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A CONCEPÇÃO DE ESTADO EM MAQUIAVEL E HEGEL

William de Jesus Costa Freitas1

RESUMO: Este trabalho tem como objetivo mostrar a concepção de Estado em Maquiavel e Hegel.
Maquiavel tinha um grande desejo estabelecer uma nação italiana única e inteiramente independente
da Igreja. Ao pensar o Estado o florentino vai ser o primeiro pensador a romper com a tradição. O Estado
seria a única instituição que poderia garantir a liberdade tanto internamente quanto externamente. Para
realizar estes fins, o príncipe tinha o direito de usar os meios que fossem necessários, ate mesmo a
força, pois ele é soberano para agir. No caso de Hegel, o Estado é uma ideia racional que tem como
principio o universal. Assim como em Maquiavel, Hegelpensa o Estado como o instrumento do universal
e não do particular. Também parece concordar com Maquiavel quanto a questão da soberania,
atribuindo ao príncipe a liberdade da ação. Como soberano o príncipe deve fazer de tudo para garantir a
permanência do Estado.

Palavra-chave: Estado, soberania, príncipe.

ABSTRACT:Thispaper aims toshow theconcept of the stateinMachiavelli andHegel. Machiavellihada


greatdesire to establisha single,fullyindependentnationof the Italian Church. Whenthinking aboutthe
FlorentineStatewillbe thefirst thinker tobreak with tradition. The stateis the onlyinstitution
thatcouldguarantee freedomboth internally andexternally.To accomplishthese ends, the prince hadthe
right touse themeans necessary, evenstrength, because itis sovereignto act. In the case ofHegel, the
state isa rationalideawhoseuniversalprinciple. LikeMachiavelli, Hegelthinksthe state asthe instrumentof
the universaland notthe particular.Alsoseems to agree withMachiavelliasthe issue of sovereignty, giving
thePrincethe freedomofaction.Asthesovereignprince mustdo everything toensure continuity of theState.

Keyword: Statesovereignty, prince.

1. O ESTADO ANTES DE MAQUIAVEL E HEGEL

A tradição ocidental até Maquiavel tratou as questões relativas a gestão


do Estado sob uma perspectiva normativa, ou seja, a política era investigada a
partir do universo moral. Desde a Grécia Antiga, portanto, vários filósofos, entre
eles Patão e Aristóteles, refletiram sobre os assuntos pertinentes ao Estado,
faziam-no por meio de uma abordagem idealista, tentando prescrever as
normas morais para a edificação de uma sociedade justa, ou, de outra forma,
voltando-se essencialmente para o dever ser político.

1 Professor da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) e Aluno do Programa de pós-


graduação em Filosofia, nível Mestrado da UNISINOS.
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Platão é um representante dessa postura normativa em relação ao


cosmos político, pois sua conduta, no que se refere aos problemas da polis, é
de prescrever regras puramente abstratas para a idealização do Estado
perfeito. Argumentava que o individuo devia sujeitar-se ao Estado; isso porem
era simplesmente o meio pelo qual poderia alcançar o desenvolvimento mais
perfeito. Considerava o bem-estar de cada homem ligado ao bem-estar do
grupo. As leis são necessárias somente porque algumas pessoas se recusam a
cooperar com o bom Estado. Servem para obriga-las a procederem direito e,
assim, tornar bom o todo.
Aristóteles afirmava que o homem é, por natureza, um animal sociável e,
como tal, só pode perceber seu verdadeiro eu na sociedade e entre os de sua
classe. Embora as primeiras formas de vida social fossem a família e, depois, a
comunidade, o objetivo da evolução social era, a seu ver, a cidade-estado, tal
como então era conhecida na Grécia.
Na Idade Média, essa tendência permanece só que, em vez de preceitos
racionais e abstratos arquitetados pela razão humana, os doutores da Igreja
intentaram concretizar o grande ideal do cristianismo, qual seja: a estruturação
de uma ordem universal, harmônica e pacífica, tendo como lastro os ditames
cristãos – associando a pratica política à ética da igreja.
Defendiam a tese de que Deus é o pai de toda a espécie humana, de
modo que os homens são todos irmãos. A comunidade cristã era um grupo
social, onde as costumeiras distinções de raça e posição social haviam sido
eliminadas. Além disso, os cristãos consideravam o Estado temporal uma
instituição subordinada a Deus, sendo dele que emanava o poder. O homem
portanto, devia ser leal ao Estado somente enquanto este obedecesse às leis
de Deus. Sua lealdade era primeiramente para com Deus.

2. O ESTADO EM MAQUIAVEL

Com Maquiavel (1469-1527), processa-se uma ruptura, visto que o


secretario florentino propõe a análise do fenômeno do poder a partir da política
concreta, da política pura, distanciando-se do normativismo ético. Isto é, ao
invés de uma postura contemplativa face às questões do mando, nosso
pensador da política constrói suas ponderações alicerçando-se na realidade
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dos fatos políticos de forma empírica e objetiva. Não se detém na idealização


de governos justos, voltando toda a sua atenção para a perscrutação fria da
política, observando-a, antes de tudo, como o estudo da luta pelo poder.

Como sei que muita gente já escreveu a respeito desta matéria, duvido que não
seja considerado presunçoso propondo-me examina-la também, tanto mais
quanto, ao tratar desse assunto, não me afastarei grandemente dos princípios
estabelecidos pelos outros. Todavia, como é meu intento escrever coisa útil para
os que se interessam, pareceu-me mais conveniente procurar a verdade pelo
efeito das coisas, do que pelo que delas se possa imaginar. E muita gente
imaginou republica e principados que nunca se viram nem jamais foram
reconhecidos como verdadeiros. Vai tanta diferença entre o como se vive e o
modo por que se deveria viver, que quem se preocupa com o que se deveria fazer
em vez do que se faz aprende antes a ruina própria, do que o modo de se
preservar; e um homem que quiser fazer profissão de bondade é natural que se
arruíne entre tantos que são maus. (O Príncipe, cap, XV)

Ao proclamar a separação entre a política e a ética, dando a primeira


certa prioridade, o secretário de Florença na verdade está traduzindo certa
ideia de Estado, o estado fim de si mesmo, valor absoluto onde tudo é válido
para mantê-lo, não importando os meios que o príncipe vai utilizar, pois os
meios são sempre considerados louváveis.
Para Maquiavel o Estado é a mais importante das instituições,
constituindo-se no tema mais delicado e relevante. A organização estatal é o
requisito mínimo para a ordem, a lei, o dever, a gloria e o castigo. Diz o
florentino:
De fato, que é um governo senão o meio de conter os cidadãos de modo que eles
não se injuriem mutuamente? Meio que consiste em dar completa segurança a
população ou em reduzi-la a impossibilidade de praticar o mal; ou ainda em fazer
tantos benefícios ao povo que este não tenha razão para procurar mudar seu
destino (Discurso, Livro II, Cap. 23)

O Estado é necessário, pois sem ele os homens estariam entregues a


sua própria sorte. Sem algo que os contenha e regre suas vidas, os homens
estraçalhar-se-iam como animais ferozes.
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De fato, a natureza criou os homens com sede de tudo abraçar e a impotência de


atingir todas as coisas. Como o desejo de possuir é mais forte do que a faculdade
de adquirir, disto resulta o descontentamento por si próprios. Esta é a origem dos
seus váriados destinos. Uns querem mais, outros temem perder o que já
ganharam; daí o atrito e a guerra que, por sua vez, provoca a destruição de um
império para servir a elevação de outro. Só o Estado tem condições de frear as
paixões que, entregues a si mesmas, levariam a comunidade ao colapso.
(HEBECHE, 1988,p. 71)

Mas afinal qual é o conceito de Estado em Maquiavel? Para Jean-


Jacques Chevallier (1979), essa questão de ordem acadêmica deixa o nosso
autor indiferente.
O estado é. É necessário conserva-lo, eventualmente reforma-lo para conserva-lo.
Uma única finalidade: sua prosperidade, sua grandeza. Finalidade para além do
bem e do mal (tal como, pelo menos, a moral corrente os define e os prescreve
para os indivíduos).

Mas é importante que se diga que embora Maquiavel dê importância ao


Estado, este não deve ser entendido na sua concepção moderna, ou seja,
como a instituição impessoal e todo-poderosa que coordena os dispositivos
legislativos, executivo e judiciário e por eles se exprime; em geral, não é nem
mesmo poder de fazer as leis. No florentino a concepção de Estado remete
sempre a alguém que no caso, na figura de um príncipe, de um príncipe de
virtù. Portanto o Estado passa a ser domínio territorial, possessão de um
particular. Cabendo a este particular, possuidor de genuína virtù: conquistar e
conservar no máximo de tempo possível e por meio de suas habilidadeso
território por ele governado. Ora, é exatamente por meio das ações do príncipe
que podemos perceber o ingrediente moderno, a soberania. Pois como legitimo
representante do poder o príncipe tem o monopólio da violência física, do
exercício da justiça e não depende de nada e nem de ninguémquando na hora
de decidir sobre a guerra e a paz.
Como soberano o príncipe não deve está subordinado a nenhuma
normatividade ética, jurídica ou religiosa. Deve a apenas se guiar pelo império
da necessidade política, visando sempre os resultados de suas ações, pois são
elas que serão julgadas.
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Assim, o bom governante, na maioria das ocasiões, não é aquele que


seja portador de uma moral implacável e excelente, mas por entender, graça a
sua virtù, os mecanismos da política e, portanto não espera que a sorte, a
fortuna apareça. Lança-se em empreendimento em busca do sucesso, e não
importa como ele foi obtido. A regra básica do príncipe é não perder, pois sua
derrota significa o desmantelamento do Estado. A segurança do Estado deve
ser uma exigência de suma importância que os governantes não devem perder
de vista pois, segundo Maquiavel:

Quando é necessário deliberar sobre uma decisão da qual depende a salvação do


Estado, não se deve deixar de agir por consideração de justiça ou injustiça,
humanidade ou crueldade, gloria ou ignominia. Deve-se seguir o caminho que leva
a salvação do Estado e manutenção da sua liberdade, rejeitando-se tudo mais
(Discorsi, Livro III, cap. 41)

Na verdade a doutrina política de Maquiavel a respeito do Estado se


pauta em uma tríade: naturalismo, racionalismo e voluntarismo e baseada no
relacionamento entre três princípios básicos: a virtù, a fortuna e a necessidade.
O naturalismo seria aquilo que definimos como imanentismo, uma visão
de mundo em que os pólos materiais e espirituais são tomados como
equilíbrios entre si. O homem, como as demais entidades na realidade, seria
composto por um equilíbrio de dualidades, no caso o equilíbrio funcional de
suas faculdades físicas e intelectuais, o que leva para a questão do seu
racionalismo, que seria a importância dada para a regulação racional das
qualidades tidas por naturais para obtenção de resultados mais propícios. Isso
por sua vez, nos conduz a terceira triadeque é o voluntarismo, pois Maquiavel
reconheceria a necessidade histórica de indivíduos extraordinários em suas
qualidades naturais e atitudes, para que tal regulação racional viesse a ser
implantada, conformando a organização das comunidades e seu
desenvolvimento em direção a fundação do Estado.
Quais seriam, portanto, as qualidades naturais para que, no caso, o
príncipe efetuasse tais empreendimentos? Seria a virtù que por sua vez estaria
condicionada a fortuna e a variável conjuntural exigida para seu pleno
desenvolvimento seria a necessidade. A virtù seria a principal chave para a
compreensão da razão de Estado no pensamento de Maquiavel, por conjugar
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aquela dualidade entre propósito final do Estado e ao mesmo tempo constituir


seu principal “insumo”, na figura dos homens extraordinários. Diversamente de
uma virtualidade cristã, transcendentalista, marcada pela exaltação de
qualidades como humildade e mansidão, relacionada a uma religiosidade mais
contemplativa, e a condenação de condutas vistas como mais próximas da
matéria, a virtù, englobaria, de forma equilibrada, as qualidades naturais de
força, astucia e mesmo impetuosidade dos homens, isto é, a força física.
Qualidades necessárias para domar as circunstanciam adversas, ou seja, a
fortuna. O intelecto seria a capacidade de estabelecer o momento exato de
fazer uso da força e também de contornar quando se fizer necessário para a
obtenção e manutenção do poder.
A virtù genuína de um homem extraordinário tornaria possível a
agregação dos outros homens, para a ocasião da fundação de um Estado,
engendrando as instituições que garantiriam a perpetuação da reprodução de
mais virtù na comunidade. Esta capacidade reprodutiva da virtù, de através de
um estoque primário de virtù natural, mesmo que de um único homem, se
conduzir os demais homens a uma virtù cívica, regulada e estimulada pelas
instituições dos costumes e da Lei, seria o verdadeiro propósito do Estado.
Para Maquiavel a virtù não pode ser considerada sem o elemento de
poder, de força física, e mesmo ferocia, mas tem como componentes a
grandeza da alma, a firmeza de caráter moral dos homens, das organizações
humanas e do Estado. É pela virtù que se chega ao comando em condições de
realmente lhe dar o melhor uso. E por meio dela que não se deixa levar por
circunstâncias contingentes, corriqueiras, inclusive das paixões. A virtù leva o
príncipe a manter pulso firme, permitindo desta forma o cumprimento da Lei por
todos, mantendo, portanto o espírito republicano em toda comunidade
A verdadeira virtù política consiste na capacidade de intuir que a “razão
de estado” deve ser contemplada plenamente, em suas características físicas e
morais e atendida sem desvios, sem o comprometimento fácil a corrupção

3. ESTADO EM HEGEL

Maquiavel é o pensador da ruptura, Hegel (1770-1831) é o primeiro a


estabelecer uma concepção acabada do Estado moderno. É com Hegel que se
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completa o movimento iniciado pelo florentino, voltando para apreender o


Estado tal qual ele é, uma realidade histórica, inteiramente mundana, produzida
pela ação dos homens. Com Hegel arquivam-se em definitivo as origens do
Estado natural ou divino do poder político, afirmando a absoluta soberania e
excelência do Estado. Em Hegel (2013, p. 184) “o que deve-ser, também é, de
fato. O que apenas deve ser, sem ser, não tem verdade nenhuma
Assim como Maquiavel, o Estado para Hegel deveria ser a expressão dos
interesses coletivos, assumindo um papel universalizador das vontades e
interesses particulares. Neste sentido, o universal, o coletivo se concretiza
através da unidade dos variados interesses individuais e particulares, sendo o
Estado o encarregado de manter essa unidade, sem anular, ao mesmo tempo,
identidade e oposições.
Hegel considera a razão como sendo universal é ela que explica o
universo por necessidade lógica, torna clara a sua racionalidade.

A razão é conceitual, abstrata, se refugia na mente e nos raciocínios (...) ela é


universal. (...) quando se pede uma explicação do universo, não se quer saber
apenas o fato de que o Universo é assim, que de fato de tais causas se seguem
tais efeitos – já disse. O que se quer é a racionalidade que está ou deve estar por
trás dos fenômenos, das causas e efeitos, e que os explica. (...) esta razão última
é realmente razão de si, isto é, ela pode se apresentar diante da inteligência
humana como racional (NOBREGA, 2005, p. 14-18)

Para Hegel a racionalidade do Estado não é mais uma exigência, mas sim
uma realidade e também uma necessidade, pois só pela racionalidade o
Estado pode alcançar o universal, que é sua essência, “a essência do Estado é
universal em si e para si, a racionalidade do querer” (Hegel, § 537).
A noção de Estado hegeliana implica, por outro lado, a compreensão de
homem e dos elementos que expressam. Tais elementos são: o espirito
subjetivo que envolve o homem em sua interioridade, subjetividade, uma
realidade da psicologia humana como desejo, emoção, percepção, inteligência,
imaginação, memoria. São categorias que só se faz presente na interioridade
do homem enquanto individuo. O segundo elemento é o espirito objetivo, onde
o homem se exterioriza. Exteriorização que tem a ver com o que este homem
tem de comum com os outros homens. É o momento coletivo do homem,
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distinto da sua individualidade. Aqui podemos encontrar categorias como a


moral, o direito, a política, a historia, instituições, isto é, aspectos que não
expressam o capricho de um único homem, na condição de indivíduo, para
prevalecer a sua vontade sobre as dos demais, mas são expressões da
vontade coletiva. Este momento é o momento em que Hegel considera como
sendo de proximidade do Espirito Absoluto e que se expressa no Estado.
Ao passar do espirito subjetivo para espirito objetivo, o homem alcança
um estagio superior, aprendeu a universalizar seus desejos e com isso alcança
o estagio da liberdade. Aqui a mente se liberta e em contato com as demais
mentes, sai da sua interioridade. Ao se exteriorizar nas instituições humanas
faz com que sua vontade coincida com a vontade geral, que são expressas nas
leis.

“As leis exprimem as determinações de conteúdo da liberdade objetiva. Em


primeiro lugar, para o sujeito imediato, para o seu arbítrio independente, e para o
seu interesse particular, elas são limites. Mas são, em segundo lugar, a meta final
absoluta e a obra universal; assim, elas são produzidas mediante as funções das
diversas classes que se fracionam cada vez mais, partindo da particularização
geral; e mediante toda a atividade e cuidado privado dos particulares. E, em
terceiro lugar, são a substancia da vontade livre e da sua disposição de animo; e
assim se configuram como costume” (Hegel, § 538).

O Estado é o espaço da efetivação da moralidade objetiva, onde a


liberdade se faz presente na sua plenitude, vindo, portanto, tornar-se clara para
si e consciente em si. Assim, podemos afirmar ser o fim ultimo da razão
(racional em si e para si) possuidor de um direito superior em relação ao plano
individual, sendo que os seus membros tem neste o seu mais elevado dever.
No momento em que as pretensões particulares colidem com o universal temos
a superposição da liberdade pessoal e da propriedade privada como o fim
último, substituindo os interesses universais. Hegel defende a tese de que é a
vida coletiva que deve prevalecer e nela que os indivíduos passam a ter
realidade, moralidade e objetividade. Embora o Estado seja uma realidade
histórica produzida pela ação dos homens, o objetivo de Hegel não é mostrar
as configurações históricas ou uma concepção particular de Estado, mas um
Estado como conceito pensado, ideia, especulação filosófica, aonde o todo
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vem antes das partes. Esta referência a unidade não significa a anulação do
interesse particular enquanto tal, nem como inessencial face ao universal.
Quando o individuo cumpre seu dever perante o Estado (universalidade), ele
tem também a satisfação do interesse pessoal (pretensões individuais), na
medida em que recebe direitos dele. A particularidade não deve ser suprimida,
ao contrario, mantendo-se em concordância (particular e universal) teremos a
garantia de que ambos sejam efetivados.
Esta unidade do seu fim último universal e dos interesses particulares dos
indivíduos se expressa no fato de que tem deveres para com o Estado na
mesma medida em que tem direitos contra ele. Esta reciprocidade de direitos e
deveres, portanto, permite que o Estado constitua uma totalidade serena.
Segundo Strauss (2013, p. 659) a particularidade deve adaptar-se ao
universal e à vida coletiva, e a consciência critica não deve por em perigo a
existência de uma autoridade, de um governo, de um Estado organizado.
Na visão de Strauss (2013, p. 661) quando falamos em liberdade temos
que considerar que a mesma ocorreu no Estado moderno porque, por um lado,
o Estado desligou-se e manifestou diferentes momentos e aspectos da
liberdade (liberdade objetiva, liberdade subjetiva e assim por diante); e por
outro, uma vez que a liberdade é agora revelada como essência do homem,
todos os homens no Estado são e sabem que são nele, essencialmente livres.

3.1. O PROBLEMA DA SOBERANIA DO ESTADO

Ao expor os momentos da ideia de Estado, Hegel parte agora para outros


dois momentos. O primeiro é a política interna do Estado que se constitui das
funções e dos poderes que compõem o Estado, mantido na unidade e na
identidade.
As funções e os poderes particulares do Estado não tem existência
independente e fixa, nem por si, nem pela vontade particular dos indivíduos,
mas eles têm sua raiz profunda na unidade do Estado como em sua identidade
simples. As raízes da soberania do Estado são, portanto, a unidade dos vários
poderes e a identidade simples que está materializada no príncipe e na
constituição.
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“A constituição é tal organização do poder do Estado. ela contém as


determinações acerca do modo pelo qual o querer racional – tanto quanto nos
indivíduos é apenas em si aquele universal – de uma parte atinge a consciência e
a consciência de si mesmo e é achado; de outra parte, mediante a eficácia do
governo e dos seus ramos particulares, é posto em ato e é mantido e protegido,
tanto contra a subjetividade acidental do governo quanto contra a subjetividade
dos particulares. A Constituição é a justiça existente, como realidade da liberdade
no desenvolvimento de todas as suas determinações racionais” (Hegel, § 539)

A constituição, portanto, é a vida orgânica do Estado, ela é racional na


medida em que o Estado distingue e determina sua atividade, segundo a
natureza do conceito. Assim, cada poder é a totalidade, porque ele contém em
si os outros momentos.
Durante a paz a subjetividade se aflora, o individuo busca a satisfação de
suas atividades e de seus fins particulares. O individuo deixa aflorar de uma
maneira inconsciente, seu desejo egoísta em desfavor da conservação mútua
do todo; na outra ponta existe ação direta do Estado, na sua objetividade,
impondo tarefas que visa a conservação do todo. A soberania manifesta-se
aqui, na conservação das particularidades da sociedade civil – afirmação das
partes- unida à universalidade do poder governamental que mantem o fim
comum, afirmação do todo.
Em situações de perigo, por causa dos acontecimentos, tanto de ordem
interna e externa, é a soberania que permite levar organismo a unidade,
conservando-a, porem, nos seus elementos particulares. O fortalecimento do
Estado depende da soberania que se necessário deve impor sacrifícios. É
nesta circunstancia que o ideal de Estado em Hegel atinge a sua realidade
própria.
Tanto nos momentos de paz quanto e nos momentos de situação de
perigo, é a ideia de soberania que exerce a função de garantir a unidade e a
identidade do Estado que se efetiva no poder de decisão do príncipe.
A soberania como subjetividade do inteiro, encontra a própria verdade
somente como sujeito, de tal forma que ela exige, para ser verdadeiramente
tal, a existência de um indivíduo, o príncipe. O príncipe não deve ser entendido
como o representante da unidade política do Estado, porque o inteiro é já em
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si organizado na unidade da constituição. A unidade não é realizada por meio


do representante, mas é já efetiva no conceito hegeliano de constituição. O
príncipe é soberano enquanto a soberania cabe ao Estado, cuja
individualidade per se mostra-se na sua pessoa.
O príncipe constitui, portanto, o elemento individual sem o qual o Estado
sucumbiria, porque para chegar a deliberação, ele seria arrastado numa
cadeia infinita de argumentações e contra argumentações. A ponderação dos
argumentos, ao contrario é interrompida pela decisão do príncipe que, como o
seu “eu quero”, da inicio a toda ação e realidade. A decisão do príncipe não é
arbitraria, mas faz parte da articulação dos poderes e é, portanto, em parte
subordinada a totalidade da constituição.
O príncipe se diferencia do cidadão comum, porque ele representa a
personalidade do Estado, assumindo toda a ação dos cidadãos efetivando-a. É
neste círculo lógico da cidadania e da efetividade que se deve compreender a
ação do príncipe, o qual decide pressupondo a decisão de todos os membros
do Estado.
A soberania do Estado, como totalidade una, não é portanto aquela do
povo que o entendimento opõe habitualmente, nas sua massa informe e
dispersa, ao poder do príncipe, mas como a soberania do regente que é o ser-
aí da soberania do Estado orgânico racional, isto é, do momento da
singularidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Maquiavel é considerado um pensador da política moderna, porque ele


elaborou um conceito de política como uma ação humana autônoma,
independente da religião, rompe com a postura contemplativa. Para ele o que
vale é o realidade dos fatos políticos na sua forma empírica e objetiva. Quando
Maquiavel pensa o Estado, ele não pensa o Estado como vai pensar mais
tarde Hegel, como instituição impessoal e todo-poderosa que coordena os
dispositivos legislativo, executivo e judiciário. O Estado em Maquiavel não
pode nem fazer leis. Para o florentino, o Estado remete quase sempre ao
estado de alguém, que no caso a figura do príncipe. Pois é na figura dele que
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está o poder. Sendo assim, a preocupação de Maquiavel passa a ser de como


o príncipe deve conquistar e depois conservar o máximo de tempo possível o
poder e a conservação do Estado, isto é, quais devem ser as ações que o
príncipe de virtù deve tomar para alcançar estes objetivos. Portanto o Estado
em Maquiavel é o estado do príncipe e que se resume na arte de governar.
No entanto desponta inegavelmente algo do estado moderno, que melhor
será difundido em Hegel, que é a questão da soberania. Embora o florentino
não pense exatamente a sua realidade, estimula o príncipe a constituir seus
atos de governo como atos de soberania. Nos atos de governo do príncipe há
de fato mais que a manifestação de seu domínio da arte de governar. O
príncipe está na origem do poder político e deve estabelecer que, no interior de
seu principado, assim como nas relações que este mantem com as outras
potencias, ele é sua origem única. Daí no exercício do poder, podemos
observar certos aspectos que se faz presente na soberania moderna como
sendo fundamentais: ter monopólio da violência física, se possível legitima,
exercer a justiça, não depender de nada nem de ninguém na medida do
possível, tomar a iniciativa da guerra e da paz. São aspectos que Hegel irá
abordar com certa maestria quando da sua concepção de Estado.
O secretario florentino teve, portanto, uma intuição aguçada de certo
número de problemas suscitados pela teoria moderna de soberania do Estado,
ainda que nele não encontremos uma representação acabada deste. Em
Maquiavel o príncipe está na origem das leis, ele decide sobre a guerra e a
paz, julga e executa a justiça. Como é considerado o instigador da política
interna e externa de seu Estado, a distância entre seus atos de governo e o
reconhecimento do caráter soberano de seu poder é um problema constante. A
questão que se coloca para ele não é somente conseguir legitimar o poder
exercido de fato, mas recompensar falhas estruturais de legitimidade da
prática política. Maquiavel explorou vários caminhos para reduzir essa
distância. Primeiro, a autoridade pessoal é o poderoso auxiliar do poder de
fato; paralelo a este é o caminho traçado pelo caráter hereditário do poder,
porque a tradição desempenha um papel importante na constituição de uma
autoridade reconhecida e, portanto, eminente. A conservação do poder no
tempo depende apenas de sua legitimação, e as tradições desempenham
sempre um papel capital na perenidade de um Estado, quando não,
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idealmente, na sua perpetuação, o que sugere que se deva pensar antes a


perenidade do Estado. Em fim Maquiavel emite vários comentários sobre o
príncipe que lembram certos aspectos da soberania moderna.
Quanto a Hegel, este pensador alemão que se utilizando da dialética,
inicia uma nova teoria sobre o Estado. Recuperando a teoria política grega,
Hegel transforma o Estado na instituição onde o homem se constitui como ser
humano pleno, universal. Como ele próprio sustenta nos princípios da Filosofia
do Direito “o fim racional do homem é a vida no Estado”. Nesse sentido, o
Estado expressa o momento mais elevado da historia humana, ou seja, o
momento em que o homem, que inicia a sua aventura humana como ser
sensível, eleva-se a condição de Espirito Absoluto. O Estado representa o
momento ético-político ou simplesmente o momento da eticidade. Para chegar
ao Estado o homem precisa superar dialeticamente a dimensão da família (que
expressa o amor e o sentimento) e o faz no sentido de constituir a sociedade
civil. Nesta nova condição o homem se caracteriza pela particularidade (os
indivíduos), pela divisão do trabalho e pelas trocas. A sociedade civil constitui
um sistema de carências ou necessidades que devem ser supridas através do
trabalho. O contrato é o instrumento que regula as relações entre os indivíduos
na sociedade civil. Porem, dimensão, o homem vive dilacerado por ser apenas
parte de um todo. Esse conflito existencial se resolve com a instituição do
Estado, que permite ao homem alçar-se a condição de ser universal, de
cidadão, em que cada um se reconhece no outro. Portanto, só no Estado os
homens são verdadeiramente livres e iguais. O que está em questão é a
conquista do gênero humano, da universalidade da condição humana, da
humanidade como um todo, como unidade. O sentimento (família) não é
simplesmente eliminado das relações humanas, mas no Estado ele é
transformado em sentimento de amor pela pátria.
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Referência

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Cortes de Lacerda), Guanabara Koogan-RJ, 1979.

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NOBREGA. Francisco Pereira. Compreender Hegel, Editora Vozes, Petrópolis-


RJ, 2005.

STRAUSS, Leo e CROPSEY, Joseph. Historia da Filosofia Política(Trad.


Heloisa Gonçalves Barbosa), Forense Universitária-RJ, 2013

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