Professional Documents
Culture Documents
dança-teatro
Resumo
Neste artigo, uso memórias autobiográficas aliadas meu processo de formação
artístico-pedagógica, para refletir sobre a minha vida em seu próprio decorrer em
termos associados ao pensamento da dança-teatro. No contexto da experiência
universitária, atualizo a discussão dos vocábulos: presença e sala de aula. Concluo
com um apontamento em direção do conceito de amigo em Giorgio Agamben e na
biologia do conhecimento de Humberto Maturana.
Para que algo significativo seja revelado, as coisas devem ser misturadas,
colocadas em tensão. Buscar sentidos na aproximação problemática de
linguagens diferentes. Tradução. Traduzir de uma linguagem para outra para
que algo verdadeiro e inesperado surja ora do texto, ora da imagem e aí
achar trechos da história que ficaram perdidos e obscurecidos pela história
oficial. Tradução também da imaginação, do desejo e da história do
pesquisador, dos trechos perdidos e obscurecidos pela sua história oficial.
Como se uma pesquisa pudesse ser ao mesmo tempo uma história pessoal
profundamente social. (ALMEIDA ccin SOARES, 1998, Prefácio)
No início da minha vida adulta, aprimorei o fazer artístico, que até então, se
baseava em poemas, desenhos, e no meu quarto quase como uma instalação.
Intensifiquei a leitura, a escrita ficcional e a jornalística, discutia e criava
pós-dramaturgia em um grupo especializado. Na mesma época, também conheci o
espaço cênico pela primeira vez com o argumento da performance arte¹, em
experimentações na Universidade, ainda como estudante de Ciências Econômicas,
na UEM (ver anexo). Mas foi só no ano seguinte, em que cravei meus pés nos tacos
da teatralidade, com participações em montagens e finalmente, com a matrícula em
um curso de formação universitária de artes cênicas.
A dança surgiu na minha vida logo em seguida, nos primeiros anos de estudo
na licenciatura em teatro no Centro de Artes da UDESC - curso que contém uma
porção significativa de disciplinas dedicadas aos estudos do corpo e da dança. Logo,
é no cenário do teatro que a dança surge na minha pesquisa, entre semi-partituras
de ações e caminhadas pelo espaço, com muitos gestos e subtextos narrativos,
trágicos e melodramáticos.
Para mim, é inevitável falar de teatro-dança ou dança-teatro. Em A
Dramaturgia da Memória no Teatro-Dança, a professora Lícia Maria Moraes
Sánchez apresenta uma terminologia e uma contextualização histórica sobre o
teatro-dança contemporâneo que contempla e subsidia este estudo. Não é objetivo
deste trabalho aprofundar sobre os conceitos que envolvem o binômio dança e
teatro, e seus desdobramentos científicos e pedagógicos. Mas, a intenção deste
ensaio é comparar minha experiência presencial em sala de aula, que se inscreve no
campo epistemológico da dança-teatro e da pedagogia do teatro, com os atos ou
movimentos que antecedem os processos formativos institucionais dos quais
participo.
Segundo Sánchez, o uso específico da combinação das palavras dança e
teatro, de variadas formas, também “podem estar definindo particularidades”.
Embora, o uso dos termos sejam genéricos neste texto, utilizo-os como artifícios
argumentativos para o exercício retórico sobre uma pedagogia da cena que abarque
a dança e o teatro em combinação singular e que atenda a necessidade pessoal de
retorno psicopedagógico às práticas que criei na vida.
Na ousadia de conectar meus estudos sobre a dança-teatro e o
teatro-educação com a minha autobiografia, corre-se o risco de legar a reflexão
teórica ao relativismo da prática individual, e é verdade, ainda, uma vez que
dissertamos sobre o fazer-artístico em geral, ao invés de conter a descrição em atos
específicos dessa experiência dançada. Contudo, o teor técnico-científico sobre a
dança, ao qual me refiro e inicío neste trabalho, pode-se aproximar ao que Laban
(Sánchez, 2010, p. 2) demonia “como sabedoria ou conhecimento da dança,
‘coreosofia’; como linguagem, gramática e sintaxe, ‘coreologia’;”. Ou seja, a relação
entre dança e linguagem, dança e conhecimento, dança e palavra, dança e teatro,
aqui, se comporta como uma capacidade adquirida no corpo-mente-voz de uso
autônomo das expressões cênicas didáticas².
Descrever uma dança é como filmar uma peça de teatro. Caracteriza-se por
abstrair o aspecto mais informativo e comunicacional - concernente ao midiático -
que pode-se registrar de um fenômeno cênico, na maioria das vezes. Não é raro
encontrar estratégias sintáticas político-poéticas para se falar de dança e teatro
pelas bibliografias da área, pois, faz-se necessário “tipos de dialetos”, neologismos,
para que os leitores e os autores da literatura artística, possam aprofundar
determinadas discussões conceituais e existenciais, como esta. Inscrevem-se no
campo do pós-estruturalismo (ou anti-estruturalismo) as experiências científicas que
usam de modos de subjetivação poéticos para descrição e crítica de arte. Esses
usos da ciência e da filosofia, que nada aproximam-se da redução racionalista, do
empirismo clássico e da modernidade dos métodos científicos, são: da genealogia
filosófica das abordagens contemporâneas, relacionadas à fenomenologia, aos
estudos culturais e às novas pedagogias.
Concentrar esta reflexão nas palavras-chaves presença e sala de aula é
inteligente para organizar um tempo e um espaço que concomitan o acontecimento
do estudo. A sala de aula é vista como um espaço-ambiente, uma paisagem em que
habita o processo de aprendizagem e a vida, sujeito, que se dá entre os dispositivos
políticos, sociais e comportamentais da educação, junto a presença dos
(sobre)viventes existenciais. A presença é a manifestação da vida no espaço,
(des)controle dos ânimos, autoria e mestria, visível nas figuras do professor e do
ator, sobretudo, no professor-ator.
Herança e correntes
O patinete imaginário como um quase dispositivo na biologia do conhecimento
Depois ler Giorgio Agamben, suas palavras sobre o amigo, percebi que a
política em que se insere este estudo está na amizade para com as pessoas, as
crianças de todas as idades, que manifestam em suas vidas um ato não explicado,
anormal ou metafísico, e que sentem-se mais confortáveis na ação destes. Aqueles
que dançam e atuam sem saber que fazem, criadores de emoções e de realidades.
Acredito no amor para com a percepção de cada um e tenho fé de que está nos
sentidos de um amigo a resposta que move e tranquiliza as perguntas incessantes
do existir.
Biologia do Conhecer é o nome dado ao conjunto das idéias de
Humberto Maturana, inicialmente conhecido como teoria da
autopoiese. É uma explicação do que é o viver e, ao mesmo tempo,
uma explicação da fenomenologia observada no constante vir-a-ser
dos seres vivos no domínio de sua existência. Enquanto uma
reflexão sobre o conhecer, sobre o conhecimento, é uma
epistemologia. Enquanto uma reflexão sobre nossa experiência com
outros na linguagem, é também uma reflexão sobre as relações
humanas em geral, e sobre a linguagem e a cognição em particular.
(MATURANA, 2001, p. 13)
Conclusão