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Olhar a diversidade,

olhar o todo
Maria de Fátima Minetto Caldeira Silva*

P
articipando em cursos, congressos, consultorias etc., por todo o Brasil, pu-
demos constatar que, quando o assunto é inclusão, o discurso de diversos
profissionais, entre eles muitos professores, resume-se em algo como:
“Eu não sou especializada para atender essas crianças...”
“Sabe, não é má vontade, mas eu não tenho dom!”
“Tenho muita pena dessa criança, mas tenho mais 30 me esperando.”
“E... o governo que não faz a sua parte?”
“Se eu quisesse trabalhar com deficientes estaria no ensino especial, real-
mente não tenho paciência.”
“Eu não sou contra a inclusão, mas acho muito difícil...”
Perguntas que perturbam e ao mesmo tempo refletem os conflitos. As pes-
soas ainda discutem se são a favor ou contra. Mas... contra quem? Contra o de-
ficiente? Suas famílias? Contra as políticas governamentais? Contra si mesmo e
seus preconceitos? Contra mudanças? Parece-nos que não é claro para a sociedade
o que se quer com a inclusão escolar. Além dos problemas de ordem política,
como legislações, declarações, e outros, existe a força dos movimentos radicais,
que hasteiam a bandeira, ignorando as conseqüências de uma situação imposta.
Em razão disso, muito se tem falado sobre inclusão nos últimos anos. Mas,
enquanto teóricos e pesquisadores estão refletindo sobre o “estado da arte”, dis-
cutindo terminologias, as escolas têm recebido em suas salas de aula crianças
com necessidades especiais em um fluxo cada vez mais acentuado. No meio desse
turbilhão, temos as escolas, os professores, as crianças e os pais tentando acertar
o passo.
A inclusão é um fato. Um caminho sem volta! O resgate de algo que ficou
para trás na história e hoje é reparado. Nós, cidadãos, temos duas opções: ficar-
mos questionando, culpando, reclamando, mas, estáticos, posição essa que não
traz alívio para as angústias e ainda produz sofrimento para si e para todos que
Psicóloga. Mestre em Educa-
nos rodeiam; ou então parar, olhar à nossa volta e reagir, arregaçar as mangas e ção (UFPR) na linha de cognição
ver como podemos melhorar essa situação, refletindo sobre si mesmo, como pes- e aprendizagem. Especialista
em Deficiência Mental (UFPR).
soa e profissional, superando medos, preconceitos. Terapeuta familiar sistêmica
(INTERCEF). Psicóloga escolar.
Com certeza, caro leitor, você optou pela segunda. Por isso, vamos ver o todo Professora da PMC. Professora
através de suas partes. Adjunta na Universidade Tuiuti
do Paraná (UTP) e na Faculdade
Assim, é preciso explorar não só as diversidades de aprendizagem de pes- Evangélica do Paraná (FEPAR).
Psicóloga do Ambulatório da
soas com necessidades educativas especiais (NEE), mas também fatores emocio- Síndrome de Down da UFPR.
Diversidade na Aprendizagem de Pessoas com Necessidades Especiais

nais, sociais, culturais, políticos que permeiam todos os envolvidos. É necessário


salientar as diferentes abordagens teóricas: o professor e sua relação com a dife-
rença; a sua formação e a diversidade; as particularidades da aprendizagem em
cada tipo de necessidades especiais (NE). Acreditamos que, compreendendo esse
todo, seremos capazes de entender e ressignificar o contexto escolar para consi-
derar a diferença.

Abordagem teórica
As teorias científicas norteiam o trabalho de profis-
sionais nos diferentes campos de sua atuação. Hoje, a Edu-
cação e os profissionais a ela ligados (educadores, peda-
gogos, psicólogos, psicopedagogos etc.) têm se beneficiado
com a contribuição dessas teorias, sendo a Psicanálise, a
Psicologia comportamental e a Teoria sistêmica as mais co-
nhecidas. Para o professor que busca a formação continua-
da, consideramos importante conhecer a contribuição das
diferentes linhas teóricas para a educação, aprofundar seus
conhecimentos, para que possa compreender as diferentes
formas de intervenção e, assim, optar pela que mais lhe
agrade. Vamos revisá-las.
Uma abordagem teórica bastante difundida é o beha-
viorismo desenvolvido por Watson e seguido por Skinner, en-
tre outros. O termo “behavior” significa comportamento. Por
isso, também é conhecida como teoria comportamental, aná-
lise experimental do comportamento ou análise do compor-
tamento. O behaviorismo dedica-se ao estudo das interações
Sigmund Freud o fundador da Psicanálise.
entre o indivíduo e o ambiente, os estímulos deste e a resposta
do sujeito. A análise experimental do comportamento pode
nos ajudar em muitas situações, através da modificação do comportamento.
Os conceitos comportamentalistas são amplamente utilizados por educa-
dores. Muitos métodos de ensino e situações de aprendizagem são organizados,
embasados por essa concepção. A educação especial utiliza-se amplamente
desses conceitos.
Uma outra abordagem é a Psicanálise, criada por Freud, seguido posterior-
mente por muitos outros, por Winnicott. A Psicanálise é uma teoria, um método
de investigação e uma prática profissional. Enquanto teoria constitui-se de um
conjunto de conhecimentos sistematizados sobre a vida psíquica. Como método
de investigação tem como característica principal a interpretação, buscando o
significado oculto daquilo que é manifestado pelo sujeito por ações e palavras,
pelo imaginário, sonhos. A prática profissional, hoje, não se limita somente à
análise (busca o autoconhecimento). A Psicanálise é usada como base para a Psi-
coterapia, aconselhamento, orientação, em trabalho de grupos, em instituições e
também nas escolas.
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A terceira abordagem que aqui apresentamos, o modelo sistêmico, entende


que qualquer organismo é um sistema em interação. Essa interação é simultânea
e mutuamente interdependente de outros componentes. Entende que o sujeito está
inserido no “mundo das relações”, no qual, ao mesmo tempo em que influencia
também sofre influências.
Essa concepção é vista como uma nova visão da realidade que se baseia no
estado de inter-relação e interdependência de todos os fenômenos físicos, biológi-
cos, psicológicos, sociais e culturais, o que configura uma estrutura inter-relacio-
nada de múltiplos níveis de realidade, criando uma mudança de filosofia e trans-
formação de cultura. A abordagem sistêmica é utilizada com sucesso no âmbito
empresarial, escolar e principalmente na terapia familiar.
Esse modelo propõe, que todas as redes sociais envolvidas numa situação
(por exemplo, a aprendizagem de pessoas com necessidades especiais) são co-
responsáveis tanto pelos recursos a serem utilizados, quanto pelos impasses que
surgem ao longo do caminho. Trata-se de construir, junto com o sujeito, a família,
a escola, os profissionais, uma experiência compartilhada, através da busca de
alternativas de intervenção para essa realidade.
Dentro dessa visão, as diversidades na aprendizagem têm diferentes ori-
gens, causas e manutenção, em
razão da diversidade dos sujeitos
e dos contextos escolares; exigin-
do, assim, pesquisa em diversos
campos do conhecimento. Preci-
samos considerar as muitas va-
riáveis que podem favorecer ou
não a construção de estratégias
de ação. Contudo, não pretende-
mos organizar uma cartilha, um
livro de receitas para ser consul-
tado sem delongas. Pretendemos
dar subsídios para a construção
do pensamento sistêmico.

1. Para melhor compreensão dos conteúdos apresentados façamos a leitura do texto:

O sujeito inserido no sistema


Quando o bebê nasce, ele traz consigo tendências hereditárias, que incluem processos de
maturação. Cada bebê possui uma organização em marcha, ligada ao seu impulso biológico para
a vida, para o desenvolvimento e o crescimento.

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Entretanto, esse desenvolvimento depende, para sua efetivação, de um ambiente satisfatório


de “facilitação”, que deve se adaptar às necessidades constantes dos processos de maturação. A
família, em especial a mãe, que reconhece a dependência da criança e adapta-se às suas neces-
sidades, oferece o que Winnicott (1982) chama de holding, para o bebê progredir no sentido de
integração, do acúmulo de experiências, enfim, do desenvolvimento. O ambiente por si só não faz
a criança crescer, porém, ele é fator primordial para, ao “ser suficientemente bom” (WINNICOTT,
1982), permitir o processo de maturação.
Acredito que para que uma criança aprenda é necessário que ela tenha o desejo de aprender. E
que, sobretudo, o desejo dos pais a autorizem. Como afirma Mannoni (1981), “as crianças andam
não só porque tem pernas, mas porque seus pais assim o permitem”.
Para Bowby (1993), a existência de uma criança com problema representa uma ruptura para
os pais. As expectativas construídas em torno do filho normal tornam-se insustentáveis.Vistos
como uma projeção dos pais, estes filhos representam a perda de sonhos e esperanças e a obriga-
toriedade em lidar com as limitações e fazem com que muitos pais sintam-se despreparados para
a tarefa que devem assumir. Assim, pode surgir um padrão rígido de comportamento, no qual o
tempo não pode passar, dando lugar a mecanismos constantes e repetitivos, no intuito de manter
o sistema homeostático e impedir que o grupo evolua de um estágio para outro.
Partindo-se do conceito de que a família age como uma unidade, de modo a estabelecer um
equilíbrio e assim tentar mantê-lo a qualquer custo, podemos observar padrões de comunicação
que podem revelar o modo como se instala o sintoma e como o membro “doente” tem sua função
na manutenção desse equilíbrio.
Conforme Bion (apud SOUZA, 1995), o bebê alimenta sentimentos como o ódio e a inveja
frente à realidade e à continência materna, que podem interferir na capacidade do sujeito de de-
senvolver um aparelho de pensar pensamentos adequados. Ressaltando, assim, a participação do
indivíduo na constituição de sua capacidade de aprendizagem.
A relação da criança com a família é marcada por uma característica de dependência relacio-
nal, isto é, definem-se reciprocamente. Esta posição é similar à de Sartre (apud CERVENY, 1994),
que afirma que somos aquilo que fazemos com o que fizeram conosco.
Parafraseando Kusnetzoff (1982), podemos afirmar que o sujeito nasce com as possibilidades
de ser, mas que só se concretizará quando entrar em contato e interagir com um semelhante. Fica,
pois, claro que a herança adquirida (seja ela biológica ou psíquica) será condição necessária, mas
não suficiente, para o processo de aquisição do psiquismo, ou seja, de um aparelho capaz de pro-
duzir pensamentos e pensar sobre eles. E, portanto, de aprender.
Se olharmos o indivíduo e sua família no aqui e agora, de uma forma circular, tornar-se-á mais fácil o entendi-
mento de que um paciente referido não é uma vítima de seus pais ou do sistema. Existem lucros e prejuízos
de ambos os lados. Não há menor dúvida que existe (...) um processo de projeção geracional dos pais, no sentido
de que os filhos cumpram expectativas não realizadas por eles em relação aos seus respectivos pais. Este pro-
cesso torna todas as partes (pais, filhos, avós) reféns da mesma cadeia geracional; um vai tentar cumprir o que o
outro não cumpriu (e que esperavam que ele cumprisse) e que agora ele espera que o seu descendente cumpra.
(GROISMAN, 1996, p. 31) {grifos do autor}

É importante a parte que o indivíduo traz consigo como carga pessoal, mas o que fará com
que se constitua como tal é a condição dele se relacionar com outro ser humano.
Por isso, neste trabalho tento mostrar que, embora a dificuldade de aprendizagem esteja liga-
da a múltiplos fatores internos do sujeito, é sobremaneira sustentada pelo meio familiar, escolar,

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social, no qual o sujeito está inserido. E que a forma como os diferentes sistemas, em especial a
família, definem essa dificuldade terá um papel decisivo na evolução do caso.
(POLITY, 2001)

2. Levante três pontos interessantes do texto lido e discuta com seus colegas.

3. Sugestões de filmes:
Psicanálise: “Freud além da alma” – o filme mostra o trabalho de Freud em Viena, enfocando
sua teoria e a reação da comunidade médica às suas idéias.
Comportamental: “Meu tio da América” – o filme apresenta a tese de um biólogo comporta-
mentalista e o conflito vivido por pessoas de diferentes níveis sociais.
Sistêmica: “Casamento grego” – o filme salienta a organização do sistema familiar e a sua in-
fluência na vida de seus membros. Salientando os mitos, segredos, hierarquias e resistências às
mudanças.

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