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METROLOGIA-2003 – Metrologia para a Vida

Sociedade Brasileira de Metrologia (SBM)


Setembro 01−05, 2003, Recife, Pernambuco - BRASIL

PROGRAMA DE CERTIFICAÇÃO DE GRÃOS E FARELO DE SOJA NÃO-


OGM

Rodrigo Rocha Latado 1, Roberta Mara Züge 2 Júlio C. Felix 3


1
ENG. AGR., MSc, DR, TECPAR, Curitiba, Brasil
2
DVM, MSc, DR, TECPAR, Curitiba, Brasil
3
ENG, Diretor de Certificação, TECPAR, Curitiba, Brasil

Resumo: A certificação de produtos possibilita uma série de contaminação com transgênicos, em níveis acima dos
vantagens, dentre elas se destacam a agregação de valor aos permitidos pela legislação.
produtos, uma maior aceitação destes pela sociedade e
Palavras chave: soja, transgênico, avaliação da
propiciar uma maior eficiência no controle dos processos.
conformidade.
Pela legislação brasileira vigente (decreto-lei 4.680), todo
alimento contendo acima de 1% de transgênicos deve ser
rotulado. O objetivo deste trabalho é estabelecer uma
metodologia de certificação de soja (grãos e farelo) não- INTRODUÇÃO
OGM. O método consiste de avaliações em cinco fases da
produção: 1)produção de sementes; 2)cultivo da soja; O presente artigo tem como objetivo estabelecer uma
3)beneficiamento e armazenagem dos grãos; 4)produção de metodologia de certificação de soja (grãos e farelo) não-
farelo; 5)transporte e embarque de produtos nos portos. Na OGM a ser utilizada no Brasil. A certificação é um dos
fase 1, a cada 25t de sementes, amostras de 5Kg (20 mecanismos de garantia de qualidade que pode ser usado
subamostras) devem ser coletadas e avaliadas com uso de nos sistemas agroindustriais e é uma forma de transmitir
testes rápidos e PCR quantitativo (PCR real-time). As informações sobre a segurança do produto baseada em um
amostras contendo acima de 1% de transgênicos devem ser documento ou certificado formal.
segregadas. Na fase 2, amostras de folhas das plantas devem No Brasil, o mercado da soja e seus derivados é muito
ser coletadas e analisadas com testes rápidos em, no importante. O país é responsável por cerca de 22% do
mínimo, 75% das unidades produtoras. A produção volume total de soja exportado, sendo o segundo maior
originada destas propriedades que contenham contaminação exportador do mundo. Em média, 68% (18 milhões de
com plantas transgênicas deve ser segregada. Na fase 3, toneladas) do total de soja produzida no país é exportada,
devem ser realizados os mesmos testes da fase 1, mas com principalmente para União européia, EUA e Japão, e de
amostragem de 15Kg de grãos, a cada 250t (coleta de acordo com projeções, poderá chegar a 20 milhões em 2005
amostras de 3 Kg em cada veículo, em 10 veículos, seguido [1].
de homogeneização das amostras). Caso as amostras
homogeneizadas contenham mais de 1% de transgênicos, os A agricultura e o agronegócio são atividades de grande
veículos contendo o produto devem ser segregados e os importância no Brasil e afetam direta ou indiretamente a
testes devem ser refeitos nas amostras individuais, para qualidade de vida de muitas pessoas. Além disso, há um
liberação. Nas fases 4 e 5, propõem-se a realização de crescimento da preocupação dos consumidores quanto à
amostragem somente no farelo (20Kg de farelo a cada qualidade dos alimentos que consomem, principalmente em
5.000t, com coleta de 10 amostras de 2 Kg, seguido de relação aos atributos não perceptíveis, que podem ter
homogeneização) e análises com uso de PCR quantitativo. impacto sobre a saúde. Por isso, é importante a existência de
Para as análises de detecção de transgênicos por meio de certificados que garantam a qualidade dos alimentos. Para
PCR, propõem-se a realização de testes com primers Lazzarotto [2], a certificação surge num mercado onde há a
específicos para o promotor CaMV 35S e para o gene de assimetria informacional, ou seja, onde há desconfiança dos
resistência a herbicida (Roundup ready). Amostras de 2Kg consumidores em relação à qualidade dos produtos que
devem ser enviadas ao laboratório de detecção de compram, como, por exemplo, os problemas associados aos
transgênicos e metade desta, deverá ser mantida como alimentos relacionados a doença da “vaca louca” (Bovine
contra-prova por um período mínimo de três meses. Os Spongiform Encephalopathy - BSE) e boicotes aos alimentos
veículos de transporte de soja e/ou farelo, contendo produtos transgênicos. Assim, a certificação tem alguns prós, como os
testados, devem ser sempre lacrados. Pelos resultados citados anteriormente, mas também pode ter algumas
obtidos na certificação de soja em duas safras seguidas, desvantagens, tais como o incremento nos custos, devido ao
verificou-se que o método proposto é seguro e impede a processo.
Em reação a estas desconfianças, uma maior regulamentação Para as análises de detecção de transgênicos por meio de
do mercado brasileiro e mundial de produtos agrícolas tem PCR, propõe-se a realização de testes com primers
sido observada. A legislação brasileira vigente (decreto-lei específicos para o promotor CaMV 35S e para o gene de
4.680) determina que todo alimento contendo 1% ou mais resistência a herbicida (Roundup ready), que tem
de transgênicos deve ser rotulado, enquanto que a U.E. sensibilidade para detectar até 0,01% de transgênicos. As
exige rotulagem para produtos contendo acima de 0,9%. A amostras de 1Kg devem ser enviadas ao laboratório de
certificação também pode auxiliar no cumprimento da detecção de transgênicos e metade desta, deverá ser mantida
legislação vigente. como contra-prova, por um período mínimo de três meses.

Os registros da rastreabilidade e dos testes realizados devem


MÉTODOS
ser mantidos, no mínimo, durante o período de uma safra
(um ano).
O método de certificação proposto consiste da
rastreabilidade e avaliações (inspeções), em cinco fases da
Como medida de segurança adicional, propõe-se que os
cadeia produtiva, quais sejam: 1) produção de sementes; 2)
veículos de transporte de soja e/ou farelo, contendo produtos
cultivo da soja; 3) beneficiamento e armazenagem dos
testados, devem ter sempre a carroceria lacrada após o
grãos; 4) produção de farelo; 5) transporte e embarque de
carregamento.
produtos nos portos.
Na fase 1, antes da recepção nas moegas das unidades de
recebimento de sementes, propõe-se que a cada 25t de RESULTADOS E DISCUSSÃO
sementes básicas certificadas, amostras de 5Kg (com 20
subamostras) devem ser coletadas e avaliadas com uso de O método de certificação proposto no presente estudo atende
testes rápidos (imunoquímicos). As amostras contendo as exigências da legislação brasileira vigente (Lei 10.688,
acima de 1% de transgênicos devem ser segregadas. Decreto-lei 4.680, Instruções Normativas No 24, 32 e 56 do
Além disto, após a limpeza e o beneficiamento das MAPA/SDA, Instrução de Serviço No 01/2003). Também,
permite a certificação de lotes de soja e derivados que
sementes, propõe-se que a cada 200t de sementes, sejam
tenham como destino a exportação.
retiradas amostras de 10Kg e enviadas para análise
utilizando o método de PCR quantitativo, visando a Com a certificação de soja em duas safras seguidas,
detecção de transgênicos. Se as amostras apresentarem verificou-se que o método proposto é seguro e impede a
contaminação com transgênicos acima do permitido (1%), contaminação com transgênicos, em níveis acima dos
os lotes de sementes não devem ser utilizados. permitidos pela legislação.
Na fase 2, amostras de folhas das plantas devem ser A procedência genética da semente é a etapa inicial do
coletadas e analisadas com testes rápidos em, no mínimo, sistema de certificação de grãos não transgênicos. Diante
75% das unidades produtoras. A produção originada das disto, torna-se imperativo que as empresas detenham algum
propriedades que contenham qualquer contaminação com tipo de controle sobre a multiplicação das sementes
plantas transgênicas, deve ser segregada. comerciais certificadas, sob pena de não se conseguir evitar
a contaminação com sementes transgênicas. Nos casos em
Na fase 3 propõe-se realizar os mesmos testes da fase 1, mas
que a semente é adquirida de fornecedores externos, torna-se
com amostragem de 15Kg de grãos, a cada 250t (coleta de
necessário a declaração do fornecedor e/ou a certificação do
amostras de 3 Kg em cada veículo, em 10 veículos, seguido
produto fornecido.
de homogeneização das amostras), seguido da realização de
um teste rápido. Caso as amostras homogeneizadas Observou-se a necessidade de segregação e controle das
contenham mais de 1% de transgênicos, os veículos deverão unidades (campos) de produção pois, no caso da soja, é
ser avaliados individualmente e determinados quais comum a existência de produtores que se utilizam de
apresentam contaminação acima da permitida. Os veículos sementes próprias ou adquiridas de fornecedores não
contendo contaminação com transgênicos acima do certificados.
permitido (1%) devem ser segregados.
Sendo assim, observou-se a existência de campos cultivados
Após a limpeza e beneficiamento dos grãos e durante o com variedades transgênicas próximos de campos contendo
armazenamento em silos, propõe-se que a cada 5.000t de variedades convencionais. Nestes casos, a decisão é pela
grãos sejam retiradas amostras de 20Kg (com coletas de 10 segregação da produção obtida nestas unidades de produção,
amostras de 2 Kg, seguido de homogeneização) e enviadas de modo a impedir a contaminação dos lotes de soja
para análise utilizando o método de PCR quantitativo, convencional.
visando a detecção de transgênicos. Se as amostras
apresentarem contaminação com transgênicos acima do A importância da segregação durante o beneficiamento e o
permitido (1%), o lote de grãos deve ser segregado. armazenamento dos grãos foi demonstrada em alguns casos.
A detecção de lotes de grãos contaminados com
Nas fases 4 e 5, propõe-se a realização de amostragem em transgênicos acima do limite permitido, possibilitou a evitar
grãos ou em farelo (20Kg de farelo a cada 5.000t) e análises a recepção nas moegas das usinas de beneficiamento e
com uso de PCR quantitativo. Utilizando a mesma impedindo assim a contaminação de um lote muito maior de
metodologia na fase 3. grãos.
A recomendação é para que ocorra o uso dedicado e/ou consumidores mais instruídos e de melhor poder aquisitivo,
programado dos silos somente para soja convencional, de e que reconhecem o valor da qualidade podem pagar um
modo a dificultar a ocorrência de contaminações acidentais. preço mais elevado [2]. Os custos para a produção ainda são
No entanto, há que se comentar a questão da elevação dos superiores para os produtos certificados mas, na medida em
custos operacionais das unidades de armazenamento devido que a tendência for popularizada, serão diluídos com
a esta segregação. aumento das vendas, permitindo assim um maior acesso à
população.
O mesmo ocorre para os casos de plantas processadoras
dedicadas e estrutura portuária segregada. São importantes A exclusão de produtores que não conseguirem se adequar,
dentro de um processo de rastreabilidade e certificação de porém é inevitável [6]. Já o problema dos custos da
soja não transgênica, mas acarretam elevação nos custos de certificação, pode ser compensado com um aumento da
processamento e armazenamento. eficiência produtiva obtida com sua implantação ou pela
instituição do pagamento de prêmios pela soja convencional.
No entanto, vale ressaltar, que a exigência de testes de
detecção de transgênicos (testes rápidos e PCR) nestas fases Outra questão importante é que, com o aumento da
permitem determinar a ocorrência, mesmo que acidental de competitividade mundial, a certificação passou a ser um
misturas entre lotes segregados (convencional) e grãos diferencial entre empresas concorrentes. Segundo Meirelles
transgênicos. [7], ganha espaço no mercado quem oferece o produto
alimentício ao mais baixo preço e com melhor qualidade,
Existem fatores que contribuem para o crescimento do
certificado segundo normas preestabelecidas.
mercado de certificações. Como exemplos estão os avanços
no setor alimentar, que são muito complexos, técnicos e, De acordo com Zylbersztajn [8], uma empresa certificada,
portanto, de difícil entendimento pelo consumidor, gerando geralmente conhece melhor seus processos de produção,
em muitos casos confusão a respeito dos seus efeitos à saúde pois precisa ter informações e acompanhar o processo de
humana [3]. Além do fato dos consumidores estarem mais produção; possui a certeza de estar realizando o seu negócio
atentos, informados e preocupados quanto às questões que da melhor maneira possível e satisfazendo seu cliente final;
envolvem atributos de qualidade em alimentos [2]. A obtém melhoria na coordenação do sistema; atinge um alto
tendência desse comportamento é crescer devido aos nível de qualidade e pode usufruir dos benefícios, em
problemas, já citados, dos alimentos transgênicos e de relação ao marketing, que um certificado pode proporcionar.
doenças como a vaca louca. Então, na impossibilidade de
avaliar a qualidade por iniciativa própria, consumidores e
empresas preferem produtos certificados por organizações CONCLUSÃO
credenciadas no âmbito de sistemas reconhecidos [4].
De acordo com os resultados obtidos pode-se concluir que o
Segundo Nassar [5], a certificação pode ser entendida como, método de certificação de soja convencional (não
definição de atributos de um produto, processo ou serviço e transgênica) proposto é seguro e impede a contaminação
a garantia de que eles se enquadram em normas pré- com transgênicos, em níveis acima dos permitidos pela
definidas e possui dois principais objetivos. 1) pode ser vista legislação.
como um instrumento para as empresas gerenciarem e
garantirem o nível de qualidade de seus produtos e 2)
informar e garantir aos consumidores que os produtos REFERÊNCIAS
certificados possuem os atributos procurados, atributos, [1] E.R.Ablin, S.Paz, "Rumo à rastreabilidade no mercado mundial
esses, intrínsecos aos produtos. Para atributos intrínsecos, de soja: um novo olhar sobre a lei de oferta e procura" Revista
entende-se como atributos que não podem ser visualizados e Brasileira de Comércio Exterior, n.73, p.3-24, 2002.
percebidos externamente. [2] N.F.Lazzarotto, "Estudos sobre o mercado de certificações de
A certificação, portanto, pode ser utilizada como uma qualidade em alimentos no Brasil"
ferramenta de acréscimo de informações sobre o produto e, [3] E.E.Spers, "Qualidade e segurança em alimentos". In:
ao comprovar a existência dos atributos intrínsecos em ZYLBERSTAJN, D., et al. Economia e Gestão dos Negócios
determinado alimento, deixa o consumidor mais seguro em Agroalimentares. São Paulo: Pioneira, 2000. Cap. 13.
relação ao seu consumo. [4]INSTITUTO NACIONAL DE METROLOGIA,
Existem benefícios para consumidores, mas também para os NORMALIZAÇÃO E QUALIDADE INDUSTRIAL.
fornecedores decorrentes do processo de certificação. No Disponível em: <http://www.inmetro.gov.br> . Acesso em: 08
ago. 2003.
caso dos fornecedores de produtos certificados, a presença
de certificados de qualidade pode significar o acesso a novos [5] A.M. Nassar, "Certificação no agronegócio". Estudo temático
nichos de mercado; outro é poder diferenciar os produtos apresentado no IX Seminário Internacional PENSA de
através dos certificados, proporcionando aos eles maior Agribusiness. 1999. Águas de São Pedro.
valor agregado. Assim, com a certificação ocorre a [6] M. Leusie et al., "Indicativos Oficiais de Qualidade
descomoditização do produto, ou seja, o produto certificado Agroalimentar: Guia Estratégico para Obtenção do Selo
possui alguns padrões diferenciais que adicionam valor a Agroalimentar na União Européia". 1ª edição. Rio Grande do
ele. A grande vantagem da certificação ao produtor está no Sul: Unijuí, 2000.
valor agregado na venda de alimentos diferenciados. Os
[7] J.C.S. Meirelles, "Alimentos: Problema não é a produção, mas
sua qualidade e o acesso a ele" Revista CIP. Ano 1, n. 2, dez.
1999. Disponível em:
<http://www.cip.saude.sp.gov.br/Revistac2.htm>. Acesso em:
08 ago. 2003.
[8] D.A. Zylbersztajn, "Revisando o papel do Estado" Estudo
temático apresentado no IX Seminário Internacional PENSA
de Agribusiness. 1999. Águas de São Pedro.

AGRADECIMENTOS
Agradecemos ao CNPq e ao RHAe pela bolsa de estudos e
pelo financiamento do projeto.

Autor: Júlio C. Felix, Instituto de Tecnologia do Paraná –


TECPAR, Diretoria Operacional de Certificação, R. Prof.
Algacyr Munhoz Mader, 3775, CIC, CEP 81350-010,
Curitiba, Brasil, Tel. (41)316-3070, jfelix@tecpar.br

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