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Zygmunt Bauman Globalizagaé As conseqiiéncias humanas Tradugao Marcus Penchel Jorge Zahar Bator Rio de Janeiro "aya pin sh nt taaps com Bickel ais, ‘Se caspsqonges Copy © 158, Zypmue Bauman Crp nn ere >on tt Red se RS vs GD dat Gn asi mba, td ti 98) sy A en hm re Sumério Irwodugao 1 Tempo e classe Proprictrios sents, marco l= Liberdade de movimento ‘ autoconsitugio das sciedades « Nova velocidade, nova polarizacio 2+ Guerra espacias informe de corera {Nath dos mapas = Do mapeamento do espago espa cialiagio dos mapas » Agoraobia ¢ © renaseimento da Tocadade + Existe vida depois do Pandptico? 5 + Depois de Noydo-estodo, © qui? Universaizando. ou sendo globalizado? «A nova expro- priagio: desta vez, do Estado + A hierarguia global da ‘mobildade 4 Turisas@ vogabundos Ser consumidor numa sociedade de consumo + Movemo- ros divididos« Movendo-se no mundo x © mand que se move + Unides para melhor ou para pior 5 Lei globo, ordens locals Fabricas de imoblidade = rises na idade da pés-corregho + Seguranga: meio palpsvel, Fim luo +O fora de ordem Notas Indie vemissivo o Introdugéo ‘A “globalizasio” est na ordem do dia; uma palavra da moda {que se transforma rapidemente em vm Tema, uma encantasao ‘mégica, uma senha capaz de abrir as potas de todos os mistrios presente e futures. Pa fazer se quisermos ser felizes; para outros, 6 a causa da nossa infelicidade. Para todos, porém, "globalizagio"& o destino irre rmedidvel do mundo, um processo ireversvel; & também um processo que nos afeta a todos na mesma medida e da mesma ‘manera, Estamos todos sendo “globalizados” —e isso significa baasicamente © mesmo para todos. “Todas as palavras da moda tendem a um mesmo destino: ‘quanto: mais experincias pretendem explicar, mais opacas se tomar, Quanto mais numerosas as verdades ortodoxas que de salojam e superam, mais répido se tomam clnones inguestioné- veis. As pritieas humanas que o conceito tenfou originalmente captar saem do aleance da vista e slo agora os “fatos materais ‘a qualidade do “mundo Ié fora" que 0 temo parece “esclarecer” ‘e que ele invoca para reivindicar sua prépria imunidade ao ques- tionamenta, A “globalizagio” nao é exceso A regra Este lio & uma tentativa de most que no fendmeno da slobalizagio hi mais coisas do que pode o olho apreender; r= ‘yelando as raizes © conseqUénciassociais do processo globaiza dor, ele tentaré dssipar um pouco da névoa que cereaesse temo ‘ve pretende trazer clareza a condigo humana atu. ‘A expresso "compressio fempafespago” encerra a multiface- tadatransformago em curso dos pardmetrs da condigio hum ra, Assim que examinarmos as causas e conseqiéncias socais| ‘dessa compressio ica evidente que 0s processosglobalizado- . Gltatnxse res nio tm a unidade de efeitos que se supde comumente, Os sos do tempo e do espago sto acentuadamente dferenciados e Aiferenciadores. A globalizagio tanto divide como une: divide tenguanto une — e as causas da diviso s¥o idénticas as que promovem & uniformidade do globo. Junto com as dimensses planetirias dos negécios, das financas, do comércio ¢ do fluxo de informago, € colocado em movimento um processo “local zador’, de fixagao no espaco. Conjuntamente, os dois processos inimament relacionados diferenciam ntidamente as condigoes exisencias de populagGes interas ede virios segmentos de cada poptlagio. © que para alguns parece globalizag30, para outros significa localizagio; 0 que para alguns sinalizago de liberda- de, para muitos outros ¢ um destino indesejado eeruel. A mobi- idade galga 20 mais alto nivel dentre os valores cobigadas — e a liberdade de movimentos, uma mercadaria sempre escassa © Aistribuida de forma desigual, ogo se toma o principal fator estratiticador de nossos tardios tempos modernos ou pis-moder- ‘Todos nés estamos, contragosto, por desfgnio ou revelia, ‘em movimento. Estamos em movimento mesmo que fsicamente ‘estejamos iméveis: a imobilidade nio & uma peo realista nam ‘mundo em permanente mudanga, E no entanto os efeitos dessa nova condigio sio radicalmente desiguais. Alguns de nés to- nam-se plena e verdadeiramente “globsis"; alguns se fixam na sua “Tocalidade” — transe que mio & nem agradvel nem supor- tével mum mundo em que 0s “globais" d80 0 tom e fazer as regras do jogo da vida. Ser local num mundo globalizad ésinal de privagio e degra: dagdo social. Os desconfortos da existéncia lealizada com- péemse do fto de que, com os espazos pblicos removidos pa além do aleance da vida localizada, as localidades estio perden- do a capacidade de gerar e negociarsentidos e se tomam cada vex mais dependentes de agdes que dio e interpetam sentidos, ages que elas nio controlam — chega dos sonhas e consolos ‘comunitaristas dos intelectuaisglobalizados. Invade . ‘Uma parte integrante dos processos de globalizagao € a pro- sressiva segregagdo espacial propressivaseparagio e exclusi. {As tendéaciasneotrbais e fundamentalisas, que refleter e for mula a experiéncia das pessoas na pona reeeptora da global ago, so fruto tho leptimo da globalizagio quanto a “hibrii- 23630" amplamente aclamada da alta cultura — a alta cultura slobalizada. Uma causa especfica de preocupagio € a progres ‘sive ruptura de comunicaedo entre as elites extrateritoriais cada vez mais globais eo restante da populago, cada vez mais “lo- calizada". Os cenros de produsio de significado e valor so hoje cexttateritoriais e emancipados de resrigdes locas —0 que no se aplica, porém, a condigdo humana, & qual esses valores © significados devem informare dar sentido. ‘Com a liberdade de movimento no centro, a tual polarizagio| tem muitas dimensdes; © novo centro dé um novo verniz as distingdestradicionais entre ricos e pobres, ndmades e sedenté Fios, “normais” e anormais ou & margem da lei, Exatamente como essas virias dimensées da polaridade se entrelagam e in- ‘luenciam matuamente é outro problema complexo que est livro tenta desvenda © primeiro capitulo considera a ligaedo entre a naturezahis- toricamente mutivel do tempo e do espago eo padrio e aescala de organizagio social —e partcularmente os efeitos éa atal ‘compressso tempoespago na estruturacio das sociedades e c0- ‘munidades planetiras eterstoriais. Um dos efeitos examinados € a nova versio de “propritirio ausente” — a independencia recémadquirida das elites globais face 8s unidades territorial ‘mente confinadas de poder politico e cultural e a conseqUente perda de poder dessas unidades. O impacto da separacio entre ‘05 dois cendrios nos quais se localizam respectivamente as partes «de “cima” e de “baixo” da nova hierarguia & remontado & orBa- nizagdo mutivel do espago e a0 significado mutivel de “vizi nhanga” na metrépole contemporinea. (Os estigios sucessivos das guerras modernas pelo direito de definir € impor o significado do espago comum constituem © 10 Gltatigse tema do segundo capitulo. As aventuras pregressas de plancja: ‘mento urbano total, assim como as tendéncias contempordneas 2 ragmentagdo do plano ¢ & construgio da exclusio, so anali- sadas luz disso, Finalmente sio examinados o destino histrico {do Pandptico como antigo modelo modern favorito de con- trole social e, particularmente, sua atual irelevancia © morte eradatva ‘0 terceiro capitulo trata das perspectivas da soberania politica —e panicularmente da autoconstiuigto © autogoverna de co- ‘munidades nacionais e, de modo mais gera,teritoriais sob as condigdes da economia, finangase informagio globalizadas. No centro da atengio, a crescente discrepincia de escala entre © reino da tomada de decisses institucionalizada e 0 universo n0 qual os recursos necessérios para as decisbese sua aplicagio si roduzidos, distribuidos, apropriados eutlizados;em particular, 60§ efeitos demolidores da globalizaglo sobre a capacidade deci s6ria dos governs estatair — esses grandes cenros ainda no substituidos de efetive controle social na maior parte da histéria modem (© quarto capitulo avalia as conseqUéncias culturais das trans- formayées acima mencionadas. Postla-se que o seu efeito eral 4 bifurcagio e polarizacio da experiéneia humana, com sie bolos culturais comuns servindo a duas interpretagSes acentua- ddamente distintas. “Estar em movimento” tem um sentido radi- calmente diferente, oposto, para os que estlo no alto e o¢ que estio embaixo na nova hierarquia, com 0 grosso da populagio “nova classe média” que oscila entre os dois extremos — suportando o impacto dessa oposigao e softendo em consequén- cia uma aguda incerteza existencal, ansiedade © medo. AtgU ‘mentamos que a necessidade de mitigar esses medos e neuteali- ‘aro potencial descontentamento que carregam é, por sua vez, ‘um poderoso fator para o aumento da polarizacdo dos dois sig: nifcados de mobilidade. (0 tlkimo capitulo explora as expresses extremas dessa po ‘izagio: a tendéncia atual de criminalizar casos que nio se ade- {quam i norma idealizadae o papel desempenhado pela erimina- lizagao para compensar 0s desconforts da “vida em movimen 10” tornando ainda mais odiosa e repulsive a imagem da reslids tiva, nem todas as visSes se equivalem. Deve ou devera haver, ponte privilegiado do qual se pudesse obser Era agora féeil de ver que 0 “melhor” significava “objetivo, que por sua vez signficava impessoal ou ‘suprapessoal.O “melhor” seria aquele pontotnico de eferéncia capaz de produzir 0 milagre de super, de se elevar scima da propria rlatvidade endémica. ‘A catia e desnorteante dversidade pré-moderma de mapas deveria portanto ser substiuida néo tanto por uma imagem do ‘mundo universalmentepartilhada, mas por uma estritahirarauia ‘de imagens. Teoricamente,o “objetivo” signiicava primeito & antes de mais nada “superior”, enquanto sua superioridade pri tica continaava sendo o estado ideal de coisas que os poderes rmodemos ainda deveriam alcangar —e que, uma vez aleangado, se tornaria um dos princpais recursos desses poderes. ‘TertGros inteiramente domesticados, inteiamente familia- res e inteligives para os propésitos das atvidades cotidianas dos ° tottaosne aldeBes ou paroguianos permaneciam confusa e ameagadora- mente estranhos,inacessiveis ¢ indomados para as autoridades cenirais; a reversio dessa relago foi um dos principas indicios fe dimenstes do “processo moderizador™ A legibilidade © transparéncia do espago, consideradas nos tempos madernos a caraterstica diferencial da ordem racional, io foram, enquanto tis, invengdes moderna; anal, em todos (0s tempos e lugares foram condigdes indispensdveis da coexis- ‘@ncia humana, oferecendo a quantidade médica de certeza © autoconflanga sem a qual a vida didra era simplesmente impen- Sivel. Anica novidade moderna foi situar a transparéncia © @ legibiidade como um objetivo a set sistematicamente persegui- do — como uma rare, algo que ainda precisa ser imposto & realidade recalctrante, tendo sido primeiro delineado com a ajuda de especialistas” Modernizagdo sigificava, entre outras coisas, tomar o mundo habitado receptvo & administragdo su pracomunitiia, estatal; © essa tarefa requeria, como condigao necesséria, tomar o mundo transparenteelegvel para os poderes administrativos, No seu estudo seminal do "fendmeno buroeritica", Michel Crozier mostrou a intima conexio entre a escala de certezain- certeza © a hierarquia de poder. Ficamos sabendo com Croziet ‘que, em qualquer coleividade estrturada (organizada), a posi- ‘sZodominante pertence Aquelas unidades que tornam sua prépria| situago opaca e suas agSes impenetriveis aos Foraseiros — 80 mesmo tempo que as mantém claras para si mesmas, livres de Pontos enevoados e seguras contra surpresas. Em todo 0 mundo das burocracias modernas, a estratégia de cada stor existente ou ‘com aspiragdes 2 exist consisteinvariavelmente © de forma consstente em tentativas de desatar as préprias mos e na pres- ‘so para impor reprasestrtas erigorosas para a conduta de todos (demas dentro da organizagio, Tal stor genha © maximo de influgncia quando consegue tomar seu comportamento uma va ravel desconhecida nas equares que outros setoes formulam fim de fazer opgbes — a0 mesmo tempo que conseguetornar Constante, regular previsvel a conduta dos outos setoees. Em ‘outtas palaveas, maior poder € exescido por aquelas unidades ‘copazes de permanecer a fonte da incerteza de outras unidades, ‘A manipulasio da incerteza é a esséncia eo desaio primiio na la pel poder e intluéneia dentro de toda totalidade esruturada antes eacima de tudo na sua forma mais radical, ada moderna ‘organizago burocrticae particularmente da burocracia do Es- ado moderno, ‘0 modelo pandptico do poder moderna concebide por Michel Foucault apéia-se numa suposigio bastante semehante. O fator decisive desse poder que os supervisoresccults na torre central ddo Pandptico exercem sobre os inleros mantides nas alas do eifcio em forma de estelaé a combinagio da total e constante visibilidade desses dtimos com a invisibilidade igualmente total «© perpétua dos primeiros. Sem jamais saber com certeza se os supervisores os esto observando ou se sux atengo desvia-se para outras alas, se estdo dormindo, descansando ou atentos, os intemos devem se comportar o tempo todo como se estivessem efetivamente sob vigiléncia. Os supervisores eos interns (sejam cles prisioncirs, irabalhadores, soldados, alunos, pacientes ou ‘tra coisa) residem no “mesmo” espaco, mas so colocads em sitwagies diametralmente opostas. A vis do primeiro grupo ni obsteuida, enquanto o segundo precisa agir num tervtério de névoa,opaco. ‘Observemos que o Pandptico era um espaco artificial — cons truido de propésio, tendo em mente a assimetria da capacidade visual. © propésite era manipular conscientemente e rearumat Jntencionalmente a transparéncia do espago como relago social — como, em dima instinia, uma relagao de poder. A artic lidade do espago feito sob medida ere um luxo inacessivel aos poderes voltados para a manipulagio do espago numa ampla tesealaestatal Em vez de eriar do nada um novo espago func: ‘almenteimpecével, os modemes poderes de Estado — ao mes- ‘mo tempo que buscavam abjtivos "panépticos” — tinham que se decidir pela segunda melhor solugdo. Mapear 0 espago de e teblaagte ‘modo facilmente level para a administragio estatal, embora {osse contra a natureza das prticas locas, despojando os habi- tates “Tocais" de seus meios bem dominados de orientagio € portanto confundindo-os, era pois a primeira tarefaestratépica dda moderna guerra pelo espago. O ideal panéptico no era, en- ‘wetanto, abandonado, mas meramente posto em banho-maria, 3 espera de tecnologia mais poderosa. Quando o primeiro estégio atingia seus objetivos, a estrada podia se abrir para o préximo, ais ambicioso, no processo de modernizagio. Nesse estgio, 0 objetivo mio era apenas tracar mapas elegantes, uniformes e uniformizanes do territério do Estado, mas remodelar o espaco fisicamente segundo 0 padrio de elegincia até ali alcangado apenas pelos mapas desenhados e armazenados no escrtério ‘cartogréfico; nio buscar o registro perfeito da existenteimper- feigdo territorial, mas incrustar na tera o grau de perfeigho antes encontrado apenas na prancha de desenho. ‘Anteriormente, era 0 mapa que refletiae registrava as formas do territério, Agora, era a vez do teritrio se tomar um reflexo do mapa, se elevado ao nivel da ordenada transparéncia que 0s ‘mapas se esforgavam por atngir. Era o proprio espaco que devia ser remodelado ou modelado a partir do nada a semelhanea do ‘mapa ede acordo com as decisses dos cartégrafos. Do mopeamento do espaso & expacializagéo dos mapas Intitvamente,€ a estrutura espacial geometricamente simples, feita de blocos uniformes do mesmo tamanho, que parece mi se aproximar da satisfagio dessa exigéncia. Nao admira que em todas as visdesut6picas modernas da “cidade pereita as regras urbanisticase arquitetnicas que os autores trataram com incan- svel atengdo giravam em tomo dos mesmos principios basicos primeiro, 0 planejamento prévo, estrito, detalhado e abrangente ‘doespago da cidade — a construgao da cidade “a partir da nada", num sti vazio ou esvaziado, de acordo com um plano coneluido o antes do ineio da construgao;e segundo, a regularidade, unifor ‘midade, homogeneidade e reprodutbilidade dos elementos espa ciais em forno dos edificios administrativos colocados no centro 4a cidade ou, melhor ainda, no alto de uma montanha, de onde todo o espago da cidade pudesse ser visualmente abarcado. As segintes "leis fundamentaisesagradas" formaladas por Morell ro sou Code de la Natre, ou le veritable esprit de ses lois de tout temps négligé ou méconnu, publicado em 1755, oferecem tum exemplo represenativo do conceito modeeno do espago da cidade perfeitamenteestruturado. Em volta de uma grande praga de proporrdes regulars [aqui © 4 seguir, gifo meu — ZB.) serio erguidos armazéns pablicos para guardar todas as provisbesnecessrias e com & sala pare reunides pdblicas — tudo uniformizado © de apa- réncia agradvel Fora dessecireulo serio disposos regularmente os distitos turbans — todos do mesmo tamanho, de forma similar © Aivididos por runs iguais Todos os edificios serto identcos ‘Todos os disitos Serio planejados de tal forma que, se necessério, possam ser ampliados sem romper sua regular- ode (0s principios da uniformidade e regularidade (e portanto tam- bbém da permutabilidade) dos elementos da cidade foram com- plementados, no pensamento de Morelly como no de outros visionirios e praticantes do planejamento e administragio da cidade modema, pelo postulado da subordinagdo funcional de todas as solugSes arquitetnicas e demoprficas as “necessidad 4a cidade como um todo” (como o préprio Morelly colocou, hnimeto € 0 tamanho” de todos os edifices serio dtados pelas necessidades de uma dada cidade) e pela exigéncia de separar ‘spacialmente partes da cidade dedicadas a diferentes fungées fv diversas pela qualidade dos seus habitates. E assim “cada trio iré ocupar um distrto separado e cada familia um apart mento separado" (Os edifios, no entanto,apressa-se More fem ressallar, sero os mesmos para todas as Familias; essa ex -éncia pode ter sido ditada, & possvel supor, pelo desejo de neutralizar 0 impacto potencialmente deteriorate de traigbes tebais idossineriticas na ransparéncia geral do expaco da c Ieteados nancies lob “impaen suas Te presets 20 Planta A “loalzago’ naa mae € que 3 extensorrtia A sua lic todos os apts d vida” Os Estados no tm tera Scents nem erate de mano para sopoar preseio— pl spe aio de qu alguns miatos basta Dar qe empresas ete Estados ete em clas m4 tobtaarse [No cabaé da globalizago,o Estado passa por um striptease ‘eno final do espticulo&deixado apenas com as necssidades hisieas: seu poder de repressio, Com sua base material estrus, sua soberaniaeindependnciaanulads, sua classe police apagada, a nagdo-stado tora-se um mero servigo de Seguranca para as mepa-empresas (Os novos fenhores do. mundo nfo tém necessiade de governardretamente. Os governosnacionais so encartegados da tarefa de sdministrar os negécios em nome dees. Devido & totale inexorivel disseminagio das rogras de livre mercado e, sobretudo, ao livre movimento do capital e das Finan- 528, a “economia” é progressivamente isentada do controle pol- tico; com efeito, 0 significado primordial do termo “economia” € 0 de “irea ndo politica”. © que quer que restou da polit espera-se, deve ser trtado pelo Estado, como nos bons velhos {empos — mas o Estado nio deve tocar em coisa alguma rela- cionada a vida econdmiea: qualquer tenttiva nesse sentido en- frentaria imediata ¢ furiosa punigio dos mercados mundiais. A Jmpoténcia econémica do Estado seria entdo mais uma vee Ma agrantementeexposta para horor da equipe governante, De acor {do com os caleulos de René Passat." as transagdes Financeiras intercambiais puramenteespeculatvasaleangam um volume dis rio de USS 1,3 bilhio — cinglenta vezes mais que o volume de trocas comerciais e quase 0 mesmo que a soma das reservas de todos os "bancos centrais” do mundo, que & de USS 1,5 bilhi. ""Nenhum Estado”, conclui Passat, “pode poranto rsisir por mais de alguns dias is pressdes especulativas dos “mereados'” A nica tarefa econ6mica permitida ao Estado e que se espera aque ele assuma é a de garanti um “orgamento equilibrado”, policiando e controlando as presses locais por intervenes ‘estaais mais vigorosas na diregdo dos negécios e em defesa da populagao face as consequéncias mais sinisteas da anarquia de mercado. Como assnalou recentemente Jean-Paul Fitoussi, Dept do Nagto eae, 0 gut 18 ‘Tal programa, no entano, nio pode ser exccutado a nto ser ‘que @ economia, de ms maneira ov de ostra, sea rtirada do campo da politica. Ceramente um Ministério da Fazenda ‘continua senda um mal necesirio, mas idealmente se poderia ter um Ministério dos Assuntos Econdmicos (iso é, que _zovemasie 4 economia). Em outas palaveas, © governo de- veria ser despojado de sua responsabiidade pela pois rmacrosconémica." ‘Ao contririo de opinies sempre repetidas (embor -verdadetas por i880), nfo hd contradigao Iogica nem pragm entre a nova extaterritoralidade do capital (absoluta no caso das Finangas, quase total no caso do comércio e bem avangada no da producio industrial) e anova profiferagdo de Estados soberanos frgeise impotentes. A corida para criar novase cada vez mi fracas entidades tertitoriais “politicamente independentes” ni vai conta a natureza das tendéncias econdmicas globalizanes; 4 fragmentago politica no é um “trava na roda” da "soviedade mundial” emergent, una pela liveecirculagdo de informacio, {Ao contririo, parece haver uma intima afinidade, mituo condi- ‘lonamentoe reforgo entre a “lobalizagio" de todos os aspectos da economia a renovada Enfase do “prinpio teritoral” Por sua independéncia de movimento e inrestritaHberdade para perseguir seus abjtivos as finangas, comércio indistria de informagao globais dependem da fagmentagio politica — do ‘morcellement {retalhamento] — do cenério mundial, Pode-se dizer que todos tm inteesses adguiridos nos “Estados fracos” = isto €, nos Estados que sio fracos mas mesmo assim cont- ruam sendo Estados. Deliberada ou subconscientemente, esses interEstados,instituigdes supralocais que foram trazidas& luz e ‘tém permissio de agit com 0 consentimento do capital mundial, cexercem pressBes coordenadas sobre todos os Estados membros fou independentes para sistematicamente destrirem tudo que posse deter ou limitaro livre movimento de captas e restringir ‘a liberdade de mercado. Abrr de par em pat 0s portese aban donar qualquer iia de politica econémica auténoma é a condi eo preliminar, dovilmente obedecida, para receber assisténcia {cenmica dos bancos mundiais efundos monetirios ntemacio: nis. Estados fracos so precisamente 0 que a Nova Ordem Mundial, com muita frequéncia encarada com suspeita como ma nova desordem mundial, precisa para sustentar-see repro- uz. Quase-Estados, Estados fracos podem ser facilmente reduzidos a0 (tl) papel de dstitos poiciais loeais que garan- tem o nivel médio de ondem necessirio para a realizaio de rnegécios, mas ndo precisam ser temidos como frei efetivos & liberdade das empresas globais [A separagio entre economia politica e a protesio da primei- ‘conta a intervengio reguatéra da segunda, o que resulta na perda de poder da politica como um agente efetivo, auguram ‘ito mais que uma simples madanga na distribuigo do poder social. Como assinala Claus Off, o agente politico como tal — 'a capacidade de fazer opgbes coletivamente impositivas ¢ exe- cuté-las” —tomou-se problemitico. “Em vez de perguntaro que eve ser feito, devemos com mais proveito investiga se héal- ‘guém capaz de fazer 0 que deve ser feito” Uma vex que “as Fronteras se tomaram permedveis” (de maneiraaltamente sele- tiva, com certeza), "as soberanas tomaram-se nomvinais, o poder andnimo eo lugar, vazios". Ainda estamos bem longe do destino fina; © processo continua, aparentemente de forma inexorivel, “O patio dominante pode ser descito como ‘afrouxamento dos Trios’: desregulamentagt, lberalizagio,Flexibilidade,fluidez crescent e faciltagfo das transagdes nos mercados financeiros mobile e trabalhista,alivio da carga tibuéria ete" Quanto mais consistente a aplicagio desse padrio, menos poder é retido nag mios do agente que © promove e menos ele poders, por ter cada ver menos recursos, evitaraplii-to caso o desaje ou soja pressionado a fazé-l0, ‘Uma das conseqléncias mais fundamentais da nova iberdade lobal de movimento € que est cada vez mais dificil talvez até mesmo impossivel, reunir questdes soci coletiva js numa efetiva ago A hierorquie global da mobilidade LLembremos mais uma ver 0 que Michel Cozierassinalou muitos anos ards no sev pioneio esto sabre O fendmeno burocrico: toda dominagdo consiste na busca de uma estatégia essencial mente semelhante — deixar a maxima liberdade de manobra 30 dominante e impor ao mesmo tempo as rstigdes mais estritas possiveis&liberdade de decisto do dominado. Essa esteatgia foi outrora apicada com sucesso por governos status, que agora no entanto se encontram do outro lado do process0, Agora é a conduta dos "mercados” — primordialmente das finangas mundiais — a principal fonte de surpresa e incer teza, Ni € dificil portanto ver que a substtwigdo dos Estados terrtriis “fracos” por algum tipo de poténcia legslativas © policias globas seria prejudicial aos interesses dos "mercados ‘mundiais”, E assim &fécilsuspeitar que, longe de agirem em contradigdo e guerra uma com a outra, a fragmentasio politica fa globalizayio econdmica sio aliados fatimos e conspiradores afinados ‘A integragdo ea divisio, a globalizagdo e a terttorializago, slo proces:os mutuamente complementares. Mais precisamente, ‘das faces do mesmo processo a redistibuigio mundial de Soberani, poder liberdade de agir desencadeada (mas deforma \guma determinada) pelo salto radical na tecnologia da veloc dade, A coincidéncia eentrelacamento da sintese da dspersio, da integrago ¢ da decomposigio So tudo, menos acidentais; © ‘menos ainda passives de retficagdo. por causa dessa coincidéncia © desse entrelagamento das dduas tendéncias aparentemente opostas, ambas desencadeadas pelo impacto divisor da nova liberdade de movimento, que os ‘hamados processos “globalizantes” redundam na redistibuigdo m icbteagne de privilégis e caréncias, de riqueza e pobreza, de recursos ¢ ‘impoténcia, de poder e auséncia de poder, de liberdade erestri- 0, Testermnhamos hoje um processo de reestratficagdo mun- ial, no qual se consteéi uma nova hierarguia sociocultural em scala planetria, ‘As quase soberanias, as divisbes teritoriais ea segregagio de Identdades promovidas e wansformadas nur must pela globali- ago dos mercados e da informagao nio refletem uma diver dade de parceiros iguais. O que é opgo livre para alguns abate- ‘sobre outros como destino eruel. Ema vez que esses “outros” fendem @ aumentarincessantemente em nimero e afundar cada ‘vez mais no desespero, frato de uma existéncia sem perspectva, € melhor falar em “glocalizaro” (temo adequado de Roland Robertson que expée a inguebrantivel unidade entre as presses slobalizamese locais — fendmeno encaberto no conceto unila: {eral de globalizagio) e defini-to essencialmente como o proces- so de concentragio de capitas, das finangas e todos os outros recursos de escolhae ago efetiva, mas também —alvee sobre- tudo — de cancentragdo da liberdade de se mover © agit (das liberdades que para todos os efeitos priticos sfo sions), Comentando a descoberta feita no tltimo Informe da ONU sobre o Desenvolvimento de que a iqueza total dos 358 maiores| “Pillonérios globais” equivale & renda somada dos 2,3 bilhdes ‘mais pobres (48 por cento da populagio mundial), Victor Kee- gan*chamou o reembaralhamenta tual dos recursos mundiais ‘de"“uma nova forma de roubo de estrada”, Com feito, 3622 por ccento da riquesa global pertencem aos chamados “pafses em desenvolvimento”, que respondem por ceca de 80 por cento da populacdo mundial. E esse no & de forma alguma o limite aque ‘deve chegar a aual polarizagio, uma vez que a parcela da renda ‘global que cabe atualmente aos pobres 6 ainda menor: em 1991, 85 porcento da populagio mundial recebiam apenas 15 por cento da renda global. Nao admira que os esqulidos 2.3 por cento da riqueza mundial possufdos por 20 por cento dos paises mai pobres trina anos ards eafram agora ainda mais no ism: para 1.4 por cent Depa do Noto, 0 sult ” Também a rede global de comunicagio, aclamada como a porta de uma nova e inaudita liberdade e, sobretudo, como 0 Tundamento tecnoldgico da iminente igualdade, é claramente vusada como muita seletividade — tata-se na verdade de uma cestreita fenda na parede, no de um portal. Poucas (¢ cada ver menos) pessoas tém autorizagio para passar. “Tudo 0 que os ‘computadares fazem atualmente para oTerceiro Mundo € a erd- nica mais eficiente da sua decadéncia", diz Keegan. E conclu "Se (como observou um ertice americano) os 358 decdissem ficae eada um com USS 5 milhdes para se mantr e distribuir 0 reso, pratcamente dobrariam a renda anual de quase metade da populagdo da Terra, E 0 porcos voariam.” "Nas palavras de John Kavanagh, do Istituto de Pesquisa Politica de Washington, ‘A globalizago deu mais oporunidades aos extremamente rieos de ganhar dineivo mais eipido. Esses indviduos usli- ‘am a mais recene teenologia para movimentar largas somas fe dinheira mundo afora com extrema rapider © especular com efciénca eada vez maior Infelizmente ecnologia nfo causa impacto nas vidas dos pobres do mundo, De ato, a globalizago é um paradono: € ‘muito benéfica pare muito poucos, mas deixa de fora ou ‘marginaliza dois (egos da populagio mundial. ‘Como rezaria 9 folcore da nova geragio de “classes esclare cidas” geradas no admirsvel novo mundo monetaista do capital némade, abrir represasedinamiar todos os diques mantidos pelo Estado faré do mundo um lugar live para todos. Segundo essas cerengas flcléricas, a lberdade (de comércioe a mobilidade de capital, antes © acima de tudo) € a estufa na qual a riqueza cresceria mais répido do que nunca; © uina vez multiplicada & ‘iqueza, havers mais para todos ‘Os pobres do mundo — quer velhos ou novos, hereditérios ou fruto da computagio — dificilmente reconheceriam sua angus- tiosa sitaagdo ness ficeiofolclérica. Os meios sto a mensagem «0s meios de comunicasio através dos quis esti sendo criado ‘© mercado mundial nio failitam, mas ao contrrio impedero, 0 prometido efeito de “gotejamento”. Novas fortunas nascem, ‘rescem e florescem na ealidade virtual, firmementeisoladas das rides e despachadasrealidades fora de moda dos pobres. A criagdo de riqueza esta caminho de Finalmente emancipar-se dds suas perpétuas conexdes — restritivas © vexatérias — com a produgo de coisas, 0 processamento de matrias, a ergo de empregos e adiregio de pessoas. Os antigos rcos pecisavam dos pobres para fazé-los e manté-los ricos. Essa dependéncia ritgou em todas as épocas 0 conflito de interessese incentivon algum esforgo, ainda que débil, de assisténcia. Os novos-ticos ‘no precisam mais dos pobres. Finalmente a bem-aventuranga a iberdade total estéproxima, ‘A mentira da promessa do livre comércio & bem encobert cconexto entre a erescentemiséria e desespero dos muitos “imo- bilizados" e as novas liberdades dos povcos com mobilidade € Gifcil de perceber nos informes sobre as repides lancadas na ponta sofredora da “glocalizagi”.Parece, ao contro, que 05 ois fendmenos pertencem a mundos diferentes, cada um com suas propria eausas marcadamente diversas, Jamais se suspei= taria pelos informes que o répido enriquecimento ¢ 0 répido ‘empobrecimento brotam da mesma riz, que a “imobilidade” dos rmiseriveis é um resultado to leitimo das pressbes“glocalizan- tes" quanto as novas liberdades dos bem-sucedidos para os quais (© e6u € 0 limite (como jamais se suspeitaria pelas andlises so- iol6gicas do Holocauso e de outros genocidios que eles “com binam” perfeitamente com a sociedade moderna, asim como 0 ‘rogresso econémico, tecnolspico, cientifiea e da padrio de vida). Como explicou recentemente Ryszard Kapuscinski, um dos ‘mais formidéveiscronistas da vida contemporinea, o acoberta- mento daquela mentra € ebtido por meio de tés expedientes imertelacionados que os meios de comunicagao utilizam de ‘modo consistente, com irupgies ecasionase carnavaleseas de imeresse piblico pelo softimento dos “pobres do mundo” !© Primero, 0 notin sobre uma epidemia de fore — supos- tamente a Ultima razao que restou para romper & indiferenga ‘otineira — vem em geral acompanado de um enfétic lembrete de que as terras distantes onde as pessoas “vistas na TV" morrem 4e fome e doenga slo as mesmas dos “igres asiticos",essos bbencficirios exemplaes da nova maneitaimaginativae admis vel de fazer as coisas. Nao importa qu todos os “tires” juntos revnam apenas I por cento da populago da Asia, Supde-se que cles demonstram 0 que era preciso provar — que o lamentivel sofrimento dos famintos indolentes & opgio Sui generis deles ptSprios, que as alternaivas estdo dsponiveis e podem ser al- cangadas mas no sio adotadas por falta de diligéncia ou deter ‘minagio, A mensagem subentendida € que os préprios pobres| ‘ho responsiveis por seu destino: qu eles poderiam, como fize- ram os “tgres" pereeber que a presa fil no saisfz 0 apetite os tgres Segundo, as noticias sBo pautadas ¢editadas de modo a redu- zie o problema da pobreza e privago apenas questo da fore. Esse extratagema mata dois coelhos com uma cajadada: a verda- deiraescala da pobreza € omitida (800 milhdes de pessoas sto permanentemente subnutridas, mas eerea de 4 bilhoes — dois tergos da populagdo mundial — vivem na pobreza) ea taefa a enfrentar& limitada a aranjar comida para 0s famintos. Mas, como assinala Kapuscinski, essa apresentagio do problema da pobreza (como exemplifica uma edigio recente do The Econo: ‘nist que analisa a pobreza mundial sob o titulo "Como alimenta ‘0 mundo”) “degrada terrivelmente e praticamente nega a condi ‘elo humana plena das pessoas a quem supestamente queremos ajudar". © que a equagdo "pobreza = fore” esconde sio muitos ‘outros aspectos complexos da pobreza — “horrveis condigdes dde vida © moradia, doengs, analfabetismo, agressio, familias destrudas,enfraquesimento dos lagos sociais, auséncia de futuro € de produividade” —: afligdes que no podem ser curadas com 2 Giotto biscoitos superproticos lete emp, Kapuscinski lembra que pperambulou por vilase aldeias africanas, encontrando criangas "que imploravam nio pio, égua, chocolate ou bringuedos, mas ‘uma esferogréfia, pois iam a escola © no tinham com que ceserever as ligdes” ‘Acrescentemos que toda associage das horrendas imagens a fome apresentadas na midia com a destrugao do trabalho e dos postos de trabalho (isto é, com as causas globais da pobreza local) ¢ cuidadosamenteevitada, As pessoas sio mostradas com sua fome, mas, por mais que os espectadores agucem a visio, nfo verdo um Gnico instrument de trabalho, uma inca faixa de terra arivel ou uma sé eabeca de gado as imagens, nem ouvitdo ‘qualquer referencia a nada disso. Como se nfo houvesseligasio entre 0 vazio das exortagdes rotineiras para que se “levantem ¢ agar alguma coisa", dirigidas aos pobres num mundo que no precisa mais da forga de trabalho, pelo menos no nas terras onde as pessoas mostradas pela TV morrem de fore, e o softimento 4e pessoas oferecidas como escoadouro camavaleseo, em “fet 4e caridade”, para um impulso moral contido. As riguezas $0 _lobais, a miséra € local — mas no bé igagio causal entre elas, pelo menos nio no espeticulo dos alimentados e dos que alimen- tam. ‘Victor Hugo faz uma de suas personagens, Enjolras,exclamar ‘com tristeza pouco antes de morrer numa das muita barrcadas {do século x1x:"O século xx ser feliz” Sucedeu, comenta René Passat, que “as mesmas tecnologias imateriais que sustemaram essa promessa implicam simullaneamente a sua negagao", em especial quando “combinadas com a frenética liberalizagao pla- netiria das trocas e movimentos de capital”. Teenolopias que efetivamente se livram do tempo e do espago precisa de pouco tempo para despir e empobrecer o espago. Elas tomam o capital verdadeiramente global; fazem com que todos aqueles que no podem acompanhar nem deter os novos hibitos némades do ‘capital observem impotentes a degradaclo e desaparecimento do seu meio de subsisténcia ese indaguem de onde surg a pragn. Depot do Nogto-aad,oautt 2 [As viagens globais dos recursos financeiros slo talvex tio ima- teriis quanto a rede eletrdnica que percorrem, mas 0s vestgios Tocais de sua jomada so dolorosamente palpiveis e reais: 0 “despovoamento qualitaivo", a destruigio das economias locsis cotrora capazes de sustentar seus habitantes, a exclusio de milhdes impossiveis de serem absorvides pela nova economia elobal [Em terceiro lugar, oespeticulo dos desastresapresentado nos rmeios de comunicagi também sustentae reforga de outra ma. neiea a indierenca ica rotineira, cotidiana,além de descarregar as eservas acumuladas de sentimentos moras. Seu efeito a lon- 'g0 prazo & que “a parte desenvolvida do mundo cerca de um cinturdo sanitério de descompromisso, eguendo um Muro de Berlim global toda informasio que vem ‘de fora’ sio imagens de guerra, assassinatos, drogas,pilhagem, doengas contagiosas, refugiados fome; isto é, de algo ameacador para nés". Sé raramentc,¢ invariavelmente num tom abafado e sem qualquer ‘canexio com as cenas de guerras civis e massacres, ouvimos falar das armas mortiferas usadas para esse fim. Ainda menos frequente € nos lembrarem, quando o fazem, daquilo que sabe ‘mos mas preferimos no ouvir: que todas essas armas usadas para transformar lresdistantes em campos de morticini foram fornecidas por nosss indistias bélicas, vidas de encomendas « orgulhosas de sua produtividade e compettvidade global — essa seiva vital da nossa amada prosperidade. Uma imagem sin- ‘ética da brotalidade auto-infligia vai se sedimentando na cons- cincia pica —uma imagem de “ruassérdidas", "zonas proi- bidas” ampliadas, verso aumentada de uma terra de bandidos, ‘um mundo estranho, subumano, para além da ética e de toda salvagio.Tentativas de salvar esse mundo das piores conseqién- cas de sua propria brutaidade s6 podem produzir efeitos mo: tmentineos e esti fadadas ao fracasso a longo prazo; todas as ‘cordas langadas aos néufagos podem ser facilmenteretrancadas ‘em novos lagos u tebetaogne Hi outro papel importante desempenhado pela associagio dos habitantes “locas distantes” com 0 assassnato, a epidemia e @ pithagem. Dada a sua monstruosidade, 6 se pode agradecer & Deus por fazer deles 0 que sio — habitantes locas distantes — € rezar para que continver assim, ‘0 desejo dos famintos de ir para onde a comida ¢ abundante € 0 que naturalmente se esperaria de seres humanos racionas; deixar que ajam de acordo com esse desejo & também 0 que parece correto e moral 3 consciéncia. For sua inegavel racio- rnalidade e corresHo ética que o mundo racional ¢ eticamente conscente se sete to desanimado ante a perspectiva da migra- (780 em massa dos pobres e famintos; € Wo dificil negar aos ppobres¢famintos, sem se sentir culpado, 0 dreto de ir onde hi abundincia de comida; e & vialmenteimpossivel propor arg: ‘menos racionais convincentes provando que a migragao seria pra eles uma decisto irracional. O desafio é realmente espan- {oso:negar aos outros o mesmissimo ditto liberdade de mo- vimento que se elogia como a mixima realizagio do mundo slobalizane ea garantia de sua crescente prosperidade. ‘As imagens de desumanidade que dominam as ters onde vivem possiveis migrantes vém portanto a calhat. Ela reforgam 8 determinagio que nio dispse de argumentosétcos e racionais 8 apoid-la. Ajudam 0s habitanes loais a permanccerem loa 10 mesmo tempo que permitem aos globais viajar com a cons- inca Himpa 4 Turistas © vagabundos Hoje em dia estamos todos em movimento. ‘Muitos mudam de lugar — de casa ou viajando entee loais {que aio so o da residéncia, Alguns nio precisam sair para Viajar: podem se atrar a Web, percoreé-a,inserindoe mesclando na tela do computador mensagens provenientes de todos os can- tos do globo. Mas a maioria esté em movimento mesmo se fisicamente parada — quando, como é hébito, estamos grudados 1a poltronae passando na tela os eanais de TV via satéite ou a cabo, saltando para dentro © para fora de espagos estrangciros| com uma velocidade muito superior & dos jatos supersOnicos ¢ foguetes interplanetiros, sem fcar em lugar algum tempo sufi ciente para ser mais do que visitantes, para nos sentirmos em [No mundo que habitamos, a distincia no parece importar sito. As vezes parece que s6 existe para ser anulada, como se ‘© espago no passasse de um convite continuo a ser destespeit do, refutdo, negado. O espago deixou de ser um obstéculo — ‘basta uma fragto de segundo para conquisti-o, [Nao ha mais “froteiras natuais” nem lugares Sbvios @ ocu- par. Onde quer que estejamos em determinado momento, no Podemos evitar de saber que poderfamos estar em outra parte, de ‘modo que hi cada vez. menos razZo para ficar em algum lug ‘specific (e por isso muitas vezes sentimos uma asia premente ‘de encontrar — de inventar — uma r123o).O esprituoso adigio ‘de Pascal revelou-se uma profecia confirmada: de fato vivemos rum estranho efteulo cujo centro esté em toda parte € a cir ‘cunferéncia em parte alguma (ou, quem sabe, exatamente 0 ‘contro? E assim, pelo menos espiritualmente, somos todos viajantes (0u, como diz: Michael Benedikt, “a importincia mesma da loca- lizagdo em todas as esealas comega a ser questionada, Toramo- os némades que esti sempre em conto." Mas estamos tam- bbém nos movendo em outro sentido mais profundo, sea com 0 éna estrada ou sltando entre os canais e quer gostemos ou no disso. A idéia do “estado de repouso”, da imobilidade, sé faz sentido ‘num mundo que fica parado ou que assim fosse pereebido: num lugar com paredes slid, estadas fixase plaas de sinalizag4o bastante firmes para enferrujae com o tempo, Nio se pode “Ficar prado” em areia movediga. Nem nesse nosso mundo modemo final ou pés-modemo — um mundo com pontos de referéncia sobre rodas, os quais t8m o isrtante hibito de sumir de vista antes que se possa ler toda a sua instrugio, examiné-la e agit de acordo, O professor Ricardo Petrella, da Universidade Cat de Louvain recentemente resumi isso mito bem: “A global- ‘zagio arrasta as economias para a produgio do efémero, da voit (por meio de uma redugao em massa e universal da dura bilidade dos produtos e servigos) e do precirio (empregos tem- poririos,Mexiveis, de meio expediente)."> ara abrir caminho na mata densa, escura espalhada © “des- regulamentada" da compettividade global e chegar ribalta da atengio publica, 0s ben, servigos e sinais devem despertar de- ‘sejo e, para isso, devem seduzit of possiveis consumidores © afastar seus competidore. Mas, assim que o conseguirem, de- vem abrir espaco rapidamente para outros objtos de deseo, do contrario a caga global de luctos e mais luros (rbatiaada de “ereseimento econémico") i parar. A indistriaatval funciona cada vez mais para a producio de atragdes tentagdes. E& da natureza das alragdes tentar © seduzit apenas quando acenam ddaquela distincia que chamamos de futuro, uma vez que @ ten- tagdo nio pode sobreviver muito tempo a rendigdo do tentado, assim como @ desejo nunca sobrevive a sua satistapio, [Nie hi lina de chegada dbvia para esta corida ats de novos desejos, muito menos de sua saisfagdo. A prépria nogio de “limite” precisa de dimensdes espago-temporais. © efeito de “rar a espera do desejo” ¢tirar 0 desejo da espera, Uma vez ve toda demora pode em principio sernivelada a instantanei- dade, de forma que uma infinidade de eventos temporais possa se comprimir na durago de uma vida humana, e uma vez que toda distancia parece ajustar-se & compressio em co-presenca, de modo que neshuma escala espacial é em principio grande ‘demas para o explorador de novas sensagées, que significado possivel poderia ter aideia de “limite”? E sem sentido, sem um significado expresso, no hi como a roda mégica da tentagéo € o desejo perder 0 impulso, As eonseaiéncia, para os altivos © para os humildes, slo enormes — como expressou Jeremy Sea- ‘brook de forma convincente: ‘A pobreza nfo pode ser “curada, pois fo & um sintoma da eng do capitalism. Bem a0 contrrio:& evidéncia da sua sade e robusez, do seu fmpeto para uma scumulagio © esforgo sempre maiores .. Mesmo os mais ricos do mundo se gucixam sobrotudo de todas as cosas de que se devem Drvar .. Mesmo os mais privilgiados si compelidos caregar dentro de sia urgéncia de lutar para adquitie 3 Ser consumidor numo sociedade de consumo Nossa sociedade é uma sociedad de consumo, ‘Quando fatamnos de uma sociedade de consumo, temos em ‘mente algo mais que a observardo trivial de que todos os mem- bros dessa sociedade consomem; todos 0s seres humanos, 00 ‘melhor, todas a criatuas vivas “consomem” desde tempos ime- ‘morias. O que temos em mente é que a nossa & urna “sociedade ‘de consumo" no sentido, similamente profundo e fundamental, ‘de que a sociedade dos nossos predecessores, a sociedade mo- ry teselaasdo derna nas suas camadas fundadoras, na sua fase industrial, era uma "sociedade de produtores”. Aquela velha Sociedade moder a engajava seus membros primordialmente como produtores © soldados: a mancira como moldava seus membros, a “norma” gue colocava diante de sous olhos e os instava a observar, era itada pelo dever de desempenhar esses dois papéis. A norma {que aquela sociedade colocava para seus membros era a capaci dade a vontade de desempenhi-los. Mas no seu atualestigio Final moderna (Giddens), segundo estégio moderno (Beck), su- pramoderno (Balandier) ou pés-moderno, a sociedade moderna tem pouca necessidade de mio-de-obra industrial em massa e de cexécits recrutados: em ver disso, previsa engajar seus mem- bros pela condigo de consumidores. A manera como a socie- dade atual molda seus membros & ditada primeiro e acima de tudo pelo dever de desempenhr 0 papel de consumidor. A norma ‘que nossa sociedade coloc para seus membros é ada capacidade vontade de desempenhar esse papel Naturalmente, a diferenca entre viver na nossa sociedade on na sociedade que imediatamente a antecedew ni ¢ tio radical {quanto abandonar um papel e assumir outro. Em nenhum dos seus dois estigios a sociedade madera pide passar sem que seus ‘membros peoduzissem coisas para consumir — e, 6 claro, mem bros das duas sociedades consomem, A diferenga ene 0s dois cestigios da modernidade & “apenas” de Enfase prioridades — ras essa mudanga de énfase faz ume enorme diferenga em pra ticamente todos os aspectos da soeiedade, da cultura e da vida individual, {As diferengas sio to profundas e multiformes que justiieam plenamente falar da nossa sociedade como senda de um tipo

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