O artigo discute a arte da vanguarda e seu objetivo de criar imagens "fracas" e universais que resistiriam à destruição do tempo. A vanguarda rejeitou noções tradicionais de arte como forma de conhecimento ou representação do mundo, desprofissionalizando a arte. Artistas como Kandinsky e Malevich reduziram imagens à pura forma para criar obras transcendentais que revelam padrões subjacentes à arte. No entanto, a dimensão universalista da vanguarda permanece ignorada, com suas obras vistas como produtos
Original Description:
"Universalismo Fraco", texto publicado na Revista Serrote
O artigo discute a arte da vanguarda e seu objetivo de criar imagens "fracas" e universais que resistiriam à destruição do tempo. A vanguarda rejeitou noções tradicionais de arte como forma de conhecimento ou representação do mundo, desprofissionalizando a arte. Artistas como Kandinsky e Malevich reduziram imagens à pura forma para criar obras transcendentais que revelam padrões subjacentes à arte. No entanto, a dimensão universalista da vanguarda permanece ignorada, com suas obras vistas como produtos
O artigo discute a arte da vanguarda e seu objetivo de criar imagens "fracas" e universais que resistiriam à destruição do tempo. A vanguarda rejeitou noções tradicionais de arte como forma de conhecimento ou representação do mundo, desprofissionalizando a arte. Artistas como Kandinsky e Malevich reduziram imagens à pura forma para criar obras transcendentais que revelam padrões subjacentes à arte. No entanto, a dimensão universalista da vanguarda permanece ignorada, com suas obras vistas como produtos
GROYS, Boris. O Universalismo fraco. Serrote, São Paulo, n. 9, p.
86-101, nov. 2011.
“não há nenhuma possibilidade de o espectador distinguir
entre uma obra de arte e uma ‘simples coisa’ com base só na experiência visual.” p. 87
“o artista contemporâneo também é claramente uma
figura institucional. e a maioria dos artistas contemporâneos está disposta a aceitar o fato de que sua crítica às instituições de arte é uma crítica de dentro.” p. 87
“o modo dominante de produção de arte contemporânea é
o da vanguarda tardia academizante” p. 88
“a afirmação de que a arte é uma forma de conhecimento
não é nova, absolutamente. a arte religiosa tinha a pretensão de apresentar as verdades religiosas de forma visual e pictórica a um espectador que não poderia contemplá-las diretamente. e a arte mimética tradicional pretendia revelar o mundo natural e cotidiano de uma forma que o espectador comum não conseguisse vê-lo. (…) mas, independentemente do que se possa dizer sobre os benefícios e as desvantagens filosóficas correspondentes, ambas as pretensões de a arte ser uma forma específica de conhecimento foram explicitamente rejeitadas pela vanguarda histórica, junto com os critérios tradicionais de mestria ligados a essas pretensões. por meio da vanguarda, a profissão de artista se desprofissionalizou” p. 89
“a desprofissionalização da arte pôs o artista em uma
situação bastante embaraçosa, frequentemente interpretada pelo público como um retorno do artista a uma situação de não profissionalismo.” p. 89
“a desprofissionalização da arte realizada pela vanguarda
não deve ser entendida como um simples retorno ao não profissionalismo. ela é uma operação artística que transforma a prática da arte em geral, em vez de simplesmente fazer o artista voltar a um estado original de não profissionalismo. (…) a desprofissionalização da arte é em si mesma uma operação altamente profissional (…) conhecimento e mestria são necessários para desprofissionalizar a arte” p. 90
“Com efeito, a modernidade é uma era da perda
permanente do mundo familiar e das condições de vida tradicionais. É um momento de mudança permanente, de rompimentos históricos, de novos fins e novos começos. Viver dentro da modernidade significa não ter tempo, experimentar uma escassez permanente, uma falta de tempo devido ao fato de que os projetos modernos são, em sua maioria, abandonados sem ser concretizados — cada nova geração desenvolve os próprios projetos, as próprias técnicas e as próprias profissões para realizar esses projetos, que são abandonados pela geração seguinte.” p. 91
“Quase automaticamente vemos tudo o que existe e tudo
o que surge da perspectiva de seu iminente declínio e desaparecimento.” p. 92
“a vanguarda perguntava se os artistas poderiam
continuar a fazer arte em meio à destruição permanente da tradição cultural e do mundo familiar pela contração do tempo, que é a principal característica do progresso tecnológico. ou, dito de forma diferente: como podem os artistas resistir à destrutividade do progresso? como se pode fazer arte que escape da mudança permanente — arte que seja atemporal, trans-histórica? a vanguarda não queria criar a arte do futuro: queria criar arte transtemporal, arte para todos os tempos. ouvimos e lemos repetidamente que precisamos de mudança, que nosso objetivo — também na arte — deve ser mudar o status quo. mas a mudança é nosso status quo. a mudança permanente é nossa única realidade. e, na prisão da mudança permanente, mudar o status quo seria mudar a mudança, escapar da mudança. na verdade, toda utopia não é senão uma fuga dessa mudança.” p. 92
“por meio da redução, os artistas da vanguarda
começaram a criar imagens que lhes pareciam ser tão pobres, tão fracas, tão vazias que sobreviveriam a toda possível catástrofe histórica.” p. 93
“(…) Kandinsky (…) redução de toda a mimese pictórica,
de toda a representação do mundo — a redução que revela que todas as pinturas são, na verdade, combinações de cores e formas” p.93
“Kandisnky não queria criar seu próprio estilo individual;
queria usar sua pintura como uma escola para o olhar do espectador — (…) ver os componentes invariáveis de todas as possíveis variações artísticas, os padrões repetitivos subjacentes às imagens de mudança histórica. Nesse sentido, Kandinsky entende que sua arte é atemporal.” p. 93
“Mais tarde, com o Quadrado preto, Malevich empreende
uma redução ainda mais radical da imagem a uma pura relação entre imagem e moldura, entre objeto contemplado e campo de contemplação, entre um e zero. Na verdade, não podemos escapar do quadrado preto — qualquer imagem que vemos é, simultaneamente, o quadrado preto. O mesmo pode ser dito do gesto ready- made introduzido por Duchamp — tudo o que queremos expor e tudo o que vemos como sendo exposto pressupõe esse gesto.” p. 95
“Assim, podemos dizer que a arte de vanguarda produz
imagens transcendentais, no sentido kantiano do termo — imagens que manifestam as condições para o surgimento e a contemplação de qualquer outra imagem.” p. 96
“Não é apenas uma arte que utiliza sinais de zero
esvaziados pelo evento messiânico que se aproxima, mas é também a arte que se manifesta por meio de imagens fracas — imagens de visibilidade fraca, imagens que são necessária e estruturalmente ignoradas quando funcionam como componentes de imagens fortes com alto nível de visibilidade, como as imagens da arte clássica ou da cultura de massa.” p. 96
“A vanguarda negava a originalidade, pois não queria
inventar, mas sim descobrir a imagem fraca, transcendental, repetitiva.” p. 96 “Cada imagem feita no contexto de qualquer cultura que se possa imaginar é também um quadrado preto, porque parecerá um quadrado preto se for apagada. E isso significa que, para um olhar messiânico, ela já se parece desde sempre com um quadrado preto. Isso é o que faz da vanguarda uma verdadeira abertura para uma arte universalista e democrática.” p. 96
“A contemplação filosófica e a idealização transcendental
são operações pensadas para ser realizadas apenas por filósofos e para filósofos. Mas as imagens transcendentais da vanguarda são mostradas no mesmo espaço de representação artística como outras — em termos filosóficos — imagens empíricas. Assim, pode-se dizer que a vanguarda põe o empírico e o transcendental no mesmo nível, permitindo que o empírico e o transcendental sejam comparados por um olhar unificado, democrático, não iniciado. a arte vanguardista expande radicalmente o espaço de representação democrática ao incluir nele o transcendental, que era antes objeto de ocupação e especulação religiosa ou filosófica.” p. 96
“De uma perspectiva histórica, as imagens da vanguarda
se oferecem ao olhar de um espectador não como imagens transcendentais, mas como imagens empíricas específicas que manifestam seu tempo específico e a psicologia específica de seus autores. Assim, a vanguarda ‘histórica’ produziu simultaneamente esclarecimento e confusão: esclarecimento, porque revelou padrões repetitivos de imagem por trás das mudanças nos estilos e nas tendências históricas, mas também confusão, porque a arte de vanguarda era exibida junto com outras produções artísticas de uma maneira que possibilitava que ela fosse (in)compreendida como um estilo histórico específico. Pode-se dizer que a fraqueza fundamental do universalismo da vanguarda persiste até hoje. A vanguarda é percebida pela história atual da arte como criadora de imagens historicamente artísticas fortes — e não de imagens universalistas, trans-históricas e fracas. Desse modo, a dimensão universalista da arte que a vanguarda tentou revelar permanece ignorada, porque o caráter empírico de sua revelação a eclipsou.(p. 97)
“Ainda hoje é comum ouvir em exposições de arte de
vanguarda: ‘Por que será que essa pintura’ — digamos, de Malevich — ‘está aqui no museu se meu filho pode fazer igual — e talvez até faça mesmo?’ Por um lado, essa reação a Malevich é, evidentemente, correta. Ela mostra que suas obras ainda são recebidas pelo público em geral como imagens fracas, apesar de sua celebração da história da arte. Mas, por outro lado, a conclusão que a maioria dos visitantes da exposição tira dessa comparação é errada: pensa-se que essa comparação desacredita Malevich, ao passo que ela pode ser usada como um meio de admirar o filho de alguém. De fato, com sua obra, Malevich abriu as portas da esfera da arte para imagens fracas — na verdade, para todas as imagens fracas possíveis. Mas essa abertura só pode ser compreendida se o autoapagamento de Malevich for devidamente apreciado — se suas imagens forem vistas como transcendentais, e não como empíricas. Se o visitante da exposição de Malevich não pode apreciar a pintura de seu próprio filho, então também não pode apreciar verdadeiramente a abertura de um campo da arte que permite que as pinturas dessa criança sejam apreciadas. (p. 97)
“A arte de vanguarda continua impopular hoje por
omissão, mesmo quando exposta em grandes museus. Paradoxalmente, ela é vista em geral como não democrática e elitista, não porque seja percebida como arte forte, mas porque é percebida como arte fraca. O que significa dizer que a vanguarda é rejeitada, ou melhor, ignorada por públicos mais amplos e democráticos precisamente por seu uma arte democrática; a vanguarda não é popular porque é democrática. E se a vanguarda fosse popular, seria não democrática. Com efeito, a vanguarda abre caminho para que uma pessoa média se compreenda como artista — para que entre no campo da arte como produtora de imagens fracas, pobres, apenas parcialmente visíveis. Mas uma pessoa média é, por definição, não popular — somente as estrelas, celebridades e personalidades famosas e excepcionais podem ser populares. A arte popular é feita para uma população constituída de espectadores. A arte de vanguarda é feita para uma população constituída de artistas.” (p. 97)
“Mas mesmo que a primeira geração da vanguarda não
acreditasse na possibilidade de construção de um mundo concreto novo sobre a base fraca de sua arte universalista, ela ainda acreditava que havia realizado a redução mais radical e produzido obras da mais radical fraqueza. mas sabemos agora que isso também foi uma ilusão. foi uma ilusão não porque essas imagens poderiam se tornar mais fracas do que eram, mas porque sua fraqueza foi esquecida pela cultura. desse modo, a partir de uma certa distância histórica, elas parecem ser fortes (para o mundo da arte) ou irrelevantes (para todos os outros). (p. 98) “Isso significa que o gesto transcendental artístico fraco não pode ser produzido de uma vez por todas. ao contrário, deve ser repetido sem cessar para manter a distância entre o transcendental e o visível empírico — e resistir às imagens fortes de mudança, à ideologia do progresso e às promessas de crescimento econômico.” (p. 99)
“A tradição da vanguarda opera por redução, produzindo
assim imagens e gestos atemporais e universalistas. trata-se de uma arte que possui e representa o conhecimento secular messiânico de que o mundo em que vivemos é um mundo transitório, sujeito a mudanças permanentes, e de que a duração da vida de qualquer imagem forte é necessariamente curta. e é também uma arte de baixa visibilidade, que pode ser comparada com a baixa visibilidade da vida cotidiana. e é, claro, não acidental, porque é principalmente nossa vida cotidiana que sobrevive a rompimentos e mudanças históricas, justamente por causa de sua fraqueza e sua baixa visibilidade.” p. 101
“O cotidiano torna-se uma obra de arte — não há mais vida
nua, ou melhor, a vida nua apresenta-se como artefato. A atividade artística é agora algo que o artista compartilha com o público no nível mais comum da experiência cotidiana. o artista agora compartilha arte com o público, assim como outrora compartilhava a religião ou a política. Ser um artista já deixou de ser um destino exclusivo, tornando-se ao contrário uma prática cotidiana — uma prática fraca, um gesto fraco.” p. 101
PORTELLI, Alessandro. O massacre de Civitella Vai di Chiana (Toscana, 29 de junho de 1944). In: FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína. Usos & abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1996.