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Revista Portuguesa de História

t. XXXII (1997-1998)

A industrialização da Alta-Estremadura no
final do antigo regime - breves notas de investigação

SAUL ANTÓNIO GOMES

Universidade de Coimbra

1 - O c o n h e c i m e n t o histórico dos q u a d r o s e c o n ó m i c o s e industriais q u e


caracterizaram o País em finais do A n t i g o R e g i m e t e m c o n h e c i d o , nos últimos
anos, um considerável d e s e n v o l v i m e n t o . N ã o c u m p r e arrolar aqui a já n u m e r o s a
1
bibliografia publicada sobre o t e m a . De um m o d o geral, os q u a d r o s analíticos

1
N ã o e s q u e c e n d o , c o n t u d o , e s t u d o s marcantes c o m o o de Jorge B o r g e s de M a c e d o , Problemas
de história da indústria portuguesa no século XVIII, L i s b o a , 1 9 6 3 [2." ed. L i s b o a , Q u e r c o , 1982], a
q u e d e v e r e m o s juntar os m i n u c i o s o s e s t u d o s de Luís Ferrand de A l m e i d a c o l i g i d o s na sua obra
Páginas Dispersas, Estudos de História Moderna de Portugal, Coimbra, Instituto de História
E c o n ó m i c a e S o c i a l da F a c u l d a d e de Letras de C o i m b r a , 1 9 9 5 . M a i s r e c e n t e m e n t e , a t e s e de Jorge
Miguel Viana Pedreira, Estrutura Industrial e Mercado Colonial. Portugal e Brasil (1780-1830),
L i s b o a , D i f e l , 1994. R e m e t e m o s para as s í n t e s e s sobre esta matéria d e s e n v o l v i d a s por A. H de
O l i v e i r a M a r q u e s , História de Portugal. Vol. II. Do Renascimento às Revoluções Liberais, Lisboa,
Palas Editores, 10.ª e d i ç ã o , 1 9 8 4 , pp 2 8 4 - 2 8 7 ; J o a q u i m V e r í s s i m o Serrão, História de Portugal.
Vol. V I . O Despotismo Iluminado (1750-1807), L i s b o a , Verbo, 1982, pp. 191-205; José Vicente
Serrão, "O quadro e c o n ó m i c o . C o n f i g u r a ç õ e s estruturais e t e n d ê n c i a s de e v o l u ç ã o " , História de
Portugal. Vol. 4. O Antigo Regime (Coord. de A n t ó n i o M. H e s p a n h a ) , L i s b o a , E s t a m p a , 1 9 9 3 , p p .
89-97.
Saul A n t ó n i o G o m e s

e n t r e t a n t o definidos permitiram um maior rigor, na definição da rede cartográ-


fica do f e n ó m e n o da industrialização em Portugal nos últimos d e c é n i o s de
Setecentos.
As fontes utilizadas pelos historiadores caracterizam-se, fundamentalmente,
por s e r e m produzidas a partir dos centros administrativos da Coroa, traduzindo-
-se n u m a tipologia d o c u m e n t a l c o m p o s t a sobretudo por estatísticas (dentro do
rigor q u e a sociedade intelectual do A n t i g o R e g i m e lhes conferia), informações,
relatórios ou m e s m o petições. A estas acrescem os arquivos das próprias fábricas,
raros para aquela época, posto que existentes, sobrevivendo a perdas, destruições
e d i s p e r s õ e s . U m a o u t r a fonte, q u e a g u a r d a m a i s a t e n ç ã o p o r p a r t e d o s
historiadores d e s t e f e n ó m e n o , consiste n o s registos notariais d e p o s i t a d o s por
t o d o s os arquivos regionais ou distritais portugueses. S e n d o fontes da maior
importância na reconstituição das micro-sociedades locais, contém, igualmente,
n u m e r o s a s informações para a temática da história da industrialização
portuguesa. N ã o apresentam estatísticas ou inquéritos oficiais. M a s d ã o - n o s a
realidade concreta, de c a m p o , d e b a i x o do p r i s m a da legalidade, que envolvia
todo o aparelho e c o n ó m i c o local e regional. C o m bastantes e l e m e n t o s , aliás,
inéditos ou m e s m o d e s c o n h e c i d o s da m a i o r parte dos investigadores. Pelo seu
e s t u d o e e x a m e , p o d e r e m o s , assim sendo, a m p l i a r significativamente os nossos
q u a d r o s de c o n h e c i m e n t o sobre a industrialização p o r t u g u e s a dos finais do
Antigo Regime.

D e m o n s t r a m o - l o , p o r e x e m p l o , para o c a s o da A l t a - E s t r e m a d u r a (ou, se se
preferir, da antiga E s t r e m a d u r a setentrional), e s s a m a n c h a industrializada do
centro do País q u e tinha no eixo dos c o n c e l h o s , c o m as fronteiras dessa época,
de P o m b a l - L e i r i a - A l c o b a ç a um dos mais significativos casos de toda a história
industrial de Portugal. N ã o era por acaso, aliás, q u e na p o v o a ç ã o da M a r i n h a ,
do c o n c e l h o leiriense até 1918, se erguia a m a i o r estrutura industrial de t o d o o
País, a famosa Fábrica dos Vidros (que, de John B e a r e chega aos Stephens)
2
o n d e l a b o r a v a m , por 1800, 5 1 5 o p e r á r i o s .

2
V d . V i s c o n d e de B a l s e m ã o , " M e m o r i a sobre a d e s c r i p ç ã o física e e c o n o m i c a do lugar da
Marinha Grande e suas vizinhanças", Memorias Economicas da Academia Real das Sciencias de
Lisboa, T. V, L i s b o a , 1 8 1 5 , pp. 2 5 7 - 2 7 7 ; Carlos Vitorino da S i l v a Barros, Real Fábrica de Vidros
A industrialização da Alta-Estremadura no final do antigo regime

2 - 0 p e r í o d o setecentista c o n h e c e u , n a região alto-estremenha, u m surto


das actividades oficinais e industriais. Na área d a s indústrias transformadoras
sobressairam os e n g e n h o s m e c â n i c o s de serração de madeiras, de tecnologia
holandesa, utilizados no Pinhal de Leiria em pleno reinado de D. J o ã o V ( 1 7 0 5 -
3
-1750) . São famosas as fábricas de vidro, primeiro de John B e a r e e, mais tarde,
dos Stephens na M a r i n h a G r a n d e . A Fábrica destes últimos tornar-se-á m e s m o
a maior e m p r e s a industrial do País no final do século XVIII, e m p r e g a n d o mais
de trinta mestres distribuídos pelas especialidades de p r o d u ç ã o de vidro, de
vidraça, de serralharia e de carpintaria. A estes s o m a v a m - s e n u m e r o s o s oficiais
especializados em tarefas m a n u a i s c o m o a a m a s s a g e m de barros, a atiçagem
4
dos fornos ou a m i n a g e m das areias finas .
A Real Fábrica do Juncal, fundada em 1770, é um outro caso desta d i n â m i c a
5
económica q u e a região c o n h e c e u . Trata-se de um dos e x e m p l o s m a i s p r e c o c e s
do p r o t a g o n i s m o da A l t a - E s t r e m a d u r a no d e s e n v o l v i m e n t o industrial do País.
Integrada no sector p r o d u t i v o c e r â m i c o , a Fábrica do Juncal não só era a m a i o r
estrutura do g é n e r o na região, cerca de 1800 (em torno de Leiria existiam 12
unidades oficinais c e r â m i c a s c o m 15 operários e em O u r é m 5 unidades c o m 10
operários), c o m o era a única unidade industrial c o m c a p a c i d a d e produtiva que
ultrapassava l a r g a m e n t e o c o n s u m o dos m e r c a d o s regionais p r ó x i m o s , s e n d o
as suas louças e n c a m i n h a d a s , via marítima (Porto da Pederneira), q u e r para as

da Marinha Grande. II Centenário ¡769-1969, Lisboa, Fábrica-Escola Irmãos S t e p h e n s , 1969 [2.ª


ed., Leiria, M a g n o , 1 9 9 8 ] ; J o a q u i m Barosa, Memórias da Marinha Grande, Marinha Grande, 3.ª
ed. (preparada por J o s é M. A m a d o M e n d e s ) , Câmara M u n i c i p a l da Marinha Grande, 1 9 9 3 ; L u í s
Ferrand de A l m e i d a , "A Fábrica de Vidros da Marinha Grande em 1774", Revista Portuguesa de
História, T. X V I I I ( 1 9 8 0 ) , p p . 2 9 2 - 3 1 1 . J o s é M. A m a d o M e n d e s , História da Marinha Grande.
Introdução e Perspectivas, Marinha Grande, Câmara Municipal da Marinha Grande, 1 9 9 3 . João
Cabral, Anais do Município de Leiria. Vol. III, Leiria, 2." ed., Câmara Municipal de Leiria, 1 9 9 3 ,
pp. 1 1 2 - 1 2 6 . S o b r e as v e l h a q u e s t ã o das "origens" vidreiras da Marinha, s e j a - m e permitido remeter
para o m e u e s t u d o : " N ó t u l a D o c u m e n t a l Sobre as O r i g e n s da Indústria Vidreira na Marinha Grande
(1747-1768)", Revista Portuguesa de História, T. XXV (1990), pp. 291-299. (Nestes estudos
encontra-se bibliografia m a i s a m p l a sobre o tema, q u e n o s d i s p e n s a m o s de citar aqui).
3
V d . Luís Ferrand de A l m e i d a , "O E n g e n h o do Pinhal do Rei no T e m p o de D. J o ã o V", Revista
Portuguesa de História, T. X ( 1 9 6 2 , pp. 2 0 3 - 2 5 6 . [ T a m b é m em Páginas Dispersas..., p p . 1-36].
4
C i t a d o por Jorge M. V. Pedreira, Op. cit. p. 184.
5
M a r i a F i l o m e n a S i l v a Martins, Azulejos do Juncal. Contributo para a história do azulejo em
Portugal, Leiria, D i f e r e n ç a , 1937. ( C o m bibliografia sobre o t e m a q u e e v i t a m o s repetir aqui).
Saul A n t ó n i o G o m e s

C a l d a s da R a i n h a e Torres Vedras, q u e r p o r via terrestre até à Barquinha, de


6
o n d e e m b a r c a v a m Tejo abaixo até L i s b o a .
A investigação histórica revela q u e existiram outras fábricas de manufac-
t u r a ç ã o têxtil e c e r â m i c a de inegável r e l e v â n c i a no tecido g e o - e c o n ó m i c o
e s t r e m e n h o do p ó s - 1 7 7 0 . Leiria (cidade e c o n c e l h o onde se integrava a Marinha
G r a n d e ) e A l c o b a ç a foram os dois pólos primaciais nesta história da indústria
nacional. A m b a s as cidades e c o n c e l h o s se afirmaram c o m o núcleos congre-
gadores de elevados investimentos do Erário público e de comerciantes nacionais
e estrangeiros, aqui se estabelecendo não só das maiores unidades de p r o d u ç ã o
industrial do País de finais de A n t i g o R e g i m e , c o m o sobretudo essas unidades
se c a r a c t e r i z a r a m p o r a d o p t a r e m as mais recentes inovações em maquinaria
industrial dessa é p o c a . N a l g u m a s dessas fábricas foram aplicados p r o g r a m a s
de integração dos operários verdadeiramente inovadores para a época, revelando
eles não só a actualização dos proprietários e directores ou gerentes dessas
indústrias, e m t e r m o s d e o r g a n i z a ç ã o d o s seus estaleiros p r o d u t i v o s , c o m o
s o b r e t u d o um inegável sentido filantrópico e de h u m a n i d a d e para c o m os seus
trabalhadores.

Foi na Real Fábrica de Lençaria e A l g o d ã o de A l c o b a ç a - fundada por u m a


s o c i e d a d e mercantil dirigida pelos c o m e r c i a n t e s lisboetas A n d r é Faria R o c h a e
A n t ó n i o Rodrigues de Oliveira, c o m um fundo de 52 contos, em parte subsidiado
pelo E s t a d o - que funcionou, em 1789, pela primeira vez em Portugal, a máquina
industrial jenny, inventada em Inglaterra em 1764, a qual permitia a um só
7
operário pôr em m o v i m e n t o até c e m fusos destinados ao fabrico de fio de trama .
Esta Fábrica foi u m a das estruturas industriais têxteis mais importantes do País
em finais de Setecentos. A sua estrutura v e r d a d e i r a m e n t e e m p r e s a r i a l d a v a
trabalho a 36 operários, para os quais foi criado, posto que de aplicação duvidosa,
um p r o g r a m a social integrador.

O r i u n d o s d e a m b i e n t e s p r o f u n d a m e n t e rurais, o s trabalhadores v i a m - s e
c o n s t r a n g i d o s a um horário e a u m a intensidade de trabalho rígidos e nada
habituais no trabalho c a m p e s i n o . Cerca de 1800, o director da Fábrica, A n t ó n i o

6
Jorge M. V. Pedreira, Op. cit, p. 123.
7
Jorge M. V. Pedreira, Op. cit., pp. 2 2 8 - 2 2 9 , 4 2 6 .
A industrialização da Alta-Estremadura no final do antigo regime

R o d r i g u e s d e O l i v e i r a , relatava q u e criara u m p r o g r a m a o c u p a c i o n a l para


contenção dos operários, à semelhança do e x e c u t a d o por G u i l h e r m e Stephens
na M a r i n h a G r a n d e , do qual constava a realização de j o g o s ( " h u m j o g o de bola
e dois de laranjinha"), nos D o m i n g o s e tardes dos Dias Santos, b e m c o m o da
edificação de um p e q u e n o teatro para distracção: "retirando-os [aos operários]
dos vícios, e d o s j o g o s r u i n o s o s a q u e a m o c i d a d e se inclina f a c i l m e n t e ,
8
acompanhando c o m pessoas de máos costumes".
Por 1793, a Real Fábrica de Lençaria e A l g o d ã o , e n t ã o propriedade dos
9
sócios Guillot e C a r v a l h o , renovava os seus estatutos j u r í d i c o s , abrindo-se a
um significativo investimento de capitais franceses. N o s anos seguintes, à frente
da administração desta Fábrica encontram-se franceses, recrutando-se na F r a n ç a
de p ó s - 1 7 8 9 m e s t r e s e oficiais especializados em t e c e l a g e m e, ao q u e p o d e m o s
concluir dos textos d o c u m e n t a i s , t a m b é m em e s t a m p a g e m , q u e para ela vieram
laborar. Em 1794, era seu administrador geral L o u i s Regnault. No ano seguinte,
foi contratado p a r a se estabelecer nesta fábrica Louis Chandelier, natural de
10
Rouen ( F r a n ç a ) . P o r e s s a época, era gestor e director da Fábrica M o n s i e u r
Julien Guillot, nela assistente em 1 7 9 5 . " Esta estrutura industrial c o n t i n u a v a
12 13 l4 15
activa em 1 7 9 6 , 1 7 9 7 , 1 7 9 9 e em 1 8 0 0 , e n c o n t r a n d o - s e s e m p r e na família
Guillot os seus a d m i n i s t r a d o r e s e gerentes.

S e g u n d o o historiador Jorge Pedreira, em 1793, funcionava em A l c o b a ç a


um e n g e n h o tipo water-frame, c o m 320 fusos, m a s m o v i d o por tracção animal.
S e g u n d o esse Autor, o: " m o t o r h i d r á u l i c o entrou em a c ç ã o [na F á b r i c a de
Alcobaça] em 1796, m a s a capacidade do m a q u i n i s m o fora reduzida para 16
b a n c a s e l o g o d o i s a n o s d e p o i s o a ç u d e ruiu, p r e j u d i c a n d o g r a v e m e n t e o
d e s e n v o l v i m e n t o d a fábrica. Assim, e m f i n a i s d o século X V I I I , era ainda e m

8
Jorge M V. Pedreira, Op cit., p p . 4 0 6 - 4 0 7 .
9
Arquivo Distrital de Leiria (= A D L ) - Reg. Notariais: Maiorga, 2-H-26, fls 12V°-19v°, 56v°-
-59v°.
10
A D L - Reg. Notariais: Maiorga, 2 - H - 2 7 , fls. 19-20v°, 67v°-70v°.
11
A D L - Reg. Notariais: Maiorga, 2 - H - 2 8 , fls. 9 6 - 9 9 .
12
A D L - Reg. Notariais: Maiorga, 2 - H - 3 0 , fls. 106v°-108v°, 174v°-176v°.
13
A D L - Reg. Notariais: Maiorga, 2 - H - 3 1 , fls. 5 4 - 5 6 v ° .
14
A D L - Reg. Notariais: Maiorga, 2 - H - 3 3 , fls. 3 9 v ° - 4 3 , 106v°-108V°.
15
A D L - Reg. Notariais:Maiorga, 2 - H - 3 4 , fls. 9 7 - 9 9 .
Saul A n t ó n i o G o m e s

A l c o b a ç a q u e a m e c a n i z a ç ã o e s t a v a m a i s a d i a n t a d a : a l é m de 28 jennies,
16
trabalhavam cinco m á q u i n a s c o m 2 0 4 fusos e u m a c o m 1 0 0 . " A sua capacidade
produtiva permitia-lhe garantir stoks permanentes, abastecendo, sem dificuldade,
a s n e c e s s i d a d e s c o n s u m i s t a s d o m e r c a d o n a c i o n a l , s o b r e t u d o a o nível d o
fornecimento de chitas para e s t a m p a g e m noutras fábricas portuguesas da época.
Em 1804, no entanto, a Real Fábrica de A l c o b a ç a , representada por D o m i n g o s
Teodoro Henriques, contrata-se c o m Mestre Luca Turreal, genovês, para se passar
17
a m a n u f a c t u r a r veludo nas suas instalações. Isso poderá ser interpretado c o m o
significando um sintoma da e x p a n s ã o do n e g ó c i o e da especialização no fabrico
de p r o d u t o s de c o n s u m o destinados às altas hierarquias sociais, no q u e respeitava
a v e s t u á r i o ou a aprestos de requinte d e c o r a t i v o d o m é s t i c o , ou aos centros
eclesiásticos c o m o fossem igrejas e mosteiros o n d e se c o n s u m i a largamente tão
p r e c i o s o tecido nos mais diversificados objectos de culto e de d e c o r a ç ã o .

Era t a m b é m em Alcobaça que funcionava, em 1796, u m a Fábrica de


18
A g u a r d e n t e , q u e ultrapassava largamente, c o m o se infere pelo título, a simples
estrutura d o m é s t i c a oficinal.
O sector têxtil teve na cidade de Leiria um outro núcleo de importante acção.
Q u e r ao nível do a l g o d ã o , quer ao nível do linho e da lã - e l e m b r a r e m o s aqui a
1 9
i m p o r t â n c i a d o s linhares n a região ainda nos inícios d o século X X - , existiam
em Leiria b o a s c o n d i ç õ e s para a m a n u f a c t u r a ç ã o destas matérias-primas. Era
j u n t o de Leiria q u e funcionava u m a p e q u e n a fábrica de fiação de a l g o d ã o cerca
de 1800, e m p r e g a n d o , no entanto, uns m o d e s t o s três operários. Em 1 7 9 1 , era
proprietário da Fábrica das Fitas de S e d a de Leiria o c o m e r c i a n t e J o s é M i d o s i ,
de o r i g e m p r o v a v e l m e n t e italiana. A sua Fábrica d a v a e m p r e g o e s s e n c i a l m e n t e
a m ã o - d e - o b r a feminina, nela a p a r e c e n d o , no entanto, c o m o " f a b r i c a n t e s " e
" a s s i s t e n t e s " , estrangeiros c o m o Luigi Rouveri e J o s é D o r m a n d e, ainda, um
p o r t u g u ê s d e seu n o m e A n t ó n i o G o m e s . S u b l i n h e - s e q u e t o d o s estes inter-

16
Jorge M. V. Pedreira, Op. cit., p. 2 2 9 .
17
A D L - Reg. Notariais: Maiorga, 2 - H - 3 4 fls. 149-151v°.
18
A D L - Reg. Notariais Maiorga, 2 - H - 2 8 , fls. 115-116.
19
V d . Ernesto Veiga de Oliveira, Fernando G a l h a n o e B e n j a m i m Pereira, Tecnologia Tradicional
Portuguesa. O Linho, L i s b o a , I N I C , 1978, passim: João Cabral, Op. cit., Vol. III, pp. 5 8 - 6 0 .
A industrialização da Alta-Estremadura no final do antigo regime

venientes r e v e l a m a l g u m a cultura letrada, d o m i n a n d o a escrita e autografando


o registo contratual lavrado no cartório notarial de J o a q u i m A n t ó n i o d a s N e v e s
[Vd. A p ê n d i c e , D o c . 1].
C o m o mestra das aprendizas, José Midosi contratou, naquele ano, u m a Luísa
Monnet, a d o b a d e i r a , de o r i g e m muito p r o v a v e l m e n t e francesa, a qual deveria
p e r m a n e c e r na e m p r e s a durante dois anos a fim de dar: " L i ç a m e E n s i n o a todas
as A p r e n d i z a s da Fabrica c o m que se poder ocupar; m a s no fim do dito t e m p o
só sera o b r i g a d a a dar prefeitamente formadas no Trafico da dita Fabrica a d u a s
Aprendizas de sorte q u e estejam capazes de ficar na dita Fabrica e n s i n a n d o do
m e s m o m o d o q u e a g o r a fáz a dita M e s t r a trauzando, e repartindo a seda e tudo
o mais q u e he necessario, e a g o r a se fáz (...)". J o s é M i d o s i , pelo seu lado,
c o m p r o m e t i a - s e a pagar o alojamento a esta M e s t r a A d o b a d e i r a p a g a n d o - l h e
10 800 réis p o r s e m a n a . No contrato estabeleceu-se c o m todo o cuidado o horário
de trabalho na Fábrica: " S e r á obrigada a dita M e s t r a a assiztir na dita Fabrica
todos os dias de trabalho, h e m q u e d e v e r a m [principiar] pellas seis horas da
M a n h ã a athé á noutte tirando duas horas cada dia para seu d e s c a n s o , e pera hir
comer; e de J n v e r n o principiará a horas q u e b e m se veja para trabalhar, e acabará
20
pellas o u t o horas da noute tirando cada dia outras duas h o r a s " .

P o r 1801 e 1 8 0 2 , f u n c i o n a v a m na F á b r i c a de F i t a s de A l g o d ã o e de
Estamparia de Leiria m á q u i n a s do tipo flying-shuttle, d e s i g n a d a s por "theares
de nova i n v e n ç ã o " , sinal da c a p a c i d a d e de integração das novas tecnologias e
maquinarias na actividade produtiva local. Em 1804, G u i l h e r m e Peel,
referenciado c o m o proprietário desta Fábrica leiriense, enviou um p r o c u r a d o r a
Inglaterra a fim de q u e tentasse recrutar c i n c o mestres ingleses de fiação para
virem laborar na oficina leiriense, orientando o trabalho e a m a q u i n a r i a m o v i d a
a energia h i d r á u l i c a q u e se haveria de adquirir t a m b é m em s o l o britânico.
Pretendia-se adoptar, m u i t o p r o v a v e l m e n t e , a water-frame, para q u e se p u d e s s e
laborar: "ao m o d o Inglez, c o m e n g e n h o s m o v i d o s por A g o a , e m Fiação, Tecidos,
21
Branquearia, E s t a m p a r i a e T i n t u r a r i a " . A principal dificuldade de G u i l h e r m e

20
A D L - Reg. Notariais: - Leiria, 9 - E - 3 3 , fls. 3 3 - 3 3 v ° .
21
Jorge M. V. Pedreira, Op. cit., p. 2 1 7 - 2 1 8 , 2 2 6 , 2 2 9 - 2 3 0 .
Saul A n t ó n i o G o m e s

Peel era, no entanto, a do recrutamento de m ã o - d e - o b r a capaz. Ele considerava


a i m p o s s i b i l i d a d e de m a i o r e s níveis produtivos d e v i d o à: "falta de rapazes [que]
tem c a u z a d o h u m g r a n d e impate, e t e m sido a c a u z a de alguns officiaes que se
tem auzentado, estão tão acostumados à ociosidade e mendicancia, que estranhão
a disciplina e s u g e i ç ã o de h u m a Fabrica". Estas dificuldades t a m b é m foram
22
e n c o n t r a d a s nas F á b r i c a s de Tomar, Torres N o v a s e A l c o b a ç a .
T a m b é m existia na cidade de Leiria, em 1802, u m a Fábrica de Chapelaria,
p r o p r i e d a d e de M a n u e l J o s é da Costa, nela s e n d o M e s t r e - s o m b r e i r e i r o António
Pereira. N a q u e l e a n o , foi efectuado um contrato de a p r e n d i z a g e m do ofício de
s o m b r e i r e i r o e m favor d e Rafael C a r r e i r a G a i ã o , filho d o Alferes António
Carreira G a i ã o , naturais do lugar do Telheiro (Leiria), a fim de q u e , no decurso
de q u a t r o a n o s , fosse e n s i n a d o àquele aprendiz tudo: " q u a n t o pertense ao offi-
cio de s o m b r e i r e i r o q u e he lavar L a n s , carpiar, cardar, Arcar, vastir, Jmfortir,
Tingir, e lustrar e tudo o mais c o m as circonstancias, e perfeição que se requer
q u e c o n s t a de muitas m i u d e z a s (...)". [Vd. A p ê n d i c e , D o c . 2 ] .
A p e s a r de se tratar de u m a unidade industrial, o sistema de aprendizagem
d e c a l c a v a a i n d a o c o s t u m e oficinal d o m é s t i c o característico do A n t i g o Regime.
O aprendiz c o m e ç a v a pelos trabalhos mais indesejáveis e b a i x o s , subindo a
p o u c o e p o u c o na escala profissional. Ao fim dos primeiros dois anos teria
direito a a l g u m vestuário distintivo e, c o n c l u í d a a a p r e n d i z a g e m quadrienal,
ascenderia ao p o s t o de oficial sendo-lhe e n t ã o d a d o um " v e s t i d o " c o m p l e t o .
O aprendiz, e n q u a n t o não h o u v e s s e outro na Fábrica, seria o b r i g a d o : "a
varrer as c a z a s da Fabrica, ferir l u m e , fazer c a m a s aos officiaes e fazer recados
c o m d u c e n t e s a m e s m a Fabrica, e destes s o m e n t e se lhe dispenssa a obrigação
d e c a r r e t a r A g o a , hir a o A s s o u g u e b u s c a r c a r n e , o u P e i x e e t o d a s a s mais
o b r i g a ç o e n s do c o s t u m e que ha em todas as Fabricas de s o m b r e i r e i r o " . Ao
Mestre-oficial, a l é m do ensino de todos os segredos da arte, c u m p r i r i a lançar
nas: "folhas s e m a n a r i a s da dita Fabrica ou declarar a q u e m as escreva q u a n t o se
d e v e lançar nas m e s m a s folhas que são d e s p e z a s e Jornais diarios dos officiaes
e A p r e n d i z e s e destes explicará em q u e se o c u p a r ã o e a q u a n t i d a d e q u e fizerão

Jorge M. V. Pedreira, Op. cit., p. 4 0 0 .


A industrialização da Alta-Estremadura no final do antigo regime

de chapeos para asim se c o n h e s e r e contar a o b r i g a ç ã o a q u e c a d a h u m faltou


em os dias de c a d a s e m a n a e para nam p o d e r e m alegar d u v i d a s asignaram a dita
folha (...)". Ao proprietário da Fábrica cumpriria dar-lhe sustento d e : " c a m a e
Meza c o m o he c u s t u m e nas ditas Fabricas e igualmente se o b r i g a v a a dar lhe
dous vestidos c o m o he uzo das ditas Fabricas que consta no m e i o do t e m p o q u e
he aos dous a n n o s p o r huns calçoens de Tripe em dinheiro mil e o u t o c e n t o s
reis,, e no fim do t e m p o q u e he aos quatro a n n o s o s e g u n d o e ultimo vestido q u e
consta,, Por uns çapatos seiscentos reis,, Por h u m Par de M e i a s q u a t r o c e n t o s e
outenta reis,, Por h u n s c a l ç o e n s de Tripe mil e outocentos reis,, P o r h u m Collete
de Baeta seiscentos reis,, p o r h u m a veste de P a n o fino d o u s mil e q u a t r o c e n t o s
reis,, Por h u m a s fivellas duzentos e quarenta reis,, Por u m a c a m i z a seiscentos
reis,, Por h u m a gravata duzentos e quarenta reis,, Por h u m c h a p e o seiscentos
23
reis,, Por h u m c a p o t e sinco mil r e i s " .

U m a outra F á b r i c a de C h a p é u s , b e m mais c o n h e c i d a do q u e a p e q u e n a
unidade leiriense, em parte devida ao investimento e p r o t e c c i o n i s m o da Coroa,
foi a Real Fábrica de C h a p é u s F i n o s da Q u i n t a da G r a m e l a , em P o m b a l , de q u e
era juiz conservador, em 1 7 7 1 , o Dr. Constantino Barreto de Sousa, o u v i d o r e
24
juiz dos órfãos d a q u e l a vila, b e m c o m o do D e s e m b a r g o de S u a M a j e s t a d e .
Foi nela q u e se iniciou, decerto sob orientação dos franceses Fournol, mais
arde fundadores de outras fábricas de chapelaria em A b r a n t e s e no Porto, a
utilização das peles de c o e l h o e de castor na confecção de c h a p é u s que tinham
25
larga aceitação no m e r c a d o nacional e c o l o n i a l .
Eram mais frequentes, na região alto-estremenha, as oficinas para-industriais
de curtumes (sete em Leiria para 19 operários), u m a em A l c o b a ç a para 17
26
trabalhadores, oito e m O u r é m para 3 3 oficiais d e s e r v i ç o . Eram também
significativas as olarias (12 em Leiria para 15 serventuários), 5 em O u r é m (para
um total de 10 operários) e u m a outra, t a m b é m na região, c o m 14 trabalhadores.
Os lanifícios t r a d i c i o n a l m e n t e produzidos em M i n d e e em M i r a de Aire -

23
A D L - Reg. Notariais: Leiria, 9 - E - 4 1 , fls. 2 4 4 - 2 4 5 .
24
A D L - Reg. Notariais: Leiria, 9 - E - 1 3 , fls. 144v°- 149v°.
25
Jorge M. V. Pedreira, Op cif., pp. 280, 426-427.
26
Jorge M. V. Pedreira, Op. cit., p. 104.
Saul A n t ó n i o G o m e s

c o m fama q u e atinge o p l e n o século XX - não a c o m p a n h a r a m , no entanto, este


p r o c e s s o d e d e s e n v o l v i m e n t o t e c n o l ó g i c o p r o t a g o n i z a d o pelas fiações d e
27
A l c o b a ç a e de L e i r i a . Na Serra de Aire, efectivamente, não se processou a
i m p l a n t a ç ã o de n o v o s m é t o d o s de trabalho, p e r m a n e c e n d o activos os ancestrais
hábitos de serviço oficinal d o m é s t i c o , longe, p o r isso m e s m o , da concentração
de maquinaria e do d e s e n v o l v i m e n t o de actividades especializadas de
m a n u f a c t u r a ç ã o . Em M i n d e ou em Mira de Aire o processo de fabrico de mantas
e outros lanifícios p e r m a n e c e u agarrado às estruturas oficinais rurais, em que a
t e c e l a g e m e a tinturaria se e x e c u t a v a m nos intervalos do trabalho rural e c o m o
c o m p l e m e n t o e c o n ó m i c o do a g r e g a d o familiar. O c a m p o n ê s n u n c a se tornou
v e r d a d e i r a m e n t e operário.

3 - Pelos e l e m e n t o s apresentados, verifica-se a importância d o s quadros


estrangeiros na i m p l e m e n t a ç ã o da industrialização regional alto-estremenha.
C o m o , aliás, em toda a m a n c h a industrial portuguesa. A história destes
" i m i g r a n t e s " e s p e r a t a m b é m o s seus estudiosos. M a s p o d e r e m o s referenciar,
d e s d e j á , q u e outros estrangeiros h o u v e que tiveram interesses e c o n ó m i c o s na
região.
Em 1736, assistia no E n g e n h o da M a r i n h a [Grande] o E n g e n h e i r o J o ã o de
28
Vitte. M a i s tarde, e n c o n t r a m o s entre os proprietários da região pessoas c o m o
A n t h o n y Plomer, britânico, residente no Casal da Lebre (Mouta, c. Leiria), autor
de u m a d o a ç ã o a Anastácia Maria, c a s a d a c o m Ezequiel de Sousa, filha de
M a r i a Teresa, do lugar do S o u t o da Carpalhosa, em favor de duas crianças,
29
A n t ó n i o P l o m e r e Teresa M a r i a . Britânico era t a m b é m William S t e p h e n s , o

27
V d . A n t ó n i o Martins C a c e l a , Porto de Mós e seu Termo, Torres N o v a s , [ed. do A u t o r ] , 1977,
pp, 1 9 5 - 2 0 0 et passim.
28
A D L - Reg. Notariais: Leiria, 9 - D - 8 , fls. 168-168v°.
29
" E m razão de ter s i d o sua criada tratando o n e s s e t e m p o c o m todo o d e s v e l l o , e n g o m a n d o l h e
a sua roupa, tratando o nas suas infirmidades no q u e t e v e h u m grande trabalho, e a l e m d i s s o pela
maior razão de terem e s t e s em sua c a z a h u m m e n i n o por n o m e A n t o n i o P l o m e r a q u e m a m a e
e s t i m a e l l e D o a n t e c o m o filho, por cuja razão de sua propria e Livre v o n t a d e , e em r e m u n e r a ç ã o
d o s referidos s e r v i ç o s , e e s p e c i a l m e n t e para o fim da criação do dito m e n i n o , pela presente espriptura
e na m e l h o r forma q u e em Direito lugar haja, lhe dá, e doa o uzufruto de huas C a z a s c o m s e o
serrado e c o m t o d a s as suas serventias e logradouros no lugar da Mouta de B a i x o (...) e T h e r e z a
A industrialização da Alta-Estremadura no final do antigo regime

30
famoso proprietário da Fábrica de Vidros da Marinha, localidade o n d e r e s i d i a .
Era t a m b é m o c a s o de D. H e l e n a Tudejer, v i ú v a de T h o m a s Tudejer, inglês,
com residência em L i s b o a no ano de 1797, d e t e n d o , no entanto, propriedades
31
na zona de A l c o b a ç a .
Entre os franceses, para além dos m e n c i o n a d o s c o m e r c i a n t e s e industriais
proprietários de fábricas em Leiria ou em A l c o b a ç a , c i t a r e m o s os c a s o s de
Monsieur F r a n c i s c o Luis Faget, assistente na Quinta da M a d a l e n a (Leiria), por
1798 e 1802. Seria p o r v e n t u r a de n a ç ã o francesa, o B a r ã o de R o s e t , c o m
32
propriedades p r ó x i m a s t a m b é m d a Q u i n t a d a M a d a l e n a ( L e i r i a ) . U m outro
ilustre proprietário leiriense, era Reinaldo O u d i n o t , S a r g e n t o - m o r de Infantaria
"com exercício de E n g e n h e i r o " , assistente em Vieira de Leiria, em 1 7 8 1 , e,
mais tarde, proprietário da Quinta da Ponte da Pedra (Regueira de Pontes) (1799-
33
-1802).
N o m e i a - s e entre outros n o m e s estrangeiros, ou d e s c e n d e n t e s destes, o de
D. Maria Violante da M o t a Velasquez Sarmento, proprietária da Quinta de U l m a r
ou do Rio (freg.ª M o n t e Real), viúva de A n t ó n i o O s ó r i o Cabral de Pina e M e l o
34
e c u n h a d a de D. Rita O s ó r i o Cabral de Pina e M e l o ( 1 7 9 4 e 1 7 9 9 ) . Foi depois
das Invasões Francesas, c o m o se sabe, que alguns outros estrangeiros se fixaram
35
na região d a n d o o r i g e m a famílias de prestígio. A l g u m a s dessas famílias tornar-
se-ão r e s p o n s á v e i s , ao l o n g o d o s séculos X I X e X X , p e l o surto industrial q u e a
região p r o t a g o n i z a no Portugal c o n t e m p o r â n e o .

Maria q u e se e s t á c r i a n d o em c a z a de Joaquim Jorge da M o u t a de Riba, a o s q u a i s tem tanto a m o r


C o m o se f o s s e m s e o s filhos proprios" ( A D L - Reg. Notariais: Batalha, 5 - G - 2 1 , fls. 1 1 4 - 1 1 5 v ° ) .
10
A D L - Reg. Notariais: Leiria. 9-E-39, fls.l33-134v°.
31
A D L - Reg. Notariais: Maiorga, 2 - H - 3 1 , fls. 41 - 4 4
32
A D L - Reg. Notariais: Leiria. 9 - E - 3 9 , fls. 1 3 9 v ° - 1 4 0 ; 9 - E - 4 1 , fls. 2 6 4 v ° - 2 6 5 .
33
A D L - Reg. Notariais: Leiria. 9 - E - 2 4 , fls. 1 3 1 v ° - 1 3 4 ; 9 - E - 3 8 , fls. 5 5 - 5 5 v ° ; 9 - E - 4 0 , fls. 4 4 -
4 5 v ° , 5 4 - 5 4 v ° ; 9 - E - 4 1 , fls. 2 4 - 2 5 v ° .
34
A D L - Reg. Notariais: Leiria, 9 - E - 3 6 , f l s . l 9 v ° - 2 2 ; 9 - E - 4 0 , fls. 105v°-107.
35
O c a s o m a i s c o n h e c i d o é o da família Charters. M a s outras há m e n o s c o n h e c i d a s c o m o
a c o n t e c e c o m o s S u o r d e m , d a z o n a d a Calvaria (c. Porto d e M ó s ) , é t i m o derivado d o inglês " s w o r d "
(espada), em referência ao s o l d a d o inglês q u e d e c i d i u instalar-se na região. É u m a história ainda
por fazer...
APÊNDICE DOCUMENTAL

Doc. I

1791, Janeiro, 19, Leiria - Contrato feito entre José Midosi, proprietário da Fábrica
das Fitas, de Leiria, e Luísa Monnet, adobadeira, para ensinar todas as aprendizas da
Fábrica, por dois anos, pelo preço de dez mil e oitocentos réis semanais.
Arq. Distr. de Leiria - Reg. Notariais: Leiria, 9-E/33, fls. 33-33v°

D(istribuid)a fl.65v°
F(ora) 2. Escriptura de contracto e ajuste que fazem Joze Midosi
Proprietario da Fabrica das fitas desta cidade de Leyria
e Luiza Monnet Adobadoira da dita Fabrica,

Saibam Quantos Este publico Jnstromento de Carta de contracto e ajuste e convençam


ou como em Direito mais valido seja e dizer se possa virem que sendo no Anno do
Nascimento de Nosso Senhor Jehsus Christo de mil setecentos e noventa e hum annos
aoz dezanove dias do mes de Janeiro do ditto anno nesta cidade de Leyria e cazas de
morada de Jozé Midosi Proprietario das Fitas desta mesma cidade ahy foram prezentes
de huma parte o dito Joze Midosi pessôa que Eu Tabeliam conheço, e de outra Luiza
Monnet Adobadoira da ditta Fabrica, pessôa conhecida das Testemunhas ao diante
nomiadas e asignadas, e por elles ambos junctamente e cada hum de per sy me foy ditto
perante as mesmas Testemunhas que era verdade que elles entre sy por este publico
Jnstromento estavam ajustadas, e convencionados com as condicoens // (F1.33v°) Com
as Condicoens seguintes, as quais ambos prometem dar cumprimento a saber:
Promette a ditta Luiza Monnet que se nam Auzentará da ditta Fabrica antes de acabar
o tempo convencionado de dois annos consequtivos, que principiarão no primeiro de
Janeiro deste presente anno de mil setecentos noventa e hum, e findarám no ultimo dia
do més de Dezembro de mil setecentos noventa e dois:
E promette elle ditio Jozé Midosi de a nam despedir antes do dito tempo, e só por
cauza necessaria, ou Razam sufficiente arbitrio de Julgador se poderá hir contra o que se
ajusta a este respeito:
Será obrigada a trabalhar no dito tempo dando Liçam, e Ensino a todas as Aprendizas
da Fabrica, com que se poder ocupar; más no fim do dito tempo só será obrigada a dar
prefeitamente formadas no Trafico da dita Fabrica a duas Aprendizas de sorte que estejam
capazes de ficar na dita Fabrica ensinando do mesmo modo que agora fáz a dita Mestra
trafuzando, e repartindo a seda e tudo o mais que he necessario, e agora se fáz; porem

16
Saul A n t ó n i o G o m e s

huma das duas Aprendizas estará perfeita sómente no trafuzar thé ao més de Junho deste
anno de mil setecentos noventa e hum:
Será obrigado o dito Outorgante Joze Midosi pagar á dita Mestra todos os mezes Por
todo o dito Tempo dos dois annos a dés mil e outoCentos reis semanais sem outra condiçam
dando lhe Quarto para assistir em todo o tempo à custa do dito Jozê Midosi:
Será obrigada a dita Mestra a assiztir na dita Fabrica todos os dias de trabalho hem
que deveram pellas seis horas da Manhãa athé á nouthe tirando duas horas cada dia para
seu descansso, e para hir comer; e de Jnverno principiará a horas que bem se veja para
trabalhar, e acabará pellas outo horas da noute tirando cada dia outras duas horas;
E nesta forma disseram elles dittos Outorgantes estauam ajustados e contratados, e
queriam que esta escriptura valese como nella se conthem, e na milhor forma que o
Direito permitte, e ambosª a aceytauam, e se obrigauam a todas as clauzolas e condicoens
delia. E em fe e testemunho de verdade assim o disseram e outorgaram e mandaram
fazer este publico Jnstromento nesta Notta e delia dar os traslados necessarios que
cumprirem deste Theor que aceytaram e Eu Tabeliam pellos auzentes a que tocar possa
quanto o Direito me permite e foram Testemunhas a tudo prezentes perante as quais esta
por mim lhes foj lida e que com elles aqui asignaram. Joze Dormand assistente na dita
Fabrica que asignou a Rogo da Outorgante e Luiz Rouveri e Antonio Gomes ambos
Fabricantes da mesma Fabrica. Joaquim Antonio das Neues publico Tabeliam de Nottas
que o Escrevi. E declaro que diz a entrelinha na primeira lauda regras seis = da Fabrica
= o sobredito o declarei.
a) Joze Midosi.
a) Rogo da subreDitta: Jozé Dormand
a) Luigi Roueri.
a) Antonio Gomes. //

a) Corrigi de: "amabos".


A industrialização da Alta-Estremadura no final do antigo regime

Doc. 2

1802, Janeiro, 25, Leiria - Contrato estabelecido entre Rafael António Gaião, do
Telheiro (c. Leiria), e António Pereira, mestre sombreireiro da fábrica de Chapéus de
Manuel José da Costa, de Leiria.

Arq. Distr. de Leiria - Reg. Notariais: Leiria, 9-E/41, fls.244-245

F(ora) 1 - Escritura de comtrato e obrigaçam que fazem Rafael Antonio Gaião com
autoridade de seu Pay o Alferes Antonio Carreira Gaião e como Fiador do dito seu filho
ambos do lugar do Tilheiro termo desta cidade com Antonio Pereira Mestre sombreireiro
da Fabrica da chapeos de Manuel Joze da Costa da mesma cidade, e com o dito Manuel
Joze da Costa.

Saibão quantos este Publico Jnstromento de Carta de comtrato e obrigação virem


que no Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jezus Christo de mil outocentos e dous
annos aos vinte e sinco dias do mes de Janeiro do dito anno nesta cidade de Leiria e
cazas de morada de mim Tabeliam ao diante nomeado ahi sendo prezentes Antonio
Pereira Mestre sombreireiro da Fabrica de chapeos de Manuel Joze da Costa Dono da
dita Fabrica, e Rafael Antonio Gaião e seu Pay o Alfferes Antonio Gai digo Antonio
Carreira Gaião do lugar do Tilheiro termo da dita cidade todos pessoas conhesidas de
mim Tabeliam e das Testemunhas abaixo asignadas ahi pelo dito Mestre Antonio Pereira
me foi dito perante ellas que por este // (F1.244v°) Este Publico Jnstromento de sua livre
vontade tinha ajustado com o dito Manoel Antonio Gaião com autoridade de seu Pay o
Alfferes Antonio Carreira Gaião de o emsinar no officio de sombreireiro e a po 11o
promto e perfeito no dito officio no decursso de quatro annos com as comdiçoens e
obrigaçoens,.
Que o dito Aprendis será obrigado a estar as ordens do dito seu Mestre para este lhe
emsinar quanto pertense ao officio de sombreireiro que he lavar Lans, carpiar, cardar,
Arcar, vastir, Jmfortir, Tingir, e lustrar e tudo o mais com as circonstancias, e perfeição
que se requer que consta de muitas miudezas e isto no dito espasso de quatro annos,,
Que o dito Aprendis alem do que pertense ao dito officio e emquanto não houver
outro Aprendis será obrigado a varrer as cazas da Fabrica, ferir lume, fazer camas aos
officiaes e fazer recados comducentes a mesma Fabrica, e destes somente se lhe dispenssa
a obrigação de carretar Agoa hir ao Assogue buscar carne, ou Peixe e todas as mais
obrigaçoens do custume que ha em todas as Fabricas de sombreireiro,,
Saul A n t ó n i o G o m e s

Que o dito Aprendis fica (e) ficará obrigado a cumprir todas as referidas comdiçoens
sem alegar impossibilidade athe completar o Numero dos ditos quatro annos porque os
dias que faltar na dita Fabrica por culpa, omição, ou molestia ha de compor e os dias que
trabalhar e não fizer a obrigaçam de quantidade e bondade que lhe compette ao tempo
que fizer as faltas da mesma forma lhe seram com todas para as compor por sua pessoa
ou por seus bens ou de seu fiador:
E pello dito Mestre foi mais dito que elle se obrigava por sua pessoa e por todos os
seus bens a emsinar o dito Aprendis com bom modo sem lhe ocultar ao tempo devido
quanto lhe deve emsignar, e que tambem se obriga a fazer todas as folhas semanarias da
dita Fabrica ou declarar a quem as escreva quanto se deve lançar nas mesmas folhas que
sao despezas e Jornaes diarios dos officiaes e Aprendizes e destes explicará em que se
ocuparão e a quantidade que fizerão de chapeos para asim se conheser e contar a obrigação
a que cada hum faltou em os dias de cada semana e para nam poderem alegar duvidas
asignaram a dita folha e pello sobredito Manuel Joze da Costa Dono da dita Fabrica foi
dito que elle se obrigava pellos seus bens a sustentar o dito Aprendis de cama e Meza
como he custume nas ditas Fabricas e igualmente se obrigava a dar lhe dous vestidos
como he uzo das ditas Fabricas que consta no meio do tempo que he aos dous annos por
nuns calçoens de Tripe em dinheiro mil e outocentos reis,, por hum collete de baeta
seiscentos reis,, por huma veste de Pano fino dous mil: e quatrocentos reis,, Por huma
camiza seiscentos reis,, e no fim do tempo que he aos quatro annos o segundo e ultimo
vestido que consta,, Por huns çapatos seiscentos reis,, Por hum Par de Meias quatrocentos
e outenta reis,, Por huns calçoens de Tripe mil e outocentos reis,, Por hum Collete de
Baeta seiscentos reis,, por huma veste de Pano fino dous mil e quatrocentos reis,, Por
humas fivellas duzentos e quarenta reis,, Por huma camiza seiscentos reis,, Por huma
gravata duzentos e quarenta reis,, Por hum chapeo seiscentos reis,, Por hum Capote
sinco mil reis,,
E promete o Dono da dita Fabrica ao dito Aprendis que fazendo este bem as suas
obrigaçoens // (Fl. 245) obrigaçoens de forma que pellas folhas semanarias conste, perdoar
lhe alguns Mezes dos ditos quatro annos comforme lhe achar merecimentos e no Cazo
de faltar o dito Mestre Antonio Pereira que agora asigna a sua obrigacam obriga se
tambem elle dito Dono da Fabrica a apromtar outro Mestre para o emsinar na mesma
Fabrica e sendo incomveniente a comservação da dita Fabrica ou duvidoso achar Mestre
para ella lhe procurará Mestre em outra terra para acabar o tempo de quatro annos de
emsino e isto como deve ser:
E pello dito Aprendis Rafael António Gaião me foi dito que pella autoridade que
tinha alcançado de seu Pay se sugeitava a todas as comdiçoens desta escritura no referido
tempo do(s) ditos quatro annos e aprehender quanto pudese as suas obrigaçoens pela sua
A industrialização da Alta-Estremadura no final do antigo regime

pessoa e toda a perda e damno que cauzase pella falta das suas obrigaçoens E para maior
segurança pello sobredito Alferes Antonio Carreira Gaião Pay do referido Aprendis foi
dito que elle tinha dado outoridade ao dito seu filho para se poder obrigar a todas as
comdiçoens desta escritura e que era comtente em ser fiador abonador e principal pagador
de toda a perda ou damno que o dito seu filho podese cauzar a dita Fabrica ou ainda pella
perda da falta das suas obrigaçoens aqui referidas ao que obrigava sua pessoa e todos os
seus bens moveis e de rais havidos e por haver dando porem o sobredito Mestre da
Fabrica, e Dono delia inteira satisfação ao prometido nesta Escritura e outrosim mais foi
declarado que o dito Aprendis se lhe principiou a contar o tempo dos referidos quatro
annos do seu emsino em o primeiro dia do mes de Janeiro deste prezente anno E em fe e
testemunho de verdade assim o diserão e outorgaram e mandarão fazer este Publico
Jnstromento nesta Notta que aceitaram eu Tabeliam pellos auzentes quanto o Direito me
permite sendo a tudo Testemunhas prezentes perante as quaes esta por mim lhe foi lida
que todos aqui asignaram Joaquim Antonio Pereira desta cidade e Manoel Ferreira do
lugar do Tilheiro termo da mesma e eu Joze de Mattos Falcam e Faria Publico Tabeliam
de Nottas que o escrevy.
a) Manoel Joze da Costa.
a) Antonio Carreira Gayam.
a) Joaquim Antonio Pereira.
a) Antonio Pereira.
a) Rafael Antonio Gaiam.
a) Manoel Ferreira. //

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