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PAIS SEPARADOS E FILHOS: ANÁLISE FUNCIONAL...

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PAIS SEPARADOS E FILHOS: ANÁLISE FUNCIONAL DAS


DIFICULDADES DE RELACIONAMENTO1

SEPARATED PARENTS AND CHILDREN: FUNCTIONAL ANALYSIS OF


BEHAVIOR DIFFICULTIES

Profa. Dra. Carmen Garcia de ALMEIDA2


Ednéia Aparecida PERES3
Marcos Roberto GARCIA4
Nadya Christiane Silveira PELLlZZAR5

RESUMO

Estudos realizados revelam que a separação conjugal pode exercer efeitos


negativos sobre o relacionamento entre pais e filhos. A forma como os pais
se relacionam com os filhos e entre si interfere na maneira positiva ou negativa
de o filho enfrentar a separação. Este trabalho teve como objetivos identificar
dificuldades de relacionamento vivenciadas por pais e filhos e analisar as
variáveis das quais estas dificuldades eram função, além de promover a
interação entre eles. Os participantes foram 3 pais e 3 crianças, com idades
entre 29 a 41 anos e 8 a 12 anos, respectivamente. O trabalho realizado na
Clínica Psicológica da UEL consistiu de 36 encontros, sendo 11 com os pais,
11 com os filhos e 14 conjuntos. As intervenções consistiram de: desenhos,
pinturas, orientações sobre disciplina, treino em expressividade emocional,
dentre outras. A avaliação inicial das dificuldades revelou a existência de
comportamentos agressivos e inassertivos dos pais, sendo que os filhos
também apresentaram dificuldades semelhantes. Os resultados da interven-
ção apontaram melhoras nos comportamentos de imaturidade e isolamento
dos filhos e na expressão de sentimentos de pais e filhos. Embora tenham
ocorrido mudanças comportamentais, sugerem-se intervenções futuras en-
volvendo pais que não estão com a guarda dos filhos, os quais contribuem
para as dificuldades de relacionamento por eles apresentadas
(1)
O presente trabalho resultou da pesquisa de Pós-Doutorado realizada pela Profa. Dra. Carmen Garcia de Almeida,
apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo em fevereiro de 1997, sob a orientação da Profa. Dra.
Edwiges Ferreira Mattos Silvares, com apoio financeiro do CNPq.
(2)
Universidade Estadual de Londrina Av. Voluntários da Pátria, 674 Jardim Andrade - Londrina - Paraná - CEP 86061-080
E-mail:carmen@sercomtel.com.br. FAX: (043) 371-4207
(3)
Estagiária bolsista CNPq/UEL,UEM - UEL.
(4)
Bolsista de aperfeiçoamento CNPq - UEL.
(5)
Estudante de Especialização - UEL.

Rev. Estudos de Psicologia, PUC-Campinas, v. 17, n. 1, p. 31-43, janeiro/abril 2000


32 C.G. ALMEIDA et al .

Palavras-chave: separação conjugal; relacionamento entre pais e filhos;


análise funcional

ABSTRACT

Studies reveal that the legal separation can exert negative effects on the
relationship between parents and children. The way parents relate with their
children as well as between themselves, interferes in the positive or negative
way the child deals with the separation. The purposes of this work were to
identify the relationship difficulties experienced by parents and children and
to analyse the variables which generated these difficulties, besides promoting
the interaction between them. The participants were three parents and three
children, with ages ranging from 29 to 41 years old and 8 to 12 years old,
respectively. The work performed at the University's Psychological Clinic
consisted of 36 meetings: 11with the parents, 11 with the children and 14 with
both parents and children. The interventions consisted of:drawings, paintings,
orientations about discipline, training in emotional expressiveness, among
others. The initial evaluation of the difficulties revealed the existence of
agressive and unassertive behaviors on the part of the parents. The children
aIso presented similar difficulties. The results of the intervention showed
improvements in the immaturity and isolation behaviors on the part of the
children as well as in the expression of feelings on both parts. Although
behavioral changes have happened, future interventions are suggested,
involving parents who do not have the custody of the children, who contribute
for the difficulties of the relationship presented by them.

Key words: legal separation; relationship between parents and children;


functional analysis.

INTRODUÇÃO
adaptação social são os mais afetados pela
A separação conjugal vem se multiplicando experiência do divórcio. Alguns dos principais
consideravelmente na atualidade, podendo acar- causadores do stress, em caso de divórcio,
retar diversas conseqüências aos envolvidos, referem-se ao conflito conjugal tanto antes como
como, por exemplo, situações estressantes. "O depois da separação, ao relacionamento proble-
estresse se refere a um desgaste geral do mático com um ou ambos os pais e à perda de
organismo, cansado pelas alterações psicofi- contato ou diminuição do mesmo com um dos
siológicas que se dão quando a pessoa se vê pais, geralmente com o pai. De acordo com
forçada a enfrentar uma situação que a irrite, alguns pesquisadores, as crianças costumam
amedronte, confunda, excite, ou que a faça muito responder a estas experiências estressoras de
feliz" (Lipp & Malagris, 1995, p. 179). formas variadas, dependendo de suas caracte-
rísticas individuais.
De acordo com Tschann et aI. (1989) o
divórcio acarreta mudanças que geram estresse O estresse vivenciado pelos filhos parece
nos relacionamentos familiares, as quais interfe- estar relacionado diretamente com o estresse
rem no ajustamento das crianças e podem dos pais e os contatos negativos entre eles, é
alterar as etapas normais de seu desenvolvimen- inversamente relacionado ao tempo transcorrido
to. O bem-estar emocional das crianças e sua desde a separação.

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O medo de perder o contato com o pai, que extensão da participação continuada dos
está indo embora, é o principal desajuste causa pais em suas vidas. Os filhos do divórcio
do pelo divórcio. As conseqüências emocionais sofrem social, emocional e intelectualmente
advindas dessa situação, para os filhos, como quando seus pais não estão ativamente
depressão, raiva, ansiedade e isolamento, são envolvidos com seu papel. Eles parecem
bem severas, conforme colocam Hess e Câmara culpar-se pela partida dos pais e sofrem
(1979). uma perda da auto-estima e iniciativa,
Os resultados de pesquisa de Câmara e perda esta refletida na depressão, de-
Desnick (apud Moraes, 1997) indicam que quan- sempenho acadêmico pobre e falhas
do há cooperação entre os pais, o ajustamento nos relacionamentos interpessoais. Os
social de seus filhos se estabiliza por volta de 2 filhos do divórcio melhor ajustados são
anos após o divórcio. os que têm freqüentemente acesso,
sem conflitos, a pai e mãe."(apud Moraes
A forma como os pais se relacionam com et al., 1997,p. 17)
os filhos e entre si interfere na maneira positiva ou
Quanto ao impacto da separação sobre os
negativa de o filho enfrentar a separação. Se os
cônjuges, Kaslow e Schwartz (1995) colocam
pais se agridem constantemente, as crianças
que a maioria dos divorciados recentes permane-
podem considerar este comportamento como
cem inibidos, deprimidos, amargurados e preo-
adequado e passam a emití-Io no relacionamento
cupados com os filhos, emprego ou dinheiro.
com os outros.
Alguns se encontram cansados, aliviados ou
Os momentos subseqüentes à separação confusos, podendo ainda ter esses três senti-
são os mais difíceis, tanto para os pais como mentos ao mesmo tempo,já que a ambivalência
para os filhos. Sendo assim, não se deve esperar é normal nesse caso.
que lidem de forma satisfatória com as conse- Há pontos em comum vivenciados pelos
qüências sociais, financeiras e emocionais, liga- divorciados: as etapas do processo de separa-
das à dissociação do casamento, pois necessi- ção; a necessidade de sobrevivência e o desen-
tam de um tempo para se reconstruírem. volvimento de novos estilos de vida e auto-
imagem; mudanças quanto ao fator econômico e
Outro fator de extrema importância se refe-
crises emocionais que muitos enfrentam.
re à ausência de um dos cônjuges na vida dos
filhos. Esta ausência pode influenciar a percep- O período que se segue ao divórcio legal,
ção do mundo e de si mesmo, contribuindo para para algumas pessoas, é uma "exploração do
uma auto-imagem ruim, apresentando níveis alto seu mundo privado (sentimentos, pensamentos,
de ansiedade, desenvolvimento afetivo instável, emoções), assim também do ambiente externo
dificuldades para controlar a agressividade, (tentando novas atividades, retomando antigos
impulsividade e aparecimento de comportamen- projetos, construindo novos relacionamentos
tos depressivos. sociais)" (Kaslow e Schwartz, 1995, p. 53) .
Nesse momento a terapia individual ou de grupo
Tanto as crianças como os adolescentes pode proporcionar o desenvolvimento de valores
poderão reagir de forma diferente diante de uma e de estruturas que irão permear a vida delas,
mesma situação. Diante do divórcio, muitos bem como ajudá-Ias a exercer bem seus múlti-
filhos não apresentam problemas de ordem plos papéis sociais (pai, mãe, amigo, ajudante
comportamental, enquanto outros os apresen- nas lições de casa, trabalhador, estudante e a
tam. desfrutar de todas as oportunidades que a vida
Conforme Teybere Hoffman(1987): pode-Ihes oferecer).

"Um dos mais fortes determinantes do Como são muitas as alterações sofridas
ajustamento dos filhos ao divórcio é a pelos filhos diante da separação, Giusti, 1987

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(apud Moraes et aI., 1997) referindo-se às op-


METODOLOGIA
ções úteis que poderiam ajudá-Ios a superar
esse período, propõe a busca de um especialis- Os encontros foram realizados na Clínica
ta. Concordando com isso, Maldonado (1978) Psicológica da UEL, durante o período de maio
coloca que é importante para a criança ter um a novembro de 1997, consistindo de atendimen-
espaço para expressar seus sentimentos, dúvi- tos semanais, com duração aproximada de uma
das, emoções acerca da separação dos pais e hora e vinte minutos.
do relacionamento com os mesmos.
A população selecionada por um roteiro de
Para Kaslow e Schwartz (1995, p. 51) "os entrevistas de triagem com os pais consistiu de
6 participantes, 3 pais (1 pai e 2 mães) e 3 filhos
filhos parecem ficar "abandonados" na época da
(3 meninos), com idades variando entre 28 e 41
separação, quando a energia dos pais está
anos e 08 e 13 anos, respectivamente.
voltada para a mesma,sem haver então dedica-
ção aos filhos". Porém, há outros pais que Para facilitar a visualização, será apre-
tentam superproteger os filhos, pensando que sentada uma tabela com a caracterização dos
assim eles não sofrem. Nesse momento, a sujeitos.
terapia de grupo pode ajudar os filhos a lidar bem Foi realizado um total de 36 encontros,
com esta situação. A constatação de que outras sendo 11 com os pais, 11 com os filhos e 14 em
crianças enfrentam a mesma realidade do divór- conjunto (pais e filhos).
cio, a expressão de sentimentos, dúvidas, an-
Para os atendimentos foram utilizados
gústias e o levantamento de alternativas adequa-
colchonetes para relaxamento, papel jornal,
das para superar este período difícil, são pontos
sulfite, lápis colorido, giz de cera, revista, cola,
relevantes na terapia grupal.
tesoura e canetas hidrocolores como também
As intervenções grupais realizadas basea- atividades lúdicas para o levantamento de
comportamentos relevantes na interação pais
ram-se na Análise Funcional dos Comportamen-
e filhos.
tos, o que, segundo Meyer (1997) consiste na
análise das variáveis das quais o comportamento Nos atendimentos foram igualmente utili-
é função. zados instrumentos de avaliação comportamental
aplicados em pais e filhos, no início e no término
Assim, este trabalho teve como objetivos do trabalho. Tais instrumentos foram: Questio-
identificar dificuldades de relacionamento nário para Análise Comportamental da Relação
vivenciadas por pais e filhos e analisar as va- Pais/Filhos, segundo a percepção dos filhos;
riáveis das quais estas dificuldades eram função, Questionário para Análise Comportamental da
além de promover a interação entre eles. Relação Pais/Filhos, segundo a percepção dos

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pais; Questionário de Identificação de Comporta- mesmos quanto à funcionalidade de seus com-


mentos-Problema - Walkker - Checklist; r elató- portamentos.
rio dos pais; Questionário brasileiro para inves- Nos encontros com os pais foram utiliza-
tigação de Autoconceito para crianças, de Amaral das algumas estratégias, tais como: desenhos,
et aI. (em anexo). atividades lúdicas, trocas de experiências e
O procedimento utilizado para a formação relatos verbais enfocando a condição da separa-
do grupo, inicialmente, consistiu no recrutamen- ção a relação com o ex-cônjuge, o relaciona-
to dos participantes através de meios de comu- mento familiar e o relacionamento afetivo com
nicação de massa (jomal e rádio). outros parceiros.
Os critérios para a seleção dos participan- Nas intervenções conjuntas, foram utiliza-
tes do grupo foram: a idade dos filhos (entre 8 e das técnicas de dinâmica de grupo, as quais
12 anos), a existência de comportamentos-pro- consistiram na elaboração de perguntas feitas
blema relacionados à separação dos pais e a pelos coordenadores, para que tanto os pais
disponibilidade de horários. quanto os filhos pudessem respondê-Ias, tentan-
Na seqüência, iniciaram-se os encontros, do acertar o que o outro (pai ou filho) responderia
em que os participantes responderam aos ques- e em atividades lúdicas em pares, como dese-
tionários de Análise Comportamental da Relação nhos e brincadeiras, objetivando verificar as
Pais/Filhos (que foi especialmente estruturado interações entre eles.
para um trabalho desta natureza), questionário
Além das dinâmicas de grupo, foram reali-
para a investigação do Autoconceito nas crian-
zadas atividades em que os coordenadores pro-
ças, e o questionário para Identificação de Com-
piciavam a expressividade de sentimentos entre
portamentos- Problema -Walker.
pais e filhos com o objetivo de verificar como um
Os encontros com os pais foram conduzi- percebia o outro em relação aos gostos, qualida-
dos pelos estagiários vinculados ao projeto de des e defeitos.
pesquisa e os encontros com os filhos, pelas
alunas do Curso de Especialização, sendo que,
os encontros eram realizados, quinzenalmente, RESULTADOS
com os pais e filhos conjuntamente.
Em seguida será apresentado um perfil dos
Inicialmente procurou-se levantar a história participantes do grupo (pais e filhos), elaborado
do relacionamento entre o participante e seu a partir das informações obtidas nas entrevistas
ex-cônjuge, os dados sobre o processo da sepa- de triagem, das aplicações dos instrumentos
ração e sobre o relacionamento afetivo atual dos de avaliação e das percepções dos terapeutas
participantes, bem como identificar comporta- du-rante a realização dos encontros.
mentos relevantes dos pais que pudessem estar
mantendo comportamentos inadequados dos No quadro 1 as respostas dos pais (S., T.
filhos. Estes comportamentos se referiam à eC.) na etapa de pré intervenção, em relação aos
utilização dos filhos para agredir o ex-cônjuge, à seus relacionamentos com os filhos é conside-
coerção, à insatisfação pela condição da separa- rado por eles como boa, com irritabilidade com
ção, bem como à indefinição da relação com o os filhos, boa e regular, respectivamente. Na
ex-cônjuge. etapa de pós intervenção as respostas foram:
regular e bom.
No decorrer dos encontros, a Análise Fun-
cional dos Comportamentos apresentados pelos Quanto as respostas dos filhos (L.,E.e D.)
pais possibilitou-Ihes compreenderem que esta- no período de pré intervenção foram: ótimo e
riam influenciando os com-portamentos-queixa regular, já na etapa de pós intervenção as res-
dos filhos, e assim facilitou a discriminação dos postas foram: bom, ótimo e regular.

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No quadro 3 as respostas dos pais (S., T.


No quadro 2, a percepção dos pais (S., T.
e C.), referentes ao relacionamento com o ex
e C.), referente aos aspectos positivos e negati-
cônjuge no período de pré intervenção, aparece-
vos da separação, no período de pré intervenção,
ram de formas variadas. S. no início do trabalho
contém respostas que oscilaram do positivo
tentou resgatar o casamento desfeito; a partici-
para o negativo. Para a participante S. a separa-
pante T. omitia os comportamentos do filho para
ção foi negativa, enquanto que para T. foi positivo,
o ex marido, excluindo-o das condutas do filho,
no entanto diminuiu a renda familiar (negativo).
no entanto mantinha uma relação afetiva instável
Para C. a separação trouxe benefícios. Já no
com o ex marido. O relacionamento de C. com a
período de pós intervenção a participante S.
ex mulher pautava-se também na exclusão dela
percebeu aspectos positivos da separação (me-
frente a responsabilidade dos filhos, e rejeitava a
nos dependência do ex-marido). Para T. a parti-
idéia de D. ir morar com a mãe. No período de pós
cipação no grupo a ajudou a repensar em seu
intervenção S. percebeu o que a fazia sentir-se
relacionamento, e tentou estabelecer uma rela-
insatisfeita e do porquê usava os filhos para
ção amigável com o ex marido (positivo). C.
atingir o ex marido. T. deu maior abertura ao ex
percebeu-se mais tolerante em relação à ex
cônjuge em relação aos filhos; e C. aceitou a
cônjuge, mas estava com dificuldade em seu
condição de D. morar com a mãe, além de
novo relacionamento.
diminuir a freqüência de falar da ex mulher,
Para os filhos (L., E.e D.) no período de pré passando a falar de seu relacionamento atual.
intervenção a separação dos pais para todos foi Para a criança L., no início do grupo, seu
negativa, alterando alimentação, aumentando a relacionamento com o pai era ótimo, pois tinha a
agressividade, dificultando os novos relaciona- presença deste. Para E. era considerado bom e
mentos dos pais, além das dificuldades em para D. ótimo. Após a intervenção L. avaliava a
manter um bom relacionamento com o pai que situação (relacionamento com o pai) como boa,
detém a guarda. No período da pós intervenção, pois o pai, neste momento, já não estava mais
L. e E. continuaram sentindo a falta dos pais. presente. Para E. passou a ser ruim a medida em
Para D. neste período percebeu-se mais comu- que foi percebendo a ausência do pai. D. avaliou
nicativo com o pai, porém, continuou com dificul- a situação como sendo ótimo, mesmo após ter
dades em aceitar o relacionamento do pai, apre- ido morar com a mãe, e relatado que a experiên-
sentava dores de cabeça e seu peso aumentou. cia não havia sido boa.

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O quadro 4 contém respostas referentes ao pode-se perceber que a participante S. via-se


relacionamento social dos participantes. As res- incapaz de realizar atividades por si própria, além
postas no período de pré intervenção, a partici- de aparentar desinteresse por outros parceiros.
pante S. mantinha relacionamentos inassertivos A participante T., neste mesmo período, apre-
e agressivos, assim como a participante T. sentava falta de cuidados em relação à sua
mantinha relacionamentos também agressivos aparência, e C. considerava-se correto, sábio e
com postura impositiva e o participante C. racio- perfeccionista. No período de pós intervenção a
nal, monopolizador e agressivo. participante S. já estava realizando atividades
No quadro 5, referente a auto-imagem, o que antes não acreditava realizar e começava a
grupo dos pais, no período de pré intervenção, se interessar por outros homens. A participante

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T. começou a se cuidar mais quanto a sua profissionalizante de cabeleireira e cursava o


aparência e o participante C. começou a perce- curso de Letras na Universidade Estadual de
ber e aceitar as suas falhas. Londrina, apesar de estar insatisfeita com ele. T.
No início do grupo das crianças o partici- também tinha curso profissionalizante (manicu-
pante L. considerava-se "burro" e "feio". Já o re), exigia boas notas dos filhos e apresentava-
participante E. apresentou um alto auto conceito se muito preocupada com a freqüência de E. na
e o participante D. apresentava-se pessimista e escola. O participante C. era doutor, professor na
considerava-se incapaz de realizar tarefas difí- Universidade, e apresentava-se disciplinado e
ceis. No final do grupo L. já havia diminuído as exigente em relação aos seus estudos. No
verbalizações auto depreciativas; o participante período de pós intervenção S. passou a valorizar
E. apresentou um médio auto conceito e o mais o curso que vinha fazendo. T. percebeu as
participante D. aumentou sua confiança em si causas que mantinham o comportamento de E.
mesmo. não ir à escola, e C. não apresentou mudanças.
No quadro 6, o qual mediu o desempenho No início do grupo dos filhos, L. apresenta-
acadêmico, o grupo dos pais no período de pré va boas notas (pai estava presente neste perío-
intervenção, a participante S. tinha curso do) e fazia aulas de Kumon, o participante E.

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gostava de estudar, mas não queria ir à escola, final do período de intervenção, L. apresentou
sendo que já estava reprovando, e D. apresentava notas baixas (período em que o pai se ausentou),
notas baixas e suspeitava que iria reprovar, além e D. começou a se esforçar para tirar notas altas
das inúmeras queixas que tinha da escola. No o que resultou na aprovação do ano letivo.

DISCUSSÃO queda no rendimento escolar e as dificuldades


de relacionamento interpessoal. Corroborando
De acordo com a literatura consultada, esta idéia temos Grych & Fincham (1990) que
encontramos que o processo de separação é enfatizam em seus estudos os efeitos negativos
uma situação estressante tanto para os pais trazidos pelos conflitos conjugais presentes an-
quanto para os filhos. Nota-se que algumas tes e depois da separação. Relatam ainda esses
pessoas lidam melhor com ela, enquanto outras autores que as crianças de famílias caracteriza-
encontram maiores dificuldades em enfrentá-Ia. das por alto grau de conflito apresentam maior
Dentre as conseqüências negativas da desajustamento, do que aquelas caracterizadas
separação comumente encontradas temos a por baixo grau de conflito.

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Maldonado (1987) também acentua que o


tos privados (sentimentos, emoções e pensa-
processo de separação pode exercer efeitos
mentos), assim como em relação ao ambiente
negativos sobre os comportamentos dos filhos.
externo (realização de novas atividades, retoma-
Um desses efeitos freqüentemente observado
da de antigos projetos, ampliação de relaciona-
são as acusações recíprocas entre os cônjuges,
mentos sociais e afetivos).
gerando um alto grau de conflito. Este tipo de
conduta acaba, na maioria das vezes, por fazer Na literatura constata-se que a ausência
com que os filhos se sintam culpados ou respon- de um dos cônjuges na vida dos filhos pode
sáveis pela separação. influenciar negativamente a percepção e a auto-
estima e contribuir para a construção de uma
Com o decorrer das intervenções junto ao
auto-imagem ruim, para o surgimento de ansie-
grupo de pais, percebeu-se, que principalmente
dade, para um desenvolvimento instável e para
para a participante S, houve dificuldades quanto
dificuldades em controlar a agressividade, a
à aceitação da separação por ela depender do
impulsividade, e sentimentos depressivos. Dian-
marido, financeira e emocionalmente, o qual
te da separação conjugal muitos filhos não apre-
contribuía para que ela não tomasse decisões
sentam problemas comportamentais, enquanto
em relação à sua vida profissional e familiar. Para
outros os apresentam.
os demais membros do grupo, a separação
acarretou na diminuição de brigas e conflitos, No grupo atendido, os filhos avaliaram como
oportunizando novos relacionamentos, conforme ruim a separação pela ausência de um dos pais,
foi relatado por eles durante os encontros. o que gerou neles alterações quanto aos padrões
Kaslow e Schwartz (1995), reconhecem alimentares, somatizações, agressividade,
que a separação causa mudanças nos divorcia- irritabilidade sem motivo aparente e dificuldades
dos, as quais interferem em seus comportamen- na aceitação de novos parceiros dos pais.

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Notou-se que, quando os pais que não constatou-se uma melhora na participante S, a
detêm a guarda dos filhos encontram-se ausen- qual afirmou estar se comportando de acordo
tes, seus filhos apresentam alterações no rendi- com suas próprias necessidades e interesses e
mento escolar, que se refletem em notas baixas, tomando decisões, como, por exemplo, retomar
queda na freqüência às aulas. os estudos e tirar sua carteira de motorista.
Isto foi corroborado pelo que enfatizam Quanto aos outros participantes, detectaram-se
Teyber e Hoffman, 1987 (apud Moraes,1997),os tentativas de manutenção de relacionamentos
quais acentuaram que a ausência de um dos mais amigáveis com os ex-cônjuges, assim
ex-cônjuges pode gerar nos filhos o rebaixamen- como o estabelecimento de diálogo e interações
to da auto-estima, que acaba refletindo na de- positivas em situações relativas à convivência e
pressão, no desempenho acadêmico pobre e educação dos filhos, de um modo geral.
nas dificuldades dos relacionamentos interpes- Pelo relato dos filhos, percebeu-se que os
soais. pais que não detêm a guarda são avaliados por
Ao final dos atendimentos, em relação aos eles como bons, pois, pelo contato restrito no
aspectos positivos e negativos da separação, relacionamento, acabam sendo mais permissi-

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vos, ao contrário dos pais que detêm a guarda, dela suas opiniões. Ao final dos encontros, sua
os quais assumem uma postura de imposição de percepção em relação a ela modificou-se, con-
leis e normas (regras), atitudes estas que reque- forme o diálogo abaixo:
rem disciplina e por isso acabam sendo avalia- L - "Ah! Minha mãe não deixava sujar o
dos negativamente. tênis...
Isto pôde ser notado nos atendimentos
T - E agora?
iniciais ao grupo de pais, sendo que estes
estavam certos de que os seus comportamentos L - Agora não pega tanto no meu pé...
eram avaliados negativamente, porém não perce- T - E o que mais está legal?
biam que o fato de privar os filhos do contato com L - Ela faz um macarrão gostoso e tá
o ex-cônjuge contribuía para esta avaliação. levando a gente para passear mais.
Após a intervenção, os pais notaram que ao
Em relação ao participante E, pôde-se
colocarem-se os filhos em contato com a realida-
observar que ele começou a perceber e a reagir
de dos ex-cônjuges, desmistificaram-se as
ao afastamento do pai, o que pode ter contribuído
fantasias de que seria melhor morar com eles. Ao
entrar em contato com estas contingências, os para o seu isolamento no grupo. Esta percepção
filhos perceberam que os outros genitores tam- pode ter sido acarretada pela mudança do com-
bém Ihes colocavam normas e regras e, além portamento da mãe, a qual poupava-o de entrar
disso, depararam-se com outras privações, como em contato com esta realidade. Segundo Hess
por exemplo, a contínua ausência desses pais e Câmara,1979(apud Moraes, 1997), o medo de
que não mudaram sua rotina em função dos perder o contato com o pai, que está indo
filhos. embora, é o principal fator que contribui para o
Isto pôde ser encontrado na verbalização desajuste causado pelo divórcio. As conseqüên-
do participante D: "Fui morar com a minha mãe, cias emocionais advindas dessa situação para
e foi chato, ela trabalhava o dia inteiro... Eu até os filhos, como depressão, raiva, ansiedade e
isolamento são bem severas.
quis pular da janela, e ela não deu bola... E
também eu não gosto do cara que mora com ela, Quando foi convocada uma sessão de
ele é muito chato... É melhor morar com meu orientação a pais que não detêm a guarda, os te-
pai..."(sic) rapeutas notaram a ausência de um deles que
mesmo se comprometendo a vir, não compareceu.
Quanto ao relacionamento social ocorre-
ram modificações notórias nos padrões de com- Durante o processo grupal a auto-imagem
portamento dos pais e filhos, e no relacionamen- de cada participante apresentou melhoras, os
to entre os mesmos, sendo que os pais torna- pais passaram a tomar atitudes que antes não
ram- se mais receptivos aos feedbacks do grupo, tomavam, como, por exemplo, cuidar da própria
o que pode ter contribuído para que os filhos aparência, permitir-se novos relacionamentos,
participassem melhor de atividades grupais. Da bem como aceitar erros. Estas mudanças tam-
mesma forma que esta mudança ocorreu no bém foram percebidas nos filhos, quando o
grupo e foi percebida pelos terapeutas, acredita- participante L modificou as suas percepções
se que ela possa ter se generalizado para o quanto a se achar "feio e burro" e o participante
ambiente natural dos participantes, e que seriam D que passou a perceber-se como mais "auto-
uma das variáveis importantes para a modifica- confiante".
ção nos padrões comportamentais dos filhos. Além dos resultados positivos apresenta-
Isto pôde ser observado no relato do participante dos, os terapeutas também encontraram algu-
L que no início dos atendimentos verbalizava que mas dificuldades na realização deste trabalho.
a mãe não tinha qualidades e tentava esconder Nos encontros iniciais, observaram que os pais

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PAIS SEPARADOS E FILHOS: ANÁLISE FUNCIONAL... 43

não discriminavam que as queixas sobre os sentimentos, o que demonstra a efetividade das
comportamentos dos filhos, por eles trazidas, intervenções realizadas.
estavam relacionadas com situações determina-
das pelo processo de separação, como, por REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
exemplo, por terem sido abandonados pelos ex-
cônjuges e pelas dificuldades no relacionamento GIUSTI, E. 1987.A arte de separar-se. Rio de
com os mesmos, o que acarretou desavenças, Janeiro: Nova Fronteira.
instabilidade emocional, indefinição de papéis,
GRYCH, J.H. & FINCHAM, F.D. 1990. Marital
dentre outros. Isto fez com que muitos dos
Conflict and Children’s Adjustment: A
comportamentos por eles apresentados nos Cognitive-Contextual Framework.
encontros, como, principalmente, não assumir Psychological Bulletin, 108, (2).
erros e racionalizações, contribuíssem para que
os terapeutas sentissem que suas colocações HESS, R. D. & CÂMARA, K. A. 1979. Post-
Divorce Family Relationship as Mediating
pareciam não produzir efeitos sobre os compor-
Factors in the Consequences of Divorce for
tamentos deles.
Children. Journal of Social lssues, 35(4),
Ao final dos encontros, esses comporta- 79-96.
mentos foram-se modificando, o que levou aos
KASLOW & SCHWARTZ. 1995. As dinâmicas
resultados anteriormente discutidos. do Divórcio. Campinas, Editoria PSI.
Em relação ao grupo de filhos, pode-se
LlPP, M. & MALAGRIS, L. 1995. Manejo do
perceber que os mesmos tiveram dificuldades estresse. In: Psicoterapia Comportamental e
em falar dos sentimentos relacionados à separa- Cognitiva. Campinas: Editorial Psy.
ção, os quais eram evocados através de ativida-
MALDONADO, M.T. 1987.Casamento: término
des propostas pelos terapeutas. Outras dificul-
e reconstrução. Petrópolis, Vozes.
dades encontradas pelos terapeutas no início
dos atendimentos se referem à dispersividade do MEYER, S. B. 1997. O Conceito de análise
funcional. In: DELlTTI, M. (org.) Sobre com-
grupo e à agressividade entre eles, que foram
portamento e cognição. VoL. lI. São Paulo:
analisadas como respostas de fuga de uma
Arbytes, p. 31-36.
situação aversiva (falar sobre a separação). Ao
serem trabalhadas estas dificuldades, pode-se MORAES, C. G. A, et aI. 1997. Grupo de
perceber que os padrões de comportamento Apoio a Filhos de Pais Separados. Tese
foram-semodificando, diminuindo o nível de agres- de Pós- Doutorado, Apresentado ao Instituto
de Psicologia da Universidade de São Paulo,
são e aumentando a freqüência de verbalizações
São Paulo.
de sentimentos, sinalizando, assim, uma melho-
ra no que se refereà expressividade emocional. TEYBER, E.& HOFFMAN,C. D. 1987. Missing
Fathers. Psychology Today.(apr).
De forma geral, pode-se perceber que tanto
para pais quanto para filhos, houve modificações TSCHANN, J. M. et aI. 1989. Family Process
significativas no que diz respeito ao desenvolvi- and Children’ s functioning during divorce.
mento do autoconhecimento e da expressão de Journal of Marriage and the Family, 51(2).

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