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ANTROPOLOGIA

O mundo cada vez mais fragmentário é um fato a priori. Essa intensa fragmentação é
que me permite a coexistência de diversas narrativas, disputando-se, atraindo-se,
excluindo-se e somando-se, na busca de fornecer significados e sentido ao mundo eal.
Nós, designers, participamos desse jogo de narrativas, igualmente, buscando extrair
saberes e transformá-los em sentido e significado em narrativas sociais cada vez mais
complexas.
Além de fragmentário, o mundo também se complexifica e se torna mais misteriosos a
cada passo que damos em seu descortinar de sentidos. E novas relações passam a
ser necessárias e desejadas para se chegar a lugares ainda não explorados. Esse é o
caso da parceria que parece ser cada vez mais impossível de evitar entre dois campos
distintos de conhecimento: o design e a antropologia.
Apesar de cada vez mais comum, o campo do design buscar referência em seus
projetos, estudos e pesquisas na abordagem antropológica, ainda é pouco comum a
busca por referência na própria literatura antropológica, produzida a partir da
antropologia. O que, lembra Zoy Anastassakis, nós designers, atuantes no mercado,
alunos e professores, temos investido pouco esforços na configuração de um “diálogo
direto, franco, aberto, com o domínio da antropologia, e sua comunidade de
pensamento” (Anastassakis, 2012).
A fim de contribuir para o enriquecimento dos canais de diálogo que se estabelece
entre os campos do design e o domínio da antropologia, iremos dissertar sobre alguns
conceitos antropológicos, mesmo que de maneira “preliminar e instável”. Alguns
escritos voltados para quem busca se aproximar do universo da antropologia podem
nos ajudar aprofundar as compreensões.
Em Antropologia Para Quem Não Vai Ser Antropológo, Rafael Santos nos conta
que é bastante complicado definir a antropologia pelo(s) seu(s) objeto(s) de estudo”
(Santos, 2005: 19), simplesmente porque “eles são tantos quantas as coisas que
fazemos em sociedade” (2005: idem). Entretanto, essa é uma definição muito
generalista, de modo que Santos propõe continuar “pensando a antropologia como um
conjunto de teorias (nem sempre concordantes) e diferentes métodos e técnicas de
pesquisa que buscam explicar, compreender ou interpretar as mais diversas
práticas dos homens e mulheres em sociedade”.
Outro livro bastante utilizado é Aprender Antropologia, François Laplantine. Neste
escrito o autor define antropologia como uma “reflexão do homem sobre o homem e
sua sociedade”, diferenciando-se, contudo, com o acréscimo mais recente de um
novo interesse que é o “projeto de fundar uma ciência do homem”. Vindo a se
constituir um saber científico, ou pretensamente científico, no século XVIII que desloca
a natureza da condição de objeto de estudo, substituindo-a pelo homem e pela mulher.

O mundo em que nasceu a disciplina já não é o mesmo que hoje ela se faz. Como,
portanto, definir atualmente o que é antropologia? Especialmente que existe uma
grande popularização dos conhecimentos e técnicas oriundas do campo antropológico,
assim como ocorre com a psicanálise, por exemplo?
Uma outra autora brasileira, Mariza Peirano, nos ajuda a pensar essa questão
apontando para um quadro de fragmentação e dispersão da antropologia, que são
características comuns ao meio social em que a disciplina atua:
em um mundo dominado por julgamentos de valor apressados e
maniqueísmos perigosos, a antropologia representa, hoje e ainda, uma possibilidade rara e vali
osa de reflexão sobre fenômenos sociais, um modo de conhecimento que se
caracteriza por levar sempre em conta contexto e comparação, em uma prática continuada
atenta às dimensões da linguagem e da cultura (idem: 08)

Autora continua nos lembrando que a antropologia não está tão distante de nós como
sugere o senso comum. Que ela não se interessa apenas pelo ex - ótico ou o que
está fora, mas também pelo que está dentro e é conhecido, se, pautando, sobretudo,
em torno de “diferenças culturais, sociais e cosmológicas de populações
distintas” (idem), interesse que é conduzido sempre a partir de um desenvolvimento
comprometido com as populações estudadas”. Tornando assim central o interesse em
temas da diversidade e da mediação inter e intracultural, voltando a antropologia a
pensar questões heterogeneidade entre e no interior de grupos sociais, a partir da
construção de pontos de contatos e convivências que se apresentem de forma não-
destrutivas. Essa construção é articulada por diversos atores sócias, podendo ser eles,
inclusive, designers e antropólogos.

Continuando a reflexão, Marcos Antônio Gonçalvez, aponta que apesar da dificuldade


de encontrar uma definição única para um campo tão múltiplo e diverso, existem
elementos que são próprios e distintivos da antropologia, e que elas desaguam n”a
capacidade de buscar semelhanças entre coisas diferentes e desiguais”.
Portanto, “a antropologia se constrói pelo diálogo, conversa, tradução, citação,
interpretação, crítica, num incessante cruzamento de universos conceituais”. E,
desse modo, “a etnografia é a tradução de uma experiência em significado”.

Ocorre, portanto, que de apesar que a etnografia ser produto, por


excelência, da prática antropológica, o campo de domínio da antropologia
não pode se resumir a esse instrumento. De modo que, como nos sugere
Tim Ingold, Antropologia não é etnografia. Esta última como resultado da
tradução da experiência em significado, se faz antropologia no sentindo
em que esse saber angariado é contextualizado e aplicado num campo de
construção crítica e de engajamento construtivo no mundo.

Antropologia como um modo inquisitivo de estar no mundo

O antropólogo inglês Tim Ingold tem dado contribuições em relação ao campo de


relações entre o design e a antropologia. Em sua proposição mais central está a
antropologia como um modo inquisitivo de estar no mundo. Ingold propõe nos seus
trabalhos, “uma antropologia entendida como modo inquisitivo de estar no
mundo, em que o compromisso com a observação e a descrição esteja
conjugado a um engajamento propositivo no sentido de uma transformação
desse mesmo mundo, algo mais aproximado da liberdade criativa que é
convencionalmente delegada às disciplinas como design, arte e arquitetura.”

Ingold não propõe que seja uma abordagem que toma por objeto de análise
antropológica o design, a arte e a arquitutera, mas, de um esforço conjunto, de uma
sinergia da antrolopologia e o design na produção de conhecimento a partir de uma
relação interdisciplinar. Nesse sentido, não cabe a antropologia como ‘fazedora’
apenas de pré-requisitos de briefings de designers, mas de uma relação que vai além
e aparelha ambas disciplinas em patamares equitativos.

DESIGN
O Design, como domínio prático e disciplinar, surge a duzentos anos. Estaríamos passando pela
primeira revolução industrial que trouxe novas proposições nas formas de produção, possível
pelo avanço tecnológico e pelo fortalecimento do espaço urbano. Uma das grandes
características introduzidas pela Revolução está aquela que se apresenta no próprio modelo
de organização da produção. Antes, um trabalhador acompanhava a produção de um objeto,
desde a extração do matéria-prima da natureza até seu acabamento final. Agora, no interior
das modernas fábricas, o processo de fabricação fora dividido em diversas fases, e cada
trabalhador especializado em fases específicas, não compreendendo ou acompanhando as
outras diversas fases pelo qual o produto passava até chegar ao seu consumidor final.

A secção das fases de produção não compreendem somente àquelas de produção dos
produtos, mas também aquelas de planejamento. Os primeiros designers foram operários de
fábricas destacados das linhas de produção para desenhar e planejar os produtos e as fases de
produção que outras centenas de operários iriam executar. Esse processo é uma expressão de
uma série de dicotomias propostas pela modernidade em que opõem-se o pensar/fazer e
planejar/executar que se tornaria base fundamental das novas relações de produção no
capitalismo industrial (Cardozo). Essa dicotomia, da qual surge o design, promove uma divisão
intensiva do trabalho, um afastamento tão brutal que o produtor não se reconhece na coisa
produzida, seja um artefato material e semiótico. A esse processo característico da Revolução
Industrial, Karl Marx iria chama de Alienação do Trabalho.

Durante algo como cento e cinquenta anos, o design se desenvolveu como disciplina e campo
de conhecimento, marcado pelo desenvolvimento industrial e pelo crescimento urbano,
baseado na construção do projeto moderno de sociedade. Influenciado, nesse período, por um
forte debate de modernização das relações sociais e humanas que era transpassado por um
debate sobre forma, função e produção em série para grandes massas. A forma deveria seguir
a função? A função deveria ser o pré-requisito único na prática do design? A forma deveria ser
subjugada a função? São questões que até hoje ainda temos que lidar.

Segundo Klaus Krippedorff, durante os anos cinquentas, há “uma mudança de paradigmas de


produtos para bens, informações, identidades, aparências, modismos, marcas, etc. Produtos
funcionais como propósito ser parte da sustentação de complexos tecnológicos. Bens, por
outro lado, residem em sua passagem pelos mercados; informações, na leitura de textos ou
imagens; identidades, em como as pessoas vêem a si mesmas e aos outros; etc.” Desse modo,
designers entenderam que suas produções não eram apenas coisas, mas práticas sociais,
símbolos e preferências. E deveriam projetar para compradores, consumidores ou públicos e
não apenas para usuários racionais, no que Krippedorff cita:

Não reagimos às qualidades físicas das coisas,


Mas ao que elas significam para nós.

Essa mudança de paradigma, no entanto, incentivou o desenvolvimento de setores do design


totalmente voltados para a projeção de produtos para alimentar o consumismo que vinha
sendo incentivado a partir de intensos investimentos em marketing. Esse processo levou o
design, na década de 1970, a reflexão sobre seu papel social e ecológico na produção de
mercadorias. Nesse contexto foi que, em 1971, Victor Papanek, designer austríaco, no seu livro
“Design for the real World”, critica a ligação do design com a cultura do desperdício e sem
sentido do capitalismo (Clarke, 2011). Para isso, ele visitou entre a década de 40 e 70, diversas
comunidades indígenas, observando estéticas e objetos da vida diárias destes grupos.

DESIGN COM A ANTROPOLOGIA

Tim Ingold defende que a Antropologia deve se juntar a áreas mais concretas, como o design,
para criar conhecimento e, nesse processo se gera transformação. Contudo, como se dá esse
processo? Em que contexto? O que ele transforma?

Kenya Hara observa que o design:

não é só a arte de fazer coisas [...] design é a ocupação de levar ao limite nosso ouvido e
nossos olhos para descobrir novas questões a partir da vida cotidiana. As pessoas criam seus
espaços vivendo. Para além da observação racional desse fato se encontram o futuro da
tecnologia e o futuro do design (HARA, p.436, 2011).

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