
diálogo 8 , 12-20 5; análise estilística; exercícios
14,16-24 8; crítica da redação; critérios; ditos errantes 8,20 3; delimitação do texto; critérios; término; sumário
14,25-35 3; limites do texto 9 3; limites do texto
14,25-33 5; segmentação do texto; exercícios 9.1- 2 7; crítica da tradição; tópoi; esquema tradicional
14,25-27 3; limites do texto 10. 1- 21 3; limites do texto
14,28-33 3; limites do texto 10, 1-6 3; limites do texto
14,34-35 3; limites do texto 10,6 8; crítica da redação; critérios; explicações
15,4-7 6; gêneros literários do NT; evangelhos; parábola 10,7-10 3; limites do texto
15,7 3; delimitação do texto; critérios; novo início; introdu 10,7 3; limites do texto
ção ao discurso 10,10 10; leitura popular; realidade atual
492 493
10,11-21 3; limites do texto 1,29-31 6; gêneros literários do NT; epístolas; catálogos de vícios
10,19-21 3; limites do texto 7,13 3; delimitação do texto; critérios; novo início; argu
10,21 3; limites do texto mento
11,1-46 6; gêneros literários do NT; evangelhos; relato de milagre 10 5; análise estilística; exercícios
11,25-26 7; crítica da tradição; exemplo; esquema tradicional 10,9 7; crítica da tradição; tópoi; fórmula fixa
11,40 7; crítica da tradição; exemplo; esquema tradicional 11,1 3; delimitação do texto; critérios; novo início; argu
12,38-40 8; crítica da redação; critérios; cumprimentos do AT mento
13,30 3; delimitação do texto; critérios; término; tempo 11,16-24 exercícios
14,2 2; crítica textual; exercícios 13,1-7 6; Sitz im Leben; polêmica e apologia
16,27 2; edições críticas; Novo Testamento
20,30-31 3; delimitação do texto; critérios; término; comentário I Coríntios
I, 3 2; crítica textual do NT
Atos dos Apóstolos 1,18-2,16 6; Sitz im Leben; polêmica e apologia
1,8 8; crítica da redação; critérios; indicações geográficas e 5,10-11 6; gêneros literários do NT; epístolas; catálogos de vícios
topográficas 6,14 7; crítica da tradição; tópoi; fórmula fixa
2,1-4 8; crítica da redação; critérios; indicações geográficas e 7,25 6; gêneros literários do NT; epístolas; material parenético
topográficas II , 23-25 6; gêneros literários; exercícios
4,3 3; delimitação do texto; critérios; término; tempo 11,23-25 6; Sitz im Leben; exercícios
4,32-35 8; crítica da redação; critérios; sumários 12,1 3; delimitação do texto; critérios; novo início; argu
5,5-6 3; delimitação do texto; critérios; término; funções ter mento
minais 13,2 7; crítica da tradição; exemplo; esquema tradicional
5.12- 16 6; crítica literária; exercícios 15,3-5 6; Sitz im Leben; pregação missionária
6,1-7 8; crítica da redação; exercícios
15,15 7; crítica da tradição; tópoi; fórmula fixa
6,8 2; crítica textual do NT
15,26 7; crítica da tradição; exemplo; tema
6.13- 14 8; crítica da redação; critérios; transposições de textos
tradicionais
2 Coríntios
9,25 3; delimitação do texto; critérios; término; funções de
1,2 2; crítica textual do NT
partida
3,14 10; leitura judaica; nota 7
10,48 3; delimitação do texto; critérios; término; tempo
13,13 2; crítica textual do NT
11,17-18 3; delimitação do texto; critérios; término; ruptura do
diálogo
Gálatas
12,17 3; delimitação do texto; critérios; término; espaço
13,15 10; leitura judaica; liturgia; leitura solene 1,3 2; crítica textual do NT
14,6-7 3; delimitação do texto; critérios; término; espaço 2,15-21 6; Sitz im Leben; polêmica e apologia
15.21 10; leitura judaica; liturgia; leitura solene 3,1 3; delimitação do texto; critérios; novo início; vocativo
15,29 5; análise sintática; exemplo 3,7-14 6; Sitz im Leben; polemica e apologia
17,16-34 6; Sitz im Leben; polêmica e apologia 5.19- 23 6; Sitz im Leben; catequese
17.22- 34 7; crítica da tradição; exercícios 5.19-21 6; gêneros literários do NT; epístolas; catálogos de vícios
17.22- 31 5; análise estilística; exercícios 5,22-23 6; gêneros literários do NT; epístolas; catálogos de vir
19.21 8; crítica da redação; critérios; indicações geográficas e tudes
topográficas
23,30 5; análise sintática; exemplo Efésios
5,22-6,9 6; gêneros literários do NT; epístolas; moral familiar
Romanos 5,22 3; delimitação do texto; critérios; novo início; vocativo
1,3-4 6; gêneros literários do NT; epístolas; confissões de fé 5,25 3; delimitação do texto; critérios; novo início; vocativo
1,7 2; crítica textual do NT 6,1 3; delimitação do texto; critérios; novo início; vocativo
494 495
6.4 3; delimitação do texto; critérios; novo início; vocativo 2 Timóteo
6.5 3; delimitação do texto; critérios; novo início; vocativo 4,2 5; análise lexicográfica; exemplo; éTrettpriocv
6,9 3; delimitação do texto; critérios; novo início; vocativo 4,6 3; delimitação do texto; critérios; novo início; argu
mento
Filipemes
2,5-6 3; delimitação do texto; critérios; novo início; alternân Tito
cia de estilos 1,5-6 6; gêneros literários do NT; epístolas; catálogos de de
2,6-11 6; gêneros literários do NT; epístolas; hinos veres
1,7-9 6; gêneros literários do NT; epístolas; catálogos de de
2,6-11 7; crítica da tradição; exemplo; tema
veres
2,11-12 3; delimitação do texto; critérios; novo início; alternân
1,10-12 6; Sitz im Lebetr, polêmica e apologia
cia de estilos
4,8 6; gêneros literários do NT; epístolas; catálogos de vir
Filemon
tudes 5; segmentação do texto; exercícios
1-3
4,9 6; gêneros literários do NT; epístolas; catálogos de vir
tudes Hebreus
Hb 7; crítica da tradição; tópoi', tema c tese
Colossenses 2,17-18 3; delimitação do texto; critérios; novo início; anúncio
1.15- 20 6; gêneros literários do NT; epístolas; hinos de tema
1.15- 17 7; crítica da tradição; exemplo; tema 3,1-5,10 3; delimitação do texto; critérios; novo início; anúncio
3,12-14 6; gêneros literários do NT; epístolas; catálogos de vir de lema
tudes 12,1-13 5; análise sintática; exercícios
3,18-4,1 6; gêneros literários do NT; epístolas; moral familiar
1 Pedro
I Tessalonicenses 1,18-21 6; gêneros literários do NT; epístolas; confissões de fé
1,9-10 7; crítica da tradição; tópoi', fórmula fixa 2.13- 3,12 6; gêneros literários do NT; epístolas; moral familiar
2.13- 17 6; Sitz im Lebetr, polêmica c apologia
2 Tessalonicenses 2,15 5; análise lexicográfica; exemplo; irc<Kp«oo
3,18 2; crítica textual do NT 2,21-24 6; gêneros literários do NT; epístolas; hinos
3,18-22 6; gêneros literários do NT; epístolas; confissões de fé
I Timóteo
1,6-7 6; Sitz im Lebetr, polêmica e apologia 2 Pedro
1,5-7 6; gêneros literários do NT; epístolas; catálogos de vir
1,9-10 6; gêneros literários do NT; epístolas; catálogos de vícios
tudes
3,1-7 6; gêneros literários do NT; epístolas; catálogos de de
veres
l João
3,8-13 6; gêneros literários do NT; epístolas; catálogos de de 3; delimitação do texto; critérios; novo início; vocativo
4.1
veres 4.2 6; Sitz im Lebetr, polêmica e apologia
3.16 6; crítica literária; critérios; estilos diversos 4,7 3; delimitação do texto; critérios; novo início; vocativo
3.16 6; gêneros literários do NT; epístolas; hinos 5,6-8 6; Sitz im Lebetr, polêmica e apologia
5,3-16 6; gêneros literários do NT; epístolas; catálogos de de 5,21 6; Sitz im Lebetr, polêmica e apologia
veres
5,17-19 6; gêneros literários do NT; epístolas; catálogos de de Apocalipse de João
veres 1-2 3; delimitação do texto; exercícios
5,18 5; análise lexicográfica; exemplo; Trefápwoo 2-3 6; gêneros literários do NT; apocalipse; cartas às Igrejas
496 497
2,1 3; delimitação do texto; critérios; novo início; título Mishnah
2,1 3; delimitação do texto; critérios; novo início; vocativo Tamid 5,1 10; leitura judaica; liturgia; prolongamento do ofício
2,1-7 5; segmentação do texto; exercícios
2,1-7 6; gêneros literários do NT; apocalipse; cartas às Igrejas Talmud de Babilônia
2,8 3; delimitação do texto; critérios; novo início; vocativo bBerakôt 1 lb 10; leitura judaica; liturgia; oração; nota 14
2,8 3; delimitação do texto; critérios; novo início; título
2,8-11 5; segmentação do texto; exercícios Talmud de Jerusalém
2,8-11 5; análise lexicográfica; exercícios jBerakôt 7; crítica da tradição; exemplo; tema
2,12 3; delimitação do texto; critérios; novo início; título jBerakôt 9 6; Sitz im Lebeir, exemplo
2,12 3; delimitação do texto; critérios; novo início; vocativo jBerakôt 9,1 6; gêneros literários; exemplo
3,1-6 exercícios jMegillali 4,1 10; leitura judaica; liturgia; leitura solene
3,14-22 6; gêneros literários do NT; apocalipse; cartas às Igrejas jMegillah 75a 10; leitura judaica; liturgia; leitura solene
8,3 2; crítica textual do NT
9,20 6; Sitz im Lebeir, polêmica e apologia Toséfta Pesahim
15.4 7; crítica da tradição; exemplo; esquema tradicional 4,13-14 10; leitura judaica; liturgia; oração; nota 12
20,14 7; crítica da tradição; exemplo; tema
22,21 2; crítica textual do NT Qumran
4QM“ 8.1,7 5; análise lexicográfica; exemplo; e-tret Lprjoev
CD-A 7,2 5; análise lexicográfica; exemplo; èrreúpT|aev
SEPTUAGINTA CD-A 9,2-4 5; análise lexicográfica; exemplo; éTTetípriaev
3 Macabeus Pseudo-Fílon
2,24 5; análise lexicográfica; exemplo; crTetL|ir|aeu Ps.-Fílon 5; análise lexicográfica; exemplo; cTTetípr|ocv
6,12 8; crítica da redação; LXX; mudanças teológicas
4 Macabeus
1,17 8; crítica da redação; LXX; mudanças teológicas
1,35 5; análise lexicográfica; exemplo; Trc<j)íp.uao
4,19 8; crítica da redação; LXX; mudanças teológicas
Susana
1,60-62 5; análise lexicográfica; exemplo; ttc()h |iuxjo
FONTES EXTRA-BÍBIJCAS
Apocalipse de Elias
34-35 5; análise lexicográfica; exemplo; éTrerípriaev
498 499
índice Temático
501
Biblia Hebraica Stuttgartensia (BHS) confessionalidade 322 diacronia 80, 81 esticometria 303
40, 44 confissão de fé 211 diacrônica 81 estilismo 266
Bíblia Viva 32 confusão de letras 49, 266 Diatéssaron 339 estíquio 300, 303
bicolon 301,302 congruência própria 305 diatribe 71 estrofe 301, 302, 303, 311
congruência reflexiva 305 Didaqué 337, 339 estrutura 24, 32, 81, 95, 96, 97, 98,
C contexto 39, 45, 68, 80, 130, 135,137, dimensão estrutural sincrônica 410 105, 110, 115, 118, 119, 123, 124,
campo semântico 74, 76, 139 188, 275 dimensão histórica diacrônica 410 125, 140, 145, 146, 150, 151, 163,
cântico de bênção e de maldição 201 contexto imediato 275, 276, 285, 288 ditografia 48 174, 182, 186, 197,200, 205,211,
cântico de bruxaria 201 contexto próximo 181 direito apodítico 194 214, 218, 222, 229, 246, 256, 280,
cântico de estímulo ao combate 201 Contexto Remoto 275 direito casuístico 195 281, 282, 285, 289, 307, 416, 453,
cântico de vitória 201 contexto remoto 276, 289, 294 discurso 28, 72, 75, 187, 188, 200, 455
cantos cultuais 202 contexto vital 191, 194, 229, 237 208, 229, 230, 238, 259, 314, 417 estrutura literária 94, 95, 96, 97, 105
cantos da vida cotidiana 201 contextualização cultural 259 discurso antropológico 391 estruturação 94, 95, 98, 105, 115, 118,
cantos de amor 201 contradição evidente 176 discurso direto 87, 89, 90, 91, 161 140, 213, 257, 274, 277, 292, 419
cantos de guerra 201 contradições 177, 178, 179, 180, 258 discurso escatológico 210 estruturalismo 94
catálogo de deveres 212 controvérsia 73, 208, 233, 340
discurso ideológico 379 ctiologia 192, 260
catálogo de vícios e de virtudes 200, correção 59
212, 233 discurso indireto 90, 161 etnologia 392, 411,412
correção estilística 259
catequese 27, 28, 29, 30, 233 discurso parabólico 180, 270, 271, etopéia 200
Critica da Redação 73, 119, 125, 179,
ciências sociais 357, 358, 366, 374, 283, 285, 294 exegese 27, 29, 30, 38, 80, 82, 84,
181, 192, 238, 256, 258, 265, 272,
375, 379, 381,382, 396, 397, 402, 330, 454 discurso sociológico 361,376 95, 96, 115, 129, 156, 289, 334,
420, 421,430, 433,435,440 Critica da Tradição 242, 243, 252 dito errante 261 338, 339,341,342,353,356,414,
códice 43, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, Critica das Tradições 242 dito ‘eu’ 210 416,417, 421,437
60,61,62, 63,64 Crítica dos Gcncros Literários 185, dito profético 210 exegese patrística 337
coerência 24, 176 186,210,214,242, 454 dito tradicional 262 expediente redacional 73, 249, 256,
colocação literária 273 Critica dos Motivos Literários 242 duplicação 175, 176, 178, 310 259, 265, 271,272, 281
colon 300, 301,302, 310, 315 crítica externa 45, 46, 53, 54, 55, 58, duplo passo (dualidade) 160, 161 explicação 259, 270
comentário 30, 39, 41,44, 72, 73, 119, 60, 62, 63, 64 expressão polar 313
147, 148, 155, 160, 177, 178, 181, crítica interna 45, 46, 54, 55, 58, 59, E
182, 184, 185, 188, 271,273, 283, 63, 64 edição crítica 38, 39, 40, 43, 44, 45,
F
318, 324, 332, 333, 338, 339, 340, Crítica Literária 119, 174, 175, 176, 46, 53, 58, 60, 61, 62, 63, 64, 174,
fábula 199, 208, 209, 336
342, 416, 425, 426, 435, 438, 454, 178, 180, 181, 184, 185, 256, 258, 184
figura literária 155, 156, 313
455 269, 271,344, 454 elemento atípico 177, 179, 182
figuras literárias 95
comparação 199, 208, 209, 300 Crítica Textual 45, 77, 126, 130, 174, elipse 163, 164, 312
comunidade 174, 187, 189, 208, 211, íigurismo 341
176,258,259,266, 340, 344 enjambment 314
213, 229, 230. 232, 233, 238, 257, Forrngeschichtc 186, 256
culto 192, 193, 201, 232, 268, 327, epístola 177, 186, 210, 323
324, 325, 326, 327, 339, 344, 345, fórmula de cumprimento 264
328, 372, 433 erro de ouvido 47
346, 347, 348, 349, 352, 393, 398, fórmula fixa 246, 251
escada 308
400, 402, 411,412, 413, 414, 420, D fórmula quebrada 314
escola alexandrina 340
422, 424, 426, 427, 428, 429, 430 dados contraditórios 177 escola antioquena 341 fragmento 39, 43, 176, 261, 270, 339
concepção 245, 250 delimitação 24, 68, 75, 76, 97, 139, fratura 177, 179
escopo 26, 275, 276
concordância 41, 45, 126, 128, 130, 273, 275, 285, 311 espaço 70, 72, 74, 75, 76 funcionalismo 376, 377, 378, 395,
131, 132, 133, 134, 138, 139, 243, deslocamento 72, 249, 261, 286 esquema tradicional 245, 246, 247, 416, 424, 434,440
352 deslocamento topográfico 270 lundamentalismo 318, 319, 320, 321,
249, 251
conexão hermenêutica 262, 270 dia de YHWH 245 estatística 41,45, 126, 130, 138,311 322
502 503
G indicação topográfica 263 Leitmotiv (motivo condutor) 179, 242, material parenético 211
Gattungsgechichte 186 instrução de discípulos 233 material tradicional 243, 247, 257,
247, 264, 265, 271
gênero literário 177, 179, 182, 186, intercalação 74, 76, 293 258, 262
leitura diacrônica 82, 186
187, 188, 189, 194, 196, 198, 199, interpretação 25, 26, 30, 84, 126, 150, materialismo cultural 397, 434
leitura feminista 323, 350, 352, 353
202, 206, 208, 210, 213, 217, 218, 182, 190, 197, 256, 257, 267, 273, Megillôt 326
leitura fundamentalista 319
219, 224, 228, 229, 230, 231, 232, 318, 322, 324, 338, 340, 341, 351, Mekilta 336
leitura histórico-crítica 357
233, 239, 243, 249, 256, 285, 286, 352, 358,371,387,399, 401,412, merismo 153, 159, 313
leitura popular 343, 347, 357
322, 347, 453 414, 421,423, 434, 435, 436, 439, metáfora 205, 300, 424
leitura sincrônica 81, 82, 174, 176,
geografia 270 452, 454, 455 metátese 49
186
geografia e topografia teológicas 264, introdução ao discurso 71, 86 método 23, 95, 156, 174, 186, 242,
leitura sócio-antropológica 421, 433,
271 256, 278, 289, 318, 353, 356, 357,
inversão 120, 261, 305, 306 439
glosa 50, 54, 266 362, 363, 376, 377, 380, 381, 383,
irmãos-inimigos 244 leitura-busca 325, 327, 328, 333
ironia 52, 312 leitura-comentário 325 396, 401,412, 414, 416, 417, 419,
H 434, 435, 436, 437, 438, 453
ironia dramática 312 lenda 192, 232,336
hagiógrafo 73, 231, 242, 256, 257, método comparativo 393
ironia verbal 312 lenda cultuai 193
272, 275,321,326 método de gênero 351
Israel 185, 189, 191, 196, 201, 202, lenda de mártir 193
Hallel 327, 328 método histórico-crítico 323
205, 210, 232, 237, 248, 260, 269, lenda de santuário 193
hapax legómenon 127, 137, 138, 267 método positivista 380, 381
309, 325, 327, 328, 335, 346, 347, lenda pessoal 192
haplografia 48 método sócio-antropológico 438
352,353,356,357,397,398, 399, lenda profética 193
hemistíquio 300, 302 método sociológico 374, 378, 419,
400, 401,402, 403, 404, 405, 406, lenda sacerdotal 192
hcndíadis 314 437
407, 408, 409, 410 levita 134, 400
hermeneuta 344 método targúmico 330
israelita 189, 399, 408, 410, 411,413, lição hipotética 59
hermenêutica cristã 337 microestrutura 118, 353
433 lineação 303 Midrash 22, 39, 324, 330, 332, 333,
hermenêutica feminista 350, 351, 353
lista enciclopédica 200, 212
Hexapla 340 334, 335, 336
J lista seletiva ou merística 313, 314 Midrash Haggadah 335
hino 203,205,206,211
javismo 400, 405, 406 literalismo 340, 341,342 Midrash Halakah 335
hipérbole 164, 313
Literatura Rabínica 325, 326, 327, milagre de salvação marítima 219,
história 344 jBcrakôt 224, 226, 234, 235, 236, 237,
330, 333, 334, 335, 336, 337 222, 234, 251
249
liturgia 27, 28, 232, 325, 327
I jMegillah 325 Mishnah 327, 328
lógion 261, 262 modelo 96, 187, 358, 403, 404, 405,
Iahweh 356, 399, 400, 402, 403, 405, João Ferreira de Almeida 32, 41, 45,
433 69 408, 409, 411,414, 420, 431,437
M modo de produção 385, 386, 388, 390,
idealismo cultural 397, 434 judaísmo 208, 233, 269, 319, 334, macarismo 199 396,417
identificação tardia 315 336, 406, 411,423, 424, 428, 429 macroestrutura 118,125, 163, 353 moldura 257, 263, 270, 271
Igreja 212, 213, 260, 277, 338, 340, justo sofredor 244 maldição 191,194, 203,204 monocolon 301,302
363,419,435, 436, 437, 439
manuscrito 38, 39, 42, 43, 44, 45, 46, moral familiar 212
Igreja Primitiva 211, 233, 237, 238, K 48, 49, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, Motivgeschichte 242
437 Ketíb 42, 49 59, 60, 61, 62, 63, 64, 130, 152, motivo 242, 244, 247, 455
imagem 98, 177, 196, 209, 242, 244, Ketubím 326
245 258, 266 mudança consciente 50, 258, 266
manuscritos do Mar Morto 50 mudança de estilo 72, 75
inclusão 74, 95, 190, 204, 223, 309, L marxismo 375, 387, 432 mudança de ordem teológica 269
310,311 lacuna 177, 179 mãshãl 198, 199,218,286,303 mudança inconsciente 47, 266
incoerência 178
lectio brevior 46, 58, 59, 60 massorah 41,43 mudança interpretativa 267
inconsistência 119, 180, 273 lectio difficilior 46, 59, 64 massoretas 40, 41 mudança por razões teológicas 51
indicação geográfica 263 lectiones 45 material litúrgico 211 mulher estéril curada 244
504
505
N papiro 43, 55, 59, 62 Q semiótica 80
narrativa histórica 190 paráblepsis 48, 49 Qabbalah 333 sentença de morte 195
nível de leitura 27, 28, 29, 80 parábola 199, 208, 209,210 Qerê 42, 49 sentença-tov 199
nível estrutural 96 paralelismo 120, 123, 163, 198, 303, querigma 233, 238, 414 sentido cristocêntrico 342
novela 189, 190 305, 306,315 questão de gênero 351,353 sentido derivado 133, 134
Novo Testamento 22, 38, 39, 40, 42, paralelismo antitético do gênero 313 questão retórica 73, 199, 315 sentido espiritual 341
43, 44, 45, 53, 57, 129, 130, 131, quiasmo 75, 95, 120, 123, 162, 163, sentido literal 133, 134, 135, 341, 342
paralelismo dos números 200
133, 134, 138, 139, 152, 156, 157, paronomásia 164 236, 305, 310, 313 sentido psíquico ou moral 341
188, 206,211,213,226, 231,234, Septuaginta (LXX) 40, 42, 45, 47, 48,
parte 273, 275, 280, 281, 282, 300,
250, 323, 324, 325, 326, 327, 328, R 49,50, 51,52, 129, 131, 132, 133,
301
334, 339,358,359,360,413,414, racionalismo 363, 364, 434 135, 136, 138, 139, 153, 219, 222,
patriarcado 351, 352 223, 265, 266, 268, 269, 324, 330,
415, 417,421,422,423, 430, 432, Paulo 77, 177, 213, 250, 414, 420, realismo ingênuo 321
437 redação 38, 39, 80, 127, 224, 226, 340
422, 424, 429, 430 seqüência 75, 81,82, 97, 99, 101, 102,
Novo Testamento - Tradução Oficial 242, 258, 264, 269, 337, 339
pedagogia libertadora 346 105, 106, 107, 110, 111, 115, 118,
da CNBB 69 redação final 22, 174, 175, 284
pensamento sociológico 367, 376 119, 120, 122, 123, 124, 125, 126,
novos destinatários 71 redação original 40, 45
Pentateuco Samaritano 42, 50 140, 145, 146, 151, 163, 213, 261,
Novum Testamentum Graece 42, 44, redacional 73, 179, 271,455
perícope 273 273, 303, 304, 305, 306, 307
53,58, 130 Redaktionsgcschichte 256
personagem 28, 70, 71, 72, 73, 74, Shema Israel 327, 329
referência bibliográfica 264
O 76, 99, 105, 111, 122, 125, 177, Shcmonch Eshreh 328, 329
referências históricas e biográficas 260
obra 23, 84, 147, 160, 185, 247, 256, 189, 190, 191,200, 209, 222, 230, Sifra 336
refrão 302, 310, 311
264, 265, 270, 273, 274, 275, 276, 234, 235, 236, 264, 265, 312, 343, Sifrê Deuteronômio 336
relações de produção 385, 387, 388,
277, 279, 285, 289 344, 422 Sifrê Números 336
389
omissão 58, 164, 260, 266 perspectiva de conflito 396 signo 25, 162, 163, 303, 304, 305,
relato complementar 262
oração 27, 29, 204, 206, 218, 238, perspectiva estrutural funcional 396 306
relato de exorcismo 286 signo lingüístico 24, 80
264, 327, 328, 329, 338, 361 perspectiva sociológica 402, 416 relato de milagre 76, 123, 179, 182,
pivô 308 sincrônica 80, 81,248
original 30, 31, 32, 38, 43, 45, 46, 207, 218, 219, 222, 228, 233, 234,
plano 275, 276, 277, 279, 284, 285, Sitz im Leben 186, 194, 206, 211,
52, 56, 58, 59, 60, 62, 63, 64, 68, 286, 347
289 230, 231,232, 237, 238, 256, 257,
70, 76, 94, 95, 129, 132, 148, 175, relato de vocação 207 414,415
178, 180, 196, 209, 231,246, 261, pleonasmo 157, 158 repetição 70, 95, 157, 175, 176, 178, Sitz in der Literatur 273, 275, 277
265, 266, 276, 321,400, 402, 411, poema didático 200 181,310,380 sociologia 352, 354, 366, 367, 368,
417 poesia 72, 85, 120, 163, 177, 188, 198, ritmo binário 161 373, 374, 375, 376, 377, 378, 379,
oxímoro 313 300, 302, 303, 306 ruptura do diálogo 73 380, 381,382, 383, 384, 385, 390,
polêmica 233, 338, 339, 390, 408 391,392,398,399,412,415,416,
P poliptoto 157, 158 S 419, 420, 424, 437, 438, 439, 440
palavra de desgraça 196, 197 polissíndeto 157 saga 189, 190, 191, 192, 193, 232 solidariedade 345, 346, 347, 370, 404,
palavra de salvação 197 Pontifícia Comissão Bíblica 435, 436, saga de um herói 191 405,412
palavra escrita 324, 325 438 saga de um lugar 192 solidariedade mecânica 370, 371, 393
palavra oral 324, 325 positivismo 366, 374 saga de um povo 191 solidariedade orgânica 370, 371,393
palavra rara 127, 137, 138 práticas cultuais 232 seção 273,275,280 stanza 302, 303, 311
palavra repetida 127, 137, 139, 145, pregação missionária 230, 233, 238 sedarim 41 subseção 273, 275
157, 164 presente histórico 148, 150, 156, 259 segmentação 84, 85, 86, 92, 94, 98, subtítulo 102, 265
palavra-chave 310, 311 projeto de Deus 289, 343, 347 115, 207,303 sumário 73, 75, 180, 263, 270, 279,
palavra-gancho 95, 262, 264 prosa 72, 177, 188 semântica 80 283, 285, 289, 290
palavras raras 267 provérbio numérico 200 seminomadismo 402, 406, 407 suspeita hermenêutica 351
506 507
T torahcentrismo 269 U vocabulário consolidado 246
Talmud 224, 234, 235, 325, 329, 332 totemismo 372, 397 Überlieferungsgeschichte 242 vocativo 71, 85, 89, 197
Targum 22, 39, 48, 49, 330, 331, 332, tradição 41, 45, 52, 127, 129, 175, UBS Greek New Testament 42, 43, Vulgata 40, 45,48, 49, 56, 57
333, 334 186, 188, 189, 198, 208, 210, 242, 44, 130
tema 25, 27, 71, 74, 98, 177, 181, 243, 244, 246, 247, 249, 250, 256, uncial 43 W
228, 242, 245, 248, 249, 278, 293, 257, 258, 261, 264, 281, 319, 327, Urform 175 wasif 202
311 329, 336, 338, 341, 360, 365, 370, Urtext 175
temor a YHWH 245 Y
376, 382, 394, 400, 405, 409, 411,
tempo 70, 72, 73, 74, 75, 81, 122 V YHWH 131, 192, 196, 197, 203, 204,
412,414,415,418 205, 211, 221,223, 227, 232, 234,
tempo terminal 72 variação no lastro 315
tradição bíblica 188, 405 variante 39, 42, 43, 45, 46, 51, 53, 235, 236, 237, 247, 248, 249, 308,
tensão 119, 178, 190, 366
tradição cristã 22, 228 59,61, 192, 195,246, 304 315
teologia 38, 46, 127, 129, 136, 177,
217, 228, 242, 256, 257, 258, 263, tradição da história 206
322, 335,350, 351,353,357,363, tradição da palavra 208
369, 405, 426, 436 tradição dos cantos 201
teologia bíblica 357 tradição histórica 189
teologia da retribuição 245, 246, 309 tradição judaica 22, 224, 229, 234,
teologia dialética 414 318, 324, 341
terminologia 95, 96, 97, 150, 156, tradição jurídica 194
186, 188, 204,218,242,243,273, tradição oral 39, 175, 186, 191, 242,
274, 278, 279, 280, 281, 282, 300, 262,415
392 tradição profética 196
terra 359, 361, 374, 401, 403, 404, tradição rabínica 129, 335
406,418 tradição sapiencial 198, 212
terraço 308 tradicional 181
tese 245, 248 Traditionsgeschichtc 242, 244
tetracolon 301 tradução 30, 31, 34, 44, 45, 69, 70,
texto compósito 175 89, 133, 140, 150, 265, 269, 321,
Texto Massorético (TM) 40, 42, 47, 339, 349
48, 49, 50, 51, 52, 132, 219, 223,
Tradução Ecumênica da Bíblia (TEB)
265, 266, 267, 301
31,32, 69, 134, 277
texto unitário 175
tradução formal 30,31,76
textus receptus 57, 58
theoría 341 tradução funcional 31,32
tipo ideal 374, 384 tradução interlinear 33, 34
tipologia 341 tradução literal 154
título 68, 69, 70, 71, 102, 118, 204, tradução litúrgica 266
260, 265, 276, 277, 282, 320, 354, tradução-comentãrio 330, 333
377, 397 trama 23, 119, 189, 243, 275
tópoi 243, 245, 300, 453 transposição 228
Torah 41, 235, 269, 318, 325, 326, transposição de imagem 260
327, 335 transposição de textos tradicionais 260
Torah Escrita 324 tribunal de justiça 232
Torah Oral 324, 329 tricolon 301,302
508 509
índice de Autores
A Berger, K. 188
Achtmeier 281, 284, 295, 484, 486, Berger, P. 377,419,442
487, 488,489, 491 Bcyreuther 168
Aguiar e Silva 23, 35 Bietenhard 168
Aguirre Monasterio 252, 277, 282, Binger 434, 442
295 Blass 152, 153, 158, 171, 177
Aland, B. 128, 165, 171 Bo IT441,447
Aland, K. 40, 128, 165, 171 Bom 167
Alonso-Schõkel 169, 196, 202, 231, Botterwcck 132, 168
239 BoUomore 387, 442
Alt 401,402, 403, 441 Bravo 231,239
Althusser 417, 441 Brenner 353
Andersen 170 Briggs 169
Aranda Pérez 337 Brisebois 176,239, 295
Archer Jr. 168 Brown, F. 169
Arenhoevel 189, 230, 231, 239 Brown, R.E. 252, 280, 296, 342, 343
Arens 429, 430,441,454 Bruno 361,362
Aron 370, 376, 381, 382, 383, 387, Biihlmann 155
389, 391,392, 395, 400, 401,403, Bullinger 155, 157, 159, 165, 310, 316
454 Bultmann 206, 228, 235, 237, 248,
Auneau 206 308,357,421
Austin 135, 165 Buttrick 167
Avril 324, 325, 327, 329, 333, 334, Buzzetti 33, 35
336
C
B Caba 95, 165
Balz 168, 360,441 Camacho 244, 253
Bardy 342 Campanella 361
Barr 325 Carniti 202
Barthes 243, 253, 417, 418, 443 Carraher 321
Barton 186, 239, 258 Carter 356, 384, 392, 395, 396, 397,
Bauer, J.B. 167 398, 402, 403, 405, 406, 410, 411,
Bauer, W. 128, 165, 171 413,416, 433
Begrich, J. 197 Cartlidge 225
Belo 417, 418, 432, 441 Cazelles 167
Benko 431, 442 Chalcraft 358, 420, 442
511
Charpentier 206, 213, 417, 442 Elliot 414, 415, 416, 419, 420, 423, Girlanda 167 Johnson 377, 397, 445
Chouraqui 251,252 424, 425,431,432,443 Giroud95, 166 Joiion 169
Clements 398, 399, 409, 442 Ellul 213 Glasser 312
Clévenot 417, 418, 442 Escalle 95, 166 Gnilka 228, 252, 272, 277, 278, 279, K
Clines 132, 166, 169 Escande 95, 166 284, 296, 499 Kant 364, 365, 445
Coats 189, 239, 296 Eskenazi 356, 443 Gnuse 433, 474 Kautzsch 169
Coenen 168 Esler 424, 425, 432, 443 Gonzalez Echegaray 38 Kee 419, 420, 421,446
Cohn 382, 385, 442 Even-Shoshan 169 Gonzalez Lamadrid 190, 194, 273 Ketterer 336
Coleman 320, 323 Goodrick 207 Kippenberg411,412, 446
Comte 366, 367, 368, 369, 374, 376, F Goppelt 223, 260 Kirst 169
379, 383, 446 Fernandes 367, 386, 387, 389, 441, Gõssmann 384 Kittel 129, 166, 168
Context Group 363, 431,435, 436 443 Gottwald 357, 386, 398, 402, 406, Kohlenberger 171
Conybeare 170 Ferreira 32, 41,45, 69, 354, 358, 444 436, 437, 438, 439, 440,474 Konig 155
Corsini 213 Festinger 419, 444 Gougues 206 Koyré 362, 446
Coser 419, 442 Feuillet 167 Grant 431,432, 462,463,474 Krasovec 159, 166
Costacurta 250, 252 Fialho Rocha 354 Grech 257, 258 Kurz 441, 446
Cowley 169 Fitzmyer 252, 280, 296, 342, 343, Guerra Gomes 172
Cunha 166 437, 438, 439, 444 Gunkel 185,186, 229,231,403,413 L
Fohrer 189, 194, 196, 198, 202, 232, Laburthe-Tolra 392, 446
D 240 H Lacan 417, 446
Da Silva 8, 16, 350, 358, 411, 424, Forbes 170 Hadden 319, 320 Lacerda 391,446
442 Freedman 167, 186, 231, 239, 258, Hallel 327, 328 Lacueva 155, 157, 159, 165, 310, 316
Dahood 301 281,295 Hanson 360, 411, 431,445 Laffcy 354
Danker 171 Frick 410, 444 Harrington 280 Lambdin 169
Davidson 170 Fried 409, 444 Harrington, D. J. 252, 280, 296 Lane 223, 253, 277, 279, 293, 296
Davies 356, 392, 443 Friedrich 129, 166, 168 Harris 168 Lara 361, 363, 364, 365, 366, 368,
De Margerie 343 Fritz 409, 444 Hatch 131, 189, 193 446
De Oliveira 350, 358, 443 Fuller 210 Hegel 366, 384, 465 Lasor 166, 172
Dc Ste. Croix 433, 443 Funk 77, 152, 153, 158, 165, 171 Hengel 431,432, 451,466 Le Déaut 253, 265, 296, 330, 334,
Dcbrunner 152, 153, 158, 165, 171 Herr 355 336
Descartes 363, 364, 365, 368, 443 G Hobsbawm 387, 466 Lemche 405, 409, 446
Dibelius 186 Gager 418,419, 432 Hole 320, 340, 344 Lenhardt 324, 325, 327, 329, 333,
Diez Macho 333, 334, 336 Galileu 361,362, 368, 444, 448 Holmberg 420, 439, 466 334, 336
Driver 169 Garavelli 243, 252 Humpreys 325 Léon-Dufour 167
Droge 231,239 García Martinez 337 Hurtado 375 Lévêque 198
Dungan 225 Gargano 343 Limentani 337
Durkheim 366, 370, 371, 372, 373, Gebran 390, 444 I Lisowsky 169
374, 376, 377, 378, 379, 380, 382, Geden 171 Ianni 387, 466 Louw 128, 133, 134, 147, 166, 171
383, 384, 392, 393,396, 397,410, Geiger 391,446 Ilari 35 Lõwy 374, 375, 379, 380, 381, 435,
434, 440, 443, 444 George Stock 170 446
Geraldi 35 J Luciani 362, 448
E Giddens 384, 444 Jay 172
Egger 33, 35, 65, 92, 97, 176, 180, Gilbert 343 Jenni 132, 168 M
255, 266, 275,315 Gingrich 171 Jeremias 197, 244, 250, 252,431,445, MacDonald 425, 447
Elliger 40 Ginsburg 312 478 Mainville 44, 65, 258, 296
512 513
Malherbe 431, 432,447 O Schmidt 194 Terra 440, 449
Malina 421,422, 423, 431,432, 447 O’Rourke 431,442 Schneider, G. 168, 360,441 Terry 253, 275, 297
Malinowski 395, 440, 447 Overholt 396,411,448 Schneiders 343 Theissen 376,413,414,415,416,417,
Mandelkern 169 Overman 427, 428, 429, 448 Schnelle 176,240, 253,297 432, 434, 435, 449
Mannucci 38 Schottroff 432, 449 Thiel 402, 450
Martins 367, 368, 370, 378, 440, 441, P Schreiber 420, 449 Tõnnies 393, 450
447 Pagani 362, 448 Schreiner 189, 194, 196, 198, 206, Tov 52, 65, 170, 199, 254, 265, 297
Marx 375, 376, 383, 384, 385, 386, Panier 95, 166 239, 240, 254, 296, 297 Trebolle Barrera 38, 65, 240, 254,
387, 388, 389, 390, 391,396, 397, Perelman 243, 253 Schiissler-Fiorenza 189, 194, 196, 337, 343
409, 417, 434, 440, 441,444, 445, Pérez 333, 334, 336, 337 239, 253, 296, 354
446, 447, 448 Pérez Fernandez 337 Scott 44, 65 V
Marxsen 257, 296 Pesch 238, 239, 253, 289, 296 Sed-Rajna 332, 337 Vanni 213
Masini 27, 35 Pirot 342 Segalla 257, 258 Vermès 210
Mateos 149, 150, 151, 166, 172, 244, Pisano 65, 170 Sellin 189, 194, 196, 198, 202, 232, Verreira Vaz 354
253 Pontifícia Comissão Bíblica 435, 436, 240 Veuerbach 375
McLellan 387, 448 438, 449 Service 405, 449 Vilchez Lindez 198, 240
Meeks 424, 432, 448 Prigent 213 Shema 327, 329
Mendenhall 403, 404, 405, 406, 410, Prince 245, 253 Shupe319, 320 W
448 Purdue 413,449 Sicre 196, 232, 240, 409, 449 Waltke 168, 169
Merk 44 Simian-Yofre 218, 246, 253, 296, 343 Warmer 392, 446
Merton 376, 377 R Simonctti 343 Watson 167, 300, 301,302, 303, 310,
Mcsters 350 Rad 240 Smith 167, 172,369,397,449 316,424, 425,450
Metzger 65 Radcliffe-Brown 395, 440 Smitmans 240, 253, 296 Weber, M. 382, 385,419, 450
Meyers 354, 356, 384, 392, 397, 398, Rahlfs 40 Soulen 186, 240, 243, 244, 253, 296 Weber, R. 40
403,405, 406,410,411,413,433 Ravasi 167, 202, 244 Stambaugh 431,432, 449 Weiscr 240, 286
Monloubou 198, 202, 239 Redpath 131, 166, 170 Stauffer 166 Wcstcrmann 132, 168
Mosconi 350 Reimer 354 Steck 176, 240, 253,296 Wigoder 332, 337
Moulton 171 Remaud 336 Stegemann 432, 449 Wilson 411,423, 450
Mouncc 172 Richards 356,443 Stengcr 77, 85, 89, 96, 97, 119, 167, Wright 387, 450
Moxnes 425, 432,448 Rienecker 172 184, 186,240, 244, 253,296 Wiirthein 170
Munk 337 Ringgren 132, 168 Storniolo 202
Murphy 252, 280, 296, 342, 343 Rocha 82, 354 Strcckcr 176, 240, 253, 297 Z
Myers 253, 271, 286, 296, 425, 426, Rodriguez Carmona 252, 277, 282, Suaiden 8, 16, 323, 350 Zcngcr 240, 254, 297
427, 448 285, 295 Swanson 171 Zcrwick 167, 172
Rogers 172 Zimmermann 206, 210, 232, 240, 256,
N Rohrbaugh 358, 360, 361, 420, 422, T 258, 297
Nestle 39, 40 431,447, 449 Talcott Parsons 376, 377, 440
Ncusner 423, 448 Rossano 167 Taylor 167, 171, 172
Neyrey 360, 421,422, 430, 431,432, Roth 332, 337
447, 448 Rothkoff 332, 337
Nida 128, 133, 134, 147, 166, 171 Rudolph 40, 357
Nolii 152, 158, 166
Noth 401,402, 403,448 S
Sacconi 166
Scherer 155
514 515
Sumário
Apresentação......................................................................................... 7
Introdução.............................................................................................. 11
Impresso na gráfica da
Pia Sociedade Filhas de São Paulo
Via Raposo Tavares, km 19,145
05577-300 - São Paulo, SP - Brasil * 2003
Mas a pergunta que o eunuco faz
a Filipe continua válida e aguarda
sempre uma nova resposta: “Como
posso, eu também, interpretar o que
leio, se ninguém me ensina um mé
todo para fazê-lo? Gosto das interpre
tações que leio nos comentários, e
considero-as válidas, mas... e se eu
quiser chegar às minhas próprias
conclusões, qual caminho devo se
guir? Quais passos devo dar?”.
Este livro nasceu e am adureceu
no contato direto do autor com os
estudantes de pós-graduação em Es
tudos Bíblicos. Esta Metodologia de
exegese bíblica transforma-se, as
sim, em uma grande sala de aula,
cujas portas o autor abre para seus
leitores e os convida a se assentar
com seus alunos e a participar de
suas lições. Outros professores tam
bém se farão presentes e discorre
rão sobre outros métodos de leitura
bíblica (judaica, p atrística, femi
nista,popular, socioantropológica),
mostrando que não há nenhum mé
todo tão eficaz e perfeito a ponto de
sozinho substituir os demais.
O presente livro, portanto, quer
provocar quem o lê: “Torna-te, tu
também, um leitor ativo da Palavra
de Deus!”.
coleção Bíblia e H istória é um eficiente instru
ISBN 85-356-0643-2
9 788535 606430