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Cultura Religiosa

Organizado por Universidade Luterana do Brasil

Cultura Religiosa

Douglas Moacir Flor


Paulo Augusto Seifert
Ronaldo Steffen
Thomas Heimann
Paulo Gerhard Pietzsch
Bruno Ronaldo Muller
Rafael Juliano Nerbas

Universidade Luterana do Brasil – ULBRA


Canoas, RS
2017
Conselho Editorial EAD
Andréa de Azevedo Eick
Ângela da Rocha Rolla
Astomiro Romais
Claudiane Ramos Furtado
Dóris Gedrat
Honor de Almeida Neto
Maria Cleidia Klein Oliveira
Maria Lizete Schneider
Luiz Carlos Specht Filho
Vinicius Martins Flores

Obra organizada pela Universidade Luterana do Brasil.


Informamos que é de inteira responsabilidade dos autores
a emissão de conceitos.
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida
por qualquer meio ou forma sem prévia autorização da
ULBRA.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei
nº 9.610/98 e punido pelo Artigo 184 do Código Penal.

Dados técnicos do livro


Diagramação: Jonatan Souza
Revisão: Geórgia Píppi
Apresentação

Prezado leitor,

A experiência de mais de 26 anos de docência tem mostrado o fascínio


dessa disciplina. O começo sempre é difícil. Existe uma resistência
natural do aluno em estudar os conteúdos. O pré-conceito fica claro quan-
do se define a disciplina como aula de religião. Outros ainda pensam em
catequese. Mas não será esse o nosso objetivo. Vamos caminhar com cada
um de vocês no sentido de construir uma reflexão madura sobre a vivência
e o comportamento religioso das pessoas e a influência que a religião
exerce sobre o nosso cotidiano.

Você irá encontrar neste livro um panorama das maiores religiões do


mundo. Notará a pluralidade religiosa e terá uma ideia da riqueza de pen-
samento e valores das religiões estudadas. Também iremos estudar mais
detalhadamente o cristianismo e a Reforma luterana, pois são movimentos
que influenciaram diretamente a confessionalidade da Universidade Lutera-
na do Brasil. Por fim, sempre é hora de estudar ética. Particularmente a éti-
ca cristã e os valores que ela pode acrescentar na vida de cada um de nós.

A construção da disciplina é coletiva. Os textos têm a participação de


professores de Cultura Religiosa. Nas aulas presenciais a troca é maior com
uma interação entre alunos, mestres e doutores. Na Educação a Distância,
o aprendizado depende muito da dedicação e do interesse do aluno em
ler este livro e fazer as atividades propostas na net aula. O que esperamos
é que você entenda que na vida profissional vai interagir com praticantes
de muitas religiões aqui citadas. Entendê-los é sempre um primeiro passo
para o sucesso na carreira.

Prof. Douglas Moacir Flor


Sumário

1 Fenômeno e a Experiência Religiosa .....................................1


2 Religião e Ciência, Saúde e Espiritualidade:
um Encontro Possível?..........................................................23
3 As Religiões Orientais..........................................................48
4 Judaísmo e Islamismo..........................................................74
5 Culpa e Perdão: Uma Questão Existencial..........................105
6 Cristianismo – História e Expansão.....................................127
7 A Mensagem Cristã – A Bíblia e Atualidade........................151
8 Lutero e as Reformas Religiosas do Sec. XVI.......................171
9 A Diversidade Religiosa do Brasil.......................................197
10 O Mundo dos Valores e a Ética Cristã.................................231
Douglas Moacir Flor1
Paulo Augusto Seifert2
Ronaldo Steffen3

Capítulo 1

Fenômeno e a
Experiência Religiosa 123

1 Mestre em Educação pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), bacharel


em Teologia pela Escola Superior de Teologia do Seminário Concórdia (RS) e em
Jornalismo pela Universidade Do Vale do Rio do Sinos (UNISINOS). Professor da
Disciplina de Cultura Religiosa na ULBRA.
2 Mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUCRS) e bacharel em Teologia pela Escola Superior de Teologia do Seminário
Concórdia (RS) e em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFRGS).
3 Bacharel em Teologia pela Escola Superior de Teologia do Seminário Concórdia (RS).
2   Cultura Religiosa

Introdução

O título do capítulo nos traz duas afirmativas: Religião é um


Fenômeno e está repleta de experiências, dos mais variados
tipos. Vamos entrar em um mundo fascinante, apesar da con-
testação de alguns. É que a história da humanidade se funde
com a história da religião. Tínhamos em um dos livros um
título com “a experiência do sagrado”. Sagrado vem do latim
sacratu, referindo-se a algo que merece veneração ou respei-
to religioso por ter associação com uma divindade ou com
objetos considerados divinos. Mostra que mesmo não sendo
religiosos, precisamos respeitar o que para outros grupos é
importante, essencial.

Religião aqui é o nosso objeto de estudo, mesmo que al-


guns não consigam fazer as devidas associações. Mas a ver-
dade é que a nossa vida profissional vai se fundir com seres
humanos carregados de “sentimentos” religiosos e será útil se
entendermos como pensam, o que sentem e como agem essas
pessoas. Vamos fazer uma análise com a devida isenção. Nós,
que escrevemos este livro, somos professores e pesquisadores,
mas também somos religiosos, pertencemos a uma denomina-
ção cristã. Isso não impede que passemos um conteúdo livre
dos nossos próprios sentimentos. Lembro o que disse Jostein
Gaarder quando escreveu “O livro das Religiões”:

Isto não quer dizer que um estudioso das religiões não


possa ser religioso. O escritor italiano Umberto Eco, fa-
lando das relações entre os estudos de literatura compa-
rada e a própria literatura, faz a seguinte observação: “
Até os ginecologistas podem se apaixonar”. O impor-
Capítulo 1    Fenômeno e a Experiência Religiosa     3

tante é não deixar que durante a pesquisa as crenças e


os sentimentos pessoais influenciem o material que está
sendo estudado. Este distanciamento permite ao pes-
quisador divulgar informações sobre a religião que são
valiosas tanto para o indivíduo com para a sociedade.
(2004, p. 13)

Você já deve ter passado por alguma experiência Religiosa.


Se não passou, alguém ao seu lado já deve ter contado algo
que o levou a refletir sobre o assun­to. Neste capítulo vamos
ver que a experiência religiosa é mais rica do que se imagina
e é universal. Assim, vamos fazer uma análise de alguns argu-
mentos que podem nos motivar a pesquisar o tema religião.
O fato é que devemos nos despojar de qualquer preconceito
que possa fazer parte da nossa bagagem de conhecimento, já
que entendemos o que lemos a partir do que já sabemos e já
vivenciamos.

1.1 A Experiência Religiosa

A religião tem estado presente no cotidia­no através de diferen-


tes manifestações. Pode-se, sem entrar em detalhes por ora,
mencionar algumas áreas, alguns eventos e algumas práti-
cas pessoais e sociais marcadas por ideias, ritos e símbolos
consagrados ao campo religioso. Vamos utilizar aqui alguns
pontos trabalha­dos pelo colega Ronaldo Steffen, estudioso do
assunto, professor de Cultura Religiosa, publica­do no site da
Universidade.
4   Cultura Religiosa

De uma forma bem simples, podemos repor­tar o leitor a


algumas práticas familiares ligadas à tradição religiosa como
o casamento, batismo, morte e velamento. São cerimônias re-
ligiosas tão tradicionais, que muitas pessoas, sem que se deem
conta, se envolvem. O que dizer de pessoas doentes ou com
problemas mais sérios que bus­cam ajuda divina como alterna-
tiva para a cura?

No esporte estamos acostumados, marcada­mente no fu-


tebol, com a cena de uma oração con­junta antes da entrada
no campo. Numa decisão por pênalti, por exemplo, é comum
a imagem de jogadores ajoelhados, rezando ou beijando sua
santinha.

No campo musical não são raras as menções que se faz a


personagens religiosos e até mesmo a sentimentos de ordem
religiosa; no campo das artes somos conduzidos a milhares de
imagens notadamente carregadas de simbolismo religioso dos
mais diversos matizes. A literatura não tem deixado por menos
e tem sido o mercado que mais cresce em termos de editoria
nos últimos anos. O cinema tem sido pródigo nas temáticas
de ordem religiosa. As novelas, fenômeno bra­sileiro que ga-
nha o mundo, jamais têm deixado de lado alguma alusão,
personagem e até mesmo a temática central ligados a fatos
eminentemente religiosos.

A nossa alimentação está em grande parte determinada


por elementos de ordem religiosa; o modo de expressar nossas
ideias através da lin­guagem é, igualmente, em grande parte
determi­nada por formas religiosas. O turismo religioso é hoje
um grande vilão na arrecadação de divi­sas para um municí-
Capítulo 1    Fenômeno e a Experiência Religiosa     5

pio. Na Europa, em cada cidade que visitamos, encontramos


várias igrejas ou templos religiosos de rara beleza.

A educação é fortemente marcada pelos valores que ela


prega, quase sem­pre idênticos aos valores de ordem religiosa.
A área da saúde, o trato com a dor, a vida e a morte foi e
ainda é construída com suporte religioso. Nosso calendário,
suas datas festivas e grandes eventos têm sua origem no meio
eclesiástico. As diversas áreas do conhecimento humano, de
uma ou de outra maneira, têm-se ocupado com a te­mática
religiosa, como a Filosofia, a Psicologia, a Sociologia, a An-
tropologia, a História, a Medi­cina, a Física, a Arqueologia, a
Geografia e assim por diante.

Apesar das diferentes atitudes de repulsa que caracterizam


a negação dos elementos religiosos, as menções apontam
para o fato do ser humano buscar ligar-se ao Transcendente
como se mantivesse uma ligação umbilical da qual retira os
elementos vitais para a sua existência.

A questão que se coloca é a de como compreender essas


ligações. Qual é o fundamento capaz de sustentar uma ava-
liação compreensiva da junção ser humano - Transcendente?
Há muitas possibilidades viáveis, tanto a partir das diferentes
perspectivas e entendimentos religiosos quanto de escolas de
reflexão filosófica.

Além disso, importa considerar a relação que há, ou pode


haver, entre a religião e as manifestações importantes do es-
pírito humano. A título de introdução, consideremos como se
relacionam religião e filosofia, religião e ciência, religião e
moral, religião e teologia.
6   Cultura Religiosa

1.2 Religião e Filosofia

O que tem a filosofia a ver com a religião? Essa é uma per-


gunta importante e cuja resposta não é óbvia ou simples. Ao
longo da história do pensamento humano, vemos cooperação
e competição entre ambas. Em certo sentido, a cooperação
e a competição pressupõem a mesma concepção: a de que
compete à razão filosófica provar a veracidade das ideias reli-
giosas. Ou, dito de outra maneira, que compete à razão filo-
sófica determinar se religião e superstição são a mesma coisa
ou se são coisas distintas e separáveis.

Posta a questão dessa maneira, temos duas respostas pos-


síveis: ou a filosofia apresenta provas de que a religião é ver-
dadeira ou a filosofia apresenta provas de que a religião não
é verdadeira. Se for o primeiro caso, dizemos que há, entre
ambas, cooperação; se for o segundo, que há competição.
Quando se fala em provas, significa que qualquer pessoa ra-
cional deve concordar com o argumento, mesmo que não seja
um argumento demonstrativo ao estilo da matemática, cujos
cálculos, se bem feitos, dão um único resultado e o sujeito
que não percebe ou não concorda com o resultado é incapaz
(um exemplo simples: 3 x 3 = 9, não faria nenhum sentido
alguém dizer: “Para você; para mim é 8”).

O argumento deveria ser cognitivamente convincente.


Aquele que não concorda com a conclusão, ou não compre-
ende o argumento, ou está agindo de má-fé.

Onde, porém, buscar tais provas? Historicamente, elas têm


sido buscadas no raciocínio abstrato, na análise e comparação
Capítulo 1    Fenômeno e a Experiência Religiosa     7

de ideias, na experiência sensorial, no senso comum, nas ex-


plicações científicas, no sentimento moral. Podemos partir de
elementos geralmente aceitos e, se for o caso, de verdades evi-
dentes ou necessárias (que não podem ser negadas). É possível
aplicar as regras básicas do raciocínio lógico, seja dedutivo ou
indutivo, alcançando-se uma conclusão. Tal como se faz nos
raciocínios comuns ou nos científicos. Se o propósito é mostrar
que a filosofia justifica a religião e prova a existência de Deus
(ou da realidade última), temos os argumentos ontológicos, te-
leológicos, cosmológicos, morais. Se o propósito é mostrar que
a filosofia refuta a religião e prova que Deus não existe, temos
os argumentos do mal, os argumentos evidencialistas etc.

Exemplo do primeiro tipo: observamos que a natureza exibe


ordem e finalidade como se fosse, por exemplo, uma grande
máquina na qual as partes se ajustam umas às outras perfeita-
mente, de forma a fazer o todo funcionar. Na nossa experiên-
cia, sempre que há ordem e finalidade em algo, tal objeto foi
pensado e realizado por uma mente inteligente. Logo, a ordem
e finalidade que observamos no Universo indicam a existência
de um criador inteligente. Esse se chama Deus. Logo, Deus
existe. Exemplo do segundo tipo: observamos que há muitos e
diversos males no Universo. Se Deus fosse bom, ele desejaria
eliminar todo o mal; se fosse onipotente, ele o faria. Como o
mal existe, Deus não é onipotente ou não é bom, ou ambos.
Como a religião afirma que Deus é bom e onipotente, logo
Deus não existe.

Mesmo aceitando que essa é a tarefa da filosofia, isso não


quer dizer que o filósofo acredita que é assim que as pessoas
aceitam ou recusam uma religião, com base em argumentos.
8   Cultura Religiosa

As religiões seguem seu caminho independentemente disso, e


a preocupação com argumentos justificadores é, quando mui-
to, secundária. Mas os argumentos mostrariam se as pessoas
são racionais na sua crença. Por outro lado, pode ser que
o pressuposto básico esteja errado e não compete à filosofia
fundamentar ou provar a verdade das crenças religiosas bá-
sicas. A tarefa da filosofia, em relação à religião, seria mais
modesta. Atualmente, muitos filósofos, tendo em vista o de-
senvolvimento histórico das explicações filosóficas, julgam que
a filosofia pode ajudar a melhor compreender as ideias reli-
giosas e auxiliar as religiões a se livrarem de alguns elemen-
tos supersticiosos indevidamente acrescentados à fé básica,
especialmente aqueles relacionados a confusões conceituais
derivadas de um uso inadequado da linguagem ou à com-
preensão equivocada das teorias e hipóteses científicas, ou a
preconceitos de natureza não religiosa. Essa abordagem vem
mostrando-se mais produtiva do que as outras duas opções.

1.3 Religião e Ciência

E quanto à relação entre religião e ciência? Na maioria das


vezes, quando isso é discutido, por ciência entendem-se as
ciências naturais, como física, química, biologia. Há quem jul-
gue que certas teorias científicas estão em direta contradição
com a crença religiosa. Um exemplo contemporâneo pode
ser encontrado na discussão entre evolucionismo e a teoria
do desígnio inteligente, ou criacionismo. Se olharmos para o
passado, este era o juízo feito por alguns acerca da relação
entre heliocentrismo e o relato bíblico cristão sobre a criação
Capítulo 1    Fenômeno e a Experiência Religiosa     9

e o papel do ser humano nela. Críticos religiosos do heliocen-


trismo, à época, julgavam que a teoria geocêntrica era, essa
sim, compatível com a crença cristã, enquanto sua alternativa,
incompatível. Hoje, nem mesmo grupos fundamentalistas per-
cebem uma contradição, e muito menos as igrejas tradicionais
ou os cientistas ateus ou agnósticos.

A situação com o evolucionismo é, sem dúvida, um pouco


mais complicada. Pode-se, no entanto, dizer que isso se deve
em boa parte às consequências filosóficas, morais, teológicas
extraídas por alguns de seus defensores. Se esse tipo de argu-
mento for legítimo, há um conflito. Por outro lado, também pa-
rece que esse conflito é alimentado por uma interpretação lite-
ralista em demasia dos textos sagrados. Isso indica depender o
conflito de certas concepções do alcance das teorias científicas
(concepções essas que não são científicas no mesmo sentido
em que o são as teorias) e de concepções hermenêuticas acer-
ca de como deve ser entendida a revelação.

Veremos um pouco mais dessa relação entre ciência e re-


ligião no próximo capítulo. Passamos agora a analisar a rela-
ção entre religião e moral.

1.4 Religião e Moral

Algo que chama a atenção de quem participa ou observa as


religiões é a íntima conexão dessas com a moral. Muitos pro-
cedimentos e discursos religiosos (praticados no âmbito das
religiões organizadas, especialmente) parecem consistir em
10   Cultura Religiosa

admoestações para que as pessoas corrijam seu modo de vida


e passem a agir de acordo com códigos morais mais estri-
tos, que não se restringem a proibir determinados atos, mas
também exigem do crente ações positivas de auxílio aos do-
entes, aos necessitados, por exemplo. Mesmo que haja dife-
rença (embora não tão acentuada) entre os códigos morais
professados por diferentes religiões, não há como afirmar que
essa relação seja meramente circunstancial, como parece ser
o caso da relação entre ciência (especialmente as chamadas
ciências naturais) e moral. Como podemos explicar essa co-
nexão íntima?

Uma proposta de explicação procura reduzir a religião à


moral. Isso significa dizer que o significado essencial da re-
ligião se encontra na moralidade. A religião consistiria em
uma forma disfarçada ou mais eficiente de induzir as pessoas
a um comportamento ético desejável. Alguns pensadores su-
geriram que há uma similaridade entre o papel das religiões
e o ensinamento moral de uma criança. Assim como se faz
necessário, por vezes, ensinar bons modos a uma criança na
base de punições ou estórias fantasiosas, há pessoas (e são
elas muitas) que precisam receber as ideias morais acompa-
nhadas de alguma estória cósmica ou divina. Caso contrário,
não compreenderão e não se submeterão à norma moral. Mas
uma vez que se tornam maduras e autônomas, percebem que
a moral se mantém por si mesma. Podem, então, abandonar
a religião.

Esse tipo de explicação pressupõe a falsidade das estórias


e/ou ideias religiosas. Se aceita por alguém, essa pessoa dei-
xa de ser, em um sentido mais forte, religiosa. Esse resultado
Capítulo 1    Fenômeno e a Experiência Religiosa     11

não quer dizer que a explicação esteja equivocada. Contudo,


podem ser mencionadas outras objeções que mostrariam a
inadequação de tal hipótese. Primeiro, não faz jus ao fenô-
meno religioso. Mesmo que a moral seja parte integrante das
religiões, não é tida como única, nem como a principal. Ou-
tros elementos importantes são a estética, os ritos, os mistérios,
a ação de Deus na história (no caso das religiões teístas). E,
prestando atenção ao discurso religioso como tal, o que pare-
ce ser o mais importante está naquilo que se poderia chamar
de “realidade última”, o verdadeiro por trás das aparências,
o efetivamente real, o fundamento de tudo que existe (vamos
chamar isso de “o elemento metafísico”). Por exemplo, no cris-
tianismo considera-se como o mais importante saber quem
é Deus, quais seus atributos, qual sua relação conosco. Se o
Deus cristão fosse apenas um princípio moral, ou o princípio
do bem, o cristianismo perderia muito de seu sentido. Mesmo
que alguém julgue ser o cristianismo, em última análise, falso,
dizer que sua essência é a moralidade constitui uma simpli-
ficação grosseira; além disso, para dizer que o cristianismo
é falso, é preciso supor a seriedade do elemento metafísico.
Acrescente-se ainda que uma crítica feita constantemente por
pessoas que consideram os relatos religiosos como fantasia,
refere-se à crueldade e violência que as religiões exibem, ao
terror mental que exercem sobre os crentes, a sua intolerância.
Se tal crítica faz sentido, é justamente porque a conexão en-
tre moral e religião não pode ser adequadamente explicada
como se a essência da religião fosse a moral.

Outra explicação, e favorecida pelos religiosos, está em


que o elemento metafísico provê o fundamento da moral. A
moral depende da religião e lhe dá o suporte real de que ela
12   Cultura Religiosa

necessita. Como a moral não é descritiva, mas normativa, diz


como devemos agir ou que hábitos virtuosos devemos cultivar,
não seria ela capaz de responder à questão sobre sua pró-
pria validade. Se alguém pergunta por que deve ser moral,
é preciso apontar para algo fora da moral, para a realidade,
para as coisas como elas realmente são. Devemos ser morais
porque assim é o mundo. Por exemplo, o cristão deve observar
o decálogo porque Deus assim o quer, ou porque Deus criou
o mundo de tal forma que a inobservância dos princípios e
regras morais afeta e perverte toda a natureza.

Mas há outra alternativa para compreender a relação en-


tre moral e religião pela qual nenhuma delas serve de razão
ou fundamento da outra, embora permaneçam intimamente
ligadas. A religião não é uma forma mítica de impor regras
morais, nem necessita a moral de um fundamento religioso;
ambas são autônomas, sem que isso implique qualquer moral
ser compatível com qualquer religião.

1.5 Religião e Teologia

Muitas vezes, os termos teologia e religião são considerados


como sinônimos. Contudo, convém distingui-los para melhor
compreender o fenômeno religioso. Teologia é um termo gre-
go e significa “conhecimento sobre Deus”. Hoje em dia é co-
mum a distinção entre teologia natural e teologia revelada.
Teologia natural refere-se àquele conhecimento sobre Deus
que se baseia na experiência comum quando, por exemplo,
observamos o mundo ou quando consideramos nossos senti-
Capítulo 1    Fenômeno e a Experiência Religiosa     13

mentos internos e na racionalidade, enquanto teologia revela-


da, refere-se àquele conhecimento sobre Deus que se baseia
em alguma manifestação direta da divindade. E no que isso
difere de religião?

A diferenciação pode ser especialmente útil para aquelas


religiões que têm um texto sagrado e/ou uma tradição consi-
derada normativa. Assim, religião consistiria no conjunto de
verdades reveladas (p. ex., no cristianismo, que Deus é triúno,
que Jesus é Deus encarnado) de forma clara e não simbólica,
enquanto teologia significaria a reflexão organizada e sistema-
tizada da revelação. Além disso, haveria os ritos e modos de
vida eclesial (de igreja, ou religião organizada). Assim, poder-
-se-ia manter um núcleo fixo e uma concepção progressiva da
experiência e reflexão religiosas consideradas, então, como te-
ologia. A religião não muda, mas a teologia sim, especialmen-
te no que se refere a suas relações com a ciência e a cultura.

1.6 A Palavra Religião

Etimologicamente, o termo Religião surge na história da hu-


manidade através dos autores clássicos como Cícero, Lactân-
cio e Agostinho, respectivamente, nas palavras re-legere, que
sig­nifica reler; re-ligare, que significa religar e re-eligere, que
significa reeleger. Todos os conceitos nos dão a ideia de voltar
a uma situação anterior, ou seja, ligar novamente a criatura
com o criador. É exatamente esta tentativa de religar com o
Ser Superior, através de um conjunto de crenças, nor­mas, ritos
14   Cultura Religiosa

ou costumes, que dá origem às diver­sas religiões o fenômeno


religioso propriamente dito. (KUCHENBECKER, 2000)

Apesar de seguidamente ouvir-se que reli­gião é coisa do


passado, as menções acima indi­cam uma direção contrária.
Estão apontando para o fato de que o ser humano preocupa-
-se com o di­vino, aqui entendido no sentido daquilo que ocu­
pa lugar de destaque ou o primeiro lugar na vida.

1.7 Conhecimento Religioso

Ainda tentando responder o que é religião, podemos dizer que


religião é um batismo numa igreja cristã; é um ritual sagrado
nas águas do Rio Ganges; é a adoração num templo budista;
pode ser um muçulmano ajoelhado e orando para o Alá, ou
os mesmos devotos do Islã peregrinan­do a Meca. Pode ser um
Judeu diante do Muro das lamentações em Jerusalém. São
tantas as menções que seria impossível citar todas.

O que pretendemos fazer é ligar os fatos. As ciências da


religião procuram responder o que as atividades citadas aci-
ma têm em comum. Nós procuramos, como pesquisadores,
investigar os rituais de uma perspectiva externa. Buscamos se-
melhanças e diferenças. Queremos entender como se dá o
processo historicamente e o que isso representa para socieda-
de hoje.
Capítulo 1    Fenômeno e a Experiência Religiosa     15

1.8 Por Que Estudar Religião?

Dependendo da experiência de cada um, as respostas serão


diferentes. Talvez você seja um religioso e não precise de tan-
tas explicações, mas, com certeza, muitas pessoas não se liga-
ram para a importância do assunto.

Jostein Gaarder, em O Livro das Re­ligiões, nos ajuda a


responder a pergunta acima:

Um rápido olhar para o mundo ao redor mostra que a reli-


gião desempenha um papel bastante significativo na vida
so­cial e política de todas as partes do globo. Ouvimos
falar de católicos e protestantes em conflito na Irlanda do
Norte, cristão contra muçulmanos nos Balcãs, atrito entre
muçulmanos e hinduístas na Índia, guerra entre hinduístas
e budistas no Sri Lanka. Nos Estados Unidos e no Japão
há seitas religiosas extremistas que já prati­caram atos de
terrorismo. Ao mesmo tem­po, representantes de diver-
sas religiões promovem ajuda humanitária aos pobres e
destituídos do terceiro mundo. É difícil adquirir uma com-
preensão adequada da política internacional sem que se
esteja consciente do fator religião. (2004, p. 14)

Além disso, explica Gaarder, um conheci­mento religioso


também pode ser útil num mun­do que se torna cada vez mais
multicultural. Ain­da mais quando falamos em globalização,
apesar de que o termo deve ser usado com cuidado. Muitos
de nós viajamos pelo Brasil ou mesmo ao exterior, entrando
em contato com as diver­sas culturas religiosas. Estes povos
têm costumes diferentes que devem ser respeitados pelos seus
16   Cultura Religiosa

visitantes. Se uma mulher estiver num país mu­çulmano, por


exemplo, terá que observar o tipo de roupa que usará nas
ruas. É claro que não pre­cisará andar com uma Burca, mas
terá que cobrir seu corpo com roupas decentes.

Finalmente, acreditamos que o estudo das religiões pode


ser importante para o desenvolvi­mento pessoal do indivíduo.
As religiões podem responder várias das perguntas existenciais
que fazemos como: de onde viemos, o que somos e para onde
iremos.

1.9 Tolerância Religiosa

Entramos em um debate chave do nosso estudo e para uma


solução dos conflitos religiosos no mundo. Vivemos em um
país onde a escolha religiosa é livre. Cada um tem o direito
a escolher uma fé, uma crença, uma comunidade religiosa.
Para compreender melhor o conceito de tolerância, usamos
um texto de Gaarder:

Este é um dos pontos mais importantes na nossa cami-


nhada. Tolerância é o respeito pelas pessoas que pos-
suem diferentes pontos de vista em relação à religião.
Não significa que precisa­mos concordar com tudo o que
as outras religiões praticam e seguir os mesmos rituais.
Cada um tem o direito de seguir aquilo que é melhor
para si, pode ter uma fé sólida. Mas a tolerância não
é compatível com atitudes como zombar das opi­niões
alheias ou se utilizar da força e de ameaças. A Tolerân-
Capítulo 1    Fenômeno e a Experiência Religiosa     17

cia não limita o direito de fazer propa­ganda, mas exige


que esta seja feita com respeito pela opinião dos outros.
(2004, p. 14)

O respeito pela vida religiosa dos outros, pelas suas


opiniões e pontos de vista é um pré-requisito para a nossa aula
de Cultura Religiosa. Sem isso, é impossível começar, pois:

Com frequência, a intolerância é re­sultado do conheci-


mento insuficiente de um assunto. Quem vê de fora uma
religião, enxerga apenas as suas manifestações, e não
o que elas significam para o indivíduo que a professa.
(2004, p. 15)

1.10 Sincretismo Religioso

No Brasil é muito interessante falar sobre religião. Isso por-


que temos aqui uma pluralidade religiosa muito vasta. Além
disso, encontra­mos o que chamamos de Sincretismo Religio-
so. Isso acontece quando misturamos elementos de várias re-
ligiões numa só. Sincretismo é o ter­mo que os historiadores
denominam de fusão ou interpenetrações de religiões, ritos,
crenças e personagens cultuais. Os cultos afro-brasileiros são
um exemplo comprovado de sincretismo re­ligioso. Queremos
mostrar como isso acontece através da fala de um persona-
gem sertanejo do passado: Riobaldo Tatarana do Grande Ser-
tão: Veredas:

“Hem? Hem? O que mais penso, texto e explico: todo-


-o-mundo é louco. O senhor, eu, as pessoas todas. Por
18   Cultura Religiosa

isso é que se carece principalmente de re­ligião: para se


desendoidecer, desdoidar. Reza é que sara da loucura.
No geral. Isso é que é a salvação-da-alma... Muita reli­
gião, seu moço! Eu cá, não perco ocasião de religião.
Aproveito de todas. Bebo água de todo rio... Uma só,
para mim é pouca, talvez não me chegue. Rezo cristão,
ca­tólico, embrenho a certo; aceito as preces de compa-
dre meu Que­lemém, doutrina dele, de Car­déque. Mas,
quando posso, vou no Mindubim, onde um Matias é
crente, metodista: a gente se acu­sa de pecador, lê alto a
Bíblia, e ora, cantando hinos belos deles. Tudo me quie-
ta, me suspende. Qualquer sombrinha me refres­ca. Mas
é só muito provisório. Eu queria rezar – o tempo todo.
Mui­ta gente não me aprova, acham que lei de Deus é
privilégios, in­variável. E eu! Bofe! Detesto! O que sou? –
o que faço, que quero, muito curial. E em cara de todos
faço, executado. Eu? – não tres­malho!

Olhe: tem uma preta, Maria Leôncia, longe daqui não


mora, as rezas dela afamam muita vir­tude de poder. Pois
a ela pago, todo mês – encomenda de rezar por mim
um terço, todo santo dia, e, nos domingos, um rosário.
Vale, se vale. Minha mulher não vê mal nisso. E estou, já
mandei recado para uma outra, do Vau-Vau, uma Izina
Calanga, para vir aqui, ouvi de que reza também com
grandes meremerências, vou efetuar com ela trato igual.
Que­ro punhado dessas, me defendo em Deus, reunidas
de mim em volta... Chagas de Cristo! (1994)

JOÃO GUIMARÃES ROSA


Capítulo 1    Fenômeno e a Experiência Religiosa     19

Quem sabe você conhece alguém que se identifica com


esta personagem. É comum a gente encontrar situações como
essa. Nas aulas de Cultura Religiosa, quando perguntamos se
nossos alunos têm alguma religião, muitos respondem: Sou
Católico Apostólico Romano, não praticante. Isso significa que
eles são católicos por tradição, mas não vão à igreja aos do-
mingos. Muitos são católicos, mas não deixam de ir ao terreiro
ou ao Centro Espírita.

Recapitulando

Não vamos escrever um texto para convencer o nosso aluno


que é importante ter uma religião. Nossa intenção é motivar
a reflexão de cada um num assunto que irá frequentemente
fazer parte das nossas conversas e relações. Todo profissional
vai lidar com os mais variados tipos de pessoas. Muitas dessas
agem pelos seus valores religiosos, por suas crenças. Portan-
to, é importante conhecer esses comportamentos e, acima de
tudo, respeitar a maneira como cada pessoa pensa. Conhecer
as religiões nos ajuda a ampliar nossos próprios horizontes.
Podemos tirar muitas coisas boas do comportamento alheio e
aprender com essa diversidade religiosa.

Sem dúvida essas grandes religiões do mundo são de uma


riqueza impressionante. Todas elas estão fundamentadas num
período predominante de guerras e violência. Essas religiões
surgem com a capacidade de grandes homens em buscar o
caminho para a paz. Portanto, os valores de cada uma são
interessantes para pensarmos o nosso mundo hoje. Existem ca-
20   Cultura Religiosa

minhos possíveis para um mundo melhor. Essas religiões mos-


tram isto. É claro que alguns povos ainda continuam na sua
miséria, mas também movidos por alguns conceitos difíceis de
serem mudados.

Referências

CATÃO, Francisco. O fenômeno religioso. São Paulo: Ed.


Letras e Letras, 1995.

GAARDER, Jostein; HELLERN, Victor; NOTAKER, Henry. O livro


das religiões. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

KUCHENBECKER, Walter (org.). O Homem e o Sagra-


do. 5. ed. Canoas: Ed. da ULBRA, 1999.

ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. Rio de


Janeiro: Nova Fronteira, 1994. 

Atividades

1) A presente questão diz respeito ao Fenômeno Religioso.


Sendo assim, assinale a única alternativa que é FALSA.

a) A Religião tem estado presente no cotidiano através de


diferentes manifestações, como na música, por exem-
plo.
Capítulo 1    Fenômeno e a Experiência Religiosa     21

b) A nossa alimentação está, em grande parte, determi-


nada por elementos de ordem religiosa.

c) O turismo no mundo não tem nenhuma relação com


a religião. Não existem cidades com referência religio-
sas para movimentar este mercado.

d) Na área da saúde, o trato com a dor, a vida e a morte


foi e ainda é construído com o suporte religioso.

e) Nosso calendário, suas datas festivas e grandes even-


tos, tem sua origem no meio eclesiástico.

2) A presente questão diz respeito à Religião e Filosofia. Leia


com atenção os enunciados abaixo e assinale as alternati-
vas cujas afirmativas sejam VERDADEIRAS no seu conteú-
do.

a) A Filosofia pode ajudar a religião a melhor compreen-


der as ideias religiosas e auxiliar a religião a se livrar
de alguns elementos supersticiosos.

b) Não existe nenhuma relação entre religião e filosofia.


As matérias são totalmente desconexas e vão de en-
contro uma com a outra.

c) A religião isola a filosofia de suas discussões, pois a


razão inviabiliza a fé. Seria impossível ser filósofo e
religioso ao mesmo tempo.

d) Argumentos filosóficos são importantes para a reli-


gião, pois mostram se as pessoas são racionais na sua
crença.
22   Cultura Religiosa

e) Em nenhum momento da história do pensamento hu-


mano houve qualquer tipo de competição entre reli-
gião e filosofia.

3) O tema da presente questão trata de Tolerância Religiosa.


Apenas uma das alternativas abaixo possui um enunciado
VERDADEIRO.

a) Tolerância é o respeito pelas pessoas que possuem di-


ferentes pontos de vista em relação à religião.

b) Em um mundo com tanta diversidade religiosa é im-


possível ter tolerância, pois todas as religiões concor-
rem entre si.

c) Tolerância não é interessante às religiões porque limita


o direito de fazer propaganda, ponto crucial para o
crescimento de uma comunidade.

d) Nos tornamos intolerantes à medida que vamos co-


nhecendo mais a história das grandes religiões e a for-
ma como elas se constituem.

e) No Brasil, nossa constituição diz que todos devem ser


católicos. Por isso, é impossível ser tolerante àqueles
que não respeitam as leis.

4) A tolerância religiosa é um dos pontos cruciais para esta-


belecer a paz entre as religiões. Justifique essa afirmativa.

5) Defina Sincretismo Religioso com alguns exemplos do seu


dia a dia.
Thomas
????????
Heimann1

Capítulo 2
?

Religião e Ciência,
Saúde e Espiritualidade:
um Encontro Possível? 1

Religião e Ciência, Saúde e


Espiritualidade...

1 Doutor em Teologia. Coordenador do Curso de Teologia da ULBRA. Professor de


Teologia na área da Psicologia e Aconselhamento Pastoral. Professor do Curso de
Pós-Graduação em Gestão de Pessoas. Membro do Grupo de Pesquisa em Acon-
selhamento e Psicologia Pastoral da Faculdade EST. Pastor da Igreja Evangélica
Luterana do Brasil – IELB. Psicólogo clínico.
24   Cultura Religiosa

Introdução

Uma das áreas mais frutíferas em termos de pesquisas na atu-


alidade tem sido a relação interdisciplinar entre fé e saúde,
medicina e espiritualidade, que colocam lado a lado o campo
da religião e o campo da ciência. Mesmo que essa relação
entre saúde e espiritualidade seja muito antiga – em inúmeras
culturas a doença e a cura eram experiências que ficavam ao
encargo dos sacerdotes, dos pajés e dos xamãs –, nos dias de
hoje muito se tem discutido acerca das interfaces e também
limites de cada uma das duas áreas. Apesar de haver inúmeras
correntes que veem aí oposição total, uma tensão constante
ou uma crítica mútua, outras correntes procuram caminhar no
sentido de propor uma perspectiva convergente, dialógica e
até integralista de ambas as áreas, sem desrespeitar as especi-
ficidades de cada uma delas.

Neste capítulo vamos tentar demonstrar que há um cami-


nho possível de entendimento e diálogo, que só tem a contri-
buir para uma compreensão mais profunda e profícua desse
tema, que pode conduzir a um melhor cuidado dos indivíduos,
numa perspectiva integral e holística do ser humano.

2.1 Ciência e religião: palco histórico de


batalhas

Conforme afirma Harrison, os conceitos “ciência e “religião”


são ambos produtos da modernidade. O termo Religião re-
cebeu seu sentido atual no século XVII, ao passo que o termo
Capítulo 2    Religião e Ciência, Saúde e Espiritualidade...    25

ciência apenas durante o século XIX. Um entendimento dos


processos históricos e sociais que levaram à formação das ca-
tegorias duais de “ciência” e religião” é vital para qualquer
avaliação de suas relações contemporâneas. Harrison quer di-
zer com isso que a relação que havia entre “ciência e religião”
antes do século XIX não deve ser vista na perspectiva das atuais
categorias da ciência moderna, tal como afirma:

Tão inextricavelmente conectados eram os conceitos


duais de Deus e natureza que é enganoso tentar identi-
ficar vários tipos de relacionamentos entre ciência e re-
ligião no século XVII e XVIII. “Ciência” e “religião” não
eram entidades independentes que podiam sustentar
alguma relação positiva ou negativa entre si, e tentar
identificar tais conexões é projetar para o passado um
conjunto de preocupações que são tipicamente de nossa
própria época. (2007)

Mesmo que houvesse uma certa indiferenciação entre ciên-


cia e religião, o que pode ser afirmado é que a Religião, por
um longo período da história, deteve o controle quase total e
absoluto de toda a produção de conhecimento. Ao longo dos
séculos a Igreja abrigou em seus mosteiros e conventos inúme-
ros cientistas e pesquisadores. Não que a igreja fosse a única
fomentadora ou guardiã do conhecimento, mas era normal-
mente através dela que o conhecimento produzido era filtrado
e transmitido à sociedade. Havia, assim, um claro cerceamen-
to de tudo aquilo que pudesse colocar em risco as convicções,
crenças e dogmas da religião dominante.
26   Cultura Religiosa

Com relação a esse assunto Azevedo (2013), numa con-


cepção um pouco diferenciada de Harrison, afirma:

Foi no grosso caldo da cultura hebraico-cristã, preva-


lente nos séculos XVI e XVII, que a ciência moderna foi
concebida. Descartes (1596-1650), um dos promotores
do pensamento científico moderno, permitia que sua fé
se fizesse presente em seus escritos científicos, declaran-
do sua crença em Deus e na inspiração divina para seu
trabalho (DESCARTES, 2009). Soberana em seu poder,
a igreja católica romana incluía sob seu domínio os
ensinamentos de ciência. Pressentindo o poder prediti-
vo das hipóteses científicas, a igreja relutou em acatar
“profecias científicas”. Embora viesse mais tarde a reco-
nhecer-se equivocada, tanto na condenação de Galileu
(1564-1642) como na resistência à teoria darwiniana
da evolução (HESS, 2003; HEWLETT, 2003), esses fa-
tos tornaram-se de conhecimento geral e profundamente
estudados. Todavia, no caso Galileu, mais importante
que a troca de lugar da terra com o sol foi a mudança
de paradigma na forma de produção do conhecimento.
Para estudiosos do tema, Galileu passou da observação
à elaboração de modelos teóricos. Explicar com modelos
era privativo da igreja, e não dos pesquisadores. Assim,
não foi a “mudança da teoria da natureza” que gerou o
conflito com Galileu, mas a mudança “na natureza da
teoria” (BARBOUR, 2004). Atualmente, os próprios teó-
logos trabalham com a elaboração de modelos teóricos
na interface ciência e religião. (MURPHY, 2003)
Capítulo 2    Religião e Ciência, Saúde e Espiritualidade...    27

Um elemento importante apontado por Harrison é de que


nessa análise da relação normativa entre ciência e religião
precisa-se admitir a pluralidade das ciências, ou seja, há di-
ferentes ciências e cada uma possui sua própria história, mé-
todos e hipóteses, sendo que cada uma estabeleceu um rela-
cionamento diferente com a religião dominante. Um exemplo
disso seriam as ciências biológicas, que marcaram um movi-
mento de rompimento entre as duas áreas, tal como afirma o
autor:

A transformação da história natural na “biologia” cien-


tífica foi uma parte vital desse processo. Uma vez que
a história natural tinha sido tradicionalmente dominada
pelo clero, as novas disciplinas científicas de biologia e
geologia gradualmente alcançaram independência da
influência clerical enquanto, ao mesmo tempo, legitima-
ram um novo conjunto de autoridades não eclesiásticas.
(HARRISON, 2007)

Nesse sentido, como continua o autor, o século XIX viu o


bastão de autoridade passar daqueles que possuíam cargos
religiosos para a nova geração de cientistas. Ao citar uma fra-
se do historiador A. W. Benn, Harisson (2007) diz que “uma
grande parte da reverência uma vez dada aos padres e às suas
histórias de um universo não visível, foi transferida ao astrôno-
mo, ao geólogo, ao físico, ao engenheiro”.

Saltando para os tempos modernos, verificamos que há,


atualmente, várias tipologias que procuram estabelecer mode-
los de interação entre ciência e religião. Uma das mais utili-
zadas é a do físico Ian Barbour (2003), que estabelece quatro
28   Cultura Religiosa

modelos de relação. O primeiro é de conflito, marcada pela


discordância explícita entre literalistas bíblicos e ateus, que
agem como se fossem inimigos, atacando-se mutuamente. O
segundo é a de independência, que admite a existência e
ação mútua de cada área, desde que cada uma mantenha
a devida distância da outra. Cada uma deve saber que cum-
pre papeis diferentes para o ser humano, não devendo uma
interferir na outra. Alguns chamam esse modelo de interação
de magistérios não interferentes. O terceiro modelo de intera-
ção é de diálogo. Esse diálogo pode ocorrer nos interstícios,
brechas ou lacunas de cada uma das áreas (p. ex., qual é o
sentido da vida ou da morte) ou por conceitos que podem
ser comuns a ambas (questões como a saúde e bem-estar
existencial). O quarto modelo é o da integração, que busca
uma parceria entre as duas áreas, uma admitindo que a outra
pode contribuir na compreensão do universo e do ser humano.
Aprofundaremos esses modelos em nossa aula virtual.

Já Augustus Nicodemus Lopes, teólogo e ex-chanceler da


Universidade Presbiteriana Mackenzie, estabelece uma outra
tipologia relacional entre ciência e religião, propondo cinco
modelos, a saber: a) conflito: ligado ao cientificismo, afirma
que a ciência moderna destruiu os pressupostos da teologia
tradicional; pelo lado da religião esse modelo está associado
a um anti-intelectualismo, que enxerga na ciência uma alter-
nativa inferior de explicação do mundo; b) adaptação: nesse
modelo a razão é a única que pode determinar a realidade;
os elementos transcendentes da Bíblia são reduzidos a mitos e
lendas para se encaixar nas mudanças do pensamento cien-
tífico; c) a nova síntese: implica uma transformação radical
da ciência e teologia, numa síntese em que ambas se fundem
Capítulo 2    Religião e Ciência, Saúde e Espiritualidade...    29

num só objeto (p. ex., Nova Era); pode gerar uma pseudociên-
cia e uma heterodoxia pseudoteológica; d) compartimenta-
lismo: ciência e religião são vistas como dois campos total-
mente distintos, que não possuem nada em comum, por isso o
conflito entre eles é desnecessário e até impossível, sendo um
erro de análise interpretativo; e) complementarismo: mode-
lo que entende que as diferentes percepções da ciência e da
religião aplicam-se ao mesmo mundo e aos mesmos eventos,
mas cada uma em um nível de compreensão distinto, que são
complementares e não excludentes.

Independente de qual seja o modelo mais vigente, o que


podemos perceber das atuais relações entre Ciência e Religião,
- como, por exemplo, o embate polêmico entre criacionismo e
evolucionismo -, é que elas são duas “instituições” que pare-
cem estar numa constante disputa de força e poder, na qual a
escolha por uma atitude de oposição, antagonismo e exclusão
mútuas não traz qualquer vencedor, levando os dois lados a
perder. É preciso abrir espaço para um diálogo respeitoso que
abandone prepotências, arrogâncias e fundamentalismos que
só alimentam a intolerância entre as duas áreas.

Partindo para a perspectiva de uma aproximação entre o


campo científico da saúde e a dimensão da espiritualidade,
ênfase deste capítulo, o artigo de Horta et al. (2016) sinaliza,
porém, para um auspicioso caminho de reconciliação, ao afir-
mar:

A partir de Einstein, reduziram-se, um a um, os impedi-


mentos de cercania para ciência e religião, a ponto de
João Paulo II afirmar que religião sem ciência não é boa
30   Cultura Religiosa

religião, bem como ciência sem religião não é boa ciên-


cia. Uma posição convergente com a do sumo pontífice
foi, recentemente, tomada pela Organização Mundial
da Saúde (1998), ao ter acrescentado a dimensão de
bem-estar espiritual ao seu conhecido conceito multidis-
ciplinar de saúde, que, como se sabe, só entendia uma
condição de saúde se existisse a presença de bem-estar
nas dimensões físicas, psíquicas e sociais. A valorização
acrescentada, considerando o lado espiritual/religioso,
é, sem dúvida, o selo decisivo e universalizado do entre-
laçamento de ciência e religião.

Para os autores supracitados, defender o pensamento de


que a religiosidade de uma pessoa influencia não apenas seu
espírito, mas também seu corpo, sua mente e sua interação
relacional com os outros, já causa bem menos estranheza nos
dias de hoje, mesmo que tal concepção ainda permaneça ge-
rando desconfiança e inquietação em alguns nichos acadêmi-
cos. Eliane Azevedo (2013, p. 474) ainda traz um elemento
a mais nessa perspectiva positiva da parceria entre ciência e
religião ao afirmar:

Mesmo equipada com os mais potentes meios de obser-


vação, a ciência moderna não consegue responder a se-
culares questionamentos da humanidade: qual o sentido
dos fenômenos descritos pela ciência; qual o propósito
da vida tão estudada pelos cientistas. A ciência descobre
causas, controla efeitos e prevê eventos. Desvendou o
código da vida e tornou-se capaz de manipula-lo. O mé-
todo científico conferiu-lhe esse poder. Mas os propósitos
para as coisas e o sentido para a vida persistem sem res-
Capítulo 2    Religião e Ciência, Saúde e Espiritualidade...    31

postas cientificamente evidenciáveis. A secular sabedoria


da humanidade continua afirmando que respostas dessa
natureza somente são encontradas em outro tipo de co-
nhecimento - o das religiões.

Passamos agora a analisar um pouco mais uma das tan-


tas faces da relação entre ciência e religião, que é a área da
saúde, por ser este um fenômeno do qual todos nós podemos
nos considerar inclusos e partícipes, por seu caráter existencial.

2.2 Medicina e religião: as origens mítico-


-religiosas da ciência médica

Quando se trata da saúde humana é possível verificar que tan-


to a religião/espiritualidade quanto a ciência só têm a ganhar
quando se dispõem a dialogar a respeito do conhecimento
oriundo de cada uma delas.

Olhando para as origens dos povos e civilizações percebe-


-se que há uma íntima associação entre a religião e a medi-
cina. As duas áreas estavam simbioticamente ligadas na sua
origem, sendo as funções de médico e religioso, curandeiro
e sacerdote, desempenhadas invariavelmente pelo mesmo in-
divíduo. Mais do que a tipologia da integração, poderíamos
afirmar que havia um modelo de fusão entre as duas áreas.

Para o médico Alex Botsaris (2001, p. 57), a medicina,


antes de ser ciência, é um produto da cultura humana. Como
a arte de curar, ela está presente desde as civilizações mais
rudimentares, no momento em que surgiu a necessidade de
32   Cultura Religiosa

alguém assumir a tarefa de curar as pessoas, auxiliando-as a


lidar com a dor, com a incapacidade física, bem como fren-
te à angústia, suscitadas pela doença e morte. Dessa forma
criaram-se os primeiros “sistemas médicos” que, nas culturas
mais antigas, estavam ligados aos sacerdotes e líderes religio-
sos, como xamãs, pajés, druidas, feiticeiros e curandeiros, que
exerciam tanto as funções de religioso como as de médico ou
curandeiro.

Maffei (1978), ao definir medicina, aponta para as mes-


mas origens antropológico-culturais, afirmando:

A medicina é considerada uma arte e uma ciência ao


mesmo tempo, sendo considerada um ramo da Biologia.
Se indagarmos: Como e quando apareceu a medicina?,
verificaremos que a Medicina nasceu com o homem; de
fato, desde o seu aparecimento sobre a Terra, o homem
foi vítima ou testemunha do sofrimento e, por isso, sem-
pre procurou observar as doenças que o afligiam e dar-
-lhes os remédios.

A partir destas duas afirmações, começamos a verificar


como a relação entre a prática médica e a dimensão religio-
sa-espiritual é marcada pela indiferenciação na sua origem.
Landmann aponta para algumas destas relações fazendo re-
ferência a um dos mais antigos deuses egípcios, Imhotept, o
deus médico, bem como a Esculápio, o deus da medicina, um
dos mais populares do panteão grego. No Antigo Testamen-
to, texto sagrado tanto para judeus como para cristãos, Deus
também assume o poder de curar, como diz o livro de Êxodo
“Eu sou o Deus que te cura” (Êxodo 16.26). Portanto, para
Capítulo 2    Religião e Ciência, Saúde e Espiritualidade...    33

Landmann (1984, p. 14-15), todo o carisma, a divindade e a


santidade dos médicos têm seu nascedouro numa concepção
religiosa ou mágica, independentemente de sua origem judai-
ca, cristã, muçulmana ou mesmo pagã.

Surge, então, uma pergunta de fundo histórico: a quem


pertence o domínio dos processos que controlam a saúde e a
doença? Ela é fruto de alguma área específica? Historicamen-
te falando parece ser difícil estabelecer a quem pertencia a
cura das doenças. O templo de Epidauro,1 por exemplo, ficou
famoso na história por dedicar aos doentes tanto cuidados
corporais quanto espirituais, inclusive com o que se pode cha-
mar dos primeiros registros clínicos dos pacientes, isto é, notas
sobre o histórico e a evolução do tratamento de cada doente.
Ali, portanto, parece iniciar-se uma transição entre a simples
teurgia2 - uma magia baseada na relação com os espíritos
celestes - e a medicina com elementos um pouco mais obje-
tivos e científicos. Como bem diz Alex Botsaris (2001, p. 57),
a junção de líder religioso e médico vem da relação da morte
com a saúde e da atribuição divina dos poderes de cura, como
demonstram os relatos acima descritos.

Outro passo importante que aponta para a relação entre


ciência e religião, medicina e espiritualidade, está ligado ao

1 O templo de Epidauro, cidade da Grécia antiga do séc. V a.C., era dedicado a


Asclépio (o Esculápio dos romanos), um herói homérico, filho do deus Apolo com
uma mortal, que tornou-se o semideus da medicina.
2 O Termo “Teurgia” é derivado de duas palavras gregas, “Theou” e “ergon” que
literalmente significam “trabalho de Deus”. Diferentes formas de Teurgia foram pra-
ticadas na antiguidade, envolvendo cânticos, ritos, preces e outras formas de liga-
ção com as forças divinas, sagradas e sobrenaturais que operavam diretamente na
cura dos indivíduos.
34   Cultura Religiosa

nascimento dos hospitais. Para Campos (1995, p. 16-7), a


filosofia cristã de amor ao próximo contribuiu significativamen-
te para a criação dos hospitais, sendo que o primeiro deles,
uma entidade assistencial, foi criado em 360 da Era Cristã, em
Óstia, Itália, com a finalidade básica de restaurar a saúde e
prestar assistência aos doentes.

Nomes importantes nesta nova etapa da criação de hospi-


tais cristãos são os dos imperadores Constantino e Justiniano.
Constantino por ter decretado, em 335 d.C., o fechamento
de instituições médicas de origem pagã grega, estimulando a
criação de hospitais cristãos. Justiniano, por sua vez, colabo-
rou decisivamente para a construção do grande hospital de
São Basílio, em Cesaréia, em 369 d.C. Por volta do ano 500
da Era Cristã, a maioria das grandes cidades do Império Ro-
mano já possuía hospitais cristãos. A criação da enfermagem,
inspirada pela religião, passou a ser constituída de pessoas
carinhosas e dedicadas, porém os ensinamentos médicos de
Hipócrates e outros estudiosos foram sendo abandonados por
suas origens pagãs, fazendo retornar o misticismo e a teurgia.3

Já entre os séculos V e XI a Medicina estava sendo conduzi-


da quase como um monopólio da Igreja Cristã e seus pratican-
tes eram, de fato, os religiosos (FILHO, 1993, p. 99-100). Na
Idade Média, a influência da Igreja permaneceu no estabeleci-
mento e manutenção de hospitais, porém esses se mantinham,
fundamentalmente, como instituições eclesiásticas e não mé-
dicas. Com as Cruzadas um novo impulso de desenvolvimento

3 Enciclopédia Mirador Internacional. Volume IV, p. 5856.


Capítulo 2    Religião e Ciência, Saúde e Espiritualidade...    35

atingiu os hospitais, motivadas também pelas doenças e pestes


que dizimavam milhares de pessoas nessa época.4

Já no século XI, o Concílio de Clermont proibiu os cléri-


gos de exercerem a Medicina e de participarem de cirurgias
e intervenções médicas que envolvessem derramamento de
sangue. Tal proibição se deu pelo receio de que os monges
estivessem por demais afastados de seus votos religiosos por
razão de seus deveres médicos. Colocou-se aí um ponto final
à prática religiosa médica que se arrastara por mais de seis
séculos. (FILHO, 1993, p. 101)

Na época do Renascimento (séculos XV e XVI) a medicina


teve um grande avanço, apesar da Igreja continuar condenan-
do grande parte das pesquisas científicas que envolviam o ser
humano, até mesmo cadáveres. Porém, na busca de compre-
enderem melhor o funcionamento do corpo humano, os médi-
cos da época começaram a tentar explicar as doenças através
de estudos científicos e testes de laboratório.

Segundo Paiva (2000, p. 13), há certo consenso de que a


descoberta de técnicas experimentais de pesquisa no século
XVII encaminhou uma aproximação aos fenômenos do mun-
do físico, distinguindo-as definitivamente da visão religiosa e
teológica. A descoberta de William Harvey, do sistema circu-
latório do sangue, por exemplo, auxiliou muito no desenvolvi-
mento da anatomia e fisiologia humanas. Com essa e outras
descobertas, aos poucos a desapropriação da religião como

4 Enciclopédia Mirador Internacional. Volume IV, p. 5856.


36   Cultura Religiosa

lugar de cura e cuidado físico ficou mais clara, passando a ser


quase uma exclusividade da ciência médica.

2.3 Mediações da saúde e religião na


atualidade

Mesmo na atualidade é possível arrolar diversos exemplos


em que a medicina e religião estão intimamente associadas.
Como aponta Botsaris (2001, p. 58), em grupos socialmente
desassistidos, que não têm acesso ao sistema de saúde, indi-
víduos oriundos de grupos religiosos assumem a função de
doutores e curadores. Entre esses podem ser citados os raizei-
ros, as rezadeiras ou benzedeiras, os médiuns no espiritismo
e na umbanda, os pais e mães de santo do candomblé, além
de podermos também inserir pastores pentecostais e neopen-
tecostais, além de movimentos carismáticos católicos, que me-
diam o tratamento de males e doenças em cultos de cura e
libertação.

De outro lado, para Botsaris, sempre que um médico está


atendendo um paciente estabelece-se um contexto mágico que
transcende a questão científica. O paciente despe-se, literal e
emocionalmente, diante do médico, solicitando, mesmo que
de forma inconsciente, o auxílio de uma força “sobrenatural”
para vencer o obstáculo da doença. Diz ainda Botsaris acerca
do ato médico sobre o paciente:

Nesse momento, entra-se num universo paralelo extre-


mamente amplo. É como se cada xamã, pajé ou druida,
Capítulo 2    Religião e Ciência, Saúde e Espiritualidade...    37

enfim, todo o contexto simbólico da atividade médica,


associado ao conhecimento científico e tecnológico, es-
tivesse presente no instante da consulta, sintetizados na
figura do médico. (...) A atuação do médico, e mesmo
a própria evolução científica e tecnológica do sistema,
depende deste arcabouço conceitual e simbólico. (2001,
p. 58)

Não há como deixar de ressaltar, porém, como bem apon-


ta Gadamer (2006, p. 40), que o médico faz questão de se
afastar da figura de curandeiro de tantas culturas, revestido
pelo segredo das forças mágicas. Ele faz questão de dizer que
é um homem da ciência, isto é, ele conhece o motivo pelo
qual uma determinada técnica de cura tem êxito, bem como
ele entende a relação de causa e efeito. Isso não significa que
os seus pacientes se satisfaçam com essa explicação, ou seja,
a esperança de cura quase mágica associada ao poder do
conhecimento que o médico detém sempre poderá estar cir-
culando na relação médico-paciente, mesmo que os médicos
procurem evitá-la a qualquer custo.

Finalmente, numa perspectiva dos benefícios da espiritu-


alidade para a saúde integral do ser humano, Rossano Dal
Farra (2010, p. 589) refere-se a um conjunto de estudos que
tem demonstrado o impacto da espiritualidade sobre diver-
sos parâmetros de saúde que podem ser inclusive mensurados
de forma metodologicamente eficiente. Diversas publicações
científicas têm mostrado evidências “de que o envolvimento
religioso está favoravelmente associado a indicadores de bem-
-estar psicológico, incluindo a satisfação na vida, a felicidade,
menor frequência de depressão e de utilização de drogas de
38   Cultura Religiosa

abuso” etc. Também relata que, na década de 1990, institui-


ções como Association of American Medical Colleges, Natio-
nal Institute for Healthcare Research e Robert Wood Johnson
Foundation financiaram centenas de programas vinculados à
relação entre fé e saúde.

Nesse sentido elementos da fé e espiritualidade represen-


tam um ponto importante a ser considerado nas questões de
saúde coletiva, como podemos observar nos dados analisados
por Jeff Levin, do National Institute for Healthcare Research,
dos Estados Unidos, que resumem os resultados obtidos nas
pesquisas sobre espiritualidade e fé em relação à saúde em
um amplo conjunto de aspectos, conforme descreve Dal Farra
(2010, p. 591-2):

Princípio 1 — A afiliação religiosa e a participação como


membro de uma congregação religiosa beneficiam a
saúde ao promover comportamentos e estilos de vida
saudáveis. Princípio 2 — A frequência regular a uma
congregação religiosa beneficia a saúde ao oferecer
um apoio que ameniza os efeitos do estresse e do isola-
mento. Princípio 3 — A participação no culto e na pre-
ce beneficia a saúde graças aos efeitos fisiológicos das
emoções positivas. Princípio 4 — As crenças religiosas
beneficiam a saúde pela sua semelhança com as crenças
e com estilos de personalidade que promovem a saúde.
Princípio 5 — A fé, pura e simples, beneficia a saúde
ao inspirar pensamentos de esperança e de otimismo e
expectativas positivas.
Capítulo 2    Religião e Ciência, Saúde e Espiritualidade...    39

[...] Pesquisa realizada com pacientes terminais demons-


trou que o conforto espiritual não apenas aumenta a es-
perança de vida dos pacientes como diminui os índices
de depressão, de ideias suicidas e de desejo de morte
breve.

Posto esse breve apanhado na relação entre religião e ci-


ência, medicina e espiritualidade, poder-se-ia afirmar, como
diz Paiva (2000, p. 91), que “religião e ciência podem, por-
tanto, conviver, e se alguma vez houve empecilho religioso à
ciência, isso ocorreu devido à falta de esclarecimento”. Para
exemplificar essa temática, vamos passar agora a analisar um
dos tantos fenômenos religiosos que podem ser interpretados
de uma forma interdisciplinar apontando, justamente, para os
diversos tipos de relações existentes entre religião e ciência,
medicina e espiritualidade.

2.4 Doença mental ou possessão? Uma


interpretação de práticas de libertação espiritual
e exorcismo numa ótica multidisciplinar

Quem de nós já não ouviu falar de filmes como O exorcis-


ta (1973) ou, mais recentemente, O exorcismo de Emily Rose
(2005)? Ou, ainda, quem de nós já não ouviu falar de cultos
de libertação, sessões de descarrego ou então de pessoas que
afirmaram estar “com um encosto” ou nas quais “baixou o
santo”? Transe religioso, mundo dos espíritos ou apenas trans-
tornos mentais?
40   Cultura Religiosa

Todos esses exemplos apontam para um fenômeno que va-


mos chamar aqui, genericamente, de possessão. Esse é um
tema controverso e estamos cientes de que há diversas formas
de nominar e significar o fenômeno, dependendo do viés reli-
gioso ou científico de cada grupo, que constrói a sua própria
nomenclatura e interpretação do fato.

Desde o início da história humana há indícios de que so-


frimento e doença eram considerados frutos de uma força ex-
terna maligna, que atuava negativamente sobre os corpos e
as mentes das pessoas. As curas eram ministradas por meio
da expulsão dessa força maligna do corpo do indivíduo, em
práticas que denominaríamos hoje de exorcismos, mas que já
eram realizadas por inúmeras tribos ao longo da história.

Portanto, a ideia do mal, de espíritos ruins ou de “pouca


luz”, de demônios que atuam no plano físico e atormentam os
seres humanos não é privilégio do mundo cristão, embora a
sociedade ocidental seja muito influenciada pelo cristianismo
e sua ideia do mal.

De um modo geral, o que se entende por possessão? Va-


mos analisar algumas das diferentes perspectivas interpretati-
vas. Para o cristianismo, demônios são espíritos ou poderes es-
pirituais contrários a Deus e cujas fileiras são compostas pelos
chamados anjos caídos, que acompanharam Lúcifer na rebe-
lião contra Deus. Há muitos textos bíblicos que mostram Jesus
Cristo e também os seus discípulos expulsando demônios.

Caracterizando de modo geral uma possessão, um ser hu-


mano que está “possuído” por uma dessas entidades espiritu-
ais maléficas parece perder sua identidade pessoal, bem como
Capítulo 2    Religião e Ciência, Saúde e Espiritualidade...    41

sua liberdade de pensamento e até de ação, ficando aliena-


do de si mesmo. Normalmente, uma possessão demoníaca
é acompanhada de um comportamento violento e destrutivo
contra os outros, contra o ambiente, contra Deus, assim como
uma agressividade dirigida contra si mesmo.

Uma segunda interpretação é chamada de desmitologi-


zante, baseada na parapsicologia, que procura diferenciar
fenômenos verdadeiros daqueles que podem ser fraudes e
truques. Para essa linha, que ainda é vista como uma pseudo-
ciência, os fenômenos verídicos podem ser produtos de uma
mente perturbada, fruto de uma psicorragia, isto é, uma ener-
gia mental que foge ao controle voluntário humano, gerando
fenômenos paranormais que se fazem presentes no indivíduo
e no ambiente em que ele se encontra, tais como tiptologia,
telecinesia, xenoglosia, glossolalia, clarividência etc.

Numa perspectiva da interpretação médica/psiquiátrica/


psicológica as possessões são consideradas, normalmente,
como casos de transtornos mentais. A psiquiatria, ao descrever
as psicoses e as esquizofrenias, elenca uma série de sintomas
que se aproximam dos relatados nas possessões espirituais
como delírios, alucinações visuais, auditivas, táteis, entre ou-
tras. Podemos ainda citar crises histéricas, dissociações de per-
sonalidade e até mesmo crises de epilepsia e convulsões que,
muitas vezes, foram e ainda são confundidas e interpretadas
por alguns religiosos como possessões. O psiquiatra Rogério
Zimpel (2004, p. 79) afirma que os transtornos dissociativos
talvez sejam o grupo de perturbações mentais que mais se con-
fundam com os fenômenos espirituais, englobando o transtor-
no de personalidade múltipla (ou dissociativo de identidade) e
42   Cultura Religiosa

ainda o transtorno de despersonalização. É importante afirmar


que ainda existe pouca literatura psiquiátrica e psicológica que
trabalhe simultaneamente com os dois paradigmas, a saber, o
psíquico/científico e o espiritual/religioso.

Numa última interpretação desses fenômenos, dada pela


sociologia e psicologia social, as possessões são vistas como
comportamentos de protesto por parte de pessoas oprimidas
que não têm condições de buscar ajuda de cunho profissional,
como médicos psiquiatras, psicólogos e outros terapeutas. Tais
indivíduos encontram em igrejas um lugar de livre expressão
de sua condição de opressão. A igreja e o culto servem como
espaço terapêutico para elas. Portanto, os sintomas da posses-
são nada mais seriam do que uma descarga externa de muita
opressão, violência e repressão, cuja expressão livre é favo-
recida pelo ambiente sugestivo do culto. São os “demônios
internos” de um indivíduo, o conjunto de muitas frustrações
reprimidas que é colocado para fora, numa catarse individual
ou coletiva.

Tratar de temas como esse exige sempre prudência, sem


abrir mão de um olhar crítico e interdisciplinar, respeitando-se
sempre os diversos pontos de vista e interpretações trazidos
pelos diferentes grupos científicos e/ou religiosos. Aqueles
que têm interesse no assunto devem sempre levar em con-
sideração que a verdade religiosa é uma questão subjetiva,
que implica fé e que transcende uma análise lógica e racional
dos fatos. Não há, portanto, nesse tema, espaço para dog-
matizações ou fundamentalismos, mas sim a necessidade de
um espírito sempre investigativo em busca da(s) verdade(s)
subjacentes(s).
Capítulo 2    Religião e Ciência, Saúde e Espiritualidade...    43

Recapitulando

Buscamos, nesse capítulo, traçar um breve panorama histó-


rico dos diferentes tipos de relação existentes entre religião e
ciência, fé e saúde, medicina e espiritualidade. Vimos que, nas
origens da humanidade, não havia distinção funcional entre
as duas áreas, sendo que as funções médica e religiosa eram
exercidas quase sempre pela mesma pessoa. Os conflitos entre
religião e ciência, tal como conhecemos hoje, são produto da
modernidade. Ian Barbour e Augustus Nicodemus são autores
que propuseram tipologias com diferentes modelos de relação
entre ciência e religião, que vão desde o conflito aberto até
a integração. É possível perceber, porém, que há indícios de
uma aproximação gradativa no campo da pesquisa médica
no sentido de ver na fé, na espiritualidade e na religiosida-
de elementos positivos para a saúde integral do ser humano.
Também abordamos, mesmo que brevemente, o fenômeno da
possessão, vendo-o como um dos exemplos para uma análise
multi e interdisciplinar de um fenômeno que possui interfaces
tanto na religião quanto na ciência.

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na América Latina. Organizador Ingo Wulfhorst. São Leo-
poldo; Genebra: Federação Luterana Mundial, 2004, p.
77-86.

Atividades

1) Assinale V para as afirmativas verdadeiras e F para as fal-


sas.

f
(  ) Ciência e religião, medicina e espiritualidade sempre
estiveram em lados opostos, vivendo como inimigas
íntimas ou completas desconhecidas, desde a antigui-
dade.
46   Cultura Religiosa

v
(  ) 
Ian Barbour, físico e Augustus Nicodemus, teólogo,
propuseram diferentes tipologias relacionais entre ci-
ência e religião, as quais variam do conflito aberto a
modelos complementares ou integracionistas.

v
(  ) A criação dos hospitais no Ocidente teve forte influên-
cia do Cristianismo.

2) Relacione as duas colunas com os modelos de relação


entre ciência e religião e suas respectivas características:

c
a) Conflito (  ) Ambas se tornam parceiras
na interpretação do mundo.

d
b) Independência (  ) Pode gerar uma pseudociên-
cia e uma pseudoteologia.

b
c) Integração (  ) Associado a visão dos magis-
térios não interferentes.

a
d) Nova síntese (  ) Ligado ao cientificismo e ao
anti-intelectualismo.

3) Complete as lacunas com os conceitos corretos.

Um dos mais conhecidos locais de cuidado e cura que já


desenvolvia uma visão holística e integral, desde a antiguida-

Templo de Esculáp
de, era o ________________________.

Para o cristianismo, ________ são espíritos ou poderes es-


pirituais contrários a Deus e cujas fileiras são compostas pelos
chamados anjos caídos, que acompanharam Lúcifer na rebe-
lião contra Deus.
demonios
Capítulo 2    Religião e Ciência, Saúde e Espiritualidade...    47

4) Identifique três benefícios da fé e espiritualidade na saúde


e bem-estar do ser humano.

5) Por que o fenômeno da possessão não deve ser analisado


apenas sob a ótica religiosa?
Douglas
??????????
Moacir Flor1

Capítulo 3
?

As Religiões Orientais 1

1 Mestre em Educação pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), bacharel


em Teologia pela Escola Superior de Teologia do Seminário Concórdia (RS) e em
Jornalismo pela Universidade Do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Professor da
Disciplina de Cultura Religiosa na ULBRA.
Capítulo 3   As Religiões Orientais   49

Introdução

Escrever sobre religiões orientais sempre é um desafio. É uma


cultura muito antiga, diferente da nossa, onde as tradições
orais foram transmitidas por milhares de anos. Por outro lado,
é uma cultura riquíssima em histórias de vida e que influencia-
ram muito a nossa cultura ocidental.

O que notamos é que estas religiões orientais nos trans-


mitem um sentimento de paz, de tranquilidade, fruto da me-
ditação, da concentração, da busca de paz interior. A História
nos mostra que a origem de tudo isso está nas guerras, por
mais contraditório que nos pareça. Cansados da violência da
guerra, as pessoas começaram a buscar outro estilo de vida e
apostaram na “não violência”.

Vamos encontrar, neste capítulo, quatro grandes religiões:


Hinduísmo, Budismo, Confucionismo e Taoísmo. De cada uma
podemos tirar lições de vida, valores religiosos transmitidos por
séculos e vividos com intensidade por seguidores que buscavam
sentido para a vida entre as religiões e as filosofias de vida.

3.1 Hinduísmo

3.1.1 História
Voltamos no tempo para o ano de 1500 a.C. e seguimos até
o ano 200 a.C.1 Os Arianos (“nobres”) começaram a subjugar

1 a.C. Antes de Cristo. O tempo era contado em ordem decrescente.


50   Cultura Religiosa

o vale do rio Indo. As crenças dessas pessoas tinham ligação


com outras religiões indo-europeias, como a grega, romana
e germânica. Sabemos disso pelos chamados hinos védicos
(da palavra veda, que significa “conhecimento”), que eram re-
citados por sacerdotes durante os sacrifícios aos seus muitos
deuses. É o chamado período védico do hinduísmo.

Achados arqueológicos no vale do rio Indo indicam que


houve uma civilização avançada na Índia, anterior à chegada
dos indo-europeus e é certo que essa civilização também con-
tribuiu para o hinduísmo moderno.

A época conhecida como período védico tardio, de 1000


a.C. até 500 a.C., marcou uma virada no desenvolvimento re-
ligioso da Índia. Importância especial tiveram os Upanishads,
que até hoje são os textos hinduístas mais lidos. Foram escritos
sob a forma de conversas entre mestre e discípulo, e introdu-
zem a noção de Brahman, a força espiritual essencial em que
se baseia todo o Universo. Todos os seres vivos nascem do
Brahman, vivem no Brahman e, ao morrerem, retornam ao
Brahman.

Hoje

O hinduísmo é uma religião da Índia, mas tem muitos


adeptos também no Nepal, em Bangladesh e no Sri Lanka.
Depois de muitos anos de domínio colonial britânico, em
1947, a Índia tornou-se uma república independente: um Es-
tado secular (não religioso), com uma constituição que garan-
tia direitos para todas as denominações religiosas e proibia
qualquer forma de discriminação baseada em religião, raça,
casta ou sexo.
Capítulo 3   As Religiões Orientais   51

Em 1947, a tensão entre hinduístas e muçulmanos, em ra-


zão da independência da Índia, resultou na criação do Pa-
quistão como um Estado muçulmano separado, dividido em
duas partes distintas: o Paquistão do Leste e o Paquistão do
Oeste. Depois da guerra de 1971 entre a Índia e o Paquistão,
o Paquistão do Leste tornou-se um Estado independente com
o nome de Bangladesh.

Segundo Piazza (1991, p. 247):

O Hinduísmo não pode ser considerado uma religião no


sentido que tenha um fundador determinado, dogmas
específicos e liturgias estruturadas. É, na verdade, uma
atitude do povo Indiano perante os problemas existen-
ciais, a qual, segundo as circunstâncias, pode assumir as
mais diversas formas.

3.1.2 Ensinamentos
Deuses

O hinduísmo é conhecido como uma religião politeísta,


com um número considerável de deuses, que também são
chamados de deuses do lar. Quase todas as aldeias têm a sua
própria divindade local. Entre as principais divindades encon-
tramos três:

Brahman – Conhecido como o Deus criador, Senhor da


Sabedoria, cultuado pelos sacerdotes. Todos nascem dele.

Vishnu – o Deus mantenedor da criação.


52   Cultura Religiosa

Shiva – Cultuado pelos camponeses, é um deus renovador,


senhor da vida e da morte, o deus da meditação e dos iogues,
e em geral, é retratado como um asceta. É ele quem traz a
doença e a morte, mas também o que cura.

As deusas

No Livro das Religiões encontramos a citação de uma série


de deusas. Segundo Gaarder (1989, p. 48):

Alguns adotam a teoria de que essa abundância de deu-


sas não passa da expressão de uma grande e poderosa
divindade feminina, a “Rainha do Universo” ou “Deusa-
-Mãe”. Sua manifestação mais conhecida é Kali, a deusa
negra, adorada sobretudo no Leste da Índia, e a quem
se sacrificam animais. O alto status de Kali no mundo
dos deuses é evidente pelas imagens que a mostram
pisoteando o corpo de Shiva.

A importância das deusas na religião indiana é visível pela


escolha da “Mãe Índia” (Bhárata Mata ou Bharthamata) como
a divindade nacional do moderno Estado da Índia. Na cidade
de Varanasi há um templo especial que lhe é dedicado. Ali, em
vez de uma representação da deusa, está exposto um mapa
da Índia.

3.1.3 Carma e reencarnação


Termos muito conhecidos hoje no Espiritismo, a doutrina do
Carma e da reencarnação são tão antigas quanto o hinduís-
mo. A crença é de que o ser humano tem uma alma imortal
que não lhe pertence. Depois da morte, a alma volta a apare-
Capítulo 3   As Religiões Orientais   53

cer (renasce) numa nova criatura vivente. Pode renascer numa


casta mais alta ou mais baixa, ou pode passar a habitar um
animal.

Segundo Gaarder (1989, p. 48):

Há uma ordem inexorável nesse ciclo que vai de uma


existência a outra. O impulso por trás dela, e que a man-
tém sempre em movimento, é o carma (“ato” ou “ação”)
do ser humano. O ato ou ação não se refere apenas a
ações físicas, mas inclui pensamentos, palavras e senti-
mentos.

A ideia de que todas as ações têm consequências, que


podem surgir depois da morte, não é, de modo algum,
peculiar do hinduísmo. A originalidade da ideia está no
entendimento de que todas as ações de uma vida, e so-
mente elas, podem formar a base para a próxima vida.
Assim, o carma não é uma punição pelas más ações ou
uma recompensa pelas boas. O carma é uma constante
impessoal, como se fosse uma lei natural do ato de existir.

O sistema de castas

Desde os tempos antigos, a sociedade hinduísta está ali-


cerçada sobre quatro classes sociais (a palavra empregada é
varna, que significa “cor”):

ÂÂsacerdotes (brâmanes);

ÂÂguerreiros;

ÂÂagricultores, comerciantes e artesãos;


54   Cultura Religiosa

ÂÂservos.

Assim, à medida que a sociedade indiana se desenvolveu,


as pessoas foram sendo divididas em novas castas. No início
do século XX havia em torno de 3 mil castas.

Não se sabe ao certo como surgiu o sistema de castas.


O certo é que as castas, em geral, se associam a profissões
especiais. Uma aldeia indiana pode conter de 20 a 30 castas,
e com frequência cada uma ocupa um agrupamento especial
de casas. Cada casta tem suas próprias regras de conduta e
de práticas religiosas, que determinam com quem as pessoas
podem se casar, o que podem comer, com quem podem se
associar e que tipo de trabalho podem realizar. A base reli-
giosa desse sistema é a noção de pureza e impureza. Para um
brâmane, por exemplo, tudo o que tenha a ver com as coi-
sas corporais ou materiais é impuro. Se ele se tornou impuro
como resultado do nascimento, morte ou do sexo ou, ainda,
por meio de contato com uma pessoa sem casta ou de casta
inferior, há diversas maneiras pelas quais ele pode ser purifi-
cado. O método tradicional mais conhecido de purificação
utiliza a água de um dos muitos rios sagrados da Índia, como
o Ganges.

O sistema de castas deu um novo contexto à vida do india-


no moderno. Assim, ser expulso de sua casta é o pior castigo
imaginável e, portanto, isso só é utilizado para crimes muito
sérios. O nível mais baixo no sistema de castas é o dos into-
cáveis ou sem casta (também chamados de párias): os crimi-
nosos, lixeiros e curtidores de couro de animais, por exemplo.
Capítulo 3   As Religiões Orientais   55

As complexas regras que controlam o contrato social en-


tre as castas eram muito rígidas. A Constituição da Índia, de
1947, introduziu, no entanto, medidas com a finalidade de
banir a discriminação por casta. Como não basta mudar a le-
gislação para acabar com antigas divisões sociais e religiosas,
o sistema de castas continua tendo um papel importante, em
especial nas aldeias.

Vida e morte

Durante o período védico, a doutrina do carma e dos re-


nascimentos era vista como algo positivo. Por meio dos sacrifí-
cios e das boas ações, o ser humano podia garantir que viveria
várias vidas. Mais tarde, o hinduísmo passou a considerar esse
ciclo como algo negativo, como um círculo vicioso a ser que-
brado. É possível, assim, distinguir três caminhos para a liber-
tação: as vias do sacrifício, do conhecimento e da devoção.

3.2 Budismo

3.2.1 História
Nascimento e vida de Siddartha

O príncipe Siddartha cresceu em meio à fortuna e ao luxo.


Seu pai ouvira uma profecia de que seu filho ou seria um po-
deroso governante ou abandonaria por completo o mundo.
Essa última opção ocorreria caso o príncipe testemunhasse as
mazelas e o sofrimento das pessoas. Para evitar essa situa-
ção, tentou proteger seu filho mantendo-o recluso aos limites
56   Cultura Religiosa

do palácio e cercado de delícias e diversões. Casou-se jovem


com uma prima e mantinha um harém de dançarinas.

Aos 29 anos, Siddartha experimenta uma situação que mu-


daria por completo sua vida palaciana. Embora proibido pelo
pai, arriscou-se a sair do palácio e viu, pela primeira vez, um
velho, um homem doente e um cadáver em decomposição. A
contradição se interpôs quando, a seguir, viu um asceta com
uma expressão de radiante alegria. Percebeu que a vida de ri-
queza e prazer não traduz uma existência plena e com sentido.
Questionou-se sobre a existência de algo que ultrapassasse
a velhice, a doença e a morte. Percebeu-se tocado por um
profundo sentimento de compaixão pelas pessoas e por um
chamado a fim de libertá-las do sofrimento. Ato contínuo, re-
nunciou à vida prazerosa do palácio, a sua esposa e ao filho,
e partiu para uma vida de andarilho.

Da vida de abundância, passou aos extremos dos exercí-


cios ascéticos. Comia cada vez menos. Chegou a alimentar-
-se apenas com um grão de arroz por dia. O que esperava
conseguir era o domínio do sofrimento. Sem resultado, adotou
o “caminho do meio”, a meditação. Após seis anos de medi-
tação ascética, aos 35 anos, chegou à iluminação (bodhi) à
margem de um afluente do rio Ganges. Agora era um buda,
um iluminado. Alcançara a percepção de que todo o sofrimen-
to do mundo é causado pelo desejo. É apenas suprimindo o
desejo que se pode escapar de outras encarnações.

Continuando sua meditação, alcança a compreensão de


uma realidade que não é transitória, mas absoluta e acima
do tempo e do espaço. O nome atribuído a essa realidade
Capítulo 3   As Religiões Orientais   57

é nirvana. A lógica principia pelo domínio do desejo de viver


que prende o ser humano à existência. Esse domínio para de
produzir carma e, sem ele, não se está mais sujeito à lei dos re-
nascimentos. Encontrara para si uma saída para a superação
do sofrimento. Passo seguinte, Siddartha decide compartilhar
sua percepção.

À época, Benares era um grande centro religioso. É para


lá que se dirige. Faz sua primeira pregação e desencadeia o
que se denomina de “rodas de instrução”. Monges mendigos
tornam-se seus discípulos e por volta de 40 anos o seguem
pelo nordeste da Índia.

3.2.2 Ensinamentos
Uma vez que o budismo surge dentro do contexto hinduísta,
como um caminho individual para a libertação dos renasci-
mentos, é natural que muito de seus ensinamentos estejam
marcados por esse pensamento. Destacam-se, de modo espe-
cial, os pensamentos referentes às doutrinas do renascimento,
do carma e da libertação (ou salvação).

Deuses

Buda não negou a existência dos deuses. Todavia, acredi-


tava que a existência dos deuses era transitória, assim como a
existência humana.

Outra característica nesse tema diz respeito à adoração de


demônios, espíritos e outras divindades. Todos são seres vivos
e, se cultuados de modo correto, podem trazer vantagens para
a vida neste mundo.
58   Cultura Religiosa

Ser humano

Para o hinduísmo, originalmente, todo ser humano, bem


como todo o Universo, possui uma única alma (atmã) que so-
brevive de uma existência a outra e idêntica, total ou parcial-
mente, ao Transcendente universal (Brahman).

Buda rompe essa lógica. Nega que o ser humano tenha


alma e rejeita a existência de um espírito universal. A alma é
fugaz e fruto da ignorância humana que promove o desejo,
fundamental para a criação do carma individual.

Nessa dimensão, o budismo entende a vida humana como


uma série de processos mentais e físicos que alteram o ser hu-
mano de momento a momento. Tudo é transitório. “Aquilo que
você planta é o que colhe.” O ser humano é dono de seu des-
tino: o que pensa e faz é determinante de seu futuro cósmico.

Vida e morte

A lei do carma

Para Siddartha, o Buda, o ser humano é escravizado por


uma série de renascimentos. Como todas as ações têm conse-
quências, os princípios propulsores, que estão por trás do ciclo
nascimento-morte-renascimento, são os pensamentos dos se-
res humanos, suas palavras e seus atos (carma).

A ideia básica enfatiza que tudo o que se fez em determi-


nada vida, ainda que passada, repercute e nos alcança no
presente. As ações de uma vida estendem-se a outra. O ser
humano irá colher no presente aquilo que plantou no passa-
do. Não há “destino cego” e nem “divina providência”. Daí a
Capítulo 3   As Religiões Orientais   59

impossibilidade de escapar do carma. Enquanto houver um


carma, o ser humano está fadado a renascer e manter-se pre-
so à existência humana, não transcendendo.

Inerente ao conceito de carma está a busca de uma saída,


uma “passagem”, capaz de conduzir o ser humano à transcen-
dência, livre de desejos.

As quatro nobres verdades sobre o sofrimento

O denominado “Sermão de Benares”, que apresentou as


quatro verdades sobre o sofrimento humano, ocorreu depois
que Siddartha obteve o estado de iluminação. As quatro ver-
dades demonstram que:

ÂÂtudo é sofrimento. Para o budismo, o sofrimento im-


plica algo mais do que mero desconforto físico e psico-
lógico. Toda a existência é manchada pelo sofrimento,
pois tudo é passageiro. Quem não percebe isso é cego.
Isso, no entanto, não significa que o budismo nega toda
a felicidade material e mental. Ele reconhece que exis-
te alegria tanto na família como no mosteiro. Todavia,
tudo aquilo que amamos e a que nos apegamos sim-
plesmente não vai durar;

ÂÂa causa do sofrimento é o desejo. O desejo implica,


sobretudo, desejar com os sentidos, a sede de prazeres
físicos. Como essa ânsia nunca pode ser plenamente
saciada, ela sempre irá acarretar um sentimento de des-
prazer. Até mesmo o desejo de sobrevivência contribui
para manter o sofrimento. Por outro lado, o budismo
também rejeita o extremo oposto. O desejo de anula-
60   Cultura Religiosa

ção - ou desejo de morrer - igualmente amarra o ser


humano à existência, pois não leva em consideração o
carma, que impõe renascimento;

ÂÂo sofrimento cessa quando o desejo cessa. Quan-


do o desejo cessa, começa o nirvana. Um pré-requisito
para suprimir o desejo é que a ignorância deve ser en-
frentada. Só o ser humano que não enxerga, sente dese-
jo. A ignorância leva ao desejo; o desejo, à atividade; a
atividade traz consigo o renascimento e o renascimento
origina mais ignorância.

ÂÂo desejo cessa seguindo-se o caminho das oito vias.


São elas:

ÂÂentendimento (ou percepção/visão) justo: conhecer a


natureza e a origem do sofrimento, a cessação do so-
frimento e o caminho que conduz para a cessação do
sofrimento;

ÂÂresolução justa: renunciar ao mundo e não prejudicar


ou eliminar qualquer ser vivo;

ÂÂpalavra justa: abster-se da mentira ou calúnia, da injúria


e dos mexericos;

ÂÂconduta justa: abster-se de tirar a vida, roubar e praticar


a luxúria;

ÂÂsustento de vida justo: abster-se de pegar ou comercia-


lizar armas, consumir álcool e tóxicos, e de qualquer
outra atividade que possa trazer prejuízo a outros;
Capítulo 3   As Religiões Orientais   61

ÂÂesforço justo: é a vontade necessária para estancar as


más qualidades que afloram à mente, eliminar todas as
que ali ainda estão e desenvolver bons estados mentais;

ÂÂpensamento justo: ter consciência do seu próprio corpo,


dos sentimentos e das atividades da mente;

ÂÂmeditação justa: é quando, privado de luxúria e disposi-


ções erradas, a serenidade interna é desenvolvida atra-
vés da prática de meditação. Esta é a atividade que, em
última análise, conduz ao nirvana.

3.2.3 Ética
Com a decisão de Buda, depois de alcançar a iluminação, de
tornar-se guia do ser humano, passa a ser fundamental para
o budismo o amor e a compaixão. Não só as ações, mas
também os sentimentos e afetos são importantes. A caridade
realizada não apenas afeta os outros, mas contribui para eno-
brecer o próprio caráter de quem a realiza.

Nessa dimensão, o budismo tem cinco regras de conduta:

ÂÂnão fazer mal a nenhuma criatura viva;

ÂÂnão tomar aquilo que não lhe foi dado (não roubar);

ÂÂnão se comportar de modo irresponsável nos prazeres


sensuais;

ÂÂnão falar falsidades;

ÂÂnão se entorpecer com álcool e drogas.


62   Cultura Religiosa

3.3 Confucionismo

Você deve estar observando que hoje a China está despontan-


do em todo o mundo pelo seu crescimento econômico e, aos
poucos, vem sendo reconhecida como uma grande potência
mundial. Talvez o que você não saiba é que até 1911 a China
foi uma potência imperial, onde o imperador reinava acima de
tudo. O imperador era considerado o representante do país
diante do supremo deus Céu.

O que havia por trás de tudo isso era uma ideologia con-
fucionista. O conjunto de pensamentos, regras e rituais sociais
foi desenvolvido pelo filósofo K’ung-Fu-Tzu. No Brasil, nós o
conhecemos como Confúcio. Além disso, Confúcio formulou
normas para a vida religiosa, para os sacrifícios e os rituais.

O confucionismo era, na verdade, uma religião estatal


praticada pela elite e pelas classes dominantes, a qual,
no entanto, nunca se disseminou muito entre as massas,
as camadas mais amplas da população. Da mesma for-
ma que o imperador, em seu palácio em Pequim, ficava
remotamente afastado das pessoas comuns, o Céu era
remoto e impessoal para a grande massa dos chineses
pobres, trabalhadores e camponeses. A Religião dos po-
bres era a adoração dos espíritos, particularmente dos
antepassados, religiosidade carregada de magia e traços
de outras religiões. (GAARDER, 1989, p. 77)
Capítulo 3   As Religiões Orientais   63

3.3.1 Quem foi Confúcio


Confúcio nasceu em 551. a.C., filho de pessoas pobres. Des-
de cedo demonstrou um grande interesse que se referia à vida.
Diz a história que, após iniciar sua carreira pública como um
oficial de segunda classe no estado de Lu, aos 18 anos, tor-
nou-se professor e começou a ensinar história, filosofia, ética,
música, poesia e boas maneiras. A ideia era mostrar a seus
alunos os princípios que ele julgou necessários naquele mo-
mento de decadência da ordem feudal chinesa.

Embora suas lembranças da infância contenham referên-


cias nostálgicas à caça, à pesca e ao arco, sugerindo com
isso que ele foi tudo, menos uma traça de livro, Confúcio
dedicou-se cedo aos estudos e se saiu bem. “Chegan-
do aos quinze anos de idade, forcei a minha mente ao
aprendizado”. Com vinte e poucos anos, depois de ter
ocupado vários cargos públicos insignificantes, depois de
ter feito um casamento não muito bem-sucedido, ele se
estabeleceu como professor particular. Essa era obvia-
mente a sua vocação. A reputação de suas qualidades
pessoais e sabedoria prática espalhou-se com rapidez,
atraindo um círculo de discípulos entusiasmados. (SMITH,
1991, p. 156)

A carreira de Confúcio não foi um sucesso. Sua ambição


era bem maior. Alguns biógrafos chegaram a criar a lenda de
que, por volta dos 50 anos, Confúcio realizou uma brilhante
administração durante cinco anos, avançando rapidamente de
ministro de Obras Públicas para ministro da Justiça e primeiro-
-ministro, fazendo de Lu uma província modelo. “A verdade é
que os governantes da época tinham medo da franqueza e in-
64   Cultura Religiosa

tegridade de Confúcio, tanto medo que nunca o designariam


para qualquer posição de poder”. (SMITH, 1991, p. 156)

3.3.2 Suas obras


O que marca a obra de um líder é seu legado escrito. Confú-
cio deixou várias obras escritas sobre sua filosofia de vida: o
Shih Ching (livro de poesias), Li Chi (livro dos ritos), I Ching (li-
vro das transformações), Shu Ching (livro de história) e Ch’um
Ch’íu (os anais da primavera e do outono).

Político fracassado, Confúcio foi, sem dúvida, um dos maio-


res professores do mundo. Preparado para ensinar história,
poesia, governança, propriedade, matemática, música, adivi-
nhação e esportes, ele foi, à moda de Sócrates, um homem-
-universidade. Seu método de ensino também era socrático.
Sempre informal, ele não fazia preleções; preferia conversa
sobre os problemas apresentados por seus alunos, citando lei-
tura e fazendo perguntas. Ele se apresentava aos alunos como
um companheiro de viagem, comprometido com a tarefa de
se tornar plenamente humano, mas modesto. Quanto ao pon-
to a que chegou no cumprimento dessa tarefa, ele mesmo cita:

Há quatro coisas no Caminho da pessoa profunda, ne-


nhuma das quais fui capaz de fazer. Servir ao meu pai,
como esperaria que um filho me servisse. Servir ao meu
governante, como esperaria que meus ministros me servis-
sem. Servir ao meu irmão mais velho, como esperaria que
meus irmãos mais novos o servissem. Ser o primeiro a tra-
tar os amigos como esperaria que eles me tratassem. Es-
sas coisas não fui capaz de fazer. (SMITH, 1991, p. 156)
Capítulo 3   As Religiões Orientais   65

3.4 Xintoísmo

Apenas para cultura geral, vamos tecer algumas considera-


ções sobre o Xintoísmo, que tem grande influência sobre a
cultura japonesa. A partir dessa religião, poderemos entender
a força de um povo, sua seriedade, seus compromissos e sua
devoção.

O caminho dos deuses

Quando falamos do xintoísmo, normalmente nos reporta-


mos aos japoneses ricos pela sua forma de pensar, por sua
cultura e também pelos seus valores religiosos.

Primitivamente, a religião Xintoísta era chamada de Kami-


no-michi, que é traduzido por “o caminho dos deuses”.
Em chinês, a mesma expressão é shen-tao, de onde pro-
cede a palavra shinto (em português, xinto). O Xintoísmo
é uma religião peculiar por sua expressão de amor ja-
ponês pelo seu país e suas instituições. Este aspecto da
história sagrada está descrito no Kojiki, datado do século
VIII. (STEFFEN, 2000, p. 50)

O Kojiki diz que as ilhas japonesas foram criadas por Iza-


nami e Izanagi, que também habitaram a Terra como nume-
rosas divindades, das quais os japoneses são descendentes.
A família real é descendente de Jimmu Tenno (cerca de 660
a.C.), o primeiro imperador humano, neto de Ni-ni-go, neto
de Amaterasu, a divindade feminina Sol. No Shinto, Amaterasu
é reconhecida como a primeira no panteão das divindades,
mas não é a única. É apenas uma entre muitos. O xintoísmo
primitivo via o Japão como a terra dos deuses, o que explica o
66   Cultura Religiosa

caráter nacionalista da religião. Acreditam que todos os japo-


neses têm origem divina, mas, em especial, o imperador, que
é descendente da própria deusa do sol.

O Shinto, “o caminho dos deuses”, pode ser descrito como


um modo ideal de comportamento. O seu sistema ético inclui
os seguintes preceitos:

ÂÂlealdade ao imperador;

ÂÂgratidão;

ÂÂcoragem diante da morte;

ÂÂserviço aos outros acima dos interesses próprios;

ÂÂverdade;

ÂÂpolidez até mesmo com os inimigos;

ÂÂcontrole das manifestações de sentimentos e honra, que


significa o ato de preferir a morte à desgraça.

Os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial, quando


os pilotos japoneses corajosamente jogaram seus próprios avi-
ões para atingir os inimigos, mostram um pouco desses con-
ceitos.

Principais ideias

As cerimônias religiosas ajudam a evitar acidentes, promo-


vem a cooperação e o contato com os Kamis, geram o conten-
tamento e a paz para o indivíduo e a sociedade. As cerimônias
são feitas tanto no próprio lar como nas grandes festas anuais
Capítulo 3   As Religiões Orientais   67

do templo - Morada dos Kamis. Quatro elementos estão sem-


pre presentes nessas cerimônias:

ÂÂpurificação;

ÂÂsacrifício;

ÂÂoração;

ÂÂrefeição sagrada.

3.5 Taoísmo

Os problemas éticos, sociais e políticos estão no centro das


discussões da maioria das religiões orientais. É a opção pelo
ser e não pelo ter. Se as ideias de Confúcio são estimulantes
para governantes sérios, o taoísmo apresenta uma visão trans-
cendente das preocupações com a vida. É uma cultura opos-
ta ao que estamos acostumados a viver no Ocidente. Serão
recomendadas leituras complementares para quem tiver mais
interesse em conhecer melhor as ideias de Lao-Tsé (o grande e
velho mestre).

Lao-Tsé

A origem do taoísmo é apresentada com o nome de um


homem chamado Lao-Tsé, supostamente nascido por volta de
604 a.C. As histórias sobre a vida desse homem são muito
variadas. Alguns historiadores não têm nem certeza se ele re-
almente existiu. Algumas lendas são fantásticas, como aquela
que diz ter sido ele concebido por uma estrela cadente, ter per-
68   Cultura Religiosa

manecido no ventre materno por 82 anos e já nascido velho,


sábio e com os cabelos brancos. (SMITH, 1991, p. 193)

Lao-Tsé se traduz como “o velho”, “o velho amigo” ou “o


grande e velho mestre”. Era contemporâneo de Confúcio. Um
historiador chinês relata que Confúcio ficou intrigado com o
que ouvira a respeito de Lao-Tsé e, certa vez, o visitou. Sua
descrição sugere que aquele estranho homem o desconcertou,
enchendo-o, porém, de respeito:

Eu sei que um pássaro pode voar; sei que um peixe pode


nadar, sei que os animais podem correr. Criaturas que
correm podem ser apanhadas em redes; as que nadam,
em armadilhas de vime; as que voam, atingidas por fle-
chas. Mas o dragão está além do meu conhecimento; ele
sobe ao céu nas nuvens e no vento. Hoje vi Lao-Tsé, e ele
é como o dragão. (SMITH, 1991, p. 193)

3.5.1 O livro sagrado


Uma boa ideia do início do taoísmo, como conta a tradição,
é o que lemos no texto de Huston Smith (1991, p. 194), que
assim coloca:

A história tradicional conta que Lao-tsé, entristecido com


o seu povo pela relutância em cultivar a bondade natural
que ele pregava e buscando maior solidão para os seus
últimos anos de vida, montou nas costas de um búfalo
e galopou para o oeste, na direção do atual Tibete. No
passo de Hankao, uma sentinela, percebendo o caráter
incomum daquele viajante, tentou convencê-lo a retor-
nar. Não obtendo êxito, pediu ao velho que, ao menos,
Capítulo 3   As Religiões Orientais   69

deixasse um registro de suas crenças para a civilização


que estava abandonada. Lao-tsé, concordando com o
pedido, recolheu-se durante três dias e retornou com um
magro volume de 5.000 caracteres intitulado Tao Te King,
ou O Caminho e o seu Poder. O livro pode ser lido em
meia hora ou durante toda a vida, e continua a ser, até
os dias de hoje, o texto básico do pensamento Taoísta.
Um livrinho de apenas 25 páginas e 81 capítulos.

3.5.2 Os significados do Tao


No taoísmo, tudo gira em torno do Tao, que literalmente sig-
nifica caminho. Esse caminho pode ser entendido de três ma-
neiras:

ÂÂo Tao é o caminho da realidade última. É demasiado


vasto para que a realidade humana possa sondá-lo. De
todas as coisas, o Tao certamente é o maior;

ÂÂo Tao é o caminho do Universo, a norma, o ritmo, o po-


der propulsor de toda a natureza, o princípio ordenador
por trás de toda a vida;

ÂÂo Tao refere-se ao caminho da vida humana, quando


ela se harmoniza com o Tao do Universo.

O Tao Te King tem sido traduzido como O Caminho e o


seu Poder.

Yin/yang

Uma das principais características do taoísmo é a sua no-


ção da relatividade de todos os valores e, como ideia corre-
70   Cultura Religiosa

lata, a identidade dos opostos. Nesse aspecto, o taoísmo está


ligado ao tradicional símbolo chinês do yin/yang:

Essa polaridade resume todas as oposições básicas da


vida: bem/mal, ativo/passivo, positivo/negativo, claro/
escuro, verão/inverno, masculino/feminino. Mas as me-
tades, embora estejam em tensão, não são francamente
opostas; elas se contemplam e se equilibram uma à ou-
tra. Cada uma invade o hemisfério da outra e faz sua
morada no recesso mais profundo do domínio de sua
parceira. E, no fim, ambas se resolvem no círculo que
os cerca, o Tao em sua totalidade. A vida não se do-
bra sobre si mesma, e chega, completando o círculo, à
percepção de que tudo é um e tudo está bem. (SMITH,
1991, p. 210)

Recapitulando

Sem dúvida essas grandes religiões do mundo são de uma


riqueza impressionante. Todas elas estão fundamentadas num
período predominante de guerras e violência. Essas religiões
surgem com a capacidade de grandes homens em buscar o
caminho para a paz. Portanto, os valores de cada uma são
interessantes para pensarmos o nosso mundo hoje. Existem ca-
minhos possíveis para um mundo melhor. Essas religiões mos-
tram isso. É claro que alguns povos ainda continuam na sua
miséria, mas também movidos por alguns conceitos difíceis de
serem mudados.
Capítulo 3   As Religiões Orientais   71

Referências

BARKER, Tenente Coronel A. J. MIDWAY. Troy, Michigan,


E.U.A.: Bison Books Limited, 1984.

GAARDER, Jostein; HELLERN, Victor; NOTAKER, Henry. O Livro


das Religiões. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

MOORE, Charles. A. (organização). Filosofia: Ocidente e


Oriente. Editora Cultrix. Editora da Universidade de São
Paulo, 1978. Capítulo VI – Xinto: O Etnocentrismo Japonês
– Shunzo Sakamaki. 

ROCHEDIEU, EDMOND. Xintoísmo e As Novas Religiões


do Japão. Lisboa/São Paulo: Ed. VERBO, 1982. 

ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social. Ed. eBookLi-


bris. Edição Eletrônica. 2001 <www.ebooksbrasil.org/eLi-
bris/contratosocial.html>. 

YAMASHIRO, JOSÉ. História da Cultura Japonesa. São Pau-


lo: Ed. IBRASA. 1986.

Atividades

1) A presente questão diz respeito às Religiões Orientais. As-


sinale a única alternativa que é FALSA.

a) O hinduísmo é uma religião da Índia, mas tem muitos


adeptos também no Nepal, em Bangladesh e no Sri
Lanka.
72   Cultura Religiosa

b) O príncipe Siddartha cresceu em meio à fortuna e ao


luxo. Seu pai ouvira uma profecia de que seu filho ou
seria um poderoso governante ou abandonaria por
completo o mundo.

c) Para o Budismo, a causa do sofrimento é o desejo. O


desejo implica, sobretudo, desejar com os sentidos, a
sede de prazeres físicos.

d) Para o Budismo, o sofrimento cessa quando o desejo


cessa. Para que cesse será necessário dinheiro para se
comprar tudo o que é desejado.

e) No taoísmo, tudo gira em torno do Tao, que literal-


mente significa caminho.

2) A presente questão diz respeito às Religiões Orientais. Leia


com atenção os enunciados abaixo e assinale as alternati-
vas cujas afirmativas sejam VERDADEIRAS no seu conteúdo.

a) O Shinto, “o caminho dos deuses”, pode ser descrito


como um modo ideal de comportamento. Estamos fa-
lando aqui da religião Taoísta.

b) Na lei do Karma a crença é de que o ser humano tem


uma alma imortal que não lhe pertence. Depois da
morte, a alma volta a aparecer (renasce) numa nova
criatura vivente.

c) Confúcio teve uma revelação divina aos 18 anos de


idade. A partir daí saiu para o deserto para meditar e
escrever as principais doutrinas da sua religião.
Capítulo 3   As Religiões Orientais   73

d) A sociedade Hinduísta é dividida num sistema de cas-


tas: sacerdotes (brâmanes); guerreiros; agricultores,
comerciantes e artesãos; servos.

e) A origem do taoísmo é apresentada com o nome de


um homem chamado Lao-Tsé, supostamente nascido
no último século, durante a revolução industrial.

3) O tema da presente questão trata das Religiões Orientais.


Apenas uma das alternativas abaixo possui um enunciado
VERDADEIRO.

a) O hinduísmo é conhecido como uma religião monote-


ísta. Tem um só deus, todo poderoso, pai de todos os
indianos.
b) Quando falamos do xintoísmo, normalmente nos re-
portamos aos tibetanos, por sua dedicação aos tem-
plos e à vida em meditação.
c) Lao-Tsé se traduz como “o velho”, “o velho amigo”
ou “o grande e velho mestre”. Era contemporâneo de
Confúcio.
d) O budismo tem apenas uma regra de conduta: Orar
cinco vezes por dia voltados para Meca.
e) Buda acreditava na existência de um Deus Triúno: Pai,
Filho e Espírito Santo.

4) Quais são os principais conhecimentos que lhe agradam


nessas religiões orientais.

5) Faça uma comparação entre o sistema de castas do hindu-


ísmo e a nossa sociedade no Brasil, cheia de preconceito e
de diferenças sociais.
Paulo Gerhard Pietzsch1

Capítulo 4

Judaísmo e Islamismo 1

1 Paulo Gerhard Pietzsch é Doutor em Teologia pela Faculdade EST (2008) e atua
no Curso de Teologia da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) desde 1996.
Capítulo 4   Judaísmo e Islamismo   75

Introdução

Quando estudamos o tema Classificação Geral das Religiões,


identificamos aquelas que são denominadas “Proféticas” ou
“Reveladas”, ou seja, sua origem, doutrina e livros sagrados,
supostamente se originaram a partir de profecias ou revelações
divinas. Dentre as religiões a serem estudadas em Cultura Reli-
giosa, três se enquadram na classificação das Religiões Profé-
ticas ou Reveladas: Judaísmo, Islamismo e Cristianismo. Neste
capítulo serão abordadas apenas as primeiras duas (Judaísmo
e Islamismo) que, além de estarem sob a mesma classificação
geral, são na sua essência monoteístas e têm na sua origem e
desenvolvimento alguns personagens em comum.

4.1 Judaísmo

4.1.1 Informações Históricas


O povo Judeu e, consequentemente, a sua religião fundamen-
tam grande parte de sua história nas páginas da Torá, ou seja,
dos livros históricos, poéticos e proféticos que também os cris-
tãos conhecem e denominam pelo nome Antigo Testamento.
Mesmo que, além dos 39 livros desses escritos sagrados, o Ju-
daísmo mantém em seu Talmude uma série de outros escritos
que não fazem parte da Bíblia dos cristãos.

O Judaísmo considera o seu fundador Abraão, um patriar-


ca que foi chamado por Deus (Elohim) da distante Ur dos Cal-
deus (cidade situada na Região da Mesopotâmia, ao sul do
76   Cultura Religiosa

atual Iraque), para ocupar a Terra de Canaã, situada nas pro-


ximidades do Mar Mediterrâneo. O nome de Abraão significa
“Pai de uma multidão”, em referência à promessa que Deus
teria feito a ele.

O Judaísmo reconhece os escritos de Moisés como palavra


revelada de Elohim e também aceita que esse mesmo Deus
deu origem a todo o universo, conforme relato do livro de
Gênesis, capítulos 1 e 2 (BÍBLIA SAGRADA). Assim, as perso-
nagens de Adão e Eva, bem como a história bíblica da sua
desobediência e queda em pecado, são referidas na doutrina
judaica. Também os relatos da história dos filhos do primeiro
casal, Caim e Abel, e o trágico desfecho da mesma, assim
como a história da Torre de Babel e a do Dilúvio. (GAARDER,
1998)

Abraão e a era dos grandes patriarcas dos


hebreus
Abrão deixou a terra de Ur dos Caldeus, confiando na promes-
sa de Deus. Ele foi com sua mulher Sara e com seu sobrinho
Ló (e sua família) fixar residência na terra de Canaã, a Leste
do Mar Mediterrâneo. Isso aconteceu por volta do ano 1700,
Antes da Era Comum (AEC). A sua expectativa era formar uma
grande descendência, com a promessa de que dessa haveria
de vir o Messias, em cumprimento às promessas de Deus.

A descendência de Abraão tem continuidade com seu filho


Isaque e com seu neto Jacó, do qual o povo recebeu o nome
de Israel (que significa “O Homem que lutou com Deus”, em
referência a uma luta que Jacó teria travado com um anjo de
Capítulo 4   Judaísmo e Islamismo   77

Deus), texto referido em Gênesis 32.28. A partir de então, os


antigos Hebreus são conhecidos como Povo de Israel, Filhos
de Israel ou Israelitas. (BÍBLIA SAGRADA)

A história dos patriarcas do Povo de Israel tem sequência


com José, um dos doze filhos de Jacó, e sua vida no Egito.
José, que foi vendido como escravo, após anos de prisão e
sofrimentos, finalmente é libertado e eleito como Governador
do Egito, a fim de administrar aquele país em tempos de far-
tura e posterior período de escassez. Dessa história de José,
e dos demais filhos de Jacó, podemos compreender como os
Israelitas migraram para o Egito e porque, anos mais tarde,
tiveram que ser libertados da escravidão por Moisés. Confira
essa história a partir de Gênesis, capítulo 25, e a história da
Libertação da Escravidão do Egito nos capítulos iniciais do li-
vro de Êxodo.1 Um dos fatos mais significativos e marcantes da
história do povo hebreu acontece depois da travessia do Mar
Vermelho, quando no Monte Sinai Moisés recebe da parte de
Deus a Lei, ou os dez mandamentos ou “decálogo” (KWA-
SNIEWSKI, 2008, p. 551). A entrada na “Terra Prometida”,
Canaã, acontece por volta do ano 1200 AEC, sob a liderança
de Josué.

O reino de Israel e a Monarquia


Por volta do ano 1.000 AEC, o povo hebreu pede por um Rei,
o que é atendido com a coroação do Rei Saul. Davi e Salo-
mão são os expoentes desse período. Com Davi, nascido em

1 www.sbb.org.br.
78   Cultura Religiosa

Belém, dá-se a unificação das tribos de Israel. Com Salomão,


dá-se a construção do Templo de Jerusalém no século X AEC.

A prática de sacrifícios no templo, espécie de oferendas,


passou a ser a forma mecânica de adoração. Surgem daí os
profetas. Destaca-se Amós, que viveu por volta de 750 AEC.
Amós condenava os males sociais, como a opressão dos po-
bres pelos ricos.

O exílio na Babilônia
Advertidos pelos profetas do juízo e sofrendo punição em ra-
zão do descumprimento das leis divinas os israelitas, sem re-
troceder, viram o seu reino dividido em dois: o reino do Norte
(Israel) e o do Sul (Judá). Em 722 AEC, os assírios invadiram
e devastaram o reino do Norte, que deixa de ter importância
política e religiosa.

O reino do Sul foi conquistado pelos babilônios em 587


AEC, deixando como marca da ocupação a destruição do
Templo de Jerusalém. Os habitantes do reino do Sul tiveram a
permissão de voltar a sua terra em 539 AEC. Daí em diante,
passaram a se tornar conhecidos como judeus. O Templo de
Jerusalém foi reerguido em 516 AEC.

4.1.2 História mais recente


A dispersão dos judeus, provocada pelas diversas ocupações,
permitiu-lhes, em muitas ocasiões e em diferentes lugares, as-
sumir papel de grande importância e destaque, tanto nas letras
como na economia. No entanto, o que mais tem marcado a
Capítulo 4   Judaísmo e Islamismo   79

dispersão dos judeus é a constante campanha que diferentes


países e culturas têm desencadeado com o fim de afastar os
judeus de seus limites geográficos, em especial a partir da Bai-
xa Idade Média. Por muito tempo, o cristianismo encabeçou
a perseguição aos judeus sob a alegação de terem sido os
judeus os culpados pela morte de Jesus. Nos séculos XIII e XIV
os judeus foram deportados da França e da Inglaterra; na Es-
panha, a perseguição deu-se no século XV, com a expulsão em
1492. Na Noruega, em 1687, os judeus foram proibidos de
entrar em seu território. Culmina o cenário de perseguição, na
história recente, com o avanço nazista na Europa, entre 1933
e 1945, onde ocorreu o maior genocídio judeu da história. Os
números normalmente falam de 6 milhões de judeus mortos
no holocausto da guerra.

Apenas em 1948 veio o reconhecimento mundial de Israel


como nação, através do ato pelo qual a ONU criou o Estado
de Israel. Os primeiros passos foram dados no fim do século
XIX. Muitos judeus consideraram a possibilidade de voltar para
sua antiga pátria e, assim, fugirem das constantes persegui-
ções das quais eram alvos. Essa ideia foi chamada de sionis-
mo. A princípio, muitos sionistas desejavam criar um Estado
laico, secular, mas os judeus ortodoxos conseguiram realizar o
seu desejo de que o país fosse fundado com base na religião
judaica. Esse novo Estado tem vivido em contínuo conflito com
o mundo árabe, também por causa dos milhares de palestinos
que foram deslocados de suas propriedades na época da fun-
dação de Israel. Hoje, as terras israelenses abrigam apenas 5
dos 15 milhões de judeus.
80   Cultura Religiosa

4.1.3 Ensinamentos
Deus

O judaísmo é considerado a primeira religião monoteísta.


Elohim é considerado o Deus único, é o criador do mundo e
de suas criaturas, é o Senhor da história. Toda vida depende
dele e tudo o que é bom flui dele. É um deus pessoal, que tem
preocupação com as coisas que criou e nelas intervém. Elohim
é algo que não pode ser expresso em palavras. O nome de
Deus é representado pelas letras IHVH, um acrônimo que sig-
nifica “eu sou o que sou” em hebraico.

Messias
A expectativa pela vinda de um messias (“o Ungido”) inclui a
crença de que esse virá criar um reino de paz na Terra. Histo-
ricamente, a expectativa remonta à época do rei Davi, quando
os reis eram ungidos ao subir ao trono. A partir do exílio babi-
lônico, os judeus alimentam a expectativa da chegada de um
messias que fosse descendente do Rei Davi. Muitos passaram
a acreditar que esse Messias traria de volta o período de glória
e poder dos tempos do reinado de Davi. Até aos tempos atu-
ais, muitos ainda aguardam esse tempo messiânico glorioso,
de poder e paz. Nem todos os judeus, porém, identificam o
Messias como uma pessoa; há também a crença numa “era
messiânica” de paz na Terra, com destaque especial para Is-
rael. Muitos judeus, porém, identificam a criação do Estado
de Israel, em 1948, como o cumprimento dessa expectativa
messiânica.
Capítulo 4   Judaísmo e Islamismo   81

Mundo
Registra o texto sagrado em Gênesis, capítulo 1, que Elohim
criou o “céu e a Terra” (o Universo), sendo o ápice da criação
o ser humano. Tendo concluído sua obra criadora, emanada
exclusivamente de sua inexplicável vontade, constata que o
Universo é bom. A força da qual flui o ato criador é sua ordem,
a partir do nada e concretizada por suas palavras. A soberania
divina está realçada. Ele é o Criador.

Ser humano
O ser humano é considerado o parceiro de Elohim (Deus) na
própria obra da criação, seja na missão de completar essa
obra criada, seja no seu cuidado e administração da mesma.
Tem como uma das grandes finalidades a procriação e foi o
único ser criado à imagem e semelhança de Deus. (BÍBLIA SA-
GRADA, Gênesis 1 e 2)

Nascimento: Ao nascer um menino, esse é circuncidado ao


oitavo dia de vida, ocasião em que recebe o seu nome hebrai-
co (KWASNIEWSKI, 2008). Quando nasce uma menina, essa
recebe no primeiro ano de vida o seu nome hebraico numa
cerimônia chamada Simchat Bat, data em que também recebe
uma bênção.

Bar Mitzvá e Bat Mitzvá: São termos utilizados para identi-


ficar o período da maioridade religiosa. O menino, ao com-
pletar 13 anos, faz os votos e assume os direitos e deveres reli-
giosos (Bar Mitzvá). A menina, ao completar 12 anos, assume
suas responsabilidades religiosas (Bat Mitzvá).
82   Cultura Religiosa

Casamento: a família tem papel primordial na manuten-


ção da cultura e da educação judaica. O casamento é o modo
de vida ideal e o único tipo de coabitação permitido. Por prin-
cípio, judeu deve casar com judeu. O divórcio é permitido,
mas, para que seja legítimo, deve ser sancionado por um tri-
bunal rabínico e selado pelo marido, que dá à esposa a carta
de divórcio.

Morte: É considerada o último estágio do ciclo da vida.


O corpo deve ser enterrado o mais rápido possível depois da
morte. A cremação não é permitida. No cerimonial de sepul-
tamento, não se usam flores e nem música. No Judaísmo o
suicídio não é permitido, pois, se Deus dá a vida, somente Ele
a pode tirar. (GAARDER, 1998, p. 67)

A ética
O religioso e o ético fundem-se na vida de um judeu. Tudo
pertence à Lei de Elohim. Além das 248 ordens afirmativas
e das 365 proibições, a vida do judeu ainda deve respeitar
os costumes e práticas que se consolidaram ao longo de sua
história. Entre as qualidades éticas recomendadas estão a ge-
nerosidade, a hospitalidade, a boa vontade para ajudar, a ho-
nestidade e o respeito pelos pais.

4.1.4 Os escritos sagrados


O chamado cânone judaico foi fixado por um concílio em
Jabne, por volta de 100 EC. São 24 livros divididos em três
grupos:
Capítulo 4   Judaísmo e Islamismo   83

- Torah (a Lei): os cinco livros de Moisés;

- Nevim (os Profetas): os livros históricos e proféticos;

- Ketuvim (os Escritos): os demais livros.

- Talmude: Além da Torah (ou Torá), os judeus obedeciam a


regras transmitidas oralmente. Conforme a tradição, no monte
Sinai, Moisés teria recebido a “Lei Escrita”, bem como a “Lei
Falada”. A Lei Falada era proibida de ser escrita, pois deveria
adaptar-se às condições reais da vida em diferentes lugares e
épocas. Após a dispersão dos judeus, com o risco de perder-se
a tradição oral, decidiu-se registrar as orientações. Esse mate-
rial chama-se Talmude. Não é em si um livro de ensinamentos
e sim um texto usado pelos rabinos em seus ensinamentos,
para orientação dos fiéis em situações concretas. (KUCHEN-
BECKER, 2005)

4.1.5 A sinagoga e o sábado 


Desde o exílio da Babilônia, a sinagoga tem desempenhado
papel primordial na preservação das práticas religiosas dos
judeus. É um espaço no qual se encontra a Arca da Aliança,
uma espécie de armário colocado sistematicamente na direção
de Jerusalém, onde são guardados os rolos da Torah. Nas ma-
nhãs dos sábados (shabat), das segundas e das quintas-feiras,
os rolos são lidos de tal forma que todo o livro é lido no de-
curso de um ano. O shabat dura do pôr do sol de sexta-feira
até o pôr do sol de sábado. É uma relembrança do ato criador
de Elohim, que descansou no sétimo dia. O sábado tornou-se
uma festa semanal de renovação que ocorre em família.
84   Cultura Religiosa

4.1.6 As regras alimentares


É responsabilidade da mulher zelar pela alimentação da fa-
mília, devendo ser respeitadas as regras definidas nos livros
sagrados. O judaísmo possui o que se chama de dieta ka-
sher (ou kosher). Kasher significa correto, justo, bom. Aplicado
à comida, refere-se apropriada ao consumo, isto é, que pre-
enche todos os requisitos da dieta judaica.

A carne só pode provir de animais que ruminam e que têm


o casco partido, o que exclui o porco, o camelo, a lebre, o
coelho e outros. Das aves, podem-se comer as não predató-
rias. Dos peixes, podem-se comer os que possuem escamas
e barbatanas, excluindo-se polvos, lagostas, mariscos, caran-
guejos, camarões etc.

Toda comida feita de sangue também é proibida, já que,


para os judeus, a vida está no sangue. Os animais com san-
gue, e permitidos para alimentação, devem ser abatidos de
forma que o máximo possível de sangue seja extraído.

4.1.7 Festas Judaicas


ÂÂRosh há-shaná (Ano-Novo): celebrado em setembro ou
outubro, rememora Jeová como criador e rei, conduzin-
do as pessoas a se concentrarem na autoanálise e no
arrependimento.

ÂÂIom Kippur (Dia do Perdão): é o fim do período de dez


dias de arrependimento, iniciado no Ano novo.

ÂÂSukot (Festa dos Tabernáculos): ocorre alguns dias


após o Dia do Perdão e procura relembrar o período em
Capítulo 4   Judaísmo e Islamismo   85

que os judeus, durante sua peregrinação pelo deserto,


residiam em tendas.

ÂÂChanuká (Festa da Inauguração): realizada em no-


vembro ou dezembro por oito dias, comemora a rei-
nauguração do Templo de Jerusalém, ocorrida em 165
AEC.

ÂÂPessach (Páscoa): Celebrada em março ou abril, relem-


bra a passagem das dez pragas do Egito, quando na
décima praga o anjo do Senhor passou “por cima” das
casas dos israelitas, poupando os filhos judeus e matan-
do todos os demais primogênitos da terra do Egito. Tem
a duração de oito dias e só se come pão sem fermento.

ÂÂShavuot (Festa das Semanas): ocorre em maio ou ju-


nho e comemora a ocasião em que a Torah foi dada ao
povo no monte Sinai.2

4.1.8 Cristianismo x Judaísmo3


Por que estudar o Antigo Testamento? Há necessidade de se
estudar o Antigo quando o Novo já está aí? E se o Novo che-
gou, existem motivos para se voltar ao Antigo? Não são pou-
cas vezes em que as pessoas formulam tais perguntas.

E quando se fala sobre o Antigo Testamento, logo se faz


sua relação com o Judaísmo e o que normalmente se apregoa

2 http://pt.chabad.org/library/article_cdo/aid/1081542/jewish/Significado.htm
3 Colaboração do Prof. Dr. Acir Raymann (Doutor em Teologia do Antigo Testa-
mento)
86   Cultura Religiosa

é que o Cristianismo é uma extensão do Judaísmo. Na verda-


de, são propostas, visões e teologias diferentes.

Técnica e historicamente o Judaísmo é formado pelo Anti-


go Testamento + Talmude. O Cristianismo é formado de Anti-
go Testamento + Novo Testamento.

As respostas talvez fiquem mais claras se olharmos para o


que o próprio Jesus considerou ser o Antigo Testamento. Pelo
estudo dos evangelhos ficamos sabendo que Jesus realmen-
te tinha o Antigo Testamento em alta consideração ou, mais
precisamente, o considerava como Palavra de Deus. Para Ele
o Primeiro Testamento, como também chamamos, era Pala-
vra de Deus. O diálogo de Jesus com os dois discípulos na
estrada de Emaús, depois da Sua ressurreição, é bastante re-
velador. No relato de Lucas (24.13-31) se percebe claramente
que aqueles dois discípulos não haviam acolhido plenamente
o testemunho das mulheres que afirmavam que Cristo havia
ressuscitado. A eles Jesus diz: “Ó néscios e tardos de cora-
ção para crer em tudo o que os profetas disseram!” (v. 25). E
passou a lhes mostrar, fundamentado nas Escrituras do Antigo
Testamento, como tudo já estava previsto. E Lucas continua
dizendo: “E, começando por Moisés, discorrendo por todos
os profetas, expunha-lhes o que a Seu respeito constava em
todas as Escrituras” (v. 27). Note a expressão: “...em todas
as Escrituras”. Jesus fundamentou o Seu argumento no livro
conhecido como “as Escrituras” e bem assim como “Moisés e
os profetas”. Essa última expressão é um designativo do An-
tigo Testamento encontrado com frequência nos manuscritos
do mar Morto (ou manuscritos de Cumrã) e também no Novo
Testamento.
Capítulo 4   Judaísmo e Islamismo   87

A parábola de Jesus sobre o rico e Lázaro me parece que


fala ainda mais alto com relação a este aspecto. A ênfase des-
sa parábola está no fato de que precisamos dar crédito à Pala-
vra de Deus. O texto diz que o homem rico foi condenado ao
tormento eterno do qual não havia escapatória nem alívio. Por
outro lado, Lázaro, o mendigo, se encontrava em um lugar de
bênçãos eternas. O homem rico suplicou a Abraão para que
esse enviasse Lázaro à terra para alertar os seus cinco irmãos.
Jesus cita a resposta de Abraão: “Eles têm Moisés e os profe-
tas”, ou seja, o Antigo Testamento. Uma vez mais o homem
condenado implora que seus irmãos recebam um testemunho
espetacular, miraculoso. Abraão responde: “Se não ouvem a
Moisés e aos profetas, tampouco se deixarão persuadir, ainda
que ressuscite alguém dentre os mortos” (v. 31). Observe a
força e a pertinência desse argumento de Jesus. O testemunho
do Antigo Testamento é mais valioso do que o de um indivíduo
supostamente vindo do além.

As tradições dos judeus daquele tempo haviam deturpado


a mensagem bíblica. Isso fica atestado no fato de que nem a
ressurreição de Lázaro ou do próprio Jesus foram suficientes
para convencer os oponentes. As palavras de Jesus são claras:
a Lei e os Profetas são testemunhos eficazes da salvação. Em
outra ocasião, Jesus fala algo similar. Ele diz: “Porque, se, de
fato, cresses em Moisés, também creríeis em mim; porquanto
ele escreveu a meu respeito. Se, porém, não credes nos seus
escritos, como crereis nas minhas palavras?” (Jo 5.46-47).
Nessa passagem, por um lado Jesus está se referindo a Moisés
como autor do Pentateuco (os cinco primeiros livros da Bíblia)
e, por outro, está confirmando que tais escritos falam a respei-
to Dele e precisam ser cridos.
88   Cultura Religiosa

Em outras palavras, duvidar do Antigo Testamento é du-


vidar das palavras de Jesus. O que é Escritura ou Palavra de
Deus, para Jesus, é o que consta no Antigo Testamento.

Em suma, não se pode equivaler Judaísmo com Cristia-


nismo. Por isso mesmo, não se deve também afirmar que há
“judeus” no Antigo Testamento. Toda vez que o nome lá apare-
ce, embora traduzido por tal em algumas Bíblias, a referência
não é étnica, mas geográfica, a saber, os habitantes de Judá.
Tais textos são pós-exílicos, como aparecem especialmente em
Esdras e Neemias. Em vista disso, a opção por termos como
“Javismo”, “israelitas” no AT seriam bem mais adequados que
“judeus” (muito menos no sentido moderno). Confundir “Javis-
mo” com “Judaísmo” leva à confusão de ambos.

Cristianismo e Judaísmo certamente tiveram e têm a mes-


ma fonte original. Contudo, um se manteve íntegro, o outro se
incorporou de outros contornos.

4.2 Islamismo

4.2.1 História
Quando falamos a respeito do Islamismo, enfatizamos ser
essa uma das três grandes religiões monoteístas, ou seja, que
crê somente na existência de um Deus. Mohammed ou, sim-
plesmente, Maomé é, por seus adeptos, reconhecido como
fundador e grande profeta. Maomé nasceu no ano de 570
d.C., na cidade de Meca, em território que hoje pertence à
Arábia Saudita. Quando completou 40 anos, Maomé iniciou
Capítulo 4   Judaísmo e Islamismo   89

a pregar, depois de receber as revelações do anjo Gabriel.


Nessa revelação estaria também a ênfase na existência de um
único Deus.4

Com origem na Arábia, o Islã está profundamente relacio-


nado com a cultura árabe. Ressalte-se, no entanto, que hoje
apenas uma minoria de seus seguidores é árabe. O Islã está
difundido por regiões da África e Ásia, além de outros conti-
nentes. Atualmente, é a religião que mais se expande no mun-
do, está presente em mais de 80 países, ou seja, cerca de 15%
da população mundial. (GAARDER, 1998)

A palavra árabe islam significa submissão. É pertinente ao


seu conteúdo que o ser humano deve entregar-se a Deus e
submeter-se a Sua vontade em todas as áreas da vida. Esse
entendimento sugere que, enquanto religião, o islã abrange
todas as áreas da vida humana, pessoal e social. 

É a terceira e última das religiões originadas com Abraão


e que vê nesse um grande patriarca, após o judaísmo e cris-
tianismo. Fruto de um “segundo casamento” de Abraão (visto
que sua esposa Sara não lhe dava filhos), Agar gerou o filho
primogênito de Abraão, chamado de Ismael, cuja descendên-
cia gerou o povo árabe de onde nascem os muçulmanos.5

4 http://brasilescola.uol.com.br/religiao/islamismo.htm
5 Você pode conferir a História de Agar e de Ismael em Gênesis, capítulos 16 e
21, Bíblia Sagrada.
90   Cultura Religiosa

A formação religiosa de Maomé


Meca era um importante centro comercial e religioso da Ará-
bia. Tribos nômades já adoravam, bem antes de Maomé, a
pedra preta, objeto de muitas peregrinações de beduínos e co-
nhecida hoje como kaaba. Era também prática comum na re-
gião cultuarem-se muitos deuses e seres sobrenaturais, quase
sempre ligados a práticas animistas. Em geral, os cultos eram
tribais. Aliás, a tribo e a família eram estruturas centrais para
o modo de vida dos nômades. Todo o sistema legal estava
vinculado à tribo, originada e mantida pelos laços de sangue.
Era recorrente a prática da lei do “olho por olho”,  quando
um dos membros de uma tribo era assassinado por membro
de outra. Um cenário de constantes e sangrentas rixas fixou-se
como prática comum. (LUCCHESI, 2002)

Alá revela-se a Maomé


Aos 40 anos, Maomé teria tido uma revelação, na qual apa-
recera-lhe o arcanjo Gabriel com um pergaminho ordenando-
-lhe que o lesse. Maomé não sabia ler e, em vista disso, o
arcanjo incitou-lhe a recitar o que ouvia.

O livro sagrado que contém as revelações de Alá ao seu


profeta Maomé é o Corão (do árabe al qur´rãn, que significa
leitura), revelações essas transmitidas de 610 a 632 d.C. Seus
principais ensinamentos revelam a onipotência de Alá e o que
Ele espera dos seus seguidores: bondade, generosidade e jus-
tiça nas relações entre os seres humanos.6

6 http://brasilescola.uol.com.br/religiao/islamismo.htm
Capítulo 4   Judaísmo e Islamismo   91

O Islamismo é composto de várias regras e princípios, den-


tre os quais se destacam cinco regras que são fundamentais
para os mulçumanos (SIAT, 2000):

ÂÂVocê deve crer somente em Alá como Deus único e acei-


tar Maomé como o seu grande profeta;

ÂÂVocê deve realizar cinco orações diárias voltadas para


Meca;

ÂÂVocê deve viver em generosidade para com os pobres e


dar esmolas;

ÂÂVocê deve realizar jejum durante o mês de ramadã;

ÂÂVocê, se tiver condições financeiras, deverá peregrinar a


Meca pelo menos uma vez na vida.

De Meca a Medina
Após a revelação, Maomé começa sua pregação em Meca. Pro-
clama-se profeta e mensageiro de Deus. As famílias abastadas
entenderam essa pregação como manobra para usurpar o po-
der político da cidade. As famílias assentadas no tradicionalismo
religioso também se lhe opuseram por entender que se abando-
nassem suas antigas crenças, estariam reconhecendo que seus
antepassados foram pagãos. A crise estava instalada. A situação
de Maomé piora após a morte de seu tio e sua esposa. Alguns
de seus seguidores, residentes em Medina, mostraram-se dispos-
tos a aceitá-lo na cidade. Assim, em 622, Maomé sai de Meca
e vai para Medina. Esse episódio é conhecido como hégira, que
significa rompimento ou partida. (LUCCHESI, 2002)
92   Cultura Religiosa

4.2.2 Líder religioso e político


Em Medina, Maomé torna-se um líder religioso e político. Sem
perder de vista seu retorno a Meca, procura estabelecer-se
financeiramente através de assaltos a caravanas pertencentes
às famílias ricas de Meca. O conjunto das atividades desenvol-
vidas por Maomé com vistas ao retorno a Meca é conhecido
como jihad, um termo que hoje também é empregado para
designar a guerra santa.

Na década seguinte, ele toma a cidade de Meca por meios


militares e diplomáticos. Conquistou, a seguir, grande parte da
Arábia. Antes de morrer, em 632, tinha conseguido unir o país
e transformá-lo num só domínio, onde a religião tornara-se
mais importante que os antigos laços familiares e tribais.

4.2.3 O cisma no Islã após Maomé


Após a morte de Maomé, a liderança do movimento foi as-
sumida pelos califas, ou sucessores. Os três primeiros califas
eram parentes de Maomé. O quarto califa, Ali, genro de Ma-
omé, casado com sua filha Fátima, era filho de seu tio, Abu
Talib, que o havia criado.

O cisma no mundo islâmico começa na época de Ali, cuja


liderança foi repleta de controvérsias. Ali acabou sendo as-
sassinado por seus adversários. Seus seguidores defendiam e
acreditavam que, por ser o parente mais próximo de Maomé,
ele era o seu sucessor natural. Esses seguidores eram identifi-
cados como sendo os Shiat Ali (o partido de Ali), ou xiitas, que
formam a base da religião oficial do Irã de hoje. (KUCHEN-
BECKER, 2005)
Capítulo 4   Judaísmo e Islamismo   93

Surgem os xiitas e os sunitas


Os xiitas defendiam que a liderança do movimento deveria ser
concedida a um descendente direto de Maomé, enquanto que
o grupo divergente, facção bem maior que os xiitas, identifica-
dos como sunitas, julgava que a liderança cabia ao indivíduo
que de fato controlava o poder.

Após a morte de Ali, o califado teve sede em Damasco por


algum tempo. A seguir instalou-se em Bagdá, onde perma-
neceu por 500 anos. Depois disso a liderança passou para
o sultão turco de Istambul. O último sultão foi derrubado em
1924. Desde então, o mundo islâmico deixou de ter um califa
como líder.

4.2.4 Ensinamentos
Não há Deus senão Alá, e Maomé é seu profeta. Esse é o
resumo da fé islâmica: o monoteísmo e a revelação dada a
Maomé.

Monoteísmo
Alá não se trata de um nome pessoal, mas é a palavra árabe
que significa Deus. Etimologicamente, a palavra alah relacio-
na-se com a palavra hebraica el, que é utilizada na Bíblia para
nomear o Deus dos hebreus. 

O politeísmo é atacado com veemência no Islã, ressaltan-


do a crença num só Deus, que é criador e juiz. Ele criou o
mundo e tudo o que há nele. No último dia irá trazer todos os
mortos de volta à vida para julgá-los.
94   Cultura Religiosa

Revelação
Deus falou ao ser humano por intermédio de seu profeta Ma-
omé. Ele é o último dos profetas enviado por Deus à humani-
dade. Embora de início Maomé estivesse próximo às tradições
judaico-cristãs, delas se distancia em razão de controvérsias
tidas com os judeus sobre narrativas do Antigo Testamento.

O fundo histórico do movimento desencadeado por Ma-


omé é encontrado em Abraão e seu filho Ismael, antepassa-
do dos árabes. Maomé ensinou que Abraão e Ismael tinham
reconstruído a sagrada Kaaba, que fora erigida por Adão e
destruída pelo dilúvio. Para Maomé, tanto os judeus como os
cristãos distanciaram-se do monoteísmo de Abraão.

Ser humano
O ser humano possui um estatuto especial e uma posição pri-
vilegiada no Universo. A vida é dádiva divina. O ser humano é
criatura divina perfeita e possuidora de uma alma que perdura
após a morte.

A bondade lhe é inata por graça divina e não se perde


por qualquer meio ou motivo. Não há a noção de um pecado
herdado. O ser humano é sempre bom. Quando muito, ele se
esquece de sua origem divina e da bondade que lhe é ineren-
te. Para que isso não ocorra, o ser humano necessita constan-
temente reavivar suas origens e qualidades divinas.

O fato de ter sido escolhido por Deus para revelar-se, dá


a dimensão exata dos grandes valores e das qualidades hu-
manas.
Capítulo 4   Judaísmo e Islamismo   95

Relações humanas - ética e política


Não há, no Islã, distinção entre religião e política, tampouco
entre fé e moral. O Corão é suficiente para resolver todas as
questões que envolvem os relacionamentos humanos. Quan-
do as instruções do Livro não forem suficientes, recorre-se a
dois princípios:

ÂÂprincípio da similaridade ou analogia: busca-se no


Corão um exemplo semelhante e capaz de sugerir uma
decisão;

ÂÂprincípio do consenso: uma decisão de consenso pode


ser vista como lei a ser observada.

Os xiitas adotam um terceiro princípio: o da revelação.


Acreditam que a revelação não está concluída e que seus líde-
res são os instrumentos divinos para as novas interpretações.
Essa posição contraria a dos sunitas, que afirmam que a reve-
lação veio apenas uma vez, em sua forma final.

As mulheres no islã
Há profundos contrastes no tratamento de homens e mulheres
na vida social e nas leis relativas ao casamento. Deve-se, no
entanto, afirmar que o Corão, em relação às mulheres, tanto
determina obrigações (“os homens têm autoridade sobre as
mulheres”) quanto direitos (o dote pago pelo marido por oca-
sião do casamento é propriedade da mulher e não pode ser
usado sem o consentimento dela).

A mulher só pode ter um marido. Já o homem pode ter até


quatro esposas, desde que as possa sustentar. A poligamia é
96   Cultura Religiosa

proibida na Turquia e na Tunísia. Outra particularidade com


relação ao casamento e pouco conhecida, embora bastante
difundida, é o casamento por contrato com tempo determina-
do. É utilizado, em especial, quando o marido fica por muito
tempo fora de casa e tem por fim preservar a sustentabilidade
da mulher.

O divórcio é possível, mas apenas quando iniciado pelo


marido, que é o responsável pelo lado financeiro do casamen-
to. O marido tem o direito de punir fisicamente a mulher se ela
for desobediente.

A morte
Após a morte, a alma do fiel muçulmano vai a um paraíso des-
frutar dos seus deleites e contemplar o rosto de Alá. A alma do
infiel, por seu turno, vai ao inferno. Aguardar-se-á o dia do ju-
ízo, quando as ações dos seres humanos serão definitivamente
julgadas e receberão a devida paga. As almas dos mártires
e dos profetas não passarão pelo juízo final, pois já estão no
paraíso. O ato final será a proclamação do Islã como religião
mundial, liderada por Jesus. (SMITH, s.d)

A crença num julgamento final após a morte é necessária,


segundo muitos muçulmanos, para que o ser humano assuma
a responsabilidade sobre seus atos.

Mundo
O mundo foi criado por um ato deliberativo de Alá. Dois as-
pectos emergem em decorrência: o mundo da matéria é real e
Capítulo 4   Judaísmo e Islamismo   97

importante e por ser obra de Alá, que é perfeito em bondade


e poder, o mundo material também o é.

4.2.5 Islamismo no Brasil e no Mundo


Em nosso país, a religião islâmica chegou, inicialmente, por
meio dos escravos vindos da África. Mais tarde houve uma
grande confluência migratória de árabes para o Brasil, contri-
buindo para a expansão da religião. A primeira mesquita no
Brasil foi fundada em 1929, em São Paulo. Atualmente existem
aproximadamente 35.167 muçulmanos no Brasil,7 de acordo
com o último censo IBGE, enquanto que a população mundial
de adeptos ultrapassa 1,7 bilhões de pessoas.

4.2.6 Fundamentalismo e Estado Islâmico


O fundamentalismo é uma manifestação religiosa em que
os adeptos de uma determinada crença promovem a com-
preensão literal de sua literatura sagrada. Não se limitando
à realidade do mundo oriental, o fundamentalismo religioso
aparece entre alguns grupos cristãos que empreendem uma
compreensão literal da Bíblia. Entre os muçulmanos, esse tipo
de manifestação apareceu somente no início do século XX.

A vertente política do fundamentalismo passou a se orga-


nizar entre os muçulmanos quando alguns estudiosos e líderes
propuseram uma visão de mundo fundamentada em ideolo-
gias contemporâneas e interpretações particulares do passa-

7 http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/24157/
populacao+muculmana
98   Cultura Religiosa

do. Em resumo, observamos que os líderes fundamentalistas


islâmicos reivindicam toda uma ordem de símbolos tradicio-
nais na construção de políticas externas e formas de organiza-
ção dos governos que fazem parte do mundo islâmico.8

Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL) ou Estado Is-


lâmico do Iraque e da Síria (EIIS) é uma organização jihadista
(lutadora, guerreira) do Oriente Médio, que teve um califado
(um governo) proclamado em 29 de junho de 2014, sendo
seu califa (sucessor de Maomé) Abu Bakr al-Baghdadi. Desde
a data de sua fundação, o grupo se autodenomina Estado
Islâmico. Sua sede se localiza em Raqqa, na Síria.

A organização tornou-se conhecida por sua brutalidade,


incluindo assassinatos em massa, sequestros e decapitações.
Famoso por divulgar vídeos das decapitações de jornalistas
e ativistas, criou pânico nos países por onde já passou e por
ações terroristas mundo afora, especialmente na França, as-
sumindo a autoria dos ataques ao jornal Charles Hebdo e os
mais recentes ataques que vitimaram muitas pessoas em uma
série de atentados à capital francesa em 2015 e 2016.

A sua ideologia tem origem no ramo do Islã moderno,


que pretende voltar para os primeiros dias do Islã, rejeitando
posteriores “inovações” na religião que eles acreditam ser
corrupta em seu espírito original.

O Estado Islâmico obriga as pessoas que vivem nas áreas


que controla a se converterem ao islamismo, além de viverem
de acordo com a interpretação sunita da religião e sob a lei

8 http://historiadomundo.uol.com.br/arabe/o-fundamentalismo-islamico.htm
Capítulo 4   Judaísmo e Islamismo   99

Sharia (o código de leis islâmico). Aqueles que se recusam


podem sofrer torturas e mutilações ou serem condenados a
pena de morte.9

4.3 Conclusão

Verificou-se neste capítulo que há diversos elementos comuns


ao Judaísmo e Islamismo. Ambas são religiões proféticas ou
reveladas, que cultivam a crença em um único Deus. Ambas
acreditam que esse Deus a tudo criou e a tudo governa. Cre-
em na existência de anjos, céu e inferno. O grande patriarca
de ambas é Abraão. Por mais que se possam traçar ainda ou-
tras semelhanças entre essas religiões, há diversos elementos
que dividem e até mesmo as põem em oposição. Judeus e
Árabes, historicamente, encontraram motivos para a rivalidade
e conflitos têm sido frequentes. No Brasil, ao que parece, mes-
mo com suas diferenças, Judaísmo e Islamismo têm procurado
conviver pacificamente.

Recapitulando

O estudo das duas religiões monoteístas, Judaísmo e Islamis-


mo, apresentou algumas semelhanças e também peculiarida-
des. Destaque-se entre as semelhanças que ambas têm em

9 http://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/258092677/estado-islamico-de-on-
de-veio-e-aonde-quer-chegar
100   Cultura Religiosa

Abraão, o seu grande Patriarca, no Anjo Gabriel muitas das


suas revelações, nos profetas os seus grandes ensinos. Além
de serem consideradas religiões proféticas ou reveladas, am-
bas surgiram em regiões próximas, ou seja, no Oriente Médio.

Dentre as diferenças, pode-se destacar que o Judaísmo


não tem um ímpeto missionário tão grande quanto o do Is-
lamismo. Não há tanta preocupação por parte de Judeus na
proclamação da sua religião entre outros povos. O Islamismo,
ao contrário, tem como característica histórica a sua prolifera-
ção e influência junto às mais diversas regiões e povos. Quan-
to ao ensino, de maneira geral, vamos encontrar diferenças
doutrinárias e ênfases variadas.

Referências

GAARDER, J.; NOTAKER, H.; HELLERN, V. O livro das


Religiões. Petrópolis: Vozes, 1998.

KUCHENBECKER, Valter (Org.). O Homem e o Sagrado.


Canoas: Editora da Ulbra, 2005.

KWASNIEWSKI, Guershon. Judaísmo. in: Dicionário Brasilei-


ro de Teologia. São Paulo: ASTE, 2008.

LUCCHESI, Marco (coord.). Caminhos do Islã. Rio de Janei-


ro: Editora Record, 2002.

SIAT, Jeannine. Religiões Monoteístas. Rio de Janeiro: Jorge


Zahar Editor, 2000.
Capítulo 4   Judaísmo e Islamismo   101

SMITH, Huston. As Religiões do Mundo. São Paulo: Editora


Cultrix, [s.d.].

Atividades

1) Dentre as afirmações abaixo, apenas uma condiz com o


pensamento e história judaicos. Portanto, identifique e as-
sinale a única afirmativa VERDADEIRA.

a) (  ) As festas judaicas são puramente simbólicas, sem


relação com qualquer conotação histórica e religiosa,
motivo pelo qual festejá-las ou deixar de festejá-las é
totalmente indiferente para essa religião.

b) (  ) Javé é visto como uma força neutra, distante e


impessoal, presente na natureza, que deixa os seres
humanos dirigirem suas próprias vidas sem qualquer
tipo de interferência sobre suas ações e decisões.

c) (  ) O Judaísmo sofreu inúmeras perseguições ao lon-


go de sua história, sendo que a perseguição nazista
durante a Segunda Guerra Mundial foi uma das mais
cruéis e violentas de sua história, responsável pelo ho-
locausto judeu.

d) (  ) O Judaísmo, desde a sua fundação, se viu envol-


to com crises e dissidências internas. Por esse motivo
nunca conseguiu estabelecer uma identidade religiosa
ou um corpo sólido de princípios doutrinários, morais
e éticos.
102   Cultura Religiosa

e) (  ) A crença no Jesus histórico, que foi o pleno cum-


primento da promessa do Messias profetizado no An-
tigo Testamento, para redimir e salvar o povo judeu, é
a base do pensamento judaico acerca de Jesus Cristo.

2) Questão objetiva. Leia com atenção os enunciados abaixo


e depois assinale a alternativa que corresponde ao con-
junto correto de respostas, na ordem em que os termos
aparecem para serem preenchidos nas lacunas.

I–
A observância do sábado, chamado de __________
é, ainda hoje, uma das principais características ou
ritos do Judaísmo, sendo um dia sagrado de des-
canso. ___________ é considerado o seu Patriarca e
__________ é o seu grande Profeta.

II – O Islamismo é a religião que mais cresce no mundo. O


seu mês mais sagrado é ___________, no qual se faz
jejum do nascer ao pôr-do-sol. _________ é o nome do
seu Deus e____________ é o seu Profeta.

a) (  ) Domingo// Pedro // Isaque // Ramadan // Jihad//


Balaque

b) (  ) shabat/Adão//Noé// o Kameron//Jesus //José

c) ( ) yom kippur// Davi// Isaías// tao-te-ching // Baruk


// Josué

d) (  ) shabat // Abraão// Moisés // o Ramadan //Alá//


Maomé

e) (  ) Rosh-ha-shaná //Abel//Jeremias//Abril// Deus//


Jesus
Capítulo 4   Judaísmo e Islamismo   103

3) Tema: Islã. Assinale a única alternativa que possui enun-


ciado VERDADEIRO.

a) (  ) A palavra “Islam” significa submissão. Isso quer


dizer que o ser humano deve entregar-se a seu Deus e
submeter-se plenamente a sua vontade.

b) (  ) O Islã prega a completa distinção entre Religião e


Estado, exigindo dos fiéis uma vida contemplativa, pre-
ferencialmente nos mosteiros de Medina, afastando-se
completamente do mundo e da sociedade secular.

c) (  ) O Islã é uma religião trinitária, cujos deuses são


conhecidos pelos nomes de Alá e Mohammed. Já Ma-
omé é o filho de Alá, a terceira e menor divindade, que
possui tanto natureza humana quanto divina, chama-
da de Kaaba.

d) (  ) O chamado “caminho óctuplo”, que são oito


princípios exigidos para se tornar adepto da religião
islâmica, formam os pilares da fé dessa religião. A cir-
cuncisão realizada no templo sagrado de Meca é um
dos oito caminhos.

e) (  ) O Islã conseguiu a proeza de não ter tido ne-


nhuma dissidência ao longo de sua história, mantendo
uma única corrente religiosa conhecida como Mao-
metana.

4) Após leitura minuciosa do capítulo quatro, aponte para as


principais semelhanças e as principais diferenças entre o
Judaísmo e o Islamismo.
104   Cultura Religiosa

5) Compare as perseguições sofridas pelos Judeus durante


a Segunda Guerra Mundial, pelo regime Nazista, com as
atuais perseguições promovidas pelo “Estado Islâmico”.
Thomas Heimann1

Capítulo 5

Culpa e Perdão: Uma


Questão Existencial 1

1 Doutor em Teologia. Coordenador do Curso de Teologia da ULBRA. Professor de


Teologia na área da Psicologia e Aconselhamento Pastoral. Professor do Curso de
Pós-Graduação em Gestão de Pessoas. Membro do Grupo de Pesquisa em Acon-
selhamento e Psicologia Pastoral da Faculdade EST. Pastor da Igreja Evangélica
Luterana do Brasil – IELB. Psicólogo clínico.
106   Cultura Religiosa

Introdução

Pode parecer estranho, numa disciplina de Cultura Religio-


sa, abordar uma temática que parece, a princípio, não ser
pertinente ao campo do fenômeno religioso. Por que falar de
culpa? Onde se insere a relevância do perdão? Como esses
dois conceitos se imbricam na realidade da vida e também no
escopo dessa disciplina?

Neste capítulo vamos procurar demonstrar que a culpa é


um dos aspectos fundantes e estruturantes em muitas religiões,
o que nos dá a devida aderência ao assunto. Isso não invali-
da, porém, que analisemos o sentimento de culpa de maneira
mais plural, apontando para as suas interfaces com aspectos
psicológicos, sociológicos, antropológicos e existenciais do ser
humano. É nessa visão interdisciplinar que nos propomos a
seguir na presente reflexão.

O texto-base que nos conduz nessa discussão encontra-se


na obra do psiquiatra suíço Paul Tournier (1985), cujo sugesti-
vo título é Culpa e graça: uma análise do sentimento de culpa
e o ensino do evangelho. Nessa perspectiva da graça e do
evangelho insere-se a importante dimensão do perdão, cujo
significado e importância para a própria saúde humana, já é
comprovada cientificamente.

5.1 A universalidade da culpa

Alguns poderiam perguntar: será que é relevante abordar a


questão do sentimento de culpa? Será que a culpa diz respeito
Capítulo 5    Culpa e Perdão: Uma Questão Existencial    107

a minha vida ou faz parte do meu cotidiano? Muitas seriam as


possibilidades de resposta, mas duas delas já são suficientes
para fundamentar nossa posição de concordância. A primeira
delas faz menção a uma antiga reportagem da revista Veja
(2002), cujo título de capa foi: “Culpa: por que esse senti-
mento se tornou um dos tormentos da vida moderna”. Nessa
reportagem, a revista procura apontar para “as culpas coti-
dianas de cada um”, que parecem não ser uma questão de
escolha pessoal, mas sim uma imposição aos indivíduos que
vivem na sociedade moderna: competição no emprego, optar
por filhos ou carreira, o desempenho sexual, comer demais, a
ditadura da beleza, o insucesso financeiro, entre outras, são
apenas algumas dentre as diversas culpas listadas.

Uma segunda forma de fundamentar a universalidade da


culpa é fazer um exercício de autoanálise. Cada um pode
olhar para seu passado, recente ou remoto, e tentar listar os
momentos, as vivências e situações em que se sentiu culpado,
seja na última semana, no último mês ou ano. Poderíamos
perguntar se é possível um sujeito saudável psiquicamente
olhar para o seu passado e dizer que nunca sentiu algum tipo
de culpa. Visto sob esse ângulo, a culpa parece fazer parte da
dimensão humana, sendo uma questão inclusive civilizatória,
que nos permite viver em coletividade, abarcando a dimensão
da alteridade, ou seja, a capacidade de nos colocar no lugar
do outro na relação interpessoal.

Não se quer aqui, porém, dimensionar a culpa ou medir


a sua intensidade, pois sabemos que as culpas são diferentes
para cada indivíduo: o que para um pode ser motivo de cul-
pa, para outro poderá ser até motivo de riso. A culpa é um
108   Cultura Religiosa

sentimento muito pessoal, particular e subjetivo, o que não


invalida o fato de que ela também seja transversalizada pelo
caráter familiar, religioso, social e cultural, ou seja, o que para
determinados grupos, sociedades ou culturas poderia ser de-
nominado de culpa (ou ato culposo), para outros poderá ser
um costume normal ou natural. Consideradas tais variações,
o que se pode afirmar, categoricamente, é que a culpa é um
sentimento humano universal, existencial, presente em todos
os seres humanos saudáveis psiquicamente, isto é, a falta de
qualquer sentimento de culpa pode ser uma das marcas da
psicopatia, de uma mente não saudável.

5.2 Origem da culpa

De onde, afinal, surge a culpa humana? É um fator externo ou


interno ao ser humano? Ela brota de dentro para fora, sendo
um aspecto humano inato, ou é incutida de fora para dentro,
como um produto criado pelo meio social? Na realidade, as
duas visões não se excluem mutuamente, pelo contrário, são
complementares. Há, portanto, um duplo caminho na forma-
ção da culpa humana: tanto interno quanto externo.

Pode ser provado, a partir de uma rápida análise do meio


em que se vive, que a culpa é incutida exteriormente. Quanto
mais regras, leis e mandamentos uma sociedade tiver, mais
culpa gerará nos indivíduos que dela fazem parte. Mesmo que
os indivíduos não se sintam culpados em transgredir determi-
nadas regras sociais, a culpa existe e é reputada a eles. Há
inúmeras espécies de regras ou leis que regem a convivência
Capítulo 5    Culpa e Perdão: Uma Questão Existencial    109

em sociedade: civis, religiosas, sociais, profissionais e pesso-


ais. Todas elas são praticamente “impostas” aos indivíduos
que desejam viver e conviver em coletividade.

Nesse sentido, precisamos fazer aqui uma diferenciação


entre dois tipos de culpa: culpa objetiva e culpa subjetiva,
conforme descreve Gary Collins. A culpa objetiva existe em se-
parado de nossos sentimentos. Ela ocorre quando uma lei ou
norma foi violada. O transgressor é culpado perante essa lei
(pela transgressão dessa), mesmo que talvez não se sinta cul-
pado. Já a culpa subjetiva é o sentimento pouco confortável de
pesar, remorso, vergonha e autocondenação que surge com
frequência quando fazemos e pensamos algo que sentimos
estar errado, ou quando deixamos de fazer algo que julgamos
que deveria ter sido feito (2004, p. 158).

A culpa subjetiva, portanto, está intimamente associada


aos sentimentos humanos, ao sofrimento psíquico e remete-
-nos à segunda fonte da culpa: a nossa própria consciência.
É possível afirmar que o ser humano é dotado de uma capa-
cidade inata, uma voz interior que lhe dá uma intuição íntima
e pessoal do que é certo ou errado. Vamos exemplificar: você
pode ter feito algo que todas as pessoas ao seu redor jul-
gam como correto, mas mesmo assim brota no seu coração
o sentimento de culpa. Dois exemplos concretos: uma mãe
que precisa aplicar um castigo ao filho por um erro que ele
cometeu ou, ainda, um gerente que precisa despedir um mau
funcionário que, entrementes, está com dificuldades de saú-
de na família. Tanto a mãe quanto o gerente fazem o que é
socialmente esperado, agindo corretamente, porém, mesmo
assim, podem sentir-se culpados pela decisão que tomaram.
110   Cultura Religiosa

Isso confirma que a culpa subjetiva pode brotar no indivíduo


mesmo quando não há uma culpa objetiva ou exterior imposta
a ele. Diante desse dilema, a pergunta que se faz imperiosa é:
o que é apropriado ou inapropriado, positivo ou negativo no
sentimento de culpa? É o que veremos a seguir.

5.3 Culpa: um sentimento negativo ou


positivo?

Um dos grandes questionamentos na análise do sentimento de


culpa é se ele é um aspecto negativo ou positivo na vida de
um indivíduo e da própria sociedade. A resposta dependerá
de alguns critérios, como a frequência em que esse sentimento
surge, a sua intensidade, a duração da culpa ou, ainda, do
uso e do abuso que alguns indivíduos fazem dela.

Numa primeira análise, pode-se dizer que os aspectos ne-


gativos da culpa prevalecem, pois ela é notadamente produ-
tora de neuroses, geradora de angústias e até a causa de do-
enças de cunho psicossomático. Aprofundaremos tais questões
mais adiante.

Vamos olhar, porém, para os aspectos positivos da culpa.


Ela pode, sim, cumprir uma função positiva e construtiva, tanto
para o indivíduo quanto para a sociedade. Vamos a elas:

ÂÂprevenção: antes mesmo de cometer um ato ilícito a


culpa já pode surgir, evitando que o indivíduo cometa o
ato que está pensando. Ou seja, a culpa antecipatória
Capítulo 5    Culpa e Perdão: Uma Questão Existencial    111

age prevenindo um possível erro moral ou legal, poden-


do evitar um eventual prejuízo de terceiros;

ÂÂreflexão: após cometer uma ação/omissão que a sua


consciência apontou como errada ou má, a culpa surge
e pode levar o indivíduo a refletir sobre a sua ação. A
culpa leva, portanto, a uma autoanálise crítica das pró-
prias ações;

ÂÂreparação: quando a culpa brota no indivíduo, pode


levá-lo a reparar seu erro, seja no pedido de perdão
e desculpas ou na restituição concreta do que lesou o
outro;

ÂÂretificação de vida: como última função positiva, a cul-


pa pode levar o indivíduo a não mais cometer um ato
que sua consciência julgou ilícito, isto é, a culpa faz com
que o sujeito não reincida no erro, gerando uma mu-
dança positiva de comportamento.

Olhando para as funções positivas acima, pode-se afirmar


que um indivíduo que não sinta nenhuma culpa diante de al-
gumas atitudes e decisões pessoais, pode tornar-se uma ame-
aça para si e para a própria sociedade. A ausência da culpa,
que parece indicar a inoperância da consciência moral, faz
com que o indivíduo perca a noção dos limites e da liberdade
do outro, tornando-o um indivíduo “perigoso” socialmente.

Retomando os aspectos negativos da culpa, destaca-se


o uso nocivo que alguns indivíduos fazem dela, no sentido
de manipular as pessoas, no que é comumente chamado de
chantagem emocional. Normalmente, quando fazemos as
112   Cultura Religiosa

pessoas sentirem-se culpadas, passamos a ter certo controle


sobre elas. Essas pequenas chantagens fazem parte de nosso
repertório comportamental: é um filho que diz que a mãe não
gosta dele, caso não lhe pague uma viagem; é um pai que
simula ao filho choro, caso ele não lhe der um abraço; é o ra-
paz que se faz de vítima diante do término do namoro, dizendo
que vai se matar etc.

Cabe aqui um alerta: precisamos tomar cuidado para não


pautarmos os nossos relacionamentos sobre o sentimento de
culpa, pois esse leva a sentimentos não construtivos, como
pena, comiseração, rancor, indiferença, gerando um ambiente
não saudável e de sofrimento aos envolvidos. Ainda com re-
lação aos aspectos negativos, já supracitados, a culpa pode
cobrar um alto preço do indivíduo, como provocar crises de
ansiedade, angústia, preocupação, insônia, mau humor, bai-
xa autoestima, melancolia, depressão e, inclusive, levar um
indivíduo a cometer o suicídio. Doenças como úlceras, gas-
trites, impotência, frigidez, enxaquecas, entre outras, também
podem ter um forte componente emocional ligado às culpas
individuais. Culpas reprimidas e não resolvidas certamente
se tornarão sintomas neuróticos. Vamos aprofundar agora a
questão desses pagamentos, conscientes e inconscientes, que
a culpa nos impõe.

5.4 Culpa e pagamento

Na obra do psiquiatra Paul Tournier (1985, p. 200), já citada


na introdução deste trabalho, lê-se que a culpa traz como con-
Capítulo 5    Culpa e Perdão: Uma Questão Existencial    113

sequência quase inevitável uma ideia de pagamento: “tudo


deve ser pago”, diz o autor. “Parece-me que isto surge, pelo
menos em grande medida, de uma atitude psicológica que eu
agora quero enfatizar, a saber, a ideia profundamente enrai-
zada no coração de todos os homens, de que tudo deve ser
pago”.

Esse sentimento de dívida constante, mesmo que tenha sido


valorizado na perspectiva judaico-cristã, não fica circunscri-
to ao mundo cristão tradicional. Como diz Tournier (1985, p.
201), basta lembrar as multidões inumeráveis de fiéis hindus
que mergulham nas águas do rio Ganges a fim de serem la-
vados de suas culpas e até nas ofertas votivas e no ouro que
cobrem as estátuas de Buda. Igualmente, são inúmeros os pe-
nitentes e peregrinos de todas as religiões que impõem a si
mesmos sacrifícios, práticas ascéticas (privar-se de qualquer
forma de prazer) ou duras jornadas como formas de paga-
mento, seja por culpas cometidas ou até por graças alcan-
çadas. Tais pessoas parecem ter uma necessidade interna de
pagar, de expiar as suas culpas.

Aqui podemos perguntar: será que a culpa e o seu respec-


tivo pagamento são produtos exclusivos da religião? Será que
Freud está certo em afirmar que, em libertando-se do senti-
mento de culpa, a religião perde a sua finalidade ou necessi-
dade? Penso que essa é uma afirmação muito radical. Afinal,
a relação entre culpa-pagamento-perdão existe também fora
do contexto religioso ou espiritual.

Basta observarmos as relações humanas cotidianas para


comprovar a assertiva acima. Muitos exemplos podem ser da-
114   Cultura Religiosa

dos. Uma falha leve com a namorada, por exemplo, deixar de


acompanhá-la à liquidação no shopping para ir ao jogo com
os amigos, pode ser paga com um buquê de flores e um con-
vite para jantar. Já uma falha mais grave, uma “traição”, por
exemplo, certamente exigirá um pagamento mais “caro” para
a conquista de um eventual perdão.

A típica frase “Essa ele me paga!”, muitas vezes repetida


por nós em inúmeros e variados contextos e situações, ex-
pressa o que estamos aqui afirmando. Todas as faltas, erros,
delitos e pecados exigem um pagamento que normalmente
implicará uma proporcionalidade, isto é, o tamanho/preço
do pagamento geralmente será proporcional ao tamanho do
erro. Exemplo: no Direito, um crime leve normalmente deman-
dará uma pena leve; já um crime grave demandará uma pena
mais longa e severa. Também na prática da confissão católica,
normalmente a penitência é dada ao fiel de acordo com a
gravidade do seu pecado.

Aprofundando a abordagem psicológica do tema, muitos


dos problemas e das neuroses trazidas pelos pacientes nos
consultórios estão ligados diretamente ao sentimento de cul-
pa, como já foi dito anteriormente. Algumas vezes essa culpa
é claramente identificável e manifesta, estando no plano cons-
ciente. Outras vezes, porém, as culpas surgem como um senti-
mento vago e indefinido, ligadas a uma esfera semiconsciente
e inconsciente, cujo prejuízo na saúde psíquica pode ser até
mais grave do que a culpa consciente.

A própria psicanálise afirma que muitas doenças nervosas


e físicas, e até mesmo acidentes, bem como frustrações na
Capítulo 5    Culpa e Perdão: Uma Questão Existencial    115

vida profissional, podem ser tentativas de expiação da cul-


pa que é totalmente inconsciente. Seriam formas de punição
que o sofredor administra a si mesmo e continua repetindo
indefinidamente como uma espécie de fatalidade inexorável
(TOURNIER, 1985, p. 201). Um exemplo hipotético de como
isso pode acontecer: uma mãe, muito irritada com seu filho
de oito anos, acaba dizendo a ele que o seu nascimento a
impediu de concluir o curso de Medicina, levando-a a abdi-
car de sua realização pessoal e profissional, e que hoje se vê
frustrada por ter feito tal escolha. Esse filho pode internalizar
essa crítica e, por um sentimento de culpa reprimido, não con-
seguir concluir nenhum curso superior, como forma de pagar
a culpa pela frustração profissional da mãe. A culpa, portanto,
sempre cobra algum preço, muitas vezes um preço altíssimo,
que pode incapacitar o indivíduo de ser uma pessoa realizada
e feliz. Essa é uma crítica também reputada às religiões, como
veremos a seguir.

5.5 Culpa e religião

A culpa é um dos aspectos fundantes ou estruturantes de mui-


tas religiões. Por mais ácida que seja essa afirmação, ela não
é de todo injusta, pois, analisando grande parte das religiões
existentes, é possível observar que a culpa foi – e continua sen-
do - utilizada como um dos mais eficazes instrumentos de do-
mínio das igrejas sobre os fiéis. Porém, ao final desta análise,
queremos apontar para uma proposta religiosa que vai num
caminho contrário, ensinando a total erradicação da culpa por
intermédio de Jesus Cristo.
116   Cultura Religiosa

O próprio Sigmund Freud, fundador da psicanálise e um


dos maiores críticos da religião, afirma que o sentimento de
culpa é que deu origem às religiões, quando faz referência
ao totemismo, que se configura como uma das mais antigas e
primitivas formas de religiosidade. Na sua obra Totem e tabu,
Freud faz referência ao mito do parricídio, em que os filhos se
unem e matam o pai, chefe do clã, que era invejado e temido
por eles. Após o assassinato, os filhos devoram seu cadáver
(antropofagia) e, identificando-se com o pai, apropriam-se de
sua força. Após o parricídio, a culpa dos filhos se estabelece
em virtude dos sentimentos ambivalentes: ódio ao pai, que
representava um impedimento de alcançar o poder e satisfazer
os desejos sexuais, em contraposição ao amor e à admira-
ção pelo que ele representava. Essa afeição, antes recalcada,
surge em forma de remorso. A partir daí os filhos criam uma
representação totêmica desse pai morto, que se torna ainda
mais forte do que quando estava vivo. Essa, portanto, seria
para Freud a base estruturante das religiões: a culpa que deu
origem aos rituais religiosos totêmicos.1

Após essa abordagem antropológica, podemos apontar


para diversas religiões que fazem uso cotidiano da culpa na
sua relação com os fiéis. Como diz Tournier (1985, p. 202.),
para apagar o passado de culpas e pecados, uma expiação
(pagamento) deve ser feita, sendo esse o sentido de quase
todos os ritos e sacrifícios praticados nas diferentes religiões.
Atos de culto não deixam de ser uma forma de pagamento,

1 Nota: o mito é contado aqui de forma muito resumida. Para uma melhor com-
preensão, devido à complexidade do tema, sugere-se a leitura do texto de Freud
na sua íntegra.
Capítulo 5    Culpa e Perdão: Uma Questão Existencial    117

ao menos do ponto de vista psicológico. Espera-se que eles


garantam a libertação da culpa descartando o débito que deu
origem a ela. Vamos traduzir isso em exemplos práticos.

Em tribos primitivas, quando aconteciam tragédias, derrotas


em batalhas ou cataclismos (furacões, terremotos, enchentes,
temporais...) normalmente se acreditava que alguém da tribo
havia cometido um grave pecado. Quando se identificava um
possível culpado, esse era punido e sacrificado aos deuses.
Portanto, aplacar a ira dos deuses através de oferendas, rituais
e sacrifícios era prática comum em inúmeros povos, tribos e
culturas da Antiguidade.

No hinduísmo, em que a doutrina da transmigração das


almas e da lei do carma fundamenta a religião, o indivíduo
só evolui espiritualmente se “pagar” as suas faltas através de
inúmeros rituais. A sua evolução ou involução dependerá da
observância correta de ritos e outras práticas, que determina-
rão a sua condição na próxima reencarnação. No budismo
também prevalece a lei do carma, ou lei de causa e efeito, em
que o aprendizado espiritual ou a busca pela iluminação im-
plica abdicar de determinadas práticas e desejos. As reencar-
nações tornam-se necessárias até o ponto em que o indivíduo
fique liberto de toda forma de desejo.

Para o islamismo, as culpas podem e devem ser pagas


através de ritos como as cinco orações diárias, realização de
boas obras, a prática da esmola e até mesmo a peregrinação
do fiel à cidade sagrada de Meca.

Na realidade brasileira, temos a doutrina espírita que se


aproxima muito da expressão utilizada por Tournier de que
118   Cultura Religiosa

“tudo deve ser pago”. Mesmo que o conceito “pagamento”


não seja nomeado, sendo substituído por palavras como res-
gate, missão ou aprendizado, está implícito na doutrina espíri-
ta que cada indivíduo é responsável pelo seu aprimoramento
e pelo “resgate” de suas culpas passadas. Muitos problemas,
dificuldades, doenças e tragédias que surgem na vida das
pessoas são interpretados pelos espíritas como uma forma de
“pagamento” de um carma anterior, um aprendizado necessá-
rio. Sem esse resgate não há possibilidade de evolução.

Por um longo tempo, o cristianismo também se estruturou


sobre a prática do pagamento por culpas e pecados cometi-
dos. Na Idade Média, era comum a venda de indulgências,
que nada mais eram do que uma compra do perdão e da
salvação eternas. Além disso, havia a veneração de relíquias
sagradas, encomendas de missas pagas, realização de votos
e promessas, práticas de autoflagelo, tudo como forma de ex-
piar as suas culpas, pagar as dívidas com Deus e ganhar al-
gum mérito pessoal diante Dele.

A colunista Martha Medeiros, numa de suas crônicas, intitu-


lada Prometa não sofrer (1999), ressalta que algumas religiões
cristãs têm na culpa o seu maior alicerce, sendo que o rito das
promessas seria a maior prova de que, aos olhos de Deus, o
ser humano não é merecedor da felicidade, ao menos não de
uma felicidade gratuita. A autora faz referência a ritos peno-
sos, como subir 300 degraus de uma igreja, caminhar vários
quilômetros para pagar uma graça alcançada, dar uma soma
polpuda para a caixa de coleta etc. “Como sofrem esses fiéis”,
diz Martha Medeiros, afirmando que eles se sentem devedores
da própria fé, impingindo a si próprios inúmeros sofrimentos e
Capítulo 5    Culpa e Perdão: Uma Questão Existencial    119

privações para pagar o que julgam dever a Deus. Ao almejar


a felicidade, finaliza a autora, torna-se implícito que se pagará
muito caro por ela, se não financeiramente, ao menos através
de bolhas nas mãos e calos nos pés.

Não é essa proposta, porém, que um cristianismo compro-


metido com os evangelhos bíblicos e com o ensino e obra de
Jesus Cristo oferece aos seres humanos. A igreja cristã tem o
compromisso de proclamar a salvação, a graça e o perdão
de Deus à humanidade oprimida pela culpa: a salvação con-
quistada em Cristo, por Cristo e através de Cristo. Essa salva-
ção não tem preço, não pode ser comprada por ninguém, até
porque, para o cristianismo, sacrifícios expiatórios ou esforço
moral não são suficientes para pagar a dívida com Deus. Na
realidade, o cristão não precisa pagar nada, pois Cristo já
pagou em seu lugar. Como lembra Tournier (1985, p. 212-3):

[...] é Deus mesmo quem paga, Deus mesmo pagou o


preço de uma vez por todas, o preço mais caro que ele
poderia pagar: a sua própria morte, em Jesus Cristo,
na cruz. A obliteração (destruição/eliminação) de nossa
culpa é livre para nós porque Deus pagou o preço. Je-
sus Cristo veio “para salvar o que estava perdido”. (Mt
18:11)

Como consta na Escritura Sagrada: “O sangue de Jesus,


seu Filho, nos purifica de todo pecado” (1 João 1:7), “no qual
temos a redenção pelo seu sangue, a remissão dos pecados”
(Efésios 1:7), “Pois também Cristo morreu, uma única vez, pe-
los pecados, o justo pelos injustos” (1 Pedro 3:18). Em síntese,
a libertação total da culpa, a salvação, não é mais uma ideia
120   Cultura Religiosa

remota de perfeição para sempre inacessível; mas passa a ser


personificado numa pessoa - Jesus Cristo - que veio como pre-
sente de amor e misericórdia dado por Deus à humanidade.
(TOURNIER, 1985, p. 214)

Todos os seres humanos podem beneficiar-se dessa expia-


ção única; “todo o mundo”, como João afirmou (1 João 2:2).
Jesus Cristo morreu por todos sem qualquer distinção, para
homens de todas as idades e regiões, para hindus, para budis-
tas, para muçulmanos, para pagãos e para ateus; basta que
Nele creiam. (TOURNIER, 1985, p. 215) Essa é uma possibili-
dade que, racionalmente, é vista como “loucura para aqueles
que não creem”, tal como diz o apóstolo Paulo em 1 Coríntios
1.18.

5.6 Culpa e perdão

O grande ápice do nosso capítulo é a palavra “perdão”. De


nada adianta falar de culpas se não abrimos a possibilidade
de refletir sobre o perdão. Numa dimensão humana, das re-
lações interpessoais, poderíamos afirmar que o perdão é uma
das mais importantes ferramentas terapêuticas existentes nesta
vida. O perdão pode ser visto sob três aspectos: o perdão divi-
no, o perdoar a si próprio e o perdoar aos outros. Poderíamos
perguntar qual dos três atos é mais difícil: perdoar aos que nos
feriram/ofenderam, pedir perdão a quem magoamos, ou ain-
da se apoderar do perdão gratuito ofertado por Deus? Obvia-
mente que essa resposta está ligada a uma série de variáveis.
Capítulo 5    Culpa e Perdão: Uma Questão Existencial    121

Para um indivíduo orgulhoso, assumir o erro e pedir perdão


é uma ação que soa quase como uma violência a si mesmo,
um sinal de fraqueza inadmissível. Já para um indivíduo com
pouca confiança em Deus, aceitar o perdão gratuito de Cris-
to também é difícil. Porém, perdoar realmente aos que nos
fizeram algum mal parece ser a mais árdua das tarefas. Não
é à toa que se diz que “errar é humano e perdoar é divino”,
pela dificuldade que temos em realmente perdoar a quem nos
magoou ou feriu. Quanto mais grave a “ferida”, mais difícil
parece ser a sua cura.

Por isso é que se diz que na arte de perdoar é que se en-


contra um dos grandes desafios humanos, a ponto desse ser
um dos pedidos que Jesus inseriu na oração do Pai Nosso,
ensinando aos seus discípulos: “[...] perdoa as nossas dívidas
(ofensas), assim como nós perdoamos aos nossos devedores
(a quem nos tem ofendido)” (Mateus 6.12). Esse mesmo Jesus
que foi capaz de interceder a Deus em favor daqueles que o
açoitaram, crucificaram e o conduziram à morte, dizendo: “Pai,
perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lucas 23.34).

A importância do perdão é reafirmada em diversos estu-


dos que comprovam que a prática do perdão tem um efeito
benéfico sobre a saúde humana. O psicólogo americano Dr.
Frederic Luskin, autor do livro O poder do perdão, criador do
Projeto do Perdão da Universidade de Stanford, faz uma rela-
ção entre o bem-estar trazido pelo perdão e a saúde do ser
humano. Luskin afirma que guardar ressentimentos, culpar os
outros ou apegar-se às mágoas estimulam o organismo a li-
berar na corrente sanguínea as mesmas substâncias químicas
associadas ao stress, que prejudicam o corpo. Outro estudo
122   Cultura Religiosa

de Luskin indicou que as pessoas mais inclinadas ao perdão


sofriam menos enfermidades e tinham menos doenças crôni-
cas diagnosticadas. (TARANTINO, 2003)

Portanto, perdoar e pedir perdão são ações promotoras da


saúde, na dimensão emocional, física e espiritual. Sabemos,
porém, que isso não é fácil. Mais do que ações, acabam sen-
do um longo processo que precisa ser buscado e aprimorado
em nossa vida. Numa perspectiva psicológica, o perdão sem-
pre acontece no interior do indivíduo, é uma decisão íntima,
pessoal. Por isso é que perdoar e reconciliar são conceitos
diferentes. O perdoar é uma relação consigo mesmo, já o re-
conciliar envolve a relação com o outro, que nos feriu. Pode-
mos perdoar mesmo que não haja reconciliação, até porque
por vezes ela é impossível de acontecer concretamente. Porém,
quem não consegue perdoar acaba por fazer um pacto com o
agressor, no qual só vai aumentar sua própria dor e sofrimen-
to, ficando prisioneiro dela. Por isso é que se diz que perdoar
é libertar-se de si mesmo, quebrando o poder e domínio de
quem cometeu a ofensa.

Já numa perspectiva teológica, especialmente cristã, o pri-


meiro passo para aprendermos a perdoar é aceitar que as
nossas culpas e os nossos erros já estão perdoados por Deus,
afinal vimos acima que o perdão divino é concedido a nós
gratuitamente, sem qualquer barganha com Deus. Ele nos ofe-
rece o perdão a todas as nossas culpas. Diante dessa verda-
de bíblica, vem-nos à mente um ditado popular: “Quando a
esmola é muita, o santo desconfia”. O ser humano parece ter
uma grande dificuldade de se apoderar do perdão oferecido
pelo evangelho bíblico. Mesmo participando de rituais como a
Capítulo 5    Culpa e Perdão: Uma Questão Existencial    123

Comunhão (Santa Ceia), a Confissão e Absolvição nas missas


e cultos, o ser humano não consegue libertar-se de suas cul-
pas, presas a ele como sanguessugas a retirar a sua alegria,
bem-estar, autoestima e paz de espírito.

Como diz Tournier (1985, p. 200):

Parecia-lhe impossível (ao ser humano) que Deus pudes-


se remover a sua culpa sem que ele tivesse de pagar
alguma coisa. Pois a noção de que tudo tem que ser
pago está profundamente arraigada e atuante em nós,
tão universal quanto inabalável por qualquer argumento
lógico. Portanto, as pessoas que anseiam ardentemente
pela graça são as que têm maior dificuldade em aceitá-
-la. Seria uma solução muito simples, e uma espécie de
intuição se lhe opõe.

Na perspectiva bíblico-cristã o ser humano precisa crer e


confiar que Deus nos perdoa e que o perdão nos é alcança-
do através de Jesus Cristo. A salvação não é obtida por atos
próprios de pagamento de nossas culpas e erros. Ela já foi de
uma vez assegurada a nós e a todos os que creem na obra
vicária de Jesus Cristo, a partir de suas palavras na cruz: “Está
consumado” (João 19.30).

Vale uma reflexão final para o tema em questão: o proces-


so que leva a uma verdadeira libertação da culpa, que parte
da confiança no perdão divino oferecido a nós, implica três
momentos. Primeiro, o reconhecimento dos nossos erros, que
leve a um verdadeiro e sincero arrependimento. Segundo, o
firme desejo de corrigir a nossa vida, transformando-nos posi-
tivamente como pessoas e como cristãos. Como diz a Bíblia,
124   Cultura Religiosa

os frutos e as obras do cristão acompanham a verdadeira fé,


mas obras feitas como símbolo de gratidão, como consequên-
cia natural da morada de Cristo em nossos corações e mentes,
e não como forma de pagar alguma culpa ou ganhar mérito
diante de Deus. Finalmente, libertar-se da culpa implica tam-
bém uma disposição interna constante em perdoar aos outros,
num compartilhamento mútuo e recíproco do perdão que nos
é oferecido por Deus em Cristo Jesus.

Culpa e perdão! Questões existenciais que permanecerão


atuando, afligindo e ressoando nos corações humanos en-
quanto o indivíduo viver, mas cuja resolução está mais próxi-
ma do nosso alcance do que podemos imaginar. A resposta
está na pessoa que se tornou a encarnação viva do amor, da
paz, do consolo e do perdão, chamada Jesus Cristo. Crer e
apoderar-se desse perdão, é a ferramenta terapêutica por ex-
celência, fonte de vida e alegria, da qual todos, sem exceção,
podem fazer uso.

Recapitulando

Esse capítulo tematizou os conceitos da culpa e perdão a partir


de uma abordagem fenomenológica, procurando demonstrar
que ambos os conceitos são questões existenciais, que dizem
respeito a todos os seres humanos na sua dimensão relacio-
nal. Da universalidade da culpa, passando pela sua dupla ori-
gem, interna e externa, para uma análise de aspectos positivos
e negativos desse sentimento na vida de cada indivíduo e da
própria sociedade, o capítulo se encaminhou para sinalizar
Capítulo 5    Culpa e Perdão: Uma Questão Existencial    125

as relações desse fenômeno com o mundo religioso. Culpa,


pagamento e perdão formam uma tríade presente em inúme-
ras correntes religiosas. Destacou-se que a mensagem bíblico-
-cristã rompe com uma tradição religiosa onde cada ser hu-
mano devia ser responsável pelo pagamento de suas culpas
diante de Deus, para uma proposta de um perdão divino que
é oferecido gratuitamente por Deus através de Jesus Cristo.
Enfatizou-se também o efeito adoecedor da culpa e da falta
de perdão, bem como o efeito terapêutico para aqueles que
conseguem perdoar os seus agressores, tal como foi ensinado
e vivido por Jesus.

Referências

COLLINS, Gary R. Aconselhamento cristão. Edição Século


21. São Paulo: Vida Nova, 2004.

TARANTINO, Mônica. Perdoar é humano. Revista Isto É, 8 de


janeiro de 2003, edição n.1736.

TOURNIER, Paul. Culpa e graça: uma análise do sentimento


de culpa e o ensino do evangelho. São Paulo: ABU, 1985.

Atividades

1) Assinalar (V) para as assertivas Verdadeiras e (F) para as


Falsas.
126   Cultura Religiosa

a) (  ) A culpa é um fenômeno universal, presente em


v
todos os seres humanos que possuem algum tipo de
consciência moral.

v
b) (  ) Uma das características da culpa é sua subjeti-
vidade: o que para um indivíduo pode ser motivo de
culpa não será necessariamente para o outro.
f
c) (  ) A culpa possui uma origem incerta, difusa, vaga.
Não há como determinar origens concretas da culpa
humana.

2) Assinale a única alternativa que é verdadeira no seu enun-


ciado.

a) (  ) A culpa objetiva sempre envolve muito sofrimento


f
e remorso do sujeito.

f
b) (  ) A culpa jamais possuirá um elemento positivo, so-
cialmente falando.

v
c) (  ) A culpa pode se tornar fonte de angústia e de neu-
rose individual.

3) Complete as lacunas com os conceitos ou termos corretos.

Dentre as principais funções construtivas que a culpa de-


retidão reflexão
sempenha podemos citar: ___________, _______________,
________________ e ____________.
reparação prevenção
4) Perdão e reconciliação. Qual é a diferença entre os dois
O perdão está ligado a expiação da culpa que alguém percebe sobre outra
conceitos? pessoa devido a esta ter lhe causado prejuízo. A reconciliação é o retorno ao
relacionamento com aquela pessoa nos moldes de antes de a agressão ter sido
realizada.
5) Qual é a singularidade da proposta bíblico-cristã com re-
lação ao perdão concedido por Deus ao ser humano?
O perdão concedido por Deus é gratuito e disponível a todos independente de barganhas. Todo
aquele que tiver fé recebe o perdão divino.
Ronaldo Steffen1
????????
Atualizado por Douglas Moacir Flor2

Capítulo 6
?

Cristianismo – História e
Expansão 12

1 Bacharel em Teologia pela Escola Superior de Teologia do Seminário Concórdia (RS).


2 Mestre em Educação pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), bacharel
em Teologia pela Escola Superior de Teologia do Seminário Concórdia (RS) e em
Jornalismo pela Universidade Do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Professor da
Disciplina de Cultura Religiosa na ULBRA.
128   Cultura Religiosa

Introdução

No início do século I, a região do Mar mediterrâneo estava


dominada por Roma. Por outro lado, por volta do século IX
a.C, a Palestina, terra prometida por Deus aos hebreus, sofria
um processo de enfraquecimento político e social. Depois da
época dos reis Davi e Salomão, Israel entrou em decadência.
Das doze tribos originais, só restavam duas (Judá e Benjamim).
As outras haviam sido extintas desde 722 a.C. As duas tribos
restantes, por sua vez, foram submetidas, sucessivamente, aos
impérios babilônico, persa, grego e, em 63 a.C., reduzidas a
províncias romanas. No decorrer desses fatos, os judeus con-
tinuaram a ter esperança que um novo rei, ou messias, da
linhagem de Davi, haveria de vir.

Sobre o domínio de Roma, Walker (1981, p. 16) relata:

Na época do nascimento de Cristo, as terras que circun-


dam o Mediterrâneo estavam na posse de Roma. Estes
vastos territórios que abrangiam toda a civilização então
conhecida pelo homem comum, eram dominados por
um único tipo de cultura. Em nenhum outro período da
história anterior ou posterior se encontra exemplo de pre-
domínio cultural que se possa comparar ao exercido por
Roma nessa época.

Acrescenta-se ao quadro da época uma condição eco-


nômica desfavorável. A saída era buscar fora da Palestina os
mecanismos necessários para a sobrevivência. Era a diáspora
que perdurava desde o cativeiro babilônico (587-539 a.C.). O
Capítulo 6    Cristianismo – História e Expansão    129

desejo, com certeza, de estarem novamente juntos na mesma


terra não tinha desaparecido entre os judeus.

Desfavorável, ainda, era a presença de Herodes como rei.


Embora semita, era visto como uma extensão do poder impe-
rial romano que governava com mão de ferro. Imperdoável
para o judeu foi a destruição do templo que Herodes promo-
veu na conquista de Jerusalém. Um rei judeu, ungido a exem-
plo de Davi e Salomão, era uma esperança latente.

6.1 Jesus de Nazaré

Os evangelhos dizem pouca coisa sobre a vida que Jesus le-


vou durante 30 anos em Nazaré com seus pais, José e Ma-
ria. Somente dois Evangelhos narram fatos relativos ao seu
nascimento. Em contrapartida, os quatro Evangelhos têm a
preocupação de apresentar os três anos de sua vida pública,
centrando-se na proclamação da mensagem salvadora.

Nesse sentido é que o historiador Walker (1981, p. 17)


também comenta:

Falta-nos material para compor uma biografia de Jesus


comparável à que se poderia escrever de alguém que
tenha vivido nos tempos modernos. Os fatos registrados
pelos evangelhos são, antes de mais nada, testemunho
do divino evento de Jesus, o Cristo, e seus pormenores
foram sem dúvida coloridos pelas experiências e situa-
ções vividas pela Igreja primitiva.
130   Cultura Religiosa

Jesus nasceu em Belém antes da morte de Herodes, o Gran-


de (ano romano de 749), provavelmente no ano romano de
754, correspondente ao ano 6 a.C. Em sua juventude, o reino
judaico estava sob o controle direto de um oficial do Império
Romano. Aos 30 anos, início de sua pregação pública, suas
ideias baseadas nas escrituras judaicas despertaram interesse
nuns e provocaram rejeição noutros.

Aos 33 anos, foi acusado de blasfêmia por um tribunal reli-


gioso judaico. Sentenciado à morte por um funcionário roma-
no, Pôncio Pilatos, foi crucificado publicamente nos arredores
de Jerusalém.

6.1.1 Jesus, o messias


A palavra messias significa “o ungido”, numa referência à ma-
neira como o rei de Israel era ungido com óleos ao subir ao
trono. A palavra messias traduzida para o grego é christos.
Dessa forma, Jesus Cristo é o nome que reconhece em Jesus
o esperado messias.

Desde o princípio, sua mensagem esteve centrada no rei-


no de Deus, no conceito de um pai amoroso, no seu próprio
sacrifício expiatório, no arrependimento e na fé. Embora se
anunciasse como o Cristo, evitou que as pessoas o soubes-
sem, porque temia que o termo fosse colocado em associa-
ção com as aspirações nacionalista-revolucionárias latentes.
Só quando a hora da morte se aproximou é que assumiu sua
messianidade, pois via nessa morte sacrificial a sua glória su-
prema, enquanto o Cristo de Deus.
Capítulo 6    Cristianismo – História e Expansão    131

6.1.2 Jesus, o ressuscitado


Nascer e morrer integram o ciclo normal da existência huma-
na. Ressuscitar, porém, constitui algo totalmente fora da ex-
periência das pessoas. A ressurreição de Jesus quebra, assim,
a sequência natural dos fatos existenciais. Inaugura um novo
ciclo no existir do ser humano, pois a sua ressurreição é a
garantia da nova vida pronta e consagrada ao mundo amado
por Deus.

6.1.3 Jesus, a ascensão


Uma vez ressuscitado, Jesus subiu ao céu e está à direita do
Pai. A expressão “subiu ao céu” não significa estar num lugar
geograficamente definido. Igualmente, estar “à direita do Pai”
é apenas expressão da posição de honra que é dada a Jesus,
que antes fora humilhado até a morte. Jesus, como Cristo,
assenta seus discursos bem distantes das ideias nacionalista-
-revolucionárias de seu contexto.

Jesus está em toda parte e em qualquer lugar com sua di-


vindade e humanidade completas, enchendo os céus e a Terra.

6.2 Origens e primórdios

6.2.1 Em Jerusalém
O advento do Espírito Santo sobre os apóstolos no dia de Pen-
tecostes judaico, isto é, 50 dias depois da Páscoa, marcou o
início histórico do cristianismo.
132   Cultura Religiosa

O Pentecoste tornou-se, para o cristianismo, a renovação


da aliança, semelhante à ocorrida no Monte Sinai quando Javé
apareceu a Moisés. Os apóstolos foram tomados pelo Espírito
Santo passando a pregar o que Jesus fizera e o que lhes ensi-
nara. Dirigiram-se primeiramente aos judeus, vindos de toda
a parte, reunidos em Jerusalém para a festa, e primeiros des-
tinatários dessa nova aliança, considerada a consolidação da
antiga. Esses primeiros cristãos eram todos judeus, praticavam
a Lei e acrescentaram observâncias inéditas, como o batismo
e a repartição do pão.

6.2.2 Em Antioquia e por toda a parte


Logo surgiram obstáculos. Podem ser enumerados três, pelo
menos, sendo um de ordem interna e dois externos. Interna-
mente, os primeiros cristãos, de tradição judaica, julgavam
que, antes de serem batizados, os novos convertidos deveriam
ser circuncidados. A questão foi resolvida no Concílio de Je-
rusalém, com a presença dos apóstolos, aceitando o batismo
cristão sem a imposição da circuncisão.

Duas situações externas criaram embaraços ao avanço do


cristianismo:

ÂÂa liderança judaica da época identificava o cristianismo


como mais uma seita que deveria ser desestimulada e
banida;

ÂÂos impedimentos levantados pelo Império Romano, en-


tre os quais se destaca a ênfase dada pelo cristianismo à
igualdade entre todos, inclusive a dos escravos.
Capítulo 6    Cristianismo – História e Expansão    133

A consequência imediata foi a saída dos cristãos de Jerusa-


lém. Espalham-se por toda a Palestina e Síria e fazem de An-
tioquia o novo centro expansionista do cristianismo. Jerusalém
conservaria uma comunidade judaico-cristã até o ano de 66 d.C.

As primeiras comunidades cristãs desenvolver-se-iam em


torno da bacia do Mediterrâneo durante o período apostólico.
Éfeso, Filipos, Tessalônica, Corinto, Roma e Alexandria foram
os primeiros grandes centros do cristianismo, reconhecidos
como núcleos apostólicos.

A conversão do fariseu Saulo (Paulo), por volta de 32 d.C.,


foi de importância decisiva para a difusão do cristianismo. Não
é por demais afirmar que o espírito missionário de Paulo fez
do cristianismo uma religião mundial. A contribuição de Paulo
ocorre em dois níveis: em primeiro lugar, viajou pelo mundo
greco-romano proclamando Cristo entre os não judeus. Em
segundo lugar, estabeleceu os fundamentos da teologia cristã,
tratando o cristianismo como religião independente e apon-
tando Jesus como o salvador de todos os seres humanos.

Pedro teria sido martirizado em Roma em 65, depois do in-


cêndio da cidade sob Nero; Paulo em 66, também em Roma;
João, em Éfeso por volta do ano 100 e Marcos teria se insta-
lado em Alexandria depois da morte de Pedro.

6.3 Os escritos do Novo Testamento

À tradição oral dos ensinos de Cristo, acrescentaram-se os es-


critos identificados como Novo Testamento, consolidados até o
ano 100 d.C. O conjunto da obra é formado por:
134   Cultura Religiosa

ÂÂQuatro evangelhos - Mateus, Marcos, Lucas e João;

ÂÂAtos dos Apóstolos;

ÂÂ21 cartas - Romanos, Coríntios (1 e 2), Gálatas, Efésios,


Filipenses, Colossenses, Tessalonicenses (1 e 2), Timóteo
(1 e 2), Tito, Filemon, Hebreus, Tiago, Pedro (1 e 2),
João (1, 2 e 3) e Judas;

ÂÂUm texto apocalíptico - Apocalipse.

6.4 Evolução e organização até


Constantino

Do século II ao século IV, o cristianismo estendeu-se a todas as


cidades da costa do Mediterrâneo e inseriu-se no interior dos
continentes. Implantou-se, assim, tanto no Oriente como no
Ocidente. Os grandes centros cristãos do século I tornaram-se
modelos para a organização das comunidades que iam surgin-
do. Como liderança de cada comunidade (igreja) estava o bis-
po, uma espécie de vigilante, que também era o pastor e o mes-
tre. Seus auxiliares eram os diáconos e os presbíteros. De início,
todos os bispos eram denominados de papa, e só a partir do
século IV o termo é atribuído exclusivamente ao bispo de Roma.

6.4.1 As perseguições
Ainda que mal compreendido, o cristianismo era tolerado,
como o eram todas as religiões no império romano. As perse-
guições eram esporádicas, em especial na Ásia.
Capítulo 6    Cristianismo – História e Expansão    135

O culto ao imperador impunha os limites e determinan-


tes das perseguições. Prestar culto ao imperador, o que um
cristão não fazia, era considerado gesto de civismo. A recusa
representava uma ameaça ao equilíbrio religioso, rompendo
as relações entre os deuses e o império.

De forma sistemática, as perseguições ocorreram por volta


de 249, com Décio, depois com Galiano e Valeriano. As ações
faziam-se principalmente contra os bispos e os cristãos de alta
posição, a fim de privar o cristianismo de seus dirigentes. A úl-
tima perseguição geral foi ordenada em 303 por Diocleciano
em nome da união imperial e que temia, possivelmente, que
a organização cristã viesse a tornar-se outro estado dentro do
império. Em 311, um edito de tolerância, liderado por Cons-
tantino, concedia uma trégua ao cristianismo, sob a condição
de que nada se fizesse aos cristãos que fossem contrários à
disciplina.

Por fim, em 313, ainda sob o comando de Constantino, o


Edito de Milão concedia a liberdade religiosa aos cristãos e
punha fim às perseguições.

6.4.2 O império cristão


Desde 305, Constantino já era senhor da Gália, Espanha e
Bretanha e, em 312, tornara-se imperador. Sua aproximação
aos cristãos remonta a seu pai, que, em período de perse-
guição sob Diocleciano, protegeu e salvou muitas pessoas.
Os dois editos, o de 311 e o de 313, tinham um ingrediente
político bastante forte, além de proteger os cristãos. O fato é
136   Cultura Religiosa

que, livre das perseguições, o cristianismo cairia sob o controle


do imperador.

Na aproximação com o cristianismo, Constantino vislum-


brava a culminância do processo de unificação do império.
Havia uma só lei, um só imperador e uma só cidadania. Por
que não também uma só religião? Protegida por Constantino,
a Igreja Cristã cresceu rapidamente: isentou o clero dos encar-
gos públicos, concedeu à igreja o direito de receber legados,
proibiu o trabalho aos domingos nas cidades, proibiu o sacrifí-
cio pagão em casas particulares, erigiram-se grandes templos
em Roma, Jerusalém e Belém. Além disso, transferiu a sede do
império para Bizâncio (depois Nova Roma e, por fim, Constan-
tinopla), no Oriente, a parte mais cristianizada do império. O
laço imperial com o ocidente era a figura do bispo de Roma,
ao redor do qual gravitava a vida.

Após a morte de Constantino, em 337, o processo de apro-


ximação entre Igreja e Estado foi se consolidando, e tomou
sua forma final com Teodósio, em 381, com a declaração do
cristianismo como a religião oficial do império.

6.4.3 De Constantino ao grande cisma


Embora unificado, o cristianismo tinha suas diferenças regio-
nais. Uma das mais marcantes foi entre o Oriente (sede em
Constantinopla) e Ocidente (sede em Roma). Várias razões
podem ser alinhadas para o afastamento progressivo entre as
duas sedes cristãs.
Capítulo 6    Cristianismo – História e Expansão    137

6.4.4 A língua
Até o século III, o espaço geográfico formado pela bacia do
Mediterrâneo conhecia o grego. O avanço do latim no Oci-
dente teve como consequência inevitável o recuo do grego. Ao
fundar sua nova capital, Bizâncio (depois Nova Roma e depois,
ainda, Constantinopla), o imperador Constantino queria fazer
dela uma nova Roma, com uma administração que utilizasse
o latim. Não deu certo: o oriente não se latinizou. Sem língua
comum, os problemas emergiram e os acertos esbarravam nas
questões linguísticas, em especial os acertos teológicos.

6.4.5 Os concílios
A partir do concílio de Nicéia (325), as discussões tornaram-se
constantes. Os concílios de Éfeso (431), Calcedônia (451) e
Constantinopla (553) foram ocasiões de confronto em detri-
mento da conciliação. As discussões religiosas eram agrava-
das em razão da primazia da sede de Roma, que Constantino-
pla queria compartilhar. Podem ser acrescentadas as questões
das imagens, normais no Ocidente, mas rejeitadas por parte
dos cristãos orientais, e do celibato, obrigatório no ocidente,
porém exigido no oriente apenas para os bispos.

6.4.6 A política fiscal


O imperador Justiniano (482-565) contribuiu muito para o
agravamento das divisões religiosas. Nas províncias ocidentais
reconquistadas aos bárbaros, ele impôs o fisco e a adminis-
tração detalhista do Oriente. O Ocidente não apenas rejeitou
essa prática, mas, também, o poder imperial. As populações
138   Cultura Religiosa

passaram a adotar como prática comum tratar diretamente


com os bárbaros, rejeitando todas as orientações e obrigações
impostas por Constantinopla.

6.4.7 O cisma
Finalmente, em 1054, ocorre o episódio final da separação
em decorrência de uma recusa de reconhecimento mútuo en-
tre os legados do papa e o patriarca Miguel Cerulário. Essa
recusa provocou uma excomunhão mútua, e cada uma das
partes do cristianismo passou a construir sua própria tradição.

6.4.8 Tentativas de reunificação


Os imperadores do Oriente (ou bizantinos) solicitaram ajuda
ao Ocidente para lutar contra o avanço do islamismo. O ape-
lo às cruzadas, lançado pelo papa Urbano II, em 1095, foi
motivado, em parte, para atender às solicitações orientais.

As primeiras cruzadas foram organizadas com a ajuda


oriental. No entanto, logo se percebeu que os orientais ora
apoiavam o ocidente, ora os muçulmanos. Uma tentativa de
corrigir essa distorção ocorreu em 1204, durante a quarta
cruzada, quando o ocidente saqueou Constantinopla e esta-
beleceu um passageiro império latino. Na medida em que se
concretizava o avanço islâmico, fortalecia-se a esperança de
um retorno à unidade religiosa do cristianismo. As esperan-
ças, no entanto, dissiparam-se em 1453, quando a capital do
Oriente caiu nas mãos dos otomanos. Era o fim da igreja cristã
bizantina, que se divide, a partir daí, em igrejas nacionais in-
dependentes.
Capítulo 6    Cristianismo – História e Expansão    139

6.5 Do cisma ao século XVI

O cisma deu origem, com sede em Roma, à Igreja Católica


Apostólica Romana e, com sede em Constantinopla, às Santas
Igrejas Católicas Ortodoxas Orientais.

A unidade ocidental, por sua vez, não era concisa, e não


tardou o surgimento de vozes discordantes aqui e acolá, espe-
cialmente no que tocava à detenção do que poderia a Igreja
ou o Estado. Vislumbrava-se a necessidade de reformar a igre-
ja cristã ocidental. A Inquisição, nesse cenário, foi uma tenta-
tiva religiosa que, por fim, serviu como instrumento de pressão
e eliminação das vozes discordantes.

O desejo de reforma cedeu lugar à indispensabilidade des-


ta, especialmente após a Guerra dos Cem Anos (1337-1453)
e da abertura da sociedade às novas técnicas: redescoberta da
Antiguidade, exploração do mundo, renascimento do grande
comércio, aparecimento da imprensa. A esse clima de eferves-
cência, contrapunha-se a pouca instrução dos ministros reli-
giosos, a ausência constante dos bispos de suas dioceses e o
cisma, já mencionado, provocando um enfraquecimento cada
vez mais acentuado do cristianismo ocidental.

Não bastasse isso, durante todo o século XIV, os monarcas


europeus enfrentaram-se e tomaram como refém a hierarquia
da igreja. De 1309 a 1327, os papas instalaram-se em Avig-
non, sob influência francesa. A volta do papa a Roma, em
1378, provocou uma eleição pontificial dissidente em Avig-
non. Os Estados da Europa, e com eles a cristandade, dividi-
ram-se em torno desses dois papas sem poderes.
140   Cultura Religiosa

A crise chegaria ao fim em 1417. Os Estados conseguiram


entender-se, convocando o concílio de Constança, sob a pre-
sidência do imperador da Alemanha. Houve concordância em
restabelecer a unidade da igreja, depondo os papas em exer-
cício e propondo um único papa para a cristandade ocidental.
Ainda assim, a reforma necessária era constantemente adiada.

No início do século XVI, os papas deixaram-se levar, a


exemplo de outros príncipes, pelas lutas políticas e pela reno-
vação arquitetônica em Roma.

O projeto de reforma da antiga basílica impunha despe-


sas consideráveis. Para suprir as necessidades, o papa Leão X
(1513-1521) recorreu ao sistema de indulgências, criado no
ano 1000. De forma reducionista, os fiéis, com o pagamento
de uma quantia em dinheiro, podiam substituir as penas im-
postas pelo confessor aos pecados cometidos após o batismo,
como o jejum, as rezas, peregrinações e assim por diante. Não
tardou e os excessos na venda das indulgências apareceram.
Em 1476, outro decreto papal determinava que a indulgência
também tivesse o poder de remir as almas do purgatório.

Unir ideias religiosas para garantir projetos financeiros


mostra-se uma alternativa inadequada.

Explodiam por toda a Europa movimentos que exigiam um


retorno às Escrituras. Assim foi na Grã-Bretanha com John
Wyclif e na Boêmia com João Hus. Nos Países Baixos, Erasmo
dedicou-se à revisão da Bíblia, partindo do texto grego. O
momento era de reforma, e nesse cenário surge a reforma do
século XVI, destacando-se a figura de Lutero.
Capítulo 6    Cristianismo – História e Expansão    141

6.6 Ensinamentos

Atualmente, há três grandes matrizes do cristianismo: catoli-


cismo romano, catolicismo ortodoxo e protestantismo. Inter-
namente, cada uma dessas três matrizes desdobra-se em inú-
meras outras correntes. Essa é uma dificuldade em afirmar um
único pensamento cristão.

Apesar das divergências há, em linhas gerais, algumas


concepções que permeiam os grupos cristãos: a figura de Je-
sus, a Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo iguais em natureza
e dignidade), a criação divina do mundo a partir do nada, a
vinda do reino de Deus no fim dos tempos e o amor a Deus
sobre todas as coisas, entre outras.

Por questão de tempo e espaço, opta-se por mencionar


apenas alguns dos temas mencionados.

6.6.1 Deus
O cristianismo herdou do judaísmo a crença na existência de
um único Deus (monoteísmo), criador do Universo e que pode
intervir sobre ele, conforme a Sua vontade. Por essa razão, os
principais atributos de Deus são: onipotência, onipresença e
onisciência. Mas, sem dúvida alguma, há outro atributo, mui-
tas vezes mencionado nos escritos, e que se refere ao amor de
Deus que se estende sobre todas as pessoas, estabelecendo
uma relação pessoal entre o Criador e a Criatura.
142   Cultura Religiosa

6.6.2 A Trindade
Algumas das tradições cristãs professam a crença na Trindade:
Deus é um só ser eterno que existe em três pessoas distintas e
indivisíveis: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Esse pensamen-
to cristão, que difere de várias tradições religiosas, como o
judaísmo e o islamismo, foi consagrado no Concílio de Ni-
céia (325 a.D.). Internamente, também há divergências, pois
há grupos que defendem a existência de duas pessoas: o Pai,
que deve ser adorado e o Filho, que não tem nenhum direito
à adoração.

6.6.3 Ser humano


De acordo com o cristianismo, o ser humano foi criado por
Deus juntamente com a natureza e os demais seres vivos. Nes-
se sentido, é parte integrante dela. Todavia, ele foi feito de
forma única, à imagem e semelhança de Deus, o que o distin-
gue do restante da criação. A imagem de Deus implica, entre
outras coisas, que o ser humano foi dotado de inteligência e,
portanto, pode interpretar as leis do mundo e prover os meios
de preservá-lo. Em algumas tradições cristãs o ser humano, a
natureza e Deus estão em níveis idênticos.

6.6.4 É mordomo da criação


Gênesis 2.15 assim descreve: “Tomou o Senhor Deus ao ho-
mem e o colocou no jardim do Éden para cultivá-lo e guardá-
-lo”. Deus colocou o ser humano no mundo como seu gerente
e lhe deu alguns mandatos: cuidar, proteger, preservar e co-
nhecer a criação, de onde tiraria seu sustento. O ser humano
Capítulo 6    Cristianismo – História e Expansão    143

é o mordomo de Deus. Não é o soberano senhor, dono e dés-


pota, mas o responsável diante de Deus pelo emprego corre-
to dos recursos naturais, pelo seu próprio desenvolvimento de
forma sustentável e pela preservação dos demais seres vivos.

Deus correu o risco, por assim dizer, de criar um ser passí-


vel de rebelar-se e recusar a existência que lhe foi dada. Ainda
assim, dotou o ser humano de livre-arbítrio, tornando-o com-
pletamente livre e responsável pela sua liberdade.

As promessas de Deus conduzem o ser humano à certeza


de que pode ir além de suas naturais limitações físicas. Com
base nessas promessas é que o cristianismo pode propor no-
vos objetivos, sentidos e conquistas ao ser humano, como a
da ressurreição e a posse de um assento no reino de Deus que
está por vir.

A dimensão de pertencer a uma realidade que ultrapassa


a materialidade conhecida faz dessa vida uma passagem obri-
gatória na direção da vida eterna.

Nesse contexto, a morte deixa de ser o fim e transforma-se


numa fronteira; deixa de ser um muro e torna-se uma passa-
gem; deixa de ser um abismo e torna-se uma ponte. O cris-
tianismo afirma que o ser humano não morrerá para sempre.

6.6.5 Vida e morte


A vida do seguidor de Jesus, o Cristo, é pautada pela sua res-
posta ao amor de Deus, que lhe aceita em razão da expiação
e morte de Jesus.
144   Cultura Religiosa

Em retribuição à bondade e gratuidade de sua aceitação,


salvação, por Deus, o cristão pontua sua existência pelos pa-
râmetros encontrados nos preceitos de conduta do Novo Tes-
tamento, uma extensão dos dez mandamentos encontrados
no Antigo Testamento. A diferença é que agora não mais por
obrigação e sim por agradecimento à salvação concedida,
sem nenhum merecimento. A moralidade cristã encontra sua
fundamentação na ética do amor e que merecerá todo um
capítulo à parte, mais adiante.

6.6.6 As festas
Há no cristianismo, como em outras tradições, festivais que
promovem a relembrança dos feitos divinos em favor dos seres
humanos. Muito embora haja divergência sobre esse tema em
algumas tradições cristãs, o que se percebe é que o cristia-
nismo é festivo. De uma forma geral e ressalvadas as inter-
pretações divergentes, as principais festas cristãs podem ser
apontadas como as que abaixo se seguem:

ÂÂAdvento: período constituído pelas quatro semanas an-


tes do Natal, entendidas como época de preparação
para a celebração do nascimento de Jesus Cristo;

ÂÂNatal: celebração do nascimento de Jesus;

ÂÂEpifania: celebra a adoração de Jesus Cristo pelos Reis


Magos, enquanto que para os cristãos ortodoxos, o seu
batismo. Acontece 12 dias após o Natal;

ÂÂSexta-feira Santa: relembra o sofrimento e a morte de


Jesus;
Capítulo 6    Cristianismo – História e Expansão    145

ÂÂDomingo de Páscoa: celebra a ressurreição de Jesus e a


vitória sobre a morte;

ÂÂAscensão de Jesus ao céu: acontece 40 dias após o Do-


mingo de Páscoa e celebra a presença de Cristo junto
ao Pai como intercessor;

ÂÂPentecostes: celebração do aparecimento do Espírito


Santo aos cristãos. Ocorre 50 dias após o Domingo de
Páscoa.

6.6.7 Os símbolos
A simbologia cristã é muito rica. Procura remeter o fiel à lem-
brança das promessas divinas e que o conduzem à fé nessas
promessas de salvação e cuidado. Nesse espaço restrito, no
entanto, há apenas algumas menções.

ÂÂO Bom Pastor;

ÂÂA cruz - O símbolo mais reconhecido do cristianismo é,


sem dúvida, a cruz, que pode apresentar uma grande
variedade de formas de acordo com a denominação:
crucifixo para os católicos, a cruz de oito braços para os
ortodoxos e uma simples cruz para os protestantes;

ÂÂO peixe - Outro símbolo cristão, que remonta aos co-


meços da religião, é o Ichthys ou peixe estilizado (a pa-
lavra Ichthys significa peixe em grego, sendo também
um acrônimo de Iesus Christus Theou Yicus Soter, “Jesus
Cristo filho de Deus Salvador”);
146   Cultura Religiosa

ÂÂAlfa e Ômega - O Alfa e o Ômega enfatizam, conforme


alfabeto grego, que Cristo é o princípio e fim de todas
as coisas.

6.6.8 A vida depois da morte


A visão cristã sobre a vida depois da morte envolve, de
uma maneira geral, a crença no céu e no inferno, vistos como
eternos. A igreja católica considera que, para além dessas
duas realidades, existe o purgatório, um local de purificação
onde ficam as almas que morreram em estado de graça, mas
que cometeram pecados. Para os Luteranos, não existe o pur-
gatório, apenas a eternidade, o céu, para onde os justos são
enviados, os que creram na obra salvadora de Jesus. Ou o
inferno, como castigo para os que não creram.

A plenitude da vida dar-se-á no Juízo Final, quando o Cris-


to voltará para julgar os vivos e os mortos e dará a vida eterna
a todos os que creram nas Suas promessas.

Recapitulando

Se historicamente o ambiente não era favorável, podemos di-


zer que o Cristianismo teve força para superar todas as va-
riáveis e resistir ao império Romano. Resistiu e continua vivo
até hoje, com mais de 2 bilhões de fiéis no mundo, com suas
diversas denominações. Existe um termo que chamamos de
Igreja Universal de todos os crentes ou Igreja Invisível. É uma
igreja composta por todos os cristãos do mundo. Não importa
Capítulo 6    Cristianismo – História e Expansão    147

o nome da igreja, mas sim a fé cristã num Deus Triúno e em


Jesus Cristo, o Salvador da Humanidade. Diariamente milha-
res de cristão se reúnem para orar, assim como àqueles pri-
meiros homens oravam. Só que aqueles oravam escondidos,
por medo do império Romano. Há que se ressaltar, no entanto,
que a liberdade cristã hoje é posta em perigo por religiões
fundamentalistas. Esses fundamentalistas nem sempre são de
fato religiosos, são homens que usurpam de uma religião para
exercer o poder e o terror. Como temos pautado em outros
capítulos, é perfeitamente possível viver em paz religiosa, basta
que a tolerância seja exercida. É possível respeitar as mais di-
versas formas de pensar a religião e a fé. A escolha é pessoal
e todo o ser humano tem este direito de escolher.

Referências

GAARDER, J.; HELLERN, V.; NOTAKER, H. O livro das


religiões. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

KUCHENBECKER, V. (coord.). O homem e o Sagrado. 5. ed.


Canoas: Ed. da ULBRA, 1998.

PIAZZA, W. O. Religiões da humanidade. 3. Ed. São Paulo:


Edições Loyola, 1996.

SMITH, H. As religiões do mundo. São Paulo: Cultrix, 1991.

WALKER, W. História da Igreja Cristã. 3. ed. Rio de Janeiro


e São Paulo: Juerpe e Aste, 1981.
148   Cultura Religiosa

Atividades

1) A presente questão diz respeito à história do Cristianismo.


Assinale a única alternativa que é VERDADEIRA.

a) No início do século I, a região do Mar mediterrâneo


estava dominada por Arianos e a religião hindu predo-
minava na Galileia.

b) De importância decisiva para a difusão do cristianismo


foi a conversão do fariseu Saulo (Paulo), por volta de
32 d.C.

c) O Cristianismo é a sexta maior religião do mundo em


termos numéricos, com cerca de meio bilhão de fiéis.

d) No Cristianismo Primitivo os cristãos adoravam os im-


peradores romanos como deuses e realizavam sacrifí-
cios de animais nas sinagogas judaicas. Isso era uma
estratégia para obter maior penetração e aceitação
entre as religiões pagãs do Império.

e) Os primeiros cristãos dedicaram sua vida ao ascetismo


e se afastaram de suas famílias, pois esse era o desejo
de Jesus.

2) Leia com atenção os enunciados abaixo e assinale as al-


ternativas cujas afirmativas sejam VERDADEIRAS no seu
conteúdo.

a) O advento do Espírito Santo sobre os apóstolos no dia


de Pentecostes judaico, isto é, 50 dias depois da Pás-
coa, marcou o início histórico do cristianismo.
Capítulo 6    Cristianismo – História e Expansão    149

b) Aos 33 anos, Jesus foi acusado de blasfêmia por um


tribunal religioso judaico. Sentenciado à morte por um
funcionário romano, Pôncio Pilatos, foi decapitado e
queimado publicamente nos arredores de Jerusalém.

c) Aos 33 anos, Jesus foi acusado de blasfêmia por um


tribunal religioso judaico. Sentenciado à morte por um
funcionário romano, Pôncio Pilatos, foi crucificado pu-
blicamente nos arredores de Jerusalém.

d) Uma vez ressuscitado, Jesus subiu ao céu e está à di-


reita do Pai. A expressão “subiu ao céu” significa estar
num lugar geograficamente definido, nas alturas.

e) O cristianismo herdou do judaísmo a crença na exis-


tência de vários Deuses (Politeísmo), criadores do Uni-
verso e que podem intervir sobre ele, conforme a von-
tade de cada um deles.

3) O tema da presente questão trata da história e expansão


do cristianismo. Apenas uma das alternativas abaixo pos-
sui um enunciado VERDADEIRO.

a) Natal: celebração da ressurreição de Jesus. O Cristia-


nismo tem vida a partir deste fato surpreendente.

b) Sexta-feira Santa lembra o sofrimento de Jesus. Porém,


ele morre no sábado e no domingo ele ressuscita.

c) Domingo de Páscoa: celebra a ressurreição de Jesus e


a vitória sobre a morte.
150   Cultura Religiosa

d) Ascensão de Jesus ao céu: acontece logo em seguida,


na segunda-feira. Por isso, algumas igrejas comemo-
ram a segunda de Páscoa.

e) Pentecostes: celebração do aparecimento do Espírito


Santo aos cristãos. Ocorre 10 dias após o Domingo
de Páscoa.

4) É possível entender a concepção de Jesus de uma forma


natural ou é um milagre de Deus? Justifique a questão.

5) Qual é a importância do cristianismo para a humanidade?


Paulo Gerhard
????????
Pietzsch1

Capítulo 7
?

A Mensagem Cristã – A
Bíblia e Atualidade 1

1 Paulo Gerhard Pietzsch é Doutor em Teologia pela Faculdade EST (2008) e atua
no Curso de Teologia da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) desde 1996.
152   Cultura Religiosa

Introdução

O presente capítulo tem por objetivo apresentar a mensagem


cristã contida na Bíblia Sagrada. Essa é considerada pelos cris-
tãos como a revelação de Deus aos seres humanos. A atuali-
dade da Bíblia será aqui exposta a partir de ensinos de Jesus, 
enfocados a partir das parábolas, do Sermão do Monte e da
oração do Pai Nosso, além do grande poema dedicado ao
AMOR, escrito pelo apóstolo Paulo.1 Perceberemos que esses
textos abordam temas atuais significativos para a vida coti-
diana.  Para aqueles que não são cristãos, pode ser um bom
momento para refletir sobre as práticas do dia a dia, visto que
os temas trabalhados são de caráter existencial e não apenas
religioso.

7.1 A Bíblia, o livro sagrado do


cristianismo

A palavra Bíblia significa conjunto de livros - o que ela, na


verdade, é. A Bíblia divide-se em dois grandes blocos, o Anti-
go Testamento (AT) e o Novo Testamento (NT). A palavra tes-
tamento lembra aliança ou acordo estabelecido entre Deus
e os seres humanos. No caso do AT, a aliança está ligada a
Abraão, que recebeu de Deus a promessa de que a partir de
sua descendência seria formada uma grande nação, de onde
mais tarde viria o Messias.  O AT também lembra a libertação

1 BÍBLIA SAGRADA, 1 Coríntios, capítulo 13.


Capítulo 7    A Mensagem Cristã – A Bíblia e Atualidade    153

da escravidão do Egito através do sangue do cordeiro, uma


prefiguração do que Jesus faria no NT, visto ser chamado de o
“cordeiro de Deus”.2

Quanto ao NT, é lembrado o cumprimento da promessa,


a saber, que o Messias veio na pessoa de Jesus, que ele salva
os homens da morte eterna com o derramar do seu sangue, o
sangue da nova aliança, e envia seus mensageiros ao mundo
para pregar seu evangelho. (JEREMIAS, 1997)

7.1.1 Antigo Testamento - Conteúdo


O AT é formado por 39 livros, foi escrito em hebraico e ara-
maico pelos profetas. Os textos foram escritos aproximada-
mente entre 1260 e 400 a.C. A sua disposição ou divisão
interna consta:

ÂÂLivros da Lei (Pentateuco ou Torah - cinco primeiros livros


da Bíblia);

ÂÂHistóricos - Josué até Ester;

ÂÂPoéticos - Jó até Cantares de Salomão;

ÂÂProfetas maiores - Isaías até Daniel;

ÂÂProfetas menores - Oseias até Malaquias.

Do conteúdo do AT destacam-se a criação do mundo em


seis dias, a queda em pecado pelos primeiros seres humanos,
a promessa da vinda do Messias, do Salvador. Os textos se-

2 Você pode conferir essa informação histórica na BÍBLIA SAGRADA, em Êxodo,


capítulo 12.
154   Cultura Religiosa

guem com a formação e história do Povo de Israel e as diver-


sas profecias sobre a vinda de Jesus - Gn 3.15; Gn 12.2; Is
7.14; Mq 5.2; Is 53.4-11; SI 16.10. (RAYMANN, 2011, p. 33)

7.1.2 Novo Testamento - Conteúdo


O Novo Testamento é formado por 27 livros, escritos em gre-
go pelos evangelistas e apóstolos entre 50 até 100 d.C. Do
conteúdo do NT destacam-se:

ÂÂOs quatro evangelhos que narram a vida, os ensinos,


os milagres, o sofrimento, a morte, a ressurreição e a
ascensão de Jesus;

ÂÂAtos dos Apóstolos: iniciando pela ascensão de Jesus,


narra o Pentecostes, formação da igreja cristã, seu de-
senvolvimento, suas atividades, e perseguições sofridas;

ÂÂCartas: Paulo (13), Pedro, Judas, Tiago, Hebreus, João;

ÂÂProfecia: Livro de Apocalipse - Revelação. (PRUNZEL,


2011)

7.1.3 Lei e Evangelho


O conteúdo teológico da Bíblia Sagrada, além dos diversos
livros e estilos literários, também pode ser dividido em duas
grandes doutrinas: Lei e Evangelho. Os dois termos são utiliza-
dos na Bíblia em sentido lato e estrito. Em sentido lato, qual-
quer um deles designa toda a revelação de Deus. No sentido
estrito e próprio, Lei é a lei dos mandamentos. Já o Evangelho
é a boa nova da salvação divina que é providenciada total-
Capítulo 7    A Mensagem Cristã – A Bíblia e Atualidade    155

mente por graça ao ser humano. O que Lei e Evangelho têm


em comum é que ambos são Palavras de Deus, ambos dizem
respeito a todos os seres humanos e ambos devem ser ensina-
dos lado a lado, para todas as pessoas, na igreja e fora dela.
Porém, são fundamentalmente distintos, devendo ser aplicados
cuidadosa e corretamente no trato com as pessoas, como ve-
remos no quadro a seguir.

Quadro 7.1  Lei e Evangelho - duas grandes doutrinas da Bíblia


Lei Evangelho

1) Ensina o que Deus exige em sua 1) Mostra o que Deus fez e ainda
lei e o que nós devemos fazer ou faz pela nossa salvação.
deixar de fazer.

2) Manifesta o nosso erro e pecado e 2) Manifesta o Salvador Jesus e a


aponta para a ira de Deus. graça de Deus.

3) Exige, ameaça e condena 3) Promete, dá e garante o


eternamente quem não cumpre os perdão de Deus, a vida plena
mandamentos. e a Salvação ao que crê em
Jesus.

4) Provoca a ira no homem e o afasta 4) Chama o ser humano e o atrai


de Deus. para Cristo, operando a fé.

5) Deve ser pregada aos impenitentes 5) Anuncia-se aos atemorizados


(aos que não reconhecem seu (aos que estão arrependidos e
pecado e não se arrependem). em busca do perdão de Deus).

6) A lei serve como freio (impedindo 6) O Evangelho é a boa nova


que o mal tome conta do mundo), da graça, do amor de Deus
espelho (revelando os erros em Cristo Jesus (João 3.16) e
humanos) e norma (mostrando ao motiva o cristão à prática das
ser humano como agir). ações que agradam.
156   Cultura Religiosa

7.2 A Bíblia e seus diferentes estilos


literários 

A Bíblia é um livro bastante diversificado no que tange aos seus


estilos literários. Nela se encontram narrativas, poesias, sal-
mos, cânticos, provérbios, literatura profética, literatura apo-
calíptica, cartas pessoais, cartas a igrejas, bem como estórias
que tratam de temas teológicos e existenciais. As parábolas
contadas por Jesus se inserem nesse último estilo. Descrevere-
mos algumas delas.

7.2.1 As parábolas
A divindade de Jesus é percebida pelos cristãos, não somente
por meio de suas curas e milagres, mas também por meio de
suas mensagens, consagradas nos quatro evangelhos. Entre
as mensagens de Jesus, o Cristo, sempre se dá um especial
destaque às parábolas. Essas foram usadas por Jesus para dar
um sentido às perguntas dos discípulos e demais seguidores,
utilizando-se de uma contextualização concreta capaz de ser
compreendida pelos seus interlocutores.

Há, nos evangelhos, cerca de 30 parábolas contadas por


Jesus e que estão relatadas nos chamados evangelhos sinóp-
ticos. Algumas das parábolas são encontradas nos três evan-
gelhos, outras em dois e outras em apenas um. Os títulos das
parábolas podem variar de acordo com as diferentes tradu-
ções da Bíblia. Dentre as parábolas podemos citar algumas:
Capítulo 7    A Mensagem Cristã – A Bíblia e Atualidade    157

7.2.2 Sermão: A verdadeira felicidade


Jesus Cristo foi reconhecido em seu tempo pelas inúmeras
mensagens que proferiu às multidões ou ao grupo mais restrito
dos seus discípulos. Um desses momentos tão significativos foi
o grandioso sermão da montanha, que em algumas traduções
da Bíblia aparece sob o título “As bem-aventuranças” ou “A
verdadeira felicidade”.3 A palavra “felizes” pode também ser
traduzida como “abençoados”, “afortunados” ou “bem-aven-
turados”. Jesus Cristo, ao proferir o seu Sermão da Montanha,
afirma que, aos olhos de Deus, o que importa não são as apa-
rências ou os valores estabelecidos pelas pessoas. O discurso
de Jesus aponta para alguns paradoxos: A verdadeira força,
riqueza, conforto e felicidade não estão nas coisas finitas e
perecíveis, mas em Deus, de quem recebemos a verdadeira
riqueza, a verdadeira força, perdão, consolo e felicidade.  Eis
porque Jesus afirma no Evangelho de Mateus, capítulo 5, vá-
rios paradoxos, tais como: “Felizes os que choram”, “Felizes os
pobres de espírito”, “Felizes os humildes” etc.4

Jesus mostra que, para receber a verdadeira felicidade,


misericórdia e perdão que só Deus pode dar, o ser humano
precisa esvaziar-se de todo o orgulho, autossuficiência e con-
fiança nas coisas finitas e passageiras. Sua total confiança e
dependência devem estar em Deus. 

3 BÍBLIA SAGRADA, com reflexões de Lutero. Mateus 5.


4 Confira na íntegra o texto do Sermão do Monte em sua Bíblia, no Evangelho de
Mateus, capítulos 5 e 6.
158   Cultura Religiosa

7.2.3 S
 ermão: A questão das Riquezas e da
Ansiedade
As riquezas materiais, o dinheiro e os bens devem estar a ser-
viço das pessoas, e não o contrário. Fazer das riquezas o obje-
tivo da sua vida pode resultar em frustrações, pois se a nossa
confiança for depositada em valores finitos e passageiros, só
poderemos viver em ansiedade diante do amanhã.

Jesus demonstra aos seus seguidores que a ansiedade dian-


te do futuro não ajuda em nada, ao contrário, faz com que as
pessoas deixem de viver o tempo presente. A ênfase está na
total confiança de que Deus não irá abandonar seus filhos e
filhas. O planejamento e o trabalho não são reprovados por
Jesus, mas sim a falta de confiança e de esperança em Deus.
Em outras palavras: as pessoas precisam planejar o seu futuro
e trabalhar para alcançar os seus objetivos sem esquecer que
é Deus quem dá a vida e tudo o que pertence a ela. É reco-
nhecer que Ele é quem abençoa o trabalho de nossas mãos e
dará os frutos no devido tempo, para o nosso bem. Tudo o que
for para o nosso bem, segundo as palavras de Jesus, Deus nos
concederá no tempo certo.

É por isso que Jesus insiste que não se pode servir a dois
senhores. Somente quando Deus estiver em primeiro plano na
vida das pessoas, tudo o que essas alcançarem sob a bênção
do Senhor será para a sua felicidade e bem-estar. 

No Sermão da Montanha, Jesus também aborda a questão


das riquezas e da ansiedade. Se você quiser ver na íntegra o
Capítulo 7    A Mensagem Cristã – A Bíblia e Atualidade    159

texto que trata da ansiedade e o apego às riquezas, confira o


que Jesus afirma no Evangelho de Mateus, capítulo 6.5

7.2.4 Prece: Jesus ensina a Orar


A oração é o meio e instrumento de comunicação da pessoa
com Deus. As pessoas são incentivadas na Bíblia a orar (rezar)
sempre: quando estão tristes, quando estão alegres, quando
estão doentes e quando estão saudáveis, na pobreza ou na
riqueza, quando se sentem fracas e quando estão fortalecidas.
A promessa de Jesus é de que a oração daquele que confia em
Deus jamais ficará sem resposta. É evidente que nem sempre
a resposta de Deus é exatamente aquela que nós esperamos,
mas de uma coisa podemos estar certos: Deus sempre dará
aos que Nele confiam o que for para o bem destes. Deus não
quer jamais nos dar coisas para o nosso mal. A sua resposta
para a nossa oração pode ser um vigoroso SIM; também pode
ser um ESPERA, sem nos abandonar, enquanto não recebemos
o que pedimos. Às vezes, quando o que pedimos poderá nos
fazer mal e nos levar para longe de Deus, ele, talvez, respon-
derá com um NÃO. No entanto, para quem confia Nele, a
negativa, normalmente, é substituída por algo melhor e que
será para o nosso bem. Então, não teremos um NÃO, mas
um RECEBE ISTO EM LUGAR DAQUILO QUE VOCÊ PEDIU.
(WARTH, 2002)

Quando os discípulos pediram a Jesus que os ensinasse


a orar, Jesus lhes apresentou a oração modelo, que contém

5 BÍBLIA SAGRADA, Evangelho de Mateus, capítulo 6.


160   Cultura Religiosa

tudo aquilo que as pessoas necessitam para a sua vida: A


Oração do PAI NOSSO. O Pai Nosso é evidentemente uma
oração, porém, mais do que isso, é uma singela forma de orar
(Lutero), tão singela que se distingue das formas eloquentes e
repetitivas, precisamente pela sua incrível simplicidade, pois
ela não quer apresentar fórmulas, mas apenas dizer o que o
suplicante espera. Há duas versões conhecidas do Pai Nosso.
Uma é utilizada comumente pelos evangélicos protestantes,
a outra é usada pelos católicos. O conteúdo é exatamente o
mesmo nas duas versões.  

A versão Protestante do Pai Nosso é mais


pessoal e informal.
Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome;
venha o teu reino; faça-se a tua vontade, assim na terra como
no céu; o pão nosso de cada dia dá-nos hoje; e perdoa-nos
as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos
devedores; e não nos deixes cair em tentação; mas livra-nos
do mal [pois teu é o reino, o poder e a glória para sempre.
Amém]!  (Tradução: Almeida Revista e Atualizada, ARA)6

A Versão Católica usa o “Plural Majestático”, ou seja,


o plural de majestade. O sentido da oração é o mesmo, só
muda a forma de tratamento, que é mais formal.

Pai nosso que estais no Céu, santificado seja o Vosso Nome,


venha a nós o Vosso reino, seja feita a Vossa vontade, assim
na terra como no Céu. O pão nosso de cada dia nos dai hoje;

6 BÍBLIA SAGRADA com reflexões de Lutero, Mateus 6.9-13.


Capítulo 7    A Mensagem Cristã – A Bíblia e Atualidade    161

perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a


quem nos tem ofendido, e não nos deixeis cair em tentação,
mas livrai-nos do mal. Amém.7

7.3 A Essência da mensagem Cristã

A mensagem cristã de um Deus que é clemente e misericordio-


so é, sem dúvida, uma mensagem especificamente bíblica. A
compaixão é o modo de ser de Deus, é a sua primeira reação
ante suas criaturas, é o que move e dirige suas ações.

Essa experiência da compaixão de Deus foi o ponto de


partida da pregação e atuação de Jesus Cristo, que o levou
a introduzir na história da humanidade um novo princípio de
atuação: a misericórdia.

A missão de Jesus foi (é) revelar o mistério do amor divino


incondicional em sua plenitude. Em consequência, o primeiro
passo da humanidade para aprender a misericórdia é fixar os
olhos em Jesus e em seu rosto misericordioso. Jesus ofereceu
e oferece sua amizade, sua companhia e seu perdão a todos
aqueles que se sentem perdidos no caminho da vida e não
encontram o caminho de regresso a Deus, o Pai. (OP, 2016,
p. 194)

A mensagem cristã enfatiza que encontrar-se com Jesus,


elevar-se até sua pessoa e projeto de salvação é buscar o
aconchego do Deus clemente e misericordioso.  No evangelho

7 http://www.vatican.va/archive/cathechism_po/index_new/p4s2_2759-2865_po.html
162   Cultura Religiosa

de João, capítulo 3.16, o próprio Jesus resume o conceito de


amor e misericórdia de Deus, ao afirmar: “Porque Deus amou
o mundo de tal maneira que deu o seu Filho único, para que
todo aquele que Nele crê não pereça (não morra), mas tenha
a vida eterna”. 8

Dentre os textos dos evangelhos, Lucas é o que melhor de-


senvolve este aspecto fundamental de Jesus como “rosto da
misericórdia de Deus”. (OP, 2016, p. 195) Jesus é apresentado
ao longo de todo o Evangelho de Lucas como o cumprimento
da salvação prometida por Deus Pai desde os mais remotos
tempos do Antigo Testamento.9 Essa salvação, de acordo com
o ensino bíblico, é recebida pelo ser humano por graça e pura
misericórdia da parte de Deus, e não por méritos próprios.10
A prática da misericórdia, de acordo com a mensagem cris-
tã, é reflexo do mesmo Deus de amor. Há diversas parábo-
las registradas nos evangelhos que refletem a misericórdia de
Deus para com toda a humanidade, sejam os pobres ou os
pecadores. Essa compaixão nasce no íntimo do coração de
Deus, e age em favor daqueles que se acham perdidos e de-
sesperados. Conhecer melhor algumas dessas parábolas nos
ajudará a ver mais de perto esse Deus que se importa com o
sofrimento humano, que perdoa sem limites e que não cessa

8 BÍBLIA SAGRADA, com reflexões de Lutero, Evangelho de João 3.16.


9 Você pode verificar as seguintes passagens bíblicas: Gênesis 3.15, Gênesis 12.1-
3, e várias outras referências proféticas.
10 BÍBLIA SAGRADA, com reflexões de Lutero, Carta aos Efésios 2.8: “Porque pela
graça sois salvos, mediante a fé, e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não de
obras, para que ninguém se glorie”.
Capítulo 7    A Mensagem Cristã – A Bíblia e Atualidade    163

o seu empenho de mostrar a dinâmica e a urgência da prática


da misericórdia. (OP, 2016, p. 194)

A essência da mensagem cristã, fundamentada na miseri-


córdia de Deus, faz parte do projeto de salvação e libertação
oferecida através de Jesus Cristo. Essa salvação, oferecida gra-
tuitamente ao ser humano, cumpriu-se perfeitamente através
da vida, sofrimento e morte de Jesus Cristo. E a confirmação
do “sucesso” de sua obra e aceitação por parte de Deus, o
Pai, se dá mediante a ressurreição de Jesus no dia da Páscoa.
O sofrimento de Jesus, a boa notícia de libertação e o dom da
vida renovada perpassam toda a esperança humana. Jesus é
reconhecido pelos cristãos como o “Ungido” pelo Espírito de
Deus para se ocupar de todos aqueles que sofrem. O cum-
primento dessa promessa de olhar com compaixão em favor
das pessoas que sofrem faz parte do seu próprio envio. Assim
como Cristo foi enviado para demonstrar compaixão e mise-
ricórdia pelos que estão em sofrimento, da mesma forma Ele
habilita e envia os que Nele creem a que também tenham um
coração voltado aos que sofrem, um coração piedoso e que
procurará exercitar a misericórdia e compaixão diariamente.

7.3.1 Hino ao amor cristão


Uma das mais belas passagens do Novo Testamento, que
apresenta o amor mais profundo e perfeito, é o texto de 1
Coríntios 13. O apóstolo Paulo faz referência ao grande amor
de Deus, o amor “Agape”, que se manifesta na total doação e
autossacrifício em favor do outro. É evidente que amor assim
só pode ter origem no próprio Deus. No entanto, esse amor
também fará com que os que creem em Deus, através da fé
164   Cultura Religiosa

em Jesus Cristo, também procurarão fundamentar as suas re-


lações humanas nesse princípio, e amar como Ele amou. Por
isso, a fim de demonstrar como é esse amor de Deus, revelado
na pessoa e obra de Jesus Cristo, transcrevemos o texto de 1
Coríntios 13:

1 Eu poderia falar todas as línguas que são faladas na


terra e até no céu, mas, se não tivesse amor, as minhas
palavras seriam como o som de um gongo ou como o
barulho de um sino. 2 Poderia ter o dom de anunciar
mensagens de Deus, ter todo o conhecimento, entender
todos os segredos e ter tanta fé, que até poderia tirar as
montanhas do seu lugar, mas, se não tivesse amor, eu
não seria nada. 3 Poderia dar tudo o que tenho e até
mesmo entregar o meu corpo para ser queimado, mas,
se eu não tivesse amor, isso não me adiantaria nada. 4
Quem ama é paciente e bondoso. Quem ama não é ciu-
mento, nem orgulhoso, nem vaidoso. 5 Quem ama não
é grosseiro nem egoísta; não fica irritado, nem guarda
mágoas. 6 Quem ama não fica alegre quando alguém
faz uma coisa errada, mas se alegra quando alguém faz
o que é certo. 7 Quem ama nunca desiste, porém supor-
ta tudo com fé, esperança e paciência. 8 O amor é eter-
no. Existem mensagens espirituais, porém elas durarão
pouco. Existe o dom de falar em línguas estranhas, mas
acabará logo. Existe o conhecimento, mas também ter-
minará. 13 Portanto, agora existem estas três coisas: a fé,
a esperança e o amor. Porém a maior delas é o amor.11

11 BÍBLIA SAGRADA NTLH. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2000.


Capítulo 7    A Mensagem Cristã – A Bíblia e Atualidade    165

7.4 Conclusão

O Deus de Jesus Cristo e, por consequência, do Cristianismo é


o Deus da misericórdia e da compaixão que se torna próximo
de todo ser humano que passa por necessidade e sofre. É um
Deus que pressupõe uma crítica a uma ordem social que esta-
belece normas e fronteiras de todo o tipo (tais como as distin-
ções étnicas, políticas, religiosas, econômicas e culturais, que
muitas vezes segregam os mais fracos e menos favorecidos)
para definir com quem se deve ser solidário e misericordioso.
A misericórdia de Deus liberta destas ataduras humanas e cria
um mundo novo de relações que dignificam o ser humano. A
misericórdia apregoada pelo Cristianismo pressupõe um amor
que “padece com”, que se movimenta e atua para modificar a
situação de sofrimento de tantos seres humanos. Jesus de Na-
zaré, com sua pessoa e ações, permite ao ser humano experi-
mentar ao Deus compassivo e misericordioso. Através de todas
as Escrituras, de forma particular através das parábolas, Deus
é apresentado ao ser humano como aquele que se preocupa
com os que sofrem e sai à procura dos perdidos e condenados
para incluí-los em seu Reino de amor.

A mensagem cristã é muito atual, pois toca em assuntos


de interesse de toda a humanidade, mesmo dos que não pro-
fessam a fé cristã. Temas como a preservação da vida, ecolo-
gia e sustentabilidade encontram nas escrituras apoio e fun-
damentação. A mensagem cristã é atual, especialmente para
um mundo que tanto carece de obras de misericórdia e amor.
Por isso, é oportuno que se diga que todos que seguem o
cristianismo em sua essência original viverão intensamente o
166   Cultura Religiosa

princípio da misericórdia em todas as suas ações em favor do


seu próximo.

Recapitulando

O Novo Testamento é rico em detalhes sobre a vida e obra de


Jesus Cristo e de tudo o que ele fez em favor da humanida-
de. As parábolas, bem como os ensinamentos do Sermão do
Monte e da Oração do Pai Nosso, aqui destacados, apontam
para a realidade do Reino de Deus e de seu amor para com
toda a humanidade. Jesus Cristo não apenas ensinou a respei-
to desse amor, mas ele próprio é a personificação do amor de
Deus. Cristo não apenas veio falar de uma mensagem, mas ele
próprio era a mensagem, que pode ser resumida nas palavras
“Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai,
senão por mim”. O centro da mensagem cristã fundamenta-
-se na misericórdia e na graça de Deus, que manifestou o seu
imenso amor através da pessoa e obra de Jesus para com a
humanidade perdida. A consequência desse perfeito amor de
Deus na vida daquelas pessoas que têm fé Nele é que também
estas terão suas vidas pautadas por atitudes cheias de amor.

REFERÊNCIAS

JEREMIAS, Joachim. As parábolas de Jesus. 8. ed. São Pau-


lo: Paulus, 1997.
Capítulo 7    A Mensagem Cristã – A Bíblia e Atualidade    167

KUCHENBECKER, Valter (Org.). O Homem e o Sagrado.


Canoas: Ed. Ulbra, 2005.

LUTERO, Martinho. Catecismo Menor. 13. ed. São Leopol-


do: Sinodal, 1995.

OP, Carmen Roman Martínez. El projeto de La misericórdia. In:


Teologia y mundo actual. Granada: Facultad de Teolo-
gía, 2016, n. 261.

WARTH, Martim Carlos. A ética de cada dia. Canoas: Ed.


ULBRA, 2002.

Atividades

1) A presente questão diz respeito ao Cristianismo. Assinale a


única alternativa que é VERDADEIRA.

a) Os ensinamentos do Cristianismo têm como fonte prin-


cipal a Bíblia Sagrada, composta pelo Antigo e Novo
Testamento. O Novo Testamento descreve o nascimen-
to de Jesus Cristo, seus ensinos e ministério, a sua pai-
xão, morte e ressurreição, bem como a expansão da
igreja cristã.

b) A Bíblia Sagrada é uma cópia fiel dos ensinos do Có-


digo de Hamurabi, o qual na sua obra máxima, cha-
mada de Lei e Evangelho, descreve os princípios bási-
cos dos valores éticos e morais.
168   Cultura Religiosa

c) Jesus proclamou ao povo de seu tempo que se tor-


naria um líder político e religioso, o rei de Israel, que
haveria de cumprir as aspirações nacionalistas e revo-
lucionárias dos judeus, expulsando o governo romano
que dominava a Judeia e a Palestina.

d) O Cristianismo é a terceira maior religião do mundo


em termos numéricos, com cerca de 1 bilhão de fiéis,
perdendo apenas para o Islamismo (2 bilhões) e Hin-
duísmo (1,5 bilhão). Ela não cresce mais em função de
ser uma religião étnica, voltada para um povo escolhi-
do.

e) No Cristianismo Primitivo os cristãos adoravam os im-


peradores romanos como deuses e realizavam sacrifí-
cios de animais nas sinagogas judaicas. Isso era uma
estratégia para obter maior penetração e aceitação
entre as religiões pagãs do Império.

2) Leia com atenção os enunciados abaixo e assinale as al-


ternativas cujas afirmativas sejam VERDADEIRAS no seu
conteúdo.

a) (  ) Toda a forma de amor-próprio, mesmo sendo ba-


seada no amor de Deus pelo ser humano, deve ser
rejeitada pelo cristão, afinal a Bíblia diz para “o indi-
víduo negar a si mesmo” e viver somente para fazer o
bem ao outro.

b) (  ) Pesquisa sobre Bioética, área da ética que trata


de questões ligadas à vida, é tarefa única da ciência
médica, não devendo ser refletida por outras ciências
Capítulo 7    A Mensagem Cristã – A Bíblia e Atualidade    169

como a filosofia, teologia e psicologia, que nada têm


a contribuir nesta reflexão.

c) (  ) A correta dimensão do cuidado deve envolver des-


de o próprio indivíduo, a sua família, os seus amigos,
o seu próximo, entre outros, englobando inclusive um
cuidado com a natureza e o mundo, vistos como cria-
ção de Deus.

d) (  ) O cristianismo opõe-se às pesquisas que respei-


tam a vida humana e que desenvolvem práticas de
proteção ao bem-estar físico e mental do indivíduo,
fundamentado nos ensinamentos e práticas de Jesus
Cristo.

e) (  ) O cristianismo, como as demais religiões, enfatiza


a vida espiritual dos indivíduos. Isso desobriga seus
adeptos da preocupação com aspectos ligados ao so-
frimento físico, mental, afetivo ou mesmo econômico
das pessoas, por ser ela uma tarefa do Estado.

3) O tema da presente questão trata da mensagem cristã.


Apenas uma das alternativas abaixo possui um enunciado
VERDADEIRO.

a) Ao abordar a questão das riquezas, Jesus dá garantia


aos cristãos de que eles jamais passarão por dificul-
dades financeiras, tentações ou problemas de saúde,
pois estes possuem o “corpo fechado”.

b) O Cristianismo acredita que o ser humano alcança por


méritos próprios a salvação eterna através das suas
ações e uma vida religiosa perfeita, pois é capaz de
170   Cultura Religiosa

cumprir perfeitamente os 10 Mandamentos instituídos


por Abraão.

c) A parábola do Bom samaritano ensina que o cristão


está obrigado a ajudar as pessoas em suas necessida-
des, para evoluir espiritualmente e assim alcançar por
méritos um lugar junto a Deus no céu.

d) As parábolas de Jesus tratam apenas de temas teológi-


cos menos importantes, ensinando a respeito das leis e
obrigações das pessoas para com o Estado Romano,
Judaico e Árabe.

e) A parábola do Filho Pródigo ensina que Deus está


sempre pronto a receber de volta os que se arrepen-
dem verdadeiramente dos seus erros e buscam o seu
perdão, como um Pai amoroso.

4) De que maneira você poderia resumir o conteúdo da men-


sagem cristã. Defina os conceitos “misericórdia” e “amor”.

5) Explique com as suas palavras os paradoxos (Felizes os


que choram; Felizes os pobres etc.) referidos por Jesus
Cristo no Sermão do Monte.
Bruno Ronaldo Muller1

Capítulo 8

Lutero e as Reformas
Religiosas do Sec. XVI 1

1 Mestre em Teologia, com ênfase em Teologia Prática, pela Escola Superior de


Teologia (EST). Bacharel em Teologia pela Escola Superior de Teologia do Seminá-
rio Concórdia. Professor da Disciplina de Cultura Religiosa desde 1989.
172   Cultura Religiosa

Introdução

As reformas religiosas do século XVI são um marco histórico no


mundo ocidental. Popularmente dizendo, a Europa nunca mais
seria a mesma após os eventos que sucederam o dia 31 de
outubro de 1517, data em que as 95 teses foram afixadas na
porta da Catedral de Wittenberg. De acordo com os historia-
dores, as Reformas Protestantes, lideradas principalmente por
Martinho Lutero, Zwinglio, Calvino e Henrique VIII provocaram
mudanças não só no campo religioso, mas também impacto
significativo no cenário político, econômico, social, cultural e
educacional dos diversos países europeus.

Este capítulo se ocupará nas próximas páginas dessas refor-


mas e a consequente reação da Igreja Católica, com o Movi-
mento da Contra Reforma Católica. O estudo dos movimentos
reformistas dará destaque à questão teológica da redescober-
ta do Deus amoroso e perdoador, que substitui o Deus punitivo
e vingador proclamado pela igreja da Idade Média. “O Justo
viverá por fé” (Rm 1.17), lema da Reforma Protestante, ressalta
a ideia da salvação gratuita ofertada por Deus à humanidade,
sendo esse o grande legado teológico para o mundo cristão
Pós-Reforma.

Dar-se-á realce também à educação, tão preciosa para


Lutero, infelizmente não com a profundidade e amplitude que
o assunto merece. A exposição tentará evidenciar a visão ino-
vadora de seus escritos e exortações ao Estado e aos pais,
encarecendo-lhes a importância da escola e a educação dos
filhos como uma necessidade inadiável para que o mundo e a
igreja alcancem dias melhores.
Capítulo 8    Lutero e as Reformas Religiosas do Sec. XVI    173

8.1 Lutero e a Reforma

Segundo J. H. dos Santos em sua tese de doutorado, sob o títu-


lo Entre Deus e o diabo – a imagem de Martinho Lutero nos sé-
culos XVI e XVII, da Universidade Federal de Juiz de Fora (p.1),
Lutero é visto como um dos mais importantes personagens da
História, uma imagem construída a partir do nascimento e afir-
mação da Reforma Protestante.

Martinho (Martim Luther) Lutero foi o segundo filho de Hans


Luther com Margaret Ziegler e nasceu em 10 de novembro de
1483, na cidade de Eisleben, na Saxônia. Sua família não era
abastada, pelo contrário. Dos primeiros anos escolares até a
aptidão para o ingresso na Faculdade de Direito, um sonho
acalentado pelo pai, para uma vida melhor, foram grandes
as dificuldades e privações, tanto familiares quanto escolares,
pautadas por padrões de severidade, próprios da época.

Em 1501 Lutero ingressou na Universidade de Erfurt. Ob-


teve ali os graus de Bacharel (1502) e Mestre em Arte (1505).
A continuação dos estudos acabou interrompida em julho do
mesmo ano, quando foi abalado por dois acontecimentos: a
morte repentina de um amigo e o fato de quase ser atingido
por um raio. Aliado ao pavor da morte, Lutero abandona a
carreira do Direito e torna-se um monge da ordem agostinia-
na, deixando transparecer um sentimento de medo pelo casti-
go associado à culpa. Essa ideia, aliás, não era exclusividade
de Lutero. O forte sentimento de culpa, por causa do pecado
e o medo da condenação, era muito comum na época.
174   Cultura Religiosa

Escolheu o Monastério Agostiniano por julgá-lo o mais rí-


gido. Levava vida austera, esforçando-se por meio de jejuns,
vigílias e penitências para reprimir e dominar os atos e pensa-
mentos pecaminosos, dos quais a vida monástica não o liber-
tava. Não recuava diante sacrifício algum pelo qual pudesse
atingir a pureza de coração que o habilitaria a ficar aprovado
perante Deus. Seguindo a tradição dos monges agostinianos,
Lutero destacou-se na vida monástica, sendo ordenado sacer-
dote em 1507, quando rezou sua primeira missa.

A entrada na vida monástica, no entanto, não foi suficiente


para acalmar Lutero e nem lhe trazer a desejada paz interior.
Vivia cercado de dúvidas e angústias, que não eram aplacadas
pelas penitências diárias. Sentia-se pecador e culpado diante
de um Deus severo, punitivo e vingador. Quando pareceu a
Lutero que tudo estava perdido, pôde contar com um bom ami-
go e conselheiro. O vigário da Ordem, Johann Von Staupitz,
orientou Lutero a que não olhasse apenas para sua pessoa e
seu merecido castigo, mas olhasse para Jesus, seu Salvador.

Em busca da paz que tanto almejava e por indicação de


Staupitz, que lhe reconhecia erudição e inteligência incomuns,
Lutero foi designado professor na Universidade de Wittenberg
(1508), onde se bacharelou em Teologia em 1509 e doutora-
do em 1512.

8.1.1 Visita a Roma


Em 1511, então com 28 anos, destacado entre seus compa-
nheiros, foi enviado em missão diplomática a Roma, levando
petições da sua Ordem. A corrupção, imoralidades e o des-
Capítulo 8    Lutero e as Reformas Religiosas do Sec. XVI    175

respeito do clero e da cúpula da igreja para com as coisas


sagradas causaram nele uma profunda decepção. Lutero ficou
profundamente entristecido e desiludido por tudo que viu em
Roma. Essa viagem lhe daria elementos e autoridade para fa-
lar contra os abusos da igreja, pois dizia: “falo do que vi”.

Lutero volta a Wittenberg e passa a lecionar na Faculdade


de Teologia, sem abandonar sua busca por um Deus que lhe
desse a paz tão desejada. Na universidade, ao proferir suas
conferências sobre os Salmos (1513-1515), Lutero se conven-
ce de que a salvação em Cristo possibilita uma nova relação
com Deus, fundamentada na absoluta confiança nas promes-
sas divinas. No final de 1516, ao preparar sua preleção so-
bre o livro bíblico de Romanos, detém-se na palavra: “o justo
viverá por fé”. Era a chave que lhe faltava. Passou a defender
que a salvação é dádiva divina, presenteada gratuitamente,
em amor, pelo próprio Deus, através da pessoa de Jesus Cristo
e sua obra na cruz. Era o achado teológico da salvação ou
justificação pela fé, independentemente das obras.

Esse entendimento conflitava com uma prática que se insti-


tuiu na igreja: a venda de indulgências para garantir o perdão
e salvação eterna a quem a comprava. Lutero não era contra
a ideia das indulgências, muito embora suas 95 Teses (1517)
tenham tido como alvo exatamente as indulgências. A indul-
gência contra a qual Lutero se rebelava havia sido promulgada
em 1506 e renovada em 1517. As somas recolhidas estavam
destinadas a financiar a construção da basílica de São Pedro,
em Roma.
176   Cultura Religiosa

O documento de Lutero, tornado público em 31 de outu-


bro de 1517, tinha como foco as questões doutrinais e reli-
giosas, onde as indulgências acabaram sendo a gota d'água.
Lutero propunha uma reforma nos costumes da igreja e um
retorno às Sagradas Escrituras, em especial, no que dizia res-
peito à salvação. A reação às 95 teses foi tão imediata que em
pouco tempo o debate já circulava por boa parte da Europa.
Ainda que não imaginasse tanto, já que pretendia que ela fos-
se uma discussão acadêmico-teológica, estava demarcada a
deflagração do conflito que alcançaria a história do mundo
ocidental.

8.1.2 A reação da Igreja


As afirmações de Lutero encontraram terreno fértil para que
as disputas se ampliassem. Alguns não apenas o defendiam
como também se admiravam que alguém desconhecido tives-
se ousadia para enfrentar a igreja. Já outros o condenavam,
irritando-se com sua pretensão de sugerir mudanças na igreja.
João Eck, professor universitário, atacou Lutero, que respon-
deu, conforme registro na sua obra Pelo Evangelho de Cristo
(p. 52): “Meu querido Eck está indignado, está cheio de raiva
e acusações contra mim”.

Para a Igreja Católica Romana, Lutero foi um sedicioso,


por cuja culpa grande parte do ocidente se afastou do reto e
único caminho, enquanto para quem o defendia, Lutero foi um
iluminado pela fé, escreve J. H. Santos op. cit. (p. 2). Ricardo
Garcia Villoslada, um dos mais ácidos críticos de Lutero e da
Reforma, em: Lutero visto por los historiadores católicos del
Capítulo 8    Lutero e as Reformas Religiosas do Sec. XVI    177

siglo XX. Madrid, 1990, p. 4, ao se referir à imagem de Lutero,


diz: em momentos parece um anjo e em outros um demônio.

Entre seus oponentes figura, como exemplo, a pessoa do


frade dominicano João Tetzel, um grande inquisidor e extraor-
dinário vendedor de indulgências. Seus inimigos declaravam
enfaticamente: “ele é um herege”! A situação de conflito esta-
va assim deflagrada, sem aparente solução.

Opositores encaminham a Roma denúncias contra Lutero.


A partir desse fato, os acontecimentos que levaram à Reforma
se precipitam. Intimado pelo papa Leão X a comparecer em
Roma, a fim de responder pela acusação de heresia, Lutero
é protegido pelo príncipe-eleitor Frederico, o Sábio, que con-
segue trazer a audiência para a Alemanha, em Augsburgo,
como forma de protegê-lo de uma iminente condenação e
excomunhão, ou algo ainda pior.

Instado a retratar-se, Lutero apela a instâncias superiores.


Sucedem-se outros encontros, sendo que as discussões tornam
claro que as posições defendidas pelos dois lados são cada
vez mais contrárias. Por fim, é solicitada a Roma uma bula
condenatória contra Lutero, publicada em junho de 1520. A
bula concede-lhe 60 dias para a retratação.

Nesse mesmo ano, e em meio às discussões que conti-


nuavam, Lutero produziu o escrito À nobreza cristã da nação
alemã, sugerindo que o poder temporal devesse assumir suas
responsabilidades sociais e políticas. Ainda publicaria mais
duas obras que provocariam um aprofundamento nas diferen-
ças. A do Cativeiro Babilônico da Igreja, onde ataca diversos
ensinamentos da igreja. A segunda: Sobre a liberdade cristã,
178   Cultura Religiosa

enfatizando que o cristão é o mais livre de todos, não estando


sujeito a ninguém, mas ao mesmo tempo o mais devoto servo
de todos, e a todos está sujeito, pelo amor.

Sem a retratação, em janeiro de 1521, é publicado o de-


creto da excomunhão de Lutero. Estava posto para fora da
Igreja Católica Apostólica Romana, perdendo todos os seus di-
reitos religiosos, inclusive os sacerdotais. O império precisava
confirmar a excomunhão, cassando os direitos civis e políticos
de Lutero. Para tratar do assunto, foi convocada, na Alema-
nha, a Dieta de Worms, ainda no mesmo ano.

Nessa assembleia Lutero faz a defesa de seus escritos e


ensinos fundamentados nas Escrituras Sagradas, dizendo ao
final: “a menos que seja convencido pela Palavra de Deus que
meus ensinos e escritos sejam falsos e danosos à fé cristã, não
posso e não quero me retratar”, (op. cit, p. 149). Sem acerto,
Carlos V, recentemente eleito imperador, confirma a excomu-
nhão em maio de 1521. Lutero era agora considerado um
fora da lei, um criminoso. 

Temerosos pela vida de Lutero, alguns de seus amigos o


“sequestram” e conduzem-no ao castelo de Wartburgo, onde
fica sob a proteção de Frederico. Nos dez meses de reclusão,
produziu inúmeros escritos teológicos. A sua maior obra foi,
sem dúvida, a tradução do Novo Testamento para a língua
alemã, fato que contribuiu para a afirmação da língua alemã
e também para a socialização dos conhecimentos bíblicos ao
povo alemão, visto que só o clero tinha acesso à Bíblia.

Considerado como desaparecido, a ausência de Lutero


desencadeou muita confusão. Radicais e fanáticos acabaram
Capítulo 8    Lutero e as Reformas Religiosas do Sec. XVI    179

agindo com grande falta de sensibilidade e apreço pelas prá-


ticas corretas da igreja na condução das reformas. De outro
lado, seus opositores regozijavam-se com o sumiço de Lutero
entendendo que o movimento reformista morrera com ele. A
volta se impunha como necessária para acalmar os ânimos
exaltados e revoltas sociais que se instalaram.

Embora a interdição contra Lutero nunca tenha sido sus-


pensa, ela também não se cumpriu. A razão maior encontra-se
na ausência de um poder central forte, o que permitiu que as
reformas religiosas pretendidas fossem aos poucos se conso-
lidando.

Até 1524, as reformas prosseguiram sem maiores desas-


sossegos. É a partir dessa data que principiam as divisões. Os
humanistas, liderados por Erasmo de Roterdã, separam-se de
Lutero. Radicais espiritualistas pregavam a necessidade da
experiência religiosa. Outros radicais, os sociais, desejavam
reformas mais rápidas e desencadearam a guerra dos Cam-
poneses. Essa revolta foi incitada por algumas lideranças que
atuaram durante a ausência de Lutero propondo uma socieda-
de sem diferenças entre ricos e pobres, colocando as massas
camponesas contra a nobreza. Uma guerra que ceifou a vida
de milhares e milhares de pessoas, camponeses na maioria.

Em meio a todas as discussões e situações que ocorriam,


Lutero, aos 42 anos, surpreende ao casar-se, em junho de
1525, com Catarina Von Bora, uma ex-freira, com 26 anos.

As tentativas de aplicação da interdição de Lutero acaba-


ram não tendo êxito. Em 1526, uma abertura maior nas dis-
cussões introduziu um adendo ao texto original da Dieta de
180   Cultura Religiosa

Worms, que havia dado aos príncipes a responsabilidade pela


escolha da religião a ser seguida em sua área administrativa.
Em 1529, um novo encontro restringe essa resolução e quer
fazer a situação voltar ao que era antes. Os príncipes luteranos
reagiram através de um documento, no qual começavam suas
afirmações sempre com a palavra “protestamos”. Isso passou
a identificar como protestantes todos os que se opunham à
Igreja Católica Apostólica Romana. 

Durante a Dieta de Augsburgo (1530), convocada original-


mente por Carlos V, para estabelecer os parâmetros de defesa
do império contra a invasão dos turcos otomanos, os príncipes
“protestantes” aproveitaram-se da situação para entregar uma
declaração de fé em defesa de Lutero e seus seguidores, suas
novas práticas, seus ensinos, suas crenças e doutrinas, conhe-
cida como Confissão de Augsburgo.

Em vista da necessidade de ter ao seu lado todas as for-


ças militares disponíveis, inclusive as dos príncipes protestan-
tes, Carlos V firmou a Paz de Nuremberg,  assegurando a
liberdade religiosa aos príncipes e suas cidades que haviam
assinado o documento, mas impedindo que outros príncipes
adotassem a Reforma em seus territórios. Era 25 de junho de
1530.

Somente em 1555, a controvérsia sobre a liberdade reli-


giosa chega ao fim, através da conhecida Paz de Augsbur-
go, ainda sob Carlos V. A Paz de Augsburgo concede direitos
iguais tanto a católicos quanto a protestantes, mas enfatiza
que a responsabilidade da escolha religiosa era prerrogativa
Capítulo 8    Lutero e as Reformas Religiosas do Sec. XVI    181

dos príncipes. Ao súdito que não concordasse com seu prín-


cipe, restava-lhe apenas a emigração para outro principado.

8.1.3 A morte de Lutero


Aos 62 anos, em fevereiro de 1546, Lutero falece em Eisleben,
onde nascera. Apesar da morte de Lutero o processo da Refor-
ma já estava consolidado e teve sua continuidade mesmo sem
a presença do reformador.

8.2 Outras reformas na Europa

As principais denominações protestantes que surgiram da Re-


forma foram a Igreja de tradição luterana e a Igreja de tradi-
ção reformada. Os escritos e doutrinas do movimento refor-
mista de Lutero e dos alicerces que deram origem à tradição
cristã luterana estendiam-se a todas as nações da cristandade.
A obra espalhou-se e por essa razão faz-se necessário relatar,
ainda que rapidamente, as reformas, de tradição cristã refor-
mada, que se sucederam.

8.2.1 Igrejas cristãs de tradição reformada


Lutero, Ulrico Zwínglio (1484 – 1531) e João Calvino
(1509-1564) integraram a primeira geração de reformado-
res. Paralelamente ao movimento da Reforma na Alemanha
ocorreram movimentos semelhantes na Suíça, França, Escócia,
liderados por Zwínglio e Calvino, que o sucedeu.
182   Cultura Religiosa

8.2.1.1 Zwínglio
Zwínglio desenvolveu seus estudos acadêmicos na Basileia,
onde obteve o grau de Mestre em Artes. Fortemente influen-
ciado por um de seus professores que se voltara contra as
indulgências, ensinava que a única autoridade nos assuntos
da Igreja é a Sagrada Escritura e que o perdão dos pecados
se encontra em Cristo. Foi ele quem deu início ao movimento
da Reforma na Suíça.  

O contato com as ideias luteranas o levou a uma experi-


ência de conversão e ruptura com o catolicismo. Em 1525, a
Reforma se completou em Zurich com a supressão da missa.
O ensino de Zwínglio, de que a última palavra pertencia à
comunidade cristã, que exerceria sua ação com base na auto-
ridade da Bíblia, frutificou na Reforma suíça, com a decisão de
cada cantão escolher sua religião.

Após a morte de Zwínglio, seu sucessor, João Calvino


(1509-1564), liderou o movimento, ao qual emprestou seu
nome (Calvinismo) até 1561, quando os seus seguidores pas-
saram a ser identificados como “reformados”. 

8.2.1.2 Calvino
Calvino, que já fora integrante do clero romano sem ser orde-
nado sacerdote, depois do seu afastamento passou a adotar
as ideias da Reforma e começou a ser visto como importante
líder do movimento reformista na França e na Suíça. A pu-
blicação da obra “Institutas da Religião Cristã” tornou-se um
clássico e referência do sistema de doutrinas adotado pelas
Igrejas Reformadas.
Capítulo 8    Lutero e as Reformas Religiosas do Sec. XVI    183

Entre 1538 e 1541, Calvino pastoreou refugiados france-


ses huguenotes fugidos de perseguição religiosa católica em
Estrasburgo. A maior contribuição de Calvino à fé reformada
foram as suas Institutas, aceitas como expressão acabada da
teologia reformada. Nessa obra, ele pôs os fundamentos de
duas ênfases reformadas: a importância da doutrina e a cen-
tralidade de Deus na teologia cristã.

Sob sua liderança, Genebra tornou-se uma inspiração e


um modelo para os de fé reformada de outros lugares e um
refúgio para os perseguidos por causa de sua fé. Calvino tam-
bém influenciou o avanço da democracia, porque aceitou o
princípio representativo da direção da Igreja e do Estado. Ele
entendia que a Igreja e o Estado foram criados por Deus para
o bem do ser humano e que, portanto, deviam, ambos, coo-
perar para o progresso do Cristianismo.

8.2.1.3 Anglicana – (Henrique VIII)


Desde o século XII estava se formando, na Inglaterra, uma
igreja estatal e nacional, com a tendência de eliminar a influ-
ência romana em sua vida.

Sob o rei Eduardo III, o Parlamento chegou a proibir o pa-


gamento do imposto cobrado pela Santa Sé. A Igreja inglesa
ainda que unida a Roma, mantinha independência quase total.

John Wycliff (1328-1384), sacerdote, estimado professor


de teologia e filosofia em Oxford, não só aprovou as deci-
sões de independência frente à Igreja Romana, mas foi muito
além: desejava uma verdadeira reforma. Em pleno século XVI,
184   Cultura Religiosa

a memória e os legados de Wycliff ainda permaneciam vivos


na Inglaterra.

Henrique VIII subiu no trono inglês em 1509. Como ca-


tólico devoto não simpatizava com Lutero. Em 1521, ano em
que Lutero foi excomungado, Henrique defendeu o catolicismo
das acusações do reformador, em um livro que escreveu com
a ajuda de Thomas More, intitulado “A Defesa dos Sete Sacra-
mentos”. Por essa obra literária, ele foi premiado com o título
de “Defensor da Fé” pelo Papa Leão X. 

Apesar do título e de sua devoção à fé católica, Rei Henri-


que VIII, ao solicitar a anulação de seu casamento com Cata-
rina de Aragão, teve seu pedido negado pelo Papa Clemente
VII. Em razão da recusa, Henrique tomou a decisão de pro-
clamar-se chefe supremo da Igreja da Inglaterra e, por razões
de ordem pessoal e política, provocou o rompimento entre a
Inglaterra e a Igreja Romana. 

O espírito nacionalista da época e os movimentos refor-


mistas de outras nações, além do pedido de anulação de seu
casamento com Catarina, negado pelo Papa, precipitaram a
Reforma da Igreja na Inglaterra.

Henrique VIII morreu em 1547. Após a sua morte, sob o


reinado de Eduardo VI (1547 – 1553) e Isabel (1558 – 1603),
que promoveu a volta do protestantismo, não tanto por convic-
ção pessoal, mas por razões de Estado. Quando o Parlamento
aprovou o “Acto de Supremacia”, que declarava a rainha Isa-
bel governante suprema em assuntos temporais e espirituais
da Inglaterra, tratou de formar uma igreja nacional indepen-
dente, incorporando todas as correntes teológicas. Pois o seu
Capítulo 8    Lutero e as Reformas Religiosas do Sec. XVI    185

ideal era uma igreja uniforme num reino unido, porém, com
liberdade de opinião, nem católica, nem protestante de linha
extremada. Segundo Isabel, a Igreja na Inglaterra não deveria
ser nem luterana, nem reformada, nem católica, mas sim An-
glicana. 

A consolidação da obra reformista de Henrique VIII garan-


tiu a independência de Roma. Ainda que mantivesse elementos
da Igreja Romana, como a hierarquia do catolicismo e um
culto de aparência católica, no plano doutrinário, no entanto,
aproximou-se mais do protestantismo, adotando dois sacra-
mentos, batismo e eucaristia e concordando com a salvação
pela fé.

8.3 A Reforma Católica – A Contra Reforma

A Contra Reforma, também conhecida por Reforma Católica,


é o nome dado ao movimento que surgiu na Igreja Católica e
que, segundo alguns autores, teria sido uma resposta à Refor-
ma Protestante. Em 1545, a Igreja Católica Romana convocou
o Concílio de Trento que, em três fases distintas, estendeu-se
até o ano de 1563.  

O grande movimento da Reforma, que espalhou as ideias


do protestantismo pela Europa, exigia igualmente uma respos-
ta equivalente da Igreja Romana para recuperar-se do duro
golpe que a fez perder o status de igreja única do Cristianismo. 

Fica claro que a ação da Igreja Católica não se constituiu


simplesmente num grande movimento religioso que se pro-
186   Cultura Religiosa

punha a reagir e combater a Reforma protestante. O fato é


que os movimentos reformistas, nos diversos países da Europa,
causaram uma ruptura e dividiram os cristãos entre católicos
e protestantes. A inquietação existia dos dois lados. Também
entre católicos havia muitas pessoas sinceras e que pleiteavam
por uma reforma na sua igreja. Por isso, as decisões emanadas
do Concílio de Trento, convocado pelo papa Paulo III, tiveram
como objetivo apurar as causas e colocar um fim nos abusos,
que originaram e motivaram os movimentos reformistas pro-
testantes.

Paulo III, pelos seus atos e decretos, parecia entender a ne-


cessidade da Reforma na Igreja Romana, porque foi ele quem
autorizou a criação da Ordem dos Jesuítas em 1540, esta-
beleceu a inquisição Romana em 1542 e promulgou a bula
de 1544 convocando o Concílio de Trento. Paulo III queria
discutir a doutrina da Igreja de Roma, a reforma dos abusos
clericais e a possibilidade de uma cruzada contra os infiéis. 

Do ponto de vista da moralidade, o Concílio fortaleceu e


trouxe novo ânimo à Igreja Romana, mas, do ponto de vista
doutrinário, o resultado deste Concílio pode ser considerado
como uma reforma conservadora pelas posições assumidas e
proclamadas ao final do conclave. Concluíram que não só a
Bíblia, mas também os escritos da tradição da igreja constitu-
íam a fonte e autoridade para os fiéis. A discussão a respeito
da justificação pela fé concluiu que a pessoa é justificada
pela fé e também pelos méritos de suas obras subsequentes,
diferente dos protestantes que defendiam a salvação apenas
pela fé.
Capítulo 8    Lutero e as Reformas Religiosas do Sec. XVI    187

Esse concílio também estabeleceu, entre outras medidas, a


retomada do Tribunal do Santo Ofício (Santa Inquisição), que
tinha como objetivo vigiar e punir aqueles que não estivessem
seguindo a doutrina católica. Também foi criado o Index Libro-
rum Prohibitorum (Índice de Livros Proibidos), com uma relação
de livros proibidos pela Igreja, por serem contrários aos dog-
mas e ideias defendidas pela igreja. Foi dado grande incentivo
à catequese dos povos do Novo Mundo, com a criação de
novas ordens religiosas, dentre elas a Companhia de Jesus, os
jesuítas, enviados como missionários catequistas, para trans-
formar os nativos em novos católicos. Outras medidas inclu-
íram a reafirmação da autoridade papal, a manutenção do
celibato clerical, a reforma das ordens religiosas, a edição do
catecismo tridentino, reformas e instituições de seminários e
universidades, a supressão de abusos envolvendo indulgências
e a adoção da Vulgata como tradução oficial da Bíblia.

8.4 Reforma e Educação

Para discorrer sobre a importância da educação para Lutero,


é necessário contextualizar esse tema dentro do processo da
Reforma Protestante. Junto com as críticas em prol da reforma
da Igreja, Lutero faz propostas para uma reforma da educação
escolar de sua época, pois, segundo ele, “quando a escola
progride, tudo progride”. Por isso é necessário uma volta ao
passado – buscar as raízes, compreender o presente e vislum-
brar a caminhada futura.
188   Cultura Religiosa

8.4.1 O passado
Em 1517, acontecimentos já vistos no Capítulo anterior, os
fatos foram sendo desencadeados à medida que as discussões
ocorriam. Em escrito de 1520, Sobre as boas obras, Lutero
define o novo rumo do agir humano. O presente divino aco-
lhido pela fé provoca uma reação de agradecimento a quem
presenteou e aos outros presenteados.

Em outro escrito, no mesmo ano, À Nobreza cristã da na-


ção alemã sobre a Reforma da cristandade, Lutero propõe uma
ação de todos independente dos papéis que desempenham.
Sejam príncipes, senhores, artesãos, camponeses ou clérigos,
todos têm suas responsabilidades. Todos estão no mesmo bar-
co e na mesma direção: agem por agradecimento, como bem
conclui Almir Schulz no texto: A relação Universidade e Refor-
ma Protestante: Concepções Sobre a Relação e a Influência
(p. 126): “Para Lutero, a educação é o meio de responder à
graça de Deus e é vista como uma ordem divina” e uma ação
de amor.

Cabe à educação, nos diferentes níveis, um papel de rele-


vância. Orientar as consciências, para que as pessoas saibam
como se conduzir, é tarefa que cabe não somente aos religio-
sos, mas também às autoridades e aos pais.

Na medida em que se aprofundam as diferenças entre Lu-


tero, seus seguidores e a Igreja, também seus escritos com re-
ferência à educação vão se tornando mais específicos. Como
diz Luciane Barbosa no artigo: As concepções educacionais de
Martinho Lutero (p. 163): “Aparecem então propostas de Lute-
ro em defesa da reforma do ensino secundário e da universi-
Capítulo 8    Lutero e as Reformas Religiosas do Sec. XVI    189

dade e da criação de escolas de educação elementar que atin-


jam toda a população”. Também em carta aberta Aos prefeitos
das cidades alemãs, escrita em 1524 e o sermão de 1530, ele
propõe uma educação escolar cristã que apresente uma nova
organização em relação a: currículos, métodos, professores,
formas de financiamento e manutenção das escolas.

Walter Altmann, em “Lutero e libertação” (p. 206), diz que


“os esforços e as propostas de Lutero tiveram uma influência
histórica extraordinária na área da educação, tanto no interior
da tradição luterana quanto além dela. A universalização da
educação tem aí uma de suas raízes. Não coincidentemente os
territórios alemães experimentaram um forte desenvolvimento
do sistema educacional em suas sociedades”. Lutero arremata:
“A maior força de uma cidade é ter muitos cidadãos instruídos”.

O mundo precisa de pessoas que se apliquem ao estudo


e ensino a fim de assegurarem a sobrevivência e harmonia
da sociedade. Almir Schulz (p. 125) lembra que: “educação e
ensino não têm apenas a função da capacitação profissional,
mas também a de equilíbrio e novas possibilidades das rela-
ções sociais”.

8.4.2 Do passado para o presente


Quase 500 anos nos separam de Lutero. Embora o mundo
tenha mudado, os princípios defendidos por Lutero continu-
am presentes na educação da Igreja Luterana e da ULBRA.
Quando chegaram ao Brasil em 1824, os imigrantes alemães
trouxeram tanto a marca do clima cultural que se respirava na
190   Cultura Religiosa

Europa como uma história de ensino dentro da própria igreja


em que cresceram.

Entendia-se que a prosperidade e estabilidade nacionais


dependiam da educação geral do povo, reforma social e po-
lítica só é possível pela educação. Os alemães trouxeram essa
cultura para o Brasil. É assim que podemos entender o em-
penho dos imigrantes em implantar uma escola ao lado da
igreja.

A escola seria um mecanismo tanto para a melhor forma-


ção religiosa de seus filhos quanto para despertá-los para a
vivência da cidadania. Escolas foram criadas e mantidas junto
com as congregações religiosas. Acabou consagrando-se o
ditado “ao lado de cada congregação uma escola”. Dentro
desse quadro é que se encontram as origens da Universidade
Luterana do Brasil (ULBRA).

O jeito de ser da ULBRA é reflexo da herança da Reforma.


O mesmo amor que salva é que constrange a assistir o ser
humano, minorando sofrimentos, suprindo carências, abrindo
novas perspectivas de vida. A universidade vê na educação um
instrumento para promover a formação integral do ser huma-
no com vistas a uma sociedade melhor.

8.4.3 O futuro
Teologicamente, educação não é uma opção, mas um impe-
rativo. Como imperativo, é impensável deixar de fazê-la, não
apenas no âmbito religioso apontando diretamente para o rei-
no de Deus, mas, também, no âmbito secular apontando para
o reino de mundo.
Capítulo 8    Lutero e as Reformas Religiosas do Sec. XVI    191

A ULBRA entende-se vocacionada e compromissada com


uma educação integral do ser humano com o propósito de
formar pessoas que se apliquem ao serviço da construção do
reino de Deus, educar e preparar bons cristãos para a igreja e
o exercício da cidadania, bem como educar e preparar cida-
dãos livres e altruístas.

Recapitulando

O período das reformas e as consequentes ações ficaram mar-


cados pelos conflitos entre defensores do catolicismo e dos
movimentos reformistas. Movimentos esses que puseram fim à
hegemonia do catolicismo e deram origem a diferentes con-
cepções religiosas protestantes.

Essa seção delineou alguns aspectos da educação, caríssi-


mos para Lutero. Esse conjunto de elementos pode contribuir
na análise crítica de quem busca fundamentos valorosos para
estimar e defender este bem tão precioso para formação de
cidadãos que sejam aptos para exercer seu papel na socie-
dade. Seguindo o pensamento de Lutero, a tarefa da escola e
do educador cristão deveria ter como foco a preparação das
pessoas para a salvação do mundo, preparar cidadãos capa-
zes de remar contra a correnteza, bons políticos, bons adminis-
tradores, pessoas capazes de tornar o mundo mais humano.
192   Cultura Religiosa

Referências

ALTMANN, Walter. Lutero e Libertação. São Leopoldo: Sino-


dal, 1994.

BARBOSA, Luciane M. R. As concepções educacionais de Mar-


tinho Lutero. In: Educação e Pesquisa, v. 33, n. 1, janeiro-
-abril, São Paulo, 2007.

BECK, Nestor. Igreja, Sociedade & Educação – Estudos em


torno de Lutero. Porto Alegre: Concórdia Editora Ltda.,
1988.

DREHER, Martin N. A Igreja no Mundo Medieval. São Leo-


poldo: Sinodal, 1994.

GAARDER, Jostein; HELLERN, Victor; NOTAKER, Henry. O Livro


das Religiões. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

JAHSMANN, A. H. Filosofia luterana da educação. Porto


Alegre: Concórdia, 1987.

KUCHENBECKER, Walter. O Homem e o Sagrado. 5. ed.


Canoas: Ed. da ULBRA, 1999.

LUTERO, M. Aos conselhos de todas as cidades da Alemanha


para que criem e mantenham escolas cristãs. In: LUTERO,
M. Obras selecionadas. São Leopoldo: Comissão Interlu-
terana, 1995, v. 5, p. 299-325.

______ Pelo Evangelho de Cristo. Tr. Walter O. Schlupp. Ed.


Concórdia e Sinodal, 1984.
Capítulo 8    Lutero e as Reformas Religiosas do Sec. XVI    193

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tinho Lutero nos séculos XVI e XVII. Ouro Preto: EdUFOP,
2008.

SCHULZ, Almir. A relação Universidade e Reforma Protestan-


te – concepções sobre a relação e a influência. In: <seer.
ufrgs.br/asphe/article/wiew/30473>.

VILLOSLADA, Ricardo. Lutero Visto Por Lós Historiadores


Católicos Del Siglo XX. Madri: Fundación Universitária
Espanõla, 1990.

WALKER, W. História da Igreja Cristã. v. I e II. São Paulo:


ASTE, 1967.

Atividades

1) Questão objetiva. Segundo o texto da Aula Virtual do Ca-


pítulo 8, que versa sobre os movimentos reformistas da
Igreja e da Educação, solicita-se que sejam completadas
as lacunas de tal forma que preencham corretamente a
formulação de cada alternativa.

a) Lutero redescobriu, a partir da leitura de Romanos


1.17, que o ser humano é salvo unicamente pela
____________
fé em Cristo.

b) O abuso da venda das _______________


indulgências levou as
pessoas a entenderem que o perdão e a salvação po-
diam ser comprados.
194   Cultura Religiosa

c) Esta prática foi o estopim da Reforma e motivou Lutero


a escrever as _________________
95 teses fixadas na porta da
Igreja de Wittenberg.

d) A __________________, juntamente com a Graça e


a Fé, constitui os pilares de sustentação da Reforma
Protestante.

e) Ao longo das discussões e debates na busca de mu-


danças Lutero nunca teve como propósito romper com
a ________________.
Igreja Católica

2) Questão objetiva. A questão trata de aspectos teológicos


fundamentais da Bíblia Sagrada. Ficou reafirmado por
Martinho Lutero na Reforma ao questionar ___________
______________________ como meio de obter o perdão
divino e apresentar a justificação da humanidade ao afir-
mar que o cristão é perdoado e salvo mediante a ______
____________________________. Complete as lacunas e
assinale a alternativa que corresponda às respostas.

a) (  ) o uso da venda de indulgências/ doutrina da pre-


destinação.

b) (  ) o ingresso na vida clerical/ prática de boas obras


pessoais.

c) ( x ) o uso da venda de indulgências/ fé na obra reden-


tora de Cristo.

d) (  ) o ingresso na vida clerical/ fé na obra redentora


de Cristo.
Capítulo 8    Lutero e as Reformas Religiosas do Sec. XVI    195

e) (  ) o uso da venda de indulgências/ prática das obras


meritórias.

3) Questão objetiva. Considerando o tema da Reforma da


Educação, preciosa para Lutero, analise as alternativas
apresentadas e assinale aquela que efetivamente corres-
ponde a sua proposição.

a) (  ) Lutero trabalhou na universidade e dela se valeu


para fazer as proposições e promover debates com o
único intuito de denegrir a imagem do papado e da
Igreja.

b) ( 
x ) Eram necessárias outras transformações. Entre
elas, uma fundamental: na área da educação. Por isso
o esforço de Lutero por uma escola que estivesse ao
alcance do povo.

c) (  ) A proposta de educação da ULBRA, mesmo tendo


uma relação de proximidade com o luteranismo, des-
conhece, ignora e desconecta-se dos princípios bíbli-
co/cristãos.

d) (  ) Seguindo os ditames do seu lema: “veritas vos li-


berabit”, a ULBRA tem pautado sua educação sobre
fundamentos estritamente religiosos e doutrinários.

e) (  ) Lutero, na Universidade, sempre trabalhou para


manter o sistema vigente, uma escola voltada para a
formação de clérigos, pois essa era a função da edu-
cação.
196   Cultura Religiosa

4) Questão discursiva. A imagem de Martinho Lutero, pároco


e professor na igreja e na universidade de Wittenberg, no
século XVI, suscita até hoje muita controvérsia. De um lado
estão aqueles, da linha protestante, que apoiam integral-
mente sua pessoa e sua obra, responsáveis pelo suces-
so do movimento da Reforma Protestante. De outro lado
encontram-se opositores a sua pessoa e obra, entenden-
do que esse movimento da Reforma Protestante promoveu
erradamente uma divisão no seio da única e verdadeira
Igreja.

Observando as distintas posições, faça uma análise crite-


riosa e aponte possíveis razões que levam católicos e protes-
tantes a apresentarem suas posições tão antagônicas.

Parâmetros de avaliação: expressão escrita, pertinência,


argumentação e fundamentação teórica das observações ma-
nifestas.

5) Questão discursiva. A Universidade foi utilizada por Lu-


tero para sua formação, para o exercício da função de
professor e como laboratório de debates e embates para
alcançar o sucesso do Movimento da Reforma.

Observados esses elementos, responda se na atualidade a


Universidade oferece esse espaço de formação excelente e se
a sala de aula possibilita efetivamente o debate e embate em
torno de causas relevantes para o meio acadêmico e social.

Critérios de avaliação: escrita, pertinência, argumentação


e fundamentação teórica das posições manifestas.
Bruno ????????
Ronaldo Muller1

Capítulo 9
?

A Diversidade Religiosa
do Brasil 1

1 Pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil. Mestre em Teologia Prática e pro-


fessor na Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), em Canoas.
198   Cultura Religiosa

Introdução

O Brasil é um país que possui uma enorme diversidade reli-


giosa. Mesmo tendo sido por muitos anos um país oficialmen-
te católico, a miscigenação cultural originada por constantes
processos imigratórios fez do território brasileiro um terreno
religiosamente muito fértil, fazendo surgir inúmeras religiões
que hoje coexistem, num clima de plena liberdade religiosa.
Além da presença das denominadas Grandes Religiões, há o
protestantismo, os assim denominados evangélicos das mais
diversas correntes, os pentecostais e neopentecostais. O Brasil
também congrega hoje um grande número de outras religiões
como espíritas e cultos afro-brasileiros. Mesmo sabendo que é
impossível abarcar todas as denominações existentes no país,
vamos agora passar a conhecer pelo menos um pouco do ce-
nário religioso brasileiro.

Tratar da religiosidade brasileira exige que se inicie o per-


curso a partir da primeira e maior religião que chegou ao país
junto com os “descobridores”, em 1500: o Catolicismo. 

Não se quer dizer com isso que no Brasil já não houvesse


religiosidade. É notório que os índios que habitavam o país já
possuíam as suas crenças e ritos religiosos. Porém, sem des-
considerar esse fato, o foco de estudo se volta para o processo
histórico de catolização, implantado no Brasil com a coloniza-
ção portuguesa.
Capítulo 9    A Diversidade Religiosa do Brasil    199

9.1 Catolicismo

Desde sua descoberta, em 1500, passando pela conquista,


colonização e estendendo-se até a Proclamação da República,
foram séculos de domínio e reconhecimento do Brasil como
um país católico. A presença católica no Brasil deveu-se ao
“Direito de Padroado”, que era uma concessão do papa sobre
as igrejas instaladas nas terras conquistadas por Portugal. A
descoberta de novas terras e sua colonização era acompa-
nhada de conversão compulsória de suas populações, nem
sempre pacífica. Portanto, junto com a ocupação era imposta
a religião dos conquistadores.

O padroado era uma recompensa dada ao Estado portu-


guês pelo seu empenho na conversão de “infiéis”. Cabia ao
rei de Portugal conquistar novas almas junto com a conquista
de novas terras.

A Proclamação da República, em 1889, é que vai abolir o


caráter de religião oficial do catolicismo no Brasil. Dessa for-
ma, o Estado brasileiro torna-se religiosamente neutro e abre
os caminhos para outras tradições religiosas organizarem-se e
expressarem com liberdade seus ritos e suas crenças.

A partir de então, o Vaticano passa a ter a responsabilida-


de de manutenção e sustento da igreja católica em território
brasileiro. É verdade que perder o caráter de religião oficial
e a influência sobre autoridades civis e a população não foi
um processo fácil, muito menos rápido. O efeito imediato foi
um distanciamento das realidades e necessidades do cotidiano
religioso e espiritual do povo católico.
200   Cultura Religiosa

A reaproximação ampla com os seguidores do catolicismo


ocorre na década de 1960, com a realização do Concílio Va-
ticano II, com o propósito da reaproximação com as classes
populares, na chamada “escolha pelos pobres”, evitando, por
conseguinte, a evasão de seus fiéis para outras tradições reli-
giosas emergentes, especialmente os movimentos evangélicos
pentecostais.

Ao “abrir-se” e adequar-se às necessidades do seu povo, a


igreja católica permitiu a emergência interna de diversas ten-
dências, entre as quais se destaca a Teologia da Libertação,
que foi buscar no materialismo histórico marxista possibilida-
des de nova práxis religiosa.

Outra importante tendência católica foi o surgimento dos


Movimentos Carismáticos que buscam, através dos dons ca-
rismáticos, uma confirmação do status de maior proximidade
com Deus e do seu poder de ação sobre seus filhos.

9.2 Protestantismo

Juntamente com a Igreja Católica, o protestantismo é visto


como um dos ramos principais do cristianismo. Esse movimen-
to nasceu da Reforma de Lutero contra as doutrinas e práti-
cas do catolicismo romano da Idade Média. Os protestantes
também são conhecidos pelo nome de evangélicos juntamente
com os pentecostais e neopentecostais, descendentes de Igre-
jas Protestantes. Rubem Alves, em Protestantismo e repressão,
Capítulo 9    A Diversidade Religiosa do Brasil    201

p. 27, aponta para a coexistência de tipos de protestantismos


dentro desse conjunto maior.

Também Camargo, em “Católicos, protestantes, espíritas”,


p. 23, definiu o protestantismo em dois grandes grupos, se-
gundo o teor da sua mensagem: abertas ou não a todas as
pessoas. Apareceram, então, dois agrupamentos: o protestan-
tismo de imigração (fechados) e o protestantismo de conver-
são (abertos).

Através de um quadro comparativo, Camargo, p. 122, es-


boçou outra divisão dos protestantes. Agrupou de um lado
os não pentecostais (Luteranos, Batistas, Presbiterianos, Me-
todistas e Anglicanos) e do outro os pentecostais (Assembleia
de Deus, Congregação Cristã do Brasil, Igreja do Evangelho
Quadrangular, Igreja o Brasil para Cristo).

O protestantismo estabeleceu-se no Brasil, de forma massi-


ficada e efetiva, a partir da chegada dos imigrantes que, junto
com suas tradições e costumes, trouxeram as práticas religio-
sas oriundas de seus países. São dois os modelos de ação
caracterizados de um lado pelo atendimento aos imigrantes e
de outro com enfoque na conversão. Queremos tratar desses
grupos a seguir.

9.2.1 Protestantismo de Imigração


O protestantismo de imigração pode ser bem representado
pelo ramo luterano da Reforma, que se estabeleceu no Brasil
em 1824 com a chegada dos imigrantes alemães. Estabele-
cendo-se principalmente no Rio Grande do Sul e Santa Cata-
202   Cultura Religiosa

rina, os imigrantes alemães deram início à presença luterana


no Brasil.

Os primeiros que aqui chegaram, entre 1824 e 1864, ti-


veram atendimento religioso desempenhado por lideranças
escolhidas dentro do próprio grupo. Por falta de ministros or-
denados, os primeiros luteranos organizaram sua própria vida
religiosa. Elegeram leigos para serem pastores e professores,
os “pregadores-colonos”.  Só a partir de 1886 é que as igrejas
alemãs passaram a enviar pastores para atenderem às colo-
nizações germânicas. Era a Igreja Evangélica Alemã no Brasil.
Após a Segunda Guerra Mundial, os grupos que formavam a
Igreja Evangélica Alemã no Brasil formam a Igreja Evangélica
de Confissão Luterana no Brasil.

Em 1904, uma missão luterana vinda dos Estados Unidos


daria origem à Igreja Evangélica Luterana do Brasil (à qual a
ULBRA hoje está ligada a partir de seus fundamentos doutriná-
rios e filosóficos).

9.2.2 Protestantismo de Conversão


Outros grupos protestantes também foram chegando ao Bra-
sil, com característica diversa, já que vinham com o propósito
de converter os brasileiros.

Diferentemente do protestantismo de imigração, esses gru-


pos procuravam rapidamente adequar-se ao jeito brasileiro,
pois disso dependia o crescimento do número de convertidos.
Enquadram-se nessa perspectiva os presbiterianos, metodistas,
batistas e episcopais vindos dos Estados Unidos.
Capítulo 9    A Diversidade Religiosa do Brasil    203

Esse movimento missionário protestante tem seu início na


metade do século XIX. Boa parte de sua rápida expansão de-
veu-se ao trabalho de propaganda desenvolvido pela socieda-
de bíblica de origem inglesa e norte-americana.

A partir daí proliferaram os movimentos missionários, que


compreendem as igrejas implantadas no Brasil, ainda no sécu-
lo XIX, sob a iniciativa das missões protestantes norte-america-
nas. São elas: anglicana (1810), presbiteriana (1859), batista
(1881), metodista (1886) e episcopal (1889).

9.3 Igrejas cristãs de tradição reformada

As principais denominações protestantes que surgiram da Re-


forma foram a Igreja de tradição luterana e a Igreja de tradi-
ção reformada. Já tratamos dos alicerces que deram origem à
tradição cristã luterana. Aqui, queremos mencionar os princi-
pais grupos de tradição cristã reformada e que têm essa ativi-
dade concentrada na missão em terras brasileiras.

9.3.1 Anglicana
A Igreja Anglicana (seu surgimento com Henrique VIII e sua
estabilização) já foi referida no Capítulo anterior, no relato de
outros Movimentos Reformistas.

Nos Estados Unidos, após a independência em 1776, os


seguidores da Igreja Anglicana passam a ser identificados
como seguidores da Igreja Episcopal Protestante. No Brasil, os
primeiros cultos anglicanos datam de 1810, no Rio de Janeiro.
204   Cultura Religiosa

9.3.2 Presbiteriana
O ano de 1560 marca a introdução do calvinismo na Escócia,
por meio de John Knox, discípulo de Calvino. Nessa data, o
Parlamento escocês aboliu a jurisdição papal e proibiu a ce-
lebração da missa na Escócia. É preciso enfatizar, no entanto,
que os fatos não se sucederam de forma pacífica.

Houve oposição. As situações se complicam com a implan-


tação, na Grã-Bretanha, por Isabel I, de uma igreja única para
os anglos. Outros dissidentes – os que se opunham à inter-
venção do Estado nas questões religiosas – surgiram. Estes
defendiam, conforme Calvino, que o governo da Igreja deve-
ria ser exercido pelo presbitério (o conjunto dos mais velhos/
experientes).

Os ingleses mais próximos do calvinismo recebem, então,


a identificação de presbiterianos. Porém, foi apenas em 1876
que se organizaram como instituição, a Igreja Presbiteriana da
Inglaterra, livre e não estatal, muito embora seja atribuída a
data de 1572 como ano de fundação do movimento. O pri-
meiro missionário com assento presbiteriano chega ao Brasil
em 1859.

9.3.3 Batista
Há duas teorias que explicam o surgimento dos batistas. Uma
reporta-se ao batismo de Jesus no rio Jordão; outra identifica
nos anabatistas, século XVI, sua origem. Os anabatistas rejei-
tavam a validade do batismo de crianças e exigiam um novo
batismo. Daí o termo anabatistas, “os que batizam de novo”.
Capítulo 9    A Diversidade Religiosa do Brasil    205

Com forte entonação calvinista, o movimento batista é uma


dissidência da Igreja Anglicana.

As primeiras comunidades religiosas estruturadas tiveram


lugar na Inglaterra, em 1611, e logo depois na Holanda. De-
fendem a separação entre Igreja e Estado e um governo ecle-
siástico descentralizado, razão pela qual as congregações têm
autonomia. Fazem parte, ainda, da tradição batista os seguin-
tes princípios: batismo apenas de adultos e por imersão; con-
cepção de que batismo e santa ceia são apenas ordenanças;
não tem o costume do uso de imagens; forte atividade missio-
nária e obra educacional. No Brasil, o trabalho permanente
dos batistas teve seu início em Salvador, Bahia, em 1882.

9.3.4 Metodista
O movimento surgiu na Universidade de Oxford, na Inglaterra,
por volta de 1739. Não tinha a pretensão de criar uma nova
tradição religiosa, mas tão somente reavivar a espiritualidade,
marcada pela frieza e lassidão dos costumes da época, vigen-
tes na Igreja Anglicana.

Um grupo de estudantes, liderados pelos irmãos John e


Charles Wesley, passou a reunir-se para, em conjunto, orar e
estudar a Bíblia. O grupo foi denominado de Clube Santo e
visto pelos de fora do movimento como metodistas em razão
de sua aplicação metódica na prática devocional. A primeira
sociedade metodista organizada estabeleceu-se em Bristol, em
1739. Em 1818, ocorre a ruptura com a Igreja Anglicana.
206   Cultura Religiosa

9.4 Outras tradições religiosas no Brasil

A Paz de Augsburgo (1555), que se seguiu ao Movimento da


Reforma Protestante, foi um avanço na época. Em 1648, com
a Paz de Westphalia, foi alcançada a liberdade religiosa indi-
vidual, marcando o fim do período histórico da Reforma na
Europa e o surgimento das novas igrejas, diz Alaine Silva no
Artigo Protestantismo.

A partir dessa liberdade surgem, em diversos lugares e com


diferentes interpretações bíblicas, bem como costumes e prá-
ticas, líderes religiosos, pastores e profetas, dando origem a
novas tradições religiosas. Entre essas instituições religiosas há
um grupo, denominado por uns de neocristão e por outros
de paracristão (grupos que partem de fundamentos cristãos,
porém afastam-se gradativamente dos mesmos), que também
tem representação no Brasil, como os adventistas do sétimo
dia, os mórmons, as testemunhas de Jeová, a ciência cristã e
o racionalismo cristão. Desse grupo destacamos os mais re-
presentativos.

9.4.1 Adventista do Sétimo Dia


O pastor batista americano Guilherme Miller (1782-1849)
é quem dá início a essa tradição. Tudo teria começado em
1818, quando Guilherme, ao estudar a Bíblia, acreditou ter
descoberto o dia da volta de Jesus Cristo (advento). A data
estava próxima: 22 de outubro de 1844. A notícia espalhou-
-se rapidamente. O movimento teve o seu número de adeptos
Capítulo 9    A Diversidade Religiosa do Brasil    207

aumentado, ansiosos pelo dia em que entrariam na glória ce-


lestial. A data chegou e nada aconteceu.

Em decorrência, ocorreu uma fragmentação do movimento


em três grupos: um continuou a marcar novas datas; outro se
tornou incrédulo e, ainda, um terceiro continuou a estudar a
Bíblia, concluindo que Miller estava certo quanto à data, mas
que havia errado na interpretação da profecia, pois o santu-
ário a ser purificado naquela data seria o céu e não a terra.

É desse último grupo que surgem personagens, como Ellen


G. White, a quem muitos atribuem origem do movimento, or-
ganizado em 1861, nos Estados Unidos, com a identificação
de Igreja Adventista do Sétimo Dia. O assento da identificação
em sétimo dia deu-se em razão de o movimento enfatizar o dia
do sábado, o sétimo dia, como o dia de descanso para os cul-
tos e a adoração. No Brasil, suas atividades iniciaram-se em
1916, e a central da Igreja está em Santo André (São Paulo).

Além da guarda do sábado, os adventistas observam os


seguintes princípios: batismo por imersão a partir dos 12 anos
de idade; realização do ritual da Ceia com suco de uva e pão,
precedido pelo lava-pés; dízimo como regra das ofertas; de-
fesa do milênio (reinado de Cristo no céu entre sua primeira e
segunda vinda, ficando a terra sujeita apenas a Satanás e seus
anjos; por ocasião da segunda vinda de Cristo, junto com seus
santos, os ímpios mortos serão ressuscitados e destruídos junto
com Satanás, estabelecendo-se a purificação da terra) e a não
crença no inferno.
208   Cultura Religiosa

9.4.2 Mórmons
Em 1830, nos Estados Unidos, Joseph Smith inicia o movi-
mento conhecido como Igreja dos Mórmons, embora o nome
oficial seja Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias.
Segundo os relatos de Joseph Smith, ele foi atendido em sua
busca pela verdadeira Igreja de Cristo em 1820, por meio de
uma revelação que lhe recomendara não entrar em nenhuma
das igrejas existentes. Em 1823, o anjo Moroni lhe apareceu
e falou de certas placas douradas enterradas no chão. Quatro
anos depois, Smith desenterrou essas placas, encontrando ain-
da duas pedras especiais em recipientes de prata. Com a aju-
da das pedras, após algum tempo, Smith conseguiu decifrar as
placas, que foram então levadas de volta pelo anjo Moroni. A
tradução das placas foi publicada em livro, em 1830, com o
título O Livro de Mórmon.

O livro fala dos povos indígenas da América e afirma que,


depois de ressuscitar, Cristo se revelou a uma raça, mais tarde
exterminada, que vivia na América. Após sofrer muitos contra-
tempos e até perseguições, o movimento estabeleceu-se no
atual estado de Utah. Ali construíram uma cidade e funda-
ram uma comunidade estatal teocrática que se expandiu ra-
pidamente. Manter um Estado mórmon puro ficou impossível,
sendo que, quando Utah se uniu à federação na condição de
estado membro dos Estados Unidos, a comunidade precisou
abrir mão de alguns de seus costumes, entre eles a poligamia.

Dentre os seus pensamentos, podemos destacar: os seus


escritos sagrados englobam O Livro de Mórmon, bem como
outros textos com o mesmo valor; Deus tem um corpo exa-
tamente como o humano; Jesus é o Salvador que voltará à
Capítulo 9    A Diversidade Religiosa do Brasil    209

terra para estabelecer um reino de paz; o casamento realizado


no templo é eterno; o batismo pode ser indireto, isto é, um
mórmon vivo pode ser rebatizado em favor de um parente já
falecido.

9.4.3 Exército da Salvação


Após a Revolução Industrial, Londres ficou muito abalada.
Surgiram muitos mendigos, viciados e prostitutas. Tomados
de compaixão por essas pessoas, o casal William e Catheri-
ne Booth, em 1865, fundou a missão cristã com o intuito de
ajudar as pessoas em suas necessidades básicas e, com isso,
evitar que o mal tomasse conta das pessoas.

O Exército da Salvação se estrutura rigidamente dentro da


orientação militar, com oficiais e soldados. A obediência aos
superiores é uma regra essencial. Os oficiais têm emprego per-
manente e podem se casar, com a condição de que a esposa
também seja oficial. Os soldados são pessoas que possuem
outros empregos e trabalham para o Exército da Salvação nas
horas vagas. Ocasionalmente, os mais experientes são empre-
gados em tempo integral, recebendo a patente de sargento ou
oficial local. As mulheres têm plena emancipação em todos
os níveis, e um soldado do grupo não precisa renunciar a sua
própria comunidade religiosa. Além disso, o trabalho social é
parte de sua atividade evangélica.

O movimento conta com um grande número de instituições


diversas para órfãos, alcoólatras e mães solteiras. Acrescente-
mos que as reuniões religiosas são marcadas por muita músi-
ca e canto.
210   Cultura Religiosa

9.4.4 Testemunhas de Jeová


O grupo teve sua origem em 1872. Um americano de família
presbiteriana, convertido ao movimento adventista, chamado
Charles Taze Russel, desgostoso com as religiões existentes,
formou um pequeno grupo de amigos a fim de estudar a Bíblia.
Em 1878, abandonou o movimento adventista e, em 1879,
lançou o primeiro número da revista Torre de Vigia (hoje, A
Sentinela), na qual afirmava que o fim do mundo seria no ou-
tono de 1914. A maioria dos adeptos do movimento costuma
participar na difusão de sua fé de porta em porta, fazendo
circular a Bíblia e suas revistas A Sentinela e Despertai.

Não possuem nenhum credo, baseando-se exclusivamente


na Bíblia. Não acreditam na Trindade e afirmam que apenas
Jeová é Deus. O filho unigênito de Deus, sua primeira criação
celestial, tornou-se Jesus Cristo, e o Espírito Santo é a força
invisível de Deus. Assim, rejeitam a divindade de Jesus. O pon-
to central das convicções do movimento consiste na ideia de
que a única esperança do ser humano é o reino de Deus, um
governo celestial que compreende Cristo e 144 mil indivíduos
escolhidos, os quais serão elevados a uma nova vida no céu.
Todos os outros crentes terão uma existência eterna na terra
como súditos do reino celestial.

Adotam um comportamento que promove a honestidade, a


higiene, a temperança e a solidariedade entre os irmãos. Não
se envolvem em questões políticas e sociais e reservam a si o
direito de não participarem do serviço militar.
Capítulo 9    A Diversidade Religiosa do Brasil    211

9.5 Religiões não cristãs

Entre os grupos fora do cristianismo, os mais representativos


e que merecem ser mencionados, são o judaísmo, o islã, o
budismo, o Hare Krishna, o xintoísmo, a Seicho-No-Ie, a Soka
Gakkai e a Igreja Messiânica. Destacamos dois:

9.5.1 Seicho-no-ie
A Seicho-no-ie foi fundada por Masaharu Taniguchi, em 1930,
no Japão e está presente no Brasil desde o final de 1950. Este
grupo religioso considera-se ao mesmo tempo uma filosofia
de vida e uma religião. Como religião ensina a concepção
de que o ser humano é filho de Deus e cada pessoa precisa
conhecer sua verdadeira natureza. Filosoficamente, apresenta-
-se acima de sectarismos religiosos e propõe um caminho de
progressão infinita às pessoas que buscam os centros de me-
ditação Seicho-no-ie.

9.5.2 Igreja Messiânica


A Igreja Messiânica, fundada por Mokichi Okada em 1935 e
presente no Brasil desde 1955, fundamenta-se em doutrinas e
práticas sincréticas, com influências budista, xintoísta e cristã.
De acordo com a utopia milenarista da Igreja Messiânica, a
prática dos seus princípios propiciará a construção de um pa-
raíso terrestre.
212   Cultura Religiosa

Recapitulando e projetando
O quadro que acabamos de apresentar mostra bem o tama-
nho da diversidade religiosa brasileira e a variedade de religi-
ões protestantes ou evangélicas. Os protestantes “tradicionais”
sofreram forte impacto: seja pelo surgimento de novos grupos
identificados com a evangelização que objetivava a conversão
do povo brasileiro, quer pela expansão dos pentecostais, nos-
so próximo passo.

9.6 Pentecostalismo e Neopentecostalismo

Sob o rótulo: “pentecostais” agrupam igrejas com ênfases e


estilos bastante diferenciados. O mundo pentecostal é ainda
mais rico de expressões e variado do que o protestantismo
tradicional.

Alberto Antoniazi, em seu artigo: Por que o panorama reli-


gioso no Brasil mudou tanto? p. 30, ao referir sobre um maior
crescimento das igrejas pentecostais em relação às igrejas tra-
dicionais, deixa claro que a questão do marketing das mais
recentes foi elemento importante. Alaine Silva, no Artigo Pen-
tecostalismo, junta a busca pelo dom de línguas e o batismo
pelo Espírito Santo, como elementos de profusão do movimen-
to no meio protestante.

A corrente pentecostal apareceu nos Estados Unidos nos


primeiros anos do século XX, junto a seguidores metodistas
insatisfeitos com a falta de fervor nas suas igrejas. Em razão
da grande vibração nos cantos e nos discursos inflamados de
Capítulo 9    A Diversidade Religiosa do Brasil    213

pastores e fiéis, teve uma difusão muito rápida no país e pelo


mundo.

A corrente neopentecostal surgida na década de 1970 tem


como característica principal a teologia da prosperidade. Seus
rituais espetaculosos são marcados por curas milagrosas e
exorcismos.

O movimento pentecostal chega ao Brasil nas primeiras


décadas do século XX. A primeira igreja formalmente criada
foi a Congregação Cristã do Brasil, em 1910, no Paraná e em
São Paulo. No ano seguinte, no Pará, é criada a Assembleia
de Deus.

O crescimento das igrejas pentecostais efetivamente ocorre


a partir dos anos de 1950. Em 1953, surge em cena a Igreja
do Evangelho Quadrangular; em 1955, a Igreja Pentecostal,
o Brasil para Cristo; em 1962, a Deus é Amor e, em 1964, a
Casa da Bênção.

A partir dessas denominações, o movimento pentecostal dá


origem a outros grupos denominados neopentecostais, entre
os quais se destacam: Igreja da Nova Vida (1960), Comuni-
dade Evangélica Sara Nossa Terra (1976), Igreja Universal do
Reino de Deus (1977), Igreja Internacional da Graça de Deus
(1980) e Renascer em Cristo (1986). A seguir apresentamos
traços das práticas e doutrinas do pentecostalismo e neopente-
costalismo, a partir de dois grupos que representam bem esses
movimentos.
214   Cultura Religiosa

9.6.1 Assembleia de Deus (Pentecostal)


Os movimentos religiosos de reavivamento espiritual que mar-
caram o final do século XIX deram origem à Assembleia de
Deus. Corria o ano de 1892 nos Estados Unidos, quando dois
pregadores pertencentes à Igreja Batista deram início ao movi-
mento. Por volta de 1914 já havia um considerável grupo que,
reunido, deu início à Igreja da Fé Apostólica, nome alterado
em 1918 para Assembleia de Deus. As ideias e o compor-
tamento do movimento são pautados pelo relato do dia de
Pentecostes no Novo Testamento. Nessa data, Deus Espírito
Santo desceu sobre os apóstolos, permitindo-lhes falar em ou-
tras línguas, curar enfermos e realizar milagres. Foi o primeiro
impulso de conversão que ocorreu na Igreja cristã primitiva,
expandindo-se daí para frente. Fundamentados em especial
nessa passagem, os devotos pregam o dom de línguas, curas
e milagres. Para que isso ocorra, é preciso que o homem esteja
cheio do Espírito Santo, por vezes identificado como batismo
do Espírito Santo. Também defendem a crença na Santíssima
Trindade, o batismo por imersão e o dízimo como única regra
de oferta; os pastores, além de estudarem teologia, devem ser
chamados por Deus e pelo batismo nas águas. No Brasil, a
Assembleia de Deus começou a atuar em 1910, em Belém do
Pará, quando ainda era ligada à Igreja Batista.

9.6.2 Igreja Universal do Reino de Deus


(Neopentecostal)
Ainda que tenha fundamentos da Assembleia de Deus, em
1977, o bispo Edir Macedo, no Rio de Janeiro, funda a pri-
meira sede da Igreja Universal do Reino de Deus, com o intuito
Capítulo 9    A Diversidade Religiosa do Brasil    215

de acabar com dogmas e regras impostas pela Igreja que,


segundo ele, só afastam as pessoas de Deus. Os fiéis defen-
dem que todo o mal que ocorre na vida do ser humano é fruto
da obra de espíritos malignos e demônios que precisam ser
afastados por meio de sessões de exorcismo (“descarrego”). O
bem-estar na vida terrena, inclusive o econômico-financeiro, é
sinal visível da presença divina na vida da pessoa e de sua fa-
mília. Seus líderes devem ter como pré-requisito a visibilidade
do Espírito Santo e vivem, exclusivamente, das ofertas de seus
fiéis, desafiados a contribuírem com o dízimo e ofertas espe-
ciais como forma de demonstrarem sua dependência de Deus.

Recapitulando e projetando
Com a ciência de que o catolicismo representa historicamente
a religião majoritária do Brasil, como já foi exposto no presen-
te Capítulo, há, porém, um pluralismo enorme e variado de
religiões menores que compõem o cenário religioso brasileiro.
Junto com o catolicismo, o protestantismo com suas variadas
facetas, falta examinar o Espiritismo, as Religiões Afro-Brasilei-
ras (representada pelo Candomblé) e a Umbanda.

9.7 Espiritismo

O espiritismo teve sua origem na França. Definido por Leon


Hippolyte Denizard Rivail (1804-1869), mais conhecido como
Allan Kardec, como um movimento científico, filosófico e reli-
gioso, o Espiritismo contesta a existência de apenas um mundo
material, afirmando não só a existência, mas a própria mate-
216   Cultura Religiosa

rialidade de um mundo sobrenatural. A dicotomia corpo-alma


deixa de existir para afirmar-se uma unidade inseparável, po-
dendo a alma, como o corpo, ser percebida e estudada em
sua materialidade.

A essa análise Allan Kardec acrescenta em sua sistemati-


zação os milenares conhecimentos evolucionistas (reencarna-
ção e carma) e os de pluralidade de mundo. Essa pluralidade
implica na existência de vários planos habitados, sendo que a
terra é apenas mais um dos planetas habitados, mas distante
da perfeição. Essas crenças já são encontradas no hinduísmo
antigo (vedismo e bramanismo), sendo uma entre as muitas
causas que estabelecem o distanciamento entre o espiritismo
e o cristianismo.

Ainda no decorrer da segunda metade do século XIX, logo


após sua criação, o espiritismo chega ao Brasil, país no qual
hoje possui o maior número de adeptos. As primeiras organi-
zações espíritas surgiram por volta de 1870, na Bahia e no Rio
de Janeiro. No início, o traço distintivo do espiritismo no Brasil,
assim como na França, era sua proposta de terapia mediúni-
ca, por meio de “passes”, para combater todos os tipos de
enfermidade e desconforto. De lá para cá, ocorreu uma mu-
dança de direção, de forma que o espiritismo hoje, no Brasil,
realça mais o seu lado religioso de moralização da conduta.

De modo genérico e a título de exemplificação, seguem-se


alguns dos principais conceitos espíritas.
Capítulo 9    A Diversidade Religiosa do Brasil    217

Ser humano
A visão que o espiritismo possui de ser humano é denominada
de tridimensional. São três dimensões do mesmo elemento: o
corpo, o perispírito e o espírito.

O corpo é sem valor em si mesmo e a parte menos nobre


do ser humano, valorizada apenas na medida em que possibi-
lita ao espírito uma relação com o planeta Terra. O perispírito
é a condensação de um fluido universal normalmente invisível,
que possibilita e explica as aparições nas sessões espíritas; é
como se fosse um envoltório do espírito, necessário para a
união das dimensões do corpo e do espírito e, por isso, não é
só material e nem só espiritual. O espírito é de criação divina
e é o princípio inteligível responsável pelo pensamento, pela
vontade e pelo senso moral.

Mundo
O mundo é concebido em dois grandes planos: a) O material:
não se restringe à Terra, pois nesse plano há diversos níveis de
materialidade, determinados pela pureza ou grau de desen-
volvimento moral a que se consegue chegar; b) O espiritual:
também marcado por graus de moralidade e perfeição, onde
habitam os espíritos desencarnados - aqueles cujo perispírito,
já gasto e não realizando mais suas funções de unir o corpo
ao espírito, deixa o espírito separar-se do corpo, provocando
o que se chama de morte ou desencarne.

A comunicação entre os dois planos é possível graças ao


médium, cuja função é intermediar e interpretar os espíritos
por meio de diferentes aptidões que o tornam capaz de captar
218   Cultura Religiosa

e transmitir as mensagens recebidas. Entre as aptidões, podem


ser destacadas as percepções de efeitos físicos (como batidas
ou levitação ou transporte de objetos), auditivos (como sons),
artísticos (como pintura, desenho, poesia, romance, musica)
e psicográficos - a captação da escrita desenvolvida por um
espírito desencarnado.

Passe
É uma espécie de exorcismo leve, dado individualmente por
um dirigente ou pelo médium em transe durante a sessão espí-
rita, com o objetivo de afastar as influências negativas, as más
vibrações, os “encostos”, as “demandas” e transmitir energia
espiritual positiva.

Deus
É exaltado como Ser e Fim Supremo e meta de perfeição de
todo o processo evolutivo dos espíritos. É inacessível ao ser
humano. O mais perto que o ser humano chega é dos espíri-
tos desencarnados, para os quais o espiritismo disponibiliza o
principal meio de expiar suas obrigações cármicas - a carida-
de, meio eficaz de expiar as faltas passadas e, assim, progredir
rumo à perfeição.

Os seres humanos encontram-se num extenso processo de


evolução que não se limita ao tempo curto de uma encarna-
ção, mas prossegue por reencarnações sucessivas, indefinida-
mente. As vidas passadas explicam a atual situação e condi-
ção dos seres humanos aqui na terra a partir da lei do carma,
que determina a causalidade moral na lei de causa e efeito.
Capítulo 9    A Diversidade Religiosa do Brasil    219

No longo percurso da evolução, os espíritos passam por


diversos mundos habitados até o plano mais elevado, o da
suprema perfeição espiritual. Os planos elevados são atingí-
veis, acima de tudo, através da prática constante da caridade
e pelas orações dos espíritos de luz já desencarnados.

9.8 Cultos Afro-Brasileiros

São assim chamados em razão das ações religiosas praticadas


pelos negros que foram trazidos para o Brasil como escravos.
Essas práticas, aqui reprimidas, precisaram ser adaptadas às
religiosidades já existentes.

De início, as práticas religiosas dos negros serviam mais


como elemento de coesão da raça, de preservação de suas
tradições culturais e de sobrevivência à situação de miséria
social e existencial, como diz André Drogers, p. 12. Não houve
um movimento organizado. As coisas foram acontecendo. Ini-
cialmente, eram tradições religiosas praticadas exclusivamente
pelos negros.

A organização das religiões negras no Brasil é recente.


Deu-se, em especial, ao final do século XIX, quando as gran-
des levas de negros traficados, agora “libertados”, passaram
a viver nas cidades. A aproximação uns dos outros e a relati-
va liberdade de movimentos no espaço urbano, sem dúvida,
favoreceu não apenas a sobrevivência dos costumes culturais
mais amplos, mas também as práticas religiosas e o início dos
primeiros grupos organizados de culto.
220   Cultura Religiosa

Uma observação faz-se necessária. Em regra, os fenôme-


nos religiosos são estudados a partir de suas estruturas de pen-
samento. Com relação aos cultos afro-brasileiros, observa-se
a impossibilidade de perceber uma estrutura única e universal.
Falta-lhes a concepção de essências imutáveis, bem como a
ideia de um ser que se possa captar intelectualmente. A for-
ça vital ou primeira dos fenômenos religiosos não é para ser
pensada, mas vivida e manipulada, o que geralmente se dá
através do transe.

As crenças e rituais de origem africana possuem caracterís-


ticas comuns: A religião não é para ser entendida, mas vivida;
forte presença de sincretismo; ausência de uma estrutura reli-
giosa única; concepção de certo e errado variável de pessoa
para pessoa e de divindade para divindade. Dessas práticas,
dois grupos os representam.

9.8.1 Candomblé
O candomblé é visto como um processo sincrético intertribal
africano, formado basicamente por quatro grandes nações
africanas, nomeadamente Kêtu, Fan, Jejê e Angola, provindas
do Sudão, Nigéria e Daomé.

O termo candomblé designava a dança, o instrumento e a


música utilizados pelas quatro nações em seus rituais. Só mais
tarde é que o sentido ampliou-se para indicar a própria vivên-
cia religiosa. Ainda assim, não existe unanimidade quanto ao
uso do termo. Na Bahia, o termo se mantém, bem como em
São Paulo e no Rio de Janeiro. Em Pernambuco e Alagoas é
denominado de Xangô. No Maranhão e no Pará é conhecido
Capítulo 9    A Diversidade Religiosa do Brasil    221

como Tambor de Mina e, no Rio Grande do Sul, como Batu-


que. Por muito tempo, no Rio de Janeiro, foi conhecido como
macumba.

As crenças do candomblé repousam na existência de uma


pluralidade de divindades, denominadas de orixás, com dife-
rentes poderes e funções na vida humana, além de diferentes
exigências aos seus adeptos. Os orixás são elementos da na-
tureza divinizados, percebidos sensorialmente e manifestados
através de imagens, em geral, figuras humanas adaptadas sin-
creticamente aos santos aceitos pela Igreja Católica Romana.

Conforme as tradições religiosas do candomblé, o mundo


foi criado por Olorum. Após a criação, recolhe-se e deixa que
seus auxiliares, os orixás, tratem das questões relacionadas
aos seres humanos. Oxalá, o chefe de todos os orixás, é quem
recebe todos os pedidos e homenagens dos seres humanos.
A função dos orixás é governar o mundo, intervir a favor dos
seres humanos e puni-los quando necessário.

Segundo a religião, cada pessoa, já antes de nascer, rece-


be um orixá, que lhe é dado e não escolhido e que comandará
toda a existência da pessoa. Essa identificação determina que
tudo o que a pessoa tem a fazer é acomodar sua vida aos gos-
tos e desejos de seu orixá para que possa se dar bem na vida.
Não compete à pessoa discutir ou duvidar das preferências de
seu orixá. Tudo o que se tem a fazer é vivenciar as preferên-
cias, independentemente dos conceitos de bem e mal.

A função da liderança religiosa, do babalorixá ou pai de


santo, da ialorixá ou mãe de santo, é incorporar o seu pró-
prio orixá e dar licença aos seus seguidores para que possam
222   Cultura Religiosa

levar adiante os pedidos e desejos aos seus orixás pessoais.


Também lhes compete repassar os ensinamentos da religião
aos iniciados, como diz Paulo Ferreira em Os Fundamentos
Religiosos da Nação dos Orixás, p. 84.

Há, nos rituais do candomblé, constantes referências ao


exu. Não é propriamente um orixá, embora assim seja desig-
nado, mas um intermediário entre o orixá e o ser humano. Há,
claro, quem pense e mesmo defenda a ideia de que ele seja
sim um orixá. Assim, para se conseguir algo de algum orixá é
o exu que lhe deve ser enviado (despachado) com o pedido,
quer seja bom ou mau. 

Para o pedido chegar logo, as pessoas devem oferecer ao


exu coisas que ele gosta. É uma forma de agrado que, quando
esquecido, faz com que desencadeie forças negativas contra
a pessoa que esqueceu. O reinado de exu está presente nas
ruas, encruzilhadas e lugares considerados perigosos.

Para o candomblé, o pecado não existe. A distinção entre


bem e mal depende, basicamente, da relação entre cada se-
guidor e seu orixá. Isto é, o orixá poderá estabelecer limites a
um seguidor e não impô-los a outro. O que é proibido para
um não é necessariamente proibido para outro.

9.8.2 Umbanda
A Umbanda é um comportamento religioso próprio do Brasil.
Entre as muitas histórias sobre a sua origem conta-se a de
Zélio Fernandinho de Moraes, um espírita que recebeu orien-
tação mediúnica para criar a nova religião no Rio de Janeiro,
em 1908.
Capítulo 9    A Diversidade Religiosa do Brasil    223

Algumas considerações merecem ser feitas com relação à


natureza das práticas e ideias da umbanda. Uma delas é que,
apesar de suas origens remontarem aos ritos africanos, não
há a preocupação de preservar essas raízes. Outra é a sua
rápida expansão nos centros urbanizados, onde se apresenta
como religião aberta a qualquer pessoa, independentemente
das questões étnicas, enfatizando sua brasilidade. Para tanto,
aboliu o uso de idiomas africanos, evitou os sacrifícios de san-
gue e os processos iniciáticos, próprios desses grupos.

Outra questão relevante diz respeito à origem da compo-


sição dos conceitos que determinam as crenças umbandistas.
Há quatro matrizes na formação sincrética da umbanda, como
bem coloca Samuel Ponze em Lições de Umbanda, p. 14, 15.
Ela resulta do encontro de diversas crenças e tradições afri-
canas (cultos afro) com as formas populares do catolicismo
romano, mais influências do espiritismo kardecista e ainda
elementos da religiosidade indígena. A partir dessa constata-
ção, percebe-se que a umbanda possui uma diversidade de
elementos que a compõem e que se refletirá nas experiências
religiosas por ela desenvolvidas, de tal forma que tudo o que
se disser sobre as observações em determinada experiência
poderá ser contrariado em outra observação da vivência um-
bandista.

Recapitulando

Espera-se que esse Capítulo da Diversidade Religiosa possa


oferecer subsídios para conhecer ainda mais sobre o universo
224   Cultura Religiosa

religioso desenvolvido e indícios para dirimir possíveis confu-


sões.

Atualmente, a diversidade religiosa é uma realidade. O


pluralismo religioso é uma marca do mundo moderno e no
Brasil não é diferente. A Igreja Católica perdeu a hegemonia.
Outros grupos religiosos rivalizam e ofertam serviços religiosos
de salvação.

Pode se dizer, sem erro, que são “muuuitos” grupos, que,


a sua maneira, procuram cumprir com a sua finalidade de
religar o ser humano com Deus. Conforme Oneide Bopsin, na
obra: “Transformações no universo religioso”, p. 7, hoje, há
um verdadeiro mercado religioso e que na hora do desespero
as pessoas não olham a bandeira do barco que salva, p. 31.

No afã de ganhar adeptos, há grupos religiosos que se


apresentam como legítimos e únicos que podem levar o ser
humano a Deus. Esse comportamento pode levar a atitudes
extremistas, ao fundamentalismo e à intolerância. Os exem-
plos estão diante de nós. O que fazer diante do preconceito,
do fanatismo, das guerras em nome de religiões e da explo-
ração da fé das pessoas. Longe de querer criticar o compor-
tamento de grupos ou pessoas, há que se buscar o diálogo,
o entendimento e o trabalho de cada grupo religioso para ci-
mentar a tolerância e o respeito mútuo entre as diferentes cor-
rentes religiosas. Como bem coloca Bobsin, p. 13, a ausência
do pluralismo e, consequentemente, da diversidade, abriria
espaço para o desenvolvimento de monopólios religiosos que
restringiriam a liberdade de expressão e escolhas de cada ser.
Capítulo 9    A Diversidade Religiosa do Brasil    225

Referências

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1979.

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mudou tanto? Belo Horizonte: Jornal Opinião, 2004.

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Religiões. Petrópolis: Vozes, 1998.

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226   Cultura Religiosa

KUCHENBECKER, Walter. O Homem e o Sagrado. 5. ed.


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SILVA, A. Protestantismo. Site InfoEscola.com

_____ Pentecostalismo. Site InfoEscola.com

SMITH, Huston. As Religiões do Mundo. São Paulo: Editora


Cultrix, [s.d.].

Atividades

1) Questão Objetiva. Tomando como ponto de partida as


diferentes religiões que constituem a diversidade religiosa
brasileira, complete as lacunas de tal forma que preen-
cham corretamente a formulação de cada alternativa.

a) A origem da religião afro-brasileira está ligada aos


____________
negros trazidos da África para o Brasil e aqui
tiveram de cultuar às escondidas de seus senhores.

b) As religiões afro-brasileiras têm um processo que en-


volve a composição de vários elementos de nações
e tradições religiosas distintas que é denominado de
____________________.

c) No __________________
candomblé não há uma ênfase muito
grande em questões de ordem moral e ética, porque
Capítulo 9    A Diversidade Religiosa do Brasil    227

os orixás são desprovidos de qualquer forma de mora-


lidade.

d) A crença na mediunidade, comunicação com espíritos


e a _____________
caridade que possibilita a evolução espiritu-
al, são características doutrinárias do Espiritismo.

e) Para os espíritas _____________


Jesus não é Deus salvador,
como acredita e ensina o Cristianismo, pois o reco-
nhece apenas como um mestre e guia espiritual.

2) Questão Objetiva. O Brasil costuma ser classificado como


um país católico. Essa hegemonia religiosa, no entanto, já
está sendo ameaçada, segundo autores, pelo crescimento
de um movimento religioso, que cresce tanto no número
de fiéis quanto na influência sociopolítica do país. Estamos
falando:

a) ( x ) dos grupos evangélicos pentecostais e neopente-


costais.

b) (  ) dos grupos que constituem a religião afro-brasileira.

c) (  ) dos grupos organizados em torno do espiritismo


kardecista.

d) (  ) dos grupos que compõem o protestantismo imi-


grante.

e) (  ) dos grupos católicos conhecidos como carismáticos.

3) Questão Associativa. Ela trata das diversas tradições reli-


giosas. Faça o exame e, então, relacione as colunas com
228   Cultura Religiosa

as respectivas características das religiões abaixo, realizan-


do as devidas associações:

1) Adventistas do Sétimo Dia

2) Mórmons

3) Testemunhas de Jeová

4) Batistas

5) Seicho-no-ie

a) ( 5 ) Tem como finalidade despertar nas pessoas o sen-


timento de que são filhas de Deus e sua doutrina prin-
cipal é o caminho do progredir infinito.

b) ( 1 ) Não acredita na existência do inferno e enfatiza o


sábado como dia sagrado de descanso para os cultos
de adoração e estudo.

c) ( 3 ) Não se envolve em questões políticas e sociais.


Também não acredita na Trindade divina e nega a di-
vindade de Jesus Cristo.

d) ( 2 ) Sua origem está associada à revelação do anjo


Moroni ao líder e fundador. Mantém a crença de que
Deus já foi um ser humano.

e) ( 4 ) Entre suas práticas encontram-se o batismo ape-


nas de adultos e por imersão; concepção de que ba-
tismo e santa ceia são apenas ordenanças.
Capítulo 9    A Diversidade Religiosa do Brasil    229

4) Questão Discursiva. Considerando os aspectos abordados


no Capítulo 9 com a abordagem sobre a diversidade reli-
giosa propomos:

a) Descrever sobre a importância ou não da sala de aula,


como espaço favorável para o exercício da partilha
do conhecimento, do diálogo fraterno e respeitoso, da
liberdade de expressão.

b) Sem abrir mão de convicções ou crenças pessoais,


como o estudo, a pesquisa e a troca de saberes desse
universo religioso, na sala de aula, pode oportunizar
que alunos e alunas conheçam com maior profundida-
de diferentes grupos religiosos.

Critérios de avaliação: escrita, pertinência, argumentação


e fundamentação teórica das posições manifestas.

5) Questão Discursiva. A partir dos diferentes conceitos tra-


balhados no Capítulo 9, bem como dos próprios objeti-
vos da Disciplina, faça uma análise da charge abaixo, que
apresenta o mercado religioso.
230   Cultura Religiosa

Descreva, após, criticamente como ela se insere no contex-


to do campo religioso brasileiro.

Critérios que serão observados na avaliação: expressão es-


crita, pertinência, argumentação e fundamentação teórica das
posições observadas.
Rafael ????????
Juliano Nerbas1

Capítulo
Capítulo 10
?

O Mundo dos Valores e


a Ética Cristã 1

1 Especialista, professor de Cultura Religiosa na ULBRA - Gravataí.


232   Cultura Religiosa

Introdução

A ética é uma característica humana não encontrada em ou-


tras criaturas. O ser humano tem a capacidade de avaliar e
julgar suas ações buscando saber se são boas ou más, certas
ou erradas, justas ou injustas. Fazer essa reflexão ética sempre
foi e continua sendo um grande desafio.

No mundo da chamada pós-modernidade, o que se ex-


perimenta é o vazio e a incerteza. Para a maioria das pesso-
as não existem mais valores fixos ou absolutos. Vivemos uma
época caracterizada pela pluralidade de valores, de crenças,
de pensamentos, fazendo com que indivíduos de uma mesma
sociedade sejam orientados em suas decisões por princípios
muito diferentes. Essa convivência em meio a tantas visões di-
ferentes nem sempre é amistosa ou fácil de ser obtida.

Se somarmos a isso o impacto tecnológico sobre nossas


vidas, percebemos que a crise ética é maior do que imagina-
mos. Temos condições de fazer coisas que nossos antepassa-
dos nunca sonharam fazer. A tecnologia aumentou em muito
o alcance das decisões do ser humano, mas também aumen-
tou o dilema ético quando se busca refletir sobre as consequ-
ências e possíveis limites para essas incríveis potencialidades.
Programação genética, manipulação de embriões, desligar os
aparelhos que mantêm viva uma pessoa numa UTI, uso sus-
tentável dos recursos naturais sem prejudicar a economia após
economia. O que fazer ou não fazer, ou fazer diferente? Existe
certo e errado? Quem tem a palavra final?
Capítulo 10    O Mundo dos Valores e a ética Cristã    233

É desse contexto plural que este capítulo procura tratar, re-


fletindo sobre alguns conceitos e teorias no campo da moral
e da ética. O capítulo irá propor também a ética cristã como
o referencial ideal capaz de nortear a existência humana na
tentativa de se atingir o grande objetivo da ética – a busca do
bem comum.

10.1 Ética e moral

Quais são os princípios que determinam as minhas ações?

As palavras ética e moral, embora usadas muitas vezes


como sinônimos, possuem significados distintos. A ética tra-
ta dos princípios e valores que orientam a conduta de uma
pessoa. A moral é a prática dessa conduta ética. A ética trata
dos princípios e a moral da prática baseada nesses princípios.
Sendo assim, ética e moral não são a mesma coisa, mas estão
conectadas - ética e moral são como a teoria e a prática. Por
exemplo, se eu tenho um princípio ético que me orienta a dizer
a verdade, minha conduta moral será mentir ou não. Contudo,
nem todos levam em conta quais são os princípios éticos que
determinam suas ações. Por isso, é fundamental avançar na
compreensão da ética.

10.2 Valores

Quais são as minhas prioridades? Minhas escolhas refletem


meus valores?
234   Cultura Religiosa

A discussão ética certamente envolve a identificação e dis-


cussão de quais valores orientam as escolhas ou decisões de
alguém. E a conduta moral, ou seja, a ação prática de esco-
lher ou tomar decisões pode ou não estar de acordo com esses
valores.

Os valores se tornam importantes porque existe a liberdade


ou possibilidade de se fazer escolhas, o que torna necessário
estabelecer prioridades baseadas em nossos valores ao fazer-
mos escolhas ou tomarmos decisões.

Dois fatos podem ainda ser ressaltados. Um é o que apon-


ta para o fato de que, ao tomarem decisões cotidianamente,
os indivíduos priorizam valores mesmo sem terem consciência
deles. Outro é que, ao priorizarem valores, é comum que os
interesses de uns contrariem os de outros. Aquilo que é bom
para um, pode ser o infortúnio de outro.

A ética, ou seja, a discussão dos princípios ou valores que


orientam nossas escolhas morais, acaba assim se tornando
uma discussão também dos limites de nossas ações enquan-
to indivíduos e como grupo ou sociedade. A ética se propõe
a buscar, por meio do diálogo, a identificação desses limites
para que as atitudes ou escolhas individuais não oprimam o
bem comum, e também para que o contrário não aconteça,
ou seja, as atitudes ou escolhas coletivas ou da sociedade não
oprimam o indivíduo.
Capítulo 10    O Mundo dos Valores e a ética Cristã    235

10.3 Consciência

A consciência desempenha um papel importante no sentido


de coibir ou incentivar a tomada de determinada decisão a
partir de algum valor. Consciência é a capacidade que temos
de reagir ao certo ou ao errado, a partir daqueles que são os
nossos valores mais importantes.

Um ditado popular bastante conhecido diz que podemos


fugir de tudo, menos de nossa consciência. Podemos pergun-
tar, então, de onde vem a consciência?

Há, pelo menos, três respostas a essa questão: uma que


afirma que o ser humano já nasce tendo consciência; outra
que diz ser ela imposta pelo ambiente externo, ou seja, o ser
humano e, consequentemente, sua consciência, é moldado ao
longo do tempo pelas condições culturais externas; uma últi-
ma, ainda, considera que o ser humano já nasce com consci-
ência, mas ela também recebe informações e influência exter-
nas, sofrendo modificações ao longo do tempo.

Algo que ainda pode ser dito é que a consciência sempre


será uma instância psíquica interna e singular a cada indiví-
duo, mesmo que possamos também admitir a existência de
uma consciência social ou coletiva. Elas não são excludentes,
mas interagem entre si.
236   Cultura Religiosa

10.4 Responsabilidade

Não há como se discutir ética sem tratar de um de seus pon-


tos fundamentais: a responsabilidade. Por quem e pelo que
as pessoas se sentem responsáveis? Nos sentimos realmente
responsáveis por nossas escolhas e atitudes? Analisamos e le-
vamos em conta as consequências benéficas ou maléficas de
nossas escolhas quando tomamos decisões ou atitudes?

Nossa tendência, muitas vezes, é cobrarmos muito dos


outros, das autoridades e governantes, das instituições a res-
ponsabilidade sobre determinadas atitudes ou decisões, e nem
sempre cobrarmos de nós mesmos com a mesma intensidade
a responsabilidade de nossas próprias escolhas ou atitudes.
Isso é chamado de omissão do eu em termos de responsabi-
lidade. Por exemplo, é comum ouvirmos ou dizermos a frase:
“o brasileiro não sabe votar”. Alguém que diz essa frase em
tom de crítica, ou não é brasileiro, ou tem absoluta certeza
que sempre votou nos melhores candidatos, ou está cobrando
apenas dos outros uma responsabilidade que também é sua.

O perigo que corremos é o de chegarmos a algumas cir-


cunstâncias em que nem o indivíduo, nem a sociedade assu-
mem a responsabilidade pelo que está acontecendo. Chama-
-se esse comportamento de diluição de responsabilidade.
Capítulo 10    O Mundo dos Valores e a ética Cristã    237

10.5 Ética religiosa

Ética religiosa é aquela cujos princípios não partem de refle-


xões filosóficas, mas têm como fundamento as doutrinas prin-
cipais de uma determinada religião. Como qualquer reflexão
ética, seu ponto de partida é a liberdade do ser humano em fa-
zer ou não fazer algo. Mas, em geral, a ética religiosa entende
essa liberdade como algo limitado não apenas pelo chamado
“bem comum”, mas por um comprometimento com a vontade
ou orientação revelada pela(s) divindade(s) venerada(s) pela
religião. Outra característica comum na ética religiosa é a
crença de que as consequências da conduta moral da pessoa
não se limitam a essa vida ou situação presente, mas podem
ter implicações maiores, que vão além da vida terrena.

10.6 Ética religiosa cristã

Como todos os pensamentos religiosos, o cristianismo também


possui sua perspectiva ética. É bem verdade que a existência
de divisões dentro do cristianismo nos leva a perceber que não
há um único modo cristão de entender o tema.

Respeitadas as diferenças, de uma forma geral, a abor-


dagem religiosa cristã à ética não pode fugir da centralidade
de sua fé: Jesus Cristo. Assim, a ética religiosa cristã pode ser
sintetizada em dois fundamentos: um que enfatiza Jesus Cristo
e sua obra de salvação como fonte de orientação ética e de
poder de transformação, e outro que enfatiza a Bíblia, o Anti-
238   Cultura Religiosa

go e o Novo Testamento, como fonte e norma tanto do ensino


como das práticas cristãs.

10.6.1 A ética cristã e os valores


A ética religiosa cristã tem como valores fundamentais a von-
tade de Deus para a vida do ser humano aqui nesse mundo,
cuja expressão mais conhecida e aplicada é a expressa nos
Dez Mandamentos revelados na Bíblia.

Para os cristãos, mais do que um manual de comportamen-


to, os Dez Mandamentos são um método educativo revelado
por Deus que visa mostrar o propósito para o qual Deus criou
o ser humano e o colocou nesse mundo igualmente criado por
Deus, orientando assim a conduta humana dentro de princí-
pios movidos pelo amor a Deus, aos demais seres humanos e
à própria criação.

Costuma-se dividir os Dez Mandamentos em dois grupos:


os mandamentos que se dirigem a Deus (amar a Deus) e os
que se dirigem ao próximo (amar o próximo). Existem diferen-
tes formas de se numerar os mandamentos, pois a Bíblia não
os numera. A tradição cristã luterana identifica os mandamen-
tos como indicado a seguir.

Amar a Deus
1) “Eu sou o Senhor, teu Deus. Não terás outros deuses dian-
te de mim.” Significa que devemos confiar em Deus acima
de todas as coisas. 
Capítulo 10    O Mundo dos Valores e a ética Cristã    239

2) “Não tomarás em vão o nome do Senhor teu Deus, porque


o Senhor não terá por inocente o que tomar o Seu nome
em vão.”  Significa que em nome de Deus não devemos
amaldiçoar, jurar, praticar a feitiçaria, mentir ou enganar,
mas invocá-lo em todas as necessidades, orar, louvar e
agradecer.

3) “Santificarás o dia do descanso.” Significa que não de-


vemos desprezar a pregação e a palavra de Deus, mas
considerá-la santa, gostar de ouvi-la e de estudá-la.

Amar o próximo
4) “Honrarás a teu pai e a tua mãe, para que te vás bem e
vivas muito tempo sobre a terra.” Significa não despre-
zar nem irritar pais e superiores, mas honrá-los, servi-los,
obedecer-lhes, amá-los e querer-lhes bem.

5) “Não matarás.” Significar não causar dano ou mal algum


ao corpo do próximo, mas ajudá-lo e favorecê-lo em to-
das as necessidades corporais.

6) “Não cometerás adultério.” Significa viver uma vida cas-


ta e decente em palavras e ações, amando e honrando
aquele/aquela a quem você resolve unir sua vida.

7) “Não furtarás.” Significa não tirar do próximo o seu dinhei-


ro ou bens nem se apoderar deles por meio de mercado-
rias falsificadas ou negócios fraudulentos, mas ajudá-lo a
melhorar e conservar seus bens e seu meio de vida.
240   Cultura Religiosa

8) “Não dirás falso testemunho contra o teu próximo.” Signi-


fica não mentir nem trair, caluniar ou difamar o próximo,
mas desculpá-lo, falar bem dele e interpretar tudo da me-
lhor maneira.

9) “Não cobiçarás a casa do teu próximo.” Significa não pre-


tender adquirir com astúcia a herança ou a casa do próxi-
mo nem se apoderar dela sob a aparência de direito, mas
ajudá-lo e servi-lo para que possa conservá-la.

10) “Não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem os seus


empregados, nem o seu gado, nem coisa alguma que lhe
pertença.” Significa não apartar, desviar ou aliciar nada
que faça parte da vida do próximo ou lhe pertença, mas
auxiliar para que ele os mantenha.

10.6.2 A ética cristã e a consciência


Como vimos anteriormente, consciência é a capacidade que
temos de reagir ao certo ou ao errado, uma espécie de tri-
bunal interior que julga se determinado comportamento está
correto ou não de acordo com os princípios e valores que a
pessoa possui.

No entanto, na perspectiva da ética cristã, a consciência


não é apenas consequência de valores e princípios assimila-
dos pela pessoa com o passar do tempo. A consciência está
conectada diretamente com a chamada “lei natural” escrita
por Deus no coração do ser humano, conforme descrito na
Bíblia. Ou seja, de acordo com a fé cristã, todo ser humano,
mesmo não sendo cristão, já nasce com a capacidade, recebi-
da de Deus, de saber identificar se certas atitudes ou compor-
Capítulo 10    O Mundo dos Valores e a ética Cristã    241

tamentos são corretos ou não. E isso torna todo ser humano,


seja qual for sua convicção religiosa, responsável, diante de
Deus, por seus atos.

Por isso, segundo a fé cristã, tantas vezes sentimos nos-


sa consciência nos acusar quando não nos comportamos de
acordo com aquela que é a vontade de Deus para o ser huma-
no nesse mundo, a chamada lei de Deus, cuja expressão mais
conhecida já vimos anteriormente, são os Dez Mandamentos.

Nesse sentido, a lei de Deus serve como um espelho que


nos mostra nossa imperfeição e nossos fracassos, revelando
que todos nós, seres humanos, falhamos constantemente ao
querer, fazer, falar aquilo que não deveríamos querer, fazer ou
falar, ao deixar de fazer aquilo que deveríamos fazer, ao não
conseguirmos nos relacionar bem com as pessoas ao nosso
redor nem com o meio ambiente, enfim, a lei de Deus nos faz
perceber aquilo que a Bíblia chama de “pecado”, ou seja, a
consequência da desobediência e rebeldia humana que fez e
faz com que o ser humano não consiga mais viver da maneira
como Deus queria que ele vivesse aqui neste mundo quando
o criou.

10.6.3 A ética cristã e a responsabilidade


O dilema ético, na perspectiva cristã, não é uma questão de
conflito interno do ser humano apenas, mas tem sua origem
no conflito do ser humano com Deus, na capacidade perdida
pelo ser humano de viver e agir de forma perfeita de acordo
com o plano original de Deus, o que faz com que o ser huma-
no não consiga viver em harmonia e paz com o seu Criador,
242   Cultura Religiosa

com os outros seres humanos, com a própria natureza e nem


consigo mesmo.

Se por um lado a perspectiva ética cristã tem como um


de seus princípios o fracasso humano em viver e agir de ma-
neira correta de acordo com o plano original de Deus, por
outro lado, nem tudo está perdido, pois a ética cristã também
tem como princípio a fé na restauração, ainda que incompleta
aqui neste mundo, dessa capacidade de tentar viver de acordo
com o plano do Criador, de se buscar um comportamento que
reflita o amor a Deus, aos outros seres humanos e a toda a
criação.

E essa restauração não é resultado de nenhum esforço ou


exercício ético humano, mas é uma iniciativa e ação do próprio
Criador. Segundo a fé cristã, essa possibilidade de restauração
do plano original de Deus para a vida do ser humano começa
com o próprio Deus ao enviar seu Filho Jesus Cristo ao mundo
para ser aquele que conseguiu ser perfeito em lugar dos seres
humanos imperfeitos, e ao dar sua vida na cruz resgatou a
possibilidade de o ser humano receber perdão por todos os
seus fracassos e viver novamente em paz com o Criador.

Portanto, a ética cristã entende que, pela fé em Jesus, o


relacionamento vertical do ser humano com Deus é restabe-
lecido permitindo que, por meio dessa mesma fé e da ação
de Deus na vida do ser humano, uma nova perspectiva seja
possível para buscar uma conduta correta inspirada no amor
que Deus tem pelo ser humano e que agora, pela fé em Jesus,
faz com que as relações horizontais, do ser humano com os
Capítulo 10    O Mundo dos Valores e a ética Cristã    243

outros seres humanos e com a própria natureza, possam ser


melhoradas.

Em paz com sua consciência, pois foi amado e perdoado


por Deus apesar de todos os seus fracassos e imperfeições, o
ser humano, apesar de continuar sendo imperfeito, recebe de
Deus, pela fé, a motivação correta e a capacidade de tentar
viver tendo como valores éticos a lei de Deus, podendo, dessa
forma, assumir, por amor a Deus em primeiro lugar, suas dife-
rentes responsabilidades na sua família, no seu trabalho e na
sociedade.

10.7 Ética cristã aplicada

Os cristãos estão cientes de que, hoje, grande parte da po-


pulação, senão a maioria, dentro de suas liberdades indivi-
duais, não faz parte do cristianismo. Ainda assim, os cristãos
entendem que seus princípios éticos baseados no amor a Deus
e ao próximo podem contribuir na busca do chamado “bem
comum”.

O compromisso da ética cristã é com a vida, em sua ple-


nitude. A seguir, apresentamos alguns apontamentos que, de
forma resumida, procuram, na discussão de alguns temas im-
portantes, apontar a ação desejada pela ética cristã.

10.7.1 Responsabilidade social


A ética cristã estabelece que todo ser humano deve ser res-
peitado como pessoa amada por Deus e que toda pessoa,
244   Cultura Religiosa

amiga ou inimiga, é nosso próximo. Amar o próximo inclui,


necessariamente, o cuidado com ele. Isso significa não ape-
nas proteger os inocentes, mas agir de modo efetivo a fim de
tentar garantir o bem-estar de todos. Cuidar do próximo aqui
também não significa apenas zelar pela sua espiritualidade,
mas também pelo seu bem-estar afetivo, emocional, material,
incluindo todas as necessidades básicas do ser humano.

A ética cristã prescreve que, por amor, a pessoa que é cristã


procura exercer sua responsabilidade:

ÂÂpara com sua própria vida – cuidando de sua própria


saúde física e mental, grato a Deus pelo dom da vida
que recebeu;

ÂÂno lar - provendo o necessário para o bem-estar de


todos os seus familiares, tendo por base o cuidado, a
compreensão, o perdão, a confiança e o respeito na
maneira de se relacionar com o cônjuge, com os filhos
e todos os demais integrantes da família;

ÂÂno seu trabalho – vivendo de maneira honesta e bus-


cando, por meio de sua profissão ou atividade, promo-
ver não apenas o seu sustento mas o bem do próximo
também;

ÂÂsocial – buscando contribuir de todas as formas para


que seres humanos, amados por Deus em primeiro lu-
gar, mas desprovidos de recursos para uma vida mini-
mamente digna, possam ser atendidos em suas necessi-
dades básicas;
Capítulo 10    O Mundo dos Valores e a ética Cristã    245

ÂÂde cidadão – prestando o devido respeito a todo o tipo


de autoridade, por entender que o conceito de autori-
dade foi estabelecido por Deus para garantir a mínima
ordem e paz neste mundo, preocupando-se não apenas
com seus direitos, mas cumprindo seus deveres e as leis
do país.

10.7.2 Bioética
A Bioética é uma área específica da ética que promove uma
“reflexão interdisciplinar, complexa e compartilhada sobre a
adequação de ações que envolvem a vida e o viver” (Goldim,
José Roberto [org.]. Bioética e espiritualidade. 2007: p. 11).
Portanto, todas as áreas que se ocupam e se preocupam com
a vida e o viver terão alguma participação na discussão bio-
ética.

A ética cristã não propõe uma discussão que necessaria-


mente confronte fé e ciência. A fé cristã acredita que a razão
humana é obra de Deus e também por meio da ciência Deus
continua cuidando de sua criação. Mas sempre que o ser hu-
mano ou a própria ciência extrapola os limites dos propósitos
de Deus para o ser humano, revelados em sua lei, as conse-
quências normalmente são ruins, especialmente nas questões
que envolvem o respeito à vida como uma dádiva de Deus.

10.7.3 A sacralidade da vida


“Quem é o ser humano? Quem somos nós?”. Essa é uma per-
gunta importante na discussão ética a partir da filosofia. Numa
visão ética cristã, essa pergunta só pode ser respondida depois
246   Cultura Religiosa

que uma pergunta ainda mais importante seja feita: “de quem
nós somos?”.

A fé cristã reconhece Deus como criador e sustentador da


vida e do viver. A dignidade da vida, portanto, não intrínseca
apenas, mas a vida é digna de ser respeitada e preservada
porque, em primeiro lugar, é obra de Deus desde a forma-
ção do zigoto, a primeira célula com DNA próprio resultante
da fecundação do óvulo pelo espermatozoide. A fé no Deus
criador e preservador faz com que a pessoa que é cristã se
comprometa eticamente com a defesa da vida. A proposta da
fé cristã para a Bioética resgata o respeito profundo pela vida
e seu mistério. Essa visão cristã contrapõe a dessacralização
da vida por parte daqueles que ignoram o Criador, tratando
então a criação como coisa a ser explorada e manipulada sem
limites éticos.

A ética cristã propõe sermos corresponsáveis, uns pelos ou-


tros, sejam eles quem quer que sejam, não importando seu
estágio de desenvolvimento, suas capacidades ou “utilidades”,
seu potencial ou qualquer outro critério que não seja a de que
a vida humana seja enxergada na perspectiva de que ela per-
tence em primeiro lugar a Deus que a nós concede a dádiva
de vivê-la.

10.7.4 Aborto
O mandamento “não matarás” proíbe o homicídio, mas tam-
bém alerta para a preservação da vida humana, protegendo-a
de qualquer perigo ou dano, e evitando a possibilidade de
que ela seja tirada ou interrompida. Por isso, a utilização e o
Capítulo 10    O Mundo dos Valores e a ética Cristã    247

consentimento com o uso de qualquer meio que crie situações


de risco à vida humana também é condenado por esse man-
damento e, assim, torna-se motivo de preocupação bioética
numa perspectiva cristã.

Sendo assim, qualquer interrupção, provocada pelo ser


humano, do processo de desenvolvimento de uma nova vida
criada por Deus é compreendida pela ética cristã como con-
trária à vontade do Senhor.

Na relação com aqueles que são favoráveis ao aborto é


importante registrar que o cristão deve respeitar a decisão pes-
soal do outro e ajudá-lo a viver da melhor forma possível, es-
pecialmente porque o aborto pode gerar inúmeros sentimen-
tos e traumas emocionais. Portanto, mesmo não concordando
com o aborto, o cristão irá esmerar-se no cuidado e acolhi-
mento daqueles que eventualmente o praticaram, anunciando
a graça do perdão. 

10.7.5 D
 escarte e destruição de embriões
humanos
A vida humana deve ser preservada, pois é obra de Deus. Essa
valorização e dignidade se estendem a qualquer estágio de
desenvolvimento da vida humana, inclusive o estágio embrio-
nário, logo após a concepção.

O descarte ou destruição consciente de embriões, durante


técnicas de reprodução humana assistida ou para fins de pes-
quisa com células-tronco, na perspectiva da fé cristã, significa
eliminação de vidas humanas e, portanto, algo contrário à
vontade de Deus.
248   Cultura Religiosa

Cabe aqui ressaltar a preocupação da ética cristã com al-


guns outros aspectos envolvidos em algumas técnicas de re-
produção humana assistida, tais como a inseminação artificial
heteróloga, que é a utilização de esperma e/ou óvulos doados
por terceiros, ou seja, a geração de um filho com material
genético que não pertence ao casal, ou ainda a possibilidade
da chamada mãe de aluguel que “empresta” o útero para ge-
rar um filho que não é seu e que será entregue aos pais que
pagaram pelo procedimento regido por contrato. Tais possibi-
lidades contrariam os princípios bíblicos da geração de filhos
previstos numa união de um casal comprometido entre si e
diante de Deus em voto de fidelidade que, nesse caso, estaria
sendo colocado em segundo plano, ainda que o desejo seja
gerar um filho, mas em condições que mesmo sendo viáveis
na técnica humana contrariam a lei de Deus.

10.7.6 Eutanásia
O termo eutanásia significa literalmente “boa morte”, isto é,
abreviar serenamente a vida de quem sofre doença incurável,
interrompendo o sofrimento. Há diferentes tipos de eutanásia:
ativa, passiva, voluntária, involuntária etc. Não há como apro-
fundarmos o tema nesta breve exposição, mas cabe o desafio
da pesquisa adicional.

A ética cristã é contra a eutanásia, pois interromper uma


vida, ainda que com o propósito de abreviar o sofrimento, é
assumir uma autoridade que pertence exclusivamente a Deus
que nos dá a própria vida.
Capítulo 10    O Mundo dos Valores e a ética Cristã    249

O tema da eutanásia é complexo, mas provoca outra dis-


cussão importante sob a perspectiva ética cristã, que também
pode ser aplicada à questão do aborto, que é o perigo de, sob
a alegação de abreviar ou evitar o sofrimento, criar uma so-
ciedade disposta a descartar ou eliminar vidas humanas para
isso, acabando por estabelecer a sobrevivência ou permanên-
cia apenas daquelas vidas humanas que não representam mo-
tivo de sofrimento, para si mesmos ou para outros.

10.7.7 Pena de morte


A pena de morte é um tema polêmico e sempre presente nas
discussões sobre ética aplicada. Há argumentos importantes
tanto por parte daqueles que são a favor da aplicação e lega-
lização da pena de morte quanto daqueles que são contrários
à aplicação da pena capital.

Em geral, a ética cristã reconhece a pena de morte como


um instrumento que pode ser usado pela autoridade constitu-
ída para combater e punir o mal, conforme a própria Bíblia
ensina. Mas a necessidade ou a eficácia de se utilizar a pena
de morte como meio para isso não é unanimidade entre os
cristãos. Muitos, inclusive, posicionam-se de forma contrária,
por entender que Deus é o Senhor da vida e da morte e que,
mesmo criminosos são alvos do amor de Deus e merecem ser
vistos como “o nosso próximo”, sendo que por eles devemos
também zelar.
250   Cultura Religiosa

10.7.8 Sustentabilidade
A ética cristã entende que toda vida na terra é criação divi-
na e compete aos seres humanos conservá-la. Buscar a pre-
servação e utilização adequada dos recursos naturais é uma
manifestação do amor a Deus, às outras criaturas e à própria
criação. No reconhecimento do Criador, a ética cristã desper-
ta para a responsabilidade e o compromisso com a criação
como preciosa dádiva de Deus, pois a Bíblia diz que tudo que
Deus criou é bom. Sendo assim, passa-se a buscar o uso con-
veniente da criação para sustento de toda a vida, o equilíbrio
entre o uso e o abuso, um ser humano consciente de sua rela-
ção com o Criador e assim administrador das dádivas divinas,
esforçando-se no controle da maldade e cobiça humana que
é a grande ameaça ao mundo abençoado por Deus.

A sustentabilidade só é possível se mudar a forma de ser,


pensar e agir do ser humano. Por isso, a utilização correta dos
recursos naturais e o combate ao desperdício e à destruição
do meio ambiente, para o cristão, não dependem de políticas
públicas apenas, mas inicia pela mudança consciente de seus
próprios hábitos e práticas, pois se sente corresponsável pela
criação como consequência do amor e perdão recebidos do
próprio Deus Criador.

Recapitulando

Vivemos uma época caracterizada pela pluralidade de valores e


pela incerteza, especialmente diante de decisões que envolvem a
vida e o viver. Os avanços tecnológicos aumentam esse dilema, pois
Capítulo 10    O Mundo dos Valores e a ética Cristã    251

colocam nas mãos do ser humano um potencial nunca antes ima-


ginado. Mas é necessário refletir sobre as consequências e os
limites para essas incríveis potencialidades. Refletir antes de
tomar decisões e fazer escolhas é uma característica humana.
Por isso, a reflexão ética é necessária. A ética trata dos princípios
que orientam nossas decisões e escolhas como indivíduos e como
sociedade. Existe a reflexão ética religiosa que tem como valores a
fé na revelação de uma ou mais divindades. A ética religiosa cristã
tem como valores fundamentais a vontade de Deus para a vida do
ser humano aqui nesse mundo revelada na Bíblia: amar a Deus e
amar o próximo. A ética cristã reconhece a imperfeição humana em
cumprir a vontade de Deus, mas também crê no perdão por meio
de Jesus Cristo e a possibilidade de, pela fé, restabelecer-se a co-
munhão com Deus e com a ajuda de Deus, buscar-se uma conduta
moral de acordo com os propósitos divinos. A relação com Deus
(vertical) precisa ser corrigida pela fé em Jesus para que a relação
com o próximo e com o mundo (horizontal) possa acontecer de ma-
neira satisfatória e correta. A partir disso, a ética cristã se caracteriza
pelo respeito e preservação da vida humana como dádiva de Deus
em todos os seus estágios de desenvolvimento, o que traz preocu-
pações éticas importantes para questões como aborto, descarte de
embriões e eutanásia, por exemplo, além da responsabilidade com
o uso correto dos recursos naturais, pois o cristão reconhece todo o
meio ambiente como obra de Deus.

Referências

FORELL, George. Ética da decisão. São Leopoldo: Sinodal,


1988.
252   Cultura Religiosa

MEILAENDER, Gilbert. Bioética: um guia para os cristãos. São


Paulo: Vida Nova, 1997.

NEDEL, José. Ética aplicada – pontos e contrapontos. São


Leopoldo: Ed. UNISINOS, 2004.

GOLDIM, José Roberto (Org.). Bioética & Espiritualidade.


Porto Alegre: EDIPUCRS, 2007.

WARTH, Martim Carlos. A ética de cada dia. Canoas: Ed.


ULBRA, 2002.

WESTPHAL, Euler Carlos. Bioética. São Leopoldo: Sinodal,


2006.

VALLS, Álvaro L.M. O que é ética. 2. ed. São Paulo: Brasilien-


se, 1987.

Atividades

1) A partir dos estudos desenvolvidos nesse capítulo, assinale


a alternativa que melhor define ética:

a) Ética é uma reflexão pouco produtiva, pois o ponto de


vista pessoal de cada um é o que importa e as conse-
quências dos meus atos só interessam a mim mesmo.

b) Ética e moral são sinônimos, pois ambos os conceitos


impedem a tomada de decisões coletivas.

c) Ética é uma característica humana, pois o ser humano


é capaz de refletir antes de fazer escolhas.
Capítulo 10    O Mundo dos Valores e a ética Cristã    253

d) Ética é uma característica de todos os seres vivos, pois


todos os seres vivos são capazes de refletir e fazer es-
colhas entre o certo e o errado.

e) Ética pouco importa, pois não há como saber de fato


se algo é certo ou errado – tudo é relativo.

2) Leia com atenção e assinale a alternativa que melhor expli-


ca o que são as relações vertical e horizontal na perspecti-
va da ética religiosa cristã:

a) A relação vertical é a do ser humano com sua própria


liberdade e a horizontal é a sua capacidade de decidir
sozinho.

b) A relação vertical é a de Deus com o ser humano pela


fé e a relação horizontal é a do ser humano para com
outros seres humanos e com o mundo a seu redor.

c) A relação vertical é a de Deus com o ser humano e a


horizontal é a do ser humano consigo mesmo.

d) Não existe de fato uma relação vertical, mas apenas


uma relação entre seres humanos baseada na sobrevi-
vência da espécie.

e) Nenhuma das alternativas está correta.

3) Na perspectiva da ética religiosa cristã, podemos dizer que


a vida humana é:

a) Digna de ser respeitada, pois é extremamente comple-


xa do ponto de vista biológico e genético.
254   Cultura Religiosa

b) Deve ser preservada apenas no caso de vulnerabilida-


de social.

c) A vida humana não possui dignidade alguma por cau-


sa do pecado.

d) A vida humana é digna de todo o respeito e cuidado,


pois é obra e dádiva de Deus.

e) Nenhuma das alternativas está correta.

4) A questão ambiental, na perspectiva cristã, tem como prin-


cípio básico:

a) O reconhecimento de que a natureza é obra de Deus.

b) A sobrevivência das espécies mais adaptadas às mu-


danças ambientais.

c) Os recursos naturais podem ser explorados indiscri-


minadamente, pois Deus deu essa autoridade ao ser
humano ao criá-lo.

d) A natureza deve ser preservada, pois uma parte de


Deus está presente em todos os seres vivos.

e) Os recursos naturais nunca se esgotarão, pois essa


não é a vontade de Deus.

5) Escolha qual das alternativas expressa melhor a relação


entre tecnologia e ética conforme o capítulo recém-estu-
dado:
Capítulo 10    O Mundo dos Valores e a ética Cristã    255

a) Discutir limites éticos quando se trata de tecnologia é


um retrocesso inaceitável, pois impede o progresso da
humanidade.

b) Discutir limites éticos é algo necessário quando se trata


da preservação da vida e do meio ambiente, pois es-
ses são valores essenciais.

c) Discutir limites éticos é algo necessário, pois a huma-


nidade investe muito dinheiro em pesquisa tecnológica
e pouco dinheiro na publicação de livros sobre ética.

d) Ciência e fé são temas totalmente opostos e por isso


nenhuma discussão ética nesse sentido é relevante.

e) O avanço tecnológico só traz novos problemas e no-


vos dilemas éticos.
256  Gabaritos

Gabarito

Capítulo 1
1) c

2) a; d

3) a

4) A resposta dessa questão pode ser formulada através da


leitura do tópico 1.9 do capítulo 1. A resposta pode ser
pessoal e deve ser reflexiva. Você também pode pesquisar
sobre tolerância religiosa em outras fontes.

5) A resposta desta questão pode ser formulada através da


leitura do tópico 1.10 do capítulo 1. Você poderá usar
aqui exemplos pessoais na relação diária com outras pes-
soas.

Capítulo 2
1) F; V; V.

2) c; d; b; a.

3) Templo de Epidauro; demônios.

4) A participação no culto e na prece beneficia a saúde


graças aos efeitos fisiológicos das emoções positivas. A
fé, pura e simples, beneficia a saúde ao inspirar pen-
samentos de esperança e de otimismo e expectativas
positivas; o conforto espiritual não apenas aumenta a
esperança de vida dos pacientes terminais como diminui
Gabaritos  257

os índices de depressão, de ideias suicidas e de desejo


de morte breve.

5) Porque, numa análise multi e interdisciplinar, é preciso


verificar se o conjunto de sintomas não pode ser diag-
nosticado como algum tipo de transtorno de personali-
dade, como dissociações de personalidade ou até mes-
mo como expressões de catarse individual ou coletiva.

Capítulo 3
1) d

2) b, d

3) c

4) A resposta dessa questão pode ser formulada através


da leitura de todos os tópicos do capítulo 3. Você pode
escrever a partir da sua própria experiência com a re-
ligião.

5) A resposta desta questão pode ser formulada através


da leitura do tópico 2 do capítulo 3. Você pode escre-
ver a partir da sua própria experiência com a religião.

Capítulo 4
1) c

2) d

3) a
258  Gabaritos

4) Ambas são religiões monoteístas, proféticas, que con-


sideram Abraão seu patriarca. Surgiram no Oriente
Médio, creem na existência de anjos, céu e inferno. A
diferenças podem ser apontadas a partir do seu livro
sagrado, a Torá dos Judeus e o Corão dos muçulma-
nos. Judeus não procuram disseminar sua religião de
forma tão enfática quanto os islâmicos.

5) Os judeus sofreram perseguições e foram vítimas de


um verdadeiro genocídio impetrado pelos Nazistas, os
quais tinham principalmente motivações racistas. O
Estado Islâmico é também muito violento com as suas
vítimas. As razões também podem ter uma motivação
racista, mas, principalmente a intolerância religiosa.

Capítulo 5
1) V; V; F

2) c

3) Prevenção; reflexão; reparação; retificação de vida.

4) Perdoar e reconciliar são conceitos diferentes. O perdo-


ar é uma relação consigo mesmo, já o reconciliar en-
volve a relação com o outro, que nos feriu. Podemos
perdoar mesmo que não haja reconciliação, até porque
por vezes ela é impossível de acontecer concretamente.

5) Diferentemente de tantas abordagens religiosas, onde o


indivíduo precisa buscar pagar suas culpas a partir de
obras, atos e ritos, a proposta bíblico-cristã afirma que
Gabaritos  259

Deus já pagou os pecados do ser humano, ofertando o


perdão absolutamente de graça para aqueles que cre-
em na obra de Deus realizada em Jesus Cristo.

Capítulo 6
1) b

2) a; c

3) c

4) 
Para responder a essa questão você pode pesquisar
nos evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João. Você
pode usar outras fontes, além do capítulo 6 deste livro.

5) Esta é uma resposta pessoal a partir das experiências


pessoais e de depoimentos de outras pessoas, além do
texto do capítulo 6 deste livro.

Capítulo 7
1) a

2) c

3) e

4) A mensagem cristã pode ser resumida através da ex-


pressão “misericórdia”, ou seja, Deus se aproxima do
ser humano com compaixão e procura identificar-se
com esse; também a expressão “amor”, que significa
autodoação e autossacrifício em favor do outro.
260  Gabaritos

5) Para Deus aquelas pessoas que não confiam em si


próprias, mas confiam inteiramente no amor de Deus,
estas encontram verdadeiro consolo, verdadeira paz e
riquezas que o mundo não lhes pode roubar, pois têm
valor eterno.

Capítulo 8
1) a) fé, b) indulgências, c) 95 teses, d) Escritura, e) Igreja
Católica.

2) c

3) b

4) Para responder esta questão você poderá pesquisar no


tópico 8.1, do capítulo 8. Seja objetivo e claro na res-
posta.

5) Para responder a esta questão leia o capítulo 8, espe-


cialmente o primeiro tópico. Critérios de avaliação: es-
crita, pertinência, argumentação e fundamentação teó-
rica das posições manifestas.

Capítulo 9
1) escravos, sincretismo, candomblé, reencarnação, Jesus.

2) a

3) 5; 1; 3; 2; 4
Gabaritos  261

4) A resposta dessa questão pode ser formulada através da


leitura dos tópicos trabalhados na capítulo 9. A resposta
pode ser pessoal e deve ser reflexiva.

5) A resposta desta questão pode ser formulada através da


leitura dos tópicos trabalhados na capítulo 9. A resposta
pode ser pessoal e deve ser reflexiva. Você também pode
pesquisar sobre tolerância religiosa em outras fontes.
Critérios que serão observados na avaliação: expressão
escrita, pertinência, argumentação e fundamentação te-
órica das posições observadas.

Capítulo 10
1) c

2) b

3) d

4) a

5) b

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