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A SOCIEDADE DO CONSUMO INFANTIL

Alexandre Machado1

Resumo

Qual o papel da sociedade na educação para o consumo infantil? A criança é


consumidora consciente? Influenciadora ou decisora no ato de compra? Deveria ser? A
sociedade tem responsabilidade sobre esse processo? O Estado, as organizações e as
famílias têm maior, igual ou menor responsabilidade sobre esse comportamento? Aliás,
essas ações são costumes, hábitos ou comportamentos? São inúmeras as inquietações
acerca desse assunto e, justificável ou não, polêmico ou não, é importante refletirmos
que em uma sociedade moderna as formas de consumo mudaram e as crianças são parte
integrante deste ritual. A questão é saber se estão preparadas e protegidas perante as
ações mercadológicas, se sabem ou não que são persuadidas ao consumo e se isso vem
contribuindo para transformá-las em consumidoras compulsivas.Esse artigo abordará o
relacionamento entre a cultura e o papel da família na construção do processo de
educação para o consumo, a sociedade e sua participação ativa nesse círculo e o
consumo especificamente da criança dentro desta sociedade moderna.

Palavra-chave: Cultura. Sociedade. Consumo Infantil.

1
Alexandre Machado Bacharel em Ciências Sociais Aplicadas pela AELIS, especialista em Marketing
pela FECAP/FAAP, mestre em Comunicação e Educação pela Universidade Anhembi Morumbi e
doutorando em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo, professor de graduação e
pós-graduação da UNIBR e Coordenador dos Cursos de Gestão Tecnológica em Recursos Humanos,
Marketing, Processos Gerenciais e Gestão Financeira da Faculdade de São Vicente – UNIBR.
Cultura, Família e Criança

Que papel as crianças vem exercendo na sociedade de consumo? Qual a


influência e principalmente as consequências da precoce participação no processo de
decisão e consumo?

Para Gade (1998) quando observa o fator sociogrupal, ela afirma ser o grupo o
fator de maior relevância para o consumo, pois as pessoas mantêm uma relação de
interdependência entre si dentro desse grupo e enfatiza que o comportamento de cada
membro é influenciado potencialmente. A decisão de consumo da família possui, ainda,
vários papéis: como o de iniciador, aquele que assume e desencadeia a identidade de
precursor da ideia do consumo, seja ela de um produto ou serviço, o influenciador, o
que estimula e agrega valor a decisão com dados e informações, o decisor, que pratica a
ação propriamente dita de consumo, carregando o estigma de determinar o como, o
quanto e o onde consumir, o comprador, o que exerce o consumo e que não
necessariamente é o utilitário do produto ou serviço e o usuário ou consumidor, o que
encerra o processo estabelecendo e avaliando o produto ou serviço.

Nos anos 70, Davis (apud Kotler 1993, p.213), apresentou um estudo sobre as
decisões de consumo na família americana no Jornal of Marketing Research -
Dimensions of marital roles in consumer decision-making, dimensões dos papéis
conjugais na decisão de consumo. O estudo classificava papéis distintos para cada
membro da família nas decisões de consumo como o do marido nas compras de
automóvel e televisão, da esposa, na compra de máquina de lavar e utensílios de cozinha
e de ambos, na decisão de férias, moradia e diversão. As crianças não apareciam e não
demonstravam ter relevância para os estudos sobre grupo de referência e seu papel no
processo de decisão de consumo.

Nos anos 80, as crianças começam a aparecer nas análises e estudos o sobre a
participação no processo de decisão de consumo. Gade (1980, p.108), questiona que:

Quanto ao papel da criança no consumo infantil e nas decisões de compra, em


geral existem controvérsias sobre a forma com que a criança escolhe o produto
que deseja e sobre se tem influência na decisão dos pais se esta influência é
passiva no sentido de que a mãe compra vários produtos até descobrir aquele
que é do agrado dos filhos, por exemplo, ou até a participação ativa na qual a
criança é inquirida a respeito da sua preferência ou ainda se tem livre escolha e
dinheiro para gastar.
Sobre influência do estudo do sociólogo americano David Reisman, autor do
consagrado livro dos anos 50 – The Lonely Crowd (A multidão solitária), Gade
aprofunda seus estudos sobre o papel das crianças no processo de decisão de compra.
Esses estudos começam a identificar as crianças como, nas palavras de Reisman (apud
Gade 1980, p.112) “trainee de consumo”, “quem é criança hoje é o consumidor de
amanhã”, “são trainees uma vez que, através do sistema de vendas, são treinados
consumidores que não questionam, não pensam e não criticam”.

O consumidor de uma forma geral não mais é inerte às ações das empresas assim
como os consumidores infantis não se calam às imposições apresentadas, manifestam-se
e posicionam-se de forma crítica, reivindicando respeito, atenção e honestidade das
empresas na busca das ofertas.

Jaffe (2008, p.42-52) revela e classificam os 10 princípios no marketing para o novo


consumidor, descrevendo que o consumidor de hoje:

1- É inteligente;
2- Está emancipado;
3- É cético;
4- Está ligado;
5- Tem pouco tempo;
6- É exigente;
7- É “desfiel2”;
8- Está sempre acessível;
9- Está à frente na curva;
10- É vingativo.

É possível observar que até este momento as crianças são reflexos das atitudes dos
pais que muitas das vezes utilizavam-se do consumo como recompensa e até mesmo
para oferecer a eles o que os mesmos não tiveram.

A criança aprende a respeito das necessidades básicas com seus pais, aprende
significado simbólico dos bens com seus pares, seu grupo e através da
televisão. (GADE, 1980, p.112).

2
Termo inventado pelo autor retratando “... sou fiel a uma marca ou empresa até que ela me tapeie,
desaponte ou deixe na mão”.
Os pais passaram a contribuir de forma direta com a cultura de consumo das
crianças, que por meio da observação gerou costume, que virou hábito, e esse se
transformou em comportamento. Essas termologias se fundem em uma só característica,
independente de haver uma ordem cronológica para se pensar sobre a origem desses
procedimentos.

Se a cultura é a propulsora desse comportamento, entendê-la passa a ser


pertinente para a cognição deste artigo, como na visão de Sandhusen (1998, p.161) que
define a cultura como “centro complexo de valores e crenças criados pela sociedade,
passada de geração para geração, e reforçada pelas instituições”. Semenik e Bamossy
(1995, p.222) observam que cultura “evolui por meio dos comportamentos, artefatos e
símbolos passados de uma geração para outra dentro de uma sociedade”. Para Kotler
(2004, p.120) cultura é “o principal determinante dos desejos e do comportamento de
uma pessoa”. McCarthy (1997, p.125) endossa que cultura é “um conjunto de crenças,
atitudes e formas de fazer as coisas, assumido por um conjunto razoavelmente
homogêneo de pessoas”.

Sendo assim, Gade (1998, p.205) complementa que a cultura tem sido definida
pela psicologia social e pela antropologia como “o conjunto de elementos materiais e
não materiais, crenças, normas, valores e atitudes que são adotados por determinada
sociedade para regular e facilitar as ações dos seus membros”, ou seja, se o costume é o
uso e prática e o hábito a disposição duradoura adquirida pela repetição frequente de um
ato ou uso, ambas passam a estar intrínsecas assim como a atitude que assume o modo
de proceder ou agir relaciona-se com o comportamento que é o conjunto de atitudes e
reações do indivíduo em face do meio social.

A partir dos anos 90, as crianças já são consideradas influenciadoras de consumo


e passam a ser estudas com destaque, pois começam a interferir e representar
significativamente parte dos resultados das organizações frente ao consumo,
estimulando e aquecendo gradativamente a economia.

As crianças, influenciadas pelos meios de comunicação e grupos de referências,


passam a transpor das suas necessidades básicas ao desejo e esses por sua vez ao
consumo impulsivo.
A criança brasileira atualmente é bastante independente, tem ideias próprias a
respeito de consumo e é conhecedora de produtos, marcas, griffes, sabendo
exatamente o que deseja comprar. A criança brasileira, que constitui um terço
da população, representa um mercado de consumo respeitável, sendo as
crianças decisoras para grande parte das compras e influenciadoras para outro
tanto. (GADE, 1998, p.185).

O número de crianças apresentado pelo censo demográfico de 2000, fonte do


IBGE, foi de 32% da população brasileira, já no censo de 2010 esse índice baixou para
28%, numericamente são quase 8 milhões de crianças a menos no raio de ação das
instituições que cientes desta redução buscam novas estratégias para atingir seus
resultados e estimular consumo.

A televisão como mídia de massa é um fator cultural presente no cotidiano da


sociedade brasileira, negligenciada em sua origem como ferramenta de persuasão,
indispensável nos dias atuais como parte do planejamento estratégico de marketing das
empresas, busca consolidar, influenciar e estimular o consumo, principalmente o
infantil.

No passado, o poder da mídia de massa, principalmente o da televisão,


proporcionava um resultado top of mind3 nas crianças de 20 a 50 anúncios veiculados
por ela. O costume que gerou hábito das crianças assistirem incondicionalmente à
televisão já foi alvo de estudo no passado e Linn (2006, p.12) apresenta dados
numéricos do Painel Nacional de Televisores – IBOPE, demonstrando que em 2004
crianças entre 4 a 11 anos assistiam a 4 horas 48 minutos e 54 segundos de televisão por
dia, em 2005 subiu para 4 horas 51 minutos e 19 segundos por dia. O IBOPE revela em
2007 através do mesmo painel que o índice diminuiu para 4 horas, 50 minutos e 11
segundos por dia. Índice que atribui à criança brasileira o primeiro lugar, antes dos
Estados Unidos, em quantidade de tempo em frente a um televisor.

Dados incontestáveis, informações em abundância revelam que a realidade é


uma verdadeira exposição de mensagens, marcas, símbolos, cores, embalagens,
produtos, jingles e serviços, diariamente influenciando no comportamento do
consumidor infantil, transformando necessidades básicas em desejos e modelando
atitudes em consequências avassaladoras na e para a sociedade.

3
Top of mind – marca de produto ou serviço mais lembrado ou conhecido entre todas as marcas citadas
espontaneamente. O mais citado pelo consumidor, ou seja, o primeiro lugar na mente do entrevistado.
O jornal a Folha de S. Paulo4 em seu caderno de ciência publicou em 18 de abril
de 2003, matéria intitulada “Índice de crianças e adolescentes obesos saltou 240% no
Brasil”, isso nos últimos 20 anos, foi a constatação da pesquisa realizada pela Força
Tarefa Latino-Americana de Obesidade que revela, ainda, uma distinção entre as classes
sociais informando que as crianças obesas estavam mais presentes em escolas
particulares (29%) do que nas escolas públicas (16,9%).

Não era de se duvidar que entre os grandes vilões da obesidade infantil a


televisão aparecesse entre os primeiros lugares, seguida pelos videogames e
computadores.

O papel da família na educação para o consumo das crianças nos dias atuais é
muito mais significativo e responsável do que no passado. As consequências dos atos
ora negligenciados pela família colaboram diretamente na educação para um consumo
impulsivo do público infantil. A família e a sociedade são consequência uma da outra,
os costumes e hábitos de uma família tratados na sociedade proporcionam dimensões e
alterações periódicas, influenciando grupos de referências primários e secundários,
assim como modificando atitudes e formando novos comportamentos.

Na visão do Estado, a Constituição Federal de 1988 5 em seu capítulo VII


referente à família, à criança, ao adolescente e ao idoso, no art. 226 foca a família como
base da sociedade, com especial atenção do Estado. Em uma visão mais mercadológica,
o IBGE6 define e classifica família como conjunto de pessoas ligadas por laços de
parentesco, dependência doméstica ou normas de convivência, todas residentes na
mesma casa, podendo ser classificadas em família unipessoal e conviventes, em que a
primeira são pessoas que moram sozinhas em uma casa e a última aquela composta por,
no mínimo, duas pessoas cada uma que residem na mesma unidade domiciliar
(domicílio particular ou unidade de habitação em domicílio coletivo).

Dessa forma, a família constituída por cultura e subculturas educa e promove o


consumo, a transformação e a mudança do foco das necessidades básicas para o
supérfluo são atitudes inerentes ao ser humano que visualizam em seus pares o status e

4
Pesquisa completa disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u8891.shtml
5
Constituição Federal de 1988 completa disponível em:
http://www.senado.gov.br/legislacao/const/con1988/CON1988_05.10.1988
6
Conceito de Família Teen – IBGE disponível em
http://www.ibge.gov.br/ibgeteen/glossario/familia_definicao.html
o prazer no consumo acima de sua vontade assim como aponta Veblen (1987, p.15) na
emulação pecuniária7, como uma comparação invejosa entre os consumidores na
sociedade, gerando concorrência entre si e refletindo o gosto de quem pode consumir
mais.

Na quantificação do consumo, o que é necessário para um pode não ser para o


outro e o que é desnecessário para um, pode não ser para o outro, trata-se da prática e da
utilização do termo supérfluo, pois as classes sociais proporcionam entendimento,
necessidade e utilização distinta para essa palavra.

Como aponta Veblen (1987, p.47), o:

Emprego do termo supérfluo é de certa forma infeliz. Tal como é empregado


na vida cotidiana, traz um timbre de condenação. É usado aqui por falta de um
termo melhor que descreve adequadamente a mesma série de motivos e
fenômenos, e não deve ser tomado num sentido odioso, como se implicasse um
dispêndio ilegítimo de produtos ou da vida humana.

Em conformidade a isso, destaca-se que:

Com exceção do instinto de autopreservação, a propensão para a competição é


provavelmente o mais forte, alerta e persistente dos motivos econômicos.
Numa comunidade industrial, essa propensão para a competição se exprime na
concorrência pecuniária, e isso, no que se refere às comunidades civilizadas
ocidentais da atualidade, é virtualmente equivalente a sua expressão em alguma
forma de desperdício conspícuo8. (VEBLEN, 1987, p. 52).

O mercado passa a representar o cenário de unificação e prática do consumo


pelas famílias e as crianças, mediante as exposições, hábitos e comportamentos dos
adultos, modelam e praticam a nova sociedade consumista. Essa prática tende a oferecer
prazeres e recompensas sobrepondo-se aos reais interesses e necessidades do
consumidor que a torna gradativamente viciosa, prazerosa e espetacular.

Como aborda Galindo (2007, p.2):

Sem dúvida alguma estamos inseridos na sociedade do espetáculo, quer seja no


espaço regional ou no espaço global, afinal não é o espaço que delimita o
comportamento imagético e diferenciador. DEBORD (1997) correlaciona a
sociedade de consumo e o suporte midiático das comunicações de massa como
variáveis que possibilitam a esta mesma sociedade sua transformação na
“sociedade do espetáculo”, ou melhor, segundo o autor, o espetáculo torna-se a

7
Similar à comparação invejosa/odiosa.
8
Relacionado a ilustre, notável, respeitável.
forma de ser da sociedade de consumo, pois o espetáculo consiste na
multiplicação de ícones e imagens, principalmente através dos meios de
comunicação de massa, mas também dos rituais políticos, religiosos e hábitos
de consumo, de tudo aquilo que falta a vida real do homem comum:
celebridades, atores, políticos, personalidades, gurus, mensagens publicitárias –
tudo transmite uma sensação de permanente aventura, felicidade, grandiosidade
e ousadia.

Delineado o papel da família na construção do processo de educação para o


consumo e a inclusão das crianças neste círculo, constatando a enorme participação do
eixo cultural nesta realidade, é oportuno declinarmos para o papel da sociedade no
processo de consumo.

Sociedade e Consumo Infantil

Apropriando a origem etimológica da palavra “caleidoscópio” empregado por


GALINDO (2007, p.6) palavra de origem grega = Kalós(belo), eidos(forma) e
Skopeîn(olhar), é uma bela forma de olhar para a sociedade de consumo.

A sociedade, que é um conjunto de pessoas que vivem em certa faixa de tempo e


de espaço, seguindo normas comuns, e que unidas pelo sentimento de consciência do
grupo busca através do mercado o consumo, que é caracterizado pela satisfação das
necessidades humanas por meio de produtos e/ou serviços.

A unificação dos conceitos em prática mercadológica reproduz a incansável e


inesgotável prática de planejar ações constantes e revitalizadas, momento a momento,
procurando superar a todo instante as estratégias que até então não reproduziram efeitos
almejados.

O mercado passa a ser utilizado pelo consumidor como ponto de referência para
a prática de troca, compra, venda, produção, consumo e negócios de uma forma geral e
o consumidor infantil surge como neófito neste mercado. Para esse inexperiente
consumidor dentro de um ávido e experiente mercado a barganha é o maior desafio,
pois como aponta Jeffe (2008), o novo consumidor é inteligente, cético e tem pouco
tempo na busca pela satisfação e se tornará vingativo caso seja ludibriado pelo sistema.
Da satisfação à insatisfação, do útil ao inútil, o novo consumidor processa rápido
e descarta mais rápido ainda os produtos e serviços que não demonstram
compatibilidade no meio em que vivem, principalmente entre o seu grupo.

Como aponto Galindo (2012)9:

Na maioria das vezes, os processos de troca estão associados à ideia de passos


inúteis e insensatos, potencializados pela sugestão de que um lado há cidadãos
indefesos e, de outro, um poderoso exército a usar de todos os artifícios para
induzi-los a adquirir não só o que precisam, mas principalmente o que é
absolutamente dispensável.

E complementa que:

Esta visão simplista desconsidera que os processos de troca remontam aos


primórdios da humanidade e devem ser percebidas não como simples ações
para aquisição de bens, mas principalmente, como uma manifestação social e
cultural de um povo10.

É no complexo cenário de mercado que as práticas de consumo esboçadas pelo


novo consumidor infantil, articulado pela herança cultural, encontra, transform e
contempla a restaurada sociedade de consumo. Os vícios adquiridos através dos adultos,
consumindo produtos e serviços desregradamente além do necessário é característica
assumida e presente nas atitudes do consumidor infantil.

Baudrillard (2008, p.18), observar que,

O consumo invade toda a vida em que todas as atividades se encadeiam do


mesmo modo combinatório, em que o canal das satisfações se encontra
previamente traçado hora a hora, em que o envolvimento é total, inteiramente
climatizado, organizado, culturalizado.

A sociedade sensata anseia por limites e entende que o desejo suprido


momentaneamente e em excesso gerará insucesso e frustrações do jovem consumidor
do amanhã.

O lugar de consumo é a vida cotidiana. Esta não é apenas a soma dos fatos e
gestos, a dimensão da banalidade e da repetição, é um sistema de interpretação.
(BAUDRILLARD, 2008, p. 26).

9
Material de aula (Março/2012) produzido pela disciplina Comunicação e Consumo: uma abordagem
Multidisciplinar, prof. Dr. Daniel Galindo para o programa de Pós-Graduação da UMESP
10
Ibdem.
A visão míope do consumidor infantil em não atribuir o real valor ao bem
adquirido e a velocidade com que surgem novas ofertas, banaliza o cenário de
satisfação. A educação na forma de orientação é um caminho e uma tentativa em alertar
as consequências já sentidas pela sociedade de consumo infantil.

Todas as sociedades desperdiçaram, dilapidaram, gastaram e consumiram


sempre além do estrito necessário, pela simples razão de que é no consumo do
excedente e do supérfluo que tanto o indivíduo como a sociedade, se sentem
não só existir, mas viver. Tal consumo pode chegar até a consumição.
(BAUDRILLAR, 2008, p.40).

O consumidor moderno já demonstra sinais de consumição em uma sociedade de


vícios. O stress diário somado à ausência de tempo, à limitada situação financeira, ao
caótico trânsito, à intolerância, à corrupção, às lotações dos shoppings, as filas nos
bancos, articuladas às estratégias comerciais com as datas sazonais, dias das mães, dos
pais, dos namorados, das crianças, do natal estabelecem o ciclo vicioso da sociedade de
consumo, em que a criança alheia às questões financeiras não compreendem a realidade
da negação e responde com inconformidade.

É necessário rever procedimentos, atos e atitudes, pois a sociedade não deve ser
refém do indivíduo, o indivíduo criança ou adolescente é que precisa agregar-se à
sociedade, proporcionando consumo consciente e necessário, percebendo e
compreendendo o que é ideal e o que é desnecessário para a justa satisfação.

Diferenciar-se equivale sempre a instaurar a ordem total das diferenças, que


constitui sem mais o fato da sociedade total e ultrapassa inelutavelmente o
indivíduo. Ao distinguir-se na ordem das diferenças, o indivíduo restabelece-a,
condenando-se, portanto, a inscrever-se nela só de modo relativo.
(BAUDRILLARD, 1998, p, 67).

O consumidor infantil perante a convivência e hábitos observados na


insaciabilidade do consumo se vê de forma inelutável e amadurece na crença de que o
consumo é hedônico, segundo Lukás (apud Campbell, 2001, p.57) no mundo moderno,
a produção do consumo se torna mais importante do que o consumo da produção.

E restaura no formato histórico de sua origem, caracterizando que:


...o comportamento do consumidor contemporâneo, que tem como
características marcantes a insaciabilidade, foi fortemente influenciado pelo
movimento romântico do século XVIII, e está diretamente relacionada ao que
chamou de hedoismo imaginário, segundo ele um exercício cotidiano de
imaginação através do qual se pode viver sensações fantasiosas de prazer
(CAMPBELL, 2001, p.130).

Campbell apresenta uma justificativa entre as atitudes e práticas insaciáveis do


consumo caracterizando que a busca pelo novo e a necessidade em experimentar é fruto
da imaginação e não deve ser simplesmente rotulado como uma necessidade material.
Essa prática constante revela-se como um poderoso elemento de dominação social em
que o sucesso e o insucesso, a satisfação e a insatisfação caminham lado a lado na
sociedade moderna. A criança não fica imune a este processo com uma mente mais
livre. A imaginação é a mais promissora consumidora impulsiva da sociedade de
consumo moderna.

Os prazeres perfeitos proporcionados por devaneio e ilusões não podem ser


encontrados na realidade, o que faz com que depois de certo tempo cesse o
poder de satisfação gerado pela aquisição de um bem. A desilusão explica
como o necessitar se extingue tão depressa e, como as pessoas se desfazem dos
bens tão rapidamente como os adquiriram para novamente se aventurarem na
busca de novos bens que imaginaram serem capazes de suprir seus anseios.
(CAMPBELL, 2001, p.131).

A evolução da sociedade de consumo através dos tempos demonstram visões e


extensões de pensamentos proeminentes à pratica e à realidade atual. Veblen estabelece
padrões e hábitos de vida na tentativa de compreender a dinâmica social, Baudrillard
ampara-se nos princípios da realidade construída buscando relação entre o papel da
realidade virtual e a comunicação de massa. Campbell endossa o consumo autoilusivo
àquele que nunca se concretiza e padroniza a busca insana pela satisfação é pertinente
incluir neste cenário o pensamento de Bauman articulando a vida para o consumo,
transformando as pessoas em mercadorias. Em uma visão lúcida sobre a realidade da
sociedade de consumo moderna, Bauman descreve a mais simples e racional percepção
sobre o consumo.

Aparentemente o consumo é algo banal, até mesmo trivial. É uma atividade


que fazemos todos os dias.” “...o consumo é uma condição, e um aspecto,
permanente e irremovível, sem limites temporais ou históricos; um elemento
inseparável da sobrevivência biológica que nós humanos compartilhamos com
todos os outros organismos vivos. Visto dessa maneira, o fenômeno do
consumo tem raízes tão antiga quanto os seres vivos – e com toda certeza é
parte permanente e integral de toda as formas de vida conhecidas a partir de
narrativas históricas e relatos etnográficos. (BAUMAN, 2008, p. 37).

A consolidação de todos os pensamentos é demasiadamente esclarecedora na


visão de Barbosa (2004) que faz uma brilhante correlação entre a sociedade de consumo
e a cultura do consumo demonstrando e esclarecendo o quão intrínsecas elas se
apresentam e como uma completa outra.

Sociedade de consumo Cultura de consumo


 Sociedade capitalista e de  Ideologia individualista;
mercado;
 Acumulação de cultura material  Valorização da noção de liberdade
sob a forma de mercadorias e e escolha individual;
serviços;
 Compra como principal forma de  Insaciabilidade;
aquisição de bens e serviços;
 Consumo de massa e para as  Consumo como principal forma de
massas; reprodução e comunicação social;

 Alta taxa de consumo individual;  Cidadania expressa na linguagem


de consumidor;
 Taxa de descarte das mercadorias  Fim da distribuição entre a alta e
quase tão grande quanto a de baixa cultura;
aquisição;
 Consumo de moda (novidade);  Signo como mercadoria;

 Consumidor como um agente  Estetização e comoditização da


social e legalmente reconhecido realidade.
nas transações econômicas.
Fonte: Barbosa (2004, p. 57)
Conclusão

Fazer parte da sociedade de consumo é determinante para sobrevivência de


qualquer ser humano. A participação da criança como influenciadora e decisora no
processo de compra ganhou status no cenário mercadológico de forma gradativa. Na
sociedade moderna, a criança passou a ser instrumento de observação e estudos
específicos, participando ativamente das pesquisas de mercados, sendo ouvida e
proporcionando feedback constante. As organizações sensíveis ao emergente mercado
de consumo infantil passou a dedicar atenção especial na estruturação de seus produtos
e serviços. Com os resultados aparecendo de forma rápida e significativa, as instituições
passaram a investir cada vez mais na captação desse promissor consumidor. A
comunicação de massa tornou-se um canal direto com o consumidor infantil que de
forma persuasiva foi se infiltrando nos lares brasileiros. Com a excessiva exposição às
mídias de massa, as crianças passaram a receber mensagens dirigidas com conteúdos de
fácil assimilação e com isso desenvolveram raciocínio lógico para decodificar essas
mensagens e produzirem apelos e desejos de consumo. Os reflexos dessas práticas na
sociedade de consumo infantil passam a ser preocupantes, pois transpõem os aspectos
sociais, gerando e agravando problemas de saúde, psicossociais, econômicos e
financeiros.

A influência dos adultos sobre as crianças com costumes e hábitos, atitudes e


comportamentos de consumo em abundância, transformou a ingênua necessidade de
consumo infantil em uma insaciável e incontrolável obsessão pelo consumo
compulsivo. Se o pensamento da sociedade de consumo não se voltar para a educação e
orientação do consumo infantil moderado, estará auxiliando para as frustrações do
adulto de amanhã, que tudo pode tudo quer, porém não encontrando satisfação em
nenhuma de suas aquisições e passará a fantasiar prazeres momentâneos no fantástico e
vicioso mundo do consumo.

.
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