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Abstract
This essay results from a particular reflection on: i) the inventory of the popular democratic strategy - a collective
and militant inventory; ii) the dependency controversy - rescuing in particular the Marxist theory of dependency -
; and iii) the role of development ideology in the history of Brazilian economic thought - an element that seeks to
articulate the two previous issues. The main idea is that the various analyzes guided by the concept of development
as an utopian horizon and having “how to develop or reach development" as the central question that conducts the
action and investigation do inform an Ideology of Development -as they tend to dehistoricize "development" and
naturalize relations of domination and exploitation through a system of ideas that presents certain particular
historical processes as if they could be universalized and certain particular political project as if they were
universal. This perception leads to seven hypotheses concerning the Ideology of Development in Brazil: they relate
to its contemporary presence, its origins, its rooting, its unfolding, its hegemony, its tendency to economicism and,
finally, to the possible ways of overcoming that ideology. In this essay the focus is on the first hypothesis, given
the current political relevance of critique of development ideology in the construction of a socialist strategy in
Nuestra América.
Keywords: Ideology; Ideology of Development; Marxism; Marxist Theory of Dependence; contemporary Brazil.
Resumen
El presente ensayo es fruto de una particular reflexión acerca de: i) un inventario de la estrategia democrático-
popular – inventario éste realizado de manero colectiva y militante –; ii) de la controversia de la dependencia –
rescatando particularmente la teoría marxista de la dependencia –; y iii) del papel de la ideología del desarrollo en
la historia del pensamiento económico brasileño – elemento que articula los puntos anteriores. La idea central es
que los posibles y variados análisis orientados por el horizonte utópico del desarrollo y pautados por la cuestión
motora sobre “cómo desarrollarse” informan la ideología del desarrollo, en la medida en que tienden a
desistoricizar el “desarrollo” y, así, naturalizan las relaciones de dominación y explotación vigentes a través de un
sistema de ideas que presenta determinados procesos históricos particulares como pasibles de universalización y
determinados proyectos políticos particulares como si fueran universales. Esta mirada conlleva siete hipótesis
sobre la ideología del desarrollo, las cuales tratan de su presencia actual, origen, enraizamiento, desdoblamientos,
hegemonía, tendencia al economicismo y, finalmente, posibles formas para su superación. En este ensayo el foco
se concentra en la primera hipótesis, considerando la relevancia política actual de la crítica de la ideología del
desarrollo en la construcción de una estrategia socialista en Nuestra América.
Palabras-clave: Ideología; ideología del desarrollo; marxismo; teoría marxista de la dependencia; Brasil
contemporáneo.
*
Professor da Universidade Federal da Integração Latino-americana (UNILA).
Correio eletrônico: fernandoprado@gmail.com
Agradeço a leitura e os comentários críticos de Rodrigo Castelo.
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I. Introdução
No Brasil, qualquer leitura periódica de jornal ou revista encontrará textos com as seguintes
questões motoras explícitas ou implícitas: quais são os obstáculos que o Brasil deve superar
para se desenvolver? Quais são os desafios que o século XXI apresenta para que o Brasil
internacional atual? Qual política externa o Brasil deve adotar para avançar rumo ao
desenvolvimento? O que o Brasil poderia aprender de outras experiências comparadas para seu
próprio desenvolvimento? E por aí vai... Tais questões estão presentes, mesmo quando não
instância, informam nossas táticas e que compõem, por sua vez, nossas estratégias – “nossas”,
desde logo, entendidas como dentro do amplo espectro da esquerda socialista, comunista e
inclusive progressista.
A ideia central a ser aqui defendida é que as possíveis e variadas respostas àquelas
perguntas, embora possam trazer – nos casos mais logrados – elementos importantes de
interestatal capitalista, são intrinsecamente limitadas como explicação desta mesma realidade e
“desenvolvimento” – por mais “histórico-estruturais” que sejam muitas análises – e, com isso,
determinados projetos políticos particulares como sendo universais. Aqueles tipos de questões
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formulação completa1, essa ideia central está conformada por sete hipóteses, todas girando em
superação.
Tendo em vista a limitação deste ensaio, o foco aqui se concentrará em apontar algumas
notas sobre a primeira hipótese, que demarca as demais. A intenção é apresentar em linhas
destacando seu enraizamento e presença hegemônica no Brasil (seções II e III), para então
deixar indicações sobre a relação desta ideologia específica com o marxismo, com a
Praticamente qualquer pessoa que se debruce sobre o tema logo chegará à conclusão de que
“existem poucos conceitos na história da ciência social moderna tão enigmáticos e polissêmicos
quanto o de ‘ideologia’” (Löwy, 2013 [1987], p. 18) ou que “o termo ‘ideologia’ tem uma série
de significados convenientes, nem todos eles compatíveis entre si” (Eagleton, 1997 [1991], p.
ideologia, existe uma grande controvérsia sobre o tema. Neste sentido, tem razão Raymond
Williams quando anota: “[...] não pode existir nenhuma forma de estabelecer, exceto na
1
O conteúdo deste ensaio deriva da tese A ideologia do desenvolvimento e a controvérsia da dependência no
Brasil contemporâneo, defendida em 2015 no âmbito do Programa de Pós-graduação em Economia Política
Internacional da UFRJ (Correa Prado, 2015). Diversos pontos aqui tratados são melhor trabalhados na tese.
Quando necessário, haverá indicação remetendo a partes específicas da tese.
3
polêmica, uma definição marxista ‘correta’ de ideologia” (1988 [1977], p. 72; itálicas do
Sem a menor intenção de estabelecer uma definição correta de ideologia – com ou sem
aspas –, mas entrando de forma pontual e extremamente sintética na polêmica dentro do campo
marxista – passando por alto, portanto, toda a história, sempre recontada, sobre a origem do
termo e seus usos até o tratamento de Marx e Engels –, diria que é possível localizar três grandes
linhas de percepção sobre ideologia, que podem ser apresentadas como positiva, absoluta e
negativa2.
No sentido positivo percebe-se a ideologia como uma visão social de mundo que se
expressa em um ideário ligado a determinada classe social. Assim, é possível falar de uma
“ideologia proletária”, que deveria travar uma “luta ideológica” contra a “ideologia burguesa”,
de modo que determinada ideologia seria combatida com uma ideologia contrária. Em outra
clave, este sentido entende a ideologia como qualquer discurso vinculado a interesses sociais
predominantes de ideologia dentro do marxismo e até mesmo fora dele. É comum, por exemplo,
o uso da noção de “luta ideológica” no campo econômico – sindical – visando à passagem para
2
Terry Eagleton, em seu fenomenal estudo sobre Ideologia (1997 [1991], p. 49), faz referência a um livro de
Raymond Geuss (The Idea of Critical Theory), no qual este autor distingue três definições de ideologia:
“descritiva”, “pejorativa” e “positiva”. Também Raymond Williams, em Marxismo y literatura (1988 [1977], p.
71; tradução minha), distingue “três versões comuns do conceito, que aparecem corriqueiramente nos escritos
marxistas [...]: a) um sistema de crenças característicos de um grupo ou uma classe particular. b) Um sistema de
crenças ilusórias – ideias falsas ou falsa consciência – que pode ser contrastado com o conhecimento verdadeiro
ou científico. c) O processo geral de produção de significados e ideias”. Não sei se a divisão geral entre os sentidos
de ideologia aqui proposta – positivo, absoluto e negativo – já foi utilizada, mas deixo indicado que derivou da
leitura de Marx e Engels (2007 [1845/46]), Marx (2004 [1857]), Gramsci (2006 [1910-1937]; 1981 [1930-1932];
1984 [1930-1932]; 1986 [1930-1935]), Lukács (2012 [circa 1968]; 2013 [circa 1968]), Althusser (2001 [1970]),
Silva (1979a [1971]; 1979b [1975]; 2013 [1970]), Williams (1988 [1977]), Löwy (2013 [1987]), Eagleton (1997
[1991]), Konder (2002), Iasi (2006; 2011) e Kohan (2011).
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de dominação. Caso se mantenha também este último sentido unido ao anterior, tende-se a cair
no estranho caminho de se fazer uma “luta ideológica” para superar a “ideologia”. Em última
instância, estaria se usando a mesma palavra para dois sentidos diferentes. Portanto, para o tipo
de uso positivo de “luta ideológica”, acredito que é mais condizente a noção de “batalha de
ideias”, que, como fruto das próprias contradições do desenrolar histórico, em determinados
ideologias e a classe dominada, por diferentes processos, pode adquirir (e perder) consciência
de classe, que contribui para desvelar as ideologias. Nesta perspectiva, um mundo sem
O sentido absoluto de ideologia, por sua vez, acaba se aproximando demasiado à noção
de cultura. Neste caso ideologia seria o mesmo que o processo e produção de significados,
mediante o qual as pessoas se incorporam à realidade social, num agir pré-reflexivo. Quando
se utiliza ideologia neste sentido, lembrando que se trata de sociedades divididas em classes e
frações de classes (algumas dominantes e outras dominadas), o problema já não é que se esvazia
a percepção da ideologia no processo de dominação, mas, pelo contrário, esta parece ser total,
A categoria de ideologia aqui utilizada é apegada à sua conotação negativa, tal como
[...] um campo de ação mental encarregado de preservar os valores da classe opressora [...] um sistema
de valores, crenças e representações autogeradas necessariamente nas sociedades em cuja estrutura
existam relações de exploração [...] com a finalidade de justificar idealmente sua própria estrutura
material de exploração, consagrando-a na mente dos homens como uma ordem “natural” ou inevitável,
ou, filosoficamente falando, como uma “nota essencial” ou quidditas do ser humano (Silva, 1979b
[1975], p. 93 e 100; itálicas do original; tradução minha).
apresentando-a em seus conteúdos particulares e históricos. Daí o interesse por buscar a origem,
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o enraizamento, os desdobramentos, a hegemonia da ideologia do desenvolvimento no Brasil e
remete à separação “real porém ilusória” entre economia e política no modo de produção
capitalista (Cf. Aricó, 2012; Wood, 2011; Osorio, 2014; Kohan, 2011).
A hipótese básica aqui é que esta ideologia específica nasce no pós 2ª Guerra, em
hegemonia do próprio capitalismo frente ao socialismo. Não me detenho muito neste ponto,
que é um tanto consensual (Cf. Sunkel e Paz, 2004 [1970], Marini, 1992; Wallerstein, 2004
[1999]; Fiori, 1999; Esteva, 2000), mas aponto apenas duas coisas.
metade do século XX, é só no contexto mundial posterior a esse período que ela ganha força
como uma espécie de “geocultura” (Cf. Wallerstein, 2003 [1996]), fazendo as vezes da
contraposição “civilização vs. barbárie” tão própria da hegemonia britânica no século XIX. E
toda uma seara acadêmico-política, com todas suas receitas para alcançar o desenvolvimento
(do outro).
Segundo, que identificar esta origem específica não significa que tal ideologia foi
simplesmente “implantada” mundo afora, sem que houvesse germens de sua origem na situação
concreta de alguns países que precisamente naquele então começariam a ser chamados de
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espaço a expensas desta, recorrendo para isso à aliança com o proletariado industrial e a classe
realizado sob a hegemonia dos Estados Unidos e no marco da Guerra Fria, diferentes fatores
foram importantes dentro das classes dominantes no Brasil: “(a) os nacionalistas, (b) os
com direta participação no poder estatal – de uma elite militar (coadjuvada no âmbito civil e
4) a formação, em 1955, do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), que teve forte
Juscelino Kubitschek, e cuja função era nada menos que criar uma ideologia do
desenvolvimento nacional;
de 1950, como parte da estratégia democrática e nacional defendida pela principal força política
combatida já no final dos anos 1950 e início dos 1960, devido ao aumento do grau da
consciência de classe que se alcançava nas lutas travadas durante as décadas de 1950 e 1960
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no país – lutas derivadas da própria dialética do desenvolvimento capitalista no Brasil. Por
Em consonância com essa leitura, no início de 1963 Wanderley Guilherme dos Santos
já apontava – com brilhante clareza teórica e tato para captar a conjuntura em que vivia – para
Igualmente relevante é considerar o fato de que ninguém acharia estranho se estas linhas
contemporâneo.
No plano histórico mais atual, é evidente nos programas e intervenções do PT, PSDB,
PMDB (Cf. Correa Prado, 2015). No plano histórico mais ampliado, todos os projetos políticos
que perpassaram a história brasileira após a segunda metade do século XX, apesar de suas
diferenças, não escaparam de manter o desenvolvimento como horizonte utópico, o que revela
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Miriam Limoeiro Cardoso numa entrevista relativamente recente sobre a “Ideologia persistente
Por outro lado, é também evidente – ou deveria sê-lo – que a luta de classes, com suas
expressões na disputa entre distintos projetos políticos para o conjunto da sociedade, não se deu
deste horizonte.
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Tal identificação se dá muitas vezes mediante a desistoricização dos processos, cujas
características são confundidas com o projeto político predominante em determinada época sem
explicitar justamente a disputa entre distintos projetos e a construção histórica através da qual
históricos na disputa pelo desenvolvimento está relacionada à conjuntura dos países que são
políticos e também no senso comum, e que, como se sabe, retoma o contraste comum nas
décadas de 1960 e 1970 entre “Primeiro Mundo” e “Terceiro Mundo” – naquele então
circundando o “Segundo Mundo” representado pelo Campo Socialista (Cf. Dos Santos, 1978).
Mas há outra forma de identificação, mais sutil e, por isso mesmo, mais eficaz em
termos ideológicos. Trata-se do mecanismo que, dentro da disputa entre projetos políticos
determinados processos históricos relativos à própria história do Brasil e/ou relativos à história
Acontece que esse mesmo processo histórico em geral é visto de forma idealizada, uma
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Isso está presente, por exemplo, na interpretação comum de que o Brasil teria vivido um
período de desenvolvimento entre 1930 e 1980 (interrompido pela “década perdida” e, depois,
utópico – portanto, positivado. Desta forma tende-se a ocultar ou pelo menos minimizar a
Pode-se objetar que essa identificação entre projeto político para o desenvolvimento e
capitalista em geral, embora este adjetivo muitas vezes seja ocultado, o que também tem
implicações ideológicas) seria fruto de uma perspectiva realista e não utópica, pois há ou houve
um topus concreto, representado pelo processo histórico em questão, que serve de horizonte.
O problema nesta formulação é que ignora (ou finge que ignora, numa leitura mais
cínica) inúmeras evidências que fazem do processo histórico “modelo” algo único, uma forma
particular de uma totalidade, um processo não universalizável, mas que, no entanto, é tomado
econômico do país” (Malta et. al., 2011, p. 24). E este tema organizador do pensamento
econômico brasileiro traz no seu bojo uma circularidade própria de seu caráter ideológico.
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Muitas análises importantes e que formaram gerações fazem aquele amálgama entre
dentro dos marcos do sistema capitalista e que isso se daria quando fosse alcançado, finalmente,
o próprio desenvolvimento.
podem ser úteis para informar possíveis análises sobre o Brasil contemporâneo:
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denominados como períodos desenvolvimentistas), cabe destacar que os projetos
b) o ideário desenvolvimentista pode abarcar diferentes projetos políticos, que, por sua
vez, podem surgir, subsistir e disputar espaço no bloco histórico mesmo em períodos
como topus primordial a ser alcançado. E isso a partir de distintos interesses, refletidos
Isto posto, dentre os possíveis desdobramentos que essa reflexão pode tomar, queremos
destacar aqui que aquele tipo de raciocínio circular em torno do desenvolvimento está
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entranhado na economia política brasileira hegemônica e inclusive perpassa grande parte da
revela e reforça a hegemonia e os desdobramentos desta ideologia, pois traz à tona muitas vezes
intepretações que reforçam aquela mesma ideologia de outras formas – afinal, a “dependência”
superação dessa ideologia, na medida em que o tema da dependência foi sendo apropriado pelo
marxismo.
desenvolvimento”
Uma classe não é dominante porque universaliza suas ideias, mas, ao contrário, é capaz de
universalizar suas ideias por ser dominante. E o combate a uma ideologia não se dá apenas e
melhor a realidade e, assim, não repetir erros estratégicos. Essa consideração parte de uma
determinações; neste sentido, o marxismo não busca partir de nenhuma concepção prévia sobre
a realidade, que seria necessariamente idealizada. Isso pressupõe um método para investigação
do real nas suas determinações mais essenciais, ou seja, a reprodução material da vida na
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remontagem do concreto enquanto totalidade ou síntese de múltiplas determinações. Isto é, o
um método para compreensão da realidade. Pelo contrário: o marxismo busca ser ele mesmo
práxis, utilizamos uma definição do Bolívar Echeverría sobre o discurso crítico marxista como
aquele:
[...] capaz de se apropriar do saber formado a partir da objetividade capitalista, de submetê-lo à ação
desestruturante dos significados espontâneos do proletariado e de recompô-lo de forma tal que os vazios
deixados pelo discurso burguês que o produziu se tornem evidentes como sistema e constituam, assim,
o saber necessário para a revolução (Echeverría, 1986 [1976], p. 50; tradução minha).
revolucionário por ser científico e científico por ser revolucionário” (Idem). Um discurso ou
projeto crítico cuja cientificidade passa pela busca constante por questionar e desconstruir o
ideologia do desenvolvimento e, com isso, abrir caminhos para captar corretamente os traços
fundamentais do nosso período histórico, passo importante para analisar a conjuntura do Brasil
contemporânea.
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Tendo isso em vista, e frente à realidade concreta da batalha das ideias no Brasil
desenvolvimento se tornou “un campo de acción mental encargado de preservar los valores de
tende a reificar, naturalizar e desistoricizar o presente, ainda dominado pelo modo de produção
Este é o ponto que quero destacar para finalizar provisoriamente este ensaio: não
pautados por nossos adversários político-intelectuais. E isso não é fácil, sobretudo devido à
especificidade do capitalismo na América Latina e, na batalha das ideias, à forma que a busca
muito direto: considerar um país ou a América Latina em geral como dependente não faz de
3
Como se sabe, mesmo no campo socialista e comunista houve e ainda há diferentes análises sobre a dependência
que, sob diversas formas, terminam por informar e defender – explícita ou implicitamente – a necessidade de uma
aliança com a burguesia nacional (ou camadas dela) pela consecução de uma revolução democrático-burguesa na
qualidade de etapa necessária e objetivo imediato principal da práxis política do próprio movimento comunista ou
socialista. Numa síntese que Marina Gouvea propõe em sua tese (Gouvea, 2016: 99), essa defesa “fundamentou-
se a grandes rasgos em quatro justificativas [...]: i) a análise sobre a ‘contradição principal’ e o ‘mal menor’; ii) a
análise sobre o ‘capitalismo insuficiente’; iii) a análise sobre a necessidade de uma aliança com a burguesia para
‘acúmulo de forças’; e iv) a análise da possibilidade de ‘transição pacífica ao socialismo’”. Na conjuntura brasileira
atual, a terceira análise é a mais forte e presente. A título de exemplo, muito pontual, isso é perceptível no
documento titulado “Consenso de Nuestra América”, derivado do encontro do Foro de São Paulo realizado em
Manágua, Nicarágua, em janeiro de 2017. Ali indicam, por exemplo: “A reprodução do atraso secular e a
dependência dos centros de poder extra regionais constituem o principal obstáculo para alcançar a plena
independência e o progresso de nossas nações. [...] O imperialismo e as oligarquias locais avançaram na aplicação
de uma ofensiva dirigida desde Washington, com especial impacto nos países governados pela esquerda. Aplica-
se mediante uma via que tenta mudar o governo de forma expedita ou buscando seu desgaste para revertê-los por
vias eleitorais. Estas políticas reforçam o conceito de que o principal inimigo da esquerda e de nossos povos é o
Imperialismo”. E defendem, como orientações estratégicas, no ponto sobre “o que fazer”: “Uma estratégia de
desenvolvimento de longo prazo deve por ênfase na direção da transformação estrutural e da mudança tecnológica,
compatível com os equilíbrios macroeconômicos, e centrada nos objetivos do desenvolvimento humano, igualdade
e sustentabilidade ambiental”. É evidente que historicamente tais “estratégias de desenvolvimento” não só se
demonstraram idealistas, como tenderam a reificar e aprofundar o capitalismo dependente na América Latina.
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A partir dessa percepção é possível ver a dependência enquanto uma categoria – uma
determinação da existência, uma forma de ser – do capitalismo na América Latina. Ela existe
materialmente, mas isso não significa que seja sempre apreendida conceitualmente em todas
suas determinações.
da construção do socialismo na América Latina, mesmo que numa conjuntura tão adversa como
a atual4. E embora não se derive uma única estratégia a partir da TMD, a discussão sobre a
estratégia socialista para a América Latina é seu elemento central e isso faz dela uma
terreno sobre o qual se atua. No caso da estratégia socialista para a América Latina, é preciso
dependente e seus desdobramentos em termos estratégicos. E isso nos coloca frente a temas
renda da terra – que remete à questão agrária e à questão urbana; a questão nacional; entre
outros tantos temas – todos eles voltados para a compreensão da realidade e melhor atuação
4
Aliás, um sinal da vitalidade da TMD está no fato de que atualmente diversas organizações que compartilham
entre si o horizonte socialista têm resgatado obras da TMD, embora com diferentes posicionamentos táticos frente
à conjuntura e até com diferentes formulações estratégicas. Neste sentido, basta pensar que a TMD em geral e em
particular a obra do Marini tem sido reivindicada e inclusive faz parte de processos de formação, por exemplo, de
militantes do MST, do PCB, do PSTU, do PSOL, do PCML, das Brigadas Populares, do PPL, entre diversas outras
organizações de esquerda. Por certo, cabe aqui uma pequena observação: não se supõe aqui que exista estratégia
socialista acertada à priori; a estratégia socialista correta é aquela que faz a revolução socialista, que consegue ler
o terreno corretamente e atuar corretamente sobre ele, tendo em vista as transformações e permanências no
desenvolvimento capitalista da região.
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sobre ela, na busca por construir a superação do capitalismo dependente, isto é, de construir o
socialismo.
O que nos leva ao ponto sobre a questão motora por trás da teoria marxista da
dependência. Neste sentido, e como parte da tradição marxista, a questão que move a TMD é a
revolução socialista na América Latina (Cf. Correa Prado, 2011, 2016). Ou seja: como tomar o
poder e construir o socialismo nas condições específicas da América Latina? Não é a questão
país ou da economia nacional (Cf. Bambirra, 1971, 1973, 1978; Marini, 1969, 1973, 1974,
1976, 1978, 2005 [1991]; Dos Santos, 1968, 1978; Bambirra e Dos Santos, 1980, 1981).
e na academia brasileiras – ideologia marcada pela questão sobre como se desenvolver, tendo
assim como a TMD em sua origem, embora estivesse voltada para a superação crítica da
estratégia democrático-burguesa na luta pelo socialismo na América Latina, teve também que
(tornar o Brasil uma sociedade justa, livre, democrática, soberana, onde os frutos do progresso
Dito de outra forma, o que a teoria marxista da dependência fez em suas origens, ao
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tentativa de superação da estratégia democrático-burguesa ou democrático-nacional. E este é
sentido que deve ter o resgate atual da teoria marxista da dependência. Tal como a TMD em
cabe agora também fazer o balanço geral da estratégia predominante na esquerda no atual
período histórico, visando superá-la – afinal, estamos sendo derrotados, sofremos um novo
Sobre esse ponto – ainda pouco trabalhado –, considero que pode-se afirmar que a
tendo como objetivo final declarado o socialismo (em suas origens). Em síntese, tal estratégia
A meu ver, e em contraste e diálogo camarada com parte da esquerda, esta estratégia
não foi traída ou abandonada, mas sim realizada – e atualmente se mostra esgotada, derrotada
na luta de classes, mesmo no sentido mínimo da disputa de hegemonia. E é por isso que
precisamos superá-la. Essa superação – numa síntese que ainda está por vir, e pode não ocorrer
–, por sua vez, tem de passar, entre tantas outras coisas, por fazer um inventário das análises
estratégia. Um ‘inventário’ no sentido apontado por Gramsci, quando diz que “o início da
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como produto do processo histórico até hoje desenvolvido, que deixou em ti uma infinidade de
traços acolhidos sem análise crítica. Deve-se fazer, inicialmente, essa análise” (1999, p. 94;
1986, p. 246)5. E em tal análise ou inventário é preciso tentar compreender, de forma militante
e coletiva, qual é a parte que lhe cabe desta estratégia à controvérsia da dependência em geral
e à TMD em particular, seja em seus elementos que apontam para uma superação estratégica,
sejam nos pontos que informam e (re)afirmam aquela estratégia. Eis uma tarefa “em
das ideias, com vistas não apenas a superar “a dependência”, mas sim a derrocar os pilares do
Nuestra América.
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resultou no Seminário “Conhece-te a ti mesmo: um inventário da Estratégia Democrático-Popular”, realizado na
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