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conexões.
nossa profissão data de 1917, nos Estados Unidos, quando um arquiteto, um médico e
várias enfermeiras decidiram propor a criação formal de uma profissão, cuja prática já
profissão, temos que seus fundadores estipularam as suas bases, orientadas a partir
mundo de realidade, estando em vida e função ativa, isto é, usando, vivendo e agindo
no seu tempo, em harmonia com sua própria natureza e a natureza à sua volta. É o
uso que fazemos de nós mesmos que dá a marca definitiva a todos os nossos
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Dra. Maria Heloisa da Rocha Medeiros. Terapeuta Ocupacional (USP), Mestre em Filosofia da Educação
(PUCCAMP) e Doutora em Saúde Mental (UNICAMP).
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Texto produzido para apresentação na Mesa Redonda: “Fundamentos em Terapia Ocupacional”, no X Congresso
Brasileiro de Terapia Ocupacional, Goiânia, GO, maio 2007.
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fundador desta profissão, temos notícias de algo semelhante ocorrido há um século
implementado por outros tantos expoentes médicos em várias partes da Europa e das
Américas dos séculos XVIII e início do séc. XIX. Após quase um século de desuso,
esse Modelo parece ter ressurgido como uma forma de reação aos maus passos, isto
Pois bem, o que aprendemos com estas investigações? Que a História não é
uma sucessão linear de fatos naturais evolutivos, mas sim ao contrário – que tais fatos
científicas, sociais, políticas, religiosas... Tanto no modo de ser e fazer, como no modo
de pensar e conhecer, cada contexto corresponde a não apenas uma, mas a várias e
tratar a natureza...
é resultante direto do Método de investigação utilizado, e que eles partem, por sua
mesma realidade.
nos impulsionando para um novo patamar... Quando pensamos que sabemos tudo a
respeito da realidade, isto é, sobre nós mesmos, sobre o mundo em que vivemos,
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(sobre o planeta, sobre o Universo), mais nos surpreendemos com as novas teorias
advindas de vários Campos de Saber, que nos indicam o quão equivocado ou parcial
era o conhecimento sobre a mesma realidade que hoje podemos conhecer de outra
perspectiva.
Bem, por que retomar este assunto novamente? O que isso tudo interessa
E por isso somos responsáveis pelos rumos desta vida. A minha proposta é que os
E para que serve o conhecimento? Para nos conectar com o mundo, com as
pessoas, para ‘fazer parte’. Quando eu sei das coisas, eu me aproximo delas, eu me
incluo, eu as incluo...
genuinamente humana que existe!! Sobre eles construímos nossa maneira de viver,
de trabalhar, de falar, de nos relacionar. Podemos dizer que eles nos dão o substrato
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Porém o fascínio cego por um dado e único conhecimento nos faz cometer
enganos, erros terríveis, até mesmo para com a nossa humanização, pois nos faz crer
que através dele podemos dominar, controlar e usar a realidade ao nosso bel prazer.
É o que nos denuncia a ‘Pós Modernidade’: “Então criamos um mundo do qual agora,
não estamos mais dando conta. É a ‘criatura’ se voltando contra o ‘criador’ que é ela
domínio mental).
No campo da Terapia Ocupacional isso pode ser identificado nas críticas que
exercícios “, como diz Berenice Francisco. Vemos então, que fazemos parte do
Nossos filósofos indicam que, para alterarmos esta situação, são necessários
profissional, para identificarmos seus efeitos em nossas ações, seus limites e suas
Pois bem, que Paradigma é esse? Com certeza, trazemos como herança em
nossa vida cotidiana, vários dos princípios da Ciência Moderna. Esta (desde
Descartes, séc XVII, Bacon, etc) introduziu alguns padrões ou critérios para buscar o
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capazes de serem percebidos pelos sentidos e pela razão”.(FURLAN, p 42) Eis a
Nasce aí a crença na neutralidade científica, fator que mais dá crédito aos seus
nos seus mais diversos reinos, mas obtivemos também efeito contrário: perdemos a
“liga”, ou seja, a capacidade de articulação. A obsessão em separar foi mais forte que
ele se reduz a uma grande máquina, formada por peças separadas, cada uma
coração = bomba; corpo = máquina; Cosmo (tempo) = relógio. Como diz um outro
autor “Os modos de dizer proferem os modos de conhecer..... A linguagem diz quem é
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Para acompanhar esse nosso processo investigativo, é importante explicitar
sobre um objeto ou sistema. Ele é um “mapa” que construímos sobre a realidade. Mas
que lhes dão coesão, e pressupostos teóricos que lhes dão filiação, ou bases. Eles
dentro deles.
Assim, com o mesmo pressuposto, por exemplo, de que o nosso corpo seja
uma máquina, imaginamos que o coração seja uma bomba, que os nervos sejam fios
seja uma grande indústria ou empresa. E, com isso em mente eu ajo sobre este corpo,
incremento seus mecanismos, ‘lubrifico-o’ para que não enferruje, exploro-o e faço
adaptações para que melhor produza, etc... Enfim, crio meus Métodos de tratamento,
trajetórias percorridas pela Terapia Ocupacional podemos perceber que têm sido
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a sua instituição teve origens e motivações distintas nos diferentes países onde ela se
faz presente.
uma lógica social e, com isso, também se alteram os pressupostos e as práticas das
elas estão inseridas. Os poderes políticos têm enorme influência sobre isso tudo,
É que, a partir das políticas públicas adotadas num país, estado ou município,
temos reforçado, com a força de Lei, a lógica orientadora das ações de Saúde, que
teórico, econômico e tecnológico subjacente a essa política. (É por isso que temos que
critérios que formam o pano de fundo de uma cultura. É a Chamada ‘episteme’ que,
Sobre isso MORIN acrescenta, dizendo que não há apenas uma episteme em
cada época. Prefere afirmar que “os indivíduos conhecem, pensam e agem segundo
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Isso nos ajuda a melhor buscar e compreender os sistemas de idéias
clínico que escolhemos, e as implicações sociais deste nosso fazer, tanto para o
conceitos de mundo...
tendo sido o principal dispositivo detonador da criação de uma nova profissão (a TO) e
humanista.
modelos ainda mais mecanicista, respondendo à lógica de uma ideologia ainda mais
que acreditava que o todo era a somatória das partes, e assim, só conhecendo cada
vez mais de cada vez menos, e atuando em cada parte, era possível se atingir um
bom resultado. E assim criamos a Terapia Ocupacional da área física, da área mental
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e da área social, e entre elas surgiram discordâncias e coexistências de modelos de
atuação.
Sobre nossa história local, podemos citar o já clássico livro da Lea Teixeira
Soares: “Terapia Ocupacional: lógica do capital ou do trabalho?”, que analisa, com
primor, a instituição e os contextos de sua inserção.
um modelo é algo que nos auxilia a compreender uma realidade, mas ele não é a
“Criamos o mundo que percebemos, não porque não exista uma realidade fora
vemos para conformá-la às nossas crenças sobre o tipo de mundo em que vivemos.”
para ver e ocultamos o que o paradigma nos impõe a não ver.” (MORIN,
ao observador que o observa” (MORIN, 1996: 275)...E o nosso saber se torna doente,
Ken Wilber vai mais longe quando afirma: “Diferentes cosmovisões criam
diferentes mundos, representam diferentes mundos, eles não são apenas o mesmo
Pelo que foi apontado por esses pensadores, a crise atual, que envolve os
Para isso é necessária uma tarefa difícil: desejar aprender a aprender a ver.
(e o medo da perda do controle?) O pior de tudo é não ver que não vemos. Eis
aí a ignorância fundamental! “Tu não podes ver o que não podes explicar! Trata de
1992:16).
ferramentas que podem nos ajudar a arriscar inventar um novo jeito de ser e fazer
da inclusão social (entre tantas outras que já estão à nossa disposição! (Que
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ao participar das transformações e das criações de novos Modelos de atenção à
Saúde.
trabalho, com a ordem social suporte dessas forças produtivas. E se é verdade, não é
utópico considerar que uma revolução, uma mudança social em nível macropolítico,
Micropolítica).
grande aliado neste processo de superação do velho Paradigma, e pode ser resumido
equação chave, mas dialogar com o mundo”.(MORIN: s/d (1): 78)... Não é o domínio
antagonismos .
Isso nos ensina que devemos em primeiro lugar escutar. De preferência sem
tanta auto–referência!!! Ou, pelo menos, que possamos ter várias referências
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contextos: internos e externos, individuais e coletivos. Melhor ainda é estarmos aberto
internamente, com o fato de ‘ter que saber’ com antecedência, uma receita eficaz para
O filme “Quem somos nós”, nos reforça o que Guattarri já nos ensinou, quando
diz que “O todo é uma invenção; o que existe são partes infinitas. O todo é uma nova
entanto “O sujeito não é evidente: não basta pensar para ser”. Ao invés de
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