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p. 56
ISBN 978-85-64488-14-4
CDD: 940.1
LITERACIDADE
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O Medo da Morte na Idade Média:
Introdução ...................................................................................................... 9
9
uma análise mais profunda com relação aos conceitos de cultura,
civilização, memória coletiva e religiosidade de forma homogênea.
A morte como fenômeno físico, já foi evidentemente estudada,
sendo um objeto de pesquisa de muitos pesquisadores, porém ainda
permanece como um mistério. “Quando aventuramos no terreno
do psiquismo, a morte nos auxilia na investigação da mentalidade
humana, colocando em destaque o medo do homem de que um dia a
vida chegará ao fim”. (DELUMEAU,1989,pp.90-8)
Dentro da Nova História ampliaram-se os objetos de estudo,
se fazendo possível analisar até mesmo termos subjetivos como o
medo o qual envolve a História das Idéias, História das Mentalidades
e História das Religiões.
Trabalhar essa questão (a da memória) é fundamental para a
compreensão e análise do medo em um período que nos retrocede
cronologicamente. A construção de uma memória coletiva do Ocidente
Medieval é essencial para responder os inúmeros questionamentos
levantados pelo próprio processo investigativo. Portanto essa é
pretensão desse capítulo.
Já o segundo capítulo foi trabalhado o medo de morrer e a
concepção de religião e mentalidade na Idade Média. Foi analisada
a visão coletiva do homem medieval diante do medo de morrer e o
domínio abstrato dos símbolos, que revelava um mundo que se estende
além do aqui e do agora, aflorando a concepção de uma decisiva
consciência que vislumbra que o medo da morte não é somente
considerado um aspecto que fascina, mas ao mesmo tempo, aterroriza
a humanidade, historicamente sucede de fontes de inspiração para
doutrinas filosóficas e religiosas bem como uma inesgotável fonte de
temores, angústia e ansiedade para os seres humanos.
Juntamente com a configuração da sociedade, não podemos
deixar de lado o processo de configuração de uma mentalidade
coletivamente religiosa, dotada de objetivos e métodos próprios.
Estruturando como disciplina a etnologia conseguindo ganhar reforços
poderosos de discussão positivista e evolucionista para a análise do
sistema religioso.
O estudo dos comportamentos sociais na Idade Média mostra
que as crenças e práticas beneficiaram a constituição de um novo
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campo do conhecimento, tornando-se uma disciplina autônoma,
na medida em que categoria social e sociedade tornavam papel
privilegiado do estudo, entre eles à religião que passava a merecer
maior atenção, com um estudo mais objetivo e sistemático. O termo
religião se estruturou num contexto de lentas e definitivas laicizações,
conhecendo vários significados, de diversos autores, que promoveram o
método comparativo entre sagrado e profano, sociologia e antropologia,
abrindo caminhos importantes para uma proposta, mas adequados à
abordagem historiográfica; conjugando o desenvolvimento e a vivência
de crenças religiosas, um estudo rico e complexo, passando pela
produção no campo da mentalidade, demonstrando ser um campo
fértil para a contínua reflexão metodológica e historiográfica.
No entanto, o homem na Idade Média se encontrava submisso
aos dogmas e práticas religiosas, que tornavam severos os sistemas
em geral; ideia transferida graças à memória. Tais fatores deixavam o
homem medieval conformado com a miséria vivida, com a peste que
assolava, pois somente com a dor, a renúncia e a purificação da morte
que o homem garantia a salvação e o paraíso. Tornando possível
abordar a relação do homem com a morte em vários aspectos: o
biológico, o jurídico, o econômico, o social etc. Na obra, o homem diante
da morte, de Philippe Áries (1990) podemos perceber o processo de
domesticação da morte; ou seja, uma forma de viver com tal fenômeno
como algo natural; nascido por ocasiões do trauma primitivo diante do
fato inelutável da morte até a incorporação desta na vida humana.
Ao investigar o medo de morrer não podemos deixar de destacar
o controle sobre o corpo na Idade Média. O homem para ter uma boa
morte deveria controlar e disciplinar os desejos do corpo.
Assim, ao analisar o medo da morte na Idade Média, deparamo-
nos com regras e comportamentos que favoreciam para uma boa
morte, ou seja, uma preparação para o pós-morte que requeria práticas
diárias para eliminar os desejos da carne.
Portanto, a disciplinarização do corpo e as regulamentações
da vida do homem constituem dois pólos em torno dos quais se
desenvolveram a organização do poder sobre a vida. Um paralelo
que se caracteriza por um poder cuja função é investir todas as forças
sobre a vida.
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1. A Morte na Ideologia Histórica
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econômica, sociedade e classes sociais.
Dentro do estudo sobre os paradigmas da história notamos uma
compatibilidade entre os marxistas e os ideais dos grupos dos Annales
e dos inúmeros seguidores da chamada Escola de Frankfurt. Tal
compatibilidade se relaciona com a inclinação teórica dos historiadores
pelas mudanças sociais e a ausência da preocupação com o individuo,
devido à obsessão pelo que é estrutural e transindividual, sendo
insuficientes suas indicações acerca da noção de poder. No caso da
Escola dos Annales se relaciona com a polêmica contra uma história
tradicional de corte político militar; levantando discussões e críticas
em relação à ciência e sua objetividade, implicando ao mesmo tempo
idealismo e materialismo, fatos os quais mesmo com a ausência
da solução de problemas não deixaram de citar teorias, ideologias e
utopias.
O paradigma pós-modernista se revela como um resultado de uma
trajetória pessoal de intelectuais da década de 1970; revolucionários
desiludidos, muitos abandonavam a crença na possibilidade de uma
transformação global, partindo para movimentos de luta ou reivindicação,
desembocando por fim no neoconservadorismo ou neoliberalismo,
processo que se desenvolveu no Ocidente.
Alguns dos aspectos da Nova História vieram para ficar.
Entre eles, a ampliações dos objetos, as estratégias de pesquisa e
de reivindicação dos indivíduos, tornando possível a legitimação da
história. Nesse sentido, o medo da morte na Idade Média entra como
objeto de análise legítimo do historiador.
No decorrer da pesquisa, a pluralidade disciplinar é evidenciada;
as ideias se mantém vivas, uma disciplina que tem como objeto o
estudo da história das ideias que teve que enfrentar como adversário
a tradição marxista e a historiografia francesa dos Annales.
Mas boa parte dos historiadores prefere hoje classificar a
história, como algo que de forma essencial ajuda o homem a pensar
nas particularidades dos conceitos históricos que até pouco tempo não
constituía um campo particular e sim um objeto de estudo de alguns
departamentos da filosofia. As ideias propõem uma representação
mental de um objeto ou fato, enfocando uma problemática complexa,
observando a intertextualidade e a contextualização, desempenhando
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diversas funções, mesmo assim observa-se que os historiadores
mantêm uma relação precária com as ideias; utilizando constantemente
uma gama de categorias, conceitos e noções; remetendo ao senso
comum, teórico e específico.
É importante deixar claro que as ideias tiveram papel decisivo
na História, não se tratando ainda de uma História das Ideias e
sim uma história geral das civilizações relacionada ao conceito de
cultura; mas não existe recorte das “ideias” enquanto objeto particular
historiográfico. Pois a historiografia do século XIX desenvolveu segundo
alguns percursos metodológicos: a perspectiva discursiva, explicativa,
compreensiva e historicista.
Percebe-se que a ideia se relaciona com a realidade real,
histórica, única e singular; assim podemos compreender o sentido da
famosa frase de Aristóteles “A tarefa do historiador é expor aquilo
que realmente aconteceu”. As ideias não são algo acrescentado na
história; ao contrário é algo que aparece na conexão natural das
coisas. (MICHELET, 1992, pp. 90-7)
Ao longo da construção historiográfica, a historiografia romântica
teve forte conotação política e ideológica, daí o hábito de se subdividir
em duas vertentes; uma dita conservadora, mais tradicionalista e
outra progressista; uma historiografia que se dizia “positivista”, mas na
realidade propunha uma ideia evolucionista e cientifica que compreende
as várias vertentes históricas, em função de suas diferenças quanto ao
conhecimento histórico. (CARDOSO, VAINFAS, 1997, pp. 150-8)
No espaço historiográfico desse “positivismo” metodológico a
compartimentalização disciplinar deslocou e pluralizou a história das
idéias. Idéias que não se constituem em uma esfera distinta e separada
da existência social, as quais são unidades estruturais da história. A
história do medo na Idade Média Ocidental encontra aqui seu local
específico de abordagem É por meio da análise de um conjunto de
idéias e do imaginário medieval que será analisado respectivamente
com suas estruturas sociais (o contexto, por exemplo), a questão do
medo da morte nesse período.
No século XX, a historiografia das “idéias” diversificou-se bastante,
funcionando como orientadora temporal de acesso às questões em
debate e abordagens de modelos e métodos propostos.
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A crítica antipositivista não era necessariamente “irracionalista”
não sendo a “razão” que se rejeitava mais sim certo tipo ou concepção
da “razão iluminista”. (CARDOSO, VAINFAS, 1997, pp. 3-6)
Bloch e Febvre (1920) citados por Ronaldo Vainfas (1997)
inauguram o estudo das mentalidades, delas fazendo um legitimo
objeto de investigação histórica. Mas não se pense que foram eles
os primeiros a se dedicarem aos estudos dos sentimentos, crenças,
e costumes na historiografia ocidental. (CARDOSO, VAINFAS, 1997,
pp. 131-3)
A problematização braudeliana do tempo longo é de importância
crucial com relação ao assunto a respeito da mentalidade. Ao analisar
a noção de “internalização” no âmbito da história intelectual e das
ideias ocorre a amplitude dos campos de tendências do tipo de objeto
abordado. Logo, deve-se pensar na investigação e na problematização
de tal processo que se conduz ao processo coletivo dos grupos sociais;
em uma dialética de longa duração (BRAUDEL, 1984, pp. 25-9).
Numa visão coletiva, seria errôneo falar em uma história das
mentalidades homogênea e unificada, seja quanto a seus pressupostos
teóricos e metodológicos. Cabe, portanto falar das divisões das
mentalidades, em particularidades que se divide em uma história das
mentalidades herdeira das tradições dos Annales, e outra que seria
a história assumidamente marxista, preocupada com a relação de
conceitos e ideologias.
Portanto, a história das mentalidades está sim, descompromissada
em discutir teoricamente os objetos se preocupando unicamente com
a dedicação em descrever e narrar épocas ou episódios do passado,
uma história cética quanto à validez da explicação e da própria distinção
entre narrativa literária e narrativa histórica.
Conforme Marc Bloch (1930) aplica-se o método comparativo no
quadro das ciências humanas, em que consiste em buscar e explicar
as semelhanças e as diferenças em que apresentam as duas séries de
naturezas análogas, tomadas de meios sociais distintos, uma série de
instrumentos capazes de transformar a história em uma ciência, que
permitiram a passagem da descrição para explicação dos processos
históricos.
No concernente à interpretação coletiva, é importante definir os
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critérios conceituais coerentes, sem cometer anacronismos, sobretudo
em se tratando de sociedades bem diversas ou muito afastadas no
tempo.
Analisar o medo no ocidente revela um problema que consiste
em determinar o nível, as estruturas do objeto que permita uma
profunda assimilação da realidade única e singular do medo em meio
à hegemonia cultural. Na aurora do estudo sobre a morte, notamos que
ela assume na Nova História das mentalidades um espaço importante.
Iniciando um estudo das atitudes coletivas que atualmente está em
pleno desenvolvimento.
Todavia, é visto que as relações dos homens com a morte são
sistematizadas conforme o ideal coletivo ou individual.
Podemos assim afirmar que a história da morte se desenvolve
em um processo coletivo e de longa duração que faz explodir os
quadros de manifestações onde se expressa o imaginário coletivo
(DELUMEAU, 1989, pp. 22-4).
Neste discurso sobre a morte em meio a historiografia, podemos
realizar uma análise indireta dos rituais e gestos, que possibilitam
perceber a evolução da memória coletiva com relação à representação
do medo da morte e do pós-morte na Idade Média.
Segundo Michel Vovelle (1991), a história da morte continua
como uma história convulsiva, balançada por golpes brutais onde se
cria uma série de sentimentos negativos com surtos na Idade Média
depois da peste negra (VOVELLE, 1991, p. 136).
O medo da morte possui uma ligação com a história social,
trazendo consigo uma complexidade com múltiplos valores específicos,
de um processo que se formulou a partir da experiência dos indivíduos.
Ideologicamente, podemos notar que a morte envolve um conjunto
de representações e formas, incluindo também as práticas, normas e
comportamentos conscientes ou inconscientes.
Na forma pragmática do entendimento, o conceito de coletividade
se relaciona com categorias ou maneiras próprias de liberdade do
espírito humano, que se expressa através dos múltiplos fatores que
evidencia o drama do medo na sociedade ocidental, onde as normas
sociais e culturais visavam o equilíbrio entre poder e limite.
Podemos ainda utilizar da afirmação de Paul Veyne (1982) que
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deixa claro que a história é um conjunto descontinuo, formado por
domínios, de variadas épocas e com inúmeros caracteres de eventos
diferenciados, que possibilitam dar rumos à história, cuja escrita é,
sem dúvida, a opção mais complexa, onde o homem tenta assegurar
o tempo que se passa e flui permanentemente num devir constante,
cujas explicações reais escapam através das falhas da memória.
Todavia, não podemos perder de vista as permanências da história
que prosseguem por muito tempo, a hegemonia positivista. A história
das ideias cede lugar à história sociocultural; o mesmo ocorrendo com
a história das mentalidades; os historiadores abandonam as velhas
questões tradicionais e partem em busca de “longos períodos” e para
isto inventam novos métodos e instrumentos.
Foucault (1986) pensa em uma história econômica, social e
quantitativa “novidade” que encanta ou irrita os historiadores das
idéias; pois ocorreu uma rejeição das cadeias evolutivas das “visões de
mundo” e outras noções típicas da história tradicional. Os historiadores
pretendem ver cada idéia ou cada pensador em um “microcosmo”
no qual se articula passado e presente numa estrutura especifica,
preservando o eixo temporal das relações históricas, promovendo a
conexão dos objetivos comuns aos historiadores dos diversos grupos.
A noção de “internalização” no âmbito da história intelectual e
das idéias abrange um vasto campo de tendência definida em função
aos métodos utilizados ou do tipo de objeto abordado.
A compartimentalização tende a não computar as histórias das
idéias, produzidas pelos colegas de outras áreas das ciências humanas
e sociais, não deixando de lado a produção dos não historiadores.
Utilizando o termo cultura, devemos fazer um diálogo com a
cristandade, pois a religião cristã é supostamente “superior” as outras
sociedades, pois sua ideologia é formada na Idade Média, onde os
limites da cristandade eram os limites humanos; um movimento de
lutas entre humanos, cristãos e pagões. (CARDOSO, VAINFAS,
1997, pp. 145-9)
A abertura a alteridade está totalmente envolvida com a nova
forma de se fazer história, pois o “outro”, o “diferente” começa a fazer
parte da história como sujeito, ou seja, objeto de discussão da disciplina
histórica.
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A descoberta do outro, foi sem dúvida um acontecimento
surpreendente na história do ocidente, fundando um movimento
interno, ocorrido na Europa Ocidental, decorrente da desagregação do
feudalismo, que expõe o indivíduo ao meio de produção, fundando a
sociedade moderna e ao mesmo tempo, abrindo portas para venda da
força de trabalho e da escravização do individuo ao capital, libertando
também as estruturas e valores familiares tradicionais, autocentrados e
limitadores do exercício de vontades individuais e coletivas.
A descoberta de si e do outro, permite a existência de aceitação
das diferenças em conjuntos do desenvolvimento da sociedade
capitalista que se torna individualista quebrando as rupturas e padrões
sociais; perceber-se que os povos considerados até então irracionais
e não cristãos, também eram dotados de virtudes.
O pensamento ocidental caminha para a forma mais elaborada
de classificação do outro, consolidando a raça branca como superior;
desenvolvendo a teoria de desigualdade; enfrentando a miscigenação,
o hibridismo que trazia em si a infalível decadência da particularidade.
Durante o século XIX e boa parte do século XX, não faltou esforço
de aprimorar o conceito de raça, legando a perspectiva biológica
comportamental; abrindo caminho para o estudo antropológico
mais profundo que fornece a base para o desgaste acentuado do
etnocentrismo ocidental.
Lévi Strauss (1976) chama de primitivo a ciência moderna
onde o universo é objeto do pensamento, pelo menos como Strauss,
sustenta a diferença entre o grupo étnico, que no lugar da raça surge
como elemento definidor da identidade de grupos humanos, ocorrendo
uma interação e interferência entre duas ou mais tradições culturais,
pois é inegável o efeito cultural que oferece no decorrer do contato.
Tal dinâmica das sociedades não só ocidentais, contribui também
para um processo de trocas culturais plenas e verdadeiras.
A concepção do medo é algo que o homem desenvolveu como
uma capacidade construída culturalmente, ideal que partiu de uma
construção do mundo material (ÁRIES, 1990, pp. 80-9). E apesar
dessa reconhecida diferença cultural percebe um traço em comum: o
medo de morrer.
O idealismo construído sobre o medo no ocidente é uma ideia
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cujo produto é definido no mundo material, porém o materialismo se
divide em vários campos e um dos principais é a alienação, algo visível
no Ocidente Médio, pois as sociedades medievais ligavam o medo de
morrer com a vida. Processo de alienação do medo que se constituía
no mundo dos vivos (ÁRIES, 1990, pp. 77-9).
A religião é um fator de grande importância na Idade Média, pois
ela mantinha as pessoas alienadas ao medo que naturalmente é algo
normal. O conceito de homem se afirma como produto do meio, mas
os impasses e interesses os levam as influências e transformações do
meio (ÁRIES, 1990, pp. 55-8).
Juntamente com a configuração da sociedade, não podemos
deixar de lado, o processo de configuração da história das religiões,
dotada de objeto e metodologias próprias.
O estudo do papel social das religiões mostra que as crenças
e práticas, beneficiaram a constituição de um novo campo do
conhecimento, tornando-se uma disciplina autônoma, na medida em
que as categorias sociais e a própria sociedade se tornavam papéis
privilegiados do estudo. A religião passa a merecer maior atenção.
Um estudo mais objetivo e sistemático das diversas formas de ritos e
práticas religiosas que possibilitam a compreensão mais abrangente
das práticas individuais ou coletivas passam a fazer parte do rol dos
historiadores.
Emile Durkheim (1895) é um dos primeiros a fazer o esboço
teórico e metodológico para a análise do sistema religioso, adotando
preceitos evolucionistas, na elaboração de um modelo imutável, imune
ao tempo e a história; mas não resta dúvida de que seria Marx Weber
(1905) o aplicador do método de análise que ele denomina sociologia;
cujo um dos objetivos é a construção de conceitos. Ficando claro a
procura dos fundamentos metodológicos da sociologia religiosa,
através da análise de tipos de comunidades religiosas. (DURKHEIM,
1917, pp. 61-3)
Weber (1905) muito acrescentou à reflexão sobre o papel da
religião na vida social, um contraponto em relação à reflexão de Marx
e Engels, que aponta o estudo das religiões entrelaçando a luta de
classe, percebendo a religião como a ilusão destinada a mascarar e
a justificar a desigualdade entre as classes sociais, cuja origem tinha
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uma base eminentemente econômica. Weber, Marx e Engels pouco
contribuíram para a valorização da história das religiões como objeto
de investigação; mas com a estruturação e sistematização disciplinar,
constituíram a sociologia religiosa, que ganhou corpo a partir do século
XIX, organizando a “ciência das religiões” de um lado e a essência da
vida e do homem religioso do outro. (WEBER, 1920, pp. 70-2)
O termo religião se estruturou num contexto de lentas e definitivas
laicizações, conhecendo por vários significados de diversos autores
que promoveram o método comparativista entre sagrado e profano,
sociologia e antropologia, abrindo caminhos importantes para uma
proposta mais adequada a abordagem historiográfica, conjugando o
desenvolvimento e a vivência de crenças religiosas a uma conjuntura
histórica bem delineada e problematizante, caminhando para um
estudo rico e complexo, passando pela produção no campo das
mentalidades e da história cultural, irrigando a história das religiões e
da religiosidade, demonstrando ser um campo fértil para continuar a
reflexão metodológica e uma futura investigação historiográfica.
Como já mencionado, ao se fazer um balanço geral da
historiografia conseguiremos identificar com nitidez dois grandes
paradigmas, o iluminismo e o pós-modermisno, que com a Nova
História surtiu uma confusão entre sujeito e objeto, resultado da crença
de se observar e de se investigar a parte integrante daquilo que se
estuda.
Portanto, os caminhos e descaminhos da história, enfrentam com
serenidade as diferenças de opiniões e opções teóricas que buscam
o equilíbrio dos problemas a serem investigados, posições que devem
ser assumidas, com fins de convencer que a história é ciência, e trata-
se de uma ciência que estuda a coletividade.
Tratando do predomínio de um processo hermenêutico de
interpretação, partidário das microcorrentes, do estudo de pequenos
grupos; que leva ao declínio o “paradigma iluminista” como no caso da
história econômica, história social e história das mentalidades, assim
chamada pela Nova História.
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1. 2 O Poder da Memória na Construção e
Desconstrução do Medo da Morte no Ocidente
Médio
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constitui o quadro ao mesmo tempo mais elementar e mais estável da
memória coletiva. (HALBWACHS, 1990, pp. 20-3)
Sobre os estudos da morte na Idade Média, podemos ver a
contribuição da memória, em diversas formas que engloba todas as
comemorações ritualísticas dos defuntos tais como: as procissões
funerárias, os aniversários dos mortos, a celebração litúrgica dos
mortos (fosse ele um morto comum ou um morto especial, ou seja,
um “santo”) (DELUMEAU, 1989, pp. 31-7)
Assim, fica claro que o estudo empírico da morte, se afirma em
uma aventura mental individual ou coletiva que busca respostas nos
ritos e causalidades próprias da época. Essa ritualização da morte
será melhor abordada no primeiro item do segundo capítulo.
Sob diversas formas, a memória é fundamental para
compreendermos os medos das sociedades medievais, pois é possível
abordarmos inúmeros sentidos de uma memória que era transmitida
aos indivíduos através das práticas e formas de rituais litúrgicos.
A liturgia monástica na Idade Média voltava à memória como
comemoração litúrgica dos vivos e dos mortos, porém a recordação dos
mortos era evocada de duas maneiras, a primeira originária de práticas
cristãs primitivas, uma evocação no cânon da missa e a outra ocorria
após as leituras dos capítulos das regras beneditinas (AGOSTINHO,
1990, pp. 402-5).
A memória medieval é essencialmente transferida através
da oralidade, ato que ocorria nas cerimônias. A memória exprimia
um contexto social, onde as características orais são de extrema
importância, mas a utilização de textos também se tornou fontes
essenciais e variadas. Assim fica visível que a memória monástica
não era uma atividade passiva, e sim ativa, por que ela selecionava,
corrigia e reinterpretava constantemente o passado em função das
necessidades do presente.
Com a utilização da escrita, surgirá a emblemática busca de
equilíbrio entre memória escrita e memória oral, um ideal que variava
na Europa de acordo com o lugar e a época.
Em meio ao sistema de importância fundamental da vida na
Idade Média a memória não pode ser resumida, pois ela nos permite
reviver o passado. Na tradição neoplatônica de Santo Agostinho (1990)
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a memória era a primeira faculdade mental, um reflexo da trindade
divina. A memória para ele representa a maior faculdade intelectual e
a chave da relação entre Deus e o homem.
Por ventura, a memória psicológica é um elemento da “trindade”,
sendo sagrado o amor que provém da memória e corresponde a
segunda pessoa, o filho, o gerado pelo Pai, sendo que é o amor que
liga as duas partes juntamente com o espírito santo. (AGOSTINHO,
1990, pp. 320-9)
Estas analogias monásticas continuam exercendo grande
influência durante a Idade Média. No entanto, a memória ocupa um
lugar central na cognição humana, mas de maneira diferenciada entre
os indivíduos.
Mas quando falamos em faculdades mentais não podemos deixar
de destacar as faculdades da alma, sendo uma delas a memória, cujo
papel é de englobar as múltiplas questões com relação à imortalidade
do individuo e sua responsabilidade que em meio as complexidade
acaba-se confrontando com um dos aspectos fundamentais da
memória o esquecimento que é atribuído ao homem por diferentes
razões que se define ao meio. (AGOSTINHO, 1990, pp. 280-8)
Notavelmente, a memória desempenha o papel de construção
do medo da morte, algo transmitido através do cristianismo e da sua
injunção eucarística, que tem relação conceitual de divino e de pecado;
ideais que predominaram no Ocidente, mas em todo caso, a razão
mostra que o passado não conserva por si próprio, mas se constrói
e se organiza pelos indivíduos que pretendiam seguir seus reis, que
muitas das vezes se intitulava “guardiões” das lembranças ou das
tradições dos ancestrais, um processo fundamental para a transmissão
de informações e práticas; porém precursora de inúmeras limitações
geradas pelo medo de morrer.
Sendo assim, o homem na Idade Média se encontrava submisso
aos dogmas e práticas religiosas, (ideais transferidos graças a
memória), que tornava severo os sistemas em geral, declarando que
seu princípio estava sujeito á lei universal de toda a vida, onde o
homem deveria passar, assim como todos os povos e religiões, pela
essência da purificação da morte.
Morrer na Idade Média é um mal tão grande, mas graças à
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morte, o homem renascia no que há de melhor. (MICHELET, 1992,
pp. 61-8)
Dando relevância aos comportamentos diante do medo que
o homem tem da morte; a memória do individuo depende do seu
relacionamento com a família, com a classe social, com a escola, com
a igreja, com a profissão; enfim com os grupos de convívio e os grupos
de referência peculiares a esses indivíduos e a própria sociedade.
A memória tem o poder de fundamentar as tradições de uma
cultura, como produto social que liga a reprodução da sociedade
organizada e que reproduz constantemente as repetições, ou seja, o
caráter é de unificação, representado de forma simbólica nas festas
cívicas ou populares, nos ritos religiosos ou nos rituais de passagem
da vida para a morte.
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2. Raízes do Medo
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os filósofos, historiadores, sociólogos, biólogos, antropólogos e
psicólogos que discutiram o assunto no decorrer da história.
Philippe Áries (1990) aponta que nós aprendemos na nossa
cultura, evitar a dor, e a perda fugindo da morte, criando lacunas
onde pensamos estar fugindo dela, deixando de crer na nossa
própria finitude.
É possível abordar a relação do homem com a morte em
vários aspectos: o biológico, o jurídico, o econômico, o social e
religioso. Na obra, o homem diante da morte, de Philippe Áries
(1990) podemos perceber o processo de domesticação da morte;
ou seja, uma forma de viver com tal fenômeno como algo natural;
nascido por ocasiões do trauma primitivo diante do fato inelutável
da morte até a incorporação desta na vida humana.
Portanto, podemos notar que o medo é a resposta mais comum
diante da morte. O medo de morrer é algo coletivo e universal e
na Idade Média todos os seres humanos, independentes da idade,
sexo, nível sócio econômico e religioso a temia. A morte era algo
que os espreitavam, os obrigando a usar mecanismos de defesa,
os quais se expressam através de fantasias inconscientes sobre a
morte.
A postura do homem perante a morte nem sempre foi assim,
muito em especial na Idade Média. Com o advento da religião cristã,
ao princípio influenciado pelo neoplatonismo de Santo Agostinho
(1990), o mundo sensível era apenas considerado uma sombra, um
caminho para se passar do sensível ao inteligível, da sombra para a
luz. Em vez de procurarem na natureza o seu próprio fundamento,
afirmavam que o mundo foi criado num ato de amor, e que esse
amor deveria orientar os espíritos de volta para Deus, salvando-
os do inferno. Passava a ser dogmático que o Inferno e o Paraíso
existiam e eram inseparáveis e eternos. (AGOSTINHO, 1990, pp.
47-9)
Ao analisar a construção historiográfica podemos perceber um
homem social que se utiliza de símbolos religiosos voltados para
a vida espiritual, em um processo do conhecimento dos mistérios
da alma. Tal processo tem por objetivo uma aspiração de uma
vida plena. Aqui podemos perceber o quão importante era o fator
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religioso nessa formação da mentalidade do homem medieval.
A morte é um dos fatores primordiais que leva a humanidade
a busca constante do mistério da alma, uma perspectiva religiosa
que se formula ao longo da existência; pois a alma não pode entrar
no “reino dos céus” por outro caminho se não aquele determinado
pela religiosidade de cada indivíduo que se conduz pela fé.
Esta alma religiosa se separa da vida cotidiana buscando
fugir dos símbolos do paganismo, tratando de uma permanência na
obediência de Deus.
Deste modo, os pensamentos negativos produzido pelo medo
vão ser eliminados pelo espírito religioso que busca se tornar um ser
bom, domesticado pelas regras e normas da vida social religiosa.
(ÁRIES, 1990, pp. 50-4)
Tal ideia se contraponhe a duas perspectivas, uma de eliminar
o medo de morrer buscando as coisas do alto, do céu, praticando
a fé em um Deus, e a outra se pauta da busca religiosa como um
processo de preparação da alma após a morte do corpo físico.
(ÁRIES, 1977, pp. 46-8)
Assim, notamos que o homem pode conseguir refrear todos
os sentidos e paixões do mundo material, no entanto não poderá
fugir da experiência de morrer seja ele um homem religioso ou
pagão.
O homem busca negar a existência da morte, se firmando
em uma figura divina construída com objetivo de levar a paz, o
ensinamento e a prática de renovação da existência em um sentido
plural de sociedade.
Mesmo o homem mostrando controle sobre o mundo a sua
volta, tendo a inteligência de julgar tudo, e sabendo com clareza
que será julgado pelo espírito de Deus, que não promove uma
distinção entre etnias ou condição social.
Aqui compreendemos o que foi mencionado na primeira parte
sobre o que o homem ocidental medieval entende da alteridade.
Mesmo o diferente, “o outro”, não está livre disso: todos um dia
terão o mesmo fim: a morte.
A inteligência do homem pauta-se em obedecer às regras
que lhe foram passada como algo “justo e verdadeiro” (ÁRIES,
29
1990, pp. 70-6). Pois o homem constitui uma imperfeição julgada
e considerada pecaminosa perante o pensamento religioso.
Deste modo, o homem tem uma visão construída á respeito
da morte, algo renovado e interpretado de forma variada, mesmo
em se tratando do coletivo medieval, como afirma Santo Agostinho
(1990) o homem precisa enunciar tudo pelo mundo material, um
abismo do mundo concreto e a cegueira da carne. (AGOSTINHO,
1990, p. 402)
Ao mesmo tempo em que crescem e multiplicam as gerações
dos homens, crescem também os “números de medrosos” que
utilizam de alegorias, reais que possibilitam a compreensão das
práticas e normas a serem seguidas ao longo da existência, formas
que também podem possibilitar a libertação da alma do corpo
material.
O homem em sua tradição receberá traços de uma
visão construída em sua sociedade como fonte de defesa e de
entendimento coletivo dos indivíduos que se aliam para concretizar
o voto á Deus ou á algum santo. Práticas pregadas como uma
verdade, uma alegoria que pretende a misericórdia divina.
Assim, o homem se fundirá em meio ao medo, a paixão
pela “verdade”, a busca do domínio da fé e da obediência á Deus.
(DELUMEAU, 1990, p. 39)
Contudo, este homem “religioso e medroso” se equilibra na
renovação, na imagem do ser divino que é construído na visão
diferenciada do mundo material. Nesta perspectiva o homem busca
fugir das coisas terrenas voltando para as coisas de Deus.
Portanto, os homens vivenciam o medo construído e transferido
de outro homem como um mecanismo de defesa, ideias que tem por
base o controle da sociedade, agindo como fatores que possibilitam
a reflexão e entendimento do mistério do medo de morrer.
Para compreendermos a relação da vida com a morte,
devemos fazer um paralelo entre sofrimento e alegria. Paralelos
opostos, mas ao mesmo tempo interligados um ao outro ao longo
da existência do homem medieval.
Não eram somente os grandes momentos como o nascimento,
o casamento e a morte, que pela santidade do sacramento,
30
eram elevados ao nível dos mistérios, pois uma viagem, um
empreendimento era igualmente rodeado por mil formalidades como
as bênçãos, as cerimônias. (ÁRIES, 1977, pp. 21-7)
Assim, é visto com clarividência o contraste entre silêncio
e ruído, entre a luz e as trevas, um tom de excitação que tende
a produzir essa perpétua oscilação entre o desespero e a alegria
uma ligação entre crueldade e a ternura que caracteriza a vida na
Idade Média. É visível o contraste entre a crueldade e a piedade
transparecendo constantemente nas relações individuais e coletivas
da Idade Média.
Em meio à construção de uma vida que praticava normas
religiosas, que interferia no comportamento pessoal e coletivo dos
indivíduos que tinha por base a busca diária do “tipo ideal”. Tal
busca estava presente com fortes características nas cerimônias,
nos ritos do luto e do casamento; valores que se tornaram práticas
culturais na vida cotidiana do mundo medieval. (ÁRIES, 1990,
pp.300-8)
Assim se expressa o homem do Ocidente, reagindo a uma
sensibilidade coletiva diante da vida, sendo a morte um sentimento
medieval pertencente a uma história da cultura global. A morte é
um elemento ou código carregado pelo homem em suas tradições e
experiências, que deve ser decifrado para a sua própria compressão.
Substituir a morte pela mortalidade, quer dizer, o sentimento de
morte, concentrada na realidade história, acaba por diluir na massa
inteira da vida e se perder na sua intensidade. (ÁRIES, 1990, pp.
37-9)
Mas não podemos esquecer que, mesmo a morte, tornando-
se complexa e difundida na história do homem, nota-se o caráter
social ou ritual, o caráter obrigatório das manifestações que pretendia
originariamente expressar a dor da saudade, o dilaceramento de
uma separação. E é verdade que as tendências da ritualização da
morte é bem antiga, iniciando na Idade Média com os padres, os
monges mendicantes. Mais tarde, os confrades e os padres deram
o lugar para a família e os amigos, que em pranto no espaço privado
da casa, no cortejo e na igreja; reforçado a impersonalidade e os
ritualismos.
31
A ritualização, socialização do luto não representava o
desabafo, onde o homem medieval poderia expressar o que sentia
diante da morte e sim um momento o qual o impedia, o paralisava.
No entanto o luto tem o papel de romper com os limites entre o
homem e a morte.
O desejo de simplificar os ritos da morte na Idade Média
era um meio de negar a existência da própria morte, portanto
queriam reduzir a importância afetiva da sepultura e do luto, sendo
inspirado pela humildade cristã, e rapidamente confundido com um
sentimento ambíguo que homens da Idade Média chamam como
os devotos de “justo desprezada vida”. Esta atitude é cristã, mas
ao mesmo tempo “natural”; pois o vazio que a morte causa no
coração da vida, do amor pela vida, pelas coisas e pelos seres é
devido ao sentimento da natureza humana que é influenciando pelo
cristianismo. (DELUMEAU, 1989, pp. 170-2)
A Igreja na Idade Média promovia uma construção mental
sobre os homens; que afirmava na prática contemplativa uma relação
que existia entre o jejum e as alucinações profanas do corpo físico.
Em suma, o homem medieval buscava promover as manifestações
de piedade, praticando todas as normas consideradas sagradas,
inibindo as fantasias, a luxúria e “todos os desejos da carne”.
(DELUMEAU, 1989, p. 284)
Ao apontar esta forte relação entre simbolismo e o realismo,
notamos que foi no domínio da fé que o realismo ganhou um sentido
de tendência à atribuição ás divindades, feições, sentimentos e atos
do homem, algo que aproximava o homem da imagem de Deus.
Todavia, o simbolismo promove uma relação profunda do espírito,
as alegorias superficiais e cristalizadoras da sociedade medieval.
(DELUMEAU, 1989, p. 302)
O simbolismo, com sua construção alegórica se constituiu ao
longo do tempo, na Idade Média a partir de uma mentalidade que
concretizava a expressão de uma ideia sob forma figurada, uma
espécie de representação de um objeto para dar ideia a outro.
Nota-se que a mentalidade da Idade Média se fundamenta
na fé, nas práticas normatizadas pela Igreja que sempre receou os
excessos de misticismo; pois o êxtase contemplativo das coisas de
32
Deus consumia as formas e as imagens na Idade Média, no entanto
era controlada a parte mística presente nas formas, conceitos,
dogmas e mesmo nos sacramentos.
No espírito da Idade Média notamos a personificação dos
procedimentos, da escritura sagrada, das lendas, da história de
seu povo que transferia em suas palavras a “verdadeira moral”
uma espécie de código que deveria ser cumprido pelos os homens
medievais.
E assim, cresce lentamente a maturidade tenebrosa de ilusão
e crueldade na Idade Média. Portanto, o medo da morte é a fúria
cega que persegue e obscurece a vida e a atmosfera mental do
homem medieval.
Nada traz mais claramente sobre o medo excessivo da morte
sentida na Idade Média, do que a própria visão de repulsa que
se funda em meio a práticas fúnebres que se afeiçoam as coisas
tristes.
Como tal, nesse período, o mundo era considerado um local
de batalha constante contra o diabo, pela salvação da alma. A
religião interfere nos elementos mentais, nas ações materiais e nos
aspectos culturais, alterando e modificando o comportamento social
do homem ocidental. No período medieval a morte era o grande
momento de transição, das coisas passageiras para as eternas. A
morte era um rito de passagem. Era aguardada no leito de casa,
onde o homem deveria ficar deitado de costas, para o seu rosto
estar voltado para o céu. A morte era uma cerimônia pública, um
ritual compartilhado por toda a família e amigos. (ÁRIES, 1977, pp.
81-9)
Assim podemos visualizar na imagem que temos a seguir; ela
representa justamente aquilo que o homem medieval esperava: a
morte “espreitava” sua vítima em seu leito fúnebre.
33
Figura 1
Hieronymus Bosch (c. 1450-1516). A Morte e o Avarento (c. 1490). Detalhe.
Óleo na madeira (93 x 31 cm) - National Gallery of Art, Washington
In: http://digilander.libero.it/debibliotheca/Arte/BOSCH1_file/page_01.htm
35
angústia dos tempos da Peste Negra. Para tanto, contribuíram para
essa nova espiritualidade e na concepção do além; os pregadores
franciscanos e dominicanos que lembravam às pessoas da
corruptibilidade de todas as coisas, sendo o cadáver putrefato a
imagem preferida nos sermões. (DELUMEAU, 1989, p. 25).
Figura 2
Liber Chronicum, de Hartmann Schedel (séc. XV).
In: POLLEFEY, Patrick. Représentations diverses de la mort. Internet:
www.geocities.com/ppollefeys/divers.htm#wolgemut
36
Davis (1930) deixa claro que a vida terrestre é a preparação
para a vida eterna, como os nove meses de gestação são a
preparação para a vida terrena. A arte de morrer é substituída pela
a arte de viver. (ÁRIES, 1990, pp. 329)
A vida, portanto é dominada pelo pensamento da morte, e
uma morte que não é o horror físico ou moral da agonia, mas sim
a ausência de vida, o vazio da vida, cuja incitação envolve a razão
a não lhe apegar, existindo uma relação estreita entre bem viver e
bem morrer.
A imagem que segue representa a preparação do “bem
morrer”, com o símbolo da auréola na cabeça da santa.
Figura 3
Morte de Santa Elisabeth da Turíngia (1207-1231)
(FR 2813) fol. 269v. Grandes Chroniques de France. France, Paris, XIV e s.
INTERNET: http://www.bnf.fr/enluminures/images/jpeg/i2_0008.jpg
37
O homem medieval buscava praticar o bem viver para ganhar
a salvação da sua alma o distanciando do temor do purgatório;
local que era habitado por pecadores.
O purgatório era visto como local de medo, de dor e sofrimento
eterno, um local intermediário para purificação da alma, um espaço
que fica fora do céu e do inferno o qual o homem medieval temia.
Mas os efeitos da depreciação da boa morte, sobre a
consideração serena da mortalidade opõem-se na Idade Média de
uma vida perseguida; que poderia ter efeitos menos favoráveis a
piedade; afastando a angustia da morte física, arriscando o ser
bem-sucedido, e esquecendo do sentido metafísico da mortalidade,
se diferenciando da incredulidade da sociedade, passando a pensar
na vida terrena, de modo que nunca se pensa em morrer.
Ao trabalhar a história da Idade Média devemos enfocar a
história das mentalidades que situa se no ponto de dualismo do
individual e do coletivo, do bem e do mau, do verdadeiro e do falso;
um período onde a fé era algo essencial para o “bem viver e o bem
morrer” do homem medieval. (ÁRIES, 1990, pp. 56-8)
O medo de morrer promovia fenômenos derivados do dualismo
entre a crença na onipresença de um imaginário voltado para a
construção de demônios que poderiam ser combatidos através
da fé, do comprimento das normas e regras colocadas pela Igreja
medieval.
Quando falamos do homem cristão na Idade Média notamos
uma constante luta entre o bem e o mau, onde a alma do fiel
era disputada por anjos e demônios. Em meio à pesquisa pude
compreender que o Ocidente Médio se estrutura na vida terrena,
mas com uma permanente preparação para a vida no “céu”. Um
universo que se expressava em forma de práticas, ritos e gestos
que se tornava comum entre os homens medievais.
Em suma, o homem medieval vivenciava um dualismo com
relação ao conflito cósmico do bem e do mau, ocorrendo uma
desvinculação da matéria, onde os monges procuram levar a
prática da meditação, oração e mortificação do corpo com relação
às práticas carnais, visando à libertação das coisas corporais como
instrumento de retorno a Deus.
38
Na Idade Média isso se refletia na visão do pós-morte, um
processo de fase coletiva, onde era comum a cena do juízo final,
após a qual a humanidade estaria dividida em dois grupos, o dos
condenados e o dos salvos. No entanto, notamos que todos os
indivíduos buscavam fazer o correto, mantendo o comportamento
do corpo, pois o julgamento divino considerava a atuação e a
motivação individual de cada alma cristã.
Hilário Franco (1994) em sua obra A Idade Média, afirma
que tal período da história é considerado a matriz da civilização
ocidental cristã. Local onde os indivíduos viveram transições onde
tudo se prova pela fé, se contrapondo a racionalidade, ao empirismo.
Praticando a perseguição e punição dos infratores, em nome da
misericórdia divina. (FRANCO, 1994, pp. 23-7)
Podemos notar que o homem medieval utilizava da sua
fraqueza tendo com base, o medo da morte, da fome, do purgatório
e do inferno, para produzir sua força, desejo e motivação de praticar
o “bem” afirmando a cada dia a fé em Deus.
É perceptível na Idade Média uma representação da forma que
se fixa em vestígios de infortúnio, onde os grandes males constituíam
os fundamentos da história. Era comum falar constantemente a
respeito das calamidades, sofrimento e da miséria, que atenuava
como modo de vida que ajudava no livramento dos pecados.
(ÁRIES, 1997, pp. 31-7)
Portanto, Hilário (1994), nos deixa claro que a única instituição
que tornava possível a aproximação do homem com Deus era a
Igreja que ensinava e ajudava o homem medieval a se manter no
equilíbrio do tempo, do corpo e da preparação para a morte; um
processo que se renovava a cada segundo na vida do homem
medieval. (FRANCO, 1994, pp. 31-5)
O homem na Idade Média busca a boa morte, pois temia o seu
destino no além, o medo do pós-morte era algo que predominava
na sociedade cristã. A boa morte significava que o fim não chegaria
de surpresa para o individuo, sem que ele prestasse contas aos
que ficavam. (ÁRIES, 1977, p. 78)
Havia formas variadas de preparação, mas a maioria buscava
a misericórdia de Deus, promovendo uma recomendação da alma a
39
ele e do apelo à proteção de santos.
A Igreja na Idade Média recomendava como regra o “bem
viver”, onde os fiéis praticavam o que era correto perante os dogmas,
pois só assim permita ao homem uma preparação da alma para a
morte. Mesmo assim, a morte continuava sendo um momento de
grande tensão.
A morte torna-se, dentro dessa postura, uma meditação
metafísica sobre a fragilidade da vida; pensando a morte como um
meio de viver melhor, pois sempre a morte estará diante de nossos
olhos. O medo do pós-morte era bastante comum, entre todos os
povos, principalmente os “pecadores”, como eram considerados
pela Igreja, os que não seguia as normas doutrinais; o medo do
purgatório, do inferno levaria a busca de Cristo, voltando-se para as
coisas do céu, expandindo a devoção por amuletos como o rosário;
que usado durante a vida com certeza oferecia a boa morte, e o
alivio do purgatório.
O temor da morte, no entanto não deve ser visto como um
medo sem controle. O grande medo era mesmo morrer sem uma
preparação, pois a preparação facilitaria a espera da morte e
aliviava a apreensão da passagem para o além.
Le Goff (1990) menciona uma história medieval de edificação
cristã onde o homem pena no purgatório por morrer devendo
dinheiro a alguém ou por não seguir as normas da Igreja. Le Goff
comenta que o purgatório se tornou um instrumento de salvação da
vida econômica e social. (GOFF, SCHMITT, 1990, pp. 36-8)
A Igreja na Idade Média tinha como função o auxílio na
hora da morte, um processo de preparação da alma, um trabalho
espiritual e místico que descreve uma “morte segura”.
Assim, notamos ao longo da preparação do homem medieval
que buscava o “bem morrer” cujo objetivo é ser um “bom cristão”,
que firmava a sua fé em uma vida plenamente religiosa e pleiteava
seguir os dogmas impostos pela Igreja.
Ao longo do texto, vimos à morte se diluir no discurso total da
vida e em um sentimento melancólico da passageira vida. O medo
da morte parece então se afastar, perdendo o vigor, presença que
possuía grande força na Idade Média.
40
A Sociedade Ocidental conseguiu conviver com o medo de
morrer, pois foram capazes de aceitar algumas coisas e rejeitar outras,
tornando possível através das imagens terríveis, correspondida á
visão coletiva e secreta da morte, trazidas por homens da Igreja
como uma força que a sociedade gostava, pois isto apaziguava o
medo. A sociedade Ocidental gostava da proposta da Igreja, porque
além de oferecer segurança contra o medo, cada um colocava o
seu sentimento ali encontrando, parte de sua identidade e de sua
história.
O medo da morte transbordou para fora do imaginário,
penetrando na realidade vivida pelo homem, um sentimento
consciente e expresso, sob uma forma, todavia limitada. A morte,
tal como a vida, não é um ato apenas individual. Por essa razão,
a semelhança de cada grande passagem da vida, sendo celebrada
por cerimônia solene, tendo por finalidade marcar a solidariedade
entre indivíduos com a sua linguagem e comunicação no meio
social. Fica claro que a morte não era, um drama pessoal, mas
a prova da humanidade, na luta constante para a continuidade da
espécie. (ÁRIES, 1990, pp. 70-7)
A morte no entanto, é vista como uma saída discreta desta
vida; de um vivo que tenta seguir as regras de uma sociedade; o qual
não destruiu ou perturbou as ideias de uma passagem biológica,
sem significado, sem esforço nem sofrimento, sem “pecado” e
finalmente, sem angústia e arrependimento.
Como é comum nas sociedades tradicionais havia separação
como hoje entre a vida e a morte, entre sagrado e profano e entre
cidades dos vivos e a dos mortos. Vovelle (1991) afirma que nas
sociedades medievais coabitavam os vivos e os mortos, pois os
cemitérios se confundiam com a igreja no coração da cidade.
Segundo Áries (1990) os vivos se silenciavam em relação a
sua própria morte, tornando visível a mudança de comportamento
com relação ao tema da morte.
Vivos e mortos conviviam pacificamente dentro dos meios
citadinos, elemento comprovador de que o homem medieval não
temia a morte em si, mas não estar “preparado” para ela era a
grande aflição.
41
As atitudes diante da morte e a relação entre os vivos e mortos
não estão separadas dos processos históricos mais amplos. Pois
segundo Freud (1989) “o objetivo derradeiro da vida é sua própria
extinção”. (BOSI, 1994, p. 121)
O trabalho de Áries (1990) destaca uma “morte domesticada”
que resistiu com o mesmo ardor até chegar a “morte selvagem” para
definir essa nova mentalidade, os inúmeros autores que analisam
o homem e sua relação com a morte, afirmará que esta nova ideia
está relacionada com uma mentalidade que parte da mentalidade
coletiva para uma mentalidade individualista. (ÁRIES, 1990, pp.
90-9)
43
em números menores do que o mar bravo; sendo a tempestade
não apenas temas literários e imagem das violências humanas; é
também em primeiro lugar fato de experiência, relatada por todas
as crônicas, a navegação para a terra santa. (DELUMEAU, 1989,
pp. 41-4)
O mito também ganha espaço na representação do mar;
aparecendo relatos de monstros que se alimentavam de humanos,
como Polifen, Cila, Circe, as sereias, Leviatã e Lorelei. Outra visão
mitológica esta relacionada aos textos, apocalípticos clássicos, que
na origem da sua demência suspeitava de feiticeiras e demônios, pois
o mar é freqüentemente representado como o domínio privilegiado
de Satã e das potências infernais. No fim do mar, acreditava-se que
era também o fim do mundo e associava-se a ideia de que também
encontraria no final dele a passagem para o inferno; um abismo
profundo, local do medo, da morte, da demência, onde vive Satã, os
demônios e os monstros. Assim, um dia o mar desaparecerá quando
toda a criação for regenerada. (DELUMEAU, 1989, pp. 41-7)
Portanto, até as descobertas e vitórias das técnicas modernas
e novos conhecimentos cartográficos, o mar era associado
na sensibilidade coletiva como um dos principais medos da
coletividade.
Na mentalidade coletiva, a vida e a morte não apareciam
separadas em um corte nítido; os mortos permanecem entre nós
como seres meio material e meio espiritual uns são bons para fazer
a vontade de Deus, outros ao contrário, traz para a terra, “pestes,
tempestades e trovão”, fazendo sons no ar para provocar susto.
No que o contexto nos mostra, podemos perceber a concepção da
Igreja e uma separação radical da alma e do corpo no momento da
morte. (DELUMEAU, 1989, pp. 107-12)
Com o processo da duvida, foram pouco a pouco os homens
da Igreja, a desconfiarem mais da aparição dos mortos. No final do
século VIII e no começo do século XVIII, os fantasmas que provocavam
epidemias de medo, eram os vampiros; onde o temor dos mesmos
continuava no século XIX na Romênia o país do Dracúla.
Voltando no contexto, não podemos esquecer da peste que
envolvia o comportamento coletivo, provocando o medo e o pânico;
44
episódio que ataca a Europa, sempre desaparecendo e reaparecendo
criando um estado de “nervosismo e medo na população”. A peste era
vista como um pesadelo que vinha junto com a fome e a guerra, uma
“praga” que ataca o mundo, que envolve a violência, sendo vista por
diversos povos como impetuosa, com um ideal de punição divina.
Percebe-se que as epidemias provocavam interrupção
na morte, ocorrendo abolição dos ritos coletivos de alegria e de
tristeza, pois o número de mortos e o pânico de morrer limitavam
a ritualização dos indivíduos; essas rupturas brutais com o uso
cotidiano são acompanhadas de impossibilidade radical dos
planejamentos de mecanismo de defesa contra a doravante peste.
A violência é uma inquietação coletiva, onde cresce um “medo
global”, gerador de pânico e repulsa. A fome também é um medo
comum na Idade Média o qual provoca apreensão nas estações,
ao escoamento dos meses, até mesmo dos dias; em tempo de
crise, provocava pânico, medo e desembocarando á loucura e
acusações.
Mas havia também a morte na guerra, (morte antecipada),
momento supremo do cavaleiro, que alegremente se dirigia na sua
direção. Uma morte antecipada em nome da fé que tem por objetivo
a salvação da alma e a vida eterna no paraíso. Tal prática fazia parte
dos mecanismos de defesas utilizados pelo homem medieval.
Como o mundo dos vivos estava ligado ao dos mortos, o
papel dos mosteiros era exatamente o de interlocutor junto do além
pela sociedade terrestre. Na Idade Média a morte foi assimilada nos
corações. Desejada pelos guerreiros, aguardada pelos religiosos, a
morte foi sentida como um rito de passagem para um outro mundo,
o além. Os medievais entendiam o além como uma realidade. Foi o
tempo do além, e a preocupação com a morte, algo constante nas
suas vidas. O além é o espaço espelho da sociedade que o imagina
e recria constantemente esta realidade. No entanto, ele deixou de
ser a razão da própria existência, para passar a ser a chantagem
para a imposição das regras e dos dogmas religiosos. Ocorrendo
uma representação iconográfica da morte. (ÁRIES, 1990, p. 46)
Assim, notamos como fortes características a reorganização da
sociedade cristã ocidental que conheceu o poder de consequências
45
como a expansão territorial, da qual se destaca as cruzadas que
teve pontos marcantes nas estruturas históricas.
Enquanto estruturas demográficas a Idade Média se equilibrava
no sistema típico das sociedades agrárias, pré-industriais, onde
ocorria alta taxa de natalidade e alta taxa de mortalidade provocada
pelas longas estiagens, enchentes e as inúmeras epidemias que
provocavam a morte de uma grande parcela da sociedade.
Na verdade, isto seria apenas um ensaio da crise demográfica
da Baixa Idade Média que terá seu ponto crucial com a então
conhecida peste negra que provocará a perda de um terço da
população da Europa Ocidental.
Quando trabalhamos as grandes epidemias na Idade Média
devemos compreender que tais processos se concretizaram dentro
de uma estrutura de longa duração que proporcionará a comunicação
e a penetração dos homens medievais em várias regiões.
Os rumores são provocadores do medo coletivo, pois se
espalhava no Ocidente a revolta, provocada pela morte, pela ameaça
da fome e de guerras; os grandes cismas, como as cruzadas contra
os (heréticos), que levou a decadência a moral do papado, antes
do surgimento operado na reforma católica. (DELUMEUA, 1989,
pp. 177-9)
Nestes momentos de crise, o melhor a fazer é manter-se
apegado com os mandamentos de Deus e praticando o bem
para ganhar a salvação eterna e garantir a boa morte, já que
esses elementos acima abordados (fome, peste e guerras)
eram preocupações constantes no contexto do homem medieval
ocidental.
Podemos perceber que o homem vive constantemente
cercado pelo medo de morrer, que vai além da vida, ou seja, o pós-
morte é a preocupação dos indivíduos. Nesta jornada o homem,
parte em busca de explicações, sendo conduzido pelo medo e
consequentemente a sua mentalidade o atrai para o pior inimigo,
que é justamente essa morte.
Assim, foram trabalhados de forma bem resumida, alguns
aspectos do medo coletivo, ou seja, que são comuns á toda
humanidade: o mar, os fantasmas, a peste, a fome e a guerra.
46
2.3 Comportamentos Diante da Morte
48
que fala do corpo, da vida e das normas religiosas.
O domínio do poder sobre o sexo seria promovido através da
linguagem ou de discursos religiosos que promoviam a interdição
do prazer da carne; construindo normas que se cristalizaram
na Idade Média como regras complexas que determinavam os
comportamentos dos indivíduos de forma hegemônica.
Neste processo ocorre a formação dos saberes que se refere
ao sistema de poder que regulamenta práticas e formas pelas quais
os indivíduos podem e devem se reconhecer como sujeito dessa
sexualidade que constitui um domínio exclusivo.
Pois o valor do ato sexual era considerado pelo cristianismo
como algo do “mal, do pecado, a queda, a morte”; o homem medieval
deveria acentuar os valores morais e espirituais, atribuindo a tal
idéia a prática da abstinência rigorosa, a castidade permanente e
a virgindade.
A sexualidade deveria ser trabalhada dentro dos princípios de
uma moral cristã que permitia o sexo somente após o casamento
cristão, onde era afirmada a fidelidade da esposa com o marido, e
era uma questão colocada de forma rígida, que de certo modo tinha
um grande valor na sociedade medieval.
O ato sexual é um ponto de cruzamento entre uma vida
individual que é destinada a morte e ao mesmo tempo á uma
imortalidade que torna a forma concreta de uma sobrevivência da
espécie.
A atividade sexual se inscreve, no amplo horizonte da morte
e da vida, do tempo e da eternidade. Assim, o homem coloca em
contra ponto o destino de morrer e as formas de escapar da morte
através da reflexão sobre o uso dos prazeres e sobre os seus
regimes.
O regime físico dos prazeres é caracterizado pela capacidade
de dominar as forças que desencadeia um jogo da vida e da morte,
onde o homem deseja sobreviver além da sua existência terrena.
Nesta análise do medo de morrer, podemos notar que o
homem medieval tinha uma preocupação extremamente rigorosa
com a repressão dos desejos do corpo, pois tal prática como já
dito era considerada pecaminosa, um ato profano que deveria
49
ser reprimido constantemente da vida dos homens medievais, um
processo que partia da individualidade para a coletividade social e
religiosa da Idade Média. (DELUMEAU, 1989, pp. 22-9)
A Igreja medieval se preocupava em constituir uma sociedade
que se pautava em uma estrutura mental que visa ocupar e orientar
os fiéis, a não praticarem as coisas do “mau”. Para isto o homem
medieval deveria seguir normas ritualísticas como penitências,
jejuns, momentos de constante oração, entre outras práticas que
faziam parte da vida social e religiosa do homem medieval.
Quando falamos em alma, devemos perceber que ela tem
um duplo papel de desempenhar uma reflexão que designa para
o corpo um regime que efetivamente é determinado pela natureza
do mesmo e das suas tensões. Assim, fica claro que este desejo
tem duas faces, ele parece no corpo e aparece na alma, uma
experiência que o sujeito faz dele próprio.
Podemos pensar nos conjuntos teóricos, dos jogos da morte
e da imortalidade, nas práticas e normas que possibilitavam a
purificação da alma.
Portanto, podemos notar que os elementos trabalhados
colocam em destaque o concerne de regras para o prazer;
práticas constantes de fidelidade conjugal, e de normatização de
comportamentos religiosos que possibilitam ao homem medieval a
construir uma “boa conduta sexual” e além disto tornando possível
uma “vida plena e distante da morte”.
O sexo era um “mal necessário”, que deveria e foi encarado,
dentro da mentalidade cristã ocidental com um único e exclusivo
objetivo: o da procriação. A idéia era: quanto mais casto o
homem medieval fosse, mais próximo da “boa morte” ele estaria e
consequentemente mais “perto de Deus”.
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Considerações Finais
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conduz em nome da fé.
Contudo é visível que o homem medieval vivencia o medo
construído e transferido de outro homem como um mecanismo de
defesa; sendo tais mecanismos utilizados pela Igreja, como objetivo
de controlar a sociedade, agindo como fatores que possibilitava a
reflexão e entendimento do mistério do medo de morrer.
A Igreja torna-se a única instituição que possibilitava a
aproximação do homem com Deus; ela ensinava e ajudava o
homem medieval a se manter no equilíbrio do tempo, do corpo
por meio do controle de sua sexualidade e da preparação para a
morte, um processo que se afirmava a todo momento no cotidiano
medieval.
No prisma da análise, é perceptível a crescente maturidade
tenebrosa da angústia e do medo na Idade Média. O medo da morte
torna-se a fúria cega que persegue a “vida dos bons e dos ruins”;
tornando obscura a atmosfera mental da sociedade medieval.
Por isso, a busca incessante da “boa morte”, pois só assim
poderiam atenuar o temor do inferno, tornando favorável a prestação
de auxílio ás almas do outro mundo, do além, possibilitando a
convivência com o medo de morrer e promovendo uma constante
preparação para o pós-morte.
Por isso, fica claro que as “boas obras” permitiam atenuar o
temor do inferno, tornando favorável a prestação de auxilio ás almas
do outro mundo, do além, tornando possível a convivência com o
medo de morrer, promovendo uma relação com a preparação para
o pós-morte.
Enfim, o medo de morrer é um tema difuso e que envolve o
mistério, o fascínio do além como algo desconhecido e temido ao
longo dos séculos. Na Idade Média tal medo se expandiu com um
grande temor que espreitava os indivíduos, o medo foi a ameaça;
transbordando do imaginário do homem medieval, e penetrando
na vida real e cotidiana, e isso ficou denotado e demonstrado na
arte, na escrita, nas práticas e nos ritos de uma coletividade cristã
ocidental, que se designava sitiada, desmobilizada diante do medo
de morrer.
Fica ainda em aberto várias questões que não foram
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trabalhadas e que são pertinentes em relacionar ao tema o Medo
da Morte na Idade Média Ocidental. A pretensão desse exímio
trabalho não era nem esgotar e nem fechar nenhuma idéia que foi
proposta no mesmo. O homem sempre teve e sempre terá o medo
daquilo que desconhece: a MORTE.
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Referências:
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Dhiogo José Caetano -
nascido no dia 24/11/1988 na
c i d a d e d e U r u a n a - G O.
Graduado em História pela
UEG - Universidade Estadual
de Goiás. Tem diversos
trabalhos e artigos publicados
em Recanto das Letras, Jornal
o Povo, Jornal o Dia, Jornal
Diário da Manhã,Canto dos
Escritores, Overmundo,
Cinema é a minha praia,
Poetas Livres, Portal Literal e
em outras revistas como:
Revista Factus e Partes.
Também faz parte do projeto da Nova Coletânia, Rocco, Abralie,
Publicações Iara, Encantos do Brasil II da Mandio Editora, Novos
Poetas da Editora Videira, Prêmio Valdeck, Editora Celeiro, Tecido
Verbal, Editora Literacidade, Poesia Encanta, Canapé, Litteris,
Palavras Sem Fronteiras. É colunista dos blogs: Poetas Brasileiros,
Mar de poemas, Sociedade dos Poetas Mortos, Debates Culturais e
outros. Artista revelação 2011, prêmio organizado pela Interarte
juntamente com Academia de Letras de Goiá, prêmio Interarte 2012.
O seu objetivo é continuar a caminhada em direção do ensinar e
aprender, corroborando para a publicação de diversos textos, livros,
artigos e poemas; construindo uma caminhada em busca de
conhecimento.