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OBSERVATÓRIO DE
POLíTICAS URBANAS lüJ
E GESTÃO MUNICIPAL DI
IPPUR • UFRJ • FASE
CIVILlZACAO BRASILEIRA
~J
Capítulo 1
A Urbanização e a
Questão Fundiária
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A Urbanização e a Questão Fundiária
Dos Cortiços aos Condomínios Fechados
ração as utilidades das várias porções de solo que fixa o preço bíliá
1 iano.
N'os capítulos s . t "nves 1 or Imo-
da terra. Trata-se da demanda capitalista por solo. Em eguin es, estudaremos as relações
outras palavras, é necessário colocar como premissa de que_estdesag:n:es estabelecem com os mecanismos de valorí-
zaçao os vários capít . . ~
análise que os preços fundiários são formados a partir da círcul - . 1 aIS que mtervem na produção e na
hierarquia de preços gerada pelas várias demandas dos ~çaode moradia e da propriedade das terras utilizadas
para fins residenciais.
agentes capitalistas que valorizam seus capitais através da
utilização e da transformação do uso do solo urbano. Isto
significa dizer que a compreensão dos mecanismos de for- 1.1, Espaço Urbano ea Proclução de Mercadorias
mação dos preços da terra, bem como os efeitos destes sobre
a configuração espacial das cidades, passa, necessaria-
mente, pela análise das relações entre valorização dos I A análise ~o papel econômico da cidade foi durante
capitais e uso do solo. t g~ te~po objeto de preocupação dos economistas embora
A tese que esposamos é que a terra urbana somente t~ a so do um :elativo eclipse após os trabalhos de James
adquire um preço porque o seu uso permite aos agentes art, e, posterIormente, no decurso do sé I XX 1 EI
rapar t ' ecu o . a
econômicos obterem ganhos extraordinários nos investimen- ece a raves de uma série de trabalh b
IItrib . os que uscam
tos que realizam na cidade. O preço da terra é somente um uir ~o.agrupamento espacial das atividades econômi-
reflexo da disputa entre os diversos capitalistas pelo controle s, propICIado pela cidade um papel multí li d d
~ Itos d de i IP oa or os
das condições que permitem o surgimento dos sobrel ucros de . e :n~ssa e e Justaposição de agentes e de fatores
localização. Io-economICOS produzidos pela aglomeração urbana. 2
O objetivo deste capítulo é o de estabelecer as bases Alguns prop?em uma explicação formalizada destas
teóricas para a compreensão desta afirmação. Pretendemos V ntdagens, a~aves do conceito de externalidades. Modelos
estudar dois tipos de demandas pelo solo urbano, que geram /I esenvolVldos para exp li car (e oríentai-)
. a localização das
mecanismos distintos de relacionamento entre valorização lI' presas n~ espaço urbano, uma vez que, devido à existência
de capitais e valorização da propriedade. A primeira é cons- t e~~;~mIas externas, a implantação na cidade permite
t
,li
tituída pelos agentes econômicos que investem seus capitais I 1 1_ ades diferenciais. Não preocupa aos teóricos da
na produção e na circulação de mercadorias, para os quais o ;1 I reaçao o ~studo dos processos de criação das externali-
I /I S proporCIOnadas pela cidade.
espaço urbano é um marco do lucro, A segunda é constituída
pelos agentes que rentabilizam seus capitais na produção e Uma das razões desta "despreocupação" t' .
circulação dos objetos imobiliários que equipam o espaço I'" Idade d' es a na mca-
a economia neoclássica, cujos pressupostos
urbano dos elementos necessários para que ele exerça aquela
função. Para estes últimos o uso e transformação do espaço
'RYCKE, Pierre Henri - Econo . t Pla .. .
urbano é o próprio objeto do lucro, O mercado imobiliário é I , 1979. mie e níflcatlOn Urbaines, Paria,
constituído destes agentes: o proprietário da terra, o incor- V r, por exemplo: RÉMY Jean MOLS ' .
• Ieeancs Urbaines" R" E e .' Emile - "Economies Extern a t.
, evue COnomlque, Volume XXIII, n? 6.
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o que caracteriza estes valores de uso é o fato .de n~o sentido, podemos pensar que a cidade seja um valor de uso
serem mercadorias. Portanto, o seu consumo produtivo nao complexo.' cuja formação nasce da combinação de outros
implica em transmissão de valor, embora contribua para valores de uso simples. Quais são os elementos deste valor
diminuir o tempo de trabalho necessário à produção. Estes de uso complexo?
valores de uso podem parecer como"propriedade do capital", A cidade, enquanto valor de uso complexo, torna-se,
quando a sua criação se realiza no interior de um processo assim, uma força produtiva social espacial, diferente
de trabalho. Este é o caso da cooperação de um grande daquela nascida no interior de cada processo produtivo. A
número de trabalhadores concentrados numa mesma em- sua utilização permite aumentar a produtividade do tra-
presa, que permite aumentar a força produti:va .e~ p~- balho e diminuir o tempo de rotação do capital, o que se
porções superiores à soma das forças de trabalho mdiVlduals. traduz em maior rentabilidade dos investimentos realizados.
Por exemplo: se uma empresa emprega 100 trabalhadores Entretanto, verificamos que o acesso aos efeitos úteis de aglo-
para produzir 1.000 unidades, e multiplicar por cinco a meração é desigual na medida em que há a tendência à
quantidade de trabalhadores, ela poderá o~ter uma pr~- concentração espacial dos elementos que entram na formação
dução maior que 5.000 unidades, desde que haja. uma orgam- do valor de uso complexo.A conseqüência é que as empresas
zação do trabalho e a utilização de uma tecnologla adequada. procurarão localizar-se naqueles pontos do espaço urbano me-
O acesso a estes "efeitos úteis" dependerá exclusivamente da lhor dotados destes elementos (doponto de vista quantitativo,
grandeza do capital empregado, desde que nenh~ obs- qualitativo e espacial) e, assim, beneficiarem-se de condições
táculo exterior ao capital impeça o uso dos procedimentos xcepcionais de rentabilidade, isto é de sobrelucros de locali-
tecnológicos e da organização do trabalho que permitem a zação.
sua geraçao.
Há porém outros tipos de valores de uso necessário à 1.2. Contradições da Urbanização Capitalista
, , "
produção que surgem como "propriedades da natur~za , ~a
medida em que a sua criação não pode realizar-se no inter-ior A "internalização" dos efeitos úteis de aglomeração é o
de um processo de trabalho. Trata-se de utilidades n~o bjeto de interesse dos agentes econômicos quando decidem
controladas por nenhuma empresa isolada, portanto nao nde devem localizar seus empreendimentos. O sentido
conômico desta decisão é a busca do controle de certas
reprodutíveis. Os "recursos naturais" são exemplo _típi:o
destes valores de uso. Os efeitos úteis de aglomeraçao sao ndições da produção não-reprodutíveis, portanto, monopo-
outro exemplo, uma vez que para um capital isolado trata-se lizáveis, geradoras de sobrelucros de localização.
de uma utilidade não-reprodutível, "natural".
Por defeitos úteis de aglomeração entendemos o valor
de uso resultante da articulação quantitativa, qualitativa e Cf. PRETECEILLE, E. - La Planification Urbaine, Paris, Centre de
espacial de vários processos de produção e de cir~ulaçã.ode Sociologie Urbaine, 1974.
mercadorias e da configuração espacial de objetos ImO- LillKINE, J - L' Etat, Le Marxisme e L'Urbain, Paris, PUF, 1976.
TOPALOV, C. - Capital et Propriété Foncire, Paris, Centre de Sociologie
biliários que servem como suporte àquela articulação. Neste Urbaine, 1973.
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A essência da contradição da urbanização 8~no fato Em segundo lugar, a formação e renovação do valor de
de a cidade representar um valor de uso compl~~, impor- uso complexo dependem não só da existência dos objetos
tante para a produção e circulação de mercadCliase, no imobiliários, mas também da sua articulação espacial. Isto
entanto, ela em si mesma não ser uma mercBIloria.Isto sbarra no fato de muitos destes objetos serem produzidos e
significa que nenhum agente pode contro~ar os prO;essos que eridos enquanto mercadorias, portanto a partir das neces-
concorrem para sua formação e renovaçao, emb ~todos os idades de cada empresa em obter a rentabilidade do inves-
agentes busquem controlar o acesso ~o s:u ~~is r lável uso timento realizado. Não há um plano que estabeleça regras
econômico. Com efeito, nenhum capital individudpida pro- que orientarão cada processo produtivo de forma a garantir
duzir o conjunto dos objetos imobiliários que dei Itninamas que o conjunto de objetos imobiliários tenha uma articulação
condições da sua própria reprodução na quanti<~de,quali- pacial. Isso contrasta com o que ocorre no interior de cada
dade e na articulação espacial necessárias, e mnos ainda J recesso produtivo, onde o capital impõe uma ordem coerente
pode induzir que outros agentes instalem atividaa comple- m as suas necessidades de lucro. 6
mentares à sua e localizadas em pontos do eSp8~que pos- Em terceiro lugar, a concorrência entre as empresas na
sam gerar as necessárias "economias externas" l~raque ele busca do controle das condições que permitem o surgimento
se beneficie de condições extraordinárias de renlabilidade. I sobrelucros de localização gerará uma competição pelo
A formação e renovação do valor de uso <l:m.plexo é, do espaço urbano, gerando uma tendência à concen-
portanto, problemática. Em ~rime?,o l~~a: '.porqUe somente I nção espacial das atividades e, conseqüentemente, dos
serão produzidos aqueles objetos lIDoblliarlOs qUeoferecem quipamentos e da ínfra-estrutura.
condições de rentabilidade, ou seja, ao menos alaxamédia Por último, a propriedade privada do solo urbano se
de lucro. Pode então suceder que certos eqUipamentos ()\ ca como obstáculo à formação e renovação do valor de uso
coletivos e elementos da infra-estrutura urbanunão sejam 111 plexo. Ela representa, de um lado, uma apropriação
produzidos, embora sejam necessários, para qU~surjamos 1/\ lada do solo urbano, o que torna difícil a produção dos
efeitos úteis de aglomeração. Historicamente, oEstadotem qui amentos e da infra-estrutura com a necessária articu-
assumido papel de produtor e gestor destes ele~entosnão- I I espacial, uma vez que ela exige grandes extensões
rentáveis do valor de uso complexo, sendo este ofundamento III1Unuas de terra. Por outro lado, como o desenvolvimento
5
do que se convencionou chamar planejamento urlJano. i ade é diacrônico, a propriedade privada da terra ur-
Cabe aqui uma ressalva: não há nenhuma ca:acterís~iCaintrínseca aos ( ndíções gerais que regulam a valorização dos capitais, que, estabele-
6 (II o uma taxa média de lucro tornam certos setores atrativos ao inves-
equipamentos e à infra-estrutura que os torne n~o-rentavcl\como querem
alguns teóricos da economia pública quando dl~;utem Olbensc?letivos. f I nto privado e outros desinteressantes.
Encontramos hoje certos equipamentos que ja foram \Il1ldUZldospor NI manufatura a lei de ferro da proporcionalidade submete determinadas
empresas privadas e que hoje estão nas mãos do Estado,~mo é o caso do qUI tidades de trabalhadores a determinadas funções; na sociedade o
sistema de esgotamento sanitário. Encon~amos tamlJimoutros c,ujo II 10, o arbítrio, desempenham livremente seu papel na distribuição dos
gestão no Brasil é realizada por empresas privadas e que !in outros paises 1'.lIft tores de mercadorias e de seus meios de produção entre diferentes
pertencem à esfera da administração pública, sendo o s~de transport I 1111 de trabalho social." In MARX, K - O Capital, Rio de Janeiro,
urbano um bom exemplo. O que torna estes bens rentáveisou não são 8ft I li • I\" d Brasil, Livro I, volume I, p. 407.
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bana representa muitas vezes a cristalização jurídica de priedade não-capitalista", encontrando o capital uma bar-
relações sociais sobreviventes de etapas anteriores do capi- reira extra-econômica para que possa valorizar-se na pro-
talismo' o que pode representar obstáculos para que o capital dução e na circulação de mercadorias. A propriedade privada
tenha acesso ao solo. O pequeno camponês instalado na da terra urbana dificulta, portanto, a formação e renovação
periferia da cidade, o pequeno comércio e o artesanato são do valor de uso complexo não só porque cria barreiras para
exemplos de propriedades que expressam conteúdos diferen- o acesso a grandes extensões contínuas de solo, mas também
tes da terra utilizada pelo capital. Enquanto, para o pri- orque o capital enfrenta barreiras extra-econômicas para
meiro' a posse do solo é um meio de manter-se como produtor bter o controle sobre o uso de certas porções do solo urbano.
independente, para o segundo a propriedade é um instru-
mento de valorização do capital. Um pequeno comerciante
instalado no centro da aglomeração urbana sobrevive na 1.3. Preço da Terra e o Uso do Solo Urbano
competição com o grande comércio na medida que mantém
um acesso privilegiado à clientela. Neste caso, vender a
propriedade poderá significar perder a condição de produtor o pensamento que tem sido dominante nas discussões
independente, pois dificilmente terá condições de instalar-se ais recentes sobre a questão urbana aponta opreço da terra
em outros pontos da cidade, condição de pequeno comer- mo o mecanismo econômico responsável pela constituição
ciante. A decisão de vender para estes proprietários não é, 1 espaço urbano e pela segregação social na cidade. A
desta forma, decorrente de um cálculo econômico, o que propriedade privada do solo é, então, colocada como causa
coloca na relação entre capital e propriedade um elemento principal dos males vividos pelas cidades capitalistas. A
estranho à racionalidade econômica predominante. Para tor- nálise que fizemos sobre os processos que estão na base da
nar mais clara a nossa argumentação, imaginemos um rbanização capitalista - e das suas contradições - indicam,
exemplo oposto. Um capitalista que queira comprar um contrário, que é a utilização capitalista do espaço urbano
terreno para instalar-se como comerciante de sapatos. Se lU confere à propriedade privada da terra um valor. Em
este terreno for de propriedade de outro comerciante, di- lU tras palavras, se o solo urbano adquire um preço é porque
gamos de gêneros alimentícios, a venda do terreno concreti- I vários agentes capitalistas estabelecem uma concorrência
zar-se-á na medida em que o preço compensar a perda do JlIII' controlar as condições urbanas que permitem o surgi-
sobrelucro de implantação e o custo de nova implantação, 111 nto de lucros extraordinários.
caso queira continuar investindo seu capital no mesmo ramo A origem destes lucros extraordinários está no acesso
de comércio. O comprador do terreno, por sua vez, estará I n r nciado que a localização dos terrenos propicia ao uso
disposto a pagar um preço que se situe até o limite do II ualor de uso complexo que representa a cidade. Neste
sobrelucro que a localização do terreno no espaço urbano 111.1 o, o preço da terra nada mais é do que uma transfor-
proporciona ao comércio de sapatos. Assim sendo, quando se 1/\ I sócio-econômica do sobrelucro de localização. Isto
trata de "propriedade capitalista", há uma racionalidad " fica que é o movimento do capital que confere um
econômica que fundamenta a relação entre comprador 11111, ' do econômico à propriedade privada da terra urbana.
vendedor. O mesmo não acontece quando se trata de "pro- 1,\ I ume o papel de mecanismo de distribuição espacial
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