You are on page 1of 13

Fundamentos e Fundações:Construindo nossas bases de ação1,2

Para que melhor possamos construir nosso futuro é necessário compreender,

concreta e corretamente nosso presente, através de uma consciência histórica que

seja capaz de verificar as articulações (conexões) existentes entre as práticas e os

saberes da Saúde, com o conjunto de práticas sociais. É necessário estar aberto à

crítica e a revisão de nossos pressupostos teóricos e tecnológicos.

Uma breve visada pelo nosso passado reconhecemos algumas dessas

conexões.

Pelas nossas investigações ‘arqueológicas’, temos a notícia que a fundação de

nossa profissão data de 1917, nos Estados Unidos, quando um arquiteto, um médico e

várias enfermeiras decidiram propor a criação formal de uma profissão, cuja prática já

vinha ocorrendo em vários locais.

Pelas nossas investigações sobre os ‘fundamentos teóricos’ daquela recente

profissão, temos que seus fundadores estipularam as suas bases, orientadas a partir

do Movimento de Reabilitação então em vigor, e sob uma “filosofia norteadora” que

concebia o homem como “um organismo que se automantém e se auto-equilibra no

mundo de realidade, estando em vida e função ativa, isto é, usando, vivendo e agindo

no seu tempo, em harmonia com sua própria natureza e a natureza à sua volta. É o

uso que fazemos de nós mesmos que dá a marca definitiva a todos os nossos

órgãos”. (MEYER, 1922, apud Kielhofner, 1992,p.29)

Pelos nossos estudos epistemológicos, isto é, questionando o alcance, os

valores e os limites sobre as fundamentações teóricas e metodológicas do Modelo

1
Dra. Maria Heloisa da Rocha Medeiros. Terapeuta Ocupacional (USP), Mestre em Filosofia da Educação
(PUCCAMP) e Doutora em Saúde Mental (UNICAMP).
2
Texto produzido para apresentação na Mesa Redonda: “Fundamentos em Terapia Ocupacional”, no X Congresso
Brasileiro de Terapia Ocupacional, Goiânia, GO, maio 2007.

1
fundador desta profissão, temos notícias de algo semelhante ocorrido há um século

antes, no Modelo de Tratamento Moral proposto inicialmente por Pinel na França, e

implementado por outros tantos expoentes médicos em várias partes da Europa e das

Américas dos séculos XVIII e início do séc. XIX. Após quase um século de desuso,

esse Modelo parece ter ressurgido como uma forma de reação aos maus passos, isto

é, às conseqüências desastrosas que o Modelo organicista (predominante no séc.

XIX e início do séc. XX) apresentava à sociedade.

Pois bem, o que aprendemos com estas investigações? Que a História não é

uma sucessão linear de fatos naturais evolutivos, mas sim ao contrário – que tais fatos

resultam de conquistas, de rupturas, de acomodações, revoluções e transformações,

científicas, sociais, políticas, religiosas... Tanto no modo de ser e fazer, como no modo

de pensar e conhecer, cada contexto corresponde a não apenas uma, mas a várias e

diferentes visões de mundos humanos e sociais, e a várias e diferentes instituições,

organizações e produções humanas e sociais. O que pudemos constatar também, é

que em determinado tempo e local predominam determinadas idéias, que norteiam

(fundamentam) as políticas, o modo de trabalho, as relações humanas, o modo como

tratar a natureza...

Também aprendemos que as idéias, ou seja, o conhecimento sobre a realidade

é resultante direto do Método de investigação utilizado, e que eles partem, por sua

vez, de um pressuposto teórico ou de um determinado Modelo de explicação dessa

mesma realidade.

O conhecimento produzido, e que dá a sustentação para nossas ações

cotidianas, é visto e revisto constantemente, é acrescentado, rejeitado, reformulado,

nos impulsionando para um novo patamar... Quando pensamos que sabemos tudo a

respeito da realidade, isto é, sobre nós mesmos, sobre o mundo em que vivemos,

2
(sobre o planeta, sobre o Universo), mais nos surpreendemos com as novas teorias

advindas de vários Campos de Saber, que nos indicam o quão equivocado ou parcial

era o conhecimento sobre a mesma realidade que hoje podemos conhecer de outra

perspectiva.

Bem, por que retomar este assunto novamente? O que isso tudo interessa

atualmente para a Terapia Ocupacional? E como isso nos afeta ?

Porque, como profissionais, também somos seres de conhecimento, de idéias!

E por isso somos responsáveis pelos rumos desta vida. A minha proposta é que os

terapeutas ocupacionais se façam pensadores e construtores de seus caminhos como

trabalhadores da Saúde, identificando os valores subjacentes às suas práticas e

optando por eles critica e conscientemente.

Para que serve a Terapia Ocupacional? Para ajudar as pessoas a terem

condições de exercerem e usufruírem todo seu potencial humano: físico/biológico,

mental/emocional, social e cultural!

E para que serve o conhecimento? Para nos conectar com o mundo, com as

pessoas, para ‘fazer parte’. Quando eu sei das coisas, eu me aproximo delas, eu me

incluo, eu as incluo...

O conhecimento já produzido nos ensina uma ou várias possibilidades de nos

conectarmos: quanto mais e diferentes conhecimentos temos, mais conexões fazemos

com as coisas, com as pessoas, conosco mesmo.

Esta é uma forma de nos humanizarmos, de nos sociabilizarmos, de nos

tornarmos seres culturais, históricos. Além do quê, é a fonte de prazer mais

genuinamente humana que existe!! Sobre eles construímos nossa maneira de viver,

de trabalhar, de falar, de nos relacionar. Podemos dizer que eles nos dão o substrato

para construímos nossos modelos de agir no mundo.

3
Porém o fascínio cego por um dado e único conhecimento nos faz cometer

enganos, erros terríveis, até mesmo para com a nossa humanização, pois nos faz crer

que através dele podemos dominar, controlar e usar a realidade ao nosso bel prazer.

É o que nos denuncia a ‘Pós Modernidade’: “Então criamos um mundo do qual agora,

não estamos mais dando conta. É a ‘criatura’ se voltando contra o ‘criador’ que é ela

mesma”. (As devastações ecológicas planetária, incluindo as do campo social e do

domínio mental).

No campo da Terapia Ocupacional isso pode ser identificado nas críticas que

fazemos aos “modelos reducionistas’, como diz Kielhofner, ou aos” modelos de

exercícios “, como diz Berenice Francisco. Vemos então, que fazemos parte do

mesmo momento histórico e de pensamento, em que somos convidados a contribuir

para a superação, transcendência desta situação danosa. E como fazer?”.

Nossos filósofos indicam que, para alterarmos esta situação, são necessários

um esforço e uma decisão intelectual: em primeiro lugar, tomar consciência do

paradigma, isto é, do Modelo que está no subterrâneo de nossa vida cotidiana e

profissional, para identificarmos seus efeitos em nossas ações, seus limites e suas

incongruências, e, em segundo lugar, procurar novas referências para produzirmos as

mudanças necessárias em nossas vidas e campos de atuação.

Pois bem, que Paradigma é esse? Com certeza, trazemos como herança em

nossa vida cotidiana, vários dos princípios da Ciência Moderna. Esta (desde

Descartes, séc XVII, Bacon, etc) introduziu alguns padrões ou critérios para buscar o

conhecimento da realidade, partindo, inicialmente de separar bem as diversas esferas

da realidade: corpo e mente, matéria e espírito. Nada de confundi-los! “E aí,

concentrar-se no conhecimento dos seus vários aspectos, considerando aqueles

4
capazes de serem percebidos pelos sentidos e pela razão”.(FURLAN, p 42) Eis a

pedra fundamental da Ciência Moderna.

Sua Metodologia propõe a eliminação do sujeito (histórico, social) que conhece,

isto é, “O sujeito do conhecimento deve, segundo Descartes, livrar-se de todo

preconceito e prevenção e, segundo Bacon, afastar todos os ídolos e assim, conforme

os dois, garantir a distância necessária para melhor conhecer o universo. E, deste

lugar isento, buscar as relações de causa e efeito entre os fenômenos” (ibidem).

Nasce aí a crença na neutralidade científica, fator que mais dá crédito aos seus

resultados e os tornam inquestionáveis!!!

Não há dúvida que o desenvolvimento das ciências, a partir daí, trouxe

contribuições exemplares para a dissecação da realidade nas suas partes

componentes. A fragmentação do saber em múltiplas disciplinas possibilitou um

conhecimento sem precedentes no mundo, sendo captado pelos recursos teóricos,

lógicos e metodológicos estipulados e disponíveis então. Penetramos profundamente

nos seus mais diversos reinos, mas obtivemos também efeito contrário: perdemos a

“liga”, ou seja, a capacidade de articulação. A obsessão em separar foi mais forte que

a necessidade de encontrar correlações e inter-relações.

A concepção de mundo (universo) que acompanha este processo é a de que

ele se reduz a uma grande máquina, formada por peças separadas, cada uma

desempenhando funções específicas, mantendo relações de causalidade entre si.

Observemos que este Modelo teórico utiliza a linguagem da física mecânica em

suas metáforas, e servem para compreender um funcionamento, por exemplo:

coração = bomba; corpo = máquina; Cosmo (tempo) = relógio. Como diz um outro

autor “Os modos de dizer proferem os modos de conhecer..... A linguagem diz quem é

quem”. (Buzzi, 1979:191)

5
Para acompanhar esse nosso processo investigativo, é importante explicitar

que também consideramos Modelo teórico como sendo um conjunto de pressupostos

sobre um objeto ou sistema. Ele é um “mapa” que construímos sobre a realidade. Mas

o mapa não é o território! A ciência também é um modo de conhecer a realidade. A

ciência não é um conhecimento certo ou infalível, e NEM as teorias científicas são o

reflexo do real. Portanto a discussão sobre os fundamentos de uma ciência (ou de

uma profissão) é sempre um processo longo, não linear, complexo, e cheio de

contradições. (é preciso coragem!)

E sobre os Modelos de TO?

Os Modelos, criados e seguidos pela Terapia Ocupacional, contém lógicas

que lhes dão coesão, e pressupostos teóricos que lhes dão filiação, ou bases. Eles

seguem um mesmo padrão de raciocínio, que permite criar diferentes possibilidades

dentro deles.

Assim, com o mesmo pressuposto, por exemplo, de que o nosso corpo seja

uma máquina, imaginamos que o coração seja uma bomba, que os nervos sejam fios

condutores, que nossos ossos e articulações sejam engrenagens , que a sociedade

seja uma grande indústria ou empresa. E, com isso em mente eu ajo sobre este corpo,

incremento seus mecanismos, ‘lubrifico-o’ para que não enferruje, exploro-o e faço

adaptações para que melhor produza, etc... Enfim, crio meus Métodos de tratamento,

escolho atividades condizentes, invento dispositivos facilitadores e estimulantes

daquilo que eu compreendo como sendo o comportamento (a engrenagem) ou o

problema a ser tratado.

Ao examinarmos os Modelos teóricos e práticos assumidos ao longo das

trajetórias percorridas pela Terapia Ocupacional podemos perceber que têm sido

diversos, bonitos, eficazes, adequados, contraditórios e até mesmo antagônicos, e que

6
a sua instituição teve origens e motivações distintas nos diferentes países onde ela se

faz presente.

Do mesmo modo, ao analisarmos historicamente o próprio conceito de Saúde

podemos observar que ele também se altera de tempos em tempos, em função de

uma lógica social e, com isso, também se alteram os pressupostos e as práticas das

diferentes profissões da Saúde. Ou seja, alteram-se as sustentações epistemológicas,

as fundamentações teóricas e os modos de intervenção (Modelos) destas profissões

conforme mudam os valores e as configurações dos poderes nos contextos em que

elas estão inseridas. Os poderes políticos têm enorme influência sobre isso tudo,

embora, aparentemente pareça não ter nada a ver.

É que, a partir das políticas públicas adotadas num país, estado ou município,

temos reforçado, com a força de Lei, a lógica orientadora das ações de Saúde, que

serão privilegiadas, incentivadas e implementadas, conforme se ajustem ao Modelo

teórico, econômico e tecnológico subjacente a essa política. (É por isso que temos que

ter consciência política enquanto profissional!).

A respeito de como criamos critérios que selecionam nosso olhar para a

realidade, Foucault afirma que, o que chamamos de ‘ordem’, se define a partir de

critérios que formam o pano de fundo de uma cultura. É a Chamada ‘episteme’ que,

em cada época, possibilita o surgimento e desaparecimento de explicações e teorias.

(FOUCAULT, 1992, passim).

Sobre isso MORIN acrescenta, dizendo que não há apenas uma episteme em

cada época. Prefere afirmar que “os indivíduos conhecem, pensam e agem segundo

os paradigmas inscritos culturalmente neles. Os sistemas de idéias são radicalmente

organizados em virtude dos paradigmas”. (MORIN: 1992:188)

7
Isso nos ajuda a melhor buscar e compreender os sistemas de idéias

fundamentais: o como e o porquê ocorrem os processos de criação e de

transformações do Saber e do agir em TO.

É necessário retomar a história da TO, mas buscando identificar as conexões

existentes entre a história da produção do seu conhecimento, e os contextos sociais,

políticos e culturais, para lhes desvendar os paradigmas subjacentes.

Devemos investigar também as instituições onde trabalhamos, o modelo

clínico que escolhemos, e as implicações sociais deste nosso fazer, tanto para o

paciente em particular, como para sua comunidade ou grupo social.

Rever nossos paradigmas é rever nossas percepções e nossos

conceitos de mundo...

Já nos referimos ao Movimento de Reabilitação do início do séc. XX como

tendo sido o principal dispositivo detonador da criação de uma nova profissão (a TO) e

de um modo específico de proceder. Já lhe reconhecemos o contexto histórico –

político (2ª. Guerra Mundial, USA e paises de língua inglesa), o referencial do

conhecimento (teórico, científico e tecnológico mecanicista) e a sua base filosófica

humanista.

Reconhecemos que mais tarde houve a implementação e um predomínio de

modelos ainda mais mecanicista, respondendo à lógica de uma ideologia ainda mais

tecnicista, que se estendia por toda a vida social e de trabalho. As divisões da

atuação profissional por “áreas”, corresponderam ao Método científico preponderante,

que acreditava que o todo era a somatória das partes, e assim, só conhecendo cada

vez mais de cada vez menos, e atuando em cada parte, era possível se atingir um

bom resultado. E assim criamos a Terapia Ocupacional da área física, da área mental

8
e da área social, e entre elas surgiram discordâncias e coexistências de modelos de

atuação.

Sobre nossa história local, podemos citar o já clássico livro da Lea Teixeira
Soares: “Terapia Ocupacional: lógica do capital ou do trabalho?”, que analisa, com
primor, a instituição e os contextos de sua inserção.

... Revermos nossos paradigmas...

A palavra PARADIGMA (do grego) significa padrão ou modelo. Já vimos que

um modelo é algo que nos auxilia a compreender uma realidade, mas ele não é a

realidade. No entanto, concordando com MORIN, “os individuas conhecem, pensam e

agem segundo os paradigmas inscritos culturalmente neles. Os sistemas de idéias são

radicalmente organizados em virtude dos paradigmas.” (MORIN: 1992:188)

“Criamos o mundo que percebemos, não porque não exista uma realidade fora

de nossas cabeças, (...) mas porque selecionamos e remodelamos a realidade que

vemos para conformá-la às nossas crenças sobre o tipo de mundo em que vivemos.”

(Engels, Marx in: Bateson, 1976:7).

“Cremos ver a realidade; em realidade vemos o que o paradigma nos pede

para ver e ocultamos o que o paradigma nos impõe a não ver.” (MORIN,

1996:276). ...”Separamos um objeto de seu ambiente, isolamos um objeto em relação

ao observador que o observa” (MORIN, 1996: 275)...E o nosso saber se torna doente,

patológico, e vivemos o obscurantismo científico...

Ken Wilber vai mais longe quando afirma: “Diferentes cosmovisões criam

diferentes mundos, representam diferentes mundos, eles não são apenas o mesmo

mundo visto de forma diferente” (KEN WILBER: 2006:79).

Pelo que foi apontado por esses pensadores, a crise atual, que envolve os

fundamentos (bases, fundações) do conhecimento e das práticas, é a de percepção


9
da realidade – Portanto a proposta é perceber a percepção para que possamos

transcendê-la, e ir para a segunda etapa: Buscar novos referenciais...

Para isso é necessária uma tarefa difícil: desejar aprender a aprender a ver.

Esvaziar para ver... Abrir mão do conhecimento para curar a cegueira.

(e o medo da perda do controle?) O pior de tudo é não ver que não vemos. Eis

aí a ignorância fundamental! “Tu não podes ver o que não podes explicar! Trata de

esquecer tuas explicações e começarás a ver”. (Von Foerster, 1996)

“Sem transformação das mentalidades e dos hábitos coletivos haverá apenas

medidas ilusórias relativas ao meio material”.(Guattarri, 1992:173) Caosmose.

É preciso que vivamos este momento de crise como necessário para a

invenção de outras possibilidades de pensar, sentir e agir. “O melhor é a criação, a

invenção de novos Universos de referência; o pior é a massa-midialização

embrutecedora, à qual são condenados hoje em dia milhares de indivíduos” (Guattarri,

1992:16).

Voltando a nos perguntar sobre os perfis necessários e desejados dos

terapeutas ocupacionais para o momento atual e futuro, e quais são as

ferramentas que podem nos ajudar a arriscar inventar um novo jeito de ser e fazer

Terapia Ocupacional temos algumas dicas.

Um recente artigo da Roseli Esquerdo Lopes: “Terapia Ocupacional – um

percurso singular e geral”, publicado na revista da UFSCar em 2006, e vários outros

livros e relatos de experiências inovadoras no âmbito das práticas da Saúde Mental,

da inclusão social (entre tantas outras que já estão à nossa disposição! (Que

maravilha!)) nos mostram, de alguma maneira, os diferentes momentos de inserção

deste profissional no Brasil, e os diferentes recortes e alinhavos teóricos que fizemos

1
ao participar das transformações e das criações de novos Modelos de atenção à

Saúde.

A Terapia Ocupacional mudou, ou foram os terapeutas ocupacionais?

“Tais mutações da subjetividade não funcionam apenas no registro das

ideologias, mas no próprio coração dos indivíduos, em sua maneira de perceber o

mundo, de se articular como tecido urbano, com os processos maquínicos do

trabalho, com a ordem social suporte dessas forças produtivas. E se é verdade, não é

utópico considerar que uma revolução, uma mudança social em nível macropolítico,

macrossocial, diz respeito também à questão da produção da subjetividade, o que

deverá ser levado em conta pelos movimentos de emancipação”. (Guattarri, 1986:26 –

Micropolítica).

Atentando para a necessidade da organização paradigmática na produção de

qualquer conhecimento, devemos buscar as referências que possibilitem abranger e

incluir a complexidade dinâmica das nossas relações no mundo a fim de

construirmos nossos Modelos em TO. (se forem necessários)

O pensamento da complexidade de MORIN tem sido apontado como um

grande aliado neste processo de superação do velho Paradigma, e pode ser resumido

na seguinte frase: distinguir sem desajuntar, ligar sem misturar.

“O objetivo do conhecimento não é descobrir o segredo do mundo, ou a

equação chave, mas dialogar com o mundo”.(MORIN: s/d (1): 78)... Não é o domínio

sobre o mundo, mas um movimento que sempre comporta incertezas, ambigüidades e

antagonismos .

Isso nos ensina que devemos em primeiro lugar escutar. De preferência sem

tanta auto–referência!!! Ou, pelo menos, que possamos ter várias referências

conhecidas para melhor acolher o outro na sua singularidade. Considerar todos os

1
contextos: internos e externos, individuais e coletivos. Melhor ainda é estarmos aberto

ao aprendizado, e sem a competitividade que nos é imposta, tanto externa como

internamente, com o fato de ‘ter que saber’ com antecedência, uma receita eficaz para

cada ‘anomalia’ física, de comportamento, etc...

Galletti nos indica, em suas reflexões sobre as experiências em Oficina em

Saúde Mental, que não dá para separar domínios ou áreas, ou especificidades

profissionais na atenção à Saúde. Pois é na transversalidade, tudo no mesmo

espaço e tempo, que está a realidade. (Galletti:2004)

O filme “Quem somos nós”, nos reforça o que Guattarri já nos ensinou, quando

diz que “O todo é uma invenção; o que existe são partes infinitas. O todo é uma nova

parte que se acrescenta a outras partes. Somos parte da realidade, porém a

pensamos apenas nos termos de suas possibilidades e impossibilidades. O possível é

o que se inscreve nos padrões dominantes e o impossível o que escapa deles.” No

entanto “O sujeito não é evidente: não basta pensar para ser”. Ao invés de

sujeitos, propõe que se fale em componentes de subjetivação: todos convivendo

sem que haja um no comando dos outros. “Assim, a interioridade se instaura no

cruzamento de múltiplos componentes relativamente autônomos uns em relação aos

outros e, se for o caso, francamente discordantes”. (Guattarri, 1990:18)

Referências Bibliográficas

Filme: “Quem somos nós”, Captured Light & Lord of the Wind films, LCC. Distribuição
exclusive no Brasil: Play Arte Home Video, 2004.
BATESON, G. Pasos hacia una ecologia de la mente. B. Aires, México, Ediciones
Carlos Lohlé, 1976.
BUZZI, A.R. Introdução ao pensar. Petrópolis, Vozes, 1979.
FOUCAULT, M. As palavras e as coisas. S. Paulo, Martins Fontes,1992.

1
FURLAN, V.I. Uma nova suavidade e profundidade... O despertar transpessoal e
a (re) educação, Tese de doutorado em Educação, Universidade Estadual de
Campinas, 1998.
GALLETTI, M.C. Oficina em Saúde Mental – instrumento terapêutico ou
intercessor clínico? Goiânia, GO, Editora Universidade de Sorocaba e Editora da
Universidade Católica de Goiás, 2004.
GUATTARRI e ROLNIK. Micropolítica. Cartografia do desejo. Petrópolis, RJ, Vozes,
1986.
GUATTARRI, F. Caosmose. Um novo paradigma estético. RJ, Ed. 34, 1992.
GUATTARRI, F. As três ecologias. Campinas, SP, Papirus, 1990.
GUATTARRI,e DELEUZE, O que é filosofia. S. Paulo, Ed. 34, 1992 (2) 1992.
LOPES R.E. Terapia Ocupacional – um percurso singular e geral. Cadernos de
Terapia Ocupacional da UFSCar, vol.14, 2006.
MEYER, 1922, apud KIELHOFNER, G. Conceptual foundations of occupational
therapy. Philadelphia, F.A. Davis, 1992.
MORIN, E. Epistemologia da complexidade. In SCHNITMAN, D.F. Novos
paradigmas, Cultura e Subjetividade. Porto Alegre, Artes Médicas, 1996.
MORIN, E. O método IV. As idéias: a sua natureza, vida, habitat e organização.
Portugal, Publicações Europa-América, 1992.
SOARES, L.B.T. Terapia Ocupacional: lógica do capital ou do trabalho? S. Paulo,
HUCITEC, Col. Saúde em Debate, no. 42, 1991.
VON FOERSTER, H. A construção do conhecimento. In SCHNITMAN, D.F. Novos
paradigmas, Cultura e Subjetividade. Porto Alegre, Artes Médicas, (1996).
WILBER, K. Uma breve história do universo – de Buda a Freud, religião e
psicologia unidas pela primeira vez , 3ª. Ed., R. J., Nova Era, 2006

You might also like