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UNIVERSIDADE FEDERAL DO VALE DO SÃO FRANCISCO

CURSO DE ENGENHARIA MECÂNICA


MECN0026 – Mecânica dos Fluidos II
Fabiano Pinheiro de Amorim

A utilização abusiva do chamado "Princípio de Bernoulli", na aerodinâmica, e a


aplicação inapropriada das Leis de Newton do movimento, para explicar o
mecanismo físico da sustentação, têm sido uma constante na literatura
contemporânea, um exemplo clássico de esgrima científica e literária.

A ESPLICAÇÃO CLÁSSICA COM BASE EM BERNOULLI.

O mecanismo da sustentação é comumente explicado pela diminuição da pressão


estática no extradorso – a parte superior do perfil – nos moldes do "Tubo de Venturi",
caso particular em que é aplicado o "Princípio de Bernoulli" para explicar a
diminuição da pressão estática. É, assim, aludido o facto da pressão estática
diminuir no extradorso do perfil "por causa da maior velocidade" com que o ar escoa,
procurando, assim, buscar credibilidade ao teorema da conservação da energia
mecânica.

Figura 1 - Esquema "clássico" com a relação causal: + velocidade → - pressão.

Para complementar a teoria de base "Bernoulliana", é explicada, ainda, que a razão


de o ar sofrer uma aceleração tangencial no extradorso deve-se ao princípio de
"tempos de trânsito iguais", que diz que, num perfil alar assimétrico, o extradorso
tem um bojo (uma curvatura) maior; ora, como as moléculas de ar têm de percorrer
uma distância maior, desde o bordo de ataque até ao bordo de fuga, em relação ao
intradorso, e, atingindo o bordo de fuga ao mesmo tempo, são, pois, "obrigadas a
acelerar".
Figura 2 - Princípio "Tempos de Trânsito Iguais": + distância → + velocidade.

Em outra variante (Figura 3), por acaso mais "Venturiana", é também afirmado que,
na separação que se dá no bordo de ataque, as linhas de corrente que divergem
para o extradorso são comprimidas umas contra as outras pelo que, pela lei da
conservação da massa, o escoamento é obrigado a acelerar; depois, entrando com
Bernoulli, um aumento da velocidade causa uma diminuição da pressão estática.

Figura 3 - "Princípio da Conservação da Massa": - área de secção → + velocidade.

Estes são os membros de um corpo teórico clássico que, falaciosamente, foi buscar
inspiração a um fenómeno físico de seu nome Princípio de Bernoulli para explicar o
mecanismo aerodinâmico, atribuindo-lhe abusivamente aplicação causal.

VISCOSIDADE E FORÇA DE ADESÃO

O fenómeno da adesão de um fluido com escoamento em contorno de uma


superfície é tradicionalmente chamado de Efeito Coanda, numa definição
abrangente. O nome foi dado em referência ao fenómeno físico estudado
inicialmente pelo romeno Henri Marie Coanda. Num voo de teste, durante uma
tentativa de descolagem com o seu protótipo "Coanda 1910" – o primeiro motorjet
construído e testado da História – Coanda notou que as chamas que saíam do
escape do motor aderiam e escoavam pelas asas.

Como qualquer fluido, o ar tem viscosidade. E embora a viscosidade do ar seja


relativamente reduzida se comparada com outros fluidos, a verdade é que é
suficiente para que as suas moléculas adiram à superfície do dorso. As camadas de
ar afetadas pelos efeitos da viscosidade à superfície do corpo sólido com o qual
interagem, vão sendo desaceleradas. A velocidade desce, mesmo, a zero, junto à
superfície. As camadas de ar imediatamente mais afastadas da superfície do dorso
escoam a uma velocidade maior do que as mais próximas até um limite a partir do
qual a velocidade do escoamento não é reduzida pelos efeitos da viscosidade que
atuam próximo da superfície alar. Esta camada de escoamento víscido, perturbado,
junto à superfície dorsal, chama-se camada-limite (boundary layer).

Figura 4 - Camada-limite e escoamento invíscido exterior.

As camadas adjacentes de ar mais rápidas tendem a enrolar em torno das mais


lentas. Com diferenças de velocidade entre camadas, o ar vai sendo "dobrado" em
direção à superfície, e a espessura da "camada-limite" vai aumentando desde o
bordo de ataque até ao bordo de fuga. Curiosamente, numa asa de um "Boeing
747", a camada-limite pode atingir 01 polegada de espessura.

Na zona posterior do dorso, o escoamento tende a deixar de ser laminar (fino e bem
orientado) e a passar a turbulento (mais espesso e desordenado).

EXPLICANDO MELHOR.

Se um obstáculo for inserido no fluxo de um fluido o seu escoamento próximo às


superfícies limitantes acompanha as suas formas se as superfícies forem
suavemente curvas. Exemplos são as asas dos aviões, os corpos dos pássaros e
todas as formas chamadas aerodinâmicas. Se o obstáculo tem curvas abruptas ou
cantos, o escoamento não segue mais a superfície, formando vórtices. Neste caso
tem-se um escoamento turbulento. O exemplo clássico do efeito Coanda é um jato
de fluido lançado sobre uma superfície plana, soldada a um setor cilíndrico. O
escoamento não se separa imediatamente da superfície do cilindro, mas a segue até
certo ponto onde então começa a separação.
Figura 5 - Efeito Coanda: à esquerda efeito Coanda, à direita um experimento
imaginário.

Podemos entender o efeito Coanda considerando a viscosidade do fluido. Na figura


acima,, à direita, mostramos o estado inicial de um experimento imaginário. Um jato
de fluido é lançado sobre a parte plana da superfície na hipótese de viscosidade
nula. Devido à própria inercia o jato tenderia a manter a direção do movimento ao se
deslocar na parte curva a superfície cilíndrica. No entanto, considerando-se agora a
viscosidade, mesmo que seja mínimo, o fluido entre o jato e o cilindro vai ser
removido provocando nesse local uma diminuição da pressão, o que ocasiona o
encurvamento do fluxo. Este fato o leva a acompanhar a superfície do cilindro e faz
surgir um gradiente de pressão e uma aceleração, ambos normais às linhas de
corrente do fluido. Este experimento virtual mostra também a importância de ter um
mínimo de atrito ou viscosidade para os escoamentos estacionários em torno de
obstáculos com formas aerodinâmicas.

REFERÊNCIAS

David Anderson. Como os Aviões Voam: Uma Descrição Física do Vôo. Física na
Escola. Vol. 7. Nº 2. 2006.

Oliveira, Pedro Magalhães. Sustentação Aerodinâmica – O mecanismo físico.


2008

Weltner , Klaus. Ingelman-Sundberg, Martin. Esperidião, Antônio Sergio. Miranda,


Paulo. A Dinâmica dos Fluidos Complementada e a Sustentação da Asa.
Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 23, nº 4. Dezembro, 2001.

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