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Vera Rezende

OBSERVATÓRIO DE
POLíTICAS URBANAS lüJ
E GESTÃO MUNICIPAL DI
IPPUR • UFRJ • FASE
CIVILlZACAO BRASILEIRA

~J
Capítulo 1

A Urbanização e a
Questão Fundiária

O debate em torno da questão urbana no Brasil, pouco a


pouco, passa a ter como centro a defesa de uma política
undiária. Tenta -se demonstrar teoricamente como tal inter-
V nção do Estado é necessária para resolver os impasses do
d senvolvimento urbano brasileiro e promover a justiça so-
rlal, O fundamento da argumentação é a crença de que o
rcado de terras é o principal mecanismo gerador dos
I roblemas urbanos: dispersãojhiperconcentração, déficit
li bitacional, crescimento periférico, alto custo dos equi-
I)tUl1entosurbanos, ete.
A relação entre mercado de terras e o processo de
truturação das cidades é vista como decorrente, de um
I Ido, das imperfeições de funcionamento deste mercado, que
A Urbanização e a QulStãoFundiária Dos Cortiços aos Condomínios Fechados

fundi' 'os e de out interessadas em aliviar as tensões sociais decorrentes das


permitem a especulaçãocom os pre50s , ,~ :' , ro,
da estreita ligaçàoentre valorizaçao fundlarla e mvestIm~n_ desigualdades sociais nas cidades, Alguns chegam a pensar
tos públicos em infra-estrutura e equipamentos urbanos, na formação de um pacto de interesses capitalistas contra os
. es tãao b asea d as nas crescentes
Estas colocaçoes , _ críti,
' ,I:&s interesses dos proprietários.
que têm sido formuladas às teorias de tradlçao neoclass1Ca., Não obstante a coerência da argumentação, o que pre-
O ponto nodal éoabandono do ?:incípio do JIl~r~ado cOmo senciamos é uma incapacidade do governo em intervir de
,
meCanIsmo de di strl'bUl'ção eqUlhbrada das atividades , ~~oT\ maneira eficaz nos mecanismos de valorização da terra, não
espaço na medidaem que não preenche todas as condiç~s somente no Brasil, mas também nos países latino-ameri-
para que o preçodas terras seja um elemento regul.adon da canos, Em muitos, existe mesmo um conjunto de instrumen-
oferta e da demanda. Pelo contrário, para estes autO:~es, tos jurídicos e institucionais de intervenção que formalmente
criam-se neste mercadosituações de oligopólio ger~~ora\ de permitiriam um controle do desenvolvimento urbano. No
. fi'ciencras
me ~, nouso do solo e de desigualdades SOClalS. entanto, nestes países é muito acanhada a atividade plane-
,
Neste mcviaento cri't'ICO,têem Sl".I:"'
'do l'nco...noradas al\gu- jadora e o crescimento urbano continua a produzir "irracio-
mas orientações da Economia do Bem-Estar, segundo a q'ua1: nalidades" na ocupação do solo.
Por não acreditarmos na existência de um "caráter
tropical", que explicaria estes impasses entre intenção e
a) a terra nãopode ser assimilada a um fator de \J:ro-
gesto, pensamos ser necessário aprofundar a discussão sobre
dução; , a natureza da questão fundiária. Ao nosso ver, mesmo con-
,\ di nto
b') o ren rrne da terra propicia um nível de h.em-
di siderando haver avanços nas recentes formulações teóricas,
estar superior emrelação aos outros tipos de ren m~I'\.tos, parece-nos permanecer confusa a relação entre estruturação
já que o proprietárionão despende esforços para auferl-J.Q;
do espaço urbano e mercado de terras. A noção de especu-
c) os preçosfundiários são determinados pela ~l'o- Iação, que tornou-se pedra de toque do debate, serve mais
priação de economiasexternas criadas, sobretudo, pelo Pbder para confundir do que para explicar, pois remete a relação a
público; _ uma indeterminação econômica, sobretudo quando se quer
" íntervençác estabelecer separações entre ganhos "lícitos" e "ilícitos",
d) assim sendo,torna-se neces,s~a ".' , .:» go-
t 1 obietivo de corrigir as uraclOnahd\id Em nossa opinião, o debate somente tomará caminhos
vernamen a como J üid a de na di s trfb1 u' es
no uso do soloe de promover a equi -ução mais profícuos se partir de uma constatação fundamental: o
sócio-espacial dariqueza. fato de que a terra é um bem não produzido que, portanto,
não tem valor, mas que adquire um preço. Ora, um bem não
A tal argumentaçãoteórica juntam -se algumas con\;ide_ produzido não pode ter seu preço regulado pela lei da oferta,
rações de ordemprática,Tenta-se, d~mons:rar qU,eo c°In,.bate pois não há lei regulando a sua oferta. É a procura qu
uscita o preço da terra e não o encontro do mercado d
aos gan h os "ilí'to"
1 Cl S
dos proprietanos seria posslvel, me. ~
, d d 'El"mo
tratando-se deumalimitação do direito de proprle a ,e~ pois "produtores" e compradores de solo, É necessário esclar r
contaria com oapOIO , das fraçoes
- capi'tal' is tas da SOCle\dade que não é a demanda final formada pelos consumid r fi

88 80
A Urbanização e a Questão Fundiária
Dos Cortiços aos Condomínios Fechados

orientados pelas suas preferências e levando em conside-


porador, O construtor, o financiado·... e o tíd '
í

ração as utilidades das várias porções de solo que fixa o preço bíliá
1 iano.
N'os capítulos s . t "nves 1 or Imo-

da terra. Trata-se da demanda capitalista por solo. Em eguin es, estudaremos as relações
outras palavras, é necessário colocar como premissa de que_estdesag:n:es estabelecem com os mecanismos de valorí-
zaçao os vários capít . . ~
análise que os preços fundiários são formados a partir da círcul - . 1 aIS que mtervem na produção e na
hierarquia de preços gerada pelas várias demandas dos ~çaode moradia e da propriedade das terras utilizadas
para fins residenciais.
agentes capitalistas que valorizam seus capitais através da
utilização e da transformação do uso do solo urbano. Isto
significa dizer que a compreensão dos mecanismos de for- 1.1, Espaço Urbano ea Proclução de Mercadorias
mação dos preços da terra, bem como os efeitos destes sobre
a configuração espacial das cidades, passa, necessaria-
mente, pela análise das relações entre valorização dos I A análise ~o papel econômico da cidade foi durante
capitais e uso do solo. t g~ te~po objeto de preocupação dos economistas embora
A tese que esposamos é que a terra urbana somente t~ a so do um :elativo eclipse após os trabalhos de James
adquire um preço porque o seu uso permite aos agentes art, e, posterIormente, no decurso do sé I XX 1 EI
rapar t ' ecu o . a
econômicos obterem ganhos extraordinários nos investimen- ece a raves de uma série de trabalh b
IItrib . os que uscam
tos que realizam na cidade. O preço da terra é somente um uir ~o.agrupamento espacial das atividades econômi-
reflexo da disputa entre os diversos capitalistas pelo controle s, propICIado pela cidade um papel multí li d d
~ Itos d de i IP oa or os
das condições que permitem o surgimento dos sobrel ucros de . e :n~ssa e e Justaposição de agentes e de fatores
localização. Io-economICOS produzidos pela aglomeração urbana. 2
O objetivo deste capítulo é o de estabelecer as bases Alguns prop?em uma explicação formalizada destas
teóricas para a compreensão desta afirmação. Pretendemos V ntdagens, a~aves do conceito de externalidades. Modelos
estudar dois tipos de demandas pelo solo urbano, que geram /I esenvolVldos para exp li car (e oríentai-)
. a localização das
mecanismos distintos de relacionamento entre valorização lI' presas n~ espaço urbano, uma vez que, devido à existência
de capitais e valorização da propriedade. A primeira é cons- t e~~;~mIas externas, a implantação na cidade permite
t
,li

tituída pelos agentes econômicos que investem seus capitais I 1 1_ ades diferenciais. Não preocupa aos teóricos da

na produção e na circulação de mercadorias, para os quais o ;1 I reaçao o ~studo dos processos de criação das externali-
I /I S proporCIOnadas pela cidade.
espaço urbano é um marco do lucro, A segunda é constituída
pelos agentes que rentabilizam seus capitais na produção e Uma das razões desta "despreocupação" t' .
circulação dos objetos imobiliários que equipam o espaço I'" Idade d' es a na mca-
a economia neoclássica, cujos pressupostos
urbano dos elementos necessários para que ele exerça aquela
função. Para estes últimos o uso e transformação do espaço
'RYCKE, Pierre Henri - Econo . t Pla .. .
urbano é o próprio objeto do lucro, O mercado imobiliário é I , 1979. mie e níflcatlOn Urbaines, Paria,
constituído destes agentes: o proprietário da terra, o incor- V r, por exemplo: RÉMY Jean MOLS ' .
• Ieeancs Urbaines" R" E e .' Emile - "Economies Extern a t.
, evue COnomlque, Volume XXIII, n? 6.
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Dos Cortiços aos Condomínios Fechados
A Urbanização e a Questão Fundiária

. ~artiremos da seguinte constatação: para que o capital-


sustentam os modelos de localização, de pensar o processo de
dinheiro c?nverta-se em capital-produtivo, ou seja, nos meios
produção de mercadorias além das condições que regem o
de ~ro~uçao e na força de trabalho, é necessário que o agente
funcionamento da empresa isolada. Ao nível micro, com
capIt~hsta tenha acesso a um conjunto de condições qu
efeito, o que se passa fora do processo imediato da produção
permita a_utilizaç~o da forç}lde trabalho com a finalidad:
é assimilado às "condições naturais". da prod~ç.ao da mais-valia. E necessário, por exemplo, que o
A compreensão rigorosa da relação entre espaço urbano empresarro tenha acesso à matéria-prima que será usada no
e economia necessita que se abandone o nível da empresa proc:esso produtivo, ou que a força de trabalho esteja dís-
para pensarmos a produção e a circulação de mercadorias pomvel: ~xpropriada, concentrada e qualificada para exer-
como processo social, no sentido de que, embora fundadas em cer funçoes no processo produtivo. Dito de outra forma
unidades isoladas (as empresas), existem condições gerais p.ara ,que o capital-dinheiro converta-se em capital-produ~
que regem e regulam o funcionamento de cada unidade. Por tIvo e necessário o controle sobre um conjunto de valores
outro lado, tais condições gerais nascem da ação destas de ~s? que, combinados. de uma determinada forma, pro-
unidades isoladas, estabelecendo-se uma relação dialética duzirão um valor superior ao do capital-dinheiro inicial-
entre as partes e o todo. Por exemplo: a existência da taxa mente empregado.
média de lucro é uma condição geral que condiciona e regula Uma. parte d~stes valores de uso é produzida como
a ação dos agentes econômicos, colocando-se para eles como mercadoria, como e o caso da matéria-prima e dos instru-
um dado externo, sobre o qual não têm influência e a partir mentos de trabalho. O acesso a esta categoria de valores de
do qual devem tomar as decisões sobre os investimentos que uso depende das leis econômicas que regulam as trocas entre
realizarão. A taxa média de lucro, no entanto, nasce da ação •.agentes ~conômi:os. Isto significa que estes bens, embora
destes agentes, uma vez que a livre movimentação entre os n o ser:~o livres, nao possibilitam a criação de situações de
capitais impede o estabelecimento de situações de monopólio I o~op?ho, uma vez q~e eles são indefinidamente repro-
permanentes, nas quais a rentabilidade não estaria determi- du~veIs. Podemos, entao, concluir que a criação destas con-
nada pelas condições gerais. ,I oes ~a produção é assegurada pelo movimento da própria
Trata-se, portanto, de pensar como as externalidades
3
111' duçao no seu conjunto.
existentes na cidade ou os efeitos úteis de aglomeração têm Há, porém, uma outra categoria de utilidades que não
como gênese o processo de produção e de circulação de mer- I do reprodutíveis, não se transforma em mercadorias e
cadorias, embora ao nível de cada agente eles possam surgir Ili o tal a sua emergê~cia não está assegurada pelas leis

como um elemento "externo". Ijll regulam a produção de mercadorias. Estas utilidades


11I:' ~ quando um agente econômico controla propriedades
II jetos, configuração de objetos e/ou processos que per-
3 Passaremos a utilizar o termo "efeitos úteis de aglomeração" em lugar I I, aumentar a rentabilidade do investimento realizado
de externalidades na medida em que, ao nosso ver, ele é mais revelador da
relação que se estabelece entre espaço urbano e produção e circulação d
" umentando a produtividade do trabalho, seja dí-
mercadorias: uma condição necessária à acumulação do capital, mas nã II I I indo o tempo de imobilização do capital.
produzida por nenhuma unidade isolada.
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d Urbanização e a Questão Fundiária Dos Cortiços aos Condomínios Fechadoe

o que caracteriza estes valores de uso é o fato .de n~o sentido, podemos pensar que a cidade seja um valor de uso
serem mercadorias. Portanto, o seu consumo produtivo nao complexo.' cuja formação nasce da combinação de outros
implica em transmissão de valor, embora contribua para valores de uso simples. Quais são os elementos deste valor
diminuir o tempo de trabalho necessário à produção. Estes de uso complexo?
valores de uso podem parecer como"propriedade do capital", A cidade, enquanto valor de uso complexo, torna-se,
quando a sua criação se realiza no interior de um processo assim, uma força produtiva social espacial, diferente
de trabalho. Este é o caso da cooperação de um grande daquela nascida no interior de cada processo produtivo. A
número de trabalhadores concentrados numa mesma em- sua utilização permite aumentar a produtividade do tra-
presa, que permite aumentar a força produti:va .e~ p~- balho e diminuir o tempo de rotação do capital, o que se
porções superiores à soma das forças de trabalho mdiVlduals. traduz em maior rentabilidade dos investimentos realizados.
Por exemplo: se uma empresa emprega 100 trabalhadores Entretanto, verificamos que o acesso aos efeitos úteis de aglo-
para produzir 1.000 unidades, e multiplicar por cinco a meração é desigual na medida em que há a tendência à
quantidade de trabalhadores, ela poderá o~ter uma pr~- concentração espacial dos elementos que entram na formação
dução maior que 5.000 unidades, desde que haja. uma orgam- do valor de uso complexo.A conseqüência é que as empresas
zação do trabalho e a utilização de uma tecnologla adequada. procurarão localizar-se naqueles pontos do espaço urbano me-
O acesso a estes "efeitos úteis" dependerá exclusivamente da lhor dotados destes elementos (doponto de vista quantitativo,
grandeza do capital empregado, desde que nenh~ obs- qualitativo e espacial) e, assim, beneficiarem-se de condições
táculo exterior ao capital impeça o uso dos procedimentos xcepcionais de rentabilidade, isto é de sobrelucros de locali-
tecnológicos e da organização do trabalho que permitem a zação.
sua geraçao.
Há porém outros tipos de valores de uso necessário à 1.2. Contradições da Urbanização Capitalista
, , "
produção que surgem como "propriedades da natur~za , ~a
medida em que a sua criação não pode realizar-se no inter-ior A "internalização" dos efeitos úteis de aglomeração é o
de um processo de trabalho. Trata-se de utilidades n~o bjeto de interesse dos agentes econômicos quando decidem
controladas por nenhuma empresa isolada, portanto nao nde devem localizar seus empreendimentos. O sentido
conômico desta decisão é a busca do controle de certas
reprodutíveis. Os "recursos naturais" são exemplo _típi:o
destes valores de uso. Os efeitos úteis de aglomeraçao sao ndições da produção não-reprodutíveis, portanto, monopo-
outro exemplo, uma vez que para um capital isolado trata-se lizáveis, geradoras de sobrelucros de localização.
de uma utilidade não-reprodutível, "natural".
Por defeitos úteis de aglomeração entendemos o valor
de uso resultante da articulação quantitativa, qualitativa e Cf. PRETECEILLE, E. - La Planification Urbaine, Paris, Centre de
espacial de vários processos de produção e de cir~ulaçã.ode Sociologie Urbaine, 1974.
mercadorias e da configuração espacial de objetos ImO- LillKINE, J - L' Etat, Le Marxisme e L'Urbain, Paris, PUF, 1976.
TOPALOV, C. - Capital et Propriété Foncire, Paris, Centre de Sociologie
biliários que servem como suporte àquela articulação. Neste Urbaine, 1973.

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Dos Cortiços aos Condomínios Fechados
A Urbanização e a Questão Fundiária

A essência da contradição da urbanização 8~no fato Em segundo lugar, a formação e renovação do valor de
de a cidade representar um valor de uso compl~~, impor- uso complexo dependem não só da existência dos objetos
tante para a produção e circulação de mercadCliase, no imobiliários, mas também da sua articulação espacial. Isto
entanto, ela em si mesma não ser uma mercBIloria.Isto sbarra no fato de muitos destes objetos serem produzidos e
significa que nenhum agente pode contro~ar os prO;essos que eridos enquanto mercadorias, portanto a partir das neces-
concorrem para sua formação e renovaçao, emb ~todos os idades de cada empresa em obter a rentabilidade do inves-
agentes busquem controlar o acesso ~o s:u ~~is r lável uso timento realizado. Não há um plano que estabeleça regras
econômico. Com efeito, nenhum capital individudpida pro- que orientarão cada processo produtivo de forma a garantir
duzir o conjunto dos objetos imobiliários que dei Itninamas que o conjunto de objetos imobiliários tenha uma articulação
condições da sua própria reprodução na quanti<~de,quali- pacial. Isso contrasta com o que ocorre no interior de cada
dade e na articulação espacial necessárias, e mnos ainda J recesso produtivo, onde o capital impõe uma ordem coerente
pode induzir que outros agentes instalem atividaa comple- m as suas necessidades de lucro. 6
mentares à sua e localizadas em pontos do eSp8~que pos- Em terceiro lugar, a concorrência entre as empresas na
sam gerar as necessárias "economias externas" l~raque ele busca do controle das condições que permitem o surgimento
se beneficie de condições extraordinárias de renlabilidade. I sobrelucros de localização gerará uma competição pelo
A formação e renovação do valor de uso <l:m.plexo é, do espaço urbano, gerando uma tendência à concen-
portanto, problemática. Em ~rime?,o l~~a: '.porqUe somente I nção espacial das atividades e, conseqüentemente, dos
serão produzidos aqueles objetos lIDoblliarlOs qUeoferecem quipamentos e da ínfra-estrutura.
condições de rentabilidade, ou seja, ao menos alaxamédia Por último, a propriedade privada do solo urbano se
de lucro. Pode então suceder que certos eqUipamentos ()\ ca como obstáculo à formação e renovação do valor de uso
coletivos e elementos da infra-estrutura urbanunão sejam 111 plexo. Ela representa, de um lado, uma apropriação
produzidos, embora sejam necessários, para qU~surjamos 1/\ lada do solo urbano, o que torna difícil a produção dos
efeitos úteis de aglomeração. Historicamente, oEstadotem qui amentos e da infra-estrutura com a necessária articu-
assumido papel de produtor e gestor destes ele~entosnão- I I espacial, uma vez que ela exige grandes extensões
rentáveis do valor de uso complexo, sendo este ofundamento III1Unuas de terra. Por outro lado, como o desenvolvimento
5
do que se convencionou chamar planejamento urlJano. i ade é diacrônico, a propriedade privada da terra ur-

Cabe aqui uma ressalva: não há nenhuma ca:acterís~iCaintrínseca aos ( ndíções gerais que regulam a valorização dos capitais, que, estabele-
6 (II o uma taxa média de lucro tornam certos setores atrativos ao inves-
equipamentos e à infra-estrutura que os torne n~o-rentavcl\como querem
alguns teóricos da economia pública quando dl~;utem Olbensc?letivos. f I nto privado e outros desinteressantes.
Encontramos hoje certos equipamentos que ja foram \Il1ldUZldospor NI manufatura a lei de ferro da proporcionalidade submete determinadas
empresas privadas e que hoje estão nas mãos do Estado,~mo é o caso do qUI tidades de trabalhadores a determinadas funções; na sociedade o
sistema de esgotamento sanitário. Encon~amos tamlJimoutros c,ujo II 10, o arbítrio, desempenham livremente seu papel na distribuição dos
gestão no Brasil é realizada por empresas privadas e que !in outros paises 1'.lIft tores de mercadorias e de seus meios de produção entre diferentes
pertencem à esfera da administração pública, sendo o s~de transport I 1111 de trabalho social." In MARX, K - O Capital, Rio de Janeiro,
urbano um bom exemplo. O que torna estes bens rentáveisou não são 8ft I li • I\" d Brasil, Livro I, volume I, p. 407.

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A Urbaniza.ção e a Questão Fundiária Dos Cortiços aos Condomínios Fechados

bana representa muitas vezes a cristalização jurídica de priedade não-capitalista", encontrando o capital uma bar-
relações sociais sobreviventes de etapas anteriores do capi- reira extra-econômica para que possa valorizar-se na pro-
talismo' o que pode representar obstáculos para que o capital dução e na circulação de mercadorias. A propriedade privada
tenha acesso ao solo. O pequeno camponês instalado na da terra urbana dificulta, portanto, a formação e renovação
periferia da cidade, o pequeno comércio e o artesanato são do valor de uso complexo não só porque cria barreiras para
exemplos de propriedades que expressam conteúdos diferen- o acesso a grandes extensões contínuas de solo, mas também
tes da terra utilizada pelo capital. Enquanto, para o pri- orque o capital enfrenta barreiras extra-econômicas para
meiro' a posse do solo é um meio de manter-se como produtor bter o controle sobre o uso de certas porções do solo urbano.
independente, para o segundo a propriedade é um instru-
mento de valorização do capital. Um pequeno comerciante
instalado no centro da aglomeração urbana sobrevive na 1.3. Preço da Terra e o Uso do Solo Urbano
competição com o grande comércio na medida que mantém
um acesso privilegiado à clientela. Neste caso, vender a
propriedade poderá significar perder a condição de produtor o pensamento que tem sido dominante nas discussões
independente, pois dificilmente terá condições de instalar-se ais recentes sobre a questão urbana aponta opreço da terra
em outros pontos da cidade, condição de pequeno comer- mo o mecanismo econômico responsável pela constituição
ciante. A decisão de vender para estes proprietários não é, 1 espaço urbano e pela segregação social na cidade. A
desta forma, decorrente de um cálculo econômico, o que propriedade privada do solo é, então, colocada como causa
coloca na relação entre capital e propriedade um elemento principal dos males vividos pelas cidades capitalistas. A
estranho à racionalidade econômica predominante. Para tor- nálise que fizemos sobre os processos que estão na base da
nar mais clara a nossa argumentação, imaginemos um rbanização capitalista - e das suas contradições - indicam,
exemplo oposto. Um capitalista que queira comprar um contrário, que é a utilização capitalista do espaço urbano
terreno para instalar-se como comerciante de sapatos. Se lU confere à propriedade privada da terra um valor. Em
este terreno for de propriedade de outro comerciante, di- lU tras palavras, se o solo urbano adquire um preço é porque

gamos de gêneros alimentícios, a venda do terreno concreti- I vários agentes capitalistas estabelecem uma concorrência

zar-se-á na medida em que o preço compensar a perda do JlIII' controlar as condições urbanas que permitem o surgi-
sobrelucro de implantação e o custo de nova implantação, 111 nto de lucros extraordinários.

caso queira continuar investindo seu capital no mesmo ramo A origem destes lucros extraordinários está no acesso
de comércio. O comprador do terreno, por sua vez, estará I n r nciado que a localização dos terrenos propicia ao uso
disposto a pagar um preço que se situe até o limite do II ualor de uso complexo que representa a cidade. Neste
sobrelucro que a localização do terreno no espaço urbano 111.1 o, o preço da terra nada mais é do que uma transfor-
proporciona ao comércio de sapatos. Assim sendo, quando se 1/\ I sócio-econômica do sobrelucro de localização. Isto
trata de "propriedade capitalista", há uma racionalidad " fica que é o movimento do capital que confere um
econômica que fundamenta a relação entre comprador 11111, ' do econômico à propriedade privada da terra urbana.
vendedor. O mesmo não acontece quando se trata de "pro- 1,\ I ume o papel de mecanismo de distribuição espacial

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A Urbanização e a Questão Fundiária

das atividades enquanto reflexo da concorrência entre ()


agentes capitalistas pela urbanização privada da cidade. (lI
outro lado, este movimento dos capitais criará uma série di
obstáculos para que o espaço urbano possa gerar osefeitos ú
de aglomeração necessários à reprodução destes capitais.
É neste contexto que pretendemos estudar a relação qu
articula propriedade privada da terra e capital num ramo qun
produz um dos objetos imobiliários mais importantes domarm
construído da cidade: o ramo da produção de moradias.
Antes, porém, vamos fazer uma discussão sobre a teor 11 Capítulo 2
da renda da terra em geral, cuja finalidade será compreend I
teoricamente as relações entre capital e propriedad
fundiária. Num segundo momento, procuraremos discutir 1\
possibilidades e limites de aplicação de teoria geral da ren lI' pital e Propriedade: A Renda da
fundiária à cidade, levando em consideração as particular Terra na Produção do
dades do uso do solo urbano. De posse dos resultados desla Espaço Construido
investigação teórica empreenderemos uma discussão da pro
dução imobiliária com a finalidade de compreender as pa
ticularidades de relação entre capital e propriedade da ter 11
neste setor de produção.

~o pretendemos neste capítulo realizar uma exegese do


livro lU da principal obra de Marx. Não temos esta
/I lia e nem acreditamos ter alguma utilidade para os
hull••.•os presentes propósitos. Sentimo-nos, porém, obrigados
if. r algumas colocações gerais a propósito da "Teoria da
11 I da Terra", antes de entrarmos numa discussão sobre
I' xlução capitalista da moradia, em razão da necessidade
plícar a maneira como apreendemos as categorias formu-
1111: nda fundiária, preço da terra, renda diferencial, renda
, lu~a,e ~enda de monopólio. Por outro lado, este capítulo
I' tira pmçar alguns elementos teóricos para a discussão
ndições e limites da produção capitalista da moradia.

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