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Acesso em: 22 jun. 2012.

Em defesa da democracia indignada: uma réplica a Helena Matos


A dura crítica de Helena Matos do movimento de 'indignados' no Público (13 Out 2011)
será certamente tomada por muita gente como apenas mais uma peça de propaganda na luta
aguda sobre as saídas da crise actual. É e não é.

Por Alan Stoleroff


ARTIGO | 18 OUTUBRO, 2011

Partilho algumas das suas preocupações quanto à 'democracia genuína' e a sua valorização
da democracia representativa e constitucional. Ela diz basicamente que a democracia
legítima deriva das urnas e não da rua. Contudo, o seu argumento parece-me
demasiadamente formalista e unilateral.

Em primeiro lugar, há o problema da abstenção nos actos eleitorais. Pode-se afirmar que a
abstenção é um exercício consciente expressando uma opção livre de participar ou não e,
por isso, não põe uma entrave à legitimação das maiorias constituídas nos actos eleitorais.
Mas isso é um argumento meramente formal e inválido sociologicamente. Existem
dinâmicas de exclusão que produzem uma parte da abstenção e que fazem com que uma
parte substantiva dos abstencionistas na nossa sociedade não a é inteiramente por opção de
livre vontade. Existem dinâmicas de disenfranchisementque operam mesmo sem o
exercício de força.

Assim, em determinados momentos a participação na vida politica do pais ocupa-se de


outros palcos e arenas. Isto é sobretudo o caso de situações em que as clivagens de luta
social são definidas não apenas por programas partidários elaborados para efeitos eleitorais
mas por movimentos de protesto contra poderes instituídos.

Na conjuntura actual de crise do sistema económico e financeiro e da implementação de


programas de austeridade, os próprios poderes instituídos - os poderes reais e não apenas
formalmente constituídos - não possuem mais legitimidade democrática do que os
movimentos de protesto. Não é preciso ser 'marxista' e 'esquerdista', como insinua Helena
Matos, para avançar um argumento sério de que o poder real, que está a definir a crise da
enorme maioria da nossa população, é o poder invisível do sistema financeiro capitalista
globalizado e o poder visível dos homens que controlam as suas instituições e beneficiam
da nossa miséria e insegurança.

Numa situação de crise como a actual, a democracia representativa e constitucional não tem
respostas adequadas para largas camadas da população e até cristaliza alianças políticas de
interesses que actuam com o intuito de resolver a crise em conformidade com as suas
preferências. Estamos numa situação única, de crise do sistema sócio-económico que está a
produzir um conflito profundo entre camadas da população.

Seria desejável que a crise pudesse ser resolvida pelo funcionamento normal das
instituições da democracia representativa e constitucional. O problema é que os mandatos
emergidos de um acto eleitoral podem não ter legitimidade efectiva e absoluta durante todo
o prazo da sua vigência e podem nem sequer ser explícitos no seu conteúdo. Isso é de facto
o caso de todos os últimos governos - que foram eleitos com base em programas eleitorais
que foram contraditos praticamente no dia a seguir a sua tomada de posse. A nossa
democracia representativa e constitucional simplesmente não é transparente. E na
situação actual qual é o mandato que o nosso Governo está a traduzir nas suas politicas
concretas: o mandato dos eleitores ou o entendimento com a troikaconstituída por entidades
alheias e não eleitas? E, enquanto o Governo procura impor as reivindicações da CIP/AIP e
os interesses privados esfomeados pelas migalhas do estado social - fazendo da concertação
um palco para a exibição da sua prepotência anti-laboral e anti-social, aonde poderemos
encontrar a legitimidade democrática?
Helena Matos reflecte com bastante razão sobre os riscos envolvidos em situações em que
existem reclamações antagónicas quanto à legitimidade do poder politico em nome da
democracia 'genuína'. As suas observações com base na história do PREC são relevantes -
mas não neste contexto politico. As clivagens sociais e lutas produzidas pela crise actual
não são bem equivalentes às clivagens ideológicas e políticas do PREC.

É evidente que as manifestações internacionais e no nosso pais foram organizadas por gente
'radical' - entre a qual muitos eventualmente negariam a legitimidade da democracia
representativa e constitucional em detrimento da mobilização da rua. Mas então? Isso é
inteiramente normal - massas de pessoas não convergem espontaneamente a uma hora e
num local sem o apelo de alguém. Todavia, o que caracteriza - pelo menos potencialmente -
as manifestações dos 'indignados' e de 'Occupy Wall St.' nos EUA é, que apesar do
'radicalismo' dos protagonista e das suas palavras de ordem, elas têm encontrado eco e
recepção positiva por grandes massas de pessoas - muitas das quais levadas à politica pela
primeira vez, ou seja, pessoas normalmente passivas e abstencionistas. É o efeito inevitável
desta crise histórica e do transparente desequilíbrio de poder real entre os detentores do
capital financeiro e os seus agentes e a enorme massa das populações.

Teremos que ver quem se manifesta no Sábado. Quem serão eles e elas? Serão apenas os
radicais? Duvido. Irei e não me acho assim tão radical! Mas já agora, acho que os
protagonistas radicais destas movimentações estão a fazer um grande serviço à democracia
- sejam quais forem os seus motivos ideológicos (e espero que não impunham as suas
perspectivas sobre os outros participantes). É que a democracia representativa e
constitucional tende a esvaziar-se em tempos de crise se for apenas um palco de
legitimação dos interesses do capital financeiro globalizado e precisa necessariamente da
inflexão da luta social.

Alan Stoleroff, 13 de Outubro de 2011

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