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Novo” 3? Edigao TUL a. LJ Pt (eerste pit eeaeena Spaces corona My ane YY Hditora Insular Novo Manual de Sintaxe © Carlos Mioto, Maria Cristina Figueiredo Silva, Ruth Elisabeth Vasconcellos Lopes Editor: Nelson Rolim de Moura Capa: Mauro Ferreira Planejamento Grafico e Supervistio Editorial: Carlos Serrao Ficha Catalogratica Elaborada pela Bibliotecaria Beatriz Costa Ribeiro - CRB 14-001/99-PR M669m —Mioto, Carlos Novo manual de sintaxe / Carlos Mioto, Maria Cristina Figueiredo Silva, Ruth Elisabeth Vasconcellos Lopes. Florianépolis : Insular, 3° ed., 2007. 280p. : il ISBN 85-7474-199-x, 1, Ciéncia da Linguagem. 2. Lingtifstica. 3. Sintaxe 1. Silva, Maria Cristina Figueiredo. Il. Lopes, Ruth Elisabeth Vasconcellos. III. Titulo. CDU 801.56(035) Editora Insular Rua Julio Moura, 71 Florianopolis — 88020-150 — Santa Catarina — Brasil Fone/fax: 0°48 3223 3428 editora@insular.com.br www.insular.com.br. Filiada 4 CCL - Camara Catarinense do Livro € a0 SNEL - Sindicato Nacional dos Editores de Livros Sumario Preimbulo .. I. O estudo da gramiatica 1. Introdugao: o que é fazer c: 2. Conceito de gramatica .. 3. O programa gerativista 4. O formato do modelo 5, Aquisigaio da linguagem 6. Bibliografia adicional ... 7. Exercicios A Teoria X-barra.... a 1. A nogio de constituinte 2. A Teoria X-barra 3. A rigidez das relagdes 4, Onicleo.. 4.1, Nicleo lexical 4.2. Nucleo funcional 5. Especificador e Complemento 6. Adjuntos... 7. Arvores ... Tl. V e VP! 1, Ve argumentos 7.1.2. VP e adjuntos 7.2, Ne NPs 7.2.1. N e argumentos 7.2.2. NP e adjuntos 7.3. P e PPs 7.4, Ae AP: 7.5. Small Clauses . 8. Bibliografia Adicional 9. Exercicios neia da linguagen IL. IH. Teoria Tematica 1. Introdugao 2. A Teoria dos Papéis Tematicos: seu funcionamento 3. Inacusativos 3.1. Inacusativos com complementos (quasi-)sentenciais 3.2. Inacusativos que selecionam DP .. 3.3. Voz passiva 4. Bibliografia adicional 5. Exercicios Teoria do. 1, Introdugao A nog: 2. A Teoria do Caso ....... 3. A mareagao de Caso .. 3.1. A marcagao canénica de Caso ; 3.2. A marca¢io excepcional de Caso (ECM) 183 4. Posi¢des argumentais sem Caso ... 4.1. O argumento externo ... 4.2, O argumento interno 4.3, Algumas conseqiiéncias. 5. Complementos verbais regidos de preposigao .. 6. Regéncia .. 7. Bibliografia adicional 8. Exercicios .... V. A Teoria da Vinculagao 1. Introdugai ......... 2. Propriedades de distribuigao . 2.1. Das andforas 2.2. Dos pronomes 2.3. Das expressdes referenciais 3. Principios de Vinculagao 4, A Tipologia das Categorias Vazias . 5. Bibliografia adicional.... 6, Exercicios ... VI. MOVA c.. LIntrodugao 2. Movimento de nucleos 3. Movimento A ..... 4, Movimento A-barra . 5, Mova @.. 6, Bibliografia Adicional 7, Exercicios .... Referencias bibliograficas Preambulo Desde o lancamento do Manual de Sintaxe, em feverciro de 1999, muitos professores de sintaxe, incluindo nés mesmos, trabalha- ram com o texto em suas salas de aula e assim puderam ir percebendo aos poucos onde estavam as falhas, onde os exercicios poderiam ser melhorados, onde a teoria nao era clara ou o exemplo pouco adequa- do. E assim que nasceu este Novo Manual de Sintaxe que se apresen~ ta agora, fruto do trabalho nosso e de muitos colegas de 4rea durante os Ultimos cinco anos. Continuamos tendo a intengéo de ensinar Teoria da Regéncia e Vinculagfo para a graduacio, ainda que alguns de nossos colegas professores nos tenham dito que o Manual se prestava também ao ensino da disciplina basica do curso de pos-graduagao. Efetivamente, este bem pode ser 0 caso, porque nestes ultimos anos de trabalho com 0 livro temos concluido que com um unico semestre de sintaxe na graduag&o raramente chegamos ao final dele, 0 que nao tem sido impossivel nos cursos de pés-graduagio que ministramos em um se- mestre. Adicionalmente, 0 mesmo problema que se coloca para os estudantes de graduagao — nao dominar o inglés com alguma desen- yoltura — de certo modo também se coloca para a pés-graduagao: os mestrandos e doutorandos dominam razoavelmente o inglés, mas sem- pre se sentem mais seguros quando podem consultar um texto em portugués. Assim, afinal o livro tem sido mais utilizado do que espe- ravamos a principio. E ainda nosso intuito especifico fazer o aluno pensar no que ¢ uma teoria formal em lingiiistica e, exatamente porque sabemos quiio pouco freqiiente é a oportunidade que os estudantes no curso de Le- tras tém de se confrontar com um tal conhecimento, nesta nova ver sio do Manual procuramos aprofundar sobretudo a primeira parte, discutindo detalhadamente certas representagdes em drvore, desenhando truturas que faltavam na primeira versa fio abordadas antes, que se revelaram objeto de curiosidade de nos alunos. Assim, os capitulos referentes 4 Teoria Xbarra (2° capitulo), 4 Teoria Tematica (3° capitulo) ea Teoria do Caso (4° capitulo) sofreram modificagdes consideraveis e foram alargados para cobrir dominios teéricos e empiricos maiores, 0 que é na verdade a expressaio do mesmo desejo que ja estava resent em nosso primeiro livro: utilizar uma teoria formal para dar conta de lossas intuigSes de falantes nativos de portugués do Brasil. Devemos, no entanto, ainda fazer uma ressalva, de carater mais vibliografico: utilizamos intimeras nogdes neste livro a quem nao atribuimos utoria, visto tratar-se de nogées classicas em teoria gerativa. A bibliografia nais especifica que sugerimos no final de cada capitulo consegue refazer arcialmente o histérico de certos conceitos ¢ definigdes, de modo que o citor podera retragar a autoria de pelo menos certas nogdes sem maiores lificuldades. Outros manuais também podem ajudar nesta tarefa. Ainda desejamos agradecer 4 UFSC pelo Projeto Fungrad/1997 que 10s permitiu a edi¢do do primeiro Manual, Sem este apoio institucional jamais ) primeiro Livro teria sido feito. Desejamos agradecer também aos nossos unos de graduagao e pés-graduacao destes ultimos cinco anos pelas uest5es ¢ sugestdes que aqui incorporamos tanto quanto possivel. Inestimavel, 10 entanto, é a contribuigao de nossos colegas de area de teoria gramatical spalhados pelo Brasil, que tsm adotado 0 Manual e generosamente foram 10s enviando no correr dos anos sugestdes, comentarios e criticas, sem divida ) motor que nos moveu a reescrever o livro e promover essa renovacio. ssperamos ter diminuido 0 nimero de erros e aumentado 0 de acertos. e também estudando construgdes 08. Ilha de Santa Catarina, fevereiro de 2004 Carlos Mioto Maria Cristina Figueiredo Silva Ruth Elisabeth Vasconcellos Lopes 10 O ESTUDO DA GRAMATICA 1. Introdug&o: o que é fazer ciéncia da linguagem? Talvez ninguém duvide de que a fisica ou a quimica sejam ciéncias; ja a afirmacao de que a sociologia ou a lingitistica sao cién- cias nao goza de tamanha unanimidade e sempre exige alguma estra- tégia de convencimento. FE provavel que essa questdo nao tenha nada aver com a fisica ou a lingiiistica, mas com o que imaginamos ser a investigacao cientifica. Se este for 0 caso, a comparagao com a fisi- ca, uma disciplina bem assentada como ciéncia, pode elucidar e mui- to a nossa discussdo. Nosso objetivo aqui nao é discutir os inimeros problemas que o préprio conceito de ciéncia coloca para a epistemo- logia, mas antes, ancorados no modelo classico de ciéncia (também cha- mado nomoldgico-dedutivo), procurar mostrar como um programa de investigacao da linguagem pode se caracterizar como cientifico. Eviden- temente, a abordagem apresentada aqui nao precisa ser exaustiva, j4 que esse nao é o tépico central deste Manual. Se nao é nada simples responder a pergunta do titulo, existe uma outra pergunta que pode ser mais confortavel de responder e nos levar a compreender melhor o que é 0 fazer cientifico. A pergunta que temos em mente é: o que é que um fisico faz? Em primeiro lugar, o fisico — ou qualquer outro pesquisador — precisa de um objeto de estudo, isto é, de alguma coisa para estudar. Uma teoria se justifica na relagéo que tem com 0 objeto de estudo que ela aborda. Mas observe que “alguma coisa” é muito vago como ro sdrio que se faga af uma delimitagfio muito mais pre- Digamos que 0 fisico se ocupa de fendmenos do mundo natu- ral. Claramente, ele nado pode se ocupar de todos os fendmenos do mundo natural, mesmo porque nem todos os fenédmenos do mundo natural tém a ver coma fisica. E, ainda que esteja em causa um fené- meno tipico da fisica, nem todos os aspectos envolvidos nesse fend- meno sao relevantes; por exemplo, um fisico que esta estudando os raios e os trovGes nao esta comprometido com a explicagao do ata- que de panico que a vizinha tem toda vez que comega a chover, por mais que o ataque da vizinha parega ser desencadeado pelos raios e trov6es. Portanto, ele deve delimitar seu objeto. E isso deve aconte- cer mesmo dentro da fisica. Assim, encontramos fisicos que traba- lham com os fenémenos mecAnicos, outros que estudam os fenéme- nos elétricos, outros que preferem os magnéticos etc. E todos esses fendmenos serao estudados dentro de limites que devem estar clara- mente formulados. Com a lingiiistica ocorre coisa semelhante: a quantidade de fendmenos que o termo /inguagem abarca é muito grande — comoo ‘ermo mundo natural da fisica — e sera necessario restringir drasti- samente 0 seu objeto de estudo. Esse ponto deve ficar mais claro no {ecorrer do Manual, uma vez que estaremos trabalhando especifica- nente com uma das facetas da linguagem, a saber, a constituigao sin- atica das sentengas das linguas naturais. (Por isso, ndo deve causar sspanto que nesta segaio nao tenhamos a preocupagao de distinguir ingtiistica de sintaxe). Por agora, o que podemos dizer é que estamos nteressados em explicar a estruturagao sintatica de uma sentenga como ‘vocé sabe que horas sao?”. O fato interessante de ela poder signifi- ‘ar uma repreensdo ao aluno que entrou atrasado na aula representa ara O sintaticista 0 mesmo que o ataque de panico da vizinha para o isico: nao faz parte do objeto de estudo delimitado. Mas voltemos ao fisico. Suponhamos que ele esteja querendo xplicar 0 que so os raios e os trovées, fendmenos fisicos do mundo atural. Parece claro que o fisico deve observar atenta e acuradamente sses fendmenos, nao uma tinica vez, mas diversas vezes. E deve pro- rar observa-los da maneira mais objetiva e imparcial possivel. Es- S No sAo conceitos muito faceis de definir, mas intuitivamente sa- 42 bemos 0 que eles querem dizer; 0 proprio fisico néo pode ter um ataque de panico quando estiver observando os trovées e os raios, poi ) introduziria elementos alheios ao fendmeno no estudo que ele esta tentando fazer. Também é esperado que 0 fisico nao deixe que interfiram em suas observagGes uma série de idéias que fazem parte do senso comum — 6 pouco provavel que o fisico chegue a uma explicacgo razodvel do que sido trovées se ele se deixar levar pela crenga de que Sao Pedro esta lavando 0 céu e deixou cair um grande balde cheio de agua... Também na lingiiistica esperamos ser capazes de fazer obser- vagGes atentas e acuradas de maneira tao objetiva e imparcial quanto possivel. Talvez seja um pouco cedo para tentar explicar 0 que exata- mente quer dizer tudo isso, mas pelo menos um ponto ja pode ficar claro: se estamos querendo construir uma teoria cientifica da organi- za¢ao sintatica das sentengas, devemos antes de mais nada observar as que efetivamente sao proprias da lingua sem ignorar nenhuma de- las. E, assim, n&o se pode ser parcial e ignorar as sentengas ditas “feias”! A importancia dessa observacao sera avaliada com mais va- gar na préxima seg4o, quando discutiremos um pouco a Gramatica Tradicional (doravante, GT). Porém, a observacao cuidadosa dos fendmenos nao basta, porque parece inutil (e mesmo impossivel, porque ha raios e trovées que ainda nao aconteceram) descrever com muitos detalhes todos os raios e trovdes do mundo se 0 fisico nado se perguntar por que eles sdo como s&o, por que eles acontecem dessa maneira e nao de outra. O que estamos querendo dizer é que os raios e os trovdes que exis- tem efetivamente nao sao exatamente o objeto de estudo dos fisicos; é a realizag&o de fendmenos abstratos que € 0 foco da aten¢io deles. Repare que nao é sé uma questo de retirar dos fenémenos particula- res o que eles tém de comum; muito mais do que isso, € necessdrio que o fisico relegue certas caracteristicas dos fendmenos concretos para poder formular principios que est&o na base desses mesmos fe- némenos, principios estes responsaveis pela explicagdo do que eles sio. S6 observando os trovées, o fisico nfo sera capaz de prever inteiramente o que acontecera no proximo trovao. O lingitista defronta-se com 0 mesmo tipo de problema: ape- nas observando as sentengas que efetivamente existem na lingua, ele vo serd capaz de prever o formato da proxima sentenga que vai lhe parecer pela frente, E necessario p r por cima de uma série de acteristicas das sentengas que existem para poder formular um yadraio para elas, que deve ser necessariamente abstrato. E é esse yadraio que deve ser explicado, porque sé assim chegaremos a prever ) formato que as sentencas podem ou nao ter. Dito de-outro modo, )s lingitistas est&o interessados na formulagio de principios)que este- am na base de todo fendmeno sintatico existente Para que a formulagao desses principios seja possivel, sabe- nos que muitas vezes 0 fisico tem que supor a existéncia de entidades jue nfo sao diretamente perceptiveis nos fendmenos que ele esta es- udando, Por exemplo, o fisico lida com conceitos como atomo ¢ 1étron, que nao sao visiveis a olho nu; no entanto, supondo que tais ntidades existem na natureza, o fisico chega a explicar fendmenos resentes no cotidiano de qualquer um, como a eletricidade, os raios os trovées. A esse conjunto de postulagées basicas e de afirmagdes onseqiientes chamamos um modelo teérico. Claro é que os fisicos devem ser cuidadosos no que postulam omo base para a sua teoria. Sobretudo, eles devem estar sempre lispostos a mudar um postulado se este for contrariado por algum ato do mundo natural. Um bom exemplo disso é um dos primeiros nodelos do atomo, proposto por Lord Kelvin no inicio do século, 0 al do “pudim com passas”: 0 tomo era uma massa carregada positi- ‘amente (os protons) com pequenos “gr&os” negativos (os elétrons) srudados nela. Ora, um modelo de atomo desse tipo faz a previsao de jue, se com uma pistola fossem disparados elétrons sobre um 4tomo - houvesse um anteparo atras, muitos elétrons disparados ficariam tudados na massa positiva, alguns voltariam (quando esses elétrons lisparados encontrassem os elétrons do “pudim”) e poucos seriam ncontrados no anteparo colocado atras do atomo. Entretanto, o que fetivamente se observou foi que inimeros elétrons foram encontra- los no anteparo, que pouquissimos grudaram no que se supunha fos- e 0 “pudim” e que alguns de fato voltaram. Assim, esse modelo se nostrou inadequado para descrever e explicar os fatos do mundo. A aida, implementada por um dos discipulos de Lord Kelvin, um ci- ntista chamado Thomson, foi o abandono dessa postulagao e a ado- ao de um outro modelo, aquele que supde que o atomo possui um 14 nucleo positivo, muito pequeno (onde ficaram grudados os poucos clétrons), ¢ que os elétrons giram em volta desse niicleo de tal modo que existe uma enorme regiao vazia entre eles (por onde passaram os elétrons que foram se instalar no anteparo). Do mesmo modo que o fisico postula a existéncia de entida- des que nao sao diretamente perceptiveis nos fendmenos que ele esta estudando, é legitimo que o lingitista se utilize de categorias e con- ceitos que nao aparecem diretamente na producio lingitistica, mas cuja existéncia pode explicar por que a producdo lingitistica se da de uma maneira e nao de outra, Evidentemente, o lingiiista também vai ter que rever um postulado cada vez que os dados das linguas natu- rais mostrarem que ele nao é adequado nem para a descrigaio nem para a explicac&o de um certo fendmeno. Observe que os fisicos adotam uma linguagem com termos bastante especializados para enunciar os principios gerais que eles alcangaram; muitas vezes, o que eles dizem é incompreensivel para nés que nfo estudamos fisica. Adicionalmente, eles se utilizam de uma linguagem artificial, a matematica, que parece capaz de garantir que um determinado resultado seja interpretado de maneira inequivo- ca. Nao se sustentaria uma fisica que dissesse coisas que podem ser entendidas dessa ou daquela maneira, porque uma das razbes para a formulag&o desses principios gerais é a predig4o de novos fenédmenos e o poder de predig&o de uma fisica formulada de modo impreciso estaria seriamente comprometido. Também o lingitista deve ter 4 disposi¢4o uma metalinguagem suficientemente acurada— nao necessariamente matematica, mas igual- mente rigorosa — para poder garantir que os principios formulados sejam interpretados de maneira inequivoca. Seria facilmente rejeitada e demolida uma teoria lingiiistica que dissesse coisas que podem ser interpretadas dessa ou daquela maneira: como os fisicos, os lingiiis- tas estao igualmente interessados no poder de predigao de suas gene- ralizagdes que, se estiverem formuladas de modo vago, impossibilita- ro que se extraia delas as predigdes pretendidas. Sera que os lingitiistas, no estudo da linguagem, podem ter uma postura semelhante 4 que os fisicos tém ao estudar 0 mundo natural? Este Manual responde afirmativamente a pergunta, apresen- tando um modelo teérico conhecido como gramatica gerativa, que on se dispde a fazer um pereurso semelhante ao dos fisicos no seu fazer cientifico, Para tanto, propomos uma série de reflexdes que devem nos levar a conclusio de que um tal tipo de postura é nao sé po: ¢ desejavel como altamente instigador, 2. Conceito de gramatica Para aleangar os objetivos deste capitulo precisamos estabele- cer 0 conceito de gramatica com que vamos trabalhar. Normalmen- te, o termo gramdtica nos leva a Pensar em um livro grosso e pouco confiavel, cheio de regras que jamais conseguimos decorar e que, na melhor das hipoteses, tem uma conex&o distante com a lingua que falamos. Gramatica pode ser entendida, nesse sentido, como o con- junto das regras “do bem falar e do bem escrever”. Repare que, nesta acepeao, apenas uma variedade da lingua esta em jogo: a norma cul- ta ou padrio; e é esse “padriio” que guiard os julgamentos do que “certo” ou “errado” na lingua. Conseqiientemente, se uma sentenca se conforma ao padrio, ela é considerada “certa”, caso contrério é “errada”. Isso implica conceitos quase estéticos: se a estrutura esta “certa”, é considerada “bonita”, se nfo é “feia”, A GT pode ser entendida, entio, como o grande exemplo des- sa definigao de gramatica, o que explica inclusive o seu carater prescritivo: n&o fale/escreva assim, porque é errado... Observe quea exemplificagdo das regras da GT é sempre feita com base em textos literarios, em grande parte antigos, que figuram como 0 padrao de “corregaio”, de “beleza”, que nés deveriamos seguir mesmo no falar espontaneo. Se n&o o fazemos, além de estarmos falando errado, estamos “empobrecendo a lingua”, “maltratando 0 idioma”, “fazendo doer 0 ouvido”... Note que a GT trabalhard com as nocées de certo e errado segundo as Construgdes se conformem ou nao a esse ideal de corre¢ao lingtiistica: é um receituario de um pretenso bem falar/es- crever, Contudo, mesmo como receituario, ou seja, enquanto descri- go de uma norma dita padrao, a GT tem a deficiéncia de nao ser explicita. Qualquer teoria, quer ela reivindique ou nao para si o estatuto de teoria, implementa uma metalinguagem para que seja possivel fa- 16 lar em termos abstratos dos fendmenos que cla uh Perr bn niio é excegtio: preposicdo, sujeito, hipérbato e enn a oe usados como termos técnicos, e como tal deveriam ter Eas mee sa, O leitor j4 deve ter comprovado nos seus anos delestiy ‘ d ste a gués na escola que nem sempre é este 0 caso. ees ee we definigdes normalmente sao inadequadas nao se Settee loa noe casos a que em principio deveriam se aplicar. Para i usta estar mos querendo dizer, tomemos come ee ee _ nigiio de advérbio dada por Celso Cur a Seer Contempordneo: “estas palavras que se Laney ® ee para exprimir circunstancias em que se desenvolve 0 proc aS I, e a adjetivos, para intensificar uma qualidade, Ges aay wn Na sectio dedicada a classificagao dos advérbios, encom ra oe ea velmente classificado como “adverbio de divida”. ae i 2 que provavelmente seja encontrado junto a verbos e aa le 2 a rando igualmente encontra-lo somente nestes contextos s: : b Observemos entio 0 seguinte conjunto de sentengas: (1) a. [Provavelmente 0 Joao] doou os jornais para a biblioteca. (n&o a Maria) b. O Joao [provavelmente doou] os jornais para a biblioteca. (nao vendeu) c. O Joao doou [provavelmente os jornais] para a biblioteca. (nao as revistas) d. © Joao doou os jornais [provavelmente para a biblioteca]. (nao para o bar) Notemos em primeiro lugar que estamos falando de ae absolutamente bem construidas em portugués. E claro que ny mente pode aparecer em diferentes lugares da sentenga, a a z ‘ rada alteragao do seu significado. O aud é crucial, no entant wg possibilidade de este advérbio “modificar” constituintes diversos, i somente 0 verbo ou 0 adjetivo. O uso dos Co ei see a (1) serve para deixar claro 0 que 0 advérbio cep a hie ion (1a), a doou em (1b), a os jornais em (Ic) e a para a bibliote: 17 (Id). A definigaio de Celso Cunha, portanto, nfo dé conta de todas as sentengas em (1) e, na vi pre advérbio ou que advérbio nao é aquilo que a definigao enuncia. A conclus&o que queremos tirar é simples: a GT, ao contrario do que nos fizeram crer na escola, nfo se constitui em um corpo coeso de conhecimentos; ¢ ampliando a critica: 0 conjunto de observagées que a GT faz nao da conta da riqueza da lingua, nem mesmo do registro que ela se propée a descrever, Neste Manual, temos em mente uma outra definigao de gra- matica, no determinada por um padrao de corregao. Com base na discussio da segao anterior, vamos colocar 0 lingiiista na mesma po- siglo do fisico: este, para entender os fenémenos meteorolégicos, precisa primeiramente separar 0 que € fenémeno meteorolégico do que nao ¢; do mesmo modo, 0 lingilista/sintaticista comegara sepa- rando 0 que é fenémeno sintdtico do que nao é. Depois, 0 fisico deve observar com rigor as ocorréncias do fendmeno em estudo para des- crever acuradamente o que esta acontecendo; nosso sintaticista fara © mesmo: descreverd apuradamente o fendmeno sintatico que esta sendo observado, Finalmente, 0 fisico desenvolve uma hipdtese explicativa para o fenémeno; faremos 0 mesmo: desenvolveremos uma hipotese que explique o fendmeno lingiiistico que esta em estudo. ‘Vamos comecar construindo nossa definigao de gramatica ob- servando um fato que é bastante banal até, mas que tem implicacées imediatas para 0 que estamos discutindo: do que se sabe até hoje dos reinos animal, vegetal e mineral, s6 os seres humanos falam, Nao es- tamos dizendo que outros seres no disponham de sistemas até bastante sofisticados de comunicagao, mas afirmando que s6 os seres huma- nos falam de uma certa maneira, $6 0s seres humanos sao capazes de combinar itens de um conjunto de elementos segundo certos prineipi- os basicos, que sio em numero finito, de modo a gerar um niimero infinito de sentengas novas: isto corresponde ao que chamamos de “aspecto criativo da linguagem” dentro do programa de estudos que desenvolveremos aqui. E mais: 4 parte verdadeiras excecdes, isto 6, casos de distirbios neurolégicos graves, todos e apenas os seres hu- manos falam uma lingua natural, o que quer dizer que as linguas natu- rais tém uma ligacio estreita com © que € definidor da natureza hu- mana: chamemos a esse dote da espécie “racionalidade humana”, ade, implica que provavelmente n&o 6 sem- 18 cionadas estreitamente amos Dizer que as linguas naturais estao 1 Pes com a racionalidade humana equivale a dizer que ns niio fal ml combinando elementos quaisquer de maneira aleatéria, Cae isso de sentenga. Ao contrario do que quer nos fazer crera eae i normativa, quando falamos, mesmo que nao estejamos ne eee regras dadas como as unicas possiveis, estamos a a be regras que sao, em ultima instancia, ditadas pela racionalidade na. i Um exemplo pode ajudar a esclarecer 0 que estamos queren: do dizer aqui. A GT nao reconhece a forma pronominal us a pronome de segunda pessoa do singular de varios dialetos do es u- gués brasileiro; no maximo, esta forma pecelis alguma nota dene a nos livros de gramatica. E claro que para ‘cé, que € exommat re we a de vocé, nio existe nem mesmo uma misera mengig. a eaten a qualquer falante nativo do portugués brasileiro (isto 6 qual eased soa que aprendeu o portugués brasileiro na infancia) é capaz de ae nhecer as sentengas em (2) abaixo como sentengas pertencente: esta lingua: (2) a. ‘Cé viu a Maria saindo. a’, Vocé viu a Maria saindo. b. Quem que ‘cé viu saindo? b'. Quem que vocé viu saindo? c, A Maria disse que ‘cé foi viajar. c'. A Maria disse que vocé foi viajar. Por outro lado, mesmo os falantes que nao utilizam essas for- mas sabem que as sentengas em (3a,b,c) sto claramente era nessa lingua e nenhum de nds teria qualquer divida em a os el - nao pertencem ao portugués do Brasil (0 que sera representado por meio de um asterisco na frente das sentengas): (3) a. *A Maria vai ver ‘cé. a’. A Maria vai ver vocé. 19 b, *A Mar b'. A Maria comprou o livro pra vocé, 1 comprou 0 livro pra ‘¢ c. “A Maria e ‘cé vio comprar o livro, c'. A Maria e vocé vio comprar o livro. ia Porque os falantes sabem que a situago apresentada em (2)é propria do portugués brasileiro sem que ninguém Ihes tenha ensinad jieeadizepes que eles dispdem de uma gramatica faternali sai (tae) os cuuniconiunto de regras que rege a distribuigao de formas ho ee ee Bouce da linguagem técnica que usaremos peste D F ntengas em (2) sto gramaticais, pois elas sao ‘adas segundo a gramatica do portugués brasileiro enquanto a sentengas (3a,b,c) sfo agramaticais. Evidentemente. einen aba donando apalavra gramdtica na acepcao da GT, pois ent areal baniria algumas sentengas de (2) que nao queremos nem podemos a Estamos pensando naquela outra definigio de arraades que ‘gu ike com 0 conhecimento que o falante tem de sua lingua mate. » independentemente de ter tido aulas de portugués na escola ou de conhecer a Nomenclatura Gramatical Brasileira. Nesta concepgao de gramatica, cout conhecimento inconsciente, entio, nao ha aa a Peco eeS de “certo” e “errado”, baseados exclusivamente em uma ma que, particularmente no caso do portugués do Brasil, até po. demos questionar que seja ainda utilizada por algum falante; ha 5 5 somente os conceitos de gramaticalidade e agramaticalidade. i seja, sentengas que pertencem ou nao a uma dada lingua. Quem ae decidir se uma sentenga pertence ou nao a uma dada lingua é0 fal ‘i te nativo daquela lingua, escolarizado ou nfo, Portanto, os con ae de gramaticalidade/agramaticalidade nao recobrem de forma on 98 conceitos de certo/errado da GT. Sendo vejamos: in (4) a. O José viu ele no cinema. b. O José viu-o no cinema. D, fe Ee Reales com a GT, a sentenga em (4a) estaria errada, pois p ‘© @ norma culta — segundo a norma, o objeto direto sé 20 pode ser realizado por um pronome obliquo atono, como em (4b) ~ 5 no entanto, esta sentenga 6 gramatical, isto é, faz parte das estruturas possiveis no portugués brasileiro. E por isso deve ser dese ita e ana lisada, O que permite ao falante decidir, entdo, se uma sentenga é gramatical ou nao, é 0 conhecimento que ele tem e que tem o nome técnico de competéncia. Quando o falante poe em uso a competén- cia para produzir as sentengas que ele fala, o resultado € 0 que chama- mos tecnicamente de performance (ou desempenho). O papel da nossa teoria, tal qual a concebemos, é descrever e explicar a competén- cia lingiifstica do falante, explicitando os mecanismos gramaticais que subjazem a ela. Logicamente, a performance tem 0 seu papel nesse nosso estudo: como 0 fisico deve observar os raios ¢ trovées, o lingitis- ta tem que observar as sentengas produzidas. Mas, sem duvida, nao pode se ater a elas. A nossa teoria deve ser capaz de lidar também com sentengas que ainda nao foram produzidas e, muito mais, com seqiiéncias de palavras (nao-sentengas) que nunca ocorrerao, isto ¢, coma evidéncia negativa que discutiremos na préxima se¢ao. Estu- dando 6 a performance, nossa teoria lingitistica seria deficiente pois jamais alcangaria o nivel de predigao que uma teoria deve alcangar. Para exemplificar esse ponto, consideremos uma propriedade das linguas naturais que é a recursividade. O que é recursividade fica claro se tomamos como exemplo a coordenagio de constituintes. Sabemos que para fazer uma coordenag’io devemos combinar consti- tuintes da mesma natureza em varios aspectos, como mostra (5): (5) a. O Paulo ea Maria vao sair. b, O Paulo, a Maria e a Joana vio sair. c. O Paulo, a Maria, a Joana ¢ a Ana vio sair. d. O Paulo, a Maria, a Joana, a Ana e 0 Pedro vo sair. Notamos que os elementos coordenados sao todos da mesma natureza no exemplo dado, ou seja, elementos nominais. Usando este processo podem-se construir sentengas curtas como (5a) e muito mais longas do que (5d), por meio de aplicagdes recursivas do mesmo processo. Como deveria reagir 0 lingitista frente a uma longa senten- ga com 254 elementos nominais coordenados de modo adequado? oe Que a sentenga monstruosa apavore 0 falante éa Que se considere que uma tal sentenga 6 uma criagao artificial de um lingi Ista que pode acabar incomodando um outro colega ma gilista é admitido muitas vezes. Mas que é uma sentenca que deve oan a tida ao crivo de uma teoria nao se pode negar. A nossa sentenca moe! truosa certamente € gramatical, pois é formada de acordo com os principlos que regem a coordena¢ao, O falante sabe disso implicita- mente por causa do conhecimento que tem da sua lingua. Que ele na produza uma sentenga como essa é questiio de performance — nossa teoria nao resta outra saida a nao ser explicar 0 que fortes No nivel da competéncia a nossa senten¢a monstruosa é possivel. Ng nivel da performance a chance de ela ocorrer é minima, pois ng . momento interferem questdes como limitagao de meméria aE io outros fatores de ordem nao lingiiistica, A competéncia oer é a capacidade humana que torna fundamentalmente Ppossivel que tats ser humano seja capaz de interiorizar um ou varios eee li 2 gilisticos, isto é, uma ou varias gramaticas. a kpectativa, 3. O programa gerativista Acabamos de notar que as linguas naturais sao um dote do ser humano, e apenas dele, Nenhum animal fala como nos falamos. Pare. ce bastante plausivel supor que a capacidade de falar uma lingua S nha conexdo direta com o aparato genético da espécie humana e qu ¢ Isso que a distingue de todas as outras espécies, a j Vamos supor que isso é verdade, isto é, vamos postular que o ser humano possui em seu aparato genético alguma coisa como uma faculdade da linguagem, alocada no cérebro humano, uma hipétese plausivel que se presta a marcara diferenca fundamental entre a espé. cie humana e todos os outros seres do planeta. a is Observe que nao € possivel verificar diretamente essa hipdéte- se inicial, visto que nao se pode abrir a cabega de alguém e ver o acontece ali quando esse alguém fala. Também nfo é muito claro ee de fato poderiamos ver alguma coisa, porque as neurociéncias oN nao sabem muito sobre a relacao entre o funcionamento neuroléci ° eas habilidades cognitivas humanas, Mas mesmo nao sabendo sae 22 1 do eérebro produz a percepgio de mente como a substi formas ou cores, por exemplo, parece claro que a mente humana lida com essas informagodes de maneira extremamente dgil e eficiente, O mesmo § er entéio sobre a linguagem: apesar de nao saber- mos muito sobre a relagaio entre o funcionamento fisico do cérebro e as sentengas que produzimos, é plausivel supor que algo tem realida- de ali de tal modo que a mente humana é capaz de processar um sistema complexo e sofisticado como uma lingua natural. Essa nossa hipétese inicial pode ir mais longe: sabemos que 0 corpo humano é composto por érgios diferentes que desempenham diferentes fungdes, cada um deles com funcionamento especifico — ou seja, 0 coragao bate para fazer circular o sangue, mas os rins nao batem para executar sua fungao de filtro; adicionalmente, 0 tipo de tecido que compée o figado é muito diferente do tipo de tecido que compée o estémago, por exemplo. Baseando-nos nesta conheci- da estrutura do corpo humano, podemos postular que a mente/o cére- bro também é modular, isto é, 6 composta por “médulos” ou “or- gaos” responsdveis por diferentes atividades, 0 que equivale a dizer que a parte do cérebro/da mente que lida com a lingua tem especi- ficidades frente aquela que lida, digamos, com a musica. Estamos afirmando assim que a faculdade da linguagem nao é parte da inteli- géncia como um todo, mas é especifica, com uma arquitetura espe- cial para lidar com os elementos presentes nas linguas naturais e nao em outros sistemas quaisquer. Ir mais longe ainda nesta hipétese inicial sera postular que, mesmo dentro da faculdade da linguagem, temos modulos diferencia- dos para lidar com diferentes tipos de informagao lingiiistica: da mes- ma maneira que o ventriculo direito e a auricula do coragao realizam diferentes tarefas no fendmeno geral do batimento cardiaco, o médulo que lida, por exemplo, com a determinagao da referéncia para os pro- nomes (temos um exemplo de como um pronome pode ter o mesmo referente do nome em (6a) logo abaixo) é diferente do médulo que lida com a estruturagao das sentencas das linguas. Alguns médulos serao desenvolvidos em forma de subteorias em cada um dos préxi- mos capitulos. Até aqui, tudo o que afirmamos nos levaria a crer que as lin- guas do mundo sio todas idénticas: todas sao fruto do cédigo gené- 23 lico humano que ¢ basicamente 0 mesmo para toda a espécie. No entanto, sabemos que as linguas apresentam diferengas. E nio ésé.a tespeito de diferengas do léxico que estamos falando, isto é, 0 pro- blema nao sera sé de saber ou nao o que significam as palavras em diferentes linguas, mas de saber também como as palavras se organi- zam na sentenga, que € a verdadeira questo da sintaxe. A pergunta em todo 0 caso é esta: como explicar entio a diversidade das linguas se estamos calcando 0 nosso modelo no aparato genético humano? Nosso modelo tem uma solugao para este aparente paradoxo, articulada a partir de duas nogées: Principios e Pardmetros. A fa- culdade da linguagem é composta Por principios que sao leis gerais validas para todas as linguas naturais; e por parametros que sao pro- priedades que uma lingua pode ou nao exibir e que sao responsdveis pela diferenga entre as linguas. Uma sentenga que viola um principio nao é tolerada em nenhuma lingua natural provavelmente porque tem aver com a forma como 0 cérebro/a mente da espécie funciona; uma sentenga que nao atende a uma propriedade paramétrica pode ser gra- matical em uma lingua e agramatical em outra. Observemos (6), onde interessa considerar somente a possibi- lidade de ele e o Paulo serem co-referenciais (0 indice 7 subscrito representa que o referente das duas expressées é 0 mesmo): (6) aO Paulo, disse que ele, vai viajar. b. *Ele, disse que o Paulo, vai viajar. A sentenga (6b) é impossivel no portugués; e também continuaré im- possivel se traduzida em qualquer lingua natural. Isto nos leva a crer que esta € a situacdo porque estd sendo violado um principio, a ser enunciado, que estabelece as condigdes em que um nome pode ou nao ser co-referencial com um pronome. Por outro lado, a sentenga em (6a) é possivel no portugués brasileiro. Também € possivel (7), onde temos um vazio no lugar do pronome ele: (7) oO Paulo, disse que —, vai viajar. Por enquanto, marcaremos o tal “vazio do sujeito” por meio de um travessao, querendo dizer com isso que, neste espaco, ainda 24 que nfo pronunciemos nada, supomos a realizagio de um elemente pronominal, Se traduzirmos (6a) e (7) para o italiano temos (6'a) ¢ (7'): (6') a. *Paolo, ha detto che lui, viaggera. (7) Paolo, ha detto che —, viaggera. Com entonacio continua, isto é, se no estamos colocando nenhum tipo de énfase ou foco sobre o sujeito da oragao subordina- da, apenas a segunda sentenga se presta a expressar a coset enc pretendida. A presenga do pronome em (6'a) implica referéncia disjunta, isto é, que Paolo e lui tém pessoas diferentes como) refetel- tes. Se traduzirmos ainda (6a) ¢ (7) para o inglés, temos (6"a) e (7"): (6") a. Paul, has said that he, will travel. 7") * Paul, has said that —, will travel. Agora, s6 (6"a) é admitida para expressar a co-referéncia ov os dois sujeitos, ja que (7") ae rae seqiiéncia de palavras 40 constitui uma sentenga do inglés. t hil ee as linguas que serviram de exemplo, esta em jogo um pardmetro que diz respeito ao fato de o sujeito poder ou nao Ser nulo nas sentengas finitas, isto 6, estar sintaticamente presente, mcs que foneticamente vazio — ndo-pronunciado. Para o parametro sao consi- derados dois valores: o inglés apresenta o valor negativo do parametro (nao apresenta sujeito nulo) e as outras linguas ° valor positivo (apre- sentam sujeito nulo). A sentenga em (7") é agramatical porque os- tenta o valor positivo do parametro do sujeito nulo em desacordo com 0 valor do parametro escolhido pelo inglés. : Veremos no decorrer dos capitulos como 0 modelo, cujos pres- supostos estamos comegando a esbogar, explica estes fatos. Por ora basta frisar que uma lingua é regulada por condigdes de duas ee zas: (6b) exemplifica uma situag4o em que um pacino é icles ° que torna a sentenga impossivel para qualquer lingua natural; (6a) s (7) exemplificam uma situagao em que esta em jogo um aero a gramaticalidade dessas sentengas dependera das propriedades q sao constitutivas das linguas particulares. a5 Introduzimos aqui o conceito de gramatica universal (UG. do inglés Universal Grammar) que é 0 estagio inicial de um alan que esté adquirindo uma lingua. A UG se constitui dos principios e dos parametros, estes sem valores fixados, A medida que os parametros vito sendo fixados, vio se constituindo as gramaticas das linguas. como veremos com mais vagar na segio sobre aquisigao da lingua- gem. Exemplificando: existe um principio que enuncia que todas as sentengas finitas tém sujeito (o Principio da Projegao Estendida, abre- viado como EPP). Associado ao EPP. existe o Parametro do Suisito Nulo exemplificado com as sentengas de (6) a (7). Para certas linguas como o inglés, este sujeito tem que ser pronunciado sempre; para ou- tras como 0 portugués nem sempre o sujeito é pronunciado. O inglés apresenta 0 valor negativo; o Portugués o valor positivo. No estagio inicial da UG, porém, nenhum dos dois valores do Parametro do Su- jeito Nulo estava fixado. Voltaremos a este assunto na seco 5 deixan- do claro quea intengao aqui 6 apenas a de introduzir alguns conceitos, 4. O formato do modelo A esta altura devemos pensar no formato que toma a teoria para analisar as senten¢as das linguas naturais. Para tanto, vamos considerar, bastante ingenuamente, que uma sentenga é uma sequen: cia de sons — cuja representagao abstrata é PF (Forma Fonética, do inglés Phonetic Form) — que, além da representagiio fonética, “ela tem um determinado sentido estrutural — cuja representagao abstrata € LF (Forma Légica, do inglés Logical Form). Entao, a tarefa mini- ma do nosso modelo (como de qualquer modelo lingiiistico) é mos- trar a relagZo existente entre o som de uma sentenga, PF, e o seu sentido, LF. Nosso modelo defende que a relacao entre PF e LF nao € direta, mas mediada pela estrutura sintatica SS (Estrutura Superfi- cial, do inglés Surface-structure), como representado em (8): (8) DS | 8S PF LF 26 O que 6 $5? SS é uma representagao sintitica da sentenga que vai ser interpretada fonologicamente por PF, isto é, PF’ vai dizer como aquela estrutura é pronunciada; e vai ser interpretada semanticamen- te por LF, isto é, LF vai dizer qual é 0 sentido da estrutura. Para entender que a relagdo entre PF e LF nao é direta, vamos considerar uma sentenga ambigua como a em (9): (9) Eu comprei este carro novo. A sentenga é ambigua porque engloba duas estruturas sintaticas dis- tintas: uma em que novo tem a ver com este carro, para a qual o sentido grosso modo pode ser parafraseado por [Este carro novo foi comprado por mim]; a outra em que este carro nove nao constitui um elemento indivisivel de modo que novo e um carro so elementos distintos, caso em que a pardfrase grosseira seria [Quando eu com- prei este carro, ele era novo]. A ambigilidade se forma porque PF interpreta duas estruturas da mesma maneira. Mas os dois sentidos se mantém porque LF interpreta duas SSs distintas. Seria no minimo complicado sustentar que LF interpreta uma tinica PF de duas ma- neiras diferentes. O outro nivel nao discutido ainda é DS (Estrutura Profunda, do inglés Deep-structure). Este é um nivel de representago postula- do para dar conta de fendmenos como o que observamos em (10): (10) a, O Joao comprou o qué? b. O que 0 Joao comprou? Nas duas sentengas, 0 que é interrogado € 0 objeto do verbo comprar. Entretanto, a expressao interrogativa aparece a direita do verbo em (10a) e no inicio da sentenga em (10b). Como dar conta do fato de que o que é sempre 0 objeto do verbo? Postulando que o que no nivel de representaga4o DS esté a direita do verbo para as duas sentengas. Mas no nivel SS ele pode permanecer in situ (isto €, no seu lugar de objeto de verbo) e, neste caso, PF vai pronunciar a SS como (10a); ou pode ser movido para o inicio da sentenga e, neste caso, PF vai pronunciar a SS como (10b). Esta é uma caracteristica de todas as linguas naturais, como veremos ao longo do Manual: 27 pronuneiamos determinados elementos em um lugar da sentenga e os interpretamos em outro, como em (10b). O objeto direto do verbo esta na posi¢do inicial da sentenga, mas todos sabemos que se trata do objeto de comprar. A forma como o modelo implementa a repre- sentagao de um tal fenédmeno nas linguas naturais ficaré mais clara no decorrer dos préximos capitulos. O importante agora é perceber que ha niveis distintos de re- presentagao de uma sentenga e que, como veremos, eles estao sujei- tos a determinados principios que neles atuarao. E importante tam- bém lembrar que determinados elementos podem se mover de sua posigao original para uma outra posig&o onde serao pronunciados por PF e, ainda, que nenhuma informagao de natureza sintatica ou seméantica se perde nesse processo, O que queremos do nosso modelo sintatico organizado desta maneira é que ele dé conta do fato de que, para construirmos uma sentenga, devemos recorrer ao léxico da lingua (isto é, ao nosso “di- ciondrio mental”, 0 conjunto de palavras pertencentes 4 nossa lingua) e, fazendo uso das informagoes ai presentes, construir uma primeira estrutura, DS. Na passagem de DS para SS, podemos movimentar constituintes, de tal modo que ent&o poderemos ter 0 objeto direto do verbo na posi¢ao inicial da sentenga, como em (10b). E a repre- sentagao da sentenga em SS que sera enviada para PF para ser pro- nunciada; é também essa Tepresentagao que sera enviada para LF para ser interpretada semanticamente. Como vimos discutindo ao longo deste capitulo, nosso mode- lo tedrico postula que o ser humano possua uma Faculdade da Linguagem, inata, isto é, codificada gencticamente e estruturada de forma modular, que independe de mecanismos gerais de inteligéncia e aprendizagem, sendo, portanto, especifica a linguagem. Vimos ainda que o funcionamento sintatico das linguas naturais pode ser reduzido a Principios gerais e abstratos que se aplicam a toda e qualquer lingua ea Pardmetros que, ainda que restritos, dio conta da diversidade entre as linguas. De posse de tal arsenal, nosso modelo descreve as linguas, mas também pretende explicar seu funcionamento. E exatamente porque se dispde a ser explicativo, deve ter algo de rele- vante a dizer sobre 0 processo de aquisig¢ao da linguagem, porque entender como as criangas adquirem suas linguas maternas é essencial 28 a5 > nO# no s6 para a eléncia da linguagem como um todo, mas pode ne ajudar a compreender melhor a propria organizagao das diferentes linguas, 5. Aquisigaéo da linguagem Raras vezes nos perguntamos como uma cHanga pequena ad quire sua lingua materna, como ela “aprende a falar : Tread ee ay daqueles processos tao naturais que merecem do leigo pout aia ¢4o: uma crianga normal andara pouco antes de um ano de v id Hi a média, e comegard a falar um pouco mais tarde. O mais fant stico sobre esse processo é que, salvo serissimos problemas patoldgicos, ele 6 universal. il ae HA alguns fatos irrefutaveis sobre a aquisi¢ao da lingua) toda crianga adquire (ao menos) uma lingua quando pequenaleidua quer crianga pode adquirir qualquer lingua — nao ha linguas mai , ceis ou dificeis da perspectiva da aquisigao — bastando para on que esteja exposta a uma dada lingua. Sem que passem por qualquer se de treinamento especial ou sem que sejam expostas a uma seqiénoia cuidadosa de dados lingilisticos, as criangas desenvolverao sistemas gramaticais equivalentes aos dos demais membros de sua coms de lingitistica, a despeito das consideraveis diferencas de sua expe Sh cia no mundo, quer de ordem intelectual, quer afetiva etc. O pt espantoso é que esse processo se da de forma muito rapida e, univers salmente, na mesma fase de desenvolvimento da crianga. Quando se pensa em aquisigao da linguagem, devem ser con sideradas as capacidades envolvidas no processo, bem como a nant reza de um tal conhecimento. Em outras palavras, 0 problema 6 pre= cisar exatamente 0 que se vem a saber quando se adquire uma dada lingua, ou mais do que uma, no caso de criancas bilingiies. EB og Hd de questio que o lingiiista tem que abordar se quiser entender melhor a Faculdade da Linguagem, que mencionamos anteriormente. Mas como um bebé, acabado de nascer — ou mesmo. antes do nascimento, talvez —, consegue, em meio a tamanho caos, “saber i 0 que é linguagem? Como 0 bebé consegue extrair informagio lingtits ; tica do mundo de tantos outros sons que o rodeia, a fim de adquirir uma lingua? 29 he que seja por observagao. Pobre cr langa! A crianga é exposta a dados da lingua como qualquer outro interlocutor, $40 es- (ruturas de toda natureza, truncadas, entremeadas e que nao necessa- riamente incluem todos os tipos de dados disponiveis na lingua. Se fosse por observagao, entio o processo no poderia ser universal, ja que necessariamente haveria criancas mais ou menos expostas a da- dos lingiiisticos; sobretudo, nunca poderiamos garantir que as crian- s fossem expostas aos dados necessdrios para a aquisicao de sua lingua. Lembre-se de que os adultos ao redor de um bebé nfo se preocupam em ensinar-lhe a lingua ou em graduar a dificuldade estru- tural daquilo que falam com o bebé ou ao seu redor. No ha tal preo- cupa¢ao por parte do adulto porque sabemos que a crianga vai natu- ralmente adquirir uma lingua. Uma das comparagées mais interessantes é que as criangas sdo capazes de compreender e produzir a quase totalidade do siste- ma gramatical de sua lingua muito antes de serem capazes de dar um simples lago no sapato. Seria de imaginar que aprender a dar um lago envolva uma capacidade cognitiva menos refinada do que aquela en- volvida no conhecimento do sistema gramatical de uma lingua; contu- do, ainda assim, tal conhecimento se desenvolve mais rapidamente do que a habilidade de amarrar o ténis sozinha ou fechar 0 ziper do casaco, Ora, se o processo é universal no que tange ao desenvolvi- mento infantil, se as criangas nunca fracassam nessa tarefa — como podem fracassar na de aprender a dar lagos —e se os dados lingitisticos a que estdo expostas so cadticos, irregulares, truncados etc, ha que se imaginar que exista alguma coisa que guia a crianga nesse proces- So, uma vez que sem esforgo algum as criancas conseguem dominar um sistema rico e complexo que as capacita a compreender e produ- zit uma lingua antes mesmo de chegarem a escola. Além de os dados lingtlisticos a que a crianga tem acesso co- locarem um suposto problema para a aquisi¢ao, ao menos um proble- ma l6gico, as criangas pequenas raramente sto corrigidas quanto 4 forma do que falam. Os adultos tendem a corrigir o contetido daquilo que a crianga fala, mas normalmente ignoram a estrutura. E quando corrigem a estrutura, a crianga se mostra “surda” a tal corregio. Ve- Jamos um exemplo: 30 iro meu, (IT, 2 anos ¢ 4 meses) (11) Crianga: Adulto: SEU carro? Crianga: carro seu, lim (11), H., uma erianga entéo com dois anos e quatro meses, usa 0 pronome possessivo (new) depois do substantivo (carro), uma forma pouco natural em nossa lingua. A mie tenta corrigi-lo eem sua fala enfatiza o pronome na posic&o esperada na gramatica adulta — antes do substantivo. A crianga, entretanto, agarrada a seu carrinho como que para garantir a posse, repete o pronome utilizado pela mae, mas nio o tira da posigao em que estava originalmente. Para além da ques- tio que estamos discutindo — criangas nao Tongans corregdes -, ha outro ponto muito interessante aqui: a crianga esta produzindo uma forma que pouco ou nunca ouve na lingua. De qualquer modo, casos como (11) sao raros; normalmente 08 pais se preocupam com o contetido daquilo que a crianga fala e ignoram a forma: (12) Adulto: Cadé aquele pedagaio de papel que eu te dei ontem?! Crianga: Ah, eu tinha escrivido nele . Adulto: Assim nao da, nao ha papel que chegue! Em (12) 0 adulto absolutamente ignora a forma agramatical que a crianga utilizou no verbo, pois esta preocupado com o fato de a crianga gastar papel demais. ; oe Resumindo, pois, a nossa discuss&o até aqui, vimos que os dados lingiiisticos que a crianga encontra ao seu redor sao truncados, desordenados, desorganizados, e que nao ha corregao efetiva e siste- matica dos desvios cometidos pela crianga em relag4o a gramatica adulta. Porém, apesar de tudo isso e, sobretudo, apesar da diversida- de das experiéncias que as criangas tem coma lingua e com os adul- tos que as cercam, todas adquirem a lingua a que esto expostas, sem nenhum esforgo aparente. Esse fenémeno é conhecido como pobreza de estimulo — ou Problema de Plat’&o —, mas temos que ser cuidadosos com o termo ‘ Adaptado de Uriagereka (2000). aa f eS u ( ul YU , \ ye salvo sérias complicagdes patoldgicas. A ndo ser que seja delibera- “pobreza” aqui. Isso nada tem a ver com a variedade usada por aqueles que cercam a crianga — se norma culta ou ndo— ou com a “qualidade” da interagao em uma perspectiva afetiva e/ou cognitiva. A grande pergunta €: como, em contato com um mundo tao fragmentado e de forma tao rapida, adquirimos conhecimento lingtifstico? Nosso modelo postulara (e ha amplas evidéncias que susten- y tam tal hipdtese) que parte do processo seja inato — dé-se através da dotag&o genética que nos capacita a adquirir uma lingua e usd-la, damente negado acesso da crianca ao input (isto é, os dados lin- t sf gilisticos de uma dada lingua particular) no periodo da infancia, ela vai adquirir uma lingua, independentemente de sua condig&o social ou da qualidade afetiva e intelectual da interagao com o adulto, e, para além disso, esse processo vai se dar aproximadamente no mes- mo periodo de tempo para todas as criangas, um fato que ja ressalta- mos, Esse € um dos nortes do modelo: como podem as criangas adquirir uma lingua de forma tio répida e homogénea mesmo que expostas a um input téo imperfeito? O argumento da “pobreza de estimulo” é ent&o o ponto de partida para se estabelecer uma fungao direta (mas contraria 4 visio do senso comum) entre a experiéncia lingtiistica que a crianga recebe e sua capacidade de adquirir a grama- tica de um falante adulto: quanto mais pobre e degenerada a experién- cia, maior a capacidade inata a se prever. Dito de outro modo, é exa- tamente porque a experiéncia lingiiistica da crianga no mundo é desordenada e incompleta que se deve pensar que o ser humano pos- sui uma capacidade genética que lhe permite de algum modo ‘organi- zar’ e ‘completar’ as informagdes necessdrias para aprender a falar uma lingua natural. A teoria desse estagio inicial da crianga é a UG — uma previ- s&o daquilo que é comum a todas as possiveis linguas naturais (pro- priedades descritas no modelo através dos Pprincipios), além da varia- gao que pode ser encontrada entre elas (os parametros). A associa- ¢ao dos principios da UG com certos valores paramétricos gera um sistema gramatical particular, ou seja, uma dada lingua. Tem-se que a UG deve refletir de maneira universal a estrutura ou organizagao da mente humana. Se os principios so universais, ent&o nao precisam 32 ser adquiridos, pois j4 esto, de alguma forma que a icia ainda nio sabe explicar, geneticamente codificados. oe O processo de aquisigéo de linguagem, entiio, ¢ tido como a “formatagaio” da Faculdade da Linguagem através da fixagaio dos var s dos parametros previstos na UG. Como dissemos acima, a UG é, nesse sentido, um quadro do estagio inicial da aquisi ; ol(conhecig do como S,) e o seu produto seria o estigio final da aquisigao, isto es {gio em que a crianga atinge a gramatica adulta de sua lingua (S,) (do inglés stable stage). Em termos lingiifsticos é bastante com: plicado falar em produto ou estagio final do conhecimento. Assim, é mais plausivel admitir-se que a gramatica atinja um estégio de estabi- lizagao que seria considerado, ent&éo, como o estagio em que a crian- ga apresenta uma gramatica proxima a dos adultos ao seu redor. Teriamos, entao: (13) input > UG > uma lingua J ‘ Ss, S, O que ocorre, ent&o, no processo de aquisizao é uma “filtragem” do input através da UG. Essa “filtragem Sens para “formata-la” através da marcagao de um determinado valor par a cada parametro previsto em UG. Estando todos os valores paramétricos marcados, tem-se uma determinada gramatica. Certamente essa mar- cag4o no ¢ aleatéria, mas determinada pelas evidéncias = bastante indiretas — do input e, obviamente, dependente da prépria estrutura interna da UG. : ; Os parametros sao tidos como binarios, possuindo os valores positivo ou negativo; assim, ao acionar um determinado parametro, a crianga estara imprimindo a ele um dos dois valores, através das evi- déncias positivas que receba no input. Como vimos na segao 2, ha linguas que permitem que a posigao de sujeito fique vazia (como ° italiano, o portugués) e linguas que ndo permitem isso, ou see lin- guas de sujeito obrigatério (como o inglés). No caso das Ultimas, todas as sentengas terao um sujeito realizado foneieamente, ou seja, mesmo em sentengas que nao tém sujeito com valor semantico, have- rd um elemento expletivo (um “sujeito sintatico”). Por exemplo, ver- 33 mat eye are bos metereolégicos nessas lingua 10 precedidos de um pronome expleti (14) a. It rains Chove b. * rains Temos, entao, variacdo entre Iinguas; portanto, algo da ordem dos parametros. Como ja vimos, este é 0 Parametro do Sujeito Nulo. ; Caberia a crianga decidir qual dos dois valores se aplica a sua lingua. Podemos esquematizar esse parametro como (15): (1S) a. Sujeito nulo > valor [+] para o parametro b. sujeito obrigatério > valor [- ] para o parametro Se a crianga estiver exposta ao inglés, vai ter varias evidéncias no input de que sua lingua se encaixa em (15b), dado que vai estar ex- Posta a estruturas com elementos expletivos como a exemplificada em (14a), Se a crianga estiver exposta ao portugués, por outro lado tera evidéncias na diregio oposta e marcara o valor do parametro como em (15a) acima.? ; Obviamente, a crianga nao é vista como um “lingiiista em mi- niatura’ » que fica analisando os dados de sua lingua antes de tomar uma decisio. Esse processo é natural e inconsciente, Seria mais uma acomodagao do sistema aos dados do que qualquer outra coisa. ja que o sistema inicial (a UG) é capaz de dar conta de todo e qual pee dado pertencente as linguas naturais. ia Vamos explorar um pouco mais a questo da marca¢ao para- métrica, O niimero de parametros Possiveis é restrito, pois, ao con- trario do que as aparéncias poderiam sugerir, a distingaio isintaticn entre as linguas naturais é restrita, é superficial. Voltemos on exem- plo do Parametro do Sujeito Nulo. Ha duas possibilidades para as linguas naturais: por exemplo, no contexto de verbos metereoldgicos, ou realizam sempre o sujeito foneticamente, ou ele pode ser vazio. ‘A discusstio sobre os parametros é bastante mais complexa, mas foge completamen- te aos objetivos deste Manual, O lei d . O leitor deve se remeter a8 lei i aprofundamento na questio, Heanor 34 Nao existe uma terceira alternativa, Tomemos outro exemplo; a ordem a nunca é aleatéria, em nenhuma lingua Ares na sentenga serdo precedidos ou se~ de palavras em uma sentenga. natural, Alguns elementos nucl guidos por outros elementos. Sendo vejamos: (16) a. Kato compra doce. (Portugués) b. Kato okashi kau. (Japonés) ‘Kato doce comprar" Vemos em (16) que em portugués 0 objeto segue o verbo, enquanto que, em japonés, ele o precede. Podemos esquematizar esse parametro como o Parametro da Ordem, tomando 0 verbo como nicleo. Em (16a) 0 nucleo é inicial, ou seja, o verbo sera seguido de seu comple- mento; em (16b), 0 nticleo é final, isto é, 0 verbo sera precedido de seu complemento. Isso ficard mais claro no préximo capitulo, mas por enquanto vejamos como seria a marcag&o de um tal parametro: (17) a. nicleo inicial > valor [+] para o parametro b. micleo final > valor [- ] para o parametro Uma crianga adquirindo japonés acionaria 0 valor do Parametro de Ordem como negativo; por outro lado, uma adquirindo portugués 0 acionaria com o valor positivo, através das evidéncias do input, que, neste caso, s4o bastante robustas, ainda que jamais conclusivas. Tomando esses dois parametros (15) e (17), como seria a re- presentagao dos valores marcados pela gramatica do inglés ¢ do por- tugués? Vamos esquematizd-la em (18): (18) Portugués Tagiés Sijeito Oem Sujeito Onem : + + + Ha intimeros outros exemplos, mas nao infinitos exemplos, porque os parametros sao em numero reduzido, ja que a diversidade ntatica entre as linguas 6, igualmente, restrita, conforme apontamos acima. Os parAmetros est&o previstos na Faculdade da Linguagem, mas, diferentemente dos Principios, que s4o universais, carecem de um valor que depende do input que a crianga recebe. 35 Uma metafora bastante usada para explicar o processo é ade um quadro de forga, ou seja, de uma seqti€ncia de chavetas a serem ligadas ou desligadas conforme os dados exteriores, A cada chave a crianga atribuiraé um valor, positivo ou negativo, a depender da lingua a que esta exposta. Quando o valor para cada uma delas tiver escolhido, entdo a crianga tera convergido para uma gramatica pre ma aquela dos adultos ao seu redor. Retomando o que discutimos até aqui, podemos assumir, en- tao, que o processo de aquisicao da linguagem seja inato, guiado pela Faculdade da Linguagem que possui uma UG ~ uma gramatica uni- versal —, composta de Principios e Parametros, Como os principios se aplicam a todas as linguas naturais, n&o teriam que ser adquiridos, Os pardmetros, ainda que em mimero reduzido, esto igualmente previs- tos pela UG, porém tém seus valores abertos a serem marcados de acordo com a lingua (ou as linguas) que a crianga ouve ao seu redor, Uma vez filtrados os dados do input e marcados os valores adequa- dos dos parametros, supGe-se que a crianga tenha adquirido o siste- ma gramatical (estavel) de sua lingua. Voltamos ao Iago do sapato. Um bebé é capaz de extrair in- formag&o abstrata acerca do sistema lingitistico a que esta exposto, conquanto nao saiba fazer um lago. Por forga deve entdo haver algo além do simples tratamento dos dados €, como vimos, 0 que o mode- lo apresentado aqui prevé é que grande parte da tarefa jd esteja previa- mente codificada na espécie. O processo de aquisigao é também tido como 0 lugar da mu- danca lingiiistica nas diversas linguas naturais. As linguas mudam e isso nao é sinal, como profetizam os paladinos da GT, de Pauperacao lingiiistica. Ao contrario, as linguas, naturalmente, evoluem. As ex- plicag6es sobre os Processos de mudanga sao varios, mas, em nosso Caso, dizem respeito ao acionamento paramétrico, ou seja, ao valor que as criangas airibuem a um determinado parametro. Se os dados do input por algum motivo se tornam ambiguos, a crianga podera atribuir ao parametro relevante um valor distinto daquele da gramati- ca adulta, provocando uma mudanca na lingua. Discutir essa questao. esta além dos objetivos deste Manual ©, portanto, nao vamos nos es- tender no assunto, mas convidamos 0 leitor a consultar a bibliografia indicada abaixo. 36 G6, Bibliografia adicional a 5s live e vale a Liste capitulo foi escrito com base em alguns livros que v : ae lee és é uma a anual de pena o leitor conhecer: se ler em inglés é Hara Fee i f intitula ntroduc: a e Liliane Haegeman, intitulado Jr introdugdo de Liliane Hee Government & Binding Theory pode ee uma ee ons ém té anual introdutério, cham: rativ Roberts também tém um mat Tate, eet y eC} ito bom. Se a leitura de um Syatax, que é também mu eae niio é uma op¢ao, o leitor pode consultar o manual Sara oa so, chamado Teoria da Gramatica: a faculdade da TEs a Arb i Ao si rf és europeu. - a ‘Zo se aplica ao portugués tando que a exemplificaga i 80 p Sera ate is i essante seria 0 primeiro capitul 1 quanto, 0 mais intere: i 1 He eEeeatS é idativ A m os livros de Lu s ito elucidativo. Ha tamb a Lobai Reiiave Gorath és Miriam Lemle (Andlise Sin- y orative Portugués) ou 0 de Miri r (Sintaxe Gerativa do gues) Tae pee itica: teoria sintatica e descrigdo do Portugués). Es 98 ab tdtica: teoria sintatica e a a i 0 de Regénei é le um modelo anterior a: ; dam também a passagem d e - a i consultasse esses manu a i sante que o leitor consul Vinculagao. Seria interes: i re ale i tudo deste livro, para comp! concomitantemente ao es' 7 | conhecimento e ver problemas discutidos em outras linguas. eit Se quiser obter mais informagao sobre alguns re e pect cos discutidos, o leitor pode consultar as seguintes obras s especializadas: mii 1) sobre o “fazer ciéncia” e como se estruturam modelos See ant Paracas a Teoria da Ciéncia, de Luiz Henrique Dutra, é ui excelente op¢ao; : 2) sobre 0 embate GT/Lingiiistica, o leitor encontrara farto snarl ie re Go a Teoria Lingiiistica, quan em Lyons, tanto em Introdugdo @ 4 ; ac ingu ingilistic lids, ainda sobre problemas Lingua(gem) e Lingiiistica. A — b as | nha i excelente livro de Rosa Virginia Mattos e Silva, intitulado Tradigdo gramatical e Gramatica Tradicional; 3) sobre inatismo, ha um livro para leigos ae eo © de Pi Instinct, ja traduzido pai de Pinker, chamado Language ; pipacaie Dee é r é livro de Chomsky intitulac gués; em portugués, temos um [yto de) i f nen Cartesiana, de leitura mais dificil e s6 aconselhado a quem ja tem alguma formacao em filosofia; 4) a 2 argumento da Pobreza de Estimulo, os capitulos iniciais ci porn ae sdo uma excelente op¢ao. O livro é earth ‘ado na forma ia A é ' Hele le didlogo e ha fartos exemplos, porém est4 em 5) se pan da Linguagem e recursividade, ha um excelente igo de Hauser, Chomsky & Fitch (2003), publicado na Science. See er ° t6pico da perspectiva evolutiva, Embora esteja em inglés, é de facil leitura pois é um artigo de divulgagao; 6) Eve de linguagem no quadro de Principios & Parametros, RO ae em artigos de Galves (1995), Kato (1995), q e| € Mioto (1995), todos em és. : i ! ( . Portugués. Desses, Meisel traz uma discussao bastante aprofundada sobre a fies A parametro”. Os segundo e terceiro capitulos de Lopes (1999) também so uma opgio em Portugués, mas demandam maior co- gue: S demand: nhecimento terico; 7) gy Processo de aquisig’o como o lugar da mudanga lingitisti- ca, 0 leitor deve consultar Lightfoot (1991), (1994) e (no prelo); 8) sobre mudanga no P é i Gen, ¢a no Portugués do Brasil, consultar Roberts & Kato 9) finalmente, para uma visio geral simplificada do modelo, dada pelo proprio Chomsky, consulte Lan. 7 guage and Problems of Know. The Managua Lectures, mas este est4 em inglés. ee 7. Exercicios i. Pee e See secdes deste capitulo, utilizamos a palavra e uagem. Dé exemplos da metalingu: ili: a eee agem utilizada pela Gr: matica Tradicional. Ela é : eee F adequada? Isto 6, ela ¢ i i temente precisa para i Tite cae que possamos associa-la a um f; ientf. como definido na seco | de: fi eee ste capitulo? Aplique seus re ¢ exem, 5 sentengas do portugués para fazer a verificacao, pee 2, : aa , ference © leitor €ncontrara um trecho publicado em um encarte tonavel sobre Lingua Portuguesa, do Diario Catarinense de Flo- 38 riandpolis. Leia-o com atengio ¢ depois responda As questOes pro» postas, Os grifos sio no: “A Gramatica é a disciplina que orienta e regula o uso da lin- abelecendo um padrao de escrita e de fala baseado em diver- sos critérios: o exemplo de bons escritores, a logica, a tradigaéo ou 0 bom senso. A matéria-prima dessa disciplina é o sistema de normas que dé estrutura a uma lingua. Sdo essas normas que definem a lingua padrao, também chamada lingua culta ou norma culta. Assim, para e escrever corretamente é preciso estudar a Gramitica. A tarefa niio é das mais simples: as regras so muitas e nem sempre precisas. Sendo um organismo vivo, a lingua esta sempre evoluindo, o que muitas vezes resulta num distanciamento entre 0 que se usa efetiva- mente e o que fixam as normas. Isso nao justifica, porém, o descaso com a Gramatica. Imprecisa ou nao, existe uma norma culta ¢ toda pessoa deve conhecé-la e domind-la, mesmo que seja para propor modificagdes. Quem desconhece a norma culta tem um acesso limita- do as obras literarias, artigos de jornal, discursos politicos, obras (edricas e cientificas, enfim, a todo um patriménio cultural acumula- do durante séculos pela humanidade.” (In: Help! Lingua Portugue- sa, DC, 1999, p. 62) gua, ¢ a, De acordo com o que foi discutido neste capitulo, é plausivel afir- mar que é “o sistema de normas que dé estrutura a uma lingua”? Jus- lifique a resposta com os conceitos apresentados. b. Ha varios trechos no excerto acima em que o autor confunde, equi- yocadamente, “norma culta” com a metalinguagem utilizada pela GT para descrevé-la. Aponte esses trechos. ¢, Qual a concepgiio de linguagem que se depreende do trecho acima? Por que esse tipo de concepgao pode ser preconceituosa? 3. Embora este Manual se ocupe exclusivamente de sintaxe, os dados a seguir trazem exemplos de morfologia derivacional, que além de fazer interface com a sintaxe também apresenta processos restritos por prineipios e mecanismos bastante similares aos da sintaxe. Foram aq produzidos por uma crianga pequena, adquirindo 0 portugués. Ob- Serve-os atentamente. Considerando que nado existem no input que a crianga recebe, como ela 0s produz? Lembre-se de contrastes como “apareceu” ys, “desapareceu”, por exemplo, ¢ lembre-se ainda de que tais processos envolvem regras abstratas, Discuta o que esta em jogo nos dados. Como esses dados podem reforgar a hipétese inatista? C= crianga; A = adulto? (C vai tomar leite, que esté muito quente) A= TA quente! C = Ent&o diquenta, (3 anos e 11 meses) (A mie fecha uma caixa de brinquedos; decepcionada, C di: C= Cé disabriu! (4 anos e | més) (A mie abaixa o ziper do vestido de C, querendo brincar com ela) C=Ah! (irritada) Nao! Cé t4 dezipando. (4 anos e | més) 4. Definimos recursio neste capitulo. Varios estudos recentes tém mostrado que 0 processo de recursao é especifico as linguas naturais, nao sendo encontrado em sistemas de comunica¢ao animal, por exem- plo.* Busque exemplos de estruturas recursivas. Considere os exem- plos a seguir, lembrando que criancgas muito pequenas (em torno dos sete meses de vida) ja conseguem lidar com tais estruturas abstratas. Comente esta afirmacao. “O cachorro pegou o gato que comeu o rato que comeu o queijo que ~.” (brincadeira infantil) “Pedro que amava Lia que amava ... que nao amava ninguém.” (Carlos Drummond) Dados de Rosa Attié, Unicamp, LCE Antigo publicado na Fotha de Séo Paulo, em 16 de janeiro de 2004, sob o titulo: “Macacos entendem frase simples, mas tropegam em mais complexa”, 40

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