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Esporte e exclusão:
O negro no futebol Pelotense (1925-1938)
Pelotas, 2014
Christian Ferreira Mackedanz
Esporte e exclusão:
O negro no futebol Pelotense (1925-1938)
Pelotas, 2014
Christian Ferreira Mackedanz
Banca examinadora:
Este trabalho discute como o futebol se relacionou com o quadro excludente que os
negros enfrentavam no período pós-abolição em Pelotas, a partir de uma
perspectiva social e cultural. Na pesquisa, através da análise de periódicos,
fotografias e depoimentos, é feito um debate sobre quais as semelhanças e as
diferenças entre o contexto nacional de democratização do futebol e a situação do
esporte nessa cidade e qual o impacto dessas mudanças na sociedade. É analisado,
ainda, o papel que o futebol vai desempenhar neste ambiente já referido, sendo, às
vezes, reprodutor daquele quadro social excludente e, em outros momentos, agindo
como um instrumento de organização dos afro-descendentes.
Introdução .................................................................................................................. 6
Capítulo Teórico-Metodológico ................................................................................ 8
O Preconceito com o Negro no Futebol em Pelotas ............................................ 16
Considerações Finais ............................................................................................. 32
Referências Bibliográficas ..................................................................................... 33
Introdução
6
prática era caro, com destaque para o alto valor da bola, o esporte chega e se
consolida com um caráter elitista. Como os negros naquelas décadas posteriores a
abolição (muitos ainda hoje inclusive) sofriam segregação social, que se refletia
numa situação econômica bem limitada, eles tinham o acesso a esta prática (e a
muitas outras) dificultado. Escolhi este tema, pois acredito que as práticas culturais
reproduzem certas realidades sociais. Outras vezes, servem de mecanismo de
mudança de algumas dessas práticas. Por isso, e pela importância social que o
futebol possui, em comparação às demais práticas culturais brasileiras, escolhi essa
temática.
O espaço será a cidade de Pelotas, pois ela tem um passado de significativa
exploração da mão-de-obra escrava, se comparada ao resto do Estado, e,
consequentemente, um histórico de atritos entre a elite e a população negra, seja
antes ou depois da abolição. Além disso, o fato de o recorte espacial ser Pelotas,
facilita também o acesso às fontes, por ser o meu município de residência.
Em relação ao recorte temporal, Rigo (2004, p. 130-141) aponta que o
processo de profissionalização do futebol, nos anos de 1930, contribuiu para a
democratização desse esporte, antes profundamente elitista. Por isso, a pesquisa foi
feita de 1925 até 1938, ano que o último time que não aceitava negros
supostamente cedeu. A intenção deste recorte é poder verificar os dois momentos: a
inicial exclusão e a posterior aceitação. No entanto, tive que me deter no ano de
1925 devido à escassez de fontes anteriores. Este detalhe será melhor debatido no
referencial metodológico.
7
Capítulo Teórico-Metodológico
uma vez que o controle social era tratado como uma questão
primordialmente privada, isto é, a esfera privada imperava sobre a pública, a
concepção do Estado assemelhava-se mais a uma espécie de „núcleo
familiar ampliado‟. [...] Sabemos que os valores burgueses surgiram no
contexto de uma história específica. A valorização do indivíduo e dos
direitos civis deu-se como produto da luta da burguesia contra o Antigo
Regime. [...] Trata-se de mudanças estruturais que não ocorreram no Brasil
do século XIX (HOFBAUER, 2006, p. 151).
8
261).1
Porém, essa reação àquela primeira vertente acabou por criar uma segunda
tradição historiográfica, “marcada pela ênfase dos estudos da resistência escrava
através da violência, ou seja, através das revoltas, dos justiçamentos, das fugas, das
formações de quilombos, etc” (Al-Alam, 2008, p. 40). Estudos muito interessantes e
importantes, mas
1
Cabe salientar a importância dos crimes raciais cometidos pelos nazistas para essa mudança de
mentalidade.
9
moral; temos que pensar que eles se apropriavam dos signos culturais
impostos, mas os adaptando de acordo com suas leituras de mundo, suas
perspectivas, suas experiências de vida, a cultura seria constantemente
recriada (AL-ALAM, 2008, p. 41).
Faço este debate, para dizer que o meu trabalho dialoga com esta terceira
vertente. Mesmo que não seja mais dentro do ambiente da escravidão, no pós-
abolição o negro segue lutando contra o racismo, e essa luta tem que ser percebida
como bem mais complexa do que a exclusiva confrontação pela violência física.
Sobre a questão da exclusão social, um tema central nesta pesquisa,
Thompson (1998) fala sobre como as camadas superiores procuram manipular a
cultura popular. O autor defende que “o povo está sujeito a pressões para „reformar‟
sua cultura segundo normas vindas de cima” (THOMPSON, 1998, p. 13). Ele
também comenta que as culturas conservadoras recorrem a costumes tradicionais e
procuram reforçá-los e explica de que forma elas agem:
As formas são também não racionais; não apelam para a „razão‟ por meio
do panfleto, do sermão ou do palanque do orador. Elas impõem uma
variedade de sanções pela força, o ridículo, a vergonha e intimidação
(THOMPSON, 1998, p. 19).
É com este olhar que estudarei a tensão entre a tentativa da elite de manter a
prática do futebol restrita e o interesse de participar dos negros.
Nessa mesma linha de raciocínio, Foucault (1999) também trabalha com o
conceito de exclusão. O autor aponta que o racismo moderno
está ligado a isto que nos coloca, longe da guerra das raças e dessa
inteligibilidade da história, num mecanismo que permite ao biopoder
exercer-se. Portanto, o racismo é ligado ao funcionamento de um Estado
que é obrigado a utilizar a raça, a eliminação das raças e a purificação da
raça para exercer seu poder soberano. (FOUCAULT, 1999, p. 309).
Muito interessante a relação que ele faz entre o velho poder soberano e a
exclusão, pois é bem este o caso, um ambiente em que já ocorreu a abolição, mas
onde o argumento da diferença racial ainda impera.
A seguir, irei discutir qual será o aporte teórico do futebol que, enquanto
fenômeno social/cultural, está em contato com as tensões sociais, como no caso da
exclusão social do negro no início do século XX. Além disso, pretendo discutir o
futebol como uma forma não só de legitimação do preconceito, mas também de
10
organização dos grupos marginalizados contra esta realidade. Neste contexto,
concordo com Loner (1999), quando ela, citando Hobsbawm, comenta que:
Sua função no mundo moderno tem uma ligação íntima com dois aspectos
fundamentais da vida burguesa. O primeiro é a disciplina das massas que o
esporte ensina e reafirma, quando exige que todos cheguem aos estádios
em horas certas, pagando corretamente as entradas. E o segundo é a sua
ligação íntima com a idéia de fair-play, pois esporte trivializa a vitória e a
derrota. Ora, essa socialização para o fracasso e para o êxito, essa
banalização da perda, da pobreza e da má-sorte, somente poderia ocorrer
numa sociedade transformada, como disse Karl Polanyi, pelo mercado que
tudo engloba e faz crer que todos são mesmo jogadores com iguais
oportunidades. Ademais, o esporte afirma valores capitalistas básicos, como
o individualismo (cada um de nós tem o direito de escolher um clube, time
ou herói esportivo), e o igualitarismo (no início do jogo os adversários são
iguais e devem ser tratados com lisura e respeito, principalmente na
derrota), o que, como já disse, ajuda na socialização de uma justiça
burguesa universalista (DaMATTA, 1994, p. 13-14).
11
e nas primeiras do século XX,
Além disso, é importante explicitar com qual olhar as fontes serão tratadas.
Nas fotografias:
entre o sujeito que olha e a imagem que elabora há muito mais que os olhos
podem ver. A fotografia - para além da sua gênese automática,
ultrapassando a idéia de analogon da realidade - é uma elaboração do
12
vivido, o resultado de um ato de investimento de sentido, ou ainda uma
leitura do real realizada mediante o recurso a uma série de regras que
envolvem, inclusive, o controle de um determinado saber de ordem técnica.
(MAUAD, 1996, p. 75). [...] Parafraseando Jacques Le Goff, há que se
considerar a fotografia, simultaneamente como imagem/documento e como
imagem/monumento. No primeiro caso, considera-se a fotografia como
índice, como marca de uma materialidade passada, na qual objetos,
pessoas, lugares nos informam sobre determinados aspectos desse
passado - condições de vida, moda, infra-estrutura urbana ou rural,
condições de trabalho etc. No segundo caso, a fotografia é um símbolo,
aquilo que, no passado, a sociedade estabeleceu como a única imagem a
ser perenizada para o futuro. Sem esquecer jamais que todo documento é
monumento, se a fotografia informa, ela também conforma uma
determinada visão de mundo (MAUAD, 1996, p. 80).
Estando ciente, portanto, do olhar que deve ser direcionado para o registro
fotográfico, é importante dizer que esta pesquisa poderá cumprir adequadamente
um critério apontado pela mesma autora, quando ela diz que “há que se observar
um critério de seleção, evitando-se misturar diferentes tipos de fotografia” (MAUAD,
1996, p. 83), afinal as fotografias estudadas serão todas do mesmo tipo (jogadores
perfilados, formando uma equipe).
Quanto ao estudo de fontes orais, não será necessário fazer muitas
considerações metodológicas, visto que, será usada apenas uma fonte, um trecho
de uma entrevista que não foi realizada por mim. Sendo assim, será feita apenas
uma defesa deste método de pesquisa, colocando que:
O segundo jornal do qual obtive fontes escritas, foi O Libertador. Sobre ele, a
mesma autora comenta que:
O terceiro jornal, que foi o mais utilizado nesta pesquisa, é A Alvorada. Para
finalizar este item do projeto e entendermos a importância dele em relação à minha
temática:
15
O Preconceito com o Negro no Futebol em Pelotas
2
Lembrando que quem jogou a partida foi o Sport Club Rio Grande, o clube mais velho do Brasil.
Para mais informações sobre ele, ver RIGO (2004, p. 55-60).
16
sinais indicativos de que veio pra ficar. A partir desse ano, cada vez mais, ele se fez
presente nos eventos festivos e esportivos da elite pelotense.”
Este interesse da elite pelotense pelo futebol tem explicação geográfica
(proximidade com Rio Grande, do clube mais antigo, e com a Argentina e o Uruguai,
onde o futebol já era praticado antes do Brasil), mas tem, sobretudo, uma explicação
econômica. Magalhães (1993, p. 296), comparando Pelotas a Porto Alegre, destaca
que:
Além disso, o material para a prática era caro, sendo a bola um item precioso.
Juntando esses fatores, é possível entender porque os primeiros anos do futebol em
Pelotas foram marcados pelo elitismo. Porém, a elite tomava medidas para tentar
garantir que este esporte continuasse restrito. A intenção era a de controlar:
quem, como e onde se praticava o futebol fazia parte das intenções da elite
da época, que estava atenta para fazer de seu tempo de lazer uma
experiência singular de classe. A resistência a uma miscigenação maior,
tanto social como racial, era uma das fortes preocupações para uma fração
17
significativa da cidade, que fazia questão de viver aristocraticamente (RIGO,
2004, p.82).
18
Imagem 1: Equipe do S. C. Pelotas de 1912 que venceu uma série de jogos amistosos na
região e se auto-intitulou Campeã Estadual. (Revista Almanaque de Pelotas, 1917, p. 89).
Se parece consensual que o E. C. Pelotas surgiu com este viés elitista, o caso
do G. S. Brasil, fundado em 1911 (RIGO, 2004), merece maiores cuidados. Como
atualmente este clube é considerado popular, muitas vezes, isso produz a falsa
impressão de que essa característica o acompanha desde o seu nascimento.
BOANOVA (1997), por exemplo, afirmou que “a expressão „time de negros‟ encontra
no G. S. Brasil uma assimilação, pois este time realmente contava com negros entre
suas equipes desde seu nascimento, sendo muitas vezes negros os ídolos da
equipe” (BOANOVA, 1997, p. 17). Os trabalhos de Loner (1999) e Rigo (2004)
apontam que essa característica popular não estava presente já na fundação. Loner
(1999, p. 144) diz que:
19
Entre os times que disputavam o campeonato da Liga Pelotense de Foot-
Ball3, o Grêmio Esportivo Brasil logo se tornou o clube mais popular. Ele é
lembrado também como o primeiro clube desta liga que sê dispôs a aceitar
em seu grupo jogadores negros e mulatos. O depoimento concedido por
Seu Clóvis ressalta que, já em 1919, quando o Brasil venceu a primeira
edição do Campeonato Estadual, promovido pela federação Rio Grandense
de Desportos, fazia parte da equipe campeã o mulato Babá.
A imagem 2, mostra que o jogador mulato referido acima não estava presente
apenas em 1919, mas já em 1917 (o Babá é o segundo jogador em pé, da direita
para a esquerda).
Rigo (2004, p. 152) ainda comenta que “se a presença isolada do mulato
Babá na equipe de 1919 pode ser vista apenas como mais uma exceção à regra, o
mesmo não se pode dizer das equipes que o clube formou um pouco mais tarde”.
Este tema, do momento em que os clubes comentados passaram a aceitar mais
atletas negros, voltará a ser debatido mais adiante. Neste momento, o que fica
3
Que começa a ser disputada em 1913 (RIGO, 2004, p. 87).
20
explícito é a relutância inicial dos principais clubes pelotenses em aceitar jogadores
negros. É nesse contexto que surge a Liga José do Patrocínio. Loner (1999, p. 144)
assinala que:
21
Imagem 3: Equipe do S. C. Juvenil que disputava a Liga José do Patrocínio, em 1922 (A Alvorada,
15/11/1931).
Houve uma série de coisas que fez com que essas pessoas se juntassem...,
foi a maneira das pessoas terem onde se divertir, porque, por exemplo; o
futebol tinha uma Liga Afonso Arinos, que era a liga de negros, porque os
negros não jogavam com os brancos em Pelotas. Tinha o (delegado?) que
até o "Alvorada" cita isso, que era uma perseguição, uma ignorância. E fez
com que as pessoas em torno de ter aonde ir. O futebol acho que foi a
razão do Fica Aí ter sido feito, porque tinha dois times que era o América e o
Juvenil, segundo o senhor Isaqueu, porque isso não é do meu tempo, e
havia uma rivalidade. Então eles brigaram lá no jogo e eles vinham tudo
para o Chove, fundaram o Fica Aí Pra Ir Dizendo, por isso é que saiu esses
22
nomes, Chove Não Molha, Depois da Chuva.4
É dessa forma que esta pesquisa irá se relacionar com as fontes. Procurará
perceber na ausência do negro, a maior prova do preconceito velado ao qual este
grupo era submetido nas décadas posteriores à abolição.
Voltando ao debate sobre a Liga José do Patrocínio, os clubes da Liga, além
das suas funções esportivas, pareciam ter um papel importante na reunião de
membros da comunidade negra pelotense, dados os inúmeros convites para bailes
que faziam5.
Mas foi em um episódio, a princípio alheio ao futebol, através do qual esta
Liga mostrou cumprir um papel social que extrapolava o âmbito desportivo. A matéria
de jornal abaixo se trata de um protesto contra um caso de preconceito que havia
ocorrido e que tinha sido negado por outro jornal da cidade. O interessante dessa
fonte não é saber qual foi o episódio que gerou a denúncia, pois por não ter relação
4
Entrevista realizada no dia 3/06/2004 com o senhor Mário Chagas, no clube Chove Não Molha.
Entrevistadores: Lorena Almeida Gill, Débora Clasen de Paula, Marcele Victória dos Santos. Acervo
do NDH/UFPel.
5
É possível citar, como exemplo, as matérias do A Alvorada de 3 de abril de 1932 (p. 7), de 10 de
julho de 1932 (p. 2) e 14 de agosto de 1932 (p. 8), que convidam para os bailes organizados,
respectivamente, pelos clubes Sport Club Juvenil, S. C. Universal e S. C. América do Sul.
23
com o futebol seria tema para outro estudo. O que é importante é que o
representante da Liga José do Patrocínio foi o primeiro a assinar a moção de
protesto, o que demonstra que a instituição interferia a favor dos negros, também em
outras esferas e não apenas no futebol.
6
Seguem-se várias outras assinaturas.
24
perdedores que, projetada na vida social, é a base da mais autêntica
experiência democrática. [...] Aprende-se, pois, que a alternância na glória é
a glória da alternância – base da igualdade e da justiça modernas. Para
mim, é a mais bela lição de igualdade que um povo massacrado pela
injustiça pode receber.
7
Ver as matérias do A Alvorada de 6 de dezembro de 1931 (p. 3) e 27 de dezembro de 1931 (p. 3).
25
partida foi realizada. Se tivesse sido encontrada a repercussão da partida, poderia
ser avaliado se a iniciativa realmente aproximou brancos e negros, ou se,
hipoteticamente, até piorou, graças ao surgimento de uma rivalidade, já que era uma
etnia contra a outra.
Após estas considerações, será analisada como foi a repercussão desse
momento de inclusão do negro, na década de 1930, nos três clubes que hoje são
considerados, talvez por serem os únicos a terem sido campeões estaduais, os
principais da cidade: o Farroupilha, o Brasil e o Pelotas.
O Grêmio Atlético Farroupilha, fundado por militares em 1926, com o nome
de Grêmio Atlético 9° RI (regimento e Infantaria), formava equipes compostas
predominantemente por militares, normalmente trazendo bons jogadores de
diferentes cidades da região sul para prestar serviço militar em Pelotas (RIGO,
2010). É possível perceber a presença maciça de militares também na sua diretoria:
8
“Seu Plácido apontou que, no Farroupilha, a questão da cor não era motivo
de exclusão. Segundo ele, ela sucumbia perante a exigência maior que era
o vínculo militar:„No Farroupilha jogava de qualquer cor, porque soldado
tinha preto, branco, tinha amarelo, tinha de tudo que era cor‟.
O fato de não ter ocorrido nenhum atrito neste clube, pode se dever também
ao ano de fundação, quando a exclusão já não era tão hegemônica. No caso dos
outros dois clubes, os contrastes nas reações de ambos foram grandes. A seguir,
estão fotos dos dois times. A diferença de data entre elas é de apenas um ano.
8
Entrevistado pelo autor citado em 1999.
26
Imagem 4: S. C. Pelotas, Campeão Estadual em 1930 (Revista Esporte Clube Pelotas 90 anos: 1908-
1998. 1998, p. 10).
27
Nessas imagens, fica clara a diferença étnica nos plantéis. Enquanto quase
a metade do time do G. E. Brasil era composto por jogadores negros 9, no S. C.
Pelotas a equipe continuava branca.
Sobre a aceitação de negros no G. E. Brasil, Rigo (2004, p. 152) coloca que:
Ainda nos anos 20, passam a fazer parte da equipe outros jogadores
negros10, como, por exemplo, Gradim e Ivo, em 1925, e Fruto, em 1929.
Esse processo de incorporação de atletas negros, além de ter sido uma
estratégia que qualifica significativamente as equipes do Brasil, acabou por
fortalecer o veio popular do clube. Ao longo de toda a década de 30, a
presença de jogadores negros se fortaleceu, tornou-se uma constante e
virou uma espécie de emblema.
9
É importante destacar que na foto do G. E. Brasil é possível perceber que há ainda certa “distância”
entre negros e brancos. Com exceção de um que está agachado bem à direita, os demais negros
estão de pé, agrupados atrás (além de um menino branco). Este aspecto pode demonstrar que,
apesar da aproximação, entre os jogadores a cor da pele ainda podia ser um elemento de
aproximação/afastamento.
10
Além do já citado Babá, em 1917 e 1919, mas que era exceção.
11
Entrevistado pelo autor citado em 1999.
28
401) que conseguiu algumas conquistas, está conectado com um movimento
nacional do período, que foi a profissionalização do futebol. Sobre isso, Loner (1999,
p. 412-413) explica que:
Rigo (2004) traz importantes colocações sobre este fenômeno. Ele comenta
que a instauração do profissionalismo dentro do futebol moderno é um processo que
extrapolou as fronteiras territoriais do nosso país e mesmo de nosso continente.
Avisa, também, do perigo de tornar o ano de 1933 o marco da profissionalização no
Brasil, pois isso poderia relegar a segundo plano outras conquistas ocorridas em
outros lugares do Brasil e em momentos anteriores ou mesmo posteriores a 1933.
Observa ainda, a existência de uma espécie de profissionalismo velado, tanto em
Pelotas como em outras regiões, desde o início do século XX, caracterizada pela
29
compra de alguns jogadores, mesmo que não fosse legalizada, como também, por
compensações financeiras aos jogadores e ofertas de emprego (RIGO, 2004, p. 134-
141).
Ele aponta também, que o profissionalismo não é o único fenômeno que
propiciou a democratização do futebol. O futebol de Várzea e a proliferação e a
diversificação nos tipos de competições igualmente desempenharam um papel
central.
Denuncia, ainda, a dimensão aristocrática e elitista intrínseca aos discursos
que lamentam o fim do amadorismo, dizendo que esse tipo de discurso tende a
idealizar um futebol amador que nunca existiu, já que os jogadores sempre
demonstraram orgulho em contar com benefícios econômicos conseguidos com o
futebol.
Mas esse discurso saudosista é forte. É difícil ter que usar o livro de Galeano
(2010), uma verdadeira obra de arte sobre o futebol, como exemplo desse tipo de
fala, mas para ele:
Apesar desse tipo de opinião ser muito sedutora, até porque em muitos casos
os lucros em cima do futebol são, de fato, abusivos, ela despreza as diferenças
sociais existentes entre os atletas. Filho (2003, p. 176) aborda muito bem essa
questão, citando o caso de Fausto, que como já dito foi para o Barcelona em 1931.
Segundo ele:
Amadorismo, amor ao clube, estava bom para um Fortes, que não precisava
de dinheiro. Fortes tinha tudo, uma baratinha, uma lancha, até uma
garçoniére atrás da Casa de Saúde Pedro Ernesto, todo o primeiro andar do
número 75 da Rua Paulo de Frontin. Fausto não tinha nada, morava com a
mãe, casa de porta e janela, da Rua Pereira Nunes, chegava a passar
necessidade. A mãe cada vez mais magra, não parando de manhã até de
noite, varrendo o chão, limpando as panelas, cozinhando. Só contava com
ele. Se ele não precisasse, não ia bancar o palhaço. Porque o jogador de
futebol, branco, mulato ou preto, comparava-se a um palhaço. O torcedor ia
30
para um campo de futebol, comprava uma geral, uma arquibancada, para
quê? Para se divertir. Tal como num circo.
Ainda o mesmo autor, lembrando que a primeira edição de sua obra foi
lançada em 1964, sintetiza muito bem a questão ao dizer: “Há quem ache que o
futebol do passado era bom. De quando em quando a gente esbarra com um
saudosista. Todos brancos, nenhum preto” (FILHO, 2003, p. 29).
Como DaMATTA (1997) muito bem observou, e já foi citado ao longo deste
trabalho, se num ambiente predominantemente capitalista o profissionalismo pode
ser questionado, naquele contexto social da república velha brasileira, em que a
concepção escravocrata de sociedade teimava em sobreviver, o futebol foi um
importante instrumento democrático. A profissionalização, naquela realidade, só
aumentou a capacidade desse esporte de propiciar a ascensão e, principalmente, a
inclusão social de indivíduos marginalizados, étnica e/ou economicamente.
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Considerações Finais
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Referências Bibliográficas
Fontes Primárias
Bibliografia
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