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Subárea: Composição
RESUMO
Este trabalho tem como prioridade a análise com fins de composição musical, passando por uma especulação
sobre como compor se configura como forma de pensamento relacionando análise e composicao e
desenvolvendo-as dentro dos conceitos de Deleuze: o paradoxo – o pensamento; o caos – o não-pensamento e
por fim o ritmo – junção e movimento de pensamento. Como segundo ponto, analisaremos para uma possivel
ilustração uma peça escrita para duo percussão, (tonton, caixa e prato suspenso), com o intuito de também
explorar essas possiblidades conceituais como ferramenta de análise.
Palavras – Chaves: Composição, Análise, Paradoxo, Caos, Ritmo, Deleuze, Roberto Victorio
ABSTRACT
The main objective of this paper is the analysis aiming musical composition, speculating about how
composing is a form of thinking, relating analysis and composition and developing them according to
Deleuze’s concepts: the paradox – the thought; the chaos – the non-thought and lastly, rithym – the joining
and movement of thought. Secondly, we will analyze a piece composed for dual percussion (tonton, side
drum and cymbal ), also aiming at exploring these conceptual possibilities as an analysis tool.
INTRODUÇÃO
Segundo Lyotard (1998), o principal fato que marca a transição para o pensamento
contemporâneo, ou “pós-moderno” , é a perda da “verdade” nos grandes relatos. Soma-se a
isso a discussão sobre como legitimar o saber como uno, uma vez que este saber já não se
encontra mais em uma forma única, como um poder especificado e potencialmente
vinculado à comunidade científica e acadêmica, mas sim por todo lado, podendo ser
apreendido por quem bem o entender. O saber como um bem perde sua singularidade, a
apropriação não é mais assegurada, pois o que a garantia perdeu permanência. Esse espaço
onde os saberes se movimentam (e se fragmentam) de um lugar para o outro, transitando
como móbiles por todos os lados, de forma a se conectarem de várias maneiras é
denominado por Foucault como uma das características da “Sociedade de controle”1.
1
Cf. Deleuze, Conversações, p.219, 226 (1992)
2
aparente perda e instabilidade, um espaço que desenvolve agregação das coisas, corpos e
movimentos, de maneira que as tornam passiveis de relações entre suas características,
mesmo que estas se distingam de alguma maneira, seja por natureza, semelhança ou
dessemelhança. É nesse lugar que emergem como resultantes das operações de relações
diversas as diferenças2. O que distingui-se aqui não nos remete ao que caracterizamos
como uma conexão que implica similaridade, mas sim, em uma operação que realiza ações
de conexões complexas latentes e sucessivas, nas quais a impossibilidade da volta ao
mesmo, ao momento do igual, é concretamente impossivel. Mas o que nos relaciona
enquanto compositores a essa maneira paradoxal de pensar? Em que a filosofia, mais
especificamente a de Deleuze, se relaciona com o pensamento composicional?
Compor é antes de tudo pensar música, tanto no que se refere os modos e maneiras de se
construir na escritura e escrita propriamente, quanto no que está ligado a trans(as)cender o
sensível, a percepção. De maneira que toda vez que novamente tornamos a música
virtualmente (pro)posta e (re)exposta ela será retomada como modo pensamento3. É
exatamente este o ponto de conexão em que se encontram ciência, a filosofia e a arte,
sobretudo a composição: no pensamento. É nele em que ocorrem os encontros, e é ele que
tem aproximado estas três áreas aparentemente distintas. Ao se declarar um momento de
inconstâncias e relatividade nos saberes, cada novo ponto que se conecta não serve mais
como mediador para uma dualidade simples e cartesiana entre o certo e o errado, mas sim
como um portal que leva a outro portal (descobertas) ou ainda, a outro lugar ainda não
imaginado. De forma que se “(...) o devir não suporta a separação, nem mesmo a distinção
do antes e do depois, do passado e do futuro”4, é nesse lugar onde moram os paradoxos, as
velocidades e os ritmos; é nesse lugar caótico onde ao mesmo tempo se demarcam
territórios, que o devir se expande ora como realidade, ora como atualidade dando
movimento para as criações e expansões de pensamento.
3
arte conectam-se por um mote que pensava-se até então privilegio exclusivo da arte: o
devir. Não se pode ignorar num ato de criação ou descoberta, seja ele de que natureza for,
as condições possíveis e virtuais5 dos objetos inseridos na relação e seus devires enquanto
coisas concretas6. É exatamente sob esse ponto de vista que discorreremos a seguir,
relacionando os conceitos de paradoxo, caos e ritmo em Deleuze, ao movimento que
propicia o processo composicional como a criação de um território de emergências de
diferenças, não só no plano da escuta7, mas também como algo que lança à escritura e a
escrita uma hipótese de uma atualização que possa sobrepor o sensível por meio do
pensamento, mas que no entanto engendra a sensibilidade.
DO PARADOXO E A COMPOSIÇÃO.
4
um sistema heterogêneo, onde várias idéias (musicais ou não) se
amalgamam de maneira a criar um território onde virtualidades se
realizam, teremos aí elementos que concorrem para um paradoxo para
a (ao invés de “na”) formação do sentido.
Figura 1.- KA- de Roberto Victorio. Parte do tonton. Idéia inicial da peça, que será
8
Usaremos aqui a definição de Deleuze em “A Lógica do Sentido” de paradoxo: “ é a afirmação dos dois sentidos ao mesmo tempo”.
5
manipulado e transformado.
Figura 2.- KA- de Roberto Victorio. Volta da idéia inicial da peça, já manipulada,
requerendo um outro gesto do instrumentista
6
De forma que um outro compositor, escultor, artista também possa se
apropriar de “idéias musicais” ou de qualquer outro agencimento em
curso para compor muitas vezes por divergência, disjunção ou
aleatoriedade (que estão dentro do seu plano de imanência)
atualizações que estes novos virtuais engendram:
7
Figura 3.- KA- de Roberto Victorio. Parte do tonton e pratos suspensos. Idéia de
pontos de sonoridades se contrapõe a ideia de textura, até que nun dado momento
essa idéia se compartilha com o tonton na linha superior. Ver também a partiuta no
final do artigo.
8
DO CAOS E A COMPOSIÇÃO
“Assim, o lado de fora é sempre a
abertura de um futuro, com o
qual nada acaba, pois nada
nunca começou – tudo apenas se
metamorfoseia”.*
Sobre o paradoxo, o observamos no sentido de que ele não atua como dualidade mas sim
como uma maneira de engendrar dois sentidos ao mesmo tempo, proporcionando no ato da
atualização engendramentos que permitam novos meios de pensamento. Quando falamos
em paradoxo no ato de compor, estamos necessariamente falando de forças que perpassam
o compositor como forma de pensamento. Ao pensarmos em caos e composição, iremos
além e tentaremos buscar lá no antes de estar perceptível como pensamento, uma tentativa
estimulada por Deleuze de “exercitar” o não-pensamento. Em se tratando aparentemente
ainda de um paradoxo, não-pensamento aqui não se trata de uma oposição ao pensamento,
mas sim de algo que não se pode captar a não ser que estes tomem forma real ou atual; o
que implica em ganhar permanência suficiente para que seja percebido.
De maneira que o não-pensamento, não implica num estado de inércia, mas sim em um
constante jogo de velocidades de conexões em que não percebemos por não ter
permanência. Então, quando um pensamento ganha permanência ele se realiza e/ou se
atualiza. Enfim, o caos é a imprevisibilidade das conexões num plano de imanência por
não percebermos no tempo a velocidade dessas conexões, seja por serem muito rápidas,
seja por serem muito lentas. Segundo Deleuze (1992), a memória desemprenha um papel
crucial na percepção, uma vez que é nela que as sensações se reproduzem:
9
do corpo, que não percebem o presente sem lhe impor uma
conformidade com o passado. É tudo o que pedimos para
formar uma opinião, como uma espécie de guarda sol que nos
protege contra o caos. (DELEUZE, 1992, p.259 – 260)
Por outro lado, a própria memória ao mesmo tempo que nos protege, também nos prende
em nossas opiniões: conceitos pre-estabelecidos que miniminizam o pensamento às
possibilidades e não à virtualidades. Desta forma, a arte (assim como a ciência e a
filosofia, com diferentes apreessões destes movimentos) se diferem das opiniões por
traçarem “planos de imanência sobre o caos”9. Então, o artista usa desta ‘conexão’ com a
experiência do caos: extrasensível no sentido de que ela se caracteriza no criador como
engendramento de pensamentos e, não de sentimentos, no virtual, para torná-la sensível
atualizando-a em obra. Isso é o que ele denomina de “caosmos” que “luta contra o caos
para torná-lo sensível.
Retirar do caos uma sensação caóide é abrir uma janela para uma possível percepçao do
não-pensamento materializado na Obra. Poderiamos dizer então que a composição cria um
lugar no caos, agenciando os objetos sonoros que também fazem parte de uma construção
caóide do universo de pensamento do compositor. Essas relações ao mesmo tempo que são
autônomas, estão diretamente ligadas entre si e, simultaneamente tendem a se distanciar
dos processos em que foram propostos. Cada conexão nova cria uma gama de
possibilidades e mais outras tantas e infinitas virtualidades.
9
Cf. Deleuze. O que é filosofia?. p. 260, 1992.
10
Figura 4.- KA- de Roberto Victorio. Parte aleatEoria da peça. É uma espécie de clímax
na obra. Apesar de dar ao instrumentista elementos que refinem suas escolhas para
que não saiam do plano da peça, a abertura possibilita para além da percepção
caosmótica presente em toda a obra, uma abertura para o virtual propriamente. A
fenda para “ver o caos”.
O criador então é aquele que traz pequenos estados de caos para a nossa sensibilidade,
fazendo um trabalho inverso ao que fazemos quando formamos uma opinião. Em um
estado caóide o que mantém a consistência, é a permanencia na memória. A opinião
associa as idéias, de maneira a torná-las possiveis (clichês, etc...). Desta forma, não há
julgamento de valor em uma Obra, pois ela nada tem haver com opinião, mas sim com a
forma de um não-pensamento que ganhou consistencia.
De maneira, que o caos em uma metáfora simplista, é o lugar das intuições, aspirações e
inspirações do criador, do compositor. A arte surge como o lugar do não-pensamento
materializado, no sentido de que só se conectam no momento em que ganham permanencia
o bastante para passar a barreira do caos e se mostratrem como um “caosmo” a nossa
percepção e memória.
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DO RITMO E A COMPOSIÇÃO
Figura 6.- KA- de Roberto Victorio. Exemplo de mudança de ritmo: o tonton vem
reexpondo sonoridades pontuais já exploradas em outros momentos da peça. No
10
Cf. Menezes, R. C. Devir e agenciamentos no pensamento de Gilles Deleuze, Revista COMUM.
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sistema seguinte forma-se uma textura mais densa com a caixa e o tonton em
tremulos. Som mais continuos.
Qdo uma coisa , em nosso caso acima citado (figura 6.) uma ideia
musical se une a outra, gerando uma quebra na percepção deste, a
velocidade em que essas duas idéias se conectam são observaveis por
meio da velocidade de conexão entre estes meios. Quem distingue do
caos essa percepção é a memória, que dá permanencia ou não a esse
meios, sendo o próprio caos um meio dos meios. Isso não é um
processo estático, mas sim dinâmico, pois se refere especificamente a
como esses meios produzem agencimentos que nos transparecem em
forma de idéias, de pensamentos. Então, como caracterizar um ritmo no
processo composicional? Uma hipótese de analisar de que maneira os
objetos musicais se conectam no tempo percebido. Observar através da
escuta a sensação sonora11 que é causada por esssas conexões. E, como
essas conexões se articulam.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
11
Cf. Gubarnikiff, Carole. Musica eletroacústica Permanência, 2005.
13
com o pensamento de sua época. Doravante faz-se necessário esse
diálogo, uma vez que as possibilidades de criação são muitas e
diversas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
DELEUZE, Gilles e GUATTARI. O que é Filosofia. Ed. 34, 4a. Edição, Rio de
Janeiro, 1992.
LYOTARD, Jean-François. O pós-moderno. 3a. Ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1998.
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MENEZES, R. C. Devir e agenciamentos no pensamento de Gilles Deleuze, Revista
COMUM, Rio de Janeiro, 2006.
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