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1 INTRODUCAO 1. A Primazia da Pregacéo Corria o ano sessenta e seis. Da tmida cela romana em que aguardava seu proceso final, o anciao Paulo escrevia a Timéteo, seu filho na fé. Era a sua Ultima carta e nela derramava a alma em palavras de conselho, de estimulo, de exortagdo e de adverténcia. J4 para terminar, reuniu a esséncia de tudo quanto houvera dito numa recomendagao final: Conjuro-te diante de Deus e de Cristo Jesus, que hé de julgar os vivos e os mortos, pela sua vinda ¢ pelo seu rein; prega a palavra, insta a tempo e fora de tempo, admoesta, repre- ende, exorta, com toda longanimidade ¢ ensino, Porque vird tempo em que nao suporta- rdoa sf doutrina; mas, tendo grande desejo de ouvir coisas agradavéis, ajuntardo para si mestres segundo os seus préprios desejos, endo s6 desviardo 0 ouvidos da verdade, mas Se voltardo as fabulas. Tu, porém, sé sobrio em tudo, sofre as afligses, faze a obra de um evangelista, cumpre bem 0 teu ministério. Quanto a mim, j4 estou sendo derramado ‘como libacdo, e o tempo da minha partida esté préximo (II Tim. 4:1-8), O dever principal de Timéteo era 'pregar. Os motivos mais solenes 0 impulstonavam a isso. Logo Paulo deixaria de existir. Calada a voz daquele que ‘‘desde Jerusalém e arredores, até a Tiria, havia divulgado o evangelho de Cristo’ (Rom, 15:19), era mister que outra voz anunciasse as boas-novas. Ademais, a oportunidade passava. Divisavam-se j4 os tempos em que os homens néo prestariam atencdo 4 mensagem de vida, antes procurando mestres que acariciassem seus ouvidos com palavras meli- fluas de uma falsa paz. Portanto, tinha que aproveitar a oportunidade presente. Outro motivo era o fato de estar atuando constantemente ‘‘diante de Deus’. O olho divino vigiava-o, tomando nota de seu trabalho. Por ‘iltimo, a perspectiva de juizo final em que o Senhor Jesus, ‘“o Principe dos pastores”’, premiaria com “a imarceseivel coroa da gloria” (I Ped. 5:4) os que houvessem, com fidelidade, desempenhado sua missdo animava-o a ser constante e diligente em seu ministério da pregacao. As palavras dirigidas a Timéteo tém uma aplicagdo permanente a igreja do Senhor. Sua tarefa principal é a pregagdo.*Quando Cristo subiu ao monte e chamou a si os que quis e os estabeleceu como corpo apostélico, seu propésito foi “para que estivessem com ele, e os mandasse a pregar: ¢ para que tivessem autoridade de expulsar os deménios" (Mar. 3:14,15). A comunhao com Cristo seria sua preparagao; os milagres de cura seriam credenciais para sua mensagem, no tempo transitério da cimentagao da causa cristé num mundo hostil; a obra central haveria de ser a da Pregacéio. Quando os doze foram enviados de dois em dois a percorrer a 15 provincia da Galiléia, suas instrugées foram: "EH indo, pregai..." (Mat. 10:7). Quando os apéstolos pediram um sinal da vinda futura do Senhor e do fim do mundo, destacou que ‘este evangelho do reino seré pregado no mundo inteiro, em testemunho a todas as na¢ées, e entao vird o fim’ (Mat. 24:14). H quando o Mestre quis reduzir sua grande comisso & forma mais breve possivel, expressou-a nestas palavras: ‘Ide por todo o mundo, e pregai o evangelho a toda criatura”’ (Mar. 16:15). Aprimazia da pregacao foi bem entendida pela igreja primitiva. Quando Filipe desceu a cidade de Saméria, “pregava-lhes...”” (At. 8:5). Quando Pedro se apresentou diante do centurido romano em Cesaréla, disse-Ihe que o Senhor ‘nos mandou pregar’’ (At. 10:42). Quando os filésofos atenienses quiseram fazer uma descri¢éo de Paulo, disseram: ‘‘...parece ser pregador”’ (At. 17:18). B tinham toda a razdo, porque o apéstolo mesmo considerava a pregacaéo sua principal tarefa, como vemos em sua declara- cdo & Igreja de Corinto, quando disse: ‘Porque Cristo no me enviou para batizar, mas para pregar o evangelho” (I Cor. 1:17). Tanto era assim que Paulo conceituava como uma impossibilidade 0 fato de que as pessoas pudessem crer ‘se nao hé quem pregue’’ (Rom. 10:14). “Assim prega- mos”, disse, ‘‘e assim crestes” (I Cor. 15:11). Por isso, 0 doutor B. C. Dargan, em sua monumental A Histéria da Pregacdo, disse o seguinte: 0 fundador do cristianismo foi, por sua vez, o primeiro entre os seus pregadores; porém foi antecipado por seu precursor e seguido de seus apéstolos, e na pregacao destes a pro- clamagao ¢ 0 ensino da Palavra de Deus por meio do discurso publico foram convertidos na marea essencial e permanente da religide crista.1 Anistéria confirma esta declaragSo. Através dos séculos, é notavel o fato de que a maior expansao do reino de Deus na terra colncidiu precisamente com as épocas em que mais floresceu a pregagao da Palavra. 2. A Pregacdo Definida © que entendemos por pregacdo? Entre as muitas definigdes que tém sido dadas, a mais conhecida, sem divida, é aquela que o bispo Phillips Brooks expos em 1876, numa Série de conferéncias aos estudantes para o ministério na Universidade de Yale: A’ pregacdo é a comunicacdo da verdade por um homem aos homens. Tem em si dois elementos: a verdade e a personalidade. Nao pode preseindir de nenhum destes dois elementos e continuar sendo pregagio. A verdade mais certa, a declaragao mais autorizada da vontade divina, se é comunicada aos homens de qualquer outro modo que nao seja através da personalidade de um homem irmdo, no é uma verdade pregada, Suponhamos que esta verdade esteja escrita sobre os céus ou incorporada num livre produzido pela comunicac#o direta de Deus durante tantos anos que a viva personalidade dos homens que o escreveram fique quase apagada; em nenhum desses casos ha pregacdo. Por outro lado, se os homens comunicam aos demals homens algo que nio pretendem que seja a verdade, se empregam seus poderes de persuasdo ou de entreteni- mento para conseguir que se dé alenc&o As suas préprias especulagGes ou com o fim de ue seja feita a sua propria vontade ou que sejam aplaudides os seus préprios talentos: isto também ngo € pregacio. O primeiro carece da personalidade eo segundo, da verdade. E a pregagio 6 a apresenlacio da verdade através da personalidade, Ambos os elementos so, forcosamente, necessarios. TDARGAN, B.C, A History of Preaching, 2 vols. Grand Rapids, Baker Book House, 1954, TT, p.'7. BROOKS, Phillips. Lectures on Preathing. Grand Rapids, Zondervan Publishing House, n.'d., D.5. 16 Sem diminuir o mérito desta classica definigéo, podemos sugerir a conveniéneia de agregar-Ihe a0 menos dois elementos mais. De um lado, deve ser especificado que a verdade que constitui o material da pregagao cristé é preeminentemente de indole religiosa e que tem por centro de referéncia Cristo crucificado e ressuscitado. A este respeito é melhor a defini¢éo de Bernardo Manning: “A pregacéo é uma manifesta- gio do Verbo Encarnado desde o Verbo escrito e por meio do Verbo falado.""* Reconhecemos que toda a verdade é de Deus e admitimos o direito e ainda a obrigagao do pregador de utilizar toda sorte de conheci- mentos na elaborag&o de suas mensageys. A semelhanga de Elit, traré de longe © seu conhecimento e atribuird a‘justi¢a ao seu Criador (J6 36:3). Porém nao 6 demais insistir em que a 4rea peculiar do pillpito cristao é a verdade divina do modo como esta se fez conhecer em Cristo Jesus e como tem sido conservada nas Sagradas Escrituras. ‘Temos também que notar que a definigéo de Brooks deixa de mencionar © propésito da prega¢ao. Msta 6 uma falta de sérias proporgoes, ainda que, por justiga, deve-se dizer que no curso de suas conferéncias, ao tratar do sermao, Brooks abordou a questéo do propésito com clareza e acerto. ‘ sermao”, disse ele, ‘‘existe por seu propésito e para seu propésito, a saber, persuadir e mover as almas dos homeng’’.‘ © de se lamentar que este elemento no tenha sido incorporado na famosa definicéo de pregagao. ‘Transcrevemos, em seguida, trés definigGes que, a nosso juizo, sio melho- res que as duas dadas acima. Transparece nelas 0 fundamento do propési- to da pregagao. Segundo 9 doutor A. E. Garvie, a pregagiio é ‘a verdade divina através da personalidade humana para.a vida eterna”. ° Andrew Blackwood expressou-se nestes termos: ‘'O que é que entende- mos por pregagao? Significa a verdade divina comunicada através da personalidade, ou seja, a verdade de Deus proclamada por uma personali- dade escolhida com o fim de satisfazer as necessidades humanag’’.° Por sua admirdvel brevidade e simetria, o autor destas linhas prefere a definigéo dada por Pattison: fA pregagao é a comunicacao verbal da verdade divina com o fim de persuadiz”’.7) 3. A Definicdo Analisada Vale a pena determo-nos aqui para analisar esta tiltima, definigao. 1) Observemos, em primeiro lugar, qual é 9 material da pregaco. ‘a verdade pune ‘Num sentido, pode-se dizer que toda verdade é ‘‘verdade divina”, uma Yez que Deus é verdade (Deut. 82:4) e que ao criar tudo quanto existe imprimiu ai o selo de sua propria veracidade. E como a verdade, sendo fundamentalmente uma, ndo pode se contradizer a si mesma, uma verdade cientifica ou comercial pode ser considerada como uma verdade divina, Entretanto, uma conferéncia sobre a desintegragdo do tomo ou sobre as vantagens do comércio internacional nao seria, de modo algum, uma pregagao. 8 SANGSTER, W. E. The Craft of Sermon Construction. Philadelphia, The West- minster Press, Copyright 1861 by W. L. Jenlkins, p. 14. 4 BROOKS, op, ot. p. 110. 5 GARViit, Alfred Ernest. The Christian Preacher. Edinburgh: T. & T Clark, 1920, p.9. 6 BLACKWOOD, Andrew Watterson. The Preparation of Sermons. Nashville, Abing- don — Cokesbury Press, 1948, p. 13. 7 PATTISON, T. Harwood. The Making of the Sermon. Philadelphia, The American Baptist Publication Society, 1941, p. 3. WT a. Em primeiro lugar, encontramos o discurso informal ou familiar. ‘Temos evidéncia disso em Marcos 2:2, Atos 4:1,31 ¢ 14:25, onde se emprega a palavra ‘falar’, e em Atos 20:11, onde a expressdo do original (homiléw) significa “conversar”’. Nesta Ultima passagem, temos 0 discur- no de Paulo perante os crentes de Troas, quando o apéstolo ''...ainda Ines falou largamente até o romper do dia’. A palavra traduzida aqui por “falou” da a idéia de um discurso argumentativo de pensamentos bem ponderados. Tal discurso fez adormecer a um dos irméos, pois lemos que ‘certo jovem, por nome Fuutico... tomado de um sono profundo... vencido pelo sono cait do terceiro andar abaixo"’. Quando 0 pobre Eutico fot devolvido & congregagao, lemos que Paulo ‘“falou largamente até o romper do dia’, Mas aqui a palavra é ‘‘conversagao”’. Ainda que 0 susto que todos ‘varam com 0 infortinio de Eutico tenha sido suficiente, sem divida, para ihes tirar o sono, creio nao fazer violéncia a reta interpretagao biblica ao sugerir que a mudanga no tipo de discurso ajudou também para manter a congregacdo desperta durante o resto da noite. Talvez alguns pregadores dia atualidade encontrem nesta experiéncia apostélica uma frutifera suges- tao. Indica que o discurso informal ou familiar é mais facilmente seguido pelas mentes cansadas ou pouco disciplinadas, e aconselha 4 pratica de se variar a intensidade do discurso, ainda que dentro dos limites de um s6 sermao, para proporcionar descanso mental aos ouvintes. b. O segundo tipo de discurso empregado pelos apéstolos foi o explicatl- vo. Dezesseis vezes em Atos se emprega o verbo “‘ensinar”’ para descrever 6s discursos apostolicos. Isto em si serla suficiente para indicar a existén- cia do discurso explicativo, porém temos evidéncia ainda mais clara. Em ‘Atos 17:1-4 encontramos @ histéria da atividade do apéstolo Paulo em ‘Pessalénica. Seguindo seu plano normal de trabalho, ao chegar a nova cidade ele se dirigiu primeiramente a sinagoga judaica ¢ por trés sbados ‘consecutivos “discutiu com eles sobre as Bscrituras, expondo e demons- trando que era necessdrio que o Cristo padecesse ¢ ressuscitasse dentre os mortos; e este Jesus que eu vos anuncio, dizia ele, 6 0 Cristo”’ Por agora nos interessam nesta passagem dois termos, traduzidos por xpondo e demonstrando”’. O primeiro em grego é dianoigw, que signifi- ca literalmente “abrindo pelo processo de separagao das partes constituin- tes’, ou seja, “‘abrindo completamente 0 que antes estava fechado”. empregado nas Escrituras no relato do milagre de Jesus quando abriu os ouvidos do surdo (Mar. 7:34,85) ena remogo do véu celestial que permitiu ‘a Bstévao ver a “gléria de Deus... e o Filho do homem em pé 4 direita de Deus” (At. 7:55,56). H a mesma palavra que usaram os discipulos de Hmatis ao exclamarem: ‘Porventura ndo se nos abrasava o coragdo, quando pelo caminhonos falava, ¢ quando nos abria as Bscrituras?” (Luc. 24:82) Esta palavra indica um procedimento completamente pedagégico, me- diante o qual o pregador apostélico analisava as Bscrituras, aprofundando- se nelas e descobrindo seu fundo e seu verdadeiro significado. Indica tudo o que cabe legitimamente no vocébulo “‘exegese”’. O segundo termo, ‘‘demonstrando”’, 6 uma tradugao mais fiel da palavra que aparece no grego do Novo Testamento. Esta palavra é paratithéme- nos, ¢ literalmente significa “‘colocando diante de”, como, por exemplo, quando a comida é colocada diante dos que estado 4 mesa. Em sentido figurado significa ‘“‘explicar”’ e indica um processo de sintese, dando a entender tudo o que legitimamente cabe no uso homilético da palavra “exposigdo””. Vernos, entéo, que a exposigao pressupée @ exegese, e que 19 esta é 0 fundamento indispensével daquela, coisa que sugere um pensa- mento adicional que nao aparece talvez em nossa passagem, porém que se constitui em legitima inferéncia, a saber: que a exegese pertence princi- palmente ao gabinete de estudo do pregador, enquanto a exposigao 6 Area peculiar do piilpito. “e. Outro tipo de discurso empregado pelos apéstolos foi o argumentivo. Ja fizemos aluso a ele nos paragrafos anteriores. Seu uso 6 indicado de duas maneiras. Por uma parte, pelo termo dialégomai, traduzido por “disputar'' em Atos 20:9 e “discorrer’’ em Atos 24:25. Este verbo grego significa “pensar alguém coisas diferentes consigo mesmo; misturar pensamento com pensamento; ponderar; revolver na mente; argumentar ou discutir’. A primeira passagem mencionada descreve 0 discurso de Paulo na ocasiao do acidente sofrido por Hutico, e que jé foi comentado. A segunda passagem descreve 0 discurso de Paulo perante Félix, o governa- dor romano, homem cujo preparo intelectual o capacitava a seguir o curso de um argument légico. A segunda maneira de se saber que o discurso argumentativo ocupava um lugar proeminente no repertério dos pregadores apostélicos 6 pela leitura de seus sermées. Na introdugdo de seu sermao do Dia de Pentecos- tes, Pedro empregou a refutagéo e mais adiante baseou seu argumento no fato da morte e sepultura de Davi, provando que no Salmo 16 Davi havia profetizado a ressurreigdo de Cristo (At. 2:14,15,29-81). A defe- sa de Estévao perante o Sinédrio (At. 7:2-58) 6 um continuo argumento de analogia histérica, em que refuta a acusacao feita contra ele, de haver falado “‘palavras contra este santo lugar e contra a lei’, demonstrando paralelamente duas colsas*Primeiro, que ele ndo blasfemava ao falar da destruigdo do templo, posto que Deus nunca havia limitado a revelagdo de simesmo ao templo; ele se manifestou a Abrado em Ur dos Caldeus, a José no Hgito, e a Moisés no deserto de Midia; e quando Salomao por fim Ihe edificou um templo, em sua oragiio dedicatéria confessou que “‘o Altissimo néo habita em templos feitos por maos’’, Em segundo lugar, Estévao nao estava pecando, e sim os seus acusadores, pois que exatamente como Abraao havia demorado em Hara até a morte de seu pai, assim como os irmos de José o venderam a escraviddo, da mesma maneira como os hebreus rejeitaram Moisés na primeira vez, assim também eles estavam sendo rebeldes para com Deus, por ndo reconhecerem Jesus como seu Messlas e Salvador. O serm&o todo é um pod(~2so argumento, baseado numa série de analogias. E demasiado vasto o material de que dispomos no livro de Atos para que © mencionemos todo aqui, Bastara, um exemplo mais. Referindo-nos outra vez ao incidente registrado em Atos 17:2,8, vemos um excelente exemplo de argumento dedutivo em forma silogistica. Diz o verso 8: ‘“...expondo e demonstrando que era necessrio que o Cristo padecesse e ressuscitasse dentre os mortos; e este Jesus que eu vos anuncio, dizia ele, é o Cristo”. Este argumento ¢ propriamente um entimema, isto 6, um silogismo incom: pleto em que uma das proposigées fica subentendida, porém podemos reconstrui-lo na seguinte forma: Premissa Maior — “Era necessdrio que o Cristo padecesse e ressuscitas- se dentre os mortos””. Premissa Menor — ‘Jesus padeceu e ressuscitou dentre os mortos”’. (Bsta premissa fica subentendida pelo teor geral do argumento.) Conclusio: Portanto, ‘‘este Jesus que eu vos anuncio é 0 Cristo” 4. Por ultimo, temos 0 discurso declarativo, Aqui temos o tipo de discurso que, mais que qualquer outro, indica a indole essencial da 20 pregagao verdadeira. 1 o tipo indicado por dois verbos muito comuns no Novo Testamento: euaggelizw e keryssw. O primeiro significa ‘‘trazer boas noticias, anunciar alegres novas ou proclamar as boas-novas”’. O segundo significa ‘apregoar publicamente como um arauto, sempre com a sugestao de formalidade, gravidade ¢ de uma autoridade que demanda atengao e obediéncia”. Como se vé por estas definigoes, trata-se de um discurso cuja idéia caracteristica é a de um anticio, de uma, proclamacac, de um pregao. Nao se trata de provar, mas de simplesmente manifestar. Nao é questdo de emitir um juizo sobre o significado de algum fato, senfio antes dar testemunho do proprio fato. sta foi a tarefa dos cristaos primiti- vos: serem testemunhas. ‘© que, porém, deveriam testemunhar? Teriam de ser testemunhas da pessoa mais gloriosa e da maior obra de que jamais se teve noticia. Haviam de anunciar Jesus e a ressurreigao! Sendo tal o tema de seu antineio, podemos entender o fervor, a paixao € 0 zelo com que sé consagra- ram a tarefa. Havia perdao para os pecados mais vis; havia pureza para 0 mais corrompido coragao. Havia poder e vitoria para os derrotados; havia ‘consolo e paz para os tristes e afligidos. Com razao disseram os apéstolos: ‘Nao podemos deixar de falar das coisas que temos visto e ouvido”’ (At. 4:20). Como arautos, proclamaram a régia vinda do Messias Salvador. ‘Anunciaram a boa-nova de que em Jesus o reino de Deus se tornava realidade no coragao arrependido e crente. H isto 6, até hoje, a esséncia da pregagao crista! Entendemos, pols, por que Pattison, depois de se referir aos diferentes tipos de discurso empregados pelos apéstolos, terminou sua discussao com estas palavras: ‘‘A pregaedo apostélica era uma combinagéo de todos estes procedimentos, com o acréscimo de oragées e lagrimas”. !! 3) Voltando agora a andlise da definigao de pregagao, tenhamos em men- te que acabamos de discutir suas duas primeiras partes: o material e o mé- todo da pregacao. Resta considerar sua meta. Tia de persuadir. A persua- sao era a nota caracteristica da pregacdo dos apéstolos. Vemos isso tanto no tom de urgéncia de seus discursos como nos resultados que obtiveram. ~ 0 apéstolo Pedro pregava para persuadir, No final de seu sermio no Dia de Pentecostes lemos que ‘‘com muitas outras palavras dava testernunho, os exortava, dizendo: Salvai-vos desta geragdo perversa’’ (At. 2:40). O mesmo se pode dizer do apéstolo Paulo. Quando esteve com os ancidos da Igreja de Hifeso, em Mileto, recordou-Ihes como por trés anos, de dia e de noite, ndo havia cessado de admoestar com lagrimas a cada um. (At. 0:31). Diante da zombaria inerédula do rei Agripa, revelou quéo profundo era seu anelo de persuadir, clamando: ‘Prouvera a Deus que, ou por pouco ou por muito, néo somente tu, mas também todos quantos hoje me ouvem, se tornassem tais qual eu sou, menos estas cadeias’’ (At. 26:20). Bem sua tarta a Igreja de Corinto, descobriu as fontes de sua paixdo, dizendo: “Conhecendo o temor do Senhor, procuramos persuadir os homens... Pois 0 amor de Cristo nos constrange... como se Deus por nés vos exortasse’” (II Cor. 5:11, 14, 20). Por altimo, Judas, o meio-irmao do Senhor, dé relevo a este sentimento de persuasdio com sua fervente exortagdo: “‘E salvai-os, arrebatando-os do fogo"’ (Jud. 23) ‘Tal espirito de urgencia nao deixou de ter seu efeito. Lemos que, em Je- rusalém, “compungiram-se em seu cora¢ao, e perguntaram a Pedro e aos ‘demais apéstolos: Que faremos, irmdos?... e naquele dia agregaram-se quase trés mil almas”’ (At. 2:87,41). Em Teénio, os apéstolos “falaram de Ti PATTISON, op. elt. p. 18. 24 tal modo que creu uma grande multidao, tanto de"judeus como de gregos”” (At. 14:1). Em Tessalénica, os judeus deram testemunho da eficdcla da pregagéo apostélica, dizendo: “Hstes que tém transtornado 0 mundo chegaram também aqui’ (At. 17:6). E em Efeso, o ourives Demétrio desabafou seu ressentimento por causa das perdas sofridas no negocio da fabricagdo de idolos, dizendo: “E estais vendo e ouvindo que nao s6 em Tifeso, mas em quase toda a Asia, este Paulo tem persuadido e desviado muita gente, dizendo nfo serem deuses os que so feltos por maos humanas"’ (At. 19:26), “® Os apéstolos pregavam para persuadir. Esta é a meta da pregagao. Como disse G. Campbell Morgan: ‘Toda pregac&o tem um sé fim, a saber, o de tomar cativa a cidadela central da alma humana, ou seja, a vontade. 0 intelecto ¢ as emogdes constituem vias de aproximagao que devemos utilizar. Porém 0 que temas de recordar sempre é que nfo temos atingido o ver- dadeiro fim da pregacdo enquanto nfo for atingida a vontade, constrangendo-a a fazer sua escotha de acordo com a verdade que proclamamos,12 -©4, Nosso Plano de Estudo 1) Nossa motivagéo. O sermao tem sido definido por Johnson como “um. discurso religioso formal, baseado na Palavra de Deus, e que tem por objetivo salvar os homens”’,1’ Um bom serméo é aquele que alcanca seu propésito. H um serméo eficaz. Nestas definigdes encontramos a motiva- ¢40 que nos impulsiona a empreender o estudo de que nos ocuparemos nas paginas subseqientes. Queremos aprender a pregar sermées eficazes, Quer dizer, queremos pregar sermées que levem os homens a amarem a Deus e a fazerem a sua vontade, sermées que persuadam os perdidos a crerem em Cristo como Senhor. Eis nossa motivagéo. 2) Nosso método. Este est4 sugerido pela andlise feita aclma da detini- gao de pregagao. Tal andlise manifesta-nos que a natureza da pregacao é revelada por meio do estudo dos sermées pregados, Como sabemos que a pregacao trata da ‘‘verdade divina’’? Pelo exame do contefido dos sermées que tém sido abengoados pelo Senhor. Por que dizemos que 0 método da pregagao é ‘a comunicagao verbal’? Porque esta é a maneira com que os apostolos davam a conhecer a verdade quando pregavam e porque através dos séculos tem sido 0 método mais eficaz. Qual a razdo para insistir em que a pregagdo tem “‘o fim de persuadir”? Porque tanto o espirito como 0 efeito dos sermées eficazes — os que encontramos no Novo Testamento assim como os que achamos nos séculos seguintes — revelam esse propésito. Noutras palavras, a natureza da pregagao tem sido descoberta por melo do exame dos sermées eficazes. O mesmo é certo em relagdo as regras de homilética. Estas foram derivadas do estudo cuidadoso de sermoes que surtiram efeito nos ouvintes. # de suma importdncia compreender esta relagdo entre a pratica e a teoria da pregagiio. Primeiro vem a pratica, Hm seguida, um exame da prética, com o fim de analis4-la e saber em que consistem tanto suas exceléncias como suas faltas. Do estudo feito se formulam as conclusées, ¢ estas se convertem em regras ou em principios Gteis para a instrugao dos que querem pregar bem. A pritica dA origem & teoria, e esta influina pratica seguinte. 12 MORGAN, G. Campbell. The Ministry of the Word, New York, Fleming H. Revell Co., 1919, D. 207. 13 JOHNSON, op. cit., p. 256. 22 sta verdade ndo tem recebido a énfase que merece. 1 um fato histérico que o ensino da retérica entre os gregos (os primetros mestres dessa Cléncia) teve sua origem na anélise dos discursos eficazes. 10 igualmente Certo de que através dos séculos da historia crista o ensino da teorla da Pregagdo sempre se seguiu ao estudo dos sermées que comoviam © Gdificavam seus ouvintes. Noutras palavras, a arte e a cléncia da pregagéo se aprendem por meio do estudo dos bons sermoes. Assim é que nosso plano de estudo sera apresentar os requisitos essencl- ais do sermao eficaz, da maneira como foram observados por competentes estudantes da pregacdo, e apresenta-los na ordem em que o pregador hecessita domind-los na preparagéo de seus préprios sermdes. Estes requisitos a0 sete, a saber: ‘a. Um pregador idéneo. b, Um propésito definido. c. Uma mensagem biblica. / d, Umbom arranjo. e. Uma elaboracao adequada. . £. Uma comunicacao persuasiva. g. Variedade de semanaa semana, ‘A medida que cheguemos a compreender estes requisitos e @ pé-los em pratica, aprenderemos a pregar com poder, 23

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