Professional Documents
Culture Documents
É difícil dentro do actual contexto do mercado laboral encontrar novos argumentos que
convençam os trabalhadores a sindicalizar-se
Alan Stoleroff é sociólogo no ISCTE e estuda há mais de 20 anos o movimento sindical
português, as relações laborais e a política sindical. Tem actualmente em mãos um projecto
de investigação sobre o sindicalismo na função pública, em particular sobre o dos
professores. Para ele, o principal problema dos sindicatos é atrair novos filiados numa
altura em que o medo de perder o emprego e a precariedade são uma realidade cada vez
mais presente no país.
Uma das fraquezas apontadas pelos críticos do movimento sindical português é a sua
dependência dos partidos. Concorda?
Isso seria uma maneira de pôr a questão se acreditássemos que existe um modelo para o
qual as instituições sociais e políticas devem naturalmente evoluir. Não é assim. Os
sindicatos constroem-se através dos conflitos específicos da história de cada país e na
resolução desses conflitos. O sindicalismo espanhol, tendo muitas afinidades com o
sindicalismo português, tem uma história muito diferente desde a democratização do país.
Mas não existe um modelo para o qual tivessem de caminhar. E que modelo seria esse? O
modelo social-democrata da Alemanha e dos países escandinavos? Ou o modelo
economicista do sindicalismo americano, que tem uma grande influência política?
Numa vintena de sindicatos, as estruturas do regime foram substituídas nas direcções. Com
o 25 de Abril essas direcções e os activistas que tinham conhecido a experiência dos anos
40 e sobretudo dos anos 60 vieram a conquistar a liderança das organizações existentes e
mantiveram- -nas basicamente intactas por algum tempo, conseguindo fazer a transição do
antigo regime para a democracia. Isso foi muito importante como ponto de partida para o
sindicalismo português que emergiu dessa época.
O caso mais notável foi o de Carvalho da Silva, que é, em grande medida, um produto da
última fase da ditadura, do 25 de Abril e do PREC. O PCP teve durante algum tempo uma
flexibilidade em relação à CGTP que possivelmente já não terá a partir de agora.
O sindicalismo tem tido um papel muito importante na história política do país, como
movimento social com grande força, que levou os cidadãos a participar nas mudanças que
estavam a acontecer no país. Ao mesmo tempo, o sindicalismo que saiu do PREC não foi o
único veículo de movimentação dos trabalhadores. Não era pacífica, em muitas empresas, a
relação entre o sindicato e as diferentes formas de assembleia dos trabalhadores. Mesmo
assim, os sindicatos tiveram um papel muito importante de apoio aos governos provisórios.
Foi muito importante para Portugal e para a liberdade sindical. Contribuiu para travar as
tendências revolucionárias no país, permitindo o pluralismo. A dinâmica de concorrência e
competição ideológica afectou muito a contratação colectiva, afectou as relações entre
trabalhadores dentro das grandes empresas. A partir do início dos anos 80, a UGT tornou-se
um pilar relevante do regime democrático, com um papel importante na legislação da
Concertação Social, com uma grande influência sobre as relações laborais, enquanto a
CGTP se consolidou como movimento social de contestação.
No início do período de governação de Cavaco Silva, no fim dos anos 80, o movimento
sindical começou a perder gente nas suas fileiras pois houve uma grande mudança na
economia, com o fim da crise anterior, entre 83 e 85. O início do crescimento do país, com
a integração europeia, a maior facilidade de negociação individual dos trabalhadores com
as empresas, as reestruturações e o desaparecimento de emprego em sectores onde havia
tradicionalmente uma presença importante dos sindicatos, bem como a precarização, tudo
isso contribuiu para o decréscimo do número dos sindicalizados.
É preciso cuidado com a ideia de os sindicatos não serem necessários. Sobretudo se o nosso
conceito de sindicato inclui um mercado de trabalho com regulação. Se tivermos uma
ideologia liberal, pensando que teremos melhores efeitos económicos para a
competitividade através da desregulação do mercado de trabalho, então podemos dizer que
os sindicatos não são necessários ou até que são entraves. Mas se entendermos que este
conceito nem é útil nem tem efeitos reais económicos benéficos, é só uma questão
ideológica. Os sindicatos não serão necessários para todas as categorias de trabalhadores.
Há trabalhadores por conta de outrem que têm muitos recursos, individualmente,
especialmente na sua competência, no seu currículo, que lhes permitem negociar
directamente com o empregador e conseguir resultados que os satisfazem. Noutros casos,
os sindicatos são necessários para proteger e promover os interesses legítimos dos
trabalhadores.
Parece-lhe que pode haver trabalhadores que evitem sindicalizar-se por receio de
serem penalizados pelo empregador?
Discutimos muito nos meios sindicais a questão geracional. A dificuldade que os sindicatos
têm de transmitir a mensagem de solidariedade de classe que em gerações anteriores era
entendida de forma quase natural. Os meios de trabalho hoje são muito diferentes dos
meios de trabalho que eram propícios a uma solidariedade de classe. O trabalho urbano, os
serviços, de jovens precários e mulheres, não gera com a mesma naturalidade este
sentimento que existia em comunidades residenciais de trabalhadores industriais, onde
havia uma cultura operária.
Os sindicatos não sabem transmitir aos trabalhadores, quer de novas gerações, quer de
novos grupos sociais que entraram no mercado de trabalho assalariado, a mensagem de
utilidade do sindicalismo.
A liderança sindical tem ainda uma forte influência de pessoas que continuam a pensar que
vivemos a continuidade do pré-25 de Abril, do 25 de Abril, do período de democratização, e
que ainda não interiorizaram – intelectualmente, politicamente, semanticamente – a
transição dos anos 80 e dos anos 90. Deu-se uma mudança na realidade do emprego em
Portugal. Eu próprio sou um produto do século XX em muitos aspectos e também
ideologicamente.
Estamos a viver uma situação que nalguns aspectos recorda o século XIX e XX. Questões
semelhantes que surgem noutros contextos. É a crise de um determinado tipo de economia
e de sociedade, uma crise do capitalismo que implica grandes clivagens sociais. O
problema é que as camadas sociais que fazem parte daquilo que hoje se diz serem os “99%”
não são operários, proletários, e não são canalizáveis para a acção colectiva por
organizações de tipo sindical. Se o movimento sindical continuar a pensar que pode
transformar essa sociedade, quer para regressar à sociedade social-democrata do estado-
providência quer para um novo tipo que rompa com as dinâmicas do capital financeiro, está
a embarcar numa quimera.