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1 Apresentação
Em algum momento do resumo que apresentamos utiliza idéias de outras obras e autores. Quando
isso ocorre, para distinguir da obra de Laert Neves e respeitar o direito autoral pela produção
científica dos outros autores, cita-se a referência diretamente no corpo do texto. Quando não há
citação é porque se trata de idéia contida no livro de Neves.
Uma outra fonte importante é a nota de aula do prof. Rocha Júnior cujo título é A adoção do partido
arquitetônico (2002) que ambos os autores utilizam na disciplina de projeto arquitetônico.
Partido Arquitetônico é um juízo estético, plástico, científico, filosófico, religioso ou intuitivo que
balisa a arte de projetar e construir. Juízo é aquilo que se afirma ou nega de um objeto, nesse caso,
objeto arquitetônico. A sentença, entretanto, pode ser verbal ou não verbal.
Exemplo verbal: Brasília (objeto arquitetônico) é como uma cruz que marca um território ou uma
posse (aquilo que se afirma). Não é o trabalho de um ladrilhador (aquilo que se nega).
Para simplificar, utilizam casos e, a partir deles, se apresenta o conceito. Os exemplo foram
divididos em categorias de juízo: beleza plástica; juízo científico etc.
2.1 Arquitetura bela
A arquitetura é, ao mesmo tempo, o prefacio e o posfácio da edificação, mas nem todo mundo sabe
dizer com precisão como se entrelaçam os significados dessas expressões. Também, de um certo
modo, existe um vínculo entre arquitetura e belo ou agradável. Mas não é a beleza da construção
que qualifica, que identifica o trabalho do arquiteto. A colméia é uma construção magnífica. Mas o
que distingue o trabalho pior arquiteto da colméia mais perfeita é que o arquiteto, antes de tudo
construiu a obra na própria cabeça (Ver MARX, 1983). A arquitetura não é exatamente a
providência de uma construção bela como quer Lemos (1980). Mas a beleza plástica é parte da arte
de projetar em arquitetura.
Surge, então, dúvidas a respeito da subjetividade dos julgamentos da construção bela. Não é fácil
separar as obra humana bela das outras, para que sejam eleitas e distinguidas como trabalhos de
arquitetura. Por medida de prudência metodológica, Carlos Lemos divide as construções em três
grandes grupos:
a) as obras levantadas segundo um critério artístico qualquer que varia com o tempo, o lugar, a
cultura, enfim, varia com a história.
Exemplos: Qeops, Quefren, Miquerinos, as pirâmides do México, alguns templos greco-romanos,
catedrais românticas, góticas, renascentistas etc. (Ver figuras).
b) as obras erguidas sem um desejo específico de se fazer arte, mas admiradas, por pouco elementos
da sociedade a elas contemporâneas ou mesmo por terceiros a posterior e como verdadeiras fontes
de prazer estético;
Exemplos: Mercado da Carne de Aquiraz, obra popular interpretada e admirada pelos critérios
eruditos, “arquitetura sem arquitetos”. Construção bela sem que tenha havido intenção plástica a
priori regida pelos cânones ditos civilizados. Ex.: Mercado da Carne de Aquiraz.
c) Edificações nascidas ao acaso, obra de pessoas destituídas de senso estético que a ninguém
agrada são difíceis de imaginar. Toda edificação feita por homens tem um mínimo de intenção
plástica. Mesmo um abrigo provisório como barracos, galpões. (ver foto de casa de 27m2 In: VIVA
FAVELA. Arquitetura de pedreiro. www.vivafavela.com.br . Acessado em 3 de março de 2003)
2 Definição de arquitetura
Visando a uma metodologia de ensino, Carlos Lemos trata do binômio ciência-arte contida nas
definições da arquitetura, procurando ver com mais ênfase só os condicionantes não estéticos que
necessariamente mantêm relações entre si quando agem na criação arquitetônica. Para isolar a
questão estética, Lemos utiliza a noção de partido arquitetônico para definir arquitetura.
“Arquitetura é toda e qualquer intervenção no meio ambiente criando novos espaços, quase sempre
com determinada intenção plástica, para atender a necessidades imediatas ou a expectativas
programadas por aquilo que chamamos de partido” (LEMOS, 1980: 41-42).
Portanto, para Lemos (1980) se não há partido, não há arquitetura. Trata-se de um juízo complicado,
discutível, mas útil. E o partido arquitetônico é:
a) Conseqüência formal derivada de uma série de condicionantes ou de determinantes; seria o
resultado físico da intervenção sugerida;
b) A idéia preliminar de edifício projetado.
Portanto, para Lemos, tanto o partido pode ser a posteriori, “conseqüência formal”, como a priori,
“idéia preliminar”. Ao dar o mesmo nome à idéia e a conseqüência formal do trabalho de edificar,
todo espaço antrópico edificado tem, por definição, um partido, quer porque nasceu de um partido
ou resultou num partido.
A doação do Partido Arquitetônico é o método dessa idéia preliminar, contendo, em essência, as
informações que ensinam o modo como percorrer o caminho que leva ao ato de projetar,
independente de qual seja o tipo específico de projeto (conceituar e definir são exercícios difíceis).
O método, isto é, os procedimentos adotados servem como referencial de análise e diretriz de
manobra ou manipulação das variáveis do projeto de arquitetura. Seve ao arquiteto que o utiliza na
síntese arquitetônica.
3 Principais determinantes ou condicionantes do partido arquitetônico
Admitindo-se projetar é o ato de idealizar, inventar, imaginar o objeto que ainda será construído. Na
ótica arquitetônica, projetar é um ato criativo não verbal. Projetar é a invenção metódica,
sistemática, crítica, tecno-científica do edifício a ser construído e da plástica da obra.
O projeto é o documento dessa invenção.
Arte, ciência, técnica ou qualquer outro produto do trabalho humano jamais é a partir do nada.
Quem cria a partir do nada, para a tradição judeu-cristã, é Deus. O arquiteto tem rotinas e
procedimentos.
A arquitetura como profissão é metódica e produto de um longo tempo de trabalho. Porque é
metódica, pode-se ordenar o pensamento do arquiteto. E o partido arquitetônico é um ponto de
partida, uma inspiração.
Para Lemos (1980), o projeto de arquitetura já nasce condicionado pelo conhecimento dos agentes
que criarão e pelas condições materiais e formais em que o projeto será feito. O arquiteto nunca é
absoluto na projetação do objeto. Os condicionantes do projeto de arquitetura são:
a) técnica construtiva;
b) materiais, métodos e recursos humanos;
b) o clima e tempo;
c) condições físicas e topográficas (geomorfologia) do sítio;
d) programa de necessidades, usos, costumes, conveniência do empreendedor;
e) forma de financiamento da obra;
f) legislação.
Objetivos do partido arquitetônico. O partido tem um papel instrumental. É uma ferramenta de
projeto que permite ao projetista fazer o registro gráfico da idéia preliminar do edifício. É o espaço
do dialogo com o cliente interno e externo, expressando a idéia proposta, o atendimento da
expectativa e da viabilidade da solução. Compatibiliza a idéia da edificação e a interpretação
arquitetônica com as diversas implicações de ordem tecnológica (estrutura, instalações, técnicas
construtivas, materiais para construção, problemas especiais etc), legais e econômicas inerentes à
solução.
A busca da compatibilização pode ensejar modificações no partido, na idéia, inclusive alterações
substanciais no próprio partido. Quando é difícil conciliar técnica, interesses, normas, e é no partido
que os ajustes podem ser melhores encaminhados.
O partido pode ser produto acabado em si mesmo, que cumpre seu papel de expressão de idéias.
Quando a finalidade da síntese arquitetônica é a especulação sobre a busca de alternativas possíveis
e de variáveis conhecidas, ele serve, neste caso, como instrumento de consulta arquitetônica, de
especulações de possibilidades viáveis para a tomada de decisões sobre um empreendimento
arquitetônico a ser realizado.
3.1 Ordem de procedimentos
O projeto de arquitetura é um ato criativo complexo. Mas se poderia, a partir de Lemos, tentar
enumerar alguns passos ou condutas da rotina da arquitetura. Os protocolos indicados por nós não
são necessariamente seguidos nessa ordem no cotidiano, há muitas outras variações. Mas o que nos
interessa é a ordem que facilita o projeto do estudante. Vejamos os protocolos.
Primeiro Protocolo: Indução[1] que conduz o pensamento desde o ponto inicial, o de querer
elaborar o projeto, assimilando e acomodando os dados, informações e conhecimentos.
2o Criação. A mente desencadeia o processo de síntese arquitetônica (matéria, forma, conceitos da
obra), dando resposta à pergunta à demanda do projeto. Essa demanda também é chamada de
pergunta-de-partida.
3o Desenvolvimento da idéia. Ë um trabalho indutivo e criativo; científico, técnico ou artístico. A
idéia arquitetônica esboçada na etapa anterior é aperfeiçoada até chegar ao projeto em arte final.
3.2 Os procedimentos de rotina
As rotinas têm uma ordenação simples. Vão das coisas mais gerais como conceitos, usos, plástica e
coleta de dados para as mais particulares como detalhes: pormenores arquitetônicos. Vão do mais
simples como os dados e informações ao mais complexo: compatibilização, estudos de viabilidade
técnico-financeira.
3.2.1 Etapas do projeto
Métodos e Técnicas de Coleta de Dados. Coleta de dados, informações e análise teórica, física e
ambiental ocorrem porque antes de ser arquitetura, uma sintaxe não-verbal, plástica, o projeto é
uma sintaxe verbal que em lógica se chama “frases de base” ou “protocolos”. Do ponto de vista
semiótico, o projeto é a passagem da linguagem verbal para a linguagem plástica não-verbal.
Os dados e informações podem ser coletados dos seguintes modos:
a. discussão com os clientes;
b. discussão com especialistas;
c. pesquisa bibliográfica;
d. visita a organizações similares[2] .
Estudo preliminar. Transpor para o papel, na linguagem do desenho, a solução arquitetônica
correspondente à formulação conceitual do projeto, partido arquitetônico.
Projeto em arte final. Solução final ou desenvolvimento da idéia expressa no partido, produzindo o
projeto executivo com predicados funcionais, dimensionais, tecnológicas, plásticas apropriados à
demanda que ele deve atender.
3.2.2 Tema
Do tema (objeto do projeto de arquitetura. Por exemplo: um bar, uma clinica etc.) derivam todos os
passos da elaboração do projeto. O tema é o objeto de solicitação inicial do cliente. Cabe ao
arquiteto dar solução arquitetônica ao tema.
Às vezes o arquiteto não sabe nada sobre o tema objeto do trabalho. Ele não é obrigado a saber. As
informações sobre o tema ele obterá na primeira etapa da adoção do partido arquitetônico.
O tema tem aspectos conceituais. O conceito é a tentativa de dizer o que alguma coisa é (conceitos
ontológicos) ou como funciona (conceitos técno-científicos).E as informações básicas conceituais
são o embasamento sobre o qual se assentam todas as idéias do partido arquitetônico.
A formulação de conceitos e o estabelecimento referências teórica sobre o tema podem ser fruto do
trabalho exaustivo, complexo de elucidação de as dúvidas importantes[3] . Ou pode-se evitar o
trabalho conceitual por qualquer razão seja ela comercial, prática ou outra qualquer.
As informações referentes aos conceituais do projeto, quando o arquiteto estiver preparado para
isto, ou sobre o ambiente do sítio devem ser obtidas sistematicamente. A rotina, o planejamento da
própria arte de projetar previne erros. As informações indispensáveis são, em princípio, a
caracterização da clientela, o programa arquitetônico, pré-dimensionamento da edificação,
conceitos, se houver.
4 A rotina do projeto
Um bom projeto hoje é melhor do que um projeto perfeito amanhã.
Cada passo que será apresentado em seguida presume que os termos do contrato de prestação de
serviço já foram solucionados e o início do projeto foi autorizado pelo cliente. Um outro
pressuposto da metodologia é que o terreno já foi escolhido. Estando isso claro,vejamos, portanto, a
rotina.
Primeiro passo, conceituar o objeto (“que-é” e/ou “como-funciona”). O conceito-chave do projeto
passa pela demanda do cliente e pela capacidade do arquiteto de interpretá-la. A busca de novos
conceitos auxilia o projetista a soluções inovadoras. Por exemplo, a drogaria (drogstore) é uma loja
de varejo que negocia fármacos e conveniência.
Segundo passo, elaborar os pressupostos do projeto. Pressuposto é uma suposição a que o arquiteto
adere e que é condição de possibilidade do trabalho. Por exemplo, farmácia é um mau negócio. Mas
a venda de medicamentos gera fluxo para o comércio de conveniência. Portanto, numa drogaria, a
farmácia ficará no fundo da loja. A loja de conveniência ficará na entrada da loja. As “ruas” da
conveniência devem ser perpendiculares à farmácia.
Terceiro passo, formular hipóteses sobre os cenários futuros da edificação. Refletir sobre o que
acontecerá no futuro com a obra: riscos,custos de manutenção, novos usos, reformas e ampliações
etc.
Quarto passo, identificação do cliente e dos usuários. Vale a pela propor um roteiro preliminar de
anamnese.
a. Quem é o cliente?
O cliente pode ser externo ou interno. Pode ser o usuário ou não. O cliente, no entanto, é sempre
aquele com que se faz o acordo comercial ou aqueles que o arquiteto, por dever de ofício, deve
atender. O cliente de um arquiteto que trabalha no controle urbano de uma prefeitura municipal é o
arquiteto que encaminha um processo; faz uma consulta. Ou um cidadão comum em busca de
informações sobre a “estruturação urbana”, uso e ocupação do solo etc.
b. Precisamente, o que ele quer que o arquiteto faça?
Ás vezes “cliente” chama o arquiteto, mas ele não quer um projeto. Apenas deseja conversar sobre
os sonhos de consumo dele. Quer especular preço de serviço. Quer avaliar um imóvel. Quer saber a
opinião do arquiteto sobre a cada que ele mesmo construiu sozinho etc.
Note bem: Os dois primeiros passos são importantes para a determinação do valor do serviço do
arquiteto, contratação e autorização do início do trabalho conforme os termos do Código de Defesa
do Consumidor.
c. Ele sabe o que deseja?
d. Ele já projetou, como leigo, a edificação?
Algumas vezes o cliente quer, por exemplo, que o arquiteto desenvolva uma planta baixa que ele
fez. Ou quer um projeto “igual” a um outro que ele viu em algum lugar etc.
e. O que ele consegue dizer sobre o que deseja?
Os leigos têm dificuldade de visualizar um espaço ou de descrever o que desejam. Nesse caso,
pode-se recorrer a imagens, visitas a outra edificação similar ou a revistas, por exemplo, para
viabilizar a comunicação entre o profissional e o leigo.
Cuidado! Seja zeloso com o cliente que tem muito medo de perguntar ou de revelar a ignorância
dele. Deixe-o perguntar, deixe-o falar se V. deseja perceber o desejo dele.
f. Quem vai viver (usar) a edificação?
LEMOS, Carlos. O que é arquitetura. São Paulo: Brasiliense, 1980. Coleção Primeiro Passo.
NEVES, Laert Pedreira A adoção do partido na Arquitetura. Salvador: Centro Editorial e Didático
da UFBa., 1989.
Rocha Júnior. A adoção do partido arquitetônico. Fortaleza, Universidade de Fortaleza, Curso de
Arquitetura e Urbanismo, 2002. Nota de aula
[1] Indução é operação mental que consiste em se estabelecer uma lei universal ou uma posição
geral a partir de certo número de dados particulares ou de proposições de menor generalidades.
Dedução é processo pelo qual com base em uma ou mais premissas, se chega a uma conclusão
necessária, em virtude da correta aplicação das regras lógicas.
[2] Lemos fala da coleta de dados “pela intuição do projetista que interpreta a sociedade e propõe
uma dada forma de organização da vida no espaço arquitetônico”. A intuição não é uma forma de
conhecimento importante na contemporaneidade. Vive-se a sociedade do conhecimento e da
informação. Intuição é a forma mais elementar do conhecimento, pelo menos para Platão,
Aristóteles, Kant, Hegel.
[3] Neste ponto, Lemos (1980) volta a tratar a arquitetura a partir da intuição. Ele fala de temas
intuídos pela mente do projetista, que filosofa sobre a vida, a sociedade e as pessoas e suas
atividades, numa atitude prospectiva. Esse arquiteto solitário, intuitivo e idealista pode ter
dificuldade de sobreviver na contemporaneidade.