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Associação Brasileira de Formação e Desenvolvimento Social - ABRAFORDES

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Curso Dimensões da Não Aprendizagem


Lição 01: Introdução

APRESENTAÇÃO

Em uma perspectiva sociocultural abordaremos as dificuldades de aprendizagem na sua


relação com o ensino, entendendo a escola como uma dimensão importante desse processo.

No que tange aos aspectos psiconeurológicos e emocionais, este estudo se propõe a discutir
as dificuldades de aprendizagem na sua relação com as funções cerebrais, abordando os aspectos
psicomotores e focalizando alguns distúrbios específicos de aprendizagem e de comportamento e
suas implicações sobre a educação escolar.

INTRODUÇÃO

O objetivo deste curso é compreender a aprendizagem e as dificuldades de aprendizagem


situadas em um contexto histórico e cultural.

A identificação dos problemas impeditivos à aprendizagem surgiu em decorrência das


múltiplas transformações vivenciadas pela humanidade nas últimas décadas e que alteraram
significativamente o papel da escola e da aprendizagem no contexto das sociedades modernas.

O mundo nunca experimentou tamanha transformação em seus tecidos social, econômico e


cultural como vem ocorrendo nas últimas décadas.

O avanço indescritível do conhecimento e a proliferação das tecnologias têm modificado


profundamente a experiência humana de modo a exigir do sujeito frequentes condutas adaptativas.

Essas transformações trazem, a reboque, significativas mudanças nas crenças, valores e


práticas sociais que são transmitidas culturalmente pelas agências educacionais, com destaque para
a família e a escola.

Diante de um cenário sociocultural tão mutável e com características tão complexas, surgem
enormes dificuldades por parte das famílias e instituições escolares em prover processos
educacionais adequados e de qualidade, que acompanhem tantas mudanças.

Desse descompasso, dessa fissura, emergem as dificuldades de aprendizagem. Elas surgem


como sintomas que deflagram a dificuldade em articular educação e vida e apontam para a
necessidade de revisão das práticas educacionais diante de uma nova sociedade, que se transforma
cotidianamente.

Compreender as dificuldades de aprendizagem como um fenômeno multideterminado é


indispensável na atualidade, especialmente para o educador. Investigá-las para além de seus
conceitos e/ou taxonomias também consiste em tarefa indispensável para os profissionais que
trabalham com ensino e aprendizagem, em especial os psicopedagogos.
É necessário compreender as dificuldades de aprendizagem como fenômeno cultural, que
atinge uma pessoa de modo particular, mas que se constitui nas relações entre o sujeito da
aprendizagem e seu contexto social e cultural. Uma criança deixa de aprender não somente por ser
portadora de alguma restrição cognitiva ou fisiológica, mas especialmente porque em sua trajetória
de vida algumas rotas desenvolvimentais encontraram obstáculos intransponíveis que se
expressaram no impedimento à aquisição do conhecimento.

Aprender é ato revestido de concepções e ideologias típicas de cada cultura. Uma criança
que deixa de aprender não o faz por incompetência individual, mas provavelmente porque, em algum
momento, deixou de atender às exigências postas por esta cultura com relação aos conteúdos que
devem ser aprendidos e de que forma isto deve ocorrer.

Apresentar dificuldades para aprender pode ser uma reação saudável do sujeito,
especialmente quando esta carga vem carregada de valores e atitudes sem sentido ou significado
para ele. A escola, uma instituição feita “para todos”, esquece que seres humanos são únicos, em
suas características personológicas assim como em seus anseios e desejos.

Se os conteúdos que a escola empurra goela abaixo de uma criança não interessam ou não
fazem sentido para a sua existência, é muito provável que surja a recusa em aprender. Parece uma
atitude correta, que vai privar o indivíduo de profundos dissabores.

É sob essa perspectiva que investigaremos inicialmente a Aprendizagem e seus conceitos e


a partir desse entendimento, estudaremos as dificuldades de aprendizagem.

Além das dificuldades de aprendizagem este texto pretende também investigar o fracasso
escolar como ocorrência típica da sociedade industrializada, ou seja, como fenômenos deste
momento histórico e social.

Fracasso escolar e dificuldades de aprendizagem são conceitos que se esbarram


continuamente e necessitam ser compreendidos em suas particularidades. Uma criança fracassa na
escola porque apresenta dificuldades para aprender ou começa a apresentar dificuldades de
aprendizagem em decorrência de frequentes experiências de fracasso escolar?

A princípio, as duas proposições procedem, ou não. Compreender o fracasso escolar e suas


inter-relações com as dificuldades de aprendizagem é tarefa que exige aprofundamento teórico e
conceitual em distintas áreas do conhecimento, com destaque para a educação, a psicologia e, em
especial, a psicopedagogia.

O presente trabalho pretende contribuir neste sentido, apresentando uma discussão mais
elaborada sobre esse tema.

Dessa forma, a disciplina, Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem,


busca o desafio de analisar essa temática em íntima relação com o fracasso escolar, a partir de uma
perspectiva ampla e complexa, porém sem desconsiderar a relevância de uma leitura pontual acerca
dessas dificuldades.

Da mesma forma que é indispensável compreender o fenômeno do não aprender em uma


perspectiva sistêmica e abrangente, é necessário apropriar-se das especificidades contidas em cada
situação de dificuldade de aprendizagem apresentada por diferentes crianças, em distintos contextos
sociais.

Nossa proposta é olhar o todo sem perder as especificidades das partes. Esta abordagem
prioriza uma perspectiva dialética do fenômeno das dificuldades de aprendizagem, aqui
compreendido como situação construída nas relações sociais macrossistêmicas e interações
microssistêmicas que dão origem e destino aos processos de ensino e aprendizagem.

Objetivos:

ü Conceituar aprendizagem e seus impedimentos: etiologia e taxonomia das dificuldades de


aprendizagem.

ü Investigar o contexto das dificuldades de aprendizagem com ênfase em sua conceituação e


construção histórica.

ü Identificar as principais dificuldades de aprendizagem e compreender suas estruturas


constitutivas.

ü Compreender o fracasso escolar como fenômeno histórico e social, gerador de atrasos


desenvolvimentais tanto individuais como coletivos.

Conceituação de aprendizagem

Aprendizagem é um termo abrangente, que permite diversas conceituações. Na Psicologia


representa uma área de extrema importância, à qual se dedicaram teóricos de grande porte, como
Bandura, Gagné, Guthrie, Hull, Kohler, Lewin, Piaget, Rogers, Skinner, Thorndike, Tolman, entre
outros.

Definir aprendizagem é uma tarefa complexa. Nesta Unidade optamos por apresentar
conceituações elaboradas por investigadores renomados na área, com o propósito de ampliar as
possibilidades de compreensão desse fenômeno assim como do seu oposto: o processo do não
aprender.

Seguem diversos conceitos para apreciação:

A ideia teórica mais distinta, talvez, é a de que a aprendizagem de qualquer nova


capacidade, em seu sentido ideal, requer a aprendizagem prévia de capacidades subordinadas que
estão envolvidas na nova capacidade.

Especificamente, aprender regras de ordem superior requer a aprendizagem prévia de


regras mais simples; aprender regras requer a aprendizagem prévia de conceitos relevantes;
aprender conceitos requer aprendizagens prévias de discriminação etc. (Gagné, 1968 em Sahakian,
1980, p. 1).

A aprendizagem é definida como alteração no comportamento que resulta da experiência.

O estudo do comportamento e de suas alterações deve selecionar acontecimentos


observáveis e designáveis. (GUTHRIE, 1942 em SAHAKIAN, 1980, p. 23).

A aprendizagem é a ligação de um estímulo e uma resposta mediada por variáveis


intervenientes ou construções simbólicas, isto é, atividade acontecendo dentro do organismo.
Incorpora propósitos, ideias, conhecimento e insights característicos de comportamento molar. A
aprendizagem é uma resposta a uma recompensa. (HULL, 1943 em SAHAKIAN, 1980, p.124).

Aprende-se perseguindo sinais para o objetivo, mapeando nosso caminho para esse objetivo
(mapa cognitivo); a aprendizagem é adquirida por meio de comportamento significativo, não do
mero movimento. A compreensão, mais que o condicionamento, é a essência da aprendizagem.
(Tolman, 1932 em SAHAKIAN, 1980, p. 220).

A aprendizagem é um fenômeno que resulta de experiências diretas, que podem ocorrer


numa base vicariante, por meio da observação do comportamento de outras pessoas e suas
consequências para o observador. Um indivíduo pode adquirir padrões intrincados de respostas
simplesmente observando os desempenhos de modelos apropriados. (BANDURA, 1969 em
SAHAKIAN, 1980, p. 261).

Lição 02: Aprendizagem: concepções e fatores determinantes

Aprendizagem: concepções e fatores determinantes

Longe de possuir uma definição exata, a aprendizagem é um fenômeno complexo que


permite interpretações de diferentes enfoques teóricos, cada qual evidenciando aspectos que a
influenciam ou a determinam. Desse modo, pode ser abordada do ponto de vista biológico,
psicológico, cognitivo e sociocultural, fato que muitas vezes gera concepções discordantes entre si.

A aprendizagem é um processo natural do ser humano, portanto, embora o objeto da nossa


discussão seja a aprendizagem mediada pelo ensino escolar, é importante ressaltar que a escola não
é o único lugar onde ela ocorre.

Entre as teorias que a discutem, podemos observar duas que atualmente já estão sendo
superadas.

A primeira afirma que ela está associada a um processo de memorização e entende que o ato
de aprender se reduz a uma operação intelectual de acumular informações. Nessa perspectiva
teórica, a educação é entendida como um processo simples de transmissão de conhecimento e o
aluno como um receptáculo vazio de informações, tal como uma página em branco em que podem
ser adicionados diferentes tipos de dados.

O ambiente externo, formado por objetos e pessoas com os quais o indivíduo se relaciona
teria, segundo essa vertente, a capacidade de determinar toda a formação do indivíduo, que é
entendido como aquele que é “moldado” pelo meio. Essa concepção de aprendizagem, por
supervalorizar a importância do meio para a formação do indivíduo, acaba por relegar ao segundo
plano a importância dos processos psicológicos e das características individuais.

A segunda corrente teórica coexistiu no mesmo momento histórico que a primeira e se


caracterizou pela evidência dada aos fatores internos do indivíduo no processo da aprendizagem,
tais como sua hereditariedade e sua maturação neurológica.

Estudos posteriores, orientados pelas contribuições das diversas áreas do conhecimento como
a psicologia cognitiva e sócio-histórica, a psiconeurologia, a antropologia e a linguística ajudaram na
formação de uma nova concepção de aprendizagem, que a entende como um fenômeno
multideterminado.

De acordo com esses estudos, os fatores internos do indivíduo e externos a ele (meio) se inter-
relacionam continuamente, formando uma complexa combinação de influências.

Assim, para compreendermos o processo de aprendizagem, devemos considerar que ele


resulta da relação entre as condições externas ao indivíduo – seu contexto familiar, social, cultural e
educativo – e de suas condições internas – suas características individuais, orgânicas e psicológicas.

A aprendizagem abrange os hábitos que formamos ao longo de nossas vidas, aspectos da vida
afetiva, os conceitos científicos e os valores culturais que assimilamos. Resulta, portanto, de uma
interação entre as condições singulares, internas de um indivíduo e os recursos desafiadores do
meio sociocultural no qual está inserido. Nesse diálogo constante, ambos se transformam: indivíduo
e meio.

Lição 03: Processo de aprendizagem e suas dificuldades

Processo de aprendizagem e suas dificuldades

A aprendizagem é um fenômeno complexo, multideterminado e se constitui como um ponto


central do desenvolvimento de qualquer indivíduo na medida em que permite sua adaptação ao
meio.

Contudo, uma adaptação favorável somente é possível quando se tem as condições


necessárias para isso, que permitem a manifestação de todo o potencial do aprendiz.

Vejamos agora, as condições necessárias à aprendizagem, a partir de três dimensões:


biológica, sociocultural e emocional.

A aprendizagem por insight corresponde a uma apreensão significativa súbita de


relacionamentos, sem recurso à experiência prévia. É o aparecimento de uma solução completa com
referência à disposição total do campo. (Köhler, 1959 em SAHAKIAN, 1980, p. 274).

As concepções sócio-construtivistas, discutidas na atualidade, expressam, especialmente, as


ideias de Piaget e Vygotsky sobre a aprendizagem e seus processos. De acordo com Bassedas e cols.
(1996, pp. 14- 15):

Do ponto de vista construtivista da evolução e da aprendizagem dos seres humanos,


defende-se que o indivíduo participa ativamente na construção da realidade que conhece e que cada
modificação ou avanço que realiza no seu desenvolvimento pressupõe uma mudança na estrutura e
organização dos seus conhecimentos.

Segundo esse ponto de vista, quando uma pessoa enfrenta algumas situações específicas, a
sua resposta, reação ou aprendizagem dependerá, obviamente, das características dessa situação,
mas será determinada também, em grande parte, pelas suas características pessoais e pela
organização dos seus conhecimentos.

Existem muitas teorias sobre a aprendizagem. No quadro a seguir, encontram-se resumidas


as características de algumas delas.

Teorias De Características
aprendizagem
Ponto central: estrutura cognitiva do sujeito. As estruturas cognitivas
Epistemologia mudam por meio dos processos de adaptação: assimilação e
Genética de Piaget acomodação. A assimilação envolve a interpretação de eventos em
termos de estruturas cognitivas existentes, enquanto que a
acomodação se refere à mudança da estrutura cognitiva para
compreender o meio. Níveis diferentes de desenvolvimento cognitivo.
O aprendizado é um processo ativo, baseado em seus conhecimentos
Teoria prévios e os que estão sendo estudados. O aprendiz filtra e transforma
Construtivista de a nova informação, infere hipóteses e toma decisões. Aprendiz é
Bruner participante ativo no processo de aquisição de conhecimento. Instrução
relacionada a contextos e experiências pessoais.
Desenvolvimento cognitivo é limitado a um determinado potencial para
Teoria cada intervalo de idade (ZPD); o indivíduo deve estar inserido em um
Sócio-Cultural de grupo social e aprende o que seu grupo produz; o conhecimento surge
Vygotsky primeiro no grupo, para só depois ser interiorizado. A aprendizagem
ocorre no relacionamento do aluno com o professor e com outros
alunos.
Aprendizagem Aprendizagem se inicia com um problema a ser resolvido. Aprendizado
baseada em baseado em tecnologia. As atividades de aprendizado e ensino devem
Problemas/Instrução ser criadas em torno de uma “âncora”, que deve ser algum tipo de
ancorada (John estudo de um caso ou uma situação envolvendo um problema.
Bransford & the
CTGV)
Teoria da Trata da transferência do conhecimento e habilidades. É especialmente
Flexibilidade formulada para dar suporte ao uso da tecnologia interativa. As
Cognitiva (R. Spiro, atividades de aprendizado precisam fornecer diferentes representações
P. Feltovitch & R. de conteúdo.
Coulson)
Aprendizado Aprendizagem ocorre em função da atividade, contexto e cultura e
Situado (J. Lave) ambiente social na qual está inserida. O aprendizado é fortemente
relacionado com a prática e não pode ser dissociado dela.
Enfatiza a percepção ao invés da resposta. A resposta é considerada
como o sinal de que a aprendizagem ocorreu e não como parte integral
Gestaltismo do processo. Não enfatiza a sequência estímulo-resposta, mas o
contexto ou campo no qual o estímulo ocorre e o insight tem origem,
quando a relação entre estímulo e o campo é percebida pelo aprendiz.
O fator mais importante da aprendizagem é que o aluno já sabe. Para
Teoria da Inclusão ocorrer à aprendizagem, conceitos relevantes e inclusivos devem estar
(D. Ausubel) claros e disponíveis na estrutura cognitiva do indivíduo. A
aprendizagem ocorre quando uma nova informação ancora-se em
conceitos ou proposições relevantes preexistentes.
Deve-se buscar sempre o aprendizado experimental, pois as pessoas
Aprendizado aprendem melhor aquilo que é necessário. O interesse e a motivação
Experimental (C. são essenciais para o aprendizado bem-sucedido. Enfatiza a
Rogers) importância do aspecto interacional do aprendizado. O professor e o
aluno aparecem como os corresponsáveis pela aprendizagem.
No processo de ensino, deve-se procurar identificar as inteligências
Inteligências mais marcantes em cada aprendiz e tentar explorá-las para atingir o
múltiplas (Gardner) objetivo final, que é o aprendizado de determinado conteúdo.
As teorias de aprendizagem buscam reconhecer a dinâmica envolvida nos atos de ensinar e
aprender, partindo do reconhecimento da evolução cognitiva do homem e tentam explicar a relação
entre o conhecimento preexistente e o novo conhecimento. A aprendizagem não seria apenas
inteligência e construção de conhecimento, mas, basicamente, identificação pessoal e relação por
meio da interação entre as pessoas.

A função da aprendizagem, segundo Fernández (1991, p. 30), “é incorporar o indivíduo à


espécie humana, fazendo-o sujeito de uma cultura”. A criança necessita ser
interpretada/traduzida/ensinada por outra pessoa, para que assimile e compreenda a cultura em que
está inserida.

A mãe, no princípio da vida, surge como este outro que outorga, dá significados aos
comportamentos, movimentos, sons e desejos incluindo a criança no mundo, investindo-a de
humanidade. O nível qualitativo dessa relação de significação vai depender do tipo de vínculo
emocional existente entre os dois sujeitos do processo.

Para que uma criança alcance a autonomia de pensamento, é imprescindível que conte com
pais significadores, capazes de suportar a originalidade e a diferença de seu pensamento.

Considerando que os pais representam as primeiras figuras que ensinam e que exercem
grande influência sobre a criança, percebe-se a importância de uma ação tolerante, paciente e
amorosa por parte deles no sentido de interpretar e traduzir as expressões infantis sem atropelar ou
impedir seus esforços em direção à autonomia e liberdade de pensar e sentir.

É indispensável para a criança sentir-se aceita e desejada como ser pensante, sentir-se
valorizada por seus produtos e criações. Segundo Aulagnier (em Fernández, 1991, p. 32), “a mãe é a
porta-voz do bebê quando este chega ao mundo, mas se emerge na mãe um desejo de não mudança,
isso tem um poder desestruturante porque a criança não poderá usar a sua voz para enunciar a sua
palavra”.

É nesse contexto que se configura a gênese das dificuldades de aprendizagem, na dimensão


das interações sociais, em que o sujeito se constrói, de modo ativo e coparticipativo, contando
sempre com a mediação do outro, mesmo que este outro não se dê conta disto.

É fácil visualizar, nas conceituações e proposições de Fernández (1991), a influência dos


pressupostos psicanalíticos e do enfoque sócio-construtivista sobre a aprendizagem. Quando enfatiza
a relação mãe/ bebê, situando-a como fonte e origem dos distúrbios que, posteriormente, afetarão a
aprendizagem, a autora reflete um aspecto muito valorizado pela psicanálise que considera o palco
onde se vive o drama da primeira infância o ponto nevrálgico que irá determinar os comportamentos
futuros do sujeito.

Quando argumenta que o sujeito aprendiz é atuante em seu processo de aprender, ressalta a
visão sócio-construtivista que percebe o conhecimento como construção do sujeito agindo em um
mundo de significados, por meio das relações com o outro e com o legado cultural.
Ao falar de aprendizagem, Fernández (1991) argumenta que a visão usual encara o
processo de aprender como ação vinculada à mão e ao cérebro, desconsiderando o sujeito desejante
e criador, que atribui sentido e expressão ao ato da aprendizagem.

A ação psicopedagógica, como extensão, tenta também “curar” o aprendiz, enfocando o


orgânico e o cognitivo e excluindo o desejo, o afeto, a emoção e a criatividade como aspectos
significativos do processo. O que você acha disto?

Ao desconsideramos as dimensões do desejo, do afeto, da emoção, da imaginação e da


criatividade terminamos por reforçar a tendência de desperdiçar talento e potencial latente
existente nos seres humanos. Como nos diz Fernández (1991 pp. 33-34): Quanto Leonardo da Vinci –
gênio artístico e científico de sua época – estaremos hoje expulsando de nossas escolas e, o que é
mais grave, afogando-lhes também sua capacidade criadora, cerceando a construção de sua
identidade como sujeitos pensantes.

As ideias de Fenelon (1994) sobre a aprendizagem e sua contrapartida, o não aprender,


assemelha- se aos pressupostos defendidos por Alícia Fernández (1991, p. 20): A aprendizagem é
vista como um processo que se dá no vínculo entre o ensinante e o aprendente em uma inter-relação.
Este processo inicia-se quando a pessoa nasce e com seus primeiros ensinantes, aqueles que lhe dão
a sobrevivência, e continua ao longo da vida com aquelas pessoas que intervêm na sua história e lhe
transmitem significações.

A aprendizagem é uma teia, tecida conjuntamente pelas mãos de quem ensina e de quem
aprende cujos fios condutores do fenômeno correspondem ao organismo, à inteligência, ao desejo e
o corpo. É no jogo complexo e dinâmico desses fios que se constrói o processo de aprender e
também o de não aprender. Fenelon (1994, p. 20) completa seu raciocínio acrescentando: No
problema de aprendizagem o que acontece, particularmente, é que a inteligência e o corpo ficam
aprisionados pelos desejos inconscientes. O sintoma é um nó que se dá na trama dos fios que tecem
a aprendizagem.

Pain (1992) considera que as dificuldades de aprendizagem representam todas

as perturbações que impedem a normalidade do processo de aprender, qualquer que seja o status
cognitivo do sujeito.

Independente de o sujeito obter escores de inteligência altos ou baixos será considerado problemas
de aprendizagem outros fatores que o impeçam de aprender, não permitindo o aproveitamento de
suas potencialidades.

DEFININDO AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

A definição de dificuldades de aprendizagem, elaborada pelo National Joint Committee of


Learning Disabilities - NJCLD - USA, 1988, p. 71, diz o seguinte: Dificuldades de aprendizagem (DA)
é um termo geral que se refere a um grupo heterogêneo de desordens manifestadas por dificuldades
significativas na aquisição e utilização da compreensão auditiva, da fala, da leitura, da escrita e do
raciocínio matemático. Tais desordens, consideradas intrínsecas ao indivíduo, presumindo- se que
sejam devidas a uma disfunção do sistema nervoso central, pode ocorrer durante toda a vida.
Problemas na autorregulação do comportamento, na percepção social e na interação social podem
existir com as DA. Apesar das DA ocorrerem com outras deficiências (por exemplo, deficiência
sensorial, deficiência mental, distúrbios sócio-emocionais) ou com influências extrínsecas (por
exemplo, diferenças culturais, insuficiente ou inapropriada instrução etc...), elas não são o resultado
dessas condições.

Nos Estados Unidos, há uma definição criada por lei (US Public Law, pp. 94-142), para o
termo learning disabilities, de acordo com a publicação Learning Disabilities: A Guide for Parents
and Teacher – Silber Psychological Service, 1992 (zorzI, 1994, pp. 15-16), que relata a seguinte
conceituação: Dificuldades de aprendizagem (learning disabilities) é uma desordem em um ou mais
dos processos psicológicos envolvidos na compreensão ou uso da linguagem, falada ou escrita, que
pode manifestar-se como uma habilidade imperfeita para ouvir, pensar, falar, ler e escrever ou
realizar cálculos matemáticos.

Lição 04: As dificuldades de aprendizagem

AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM NO ENTENDER DA PSICOPEDAGOGIA

Percebe-se, com clareza, a visão americana das dificuldades de aprendizagem. A


conceituação das DAs, nesta cultura, vincula-se especialmente aos fenômenos observados em sala de
aula, como ler, escrever e contar, tendo como etiologia, basicamente, desordens nas dimensões
orgânicas, psicológicas e neurológicas.

Tarnopol, 1981 (em DROUET, 1995, p. 91) apresenta uma definição para distúrbios da
aprendizagem influenciada por uma visão interacionista. Segundo este autor, “distúrbios são
perturbações de origem biológica, neurológica, intelectual, psicológica, socioeconômica ou
educacional, encontradas em escolares, que podem tornar-se problemas para a aprendizagem dessas
crianças”.

Já Kirk e Bateman, 1962 (em DROUET, 1995, p. 92) preferem reservar o termo distúrbios de
aprendizagem “apenas para aqueles casos de crianças com dificuldades de aprendizagem de causas
desconhecidas, uma vez que essas crianças não apresentam defeitos físicos, sensoriais, emocionais
ou intelectuais de espécie alguma”.

Autores como Parente e Ranña (1990) discutem as inúmeras definições existentes para as
dificuldades de aprendizagem como efeito resultante do caráter complexo e amplo desse campo do
conhecimento.

Diversas áreas estão envolvidas na formulação desse conceito, criando determinantes de


várias ordens, como sociais, culturais, pedagógicos, psicológicos, neurológicos, entre outros, que
influenciarão a conceituação formal das dificuldades de aprendizagem.

A partir dessa mistura surgem termos como: distúrbios psiconeurológicos, disfunção


cerebral mínima, dislexia, dislalias, disortografias e muitos outros que só servem para mascarar o
processo diagnóstico, criando confusão na classificação e avaliação das crianças com problemas de
aprendizagem.

O uso indiscriminado desses rótulos em diagnósticos, sem conhecimento de causa, pode


comprometer a ação benéfica da psicopedagogia, incorrendo em erros, reducionismos e atitudes
parciais.
Para Parente e Ranña (1990, p. 51), um problema de aprendizagem é “considerado como um
sintoma que expressa algo e possui uma mensagem. Assim o não aprender tem uma função tão
integradora quanto o aprender”.

A conceituação das dificuldades de aprendizagem parece tarefa complicada, uma vez que é
cercada de posicionamentos distintos, oriundos de áreas do saber que precisam ser conjugadas para
um entendimento global do fenômeno.

Reflete também movimentos sociológicos, provenientes das diferentes demandas que a


sociedade impõe aos indivíduos, ao longo de seu desenvolvimento. Novos tempos exigem novos
currículos, novos conhecimentos são produzidos, novas metodologias surgem.

As crianças e os adolescentes nem sempre conseguem se adaptar às modificações que


surgem com os novos métodos; assim como o contrário, nem sempre a escola consegue acompanhar
a intensa transformação pela qual passa a sociedade, tornando-se um lugar dissociado da realidade e
pouco interessante para a criança e o jovem.

Há concordância quanto à falta de consenso com relação à conceituação das dificuldades de


aprendizagem e os problemas oriundos desse fato na intervenção clínica e institucional. É
imprescindível para um bom trabalho de intervenção psicopedagógica que ocorra uma avaliação
psicopedagógica acurada e precisa.

A tarefa de elaborar um bom processo de avaliação psicopedagógica, tanto no âmbito clínico


quanto institucional, constitui-se em um enorme desafio para o psicopedagogo, uma vez que a
dimensão conceitual das dificuldades de aprendizagem permanece ainda um setor confuso e
ambíguo, com especificações imprecisas e generalizações inapropriadas.

Segundo Fonseca (1995a, pp. 72-73):

A falta de uma teoria sólida e coesa nos seus paradigmas e pressupostos e de uma
taxonomia pormenorizada e compreensível é, assim, uma das razões que explicam a ambiguidade e a
legitimidade das dificuldades de aprendizagem, daí que a criação e promulgação de serviços
educacionais sejam, presentemente, muito restritas e ineficazes, porque não surge, nem se
vislumbra um critério ou uma definição fidedigna e aquiescente.

As dificuldades de aprendizagem representam um assunto conceitualmente confuso,


decorrente de uma investigação teórico-prática ainda incipiente, contraditória e demasiado
complexa nas suas variáveis e nos seus pressupostos.

Lição 05: As origens das dificuldades de aprendizagem

AS ORIGENS DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

Uma discussão inicial sobre as origens das dificuldades de aprendizagem requer uma
constatação importante: a criança que apresenta dificuldades no processo de aprender não é uma
criança deficiente.
Em geral pertence a uma população heterogênea, com subtipos de dificuldades, alguns
comportamentos desviantes e outros semelhantes às crianças normais e sem a apresentação de
características específicas. Tal fato dificulta a avaliação psicopedagógica e, consequentemente, os
limites da intervenção.

Para Fonseca (1995a), a criança que apresenta dificuldades no processo de aprendizagem


emite um conjunto de comportamentos que podem ser considerados desviantes, concomitantemente
a comportamentos considerados absolutamente normais. Em pesquisas diversas, foram listados mais
de 100 itens comportamentais característicos de conduta desviante de dificuldade de aprendizagem.

As Dificuldades de Aprendizagem consistem em um fenômeno com uma etiologia complexa


e que nos remete a uma avaliação dos seus componentes, a partir de uma perspectiva múltipla,
dialética, buscando sempre uma síntese que, por menos completa que seja pelo menos possa
esclarecer a dinâmica das dificuldades de aprendizagem em seus processos de construção e
cristalização.

Segundo mcCarthy, 1974 (em FONSECA, 1995a, p. 92), os dez comportamentos desviantes
mais frequentes em crianças com problemas de aprendizagem são:

1. Hiperatividade;

2. Problemas psicomotores;

3. Problemas emocionais;

4. Problemas gerais de orientação espacial;

5. Desordens de atenção;

6. Impulsividade;

7. Desordens na memória e no raciocínio;

8. Dificuldades específicas de aprendizagem: dislexia, Disgrafia, Disortografia e Discalculia;

9. Problemas de audição e fala;

10. Sinais neurológicos ligeiros e equívocos e irregularidades no EEG.

A busca do entendimento da história do sujeito que apresenta dificuldades de aprendizagem


é o método utilizado por Fonseca (1990, p. 67) para avaliar os graus de condutas desviantes. O
processo evolutivo das dificuldades de aprendizagem deixa marcas em certos níveis de
funcionamento que devem ser rastreados para a clarificação da avaliação psicopedagógica.
Entre esses níveis, a autora destaca o psicomotor, o perceptivo e o cognitivo. Investigações
nos domínios da linguagem falada, lida e escrita e de determinadas aquisições pedagógicas também
são realizadas como parte importante da verificação das origens dos problemas de aprendizagem.
De acordo com a autora:

Procuramos detectar as características emocionais e condutuais, anteriores e atuais, as


expectativas e exigências dos pais e a sua vida escolar anterior e atual. Na realidade, busca-se
montar ou reconstituir a história de todo um processo de desenvolvimento para, através de sua
gênese e evolução, melhor compreender o momento atual.

Para Drouet (1995, pp. 97-98), as dificuldades de aprendizagem atendem a uma origem
complexa, que envolve aspectos múltiplos da vida inter e intrapsíquica, orgânica e social do sujeito
que as apresenta.

Tentando agrupar as possíveis causas das dificuldades de aprendizagem, a autora chegou a


uma classificação que inclui:

a. Causas físicas, relacionadas a perturbações somáticas transitórias ou permanentes;

b. Causas sensoriais, compreendendo os distúrbios que atingem os órgãos sensoriais e a


percepção;

c. Causas neurológicas, relacionadas ao equipamento cerebral e sistema nervoso;

d. Causas emocionais, formadas pelos distúrbios psicológicos e de personalidade;

e. Causas intelectuais ou cognitivas, relacionadas à inteligência do sujeito;

f. Causas educacionais, vinculadas ao contexto da escola;

g. Causas socioeconômicas, provenientes do status vivenciado pelo sujeito, seus recursos e


limites.

Na visão de Pain (1992, p. 28), nenhum fator isolado é determinante no surgimento das
dificuldades de aprendizagem. Suas origens surgem “da fratura contemporânea de uma série de
concomitantes”.

Entre os fatores considerados fundamentais na etiologia das dificuldades de


aprendizagem, esta autora destaca:
a. Os fatores orgânicos, que se relacionam à integridade anatômica e funcionamento dos órgãos
diretamente comprometidos com o processo de aprender;

b. Os fatores específicos, que surgem de inadequações nas áreas perceptivo-motoras, causando


problemas na aquisição da linguagem e da escrita;

c. Os fatores psicógenos, relacionados a distúrbios emocionais e de personalidade;

d. Os fatores ambientais, que correspondem ao meio ambiente material do sujeito, suas


possibilidades e recursos reais.

A aprendizagem é um processo que ocorre na relação. É dialético, pois necessita de um


sujeito e um objeto em embate para que aconteça, para que ocorra a síntese. Necessita que haja
essa interação para que os processos de assimilação e acomodação se desenvolvam conforme
descreveu Piaget (1991).

Se o aprender pertence à esfera da relação, o não aprender também tem a mesma Origem,
podendo ser acrescido de fatores de ordem orgânica que completam o quadro. O sintoma que delata
o não aprender surge como um emissário que aponta a origem ou o ponto modal de sua própria
essência.

De acordo com Parente e Rannã (1990, p. 53):

A origem do problema de aprendizagem pode estar relacionada com o modelo de relação


vincular que cada criança estabelece e que foi desenvolvido e articulado nas

suas primeiras relações com a mãe, num determinado contexto familiar. Esse modelo de relação
vincular tende a ser reproduzido na escola.

Fichtner (1990, p. 56), posicionando-se sobre a origem dos distúrbios de aprendizagem, argumenta
que:

Atualmente, um enfoque multidimensional e histórico está substituindo o posicionamento


unívoco. Este tipo de pensamento dialético, oposto ao pensamento causal, faz com que já não se
procure a explicação dos distúrbios de aprendizagem neste ou naquele déficit particular, mas em
uma constelação de fenômenos sociais, psicológicos, neurológicos, pedagógicos e familiares, que só
adquirem o seu pleno sentido quando referidos à história de cada criança ou adolescente,
considerando-se as múltiplas interações e os conflitos que marcam essa história.
E A CAPACIDADE DE APRENDER?

Segundo o professor Vicente Martins (2004) são três os fatores que influem no
desenvolvimento da capacidade de aprender:

1. . Atitude de querer aprender: e é aí que entra a responsabilidade da escola – é preciso que ela
desenvolva, no aluno, o aprendizado dos verbos querer e aprender, de modo a motivar para conjugá-
los assim: eu quero aprender. Tal comportamento exigirá do aluno, de logo, uma série de atitudes
como interesse, motivação, atenção, compreensão, participação e expectativa de aprender a
conhecer, a fazer, a conviver e a ser pessoa.

2. Respeito às competências e habilidades: desenvolvimento de aptidões cognitivas e


procedimentais. Quem aprende a ser competente, desenvolve um interesse especial de aprender. No
entanto, só desenvolvemos a capacidade de aprender quando aprendemos a pensar. Só pensamos
bem quando aprendemos métodos e técnicas de estudo. É este fator que garante, pois, a capacidade
de autoaprendizagem do aluno.

3. Aprendizagem de conhecimentos ou conteúdos: para tanto, a construção de um currículo


escolar, com disciplinas atualizadas e bem planificadas, é fundamental para que o aluno desenvolva
sua compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos
valores em que se fundamenta a sociedade, conforme o que determina o artigo 32 da LDB.

Antes de iniciarmos uma classificação dos tipos e subtipos de dificuldades de


aprendizagem existentes, discutiremos, ainda, sobre algumas definições relacionadas aos problemas
e/ou dificuldades que acometem uma criança no processo de aprender.

Muitas vezes, adotam-se termos técnicos que não encontram lastro ou contrapartida no
campo orgânico, como a célebre “disfunção cerebral mínima” (DCm), que muitos discutem ser a
causa da maioria dos casos de dificuldades de aprendizagem e ninguém, até hoje, conseguiu
localizá-la ou comprová-la por meio dos exames neurológicos, permanecendo a mesma como uma
disfunção sem representação ou verificação orgânica.

Uma conceituação precisa das dificuldades de aprendizagem permite um maior rigor na


determinação de quem pertence a essa categoria de problemas e quem não pertence.

O termo dificuldade de aprendizagem tem sido utilizado em uma população heterogênea de


sujeitos, muitas vezes designando situações bastante diferenciadas.
A proliferação de termos que buscam explicar os sintomas ou características do problema
termina por confundir os profissionais no momento de elaboração de uma avaliação
psicopedagógica.

Em Fonseca (1995a), encontramos uma série de definições para as dificuldades de


aprendizagem, que atendem ao critério aqui estabelecido de informar, com o máximo de precisão,
quem faz parte desse grupo e quem não faz.

São elas:

Dificuldade de aprendizagem [...] é um atraso, desordem ou imaturidade em um ou mais


processos: da linguagem falada, da leitura, da ortografia, da caligrafia ou da aritmética, resultantes
de uma possível disfunção cerebral e/ou distúrbios de comportamento, e não dependentes de uma
deficiência mental, de uma privação sensorial (visual ou auditiva), de uma privação cultural ou de
um conjunto de fatores pedagógicos. (KIRK, 1973, p. 194, em FONSECA, 1995a).

As crianças que têm dificuldades de aprendizagem são as que manifestam discrepâncias


educacionalmente significativas. Discrepância entre o seu potencial intelectual estimado e o atual
nível de realização escolar, relacionada essencialmente com desordens básicas do processo de
aprendizagem, que pode ser ou não acompanhada por disfunções do sistema nervoso central.

As discrepâncias de qualquer maneira não são causadas por um distúrbio geral de


desenvolvimento ou provocadas por privação sensorial. (Bateman, 1965, p. 194, em FONSECA,
1995a).

A criança com dificuldade de aprendizagem é uma criança com problemas em seu


desenvolvimento que revelam uma disparidade no processo psicológico relacionado com a educação,
disparidade tal (muitas vezes de 2, 4 ou mais anos escolares) que requer programas adequados de
evolução acadêmica, de forma a adaptá-los à natureza a ao nível do desvio do seu processo de
desenvolvimento (GALLAGHER, 1966, p. 195, em FONSECA, 1995a).

A dificuldade de aprendizagem é uma desarmonia do desenvolvimento normalmente


caracterizada por uma imaturidade psicomotora, que inclui perturbações nos processos receptivos,
integrativos e expressivos da atividade simbólica.

Traduz uma irregularidade biopsicossocial do desenvolvimento global da criança, que


normalmente envolve, na maioria dos casos: problemas de lateralização e de praxia motora,
deficiente estruturação perceptivo-motora e as dificuldades de orientação espacial e sucessão
temporal e outros tantos fatores inerentes a uma desorganização da constelação psicomotora, que
impede a ligação entre os elementos constituintes da linguagem e as formas concretas de expressão
que os simbolizam (FONSECA, 1974, pp. 195-196, em FONSECA, 1995a).

A partir desse elenco de definições, podemos concluir que, se não há consenso quanto ao que
seja dificuldade de aprendizagem, pelo menos a grande maioria dos autores concorda com as
características que as crianças com problemas para aprender “não” possuem.

De acordo com Fonseca (1995a), a criança com dificuldade de aprendizagem não possui
deficiência sensorial, seja ela visual ou auditiva; não é deficiente motor, com quadros de paralisia
cerebral ou de membros; não é deficiente intelectual, mantendo escores de QI por volta de 90 pontos
e não apresenta distúrbios emocionais graves, que podem caracterizar quadros de psicoses severas.

Em geral, a criança com dificuldade de aprendizagem apresenta um desnível entre o seu


potencial e aquilo que realiza.

É como se ela não percebesse ou não conseguisse expressar suas habilidades, caracterizando
um bloqueio na dimensão da expressão e/ou realização de suas competências.

Essa discrepância sempre se relaciona às desordens básicas no processo de aprendizagem,


que podem sugerir um quadro de comprometimento do sistema nervoso central ou não.

Na sua maioria, não apresentam sinais de debilidade mental, privação cultural, perturbações
emocionais ou privação sensorial, porém perturbações no campo perceptivo, comportamentos
inadequados e problemas no processamento de informações são evidenciados com frequência em
crianças com dificuldades de aprendizagem.

A importância de uma taxonomia das dificuldades de aprendizagem reside na necessidade de


se conhecer como um aspecto ou função de natureza psiconeurológica pode ter sido afetado a ponto
de comprometer o processo de aprendizagem ou se a origem da dificuldade pode possuir uma
etiologia diferenciada, proveniente do seu ambiente sócio-histórico-cultural.

Nesta perspectiva, é importante compreender de que forma se constrói um quadro de


dificuldades e como este evolui até alcançar os processos gerais de aprendizagem, prejudicando-os.
Fonseca (1995a) propõe uma classificação das dificuldades de aprendizagem em dois níveis,
a saber: As dificuldades de aprendizagem primárias e As dificuldades de aprendizagem secundárias.
Fatores biológicos, orgânicos, emocionais, ambientais, ecológicos, entre outros, interagem de forma
sistêmica na composição de um quadro problemático para a aprendizagem.

Uma classificação apropriada das dificuldades de aprendizagem facilita os passos


posteriores, em uma intervenção psicopedagógica, seja ela realizada em âmbito de atendimento
individualizado ou na instituição escolar.

Tentar clarificar o que são ou o que representam os sintomas que surgem em quadros de
dificuldades de aprendizagem é tarefa básica do profissional desta área, especialmente como
contribuição para a composição do corpo teórico psicopedagógico.

Se conseguirmos estruturar avaliações psicopedagógicas criteriosas, se falarmos a mesma


linguagem, talvez possamos tornar mais fácil à dura tarefa de compreender por que algumas
pessoas, com todos os atributos e elementos presentes, constroem barreiras que as impedem de
aprender, tanto na vida diária quanto na escola.

É importante lembrar que as crianças com dificuldades de aprendizagem costumam ser


absolutamente normais, com aspectos do seu comportamento evidenciando- se normalmente, e parte
apresentando desvios.

Saber diferenciá-las das crianças com incapacidades reais ou deficiências orgânicas é de


extrema importância, não só para a avaliação psicopedagógica, mas, especialmente, para a escolha
de procedimentos de intervenção psicopedagógica adequados para a solução do problema.

A ARTICULAÇÃO DA HISTÓRIA DO FRACASSO ESCOLAR COM O SURGIMENTO DAS


DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: UMA BREVE ANÁLISE HISTÓTICA

O fracasso escolar é, sem dúvida, um dos mais graves problemas sociais e econômicos com
o qual nos deparamos. Ele se espalha por todos os níveis educacionais, penalizando desde crianças
da Educação Infantil até adultos que sofrem em programas de alfabetização, em busca de um
mínimo de condições para o exercício de sua cidadania.

Apesar de incidir em quase todas as etapas de escolarização, é nas primeiras séries do


Ensino Fundamental que o fracasso escolar faz o grande “estrago”. Há décadas lidamos com dados
que indicam a manutenção dos altos índices de retenção, evasão e exclusão escolar.

Ao longo das últimas décadas, as crianças brasileiras não conseguiram se libertar desse
vaticínio que as impele para uma vida escolar repleta de situações de frustração e insucesso. Afinal,
por que essas crianças fracassam tanto e por tanto tempo?

No Brasil, o número de sujeitos que não conseguem aprender aumenta a cada ano. Diante
de um quadro caracterizado por crescente retenção em séries escolares, exclusão do aluno do
sistema educacional ou encaminhamento para serviços psicológicos, psicopedagógicos ou médicos, a
escola sente-se perdida e repete, continuamente, o comportamento de responsabilizar o sujeito e sua
família pelo fracasso na aprendizagem.

Surgem os rótulos, que atribuem ao aluno deficiências de toda ordem e que em nada
colaboram para a solução do problema. Em geral, esses rótulos legitimam uma suposta
“incompetência individual ou orgânica para a aprendizagem”, excluindo o aluno não só da vida
escolar como do mundo social e do trabalho.

Se a culpa pelo fracasso escolar é do aluno, as outras instâncias pertencentes ao sistema


escolar não assumem responsabilidade diante desse cenário. Sociedade, políticas públicas e sociais,
ideologias educacionais, escola, educadores e professores não são diretamente responsáveis por
essa tragédia e, portanto, muito pouco tem a fazer.

O fracasso escolar tem origem complexa e multideterminada. Analisar suas causas partindo
apenas de aspectos diretamente relacionados ao sujeito que fracassa consiste em visão reduzida do
processo.

Para compreender como se constitui um quadro de fracasso escolar é necessária uma


análise minuciosa de suas origens sem desconsiderar a participação ativa de distintas instâncias na
estruturação desse processo.

Por ser um fenômeno de alta complexidade, sua construção vai espelhar essa natureza
intrincada e vai exigir uma avaliação de todos os aspectos que contribuem para o surgimento dessa
situação, tanto no contexto escolar como também no do trabalho.

Hoje encontramos, com frequência, adultos que apresentam situações de fracasso no


exercício laboral em decorrência de contextos educacionais pregressos que não foram adequados o
suficiente para promover nesses sujeitos as competências exigidas pelo mercado de trabalho da
atualidade, caracterizado por sua competitividade e alto grau de exigência.

Ao pensarmos sobre o papel social da educação e, concomitantemente, buscarmos


respostas para os altos índices de fracasso escolar nas escolas públicas brasileiras fica difícil não
considerar a existência de uma dimensão perversa no sistema escolar que parece excluir essas
crianças quase que “de propósito”, como garantia de um projeto ideológico que se beneficia dessa
exclusão.

Sociólogos franceses investigaram exaustivamente as dimensões simbólicas presentes nas


propostas educacionais e que traduzem a ideologia dominante de um dado sistema de poder. Não há
dúvida de que a escola, em certa instância, atende ao poder dominante e reproduz, por meio de suas
práticas, um contexto sociocultural que garanta a manutenção das condições ideológicas desejáveis.

Porém, também somos sabedores de que o espaço escolar, apesar de sua função
reprodutivista, é, ainda, um dos poucos contextos que favorecem o surgimento de uma reação
popular ao sistema ideológico dominante. Renomados educadores brasileiros, como Saviani e
Libâneo, vêm discutindo a possibilidade concreta de construção de uma pedagogia crítica, capaz de
restituir ao sujeito sua condição de cidadão, uma pedagogia a serviço do povo brasileiro e não das
elites política e ideológica

O fracasso escolar deve ser compreendido a partir dessa instância macrossistêmica, que
delata um projeto ideológico que exclui a população pobre não apenas da escola, mas,
principalmente, da possibilidade de construção do seu conhecimento, assim como do acesso ao
mercado de trabalho em iguais condições de competição com os raros cidadãos formados nas elites.

Não é por acaso que uma criança fracassa na escola. O fracasso escolar tem uma missão,
infelizmente mais perversa do que imaginamos.

Ele legitima a exclusão escolar e social, de modo sutil e quase imperceptível, ao culpabilizar
o aluno pelo seu insucesso. Uma vez que ainda se discute a não aprendizagem como oriunda de
aspectos orgânicos, fisiológicos e individuais não há porque duvidar das intenções democráticas do
sistema educacional que provê a todos os sujeitos as mesmas condições de ensino. Se o aluno não
aprende, não é o sistema que tem “culpa”, nem o aluno, necessariamente. Esse aluno não aprende
porque, “infelizmente”, pertence a um contexto social e econômico desprivilegiado que termina por
minar suas possibilidades desenvolvimentais e suas condições de vida.

Diante desse cenário tão precário é quase impossível para o aluno passar pela escola sem
apresentar uma quantidade enorme de dificuldades de aprendizagem que vão legitimar o seu
fracasso, ou seja, a sua participação ativa no seu insucesso escolar.

Para revigorar a perversidade do sistema, surge o discurso de que a solução para esse
problema ultrapassa os muros da escola e deve ser objeto de discussão de instâncias superiores.

O sistema educacional deixa claro que a solução para esse intrincado problema diz respeito a
essas instâncias superiores, como se elas não pertencessem, também, ao sistema político dominante.

Ao que parece, a solução para esse problema também ultrapassa o desejo político das elites
governantes. Se assim não fosse, a realidade seria outra.

O sistema escolar ainda se solidariza com o aluno que fracassa ao inventar múltiplas formas de
auxiliá-lo em sua “recuperação”.

Nesse ínterim surgem ações como a implantação da progressão automática nas distintas
etapas do Ensino Básico, programas de aceleração da aprendizagem, entre outros artifícios que
apenas prorrogam o veredicto final, que sempre é a exclusão.

Enquanto o poder político se digladia em busca de soluções para a sofrível situação da


educação brasileira, nas salas de aula a construção do fracasso escolar toma corpo a cada dia,
expresso pelos obstáculos criados pela própria escola e que impedem o aluno de aprender.

A burocratização do trabalho pedagógico, a obediência cega a uma carga curricular excessiva


e pouco formadora, a prioridade dada aos conteúdos quantitativos em detrimento da experiência
qualitativa do aluno, a má formação dos professores, as precárias condições físicas e materiais da
escola, entre tantas outras mazelas constituem barreiras presentes que os alunos das camadas
pobres enfrentam e que, muito dificilmente, conseguirão sobrepujar.

Diante de constatações tão sérias, a necessidade de investigar com maior profundidade esse
fenômeno dissimulado que é o fracasso escolar torna-se imperativa. Neste ponto partimos para a
escola, com o propósito de compreender o que ocorre em seus espaços, na tentativa de lançar luz
sobre essa questão obscura. Escutamos de educadores e professores que as causas do fracasso
escolar têm origem no aluno e em suas precárias condições de vida. Mais uma vez as outras
dimensões são salvas “do julgamento” e permanecem omissas em relação ao quadro do insucesso na
escola.

O ciclo se fecha e a escola legitima a ideologia dominante ao assumir que o aluno e seu
precário contexto socioeconômico são os elementos responsáveis pelo seu fracasso porque dão
origem às suas deficiências de aprendizagem.

O fracasso escolar é fenômeno complexo, multideterminado e condicionado por ideologias,


políticas educacionais, sistemas sociais e econômicos. É um fato concreto que preocupa pais,
educadores e toda uma nação. Seus efeitos são nocivos e geram exclusão escolar, social, econômica
e cultural. Suas causas são, geralmente, imputadas às características do sujeito que fracassa seu
contexto familiar, social e econômico. Ao situar a origem do problema no sujeito, eximem-se a escola
e todo o sistema restante da partilha da responsabilidade pelo insucesso escolar.

Na maioria das vezes o aluno não é responsável pelo seu fracasso na escola. Em algumas
circunstâncias, ele tem pouco sucesso na escola por vivenciar situações que trazem, em seu bojo,
algum tipo de impedimento ou dificuldade para aprender.

Nesses casos, evidenciamos a possibilidade de identificação das dificuldades de


aprendizagem. Antes de conceituar dificuldade de aprendizagem é de extrema relevância
estabelecer alguns parâmetros que permitam a articulação desse conceito com o de fracasso escolar.

Esse cuidado é necessário, pois esses fenômenos não mantêm, necessariamente, uma relação
causal ou mesmo uma correlação. Eles refletem faces distintas de um grave problema, que é a não
aprendizagem, mas nem sempre estão juntos em sua construção.

Vamos aos parâmetros:

1. O fracasso escolar costuma ser compreendido como um fenômeno social que afeta,
especialmente, a população de baixo poder aquisitivo e que frequenta o sistema público de ensino.

2. O fracasso escolar também acomete a população privilegiada socialmente e financeiramente,


mas, em geral, nessas condições, não é compreendido como fenômeno social e de impacto no
desenvolvimento da nação. Esse tipo de fracasso escolar não gera estatísticas educacionais.

3. O fracasso escolar tem origem na relação do sujeito de aprendizagem com seu contexto social
e cultural. O que observamos é que, em geral, esse contexto não é construído para promover o
sucesso escolar do aluno e ele não tem outra opção senão falhar. Esse é o fracasso legitimado e
cantado em verso e prosa na literatura da área.

4. O fracasso na escola pode gerar dificuldades de aprendizagem, que caracterizam


impedimentos à construção do conhecimento e que são compreendidas como fenômenos oriundos
“do sujeito”, a partir de suas interações sociais e características orgânicas e individuais.

5. O conceito de dificuldades de aprendizagem tem evoluído e se distanciado de uma perspectiva


médica assim como do enfoque “da causa no indivíduo”, inserindo o sistema ecológico do sujeito
como elemento significativo em sua construção.

6. A criança que fracassa na escola não necessariamente tem dificuldades de aprendizagem.


7. Uma criança pode apresentar dificuldades de aprendizagem e não fracassar na escola. Tudo
depende do grau de ajuda que ela recebe.

8. Os conceitos de dificuldades de aprendizagem e fracasso escolar se aproximam o tempo todo,


mas não mantêm uma relação de causalidade ou reciprocidade.

9. Para compreender o fenômeno da não aprendizagem é indispensável conhecer as origens e


trajetórias do fracasso escolar e das dificuldades de aprendizagem, em suas múltiplas interações e
distanciamentos.

Lição 06: Análise dos fatores que impedem a aprendizagem

Análise dos fatores que impedem a aprendizagem a partir de um enfoque psicopedagógico

Por que algumas crianças, absolutamente normais, não aprendem? Essa é uma pergunta
intrigante. Dizer que uma criança não aprende porque possui um distúrbio orgânico, fisiológico,
cerebral ou semelhante é menos complicado do que atribuir o seu fracasso escolar a outros fatores
difíceis de serem mensurados ou mesmo diagnosticados mediante exames.

Por essa razão, há uma enorme tendência em medicalizar o fracasso escolar e tratá-lo como
um distúrbio passível de cura por uma terapêutica adequada ou medicação suficiente. Porém,
mesmo quando cedemos a essa tendência, somos cientes de que há outros aspectos presentes na
construção das dificuldades de aprendizagem que extrapolam as nomenclaturas médicas e
psicológicas.

Há também situações nas quais a criança ingressa na escola em condições perfeitas para
aprender e sai dela apresentando limitações sérias à aquisição do conhecimento. Como explicamos
tal fenômeno? Antes da escola a criança aprendia perfeitamente. Depois da escola essa competência
torna-se comprometida?

A escola pode impedir a aprendizagem? Quando evidenciamos quadros dessa natureza é


impossível relacionar as causas da não aprendizagem somente a fatores individuais, orgânicos ou
fisiológicos. O sistema escolar é competente para gerar dificuldade de aprendizagem, por incrível
que pareça. Muitas vezes é isto o que a escola faz: “impede o sujeito de aprender”.

O foco de investigação das causas da não aprendizagem também pode mudar de rumo e
apontar para a família, as condições sociais e econômicas do aluno, as crenças e concepções do seu
contexto social, os valores culturais, entre tantos outros fatores. Compreender o fracasso escolar e o
surgimento das dificuldades de aprendizagem em um sujeito exige investigação minuciosa,
detalhada, aprofundada.

Diz respeito a um processo de pesquisa da história desse sujeito, considerando suas


inserções familiares, sociais e culturais. Os impedimentos à aprendizagem são múltiplos, derivam de
distintas fontes e demandam muita atenção e discernimento em sua identificação.

Uma investigação psicopedagógica dos fatores que impedem a aprendizagem vai lançar luz
sobre as distintas instâncias que operam na construção das dificuldades de aprendizagem
e que também são geradoras do fracasso escolar.

A compreender a não aprendizagem como oriunda de uma única fonte e considera que só é
possível identificar o que impede a aquisição do conhecimento ao considerarmos os pontos de
partida dessa situação, que são muitos.

O ser humano pertence a uma espécie e partilha com ela características desenvolvimentais
comuns. Isso é fato biológico, genético, fisiológico. Entretanto, sabemos que o homem não se torna
“humano” por legado biológico ou genético. Uma criança só se torna “humana” quando faz parte de
uma cultura e conta com mediadores aptos a transmitir a ela os significados dessa cultura. É por
meio da mediação que a criança se torna “uma pessoa”, desenvolve suas funções psicológicas,
cresce, matura, aprende, passa a pertencer à humanidade.

A construção do ser humano se dá no palco cultural, no qual a família, a escola e diversas


instituições atuam como poderosos mediadores nesse processo. Considerando que hoje prevalece no
planeta o modelo das sociedades industrializadas e que nesse modelo as crianças passam um longo
tempo na escola para “adquirirem conhecimentos”, imaginem o impacto da instituição escolar na
construção da personalidade do homem. Ele é imenso, incomensurável, definitivo, tanto para o
sucesso dessa criança como para o seu fracasso.

O processo de socialização do homem assim como sua experiência em instituições de ensino


constituem vivências repletas de desafios, situações-problema, escolhas e opções.

Nem sempre esse sistema se apresenta para o sujeito em concordância com seus desejos e
aspirações. Muitas vezes, socializar-se e educar-se é experiências difíceis, que demandam auxílio
constante dos pares sociais mais experientes e nem sempre a escola ou a família estão prontas para
ofertar esse auxílio. Em situações desse gênero é muito provável o surgimento de dificuldades que
podem se expressar tanto no processo de desenvolvimento do sujeito como em sua aprendizagem.

1. Dimensões biológica e genética: dizem respeito à herança genética que cada ser humano
recebe no momento da concepção e que dá origem a um ser biológico, pertencente a uma espécie
com a qual ele partilha inúmeras regularidades, tanto desenvolvimentais como de aprendizagem. O
homem é único, porém atende a regularidades desenvolvimentais típicas de sua espécie. Seu
processo de desenvolvimento tem aspectos definidos pelo seu código genético e sua biologia,
entretanto essas dimensões também são afetadas por contextos ambientais, sociais e culturais,
promovendo mudanças e transformações.

Diversos estudos mostram que transtornos biológicos ou mesmo genéticos podem gerar
dificuldades de aprendizagem, com destaque especial para os déficits neurológicos. Situações dessa
natureza ocasionam comprometimentos no processo desenvolvimental do sujeito, especialmente em
sua cognição, promovendo alterações biológicas, comportamentais e emocionais que podem impedir
a aprendizagem.

Entre os transtornos relacionados às alterações biológicas identificamos: (a) lesões


cerebrais; (b) paralisia cerebral; (c) epilepsia: (d) deficiência mental; (e) deficiência sensorial e (f)
deficiência visual, auditiva ou de fala. Os fatores genéticos podem originar os seguintes quadros: (a)
fibrose cística; (b) síndrome de Down; (c) hemofilia; (d) neurofibromatose; (e) fenilcetonúria; (f)
anemia falciforme; (g) síndrome de Turner, entre tantos outros.

É importante que o psicopedagogo saiba que necessita de auxílio especializado para


elaborar um diagnóstico no qual os fatores impeditivos à aprendizagem são, primariamente, de
origem biológica ou genética. O trabalho interdisciplinar é indispensável no momento da elaboração
de um diagnóstico, seja ele no âmbito clínico ou no institucional.
2. Dimensões física e orgânica: relacionam-se ao desenvolvimento físico e orgânico do sujeito,
incluindo os processos de crescimento e maturação. Ao nascer, um bebê já traz registros genéticos
que vão orientar seu processo de desenvolvimento. Entretanto, o ambiente que o cerca vai dar
cartas em pé de igualdade com suas determinações genéticas e biológicas, tecendo uma trama
complexa que engendrará a construção de suas rotas desenvolvimentais.

O bebê vai crescer, vai vivenciar processos de maturação e desenvolver-se a partir da


interação dos seus fatores genéticos e ambientais. Portanto, suas dimensões físicas e orgânicas
podem ter suas trajetórias de desenvolvimento alteradas por fatores de outra ordem, originando
situações potencialmente capazes de impedir os seus processos de aprendizagem.

Entre os possíveis fatores físicos e orgânicos com potencial para impedir ou prejudicar os
processos de aprendizagem, destacamos: (a) desnutrição; (b) exposição a agentes teratogênicos,
como drogas, infecções; (c) incompatibilidade de Rh; (d) exposição à irradiação e/ou poluição; (d)
déficits psicomotores; (e) déficit no crescimento e (f) baixo peso.

1. Dimensão psicológica: corresponde aos fatores psicológicos e seu desenvolvimento durante


a vida do sujeito. Fatores psicológicos incluem os seguintes processos: emoções, afeto, cognição,
inteligência, memória, percepção, linguagem, pensamento, criatividade, imaginação etc. As funções
psicológicas determinam o surgimento do sujeito humano. A nossa espécie se diferencia do reino
animal por possuir funções psicológicas superiores e mediadas, que permitem a construção da
consciência e, consequentemente, a noção de “eu”. Somente os homens têm identidade,
personalidade ou subjetividade.

Esta vida psíquica rica, complexa e subjetiva é construída ao longo do nosso desenvolvimento
e depende de todas as dimensões que cercam o ser humano. Necessitamos de condições físicas,
biológicas, genéticas, ambientais, sociais e históricas favoráveis para desenvolvermos uma
personalidade saudável. Quando essas condições são abaladas por qualquer circunstância, o
desenvolvimento psicológico do sujeito pode apresentar comprometimentos, entre os quais
destacamos aqueles que vão impedir, especificamente, a aprendizagem.

Os fatores psicológicos impeditivos da aprendizagem são numerosos e atuam de modo


conjunto. Uma criança com baixa autoestima, por exemplo, pode apresentar dificuldades de
aprendizagem que, por sua vez, vão gerar déficits na aquisição da linguagem, que, também, por sua
vez, transformam-se em outro fator psicológico originário do problema de aprendizagem. Esse ciclo
demonstra a relação sistêmica existente entre sintoma e situação, mostrando que muitas vezes a
dificuldade de aprendizagem tem poder de gerar um novo sintoma de não aprendizagem.

Há necessidade de análise minuciosa dos fatores psicológicos na composição dos quadros de


não aprendizagem. O psicopedagogo deve se apropriar de saberes da psicologia, da psicanálise e de
outras linhas teóricas no sentido de ampliar seus conhecimentos sobre a dinâmica e a estrutura do
funcionamento psicológico. Só assim será possível elaborar diagnósticos ou avaliações precisas.

Também é importante destacar, novamente, a necessidade do trabalho interdisciplinar. Em


alguns momentos, a melhor opção é contar com a participação de um psicólogo clínico experiente no
momento de fechar um processo de avaliação psicopedagógica.

Entre os fatores psicológicos intervenientes na aprendizagem, destacamos: (a) baixa


autoestima e autoconceito; (b) distúrbios afetivos e emocionais; (c) distúrbios comportamentais; (d)
neuroses e psicoses; (e) transtornos psicomotores etc.

4. Dimensões Escolar e Institucional: representam a influência e capacidade de intervenção da


escola e das instituições que a cercam no processo de aprendizagem do aluno. A instituição escolar é
apenas uma das instâncias sociais que participam ativamente no desenvolvimento e na
aprendizagem dos seres humanos. A família, a comunidade, a igreja e tantos outros espaços de
socialização também assumem papel relevante na constituição da personalidade de um indivíduo.
Essas instituições, em conjunto, estabelecem padrões, crenças, valores e expectativas com relação
ao sujeito e sua trajetória de vida. Em geral, esse sujeito tentará atender a esses padrões e nessa
trajetória pode vivenciar situações conflitantes que refletem em sua personalidade, em seu
desenvolvimento e em seu aprendizado.

Nas sociedades industrializadas, a escola é a instituição onde as crianças passam a maior


parte do seu tempo. Ela também é o local, por excelência, de transmissão do legado cultural da
humanidade. Na escola, a criança constrói seu conhecimento sobre o mundo e sobre si mesmo.

Ela também aprende a ser uma pessoa, por meio das diversas interações com os pares, no
espaço escolar. A sala de aula é muito mais do que um espaço de aprendizagem; ela é um espaço
privilegiado de desenvolvimento humano, onde crianças “tornam-se seres humanos” e aprendem a
viver em coletividade. Portanto, a escola assume papel de extrema importância na construção de
bom ou mau processo de aprendizagem. A intenção contida no processo educativo formal, em geral,
é boa; os resultados nem sempre.

A escola impede a aprendizagem quando: (a) estrutura o mesmo tipo de ensino para diferentes
crianças; (b) não prepara seus professores de modo adequado; (c) não oferta metodologias de ensino
modernas, sofisticadas e de qualidade; (d) enfatiza a aquisição de conteúdos em detrimento da
produção do conhecimento; (e) utiliza a avaliação como sistema punitivo, ao invés de caracterizá-la
como momento especial de aprendizagem; (f) elimina a dimensão lúdica da sala de aula; (g) distancia
conteúdos curriculares da vida do aluno; (h) constrói ambientes de aprendizagem opressivos, sem
destaque para a criatividade. As instituições familiares também não cooperam com o sucesso escolar
quando: (a) não valorizam a aprendizagem e o estudo; (b) não participam da vida escolar dos seus
filhos; (c) não incentivam ou valorizam a leitura; (d) não estimulam adequadamente as crianças; (e)
negligenciam a educação de valores; (f) associam alto nível de ansiedade ao processo escolar; (g)
nutrem relações interfamiliares pouco ajustadas.

5. Dimensões Socioeconômicas: dizem respeito ao contexto social e econômico das crianças e


suas famílias em etapa de escolarização e refletem, diretamente, no desempenho dos alunos em sala
de aula. Uma das causas mais representativas do fracasso escolar é o baixo padrão social e
econômico da maioria das crianças brasileiras. Desprovidos de moradia, condições sanitárias,
cuidados médicos, nutrição adequada, conforto familiar e emocional e recursos financeiros, as
crianças das classes sociais desfavorecidas encontram obstáculos instransponíveis quando chegam à
escola. É impossível aprender com qualidade quando não há cadernos, lápis, computadores,
alimentação adequada, falta de apoio familiar, trabalho precoce, descanso e lazer, todos os
ingredientes que favorecem a aquisição do conhecimento com certo grau de tranquilidade e prazer.

As crianças pertencentes às classes socioeconômicas desprivilegiadas apresentam, em geral: (a)


condições habitacionais, sanitárias, de higiene e nutrição deficientes; (b) pouca estimulação
cognitiva; (c) fraca interação sociolinguística; (d) privações lúdicas, simbólicas e culturais; (e) baixo
desempenho na expressão linguística e no desenvolvimento do vocabulário; (f) conhecimentos gerais
inadequados; (g) pouca habilidade no uso de tecnologias; (h) acesso restrito aos recursos físicos
necessários à aprendizagem (livros, revistas, jornais, cadernos); (i) ausência de uma rede de apoio
com relação às etapas de aprendizagem por parte da família e mesmo dos professores.

Diante de tantos impedimentos, torna-se quase impossível para uma criança pobre alcançar sucesso
na escola. Se somarmos esse aspecto aos outros já relacionados veremos o fracasso escolar se
constituindo, tornando-se um fenômeno muito mais social do que pedagógico, urdido na
perversidade da má distribuição de renda, fato ainda tão presente em nosso país. Mesmo quando
consegue ultrapassar todas as barreiras impostas pelo macrossistema, a criança pobre sai da escola
em condições precárias para competir em um mercado de trabalho delimitado pela alta
especialização e pela busca de excelência. Nesse contexto, parece que não há saída para essas
crianças.

6. Dimensão Ideológica: toda sociedade ou grupo cultural constrói ideologias que sustentam suas
crenças e valores. Por ideologia compreendemos “um conjunto articulado de ideias, valores,
opiniões, crenças que expressam e reforçam as relações que conferem unidade a determinado grupo
social, seja qual for o grau de consciência que disso tenham seus portadores”. As ideologias surgem
a partir de ideias disseminadas como dominantes e representativas do desejo de uma sociedade. Ela
é incutida mediante distintas práticas, entre as quais se destaca a escolar. A escola é uma das
instâncias transmissoras da ideologia de um povo. Ela dissemina de modo subentendido, sistemas de
ideias dogmaticamente organizadas e as transforma em instrumento de manipulação, domínio ou,
até mesmo, de luta de classes. Não percebemos o processo de apropriação da ideologia que domina
o nosso contexto social, histórico e cultural. Quando percebemos já somos portadores desses valores
e, muitas vezes, lutamos para preservá-los.

De que modo uma ideologia pode gerar dificuldades de aprendizagem ou mesmo fracasso escolar?
Quando ela, por exemplo, dissemina para os membros de uma sociedade que o ingresso no trabalho
se dará por meio do preparo do sujeito, no ambiente escolar, para o exercício de uma profissão e, ao
mesmo tempo não oferta condições democráticas de acesso a uma escolarização de qualidade. Ao
partilhar esse ideário, o sujeito considera que o fracasso escolar e profissional de muitos dos seus
pares se justifica por esse conjunto de valores, ou seja, não há lugar para todos, portanto nada mais
natural do que o fracasso de uma boa parcela.

A escola faz isso com muita competência e, como boa reprodutora da ideologia dominante, lança a
responsabilidade do fracasso nas mãos do aluno, eximindo o contexto social de sua enorme parcela
de culpa. O aluno apresenta dificuldades para aprender porque “já espera” esse quadro. Afinal, ele é
pobre, não tem condições financeiras nem culturais de alcançar o topo da pirâmide social, já
disseram a ele que nem todos chegarão lá e que o melhor a fazer é aceitar sua condição subalterna
sem reclamar. A família também legitima o problema ao assumir que seu filho “não dá para os
estudos”, “não é muito inteligente”, “deve ter a mesma profissão do pai”, entre outras crenças
semelhantes que só fortalecem o sistema ideológico vigente. O psicopedagogo tem a obrigação de
investigar essa dimensão que sempre surge como componente em quadros de dificuldades de
aprendizagem e fracasso escolar.

7. Dimensão Ecológica: esta dimensão compreende a criança inserida em distintos contextos que
são formados pelos vários ambientes em que ela habita no seu cotidiano. Esses microssistemas se
relacionam uns com os outros de distintas maneiras, formando mesossistemas que, por sua vez,
interagem com ambientes e espaços institucionais (exossistemas) em que a criança não
necessariamente está presente, mas que influenciam seus processos de desenvolvimento e
aprendizagem de modo significativo. Todos esses sistemas encontram ressonância no macrossistema
que representa as crenças, ideologias e padrões culturais de cada criança.

A abordagem ecológica é de extrema relevância na análise dos processos de desenvolvimento


e aprendizagem da criança, pois desnuda as intricadas relações entres os diferentes sistemas e suas
interferências positivas ou negativas nos resultados desenvolvimentais. Quando compreendemos a
criança como sujeito inserido em uma teia de relações que se amplia progressivamente, passamos a
percebê-la de modo mais complexo e ampliamos as possibilidades de identificar possíveis pontos
nodais de situações problemas, o que permite a intervenção.

Para a Psicopedagogia é fundamental a adoção de uma visão ecológica do desenvolvimento e


da aprendizagem. Ela nos permite identificar, por exemplo, quando uma dificuldade de
aprendizagem é originária de: (a) relações familiares nucleares (pai, mãe e filhos); (b) relações
familiares ampliadas (avós, primos, tias); (c) conflitos ideológicos entre membros da mesma família;
(d) discrepância de valores entre família nuclear e família ampliada; (e) expectativas disfuncionais
com relação à criança; (f) expectativas disfuncionais com relação à escola, entre outros fatores.

8. Dimensões históricas e culturais: para finalizar, vamos analisar o contexto histórico e cultural
e suas interferências no contexto da aprendizagem e seus impedimentos. Já discutimos bastante
sobre a natureza dos processos de desenvolvimento humano e aprendizagem. Somos sabedores de
que o filhote do homem só se torna “humano” pela mediação da cultura, ou seja, de significados
simbólicos que damos às coisas e ao mundo e que são transmitidos aos nossos descendentes
mediante os processos educacionais. O homem se torna homem por meio de outros homens. Esse
processo depende da cultura e de seu contexto histórico.

A escola é a instituição responsável pela transmissão do legado cultural da humanidade. A


ela cabe a tarefa de ensinar aos mais novos os significados construídos pela cultura que representa.
Por isso, a escola necessita de tempo longo e contínuo para formar um habitus no aluno, ou seja,
para incutir-lhe os valores, crenças e saberes escolhidos pela dimensão histórica e cultural. Espera-
se que esse aluno seja o guardião e também reprodutor dos padrões históricos e culturais herdados.
Deseja-se que ele, como futuro da sociedade, garanta a sobrevivência dela. A escola treina o aluno
para manter o status quo, para garantir a continuidade do grupo social, para reproduzir crenças e
valores. Ao se estruturar para tal tarefa, a escola termina por eliminar de suas práticas a produção
de novos valores culturais, a renovação do legado histórico, a transformação do tecido social tão
imprescindível para nossa subsistência. Portanto, é nesse aspecto que as dimensões históricas e
culturais podem atuar no sentido de gerarem dificuldades de aprendizagem, ao ceifarem no aluno o
seu ímpeto criativo e inovador. Parece um contrassenso, mas tal fato ocorre com uma infeliz
frequência.

Lição 07: Taxonomia e características

Taxonomia e características das dificuldades de aprendizagem: Uma abordagem


psicopedagógica

É importante ressaltar que a leitura aqui adotada é de natureza psicopedagógica, o que


significa uma opção por analisar esses impedimentos à aprendizagem com ênfase em suas
dimensões pedagógicas e escolares. Não vamos estudar as dificuldades de aprendizagem com olhos
médicos ou mesmo estritamente psicológicas. Nosso foco será, prioritariamente, a compreensão das
DAs inseridas em um cenário educacional, o que não impede uma investigação precisa, complexa e
com maior grau de profundidade de cada uma delas.

A importância de uma taxonomia das dificuldades de aprendizagem se expressa no


conhecimento de como um fenômeno de natureza difusa pode individualizar-se em um conjunto de
sintomas e/ou características a ponto de comprometer o processo de aprendizagem de um sujeito.
Estudar o sistema de classificação das DAs também orienta sobre suas etiologias diferenciadas,
provenientes de distintas dimensões, como já evidenciado em capítulo anterior. Nessa perspectiva, é
importante compreender de que forma se constrói um quadro de impedimentos ao ato de aprender e
como este evolui até alcançar os processos gerais de aprendizagem, prejudicando-os. Retomando
Fonseca (1995), identificamos uma classificação das dificuldades de aprendizagem em dois níveis, a
saber:

a) As dificuldades de aprendizagem primárias e

b) As dificuldades de aprendizagem secundárias.

O quadro comparativo a seguir apresentará as principais diferenças entre os dois tipos:

DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM


PRIMÁRIAS – DA I SECUDÁRIAS – DA II
(1) DAs primárias são aquelas em que não se (1) DAs secundárias resultam de condições,
identifica uma causa orgânica específica. desordens, limitações ou deficiências
devidamente diagnosticadas em: deficiência
(2) Compreendem perturbações nas visual, auditiva, mental, motora, emocional ou
seguintes aquisições: práxicas e simbólicas, privação cultural.
como: a linguagem falada (receptiva e
expressiva), a linguagem escrita (receptiva e (2) As DAs são a consequência secundária de
expressiva) e a linguagem quantitativa. deficiências nervosas, sensoriais, psíquicas ou
ambientais.
(3) O potencial sensorial, intelectual, motor
e social está intacto e é, portanto, normal. (3) O potencial sensorial, intelectual, motor e
social é atípico e desviante.
(4) Se há perturbações, elas dependem de (4) Se há perturbações, elas dependem
alterações mínimas, tão mínimas que não secundariamente de deficiências sensoriais,
são detectadas pelos exames médicos neurológicas, psíquicas ou ambientais como,
pediátricos, neurológicos, psiquiátricos, por exemplo: privação cultural, desvantagem
psicológicos porque são insuficientes para sócio econômica, má nutrição, envolvimento
identificar distúrbios e problemas no afetivo, facilidades de estimulação precoce,
processamento da informação. expectativas etc.

(5) As aquisições da linguagem falada, da (5) As aquisições da linguagem falada, da


linguagem escrita e da linguagem linguagem escrita e da linguagem quantitativa
quantitativa estão primariamente estão secundariamente perturbadas.
perturbadas.
CATEGORIAS DE DAs PRIMÁRIAS CATEGORIAS DE DAs SECUNDÁRIAS
1. Disfunções
1.1. Da linguagem falada: » Disnomia » 1. Afecções biológicas
Disfasia » Disartria » Deficiência Mental 1.1. Do sistema nervoso central
1.2. Da linguagem escrita: » Dislexia » Lesões cerebrais » Paralisia cerebral
(auditiva e visual) » Disgrafia » » Epilepsia
Disortografia 1.2. Dos sistemas sensoriais
1.3. Da linguagem quantitativa » Deficiência auditiva
2. Problemas Perceptivos » Hipoacusia (diminuição da audição)
2.1. Do processo auditivo: » Discriminação » » Deficiência visual » Ambliopia (diminuição
Síntese » Memória de curto termo da visão)
2.2. Do processo visual: » Discriminação » 2. Problemas de comportamento
Figura-fundo » Complemento » Constância » Reativo » Neurótico » Psicótico
da forma » Posição e relação espacial » 3. Fatores ecológicos e socioeconômicos
Visualização » Envolvimento afetivo » Má Nutrição
3. Problemas Psicomotores, controle » Privação cultural
vestibular e proprioceptivo: » Lateralização » Dispedagogia (problemas de ensino)
» Imagem do corpo » Estruturação espaço-
temporal » Praxia global » Praxia fina
(visuomotricidade)

Baseado em Fonseca, 1995 (pp.199-200)

Na taxonomia de Fonseca (1995), as dificuldades de aprendizagem se dividem em


primárias e secundárias, considerando-se os motivos expostos na primeira parte da tabela. As
dificuldades de aprendizagem primárias são aquelas de maior evidência e não caracterizam dano
orgânico específico. Elas têm origem em múltiplas causas, mas não apresentam, especificamente,
um déficit no organismo do sujeito nem em suas funções cognitivas. A criança que apresenta uma
DA primária é considerada uma criança de desenvolvimento normal, entretanto, situações
endógenas ou exógenas favoreceram o surgimento de impedimentos à aprendizagem que assumem
caráter transitório, ou seja, podem ser eliminadas sem deixar rastro na história do sujeito.

Em geral, as DAs primárias se expressam por irregularidades transitórias no comportamento


psicomotor, no raciocínio lógico e na expressão simbólica.

Surgindo modificações no funcionamento dessas instâncias, emergem perturbações que


podem se expressar na linguagem falada, escrita e quantitativa o que, consequentemente, vai
promover déficits na aquisição da leitura, da escrita, do conhecimento matemático, entre outros.

Por motivos que são plurais, uma criança normal começa a apresentar dificuldades para ler,
escrever e raciocinar matematicamente. Compreender a origem dessas irregularidades é uma das
funções do psicopedagogo, que já sabe que tais DAs são multideterminadas e que exigirão
investigação interdisciplinar minuciosa e criteriosa.

No caso das DAs primárias é muito comum a criança manter um padrão intelectual, motor e
social aproximado do normal. O desvio da conduta normal é pouco evidenciado nas DAs primárias,
mas em caso de persistências das irregularidades na aprendizagem, é possível que o quadro evolua
a ponto de incluir problemas de comportamento.

Em sua maioria, as DAs representam respostas que as crianças normais dão quando se
encontram em situações adversas de ensino. É muito comum, no atendimento clínico e mesmo
institucional, verificar o surgimento de impedimentos à aprendizagem quando os alunos são
expostos a metodologias de ensino pouco criativas e conteudistas, a professores com dificuldades de
interação em sala de aula ou mesmo situações de constrangimento ou violência vividas com os
colegas. Nem sempre as delicadezas presentes nas relações em sala de aula são percebidas pelo
professor ou por outros educadores, mas elas podem atuar fortemente no sentido de promover
sentimentos negativos no aluno a ponto de ele optar por não aprender, como uma forma de se
defender de uma possível ameaça emocional. Infelizmente tal realidade é muito mais comum nas
escolas do que imaginamos.

Hoje em dia é comum observar a escola rotulando alunos como portadores de hiperatividade,
déficit de atenção ou mesmo deficiência mental por desconhecer a etiologia e desenvolvimento
desses transtornos e por desejar medicalizar a dificuldade para aprender, medida que a exime de
sua responsabilidade diante do problema. A escola não percebe que ela é a construtora da maioria
dos quadros de não aprendizagem e, assim como se recusa a perceber o seu papel, também se omite
na reconstrução do vínculo da aprendizagem, deixando o aluno nas mãos de médicos e psicólogos
que nem sempre conseguem ajudar.

Para piorar o quadro, a rotulação de uma pessoa como portadora de um déficit ou transtorno
em nada auxilia em sua recuperação, muito pelo contrário. Essa medida gera discriminação e agrega
valores negativos ao sujeito, implicando em baixa autoestima e percepção de si mesmo como
incompetente.

A escola deve se preparar para lidar com as dificuldades de aprendizagem e com o fracasso
escolar e o psicopedagogo é um profissional apto a auxiliar a instituição escolar nesse sentido. É
importante que o trabalho psicopedagógico institucional atue no sentido de evitar a rotulação
precoce de crianças com problemas de aprendizagem, mas também não negligencie aquela pequena
parcela de alunos que podem, de fato, apresentar transtornos que vão demandar ajuda
especializada.

Atuar nos extremos, em se tratando de avaliação psicopedagógica, não é medida segura.

Ampliando a taxonomia proposta por Fonseca (1995) e assumindo uma leitura


psicopedagógica das dificuldades de aprendizagem, apontamos as principais irregularidades que
caracterizam as Das primárias:

Irregularidades da linguagem falada

Disnomia: é a incapacidade para recordar nomes próprios. Consiste em uma anomalia que é mais
presente em quadros neurológicos. Uma criança com Disnomia apresenta dificuldade para recordar
substantivos e nomes próprios podendo chegar a uma alteração grave da fluidez da fala. Para
diagnosticar precisamente um quadro de disnomia é recomendável o auxílio de fonoaudiólogos e
neurologistas.

Disfasia: consiste em transtornos evidenciados na evolução da linguagem, em especial na recepção


e análise do material auditivo e verbal. Crianças com disfasia apresentam dificuldade na integração
da linguagem e na construção do discurso, com presença de insuficiência sensorial. Elas se
comunicam verbalmente, porém apresentam dificuldades na construção da fala. O nível mental das
crianças com disfasia é considerado normal. A disfasia, em geral, associa-se à dislalia (gagueira). Um
exemplo de disfasia: a criança escuta um comando simples da professora e não consegue interpretar
o que deve ser feito, assim como não consegue reproduzir a fala da professora.

Disartria: caracteriza-se pela articulação defeituosa dos sons da fala sem comprometer, entretanto,
o processo linguístico. Em geral, essa dificuldade tem origem em distúrbios motores dos órgãos da
fonação (língua e lábios) e necessita de apoio fonoaudiológico para ser diagnosticada. Um exemplo
de disartria: troca fonética dos sons “f” e “v”, “p” e “b” como faz o personagem Cebolinha, dos
quadrinhos do Maurício de Souza.

Dislalia: é a famosa gagueira. Consiste em uma irregularidade no desenvolvimento da fala


caracterizada por hesitação repetitiva e demora na emissão das palavras. Muitas vezes inclui o
prolongamento atípico dos sons. Surge na infância, mas pode prolongar-se na vida adulta, se não for
tratada adequadamente.

O psicopedagogo também deve incluir, em sua avaliação psicopedagógica, os seguintes


aspectos da linguagem falada: (a) fluência e riqueza do vocabulário; (b) pronúncia dos fonemas,
sílabas e palavras; (c) sequência lógica na construção das frases, entre outros aspectos relacionados.

Irregularidades da linguagem escrita

Disgrafia: é uma irregularidade da linguagem escrita conhecida comumente como “letra feia”. A
criança com disgrafia apresenta uma escrita inferior ao esperado para sua etapa desenvolvimental e
série escolar. É comum também evidenciar a inversão de sílabas, a omissão de letras, a escrita em
espelho e a escrita contínua.

Disortografia: caracteriza - se pela presença de aglutinações, omissões, contaminações, alterações


nas palavras, gerando desorganização na estrutura das frases e sentenças. Não é fruto da falta de
coordenação motora e reflete distorções nos processos cognitivos responsáveis pela linguagem
escrita. A criança com Disortografia apresenta muitos erros de ortografia que não são oriundos do
desconhecimento do código gramatical e ortográfico. Processos de letramento de pouca qualidade
geram disortografia com frequência.

Irregularidades da linguagem quantitativa

Discalculia: é uma irregularidade que impede a criança de compreender adequadamente os


processos de raciocínio matemático, gerando múltiplas dificuldades na aquisição dos conteúdos
dessa área. O aluno com discalculia não consegue solucionar problemas verbais, tem dificuldade em
construir raciocínios quantitativos e estabelecer relações entre as categorias de números e
numerais. Garcia (1998) estabeleceu seis subtipos de discalculia, podendo todos eles combinam
entre si e com outros tipos de DAs:

A. Discalculia Verbal – dificuldade para nomear as quantidades matemáticas, os números, os


termos, os símbolos e as relações.

B. Discalculia Practognóstica – dificuldade para enumerar, comparar e manipular objetos reais ou


em imagens matematicamente.

C. Discalculia Léxica – Dificuldades na leitura de símbolos matemáticos.

D. Discalculia Gráfica – Dificuldades na escrita de símbolos matemáticos.

E. Discalculia Ideognóstica – Dificuldades em fazer operações mentais e na compreensão de


conceitos matemáticos.

F. Discalculia Operacional – Dificuldades na execução de operações e cálculos numéricos.

A criança com discalculia tem dificuldades para:

· Visualizar conjuntos de objetos inseridos em um conjunto maior.


· Conservar a noção de quantidade, ou seja, ela não compreende que 1 quilo corresponde a
quatro pacotes de 250 gramas.

· Sequenciar números, estabelecendo relações entre antecessor e sucessor, como, por


exemplo: qual é o número que vem antes do 9 e depois do 19?

· Classificar números.

· Compreender os sinais matemáticos de soma, subtração, multiplicação, divisão, inclusão,


pertença etc.

· Estruturar operações matemáticas.

· Compreender as conservações de medida, peso, altura, tempo.

· Estruturar as sequências lógicas no momento de solucionar operações matemáticas.

· Contar utilizando os cardinais e ordinais.

Irregularidades da linguagem em geral

Dislexia: de acordo com a Associação Brasileira de Dislexia (http://www.dislexia.org.br), a dislexia


é:

[...] um distúrbio ou transtorno de aprendizagem na área da leitura, escrita e soletração.

[...] sendo um dos transtornos de maior incidência nas salas de aula. Pesquisas realizadas em vários
países mostram que entre 05% e 17% da população mundial é disléxica. Ao contrário do que muitos
pensam a dislexia não é o resultado de má alfabetização, desatenção, desmotivação, condição
socioeconômica ou baixa inteligência. Ela é uma condição hereditária com alterações genéticas,
apresentando ainda alterações no padrão neurológico.

Por esses múltiplos fatores é que a dislexia deve ser diagnosticada por uma equipe
multidisciplinar. Esse tipo de avaliação dá condições de um acompanhamento mais efetivo das
dificuldades após o diagnóstico, direcionando-o às particularidades de cada indivíduo, levando a
resultados mais concretos.

Dislexia traz em sua grafia a sua definição. O prefixo “dis”, que tem origem no termo grego
“dys”, significa “estado imperfeito ou disfunção”. O radical “lexia”, também originado do grego
“léxikos”, representa o termo “palavra, léxico, linguagem” em sua expressão mais ampla. Dislexia,
portanto, é um estado imperfeito da linguagem, uma disfunção no funcionamento do sistema léxico e
que atinge a linguagem escrita como a linguagem falada.

Essa dificuldade de aprendizagem prejudica o funcionamento da leitura, soletração, escrita,


linguagem expressiva, linguagem receptiva e também o raciocínio matemático. Fatores endógenos e
exógenos estão na origem da dislexia e por se tratar de uma disfunção complexa, ela também
necessita de abordagem multidisciplinar, tanto no diagnóstico como no tratamento.

A identificação de uma criança disléxica consiste em um processo minucioso que demanda


avaliação cuidadosa. É muito comum encontrar em crianças com dislexia uma nítida dificuldade na
linguagem falada, na linguagem escrita, na ortografia, além da evidência de lentidão na
aprendizagem da leitura. Também são notados episódios de disgrafia, discalculia, déficits de
memória, dificuldade em aprender uma segunda língua, percepção espacial comprometida e
confusão na orientação espacial. Em decorrência desses sintomas, a criança costuma apresentar
dispersão, baixa atenção, dificuldades motoras e falta de interesse generalizado. Entretanto, para a
finalização de um diagnóstico preciso é importante uma avaliação completa e composta por vários
profissionais.

Lição 08: Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade

Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade

De Acordo a Associação Brasileira de Déficit de Atenção o TDAH é:

[...] um transtorno neurobiológico, de causas genéticas, que aparece na infância e frequentemente


acompanha o indivíduo por toda a sua vida. Ele se caracteriza por sintomas de desatenção,
inquietude e impulsividade.

Uma criança que apresenta quadro de TDAH tem enorme dificuldade em selecionar estímulos
e manter o seu foco de atenção. A desatenção, inquietude e impulsividade demandam auxílio
constante de outra pessoa, pois o TDAH impede a criança de agir sozinha para controlar o próprio
comportamento. Em várias situações, essa criança é vista como mal-educada ou sem limites, quando
na verdade ela não tem condições de impedir o fluxo de hiperatividade que a acomete.

São várias as causas do Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade. Entre o elenco
de aspectos que podem gerar esse problema destacamos:

(a) a dimensão biológica, que inclui a predisposição genética; (b) a dimensão psicológica, que
compreende o desenvolvimento das funções psicológicas e do repertório comportamental e (c) a
dimensão social, expressa nos problemas de ensino e aprendizagem assim como nas crenças e
valores que permeiam a educação. O TDAH surge do entrelaçamento desses fatores e a eles está
condicionado. Qualquer tentativa de identificação do TDAH e de possíveis intervenções deve
considerar sua natureza biopsicossocial.

A escola e seus profissionais, especialmente o psicopedagogo, devem conhecer com


propriedade esse transtorno para não consolidarem a prática de rotular a criança ativa e bagunceira
ou mesmo a criança dispersa e pouco interessada nas aulas como hiperativa ou portadora de déficit
de atenção.

Na atualidade, essa disfunção caiu no gosto popular e, junto com a dislexia, tem sido vítima
de diagnósticos equivocados, o que maximiza o problema enfrentado pelo aluno e, mais uma vez,
medicaliza a dificuldade de aprendizagem, eximindo a escola por sua parcela de responsabilidade no
processo de ensinar corretamente para que o aluno aprenda adequadamente.

O TDAH é caracterizado pela presença marcante de duas disfunções, que são: a desatenção
e a hiperatividade/impulsividade. Esses dois fatores se combinam e atuam de modo a potencializar
um ao outro, formando um sistema disfuncional complexo e comprometedor das funções psicológicas
e sociais do sujeito. Essa composição de sintomas resulta em uma criança “avoada”, “ligada em um
motor”, “que não para nunca”, “estabanada”, “inquieta”, entre tantos outros adjetivos pouco
interessantes.

Os meninos apresentam sintomas de hiperatividade em maior grau quando comparados às


meninas. Estas costumam expressar a falta de atenção com maior vigor. Apesar das diferenças de
gênero ainda é comum encontrar, tanto em meninos como em meninas, uma composição desses dois
fatores.

A literatura destaca que há uma tendência de manutenção do TDAH na adolescência e na


idade adulta. Se a criança que possui essa disfunção recebe tratamento adequado na infância, a
possibilidade de minimizar os efeitos da hiperatividade e do déficit de atenção na vida adulta é bem
menor. Caso não haja intervenção na infância, a probabilidade de manutenção do transtorno na vida
adulta aumenta, gerando dificuldades no trabalho, impulsividade, excesso de energia e tendência ao
uso de drogas e álcool, assim como predisposição a quadros de ansiedade e depressão.

Irregularidades perceptivas

Discriminação auditiva: caracteriza-se pela dificuldade ou mesmo incapacidade de discriminação


de sons, fonemas, sílabas e palavras acusticamente parecidas. Desenvolver um processamento
auditivo eficiente é de extrema relevância para a criança, uma vez que as deficiências que podem
ocorrer no desenvolvimento do processamento frequentemente levam a problemas na aprendizagem
da leitura.

Discriminação visual: diz respeito à habilidade em utilizar o sentido da visão para perceber e
comparar as características de itens diferentes e para distinguir um do outro. A criança com
dificuldade em discriminar visualmente objetos, figuras ou coisas pode ter seu processo de
aprendizagem prejudicado.

Figura-fundo: este tipo de discriminação relaciona-se à habilidade em separar uma forma impressa
no seu fundo. Todos os cenários visuais contêm objetos que compõe o fundo e outros que constituem
elementos sobrepostos ao fundo. Essa percepção, quando prejudicada, impede o andamento regular
do processo de aprendizagem. Existe também a discriminação auditiva de figura-fundo, que
representa a habilidade em distinguir sons relevantes em um contexto de ruídos de fundo. Exemplo:
uma criança pode apresentar dificuldade para perceber figuras definidas sob um fundo indefinido e
ambíguo, confundindo-se do ponto de vista perceptivo. Essa não discriminação pode gerar
dificuldades na aquisição da linguagem, pois tudo o que está escrito sobrepõe-se a um fundo.

Constância da forma: os objetos mudam de forma conforme o ângulo de observação. Entretanto,


permanecemos percebendo o objeto como regularmente posto no espaço, apesar de visualmente sua
forma ser alterada. Nosso sistema perceptivo é o estruturador desse fenômeno. Um exemplo ilustra
bem o conceito de constância de forma: ao olhar para qualquer batente de porta, uma pessoa notará
que ele é retangular. Mas, ao fazer um esboço do contorno do batente do ângulo em observação é
possível verificar uma forma trapezóide. A percepção ajusta a forma da porta para que ela seja
percebida como um retângulo de qualquer ângulo observado.

Posição e relação espacial: diz respeito à posição que os objetos ocupam no espaço e as relações
existentes entre eles: quem está à direita, quem está à esquerda, quem está acima, quem está abaixo
etc. A criança precisa construir sólidas percepções de posição e relação espacial. Seu aprendizado
depende muito desta competência. Até para escrever é necessário discriminar a ordem da escrita,
das palavras e das letras.

Irregularidades psicomotoras, controle vestibular e proprioceptivo.

Lateralidade: diz respeito à percepção das relações espaciais que orientam as distintas direções,
como esquerda / direita, frente/atrás, em cima/embaixo, entre outras. O domínio da lateralidade
muda quando consideramos o ponto de vista de quem observa e também a existência de
determinada referência. O domínio da lateralidade marca o início da construção das relações
espaciais.

A criança começa a construir noções de lateralidade usando como ponto de partida o próprio
corpo. Mais tarde, em um processo gradativo de descentralização, considera a posição do corpo das
pessoas à sua frente (a esquerda e a direita do outro) para, finalmente, considerar o posicionamento
dos objetos em relação uns aos outros, a ela própria ou a outras pessoas. A definição da lateralidade
também depende da dominância dos distintos hemisférios cerebrais. O hemisfério direito do cérebro
comanda o lado esquerdo do corpo e o hemisfério esquerdo do cérebro comanda o lado direito. Em
geral, verifica-se a dominância lateral do olho, mão e pé.

Estruturação espaço-temporal: é uma conservação que permite à criança construir a sua


realidade em uma dimensão espacial e temporal. Ocorre depois dos 7 anos, quando a criança
começa a operar mentalmente e domina os conceitos de tempo e espaço.

Praxia fina (visuomotricidade): é a habilidade em usar de forma eficiente os pequenos músculos,


produzindo movimentos delicados e específicos. Este tipo de coordenação permite dominar o
ambiente, pois especializa o movimento da pinça (ato de pegar com os dedos) propiciando o
manuseio de diferentes objetos, a saber: recortar, rasgar, escrever, acertar em um alvo, costurar,
incluindo todos os movimentos que necessitam de precisão.

As dificuldades de aprendizagem consideradas secundárias, em geral, resultam de condições


atípicas, desordens ou limitações passíveis de diagnóstico nos campos visual, auditivo, mental,
motor, emocional ou de privação sociocultural. Elas são consideradas secundárias porque derivam
de múltiplas deficiências que surgem, a posteriori, como transtornos nervosos, sensoriais, psíquicos
ou mesmo socioculturais.

Observa-se que as competências sensórias, intelectuais, motoras, sociais e emocionais da


criança que apresenta uma DA secundária têm caráter desviante, ou seja, distanciam-se dos padrões
desenvolvimentais regulares. Ao surgirem, as DAs secundárias costumam comprometer as aquisição
da linguagem falada, escrita e quantitativa.

As dificuldades de aprendizagem de ordem secundária apresentam alterações biológicas e


orgânicas específicas, assim como transtornos comportamentais e emocionais evidentes. No rol das
alterações biológicas e orgânicas podem surgir lesões cerebrais, paralisia cerebral, epilepsia e
deficiência mental em distintos graus. O sistema sensorial também pode ser afetado gerando
deficiência auditiva, hipoacusia, deficiência visual e ambliopia. Como consequência das causas
biológicas, há também as DAs que afetam a habilidade de discriminação, a síntese mental e verbal e
as competências de memória.

Com relação às alterações de comportamento, há evidências de comportamentos disruptivos


ou transtornos de conduta em parte da população com dificuldades de aprendizagem de ordem
secundária, especialmente após os 13 anos, ou seja, no início da adolescência. Esse quadro
caracteriza-se por padrões de comportamento que se repetem e pelos quais são violados os direitos
de terceiros, as normas e regras sociais importantes e apropriadas à idade do sujeito. Evidenciam-se
(a) conduta agressiva, que pode ocasionar ameaça ou dano físico a terceiros; (b) conduta não
agressiva, porém geradora de danos a propriedades ou bens; (c) roubo, acompanhado ou não de
sérias violações de regras; (d) comportamento provocativo, de ameaça ou intimidação, podendo
incluir intimidação, luta ou uso de armas; (e) atos fisicamente cruéis com pessoas ou animais e (f)
violência física e sexual.
Os padrões emocionais das crianças com DAs secundárias também sofrem alterações e
refletem condições intrínsecas que originam os impedimentos à aprendizagem, como, por exemplo,
os quadros ansiosos da personalidade, transtornos obsessivo-compulsivos, neuroses e psicoses, como
a esquizofrenia, o autismo infantil, entre outras. Pode ocorrer, também, a depressão infantil ou da
adolescência, patologias que demandam um diagnóstico preciso e intervenção terapêutica.

As crianças estão sujeitas a disfunções emocionais tanto quanto os adultos, mas em geral
alimenta-se a crença de que na infância não existe “quadro nervoso” e os comportamentos atípicos
que surgem tendem a ser compreendidos muito mais como falhas no sistema educacional parental
do que um possível distúrbio emocional. A falta de informação, tanto da família quanto da escola,
acerca dos problemas emocionais que podem acometer uma criança termina por favorecer uma
situação de diagnóstico pobre e baixa incidência de intervenção terapêutica e médica.

Em decorrência desse tipo de conduta, abre-se campo fértil para a proliferação das
dificuldades de aprendizagem de ordem secundária e também para o surgimento de problemas de
relacionamento e interação escolar e social de um grande número de crianças.

A sala de aula é um espaço de interações social bastante propício ao surgimento de


situações psíquicas significativas que podem ser trabalhadas adequadamente, ou não, pelo
professor. Se houver preparo docente de qualidade há chances de o professor minimizar conflitos e
buscar ajuda especializada para auxiliar seus alunos que emitem comportamentos desviantes. Se
não há preparo docente para lidar com situações do gênero, certamente haverá agravamento
significativo das condições emocionais problemáticas dos indivíduos. Esse cenário pode potencializar
o quadro de dificuldades emocionais, intrínsecas ou extrínsecas, ocasionando consequências que
podem perdurar na vivência familiar e social do aluno. O psicopedagogo tem grandes contribuições
a prestar em contextos desse tipo, mas também necessita estar apto e deter conhecimento
consistente sobre o desenvolvimento emocional da criança para poder auxiliar.

Quando falamos de dificuldades de aprendizagem secundárias, é interessante trocar o termo


irregularidades de condutas por padrões de comportamentos desviantes. Esse cuidado é importante,
pois os quadros que evidenciamos nas DAs secundárias é, em geral, bem mais comprometedor da
saúde emocional e mental da criança do que nas DAs primárias. Sendo assim, as principais
categorias de comportamentos desviantes que caracterizam as DAs secundárias são:

1. Condutas desviantes causadas por afecções biológicas: incluem patologias do sistema


nervoso central, como as lesões cerebrais, a paralisia cerebral e a epilepsia. Também incluem
deficiências sensoriais, como a auditiva, visual, hipoacusia etc. Esses padrões de comportamentos
desviantes são originados por danos biológicos de natureza difusa e que comprometem gravemente
o desempenho do sujeito nos processos de ensino e aprendizagem.

2. Problemas de comportamento: caracterizam-se por uma série de transtornos de conduta que


têm sua origem em conflitos relacionais e interativos, além da presença de componentes genéticos e
biológicos.

Com relação aos problemas de comportamento, destacamos:

· Comportamento Reativo: corresponde a padrões de comportamentos atípico e desviante que


surgem como reação a situações diversas, como stress, vivência de um trauma, quadro médico, forte
impacto emocional, entre outros. O sujeito desenvolve comportamento reativo como forma de se
proteger ou mesmo de lidar com a carga emocional vivenciada, podendo retornar ao estado anterior
ou não.
Neuroses: consiste em um distúrbio psicológico em que os sintomas expressam, simbolicamente, um
conflito psíquico, comprometendo a relação entre o desejo e a defesa psíquica. Os quadros
neuróticos não caracterizam dissociação da realidade por parte do sujeito. Entre as neuroses mais
comuns, encontramos: (a) histerias e afins; (b) ansiedades; (c) fobias; (d) obsessões; (e) depressão;
(f) transtorno obsessivo compulsivo (TOC); (g) síndrome do pânico e (h) transtornos alimentares
(bulimia, anorexia).

· Psicoses: transtorno psicológico cujo aspecto central é a perda do contato com a realidade,
dependendo da intensidade da psicose. Quando não estão em crise, os psicóticos conseguem
estabelecer padrões de interações regulares com o mundo real. Quando essa característica é
alterada, o sujeito começa a relacionar-se com objetos e coisas inexistentes no “mundo real”, criando
sua realidade paralela.

Em geral, surgem os quadros de delírio, considerado pelos especialistas como um dos


principais sintomas das psicoses. Um delírio psicótico consiste em uma convicção inabalável,
incompreensível e absurda da realidade que o sujeito adota para si. Também estão presentes em
quadros psicóticos as alucinações, o discurso desorganizado e comportamento catatônico. Entre as
psicoses encontramos quadros de: (a) paranoia; (b) esquizofrenia; (c) autismo e (d) psicoses reativas.

Lição 09: Referenciais

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