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Editores-gerais
Fabiane Araújo de Oliveira
Raul Medeiros Bezerra da Costa
Diretoria de Editoração
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Anna Beatriz Alves de Oliveira
Bruna Agra de Medeiros
Camila Cortez de Souza Araújo
Érika Ramos Calife
Gabriela Mariel Moura de Azevedo
Maria Emília Freitas Diógenes
Mariana Gomes Pereira
Mariana Rocha Sousa Severino
Yasmin Tomaz Cabral
Professores Orientadores
Morton Luiz Faria de Medeiros
Patrícia Borba Vilar Guimarães
Conselho Editorial
SUMÁRIO
ARTIGOS INICIAIS
ARTIGOS CIENTÍFICOS
LITERATURA E DIREITO
Clarissa Tassinari*
RESUMO
Este artigo objetiva estudar as contribuições da Crítica Hermenêutica
do Direito (de Lenio Streck) no modo de compreender o fenômeno
jurídico no Brasil, em especial, a atuação do Poder Judiciário. Para
tanto, o texto foi elaborado a partir de uma tríplice estrutura, que, por
sua vez, coloca sob discussão três diferentes temas: primeiro, o resgate
do diálogo entre Direito e Filosofia; segundo, a proposta de um
referencial teórico para o Direito construído a partir da assimilação
dos pressupostos da filosofia de um modo não instrumental, mas
paradigmático; e terceiro, os reflexos disso no modo de visualizar o
crescimento das intervenções judicias em controvérsias políticas e
*
Doutoranda em direito público pelo PPG Direito da UNISINOS. Bolsista CNPq-BR. Mestre e graduada em
Direito pela UNISINOS. Membro do “Dasein – Núcleo de Estudos Hermenêuticos” e do grupo de pesquisa
“Hermenêutica Jurídica” (CNPq), ambos liderados pelo prof. Lenio Luiz Streck. Advogada (OAB/RS). E-mail:
clarissa@tassinari.adv.br.
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1 INTRODUÇÃO
1
CASTORIADIS, Cornelius (1991). A Instituição imaginária da sociedade. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
2
LOPES, José Reinaldo de Lima (2002). O direito na história. 2. ed. São Paulo: Max Limonad. p. 17.
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muito tempo vem lutando no enfrentamento de uma crise que impede a efetivação do que foi
garantido tanto pela legislação quanto pelo texto constitucional.
Por muito tempo, o positivismo jurídico (em especial, o de matriz kelseniana) foi
onde a teoria do Direito procurou os elementos para dar legitimidade ao Estado Democrático
de Direito e toda sua arquitetura (formal e material). Ocorre que o positivismo kelseniano se
propôs a elaborar conceitos de um modo tão rigoroso, que construiu uma teoria descritiva do
sistema de normas positivas. Com isso, ficou reforçada a noção de dogmática jurídica,
compreendida como “a atividade que tem a pretensão de estudar o direito positivo vigente
sem construir sobre o mesmo juízos de valor”3, o que repercutiu na produção de uma teoria
sistemática, “baseada em sua aceitação acrítica”. 4
Essa ideia de uma ciência (jurídica) que não pensa repercute diretamente no
afastamento do Direito da intenção filosófica, que consiste no desenvolvimento de uma
postura crítico-reflexiva. É nesse contexto que se torna cada vez mais importante recuperar o
diálogo entre o Direito e a Filosofia, pois somente através do questionamento, próprio da
reflexão filosófica, será possível enfrentar a problemática do fundamento do Direito,
proporcionando, assim, mudanças no modo como compreender os seus institutos e
instituições. A primeira dessas transformações possibilitadas pela aproximação entre Direito e
Filosofia é a atribuição de materialidade às construções jurídicas institucionais, tornando
factível a concretização do projeto constitucional (e de sociedade) que foi elaborado por nossa
Constituição e que apenas se tornará efetivo pela via de uma postura que abandone o sistema
autorreferente de fundamentação (a lei com fundamento em si mesma).
Com base nisso, o presente texto obedecerá a um tríplice movimento: primeiro,
resgatará a importância de se constituir e reforçar a interlocução entre o Direito e a Filosofia
na busca de uma adequada resposta à pergunta sobre o que é o Direito (e não o que está de FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
acordo com o Direito); segundo, realizará uma abordagem sobre a proposta que Lenio Streck
denomina de Crítica Hermenêutica do Direito, com intuito de demonstrar a importância da
adoção de uma matriz teórica que assimile os avanços filosóficos de um modo paradigmático,
não instrumental; e, por fim, demonstrará os reflexos da adoção desses pressupostos teóricos
na análise da atuação judiciária.
3
WARAT, Luis Alberto; CARDOSO, Rosa (1977). Epistemologia e dogmática jurídica. In: ______. Ensino e
saber jurídico. Rio de Janeiro: Eldorado Tijuca. p. 25.
4
Idem, ibidem. (grifos meus)
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5
ABBOUD, Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; TOMAZ DE OLIVEIRA, Rafael. Introdução à teoria e
à filosofia do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 189.
6
Idem, ibidem.
10
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7
Como afirma Ernildo Stein: “A meditação sobre o homem, durante muitos séculos, se movimentava na esfera
da abstração analítico-dedutivista. Os pontos de partida absolutos, as evidências definitivas eram as matrizes
donde emergia a compreensão do homem. (...) Portanto, ou se partia da abstrata natureza humana ou se
computavam dados positivos cuja soma jamais correspondia ao que vinha predeterminado na reflexão
filosófica”. STEIN, Ernildo. História e ideologia. 3. ed. Porto Alegre: Editora Movimento, 1972. p. 15.
8
Idem, ibidem, p. 134.
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não está de acordo com o direito positivo. Através delas, o bacharel de Direito sairá da
Universidade sabendo responder à pergunta sobre o que está de acordo com a lei.
Por outro lado, a Filosofia do Direito responde a uma pergunta mais curta e, ao
mesmo tempo, mais radical: o que é o Direito? Nesse sentido, é possível afirmar que a
pergunta pelo conceito de Direito é a problematização acerca de seus fundamentos. Na
contemporaneidade, a sociedade e, com isso, o Direito, vêm passando por transformações. Há
uma simbólica tentativa de se romper com a concepção moderna de sociedade e de Direito, o
que representa uma abertura ao pensamento crítico-filosófico.
O papel de busca constante por recursos de orientação e fundamentação do
conhecimento jurídico no âmbito filosófico tem encontrado, progressivamente, maior
aceitação. A ideia de uma exacerbação do positivismo possibilitou um novo modo de perceber
a Filosofia em sua articulação com o conhecimento jurídico. É por isso que, como diz Ernildo
Stein, “(...) estamos postos diante da alternativa: ou encontramos um modo de pensar a
relação entre Filosofia e Direito em uma nova dimensão, ou permanecemos na corrida
interminá-vel de um Direito que se especializa para esconder o impasse de seu vazio”.9
Com o objetivo de tornar possível o diálogo entre Direito e Filosofia, Lenio Streck
cria um movimento que denomina de Crítica Hermenêutica do Direito. Com isso, o
jusfilósofo busca reconhecer a importância das transformações filosóficas para uma adequada
e crítica concepção do fenômeno jurídico, mas, ao mesmo tempo, revela os equívocos
existentes em propostas que meramente buscam se apropriar dos elementos da Filosofia sem FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
9
STEIN, Ernildo. Exercícios de fenomenologia: limites de um paradigma. Ijuí: Editora Ijuí, 2004. p. 154.
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Evidentemente, a proposta de Lenio Streck não se resume a isto. Contudo, esta foi uma tentativa de
demonstrar os principais pontos que permeiam sua abordagem.
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a) primeiro, por, sob influência de Luís Alberto Warat, consistir numa ruptura com o
dogmatismo, através da afirmação de uma hermenêutica crítica na interpretação/aplicação do
direito (na superação do que ficou conhecido por “senso [ou sentido] comum teórico dos
juristas”11), o que repercutiu sobremaneira no modo de compreender o ensino jurídico no
Brasil;
b) segundo, por, em contato com a obra do filósofo Ernildo Stein, assentar sua teoria
sob os aportes da filosofia hermenêutica (de Martin Heidegger) e da hermenêutica filosófica
(de Hans-Georg Gadamer) e, a partir disso, evidenciar as inter-relações entre Direito e
Filosofia, rompendo com a negação (resistência) filosófica que povoava o ambiente jurídico
no Brasil, o que resultou na expressão filosofia no direito (terminologia por ele criada); e
c) terceiro, por agregar a tudo isso a construção de uma teoria da decisão judicial,
elaborada a partir de uma imbricação com a proposta do jurista norte-americano Ronald
Dworkin, fazendo nascer a tese do direito fundamental a repostas constitucionalmente
adequadas (a respostas corretas), estruturada a partir do dever de fundamentar as decisões,
que, por sua vez, apresenta-se como uma exigência dos pressupostos democráticos do
constitucionalismo.
É neste sentido que a proposta de Lenio Streck apresenta-se diferenciada: a partir de
pressupostos filosóficos, sua teoria não apenas dá uma nova tônica à interpretação do Direito,
mas também possibilita visualizar, com base nisso, a existência de problemas jurídicos, como,
por exemplo, a assimilação e os incentivos dados ao elemento discricionário na construção da
decisão judicial. Assim, a reflexão filosófica presente na obra de Streck, dentre outros temas,
impulsiona o conhecimento jurídico em direção a uma pergunta fundamental: como decidir?
Com isso, verifica-se que a intenção filosófica – que é crítico-reflexiva – possibilita o FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
despertar para novos dilemas jurídicos, que, por sua vez, exigirão soluções que devem ser
elaboradas a partir dos caminhos construídos pela teoria do direito (não por uma “aplicação
imediata” dos conceitos fundamentais da Filosofia).
Como referido acima, um dos vieses que marca interpretação do fenômeno jurídico
sob os aportes da Crítica Hermenêutica do Direito é o enfrentamento do protagonismo de
juízes e tribunais. Como solução para este enfrentamento crítico sobre a atuação jurisdicional,
11
WARAT, Luis Alberto. Introdução Geral ao Direito II: a epistemologia jurídica da modernidade. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002.
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Lenio Streck elabora uma teoria da decisão judicial.12 Sua abordagem constitui uma proposta
hermenêutica de amplo espectro, mas que se estrutura a partir de quatro elementos centrais:
a) Um novo modo de conceber o ato interpretativo, possibilitado pelos aportes da
Filosofia, compreendida não como uma filosofia ornamental ou de orientação, mas como
standard de racionalidade. Estas terminologias são utilizadas por Ernildo Stein, indicando que
há três modos pelos quais ocorre a aproximação entre a Filosofia e as demais esferas do saber
(como o Direito): filosofia ornamental, de orientação ou como standard de racionalidade. O
modo “ornamental” indica um uso “cosmético” da Filosofia, através de citações de
conveniência; a filosofia de orientação aponta para um critério de utilidade, no sentido de
busca por uma ética ou filosofia moral; e, por fim, a filosofia standard de racionalidade
consiste em um projeto filosófico, que constitui um novo paradigma, sendo, portanto, a
verdadeira filosofia13.
Neste sentido, a utilização do método hermenêutico-fenomenológico, de matriz
heideggeriana14, possibilitou um novo modo de compreender o fenômeno jurídico,
denunciando a dimensão interpretativa do Direito, seja através da desmistificação dos
conceitos jurídicos como enunciados com conteúdos determinados a priori, seja a partir da
diferença entre texto e norma (que, segundo Streck, é ontológica15). A ideia de método é
compreendida à distinção da noção de certeza e segurança, própria do pensamento moderno.
O método hermenêutico-fenomenológico apresenta-se como uma “ferramenta”, precária e
provisória, da qual não se consegue ter total apreensão e domínio, estando voltado ao
constante questionamento e, por isto, constituindo um modo de filosofar. O método proposto
por Heidegger procura superar o velamento da questão do ser (que a metafísica, através de sua
filosofia da subjetividade, causou), sendo fundado num modelo binário de velamento e
desvelamento. FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
12
Sobre o tema, ler: STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2014; STRECK,
Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e decisão jurídica. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? 4. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2013.
13
STEIN, Ernildo. Exercícios de fenomenologia: limites de um paradigma. Ijuí: Unijuí, 2004. pp. 135-157.
14
STEIN, Ernildo. A questão do método na filosofia: estudo do modelo heideggeriano. Porto Alegre: Editora
Movimento, 1983. pp. 12-25.
15
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise, op. cit., pp. 276 e ss.
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A proposta de Hans-Georg Gadamer veio para superar a divisão do problema hermenêutico em: compreensão
(subtilitas intelligendi), interpretação (subtilitas explicandi) e aplicação (subtilitas applicandi). Assim,
pretendendo romper com esta cisão, Gadamer afirmou: “La interpretación no es un acto complementario y
posterior al de la comprensión, sino que comprender es siempre interpretar, y en consecuencia la interpretación
es la forma explícita de la comprensión. [...] En este sentido nos vemos obligado a dar un pazo más allá de la
hermenéutica romántica considerando como un proceso unitario no sólo el de comprensión y interpretación, sino
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A expressão de forma secundária é utilizada no sentido de que o dever de fundamentação da decisão judicial,
antes de tudo, decorre da responsabilidade política dos juízes perante uma sociedade democrática.
21
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? 3. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2012. pp. 105-106.
22
Sobre a tese da resposta correta, Marcelo Cattoni faz uma excelente leitura, ao afirmar que: “A tese da única
resposta correta [de Dworkin] é, sobretudo, uma questão de postura ou atitude, definidas como interpretativas e
auto-reflexivas, críticas construtivas e fraternas em face do direito como integridade, dos direitos individuais
compreendidos como trunfos na discussão política e do exercício da jurisdição por esse exigida; uma questão
que, para Dworkin, não é metafísica, mas moral e jurídica”. CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade.
Ronald Dworkin: de que maneira o Direito se assemelha à Literatura? In: TRINDADE, André Karam;
GUBERT, Roberta Magalhães; COPETTI NETO, Alfredo (Orgs.). Direito & Literatura: ensaios críticos. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 21.
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No atual cenário jurídico, a atuação do Poder Judiciário aparece como um dos temas
que cada vez mais ganha destaque. Sob os mais diferentes enfoques, o exercício da jurisdição
assumiu, gradativamente, o centro do debate jurídico por todo mundo. Em outras palavras, a
abordagem que outrora poderia ser observada (e considerada) como própria das experiências
norte-americana e inglesa (ou, ainda, específica do sistema da common law), na
contemporaneidade, atinge abrangência muito maior, constituindo o cerne da questão
envolvendo a concretização de direitos nas tradições de diversos países, inclusive daqueles
fundados sob os pilares da civil law.
Com isso, tem-se que, agregado às transformações pelas quais passa a teoria
constitucional – muitas das quais consolidam significativos avanços, é importante referir –,
predominantemente, mesmo no Brasil, aparece o elemento jurisdicional do Estado vinculado
a expressões como “global expansion of Judicial Power” (Neal C. Tate e Torbjörn Vallinder),
“juristocracy” (Ran Hirschl), “judge-made law” (Christopher Wolfe), “governing with FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
judges” (Alec Stone Sweet), “judicial activism”, dentre outros possíveis termos que, na
relação entre os Poderes, dão ênfase ao Judiciário. Ou seja, o (novo) constitucionalismo (que,
para muitos, consolidou o que ficou conhecido como “posturas neoconstitucionalistas”),
majoritariamente, é articulado e, por vezes, identificado por um protagonismo da atividade
jurisdicional, mesmo em sistemas que estão assentados, em sua origem, no direito legislado.
Sob esta perspectiva, no Brasil, parcela considerável dos juristas (e, inclusive, dos membros
que compõem o Judiciário) começa a conceber a jurisdição a partir de dois principais
pressupostos – pela via do ativismo judicial e/ou da judicialização da política.
Neste ponto, a utilização da palavra pressuposto não é aleatória: ela se atribui ao fato
de que a teoria do direito assimilou (de modo praticamente instantâneo) o perfil ativista do
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Judiciário, tomando-o como ponto de partida para a composição do cenário jurídico, isto é,
considerando esta característica como algo inerente, pressuposta, portanto. Assim, pouco se
tem percebido que não basta afirmar (defender ou constatar) a existência do ativismo judicial
(ou, também, da judicialização da política), mas é imprescindível que se demonstre como
conjugar os elementos – constitucionalismo-Judiciário-política-ativismo, citando, aqui,
apenas os principais – que perpassam estas duas concepções, problemática que, aliás, vem
sendo debatida há mais de duzentos anos nos Estados Unidos, desde o julgamento do caso
Marbury versus Madison (em 1803), que deu origem ao controle de constitucionalidade norte-
americano (judicial review). Em outras palavras, no Brasil, poucos têm sido os esforços
voltados para elaborar um quadro com sustentabilidade teórica que dê conta de compor todos
os matizes necessários para consolidar uma teoria judicial que esteja adequada ao Estado
Democrático de Direito, com todos os seus indispensáveis desdobramentos.
Na obra “Teoría Impura del Derecho: la transformación de la cultura jurídica
latinoamericana”, Diego Eduardo López Medina afirma que as transformações ocorridas no
constitucionalismo a partir da segunda metade do século XX, com a garantia dos direitos
fundamentais, proporcionaram uma guinada hermenêutica e política no direito latino-
americano, do que resultou uma “recepção entusiástica dos materiais justeóricos e
constitucionais anglo-saxões”, que até então possuíam certa rejeição em face de uma
tendência (europeia) ao formalismo. A partir desta “nova linguagem constitucional”, criou-se
um imaginário de que as construções justeóricas (“iusteóricas”) possuíam um caráter
transnacional, formando uma espécie de conhecimento abstrato (com discursos de caráter
global), passível de ser utilizado em diferentes contextos e por culturas com antecedentes
23
distintos. E, em virtude deste ambiente forjado por estes acontecimentos, Medina diz que
“éramos [os latino-americanos], no princípio, cópias europeias e, agora, talvez, copias norte- FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
americanas”. 24
Com isso, o jurista colombiano denuncia o fato de que o direito na América Latina se
apresenta impregnado, cada vez mais, das teorias advindas de solo estadunidense (e, também,
do continente europeu). Em consequência, Medina sugere que a atual produção acadêmica no
âmbito da teoria do direito pode ser dividida em “locais de produção” (“sítios de
producción”) e “locais de recepção” (“sítios de recepción”). Para o autor, os “locais de
produção” consistiriam círculos intelectuais de grande prestígio, com influência transnacional;
23
LÓPEZ MEDINA, Diego Eduardo. Teoría impura del derecho: la transformación de la cultura juridical
latinoamericana. Bogotá: Legis, 2004. pp. 4-13.
24
No original: “Éramos, en un principio, copias europeas y ahora, quizás, copias norteamericanas”. Ibidem, p.
13.
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“Cuidadosamente examinadas, es patente que las iusteorías formadas en sitios de producción son también el
producto de circunstancias políticas y sociales muy concretas. Sin embargo, su transplantabilidad global y su
valor ‘general’ y ‘objetivo’ depende del hecho crucial de oscurecer o minimizar los contextos específicos en que
dichas iusteorías se forjaron. [...] Este conocimiento presupuesto entre autor y lectores en sitios de producción
permite un doble proceso: los argumentos iusteóricos presuponen un context material (problemas o
preocupaciones sociales, doctrinarios, económicos específicos que influyen el autor), pero en la medida en que
ese contexto se supone culturalmente alcanzable por el lector en el sitio de producción a partir de algunas pocas
trazas escriturales específicas se termina por suponer que el lector terminará haciendo una lectura correcta, o por
lo menos normalizada de la teoría que se le ofrece”. Ibidem, pp. 16-17.
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com forte apelo de supremacia”. Além disso, através de pesquisas que consistiam em
analisar as decisões do Supremo Tribunal Federal, desenvolvidas anteriormente pelo grupo, é
possível afirmar que sua jurisprudência realiza o ativismo judicial, traduzido “em estratégias
27
de reivindicação de competências que, ‘a priori’, não seriam de plano reconhecidas”. Em
aproximação a esta forma de conceber o ativismo judicial, Lenio Streck afirma que:
Desse modo, tem-se uma concepção de ativismo que pode ser assim sintetizada:
como a configuração de um Poder Judiciário revestido de supremacia, com competências que
não lhe são reconhecidas constitucionalmente. Portanto, é seguindo os posicionamentos dos
autores acima referidos a respeito do tema que podem ser apresentados apontamentos finais
sobre a forma de compreender a diferença entre ativismo judicial e a judicialização da política
no Brasil, base para a construção dos próximos capítulos:
Primeiro, não há como negar o elo existente entre Direito e Política;
Segundo, a inter-relação entre Direito e Política não autoriza a existência de
ativismos judiciais;
Terceiro, há um equívoco em considerar judicialização da política e ativismo judicial
como se fossem o mesmo fenômeno;
E quarto, a judicialização da política é um “fenômeno contingencial”29, isto é, que
insurge de determinado contexto social, independente da postura de juízes e tribunais, ao
passo que o ativismo diz respeito a uma postura do Judiciário para além dos limites FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
constitucionais.
Se, como afirma Marcelo Cattoni, a última tendência da sociedade consiste em
30
transferir o exercício da cidadania para o Supremo Tribunal Federal , o Judiciário não pode
26
SILVA, Cecília de Almeida. et al. Diálogos institucionais e ativismo. Curitiba: Juruá, 2010. p. 13.
27
Ibidem, p. 20.
28
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso, op. cit., p. 589, nota de rodapé 123.
29
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso, op. cit., pp. 51-56; e TOMAZ DE OLIVEIRA, Rafael. Decisão
judicial e o conceito de princípio: a hermenêutica e a (in)determinação do direito. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2008. p.31.
30
“A última moda do momento é transferirmos o nosso destino e o nosso exercício da cidadania para o Supremo
Tribunal Federal sob a desculpa da incapacidade dos cidadãos brasileiros de exercerem a sua cidadania”.
CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Direito, política e filosofia: contribuições para uma teoria
discursivo da constituição democrática no marco do patriotismo constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2007p. 74.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
(em especial, os brasileiros) parecem se comportar dessa maneira, tendo uma visão, ou
melhor, uma compreensão do Direito que, na maioria das vezes, apresenta-se como limitada.
32
Isso pode ser percebido, pelo menos, de duas maneiras: primeiro, pela persistência de
parcela considerável da comunidade jurídica em manter-se atrelada a velhos paradigmas,
repristinando conceitos jurídicos ultrapassados, que já não são mais adequados para o atual
31
MOTTA, Francisco José Borges. Levando o direito a sério: uma crítica hermenêutica ao protagonismo
judicial. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 29.
32
Esta abordagem é feita por Lenio Streck na obra “Compreender Direito”, na parte em que explica que é
impossível fazer Direito sem interpretar. Nesta seção, Streck faz interessantes intersecções entre Direito e
Literatura, revelando o quanto a Literatura é rica em demonstrar (metaforicamente) os problemas jurídicos.
STRECK, Lenio Luiz. Compreender Direito: desvelando as obviedades do discurso jurídico. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2013. p. 15 e ss.
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REFERÊNCIAS
______. Direito, política e filosofia: contribuições para uma teoria discursivo da constituição
democrática no marco do patriotismo constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
22
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GADAMER, Hans-Georg. Verdad y método. 12. ed. Salamanca: Ediciones Sígueme, 2007.
GUEST, Stephen. Ronald Dworkin. Tradução de Luís Carlos Borges. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2010.
LOPES, José Reinaldo de Lima (2002). O direito na história. 2. ed. São Paulo: Max
Limonad.
MOTTA, Franciso José Borges. Levando o direito a sério: uma crítica hermenêutica ao
protagonismo judicial. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.
SILVA, Cecília de Almeida et alli. Diálogos institucionais e ativismo. Curitiba: Juruá, 2010.
STEIN, Ernildo. História e ideologia. 3. ed. Porto Alegre: Editora Movimento, 1972.
STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
______. Jurisdição constitucional e decisão jurídica. 4. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014.
______. O que é isto – decido conforme minha consciência? 4. ed. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2013.
______. Hermenêutica jurídica e(m) crise. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2013.
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WARAT, Luis Alberto; CARDOSO, Rosa. Epistemologia e dogmática jurídica. In: ______.
Ensino e saber jurídico. Rio de Janeiro: Eldorado Tijuca, 1977.
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O ser humano desde os tempos mais longínquos registrados pela História e ciências
afins, mostrou-se adepto a viver em grupos e a criar sistemas de organização para que sua
subsistência, e, com o tempo, o controle da ordem, se tornassem mais resistentes às
intempéries naturais do mundo da vida.
Tal característica tornou-o inerente, desde sua gênese, à associação com seus
semelhantes. Com o desdobrar do percurso temporal, a união dos indivíduos fez surgir o
Direito, visto por uns como meio de controle e por outros como via de pacificação social. Ora,
esta discussão torna-se acalorada quando se percebe que, de forma entrelaçada e
concomitante, o Direito perquire ordenar a vida em todas as esferas que o homem reproduziu
por força de seu intelecto, e, de modo contínuo, a dirimir os conflitos postos entre o Estado e
os particulares e entre estes próprios.
Assim, pode-se asseverar que, em última análise, o Direito é visto como o FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
instrumento utilizado pela sociedade para se proteger da autofagia que ela mesma poderia
gerar para si.
Com efeito, esta conjuntura supramencionada precisa ser destrinchada sob as luzes
da Filosofia, pois a arte de pensar é essencial para que o enlaçamento entre Direito e
Sociedade possa ser entendido de maneira cristalina.
*
Discente do curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Editora-geral adjunta da
Revista FIDES. Membro do Grupo de Estudos em Direito e Desenvolvimento. Membro da base de pesquisa em
Direito e Desenvolvimento. Estagiária voluntária do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte - TJ/RN.
**
Discente do curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Editor-geral da Revista FIDES.
Membro da Revista Pesquisas Jurídicas. Estagiário na Justiça Federal no Rio Grande do Norte.
25
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1
MIRANDA, Maressa da Silva. O mundo da vida e o Direito na obra de Jürgen Habermas. 2009.
Disponível em:
<http://www.uninove.br/PDFs/Publicacoes/prisma_juridico/pjuridico_v8n1/prismav8n1_3d1454.pdf>. Acesso
em: 30 out. 2014.
2
GÓES, Ricardo Tinoco de. Jurisdição democrática: uma visão procedimentalista para a tutela substancial dos
direitos. Direito e Liberdade, Natal, v. 13, n. 2, p. 291-312, jul./dez., 2011.
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Pois bem, resta cristalino que a Sociedade deve se unir em torno de ditames postos
por ela mesma, devendo negar-se a ser normatizada por via de fatores estranhos ao Direito, e,
em escala macro (enxergando mais de perto o contexto brasileiro), aos impérios da
Constituição. Tal panorama pode ser perscrutado com exatidão pelos dizeres de Lenio Luiz
Streck3:
Assim como não existe salvo-conduto para atribuição arbitrária de sentidos, com tal
razão não se pode admitir que um julgador deixe de lado o texto constitucional em
benefício de qualquer outro fundamento. Senão, está ferindo as regras do jogo
democrático, do qual ele, por determinação constitucional, é exatamente o
guardião. Iudicialis activismum constitutione lupus est.
3
STRECK, Lenio Luiz. O Supremo não é o guardião moral da nação. Consultor Jurídico, São Paulo, 5 set.
2013. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2013-set-05/senso-incomum-supremo-nao-guardiao-moral-
nacao>. Acesso em: 01 nov. 2014.
4
TASSINARI, Clarissa. Ativismo judicial: uma análise da atuação do Judiciário nas experiências brasileira e
norte-americana.. 2012. 139 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Direito, Universidade do Vale do Rio dos
Sinos, São Leopoldo, 2012. Disponível em: <http://biblioteca.asav.org.br/vinculos/tede/ClarissaTassinari.pdf>.
Acesso em: 01 nov. 2014.
27
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problemática do ativismo judicial. Ora, se atualmente critica-se os Tribunais por suas decisões
arbitrárias, muitas vezes contrárias as medidas legislativas, é preciso refletir se esse caminho
que o país tem levado. Entende-se que por ultrapassar suas funções originárias, e também
proporcionar um ambiente de insegurança jurídica, esse ativismo, especialmente no Brasil
5
SILVA, Thais Sampaio da. Heiddeger e Dworkin: diálogo para a fundamentação ontológica da teoria da
resposta correta. Publica Direito. Disponível em:
<http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=7ec2442aa04c1575> Acesso em: 29 out 2014.
6
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do
Direito. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. p. 291.
7
CALDEIRA, Ana Paula Canoza. A discricionariedade nas decisões judiciais: uma nova “Revolução dos
Bichos?” Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/anais/36/01_1573.pdf>. Acesso em: 29 out. 2014.
28
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deve ser rediscutido, tendo em vista o risco de se deturpar um dos alicerces do Estado
democrático de direito, a tripartição dos poderes.
É preciso analisar que a partir da promulgação da Constituição cidadã em 1988, o
Poder Judiciário sofreu diversas modificações, tendo em vista sua tomada de posição de mero
aplicador das leis para a responsabilidade de concretizar direitos. 8 Com efeito, diante da
necessidade de materializar direitos constitucionais, especialmente os direitos fundamentais, o
Judiciário brasileiro tomou força para decidir de modo arbitrário, desprovido de
fundamentação e consequentemente sem legitimação. Destaca-se que no Brasil, essa
problemática vem tomando contornos preocupantes, haja vista a confusão que foi feita do
conceito de ativismo judicial.
Sendo assim, de antemão, é preciso que se faça a diferenciação entre ativismo
judicial e judicialização, tendo em vista que aquela define-se pela iniciativa do Judiciário
quando provocado para tomar decisões, muitas vezes sem fundamento legal. E esta conceitua-
se pela necessidade dos tribunais decidir a concretização de direitos, especialmente os direitos
fundamentais, tendo em vista a inércia do Estado.
Ora, o que é observado no Judiciário brasileiro é uma visão deficiente do que seria o
ativismo judicial, no entanto, tal problemática não advém tão-somente da vontade da
jurisdição, mas também das características do neoconstitucionalismo nacional e também como
anseio político da sociedade que busca o Poder judicante na tentativa de resolver sua lide, por
isso percebe-se a confusão entre ativismo e judicialização.
Então, qual o problema desse ativismo, senão serve nada mais para resolver as
contendas da sociedade? O equívoco encontra-se, na verdade, no posicionamento deste órgão
que a partir de posicionamentos avulsos, tal como se os membros da jurisdição
representassem seres autênticos, que por suas decisões “revisam legislações e até mesmo o FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
texto constitucional”9.
Posto isso, entende-se que a posição dos tribunais deve ser, prioritariamente a de
garantir a concretização dos direitos constitucionais, por isso é preciso repensar seu
posicionamento diante das contendas da sociedade. A necessidade de fundamentar, e
principalmente legitimar suas decisões, urge no âmbito do Judiciário pela obrigatoriedade de
8
TASSINARI, Clarissa. Revisitando o problema do ativismo judicial: contributos da experiência norte-
americana. Disponível em: <http://www.anima-opet.com.br/pdf/anima4-Seleta%20Externa/anima4-Clarissa-
Tassinari.pdf> Acesso em: 29 out. 2014.
9
TASSINARI, Clarissa. A atuação do judiciário em tempos do constitucionalismo contemporâneo: uma
crítica ao ativismo judicial. Disponível em: <http://www.fdsm.edu.br/site/posgraduacao/volume282/02.pdf>.
Acesso em: 30 out. 2014.
29
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cumprir o papel deste órgão na seara da tripartição dos poderes, e também pela necessária
segurança jurídica.
30
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1 INTRODUÇÃO
Apesar de toda movimentação social das massas nos séculos XVIII e XIX, apenas no
século XX é que a cultura de massa se consolida. Após a Segunda Guerra Mundial, com a
franca expansão industrial norte americana, e apesar da imprensa escrita e o cinema já
existirem no mercado. Apenas quando surgem as tecnologias de informação e comunicação
de massa (o rádio e a televisão) é que a comunicação massiva se configura em sua total
potencialidade. Todas as inovações tecnológicas, e as novas formas de comunicação em larga
escala possibilitaram a cultura de massa alcançar seu viés atual.
*
Mestranda em Direito - UFRN. Especialista em Direito Constitucional - UFRN. Especialista em Direito e
Jurisdição - ESMARN/UNP. Bacharela em Direito - UFRN. Servidora Pública do Tribunal de Justiça do RN.
Professora da UNI/RN.
**
Especialista em educação a distância - UNICID. Bacharel em Comunicação Social: habilitação jornalismo -
UEPB. Palestrante, Jornalista e pesquisador de mídia.
***
Doutora em Recursos Naturais – UFCG (Programa interdisciplinar). Mestre em Direito - UFRN. Mestre em
Ciências da Sociedade - UEPB (Programa interdisciplinar. Especialista em Direito Processual Civil- UEPB.
Tecnóloga em Processamento de Dados - UFPB. Bacharel em Direito - UEPB. Advocacia pública e privada
(1996-2010).
31
FIDΣS
2 DEFININDO ÉTICA
Antes de abordar especificamente a ética na prática midiática, convém refletir sobre FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
32
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embasar as reflexões deste trabalho, faz-se necessário um breve passeio no terreno da filosofia
que traz subsídios sobre o tema. Sob a ótica grega, a proto-gênese da ética ocorre na
observação dos costumes dos seres perante a esfera individual e coletiva.
Marilena Chaui abre um pouco mais o conceito, de modo a deixar bem clara a dupla
face do comportamento ético, uma individual e outra social: “Embora ta ethé e
mores signifiquem o mesmo, isto é, costumes e modos de agir de uma sociedade,
ehtos, no singular, é o caráter ou temperamento individual que deve ser educado
para os valores da sociedade e ta ethiké é uma parte da filosofia que se dedica às
coisas referentes ao caráter e à conduta dos indivíduos. (Bucci, 2006, p.15)
Nota-se aqui, que os termos ta ethé e mores têm a mesma significação que trata de
costumes e modos de agir em sociedade. Ou seja, a construção de hábitos na repetição de
práticas (práxis) e de atitudes perante a convivência social. Infere-se disto que tanto ética
quanto moral estão diretamente vinculadas ao relacionamento interpessoal coletivo.
Embora alguns autores afirmem que a ética deve estar dissociada da moral,
permanecemos convictos de que, para estudar a ética e compreendê-la de um ponto de vista
universalista, é preciso abordá-la de forma tal a não restringi-la a um reducionismo sectarista
que retalha a sua complexidade. Para Adolfo Sánchez Vázquez (2005, p.22) “A ética não cria
a moral.” É justamente o oposto, a moral é quem dá vida à ética, que nasce na relação
interpessoal, social, institucional, etc. Assim, a estrutura elementar da ética é a moral de cada
indivíduo no seu relacionamento com o mundo. Nem só a moral, nem só a deontologia, mas o
movimento desta interseção. Neste sentido Francisco José Karam (1997, p.35) afirma que:
a reflexão ética, não é redutível nem à moral existente nem aos códigos formais, é
essencialmente um momento em que nos perguntamos, radicalmente, qual o sentido
33
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domínio particular de cada pessoa, no cadinho dos valores morais e na sua relação com os
outros que a ética é forjada. Nota-se mais uma vez que ética não se distancia de uma
compreensão ontológica, isto é, de natureza comum, mas imanente ao indivíduo. Neste
sentido afirma Vázquez que “o verdadeiro agente moral é o indivíduo, mas o indivíduo como
ser social”. (2005, p.212)
“A moral é um conjunto de normas, aceitas livre e conscientemente, que regulam o
comportamento individual e social dos homens.” (VÁZQUEZ, 2005, p.63). Isenta de
dogmatismos religiosos, ela é o aperfeiçoamento de qualidades e virtudes pessoais que
refletem no domínio do coletivo através do bom convívio social. Já a deontologia é um
caminho a nortear os que já têm a ética na esfera íntima do ser. Ela sendo apenas um tratado
34
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de código moral, como agente externo não tem efeito real e não passa de heteronomia. É o
que se vê nas regulamentações legais que prescrevem condutas e procedimentos, basta haver
brecha, que o ilícito é praticado. “Para Sánchez Vázquez [...] a ética não pode ser reduzida a
um conjunto de normas e sua finalidade é estudar, explicar e influenciar a própria moral.”
(KARAM, 1997, 34)
Karam (1997, p.36) em seu livro Jornalismo, Ética e Liberdade afirma que,para tratar
o problema da ética profissional é preciso quebrar alguns paradigmas, sair do aspecto
meramente prático, e ensina que “refletir sobre a ética em uma atividade é [...] um exercício
de afastamento de uma prática imediata, de complexificação da moral profissional [...]”. Aqui
fica claro que ética não é apenas a deontologia específica a cada profissão. Nota-se que a ética
está ligada diretamente ao aspecto pessoal de cada profissional, pois por mais que haja
códigos e regras estes podem ser ignorados ou transgredidos.
Na cultura de massa atrelado à produção está o consumo de tudo o que vem a ser
produto, inclusive a notícia, o entretenimento, enfim, qualquer informação nos veículos de
comunicação de massa é produto a ser consumido.
Partindo desse pressuposto, alia-se o neoliberalismo e surge, assim, um panorama
caótico no tocante à ética. A cultura de massa ao derrocar a força das instituições formadoras
(família, igreja, escola) dos caracteres morais no sujeito, passa implantar valores como o
prazer hedonista e o consumismo. “O que a cultura em geral precisa compreender é que
estamos ingressando em uma esfera completamente nova [...]. Precisamos descobrir outros FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
35
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padrões da indústria cultural são resultado das necessidades de consumo e isto explica o
“círculo de manipulação”. Entretanto, cabe aqui fazer uma ressalva na afirmação de Adorno
que responsabiliza os consumidores por haver necessidade de consumo. A cultura massiva
encontrou eco no foro íntimo dos indivíduos que se tornou campo fértil para a propagação do
consumo. Todavia é inadequado responsabilizar o público pelo teor do que se é ofertado pela
indústria e pela mídia. Por mais aceitação e ressonância que possa haver por parte dos
consumidores, trata-se de uma complexa mediação no qual há uma relação de mão dupla. E
nisto está inserido o debate ético, pois onde há interseções valorativas que seduzem e
influenciam tendências, a ética fica subjugada ao domínio econômico-cultural do sistema
capitalista tanto na esfera atomizada do indivíduo quanto no macrocosmo institucional que é
sua coletivização.
Na corrida desenfreada pelo lucro muitas informações veiculadas trazem estímulos a
pulsões canalizados para o consumo. Na economia livre de mercado, na qual os veículos de
comunicação, que são empresas comerciais, participam do jogo acirrado da livre
concorrência, sendo que seu objetivo é aumentar a audiência do público o que
consequentemente valoriza espaço publicitário do veículo. Nesta corrida, valores culturais,
sociais, éticos-morais, de cidadania são postos de lado, supostamente sob o guante de que “os
fins que justificam os meios”.
A veiculação de informações gera efeitos que se generalizam num contexto social
mais amplo, afetando toda a sociedade. Daí porque não basta estudar a ética nos meios de
comunicação somente pela visão restrita dos códigos de ética profissionais e pela
regulamentação da profissão de Jornalista (que alguns afirmam que já nem existe mais).
Portanto, mesmo que uma informação publicada esteja de acordo com as normas reguladoras
insuficientes atualmente vigentes, se não são levadas em consideração as implicações FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
subjetivas que refletem no público, a ética não está sendo realmente exercida, mas, sim
disfarçadamente distorcida ou manipulada.
A ética em comunicação social deve transcender ao óbvio, a simples observação da
informação. “A manipulação de informações se transforma, assim, em manipulação da
realidade.” (ABRAMO, 2003, p.24). Concordamos com Bucci ao dizer que “o ponto crítico
não é portanto a informação em si: é o modo como ela é explorada pela imprensa”. (BUCCI,
2006, p.152), inclua-se também a mídia.
Analisando a atual conjuntura comunicacional brasileira, no qual revogada a
obrigatoriedade de certificação de curso para o exercício da profissão de comunicador ou
jornalista. Junte-se a isso a invalidação da lei de imprensa que regulava o exercício da
36
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Tal intervenção nasceu tendo como base a concepção de que aqueles serviços
utilizam um bem público — o espectro eletromagnético — sendo, desta forma,
normal e necessário o controle exercido pelo Estado, ou por entidade para este fim
Ainda mais uma vez a questão ética e também jurídica a respeito do seguinte ponto:
qual o exato alcance da liberdade de expressão e qual o limite oferecido a esta pelo embate
37
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direto com a liberdade individual. Todos os caminhos nos levam a uma ponderação com base
na dignidade da pessoa humana.
Há que se levar em conta direitos constitucionais que, em muitos casos, sob a
bandeira da utilização da liberdade de expressão, da liberdade de imprensa, apresentadores de
programas de televisão, telejornalistas, repórteres ultrapassam o dever de informar e expõem
pessoas físicas e jurídicas à execração pública.
Leigos, pessoas do povo que passam por constrangimento e são lesadas em seus
direitos de privacidade, imagem, domicílio, entre outros, por falta de conhecimento de seus
direitos, tendo muitas vezes a veiculação da imagem sem autorização.
O Capítulo V da Constituição Federal, a partir do art. 220, traz os parâmetros do
constituinte originário sobre como pretendia ver conduzida a Comunicação Social em nosso
país: com muita liberdade de expressão, de atuação, sem monopólios e oligopólios. Mas, em
análise sistêmica do texto da Carta Magna, podemos verificar que toda a norma acerca do
tema foi pincelada com intenso matiz de ética, a promover a liberdade para todos os
indivíduos, buscando a convivência harmoniosa dos direitos e liberdades públicas.
Não foi à toa que a Constituição erigiu como cláusula pétrea, no art. 5º, o direito à
honra e a imagem, tornando passível de responsabilização aquele que viesse a desrespeitá-los.
Trata-se de um freio, de um contrapeso à liberdade de expressão, cuja extensão e alcance
somente podem ser mensurados caso a caso, pelo Poder Judiciário, a quem a mesma carta
política incumbe inafastável égide.
Foi possível verificar, na jurisprudência pátria, algumas divergências de
entendimento no que tange ao limite da liberdade de imprensa. Porém, a hermenêutica
constitucional referente à ponderação de valores constitucionais saiu vitoriosa, uma vez que,
para cada situação, juízes, Desembargadores e Ministros atuaram com grande senso ético e de FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
justiça.
O primeiro caso a ser analisado é o da professora da UNIBAN 1, que se sentiu
ofendida em reportagem da Revista Veja, que afirmava que “professores medíocres” estariam
apoiando a atitude dos alunos que agrediram a estudante Geyse Arruda, no ruidoso caso do
vestido curto e cor-de-rosa, que foi parar no Youtube, e que culminou com a expulsão da
aluna. À unanimidade, foi decidido que a expressão “medíocres” não estaria vinculada à
identificação de qualquer dos professores e que a divulgação da reportagem causara mero
1
Decisão unânime da 4ª Câmara de Direito Privado do TJSP, de maio de 2014, processo da professora C.S.F.P.
contra a revista Veja. PORFÍRIO, Fernando. Veja não deve indenizar professora por artigo. 2011. Disponível
em: <http://arealidadedodireito.blogspot.com.br/2011/07/veja-nao-deve-indenizar-professora-por.html>. Acesso
em: 01 out. 2014.
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dissabor e não dano moral indenizável. Aqui, a crítica divulgada fora genérica e ressaltava a
postura pouco corajosa de alguns professores que poderiam ter evitado o desfecho ocorrido na
Uniban. Não houve, portanto, violação de direitos fundamentais.
A ementa do Acórdão pode ser aqui demonstrada:
“... não se quer dizer que é vedada à mídia a publicação de reportagens de cunho
investigativo, que levem à população em geral a informação sobre os podres que
atingem a sociedade (...). O que se exige, entretanto, é que tais reportagens se
mostrem objetivas e representem relato fiel às informações que lhe deram origem,
sem qualquer transformação de cunho manipulativo que altere a realidade ”.
A relatora ainda aponta que a publicação continha vários erros, entre eles a forma de FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
aquisição dos fósseis e o caráter comercial da venda, e o mais grave: acusaria o advogado de
contrabando. Neste caso, a forma da exposição, com texto que configuraria calúnia e sem o
dever ético de se informar corretamente acerca dos fatos, ensejaria punição, não só em âmbito
civil, com a reparação, mas também em âmbito penal, em processo próprio.
2
FORO CENTRAL DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA. 6ª Vara Cível. Apelação Cível nº
508.742-5. João Luiz Vieira Teixeira. Folha da Manhã S/A e outra. Relator: Denise Krüger Pereira. Curitiba, PR,
7 de maio de 2009. Tjpr Condena Folha a Pagar Indenização. Curitiba: Conjur. Disponível em:
<http://s.conjur.com.br/dl/tj-pr-condena-folha-pagar-indenizacao.pdf>. Acesso em: 01 out. 2014.
3
FORO CENTRAL DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA. 6ª Vara Cível. Apelação Cível nº
508.742-5. João Luiz Vieira Teixeira. Folha da Manhã S/A e outra. Relator: Denise Krüger Pereira. Curitiba, PR,
7 de maio de 2009. Tjpr Condena Folha a Pagar Indenização. Curitiba: Conjur. Disponível em:
<http://s.conjur.com.br/dl/tj-pr-condena-folha-pagar-indenizacao.pdf>. Acesso em: 01 out. 2014.
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- A liberdade de imprensa, enquanto projeção das liberdades de comunicação e de FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
manifestação do pensamento, reveste-se de conteúdo abrangente, por compreender,
dentre outras prerrogativas relevantes que lhe são inerentes, (a) o direito de
informar, (b) o direito de buscar a informação, (c) o direito de opinar e (d) o direito
de criticar. - A crítica jornalística, desse modo, traduz direito impregnado de
qualificação constitucional, plenamente oponível aos que exercem qualquer
atividade de interesse da coletividade em geral, pois o interesse social, que legitima
o direito de criticar, sobrepõe-se a eventuais suscetibilidades que possam revelar as
pessoas públicas ou as figuras notórias, exercentes, ou não, de cargos oficiais.
40
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41
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Por outro lado, verifica-se que, cada vez mais, a sociedade brasileira necessita de um
instrumento legal preventivo, capaz de coibir o abuso e, ainda uma forma de garantir a
celeridade de tramitação dos processos que versem sobre essa temática, evitando, a um só
tempo, a impunidade e o prolongamento da situação de prejuízo moral e material a que ficam
jungidas as pessoas físicas e jurídicas vítimas do mal uso do poder que a imprensa tem.
Se a notícia é divulgada pela internet, o provedor é responsável e deve,
independentemente de decisão judicial, tendo conhecimento do conteúdo ofensivo, retirá-lo
de circulação, conforme decisões reiteradas da 3ª e 4ª Turmas do STJ, tendo como paradigma
a decisão da Ministra Nancy Andrighi, no REsp 1.193.764/SP.4
Com as empresas jornalísticas, o mesmo não se dá. Haja vista o recente exemplo dos
conteúdos de apologia à violência divulgados pela jornalista Rachel Sheherazade, em que o
Ministério Público, em Ação Civil Pública, solicitou a condenação da emissora ao pagamento
de R$ 532.000,00 (quinhentos e trinta e dois mil reais) por dano moral coletivo.
A liberdade excessiva, muitas vezes mal utilizada, é fonte de aprisionamento de toda
a sociedade. É certo, pois, que a regulação da mídia se impõe, cada vez mais, como
necessidade e não como discurso de ocasião. Como bem preceitua o jurista José Afonso da
Silva (2006, p. 240):
4
LUCHETE, Felipe. Marco Civil contraria tese sobre responsabilidade de provedor. 2014. Disponível em:
<Marco Civil contraria tese sobre responsabilidade de provedor>. Acesso em: 01 out. 2014.
42
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43
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BUCCI, Eugênio. Sobre ética e imprensa. São Paulo: Companhia das letras, 2006.
KARAM, Francisco José. Jornalismo, ética e liberdade. 3ª ed.. São Paulo: Summus, 1997.
44
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SANTOS, Boaventura de Souza. Um discurso sobre as ciências. 2ª ed. São Paulo: Cortez,
2004.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 26. ed. São
Paulo: Malheiros, 2006.
VALLS, Álvaro L. M.. O que é ética. Coleção primeiros passos. São Paulo: Brasiliense,
2006.
VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Ética. 26ª edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
45
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RESUMO
O presente artigo trata da necessidade de controle e monitoramento
ambiental contínuo. Assim, procura-se estimular a sustentabilidade
ambiental, estudos e novas tecnologias que podem ser adotadas pelo
órgão ambiental, bem como, evitar atos de poluição ambiental e
resguardar o direito ao meio ambiente não poluído através do
tratamento de águas pelo processo da biorremediação.
Palavras-chave: Direito ambiental. Controle ambiental;
Biorremediação.
*
Doutora e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Professora Adjunta da
Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Pesquisadora da Linhares Geração em parceria com o Centro de
Pesquisa e Projetos Tecnológicos (CPPT), em Projeto de Pesquisa e Desenvolvimento pela Agência Nacional de
Energia Elétrica (ANEEL). Auditora Ambiental Líder. Perita Ambiental Judicial. Coordenadora Acadêmica e
Professora da Pós-Graduação em Direito Marítimo, Portuário e do Petróleo da UNINASSAU, Recife/PE.
Professora da Pós-Graduação na área de Direito Marítimo, Portuário e Ambiental da UNISANTOS/SP, da
Faculdade de Direito de Vitória/ES, da UNIVALI/SC, da UFRN e da ESMATRA/PE, entre outras. Presidente da
Comissão de Direito Marítimo, Portuário e do Petróleo da OAB/PE. Membro da Comissão de Meio Ambiente da
OAB/PE. Oficial Suplementar do Conselho da Ordem do Mérito Naval/Marinha do Brasil.
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águas residuais, tornou-se necessário enquadrar sua importância nos princípios ambientais,
com vistas a possibilitar qualquer reivindicação pública a respeito da questão.
Como o trabalho lida com premissas gerais aplicadas à poluição, à manutenção da
qualidade ambiental através de processo de biorredemiação, aos princípios ambientais de
forma ampla, buscando as aplicar no caso especifico, desta forma, por ser tratar de um estudo
aplicado e interdisciplinar, o método utilizado foi marcadamente o dedutivo, partindo-se de
parte de uma ideia geral para conclusões especificais ao objeto do presente estudo.
47
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A Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA, Lei n o 6.938/1981) que tem como
objetivo geral a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propiciam à
vida, visando assegurar no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos
interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana. Entre os objetivos
específicos da PNMA enfatiza-se: a compatibilização do desenvolvimento econômico social,
com preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico, e estabelecimento
de critérios e padrões de qualidade ambiental e de normas relativas ao uso e manejo dos
recursos ambientais etc.
Neste sentido, em 08 de janeiro de 1997, foi publicada a Lei nº 9.433, que instituiu a
Política Nacional de Recursos Hídricos. A Lei nº 9.433/1997 elenca os objetivos da Política
Nacional de Recursos Hídricos, da seguinte forma: assegurar à atual e às futuras gerações a
necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos;
a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte aquaviário, com
vistas ao desenvolvimento sustentável; e, a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos
críticos de origem natural ou decorrente do uso inadequado dos recursos naturais.
Entre os fundamentos da Política Nacional de Recursos Hídricos destaca-se:
reconhecimento da água como bem de domínio público e como recurso natural limitado,
dotado de valor econômico; a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso
múltiplo das águas, da mesma forma que gestão dos recursos hídricos deve ser
descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das
comunidades, etc.
Como diretrizes da Política Nacional dos Recursos podem ser citadas as seguintes:
gestão sistemática dos recursos hídricos, sem dissociação dos aspectos de quantidade e
qualidade; adequação da gestão de recursos hídricos às diversidades físicas, bióticas, FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
49
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Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), foi instituído pela Lei de Política Nacional
do Meio Ambiente.
O CONAMA possui competência, entre outras, de estabelecer normas, critérios e
padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente, com vistas ao
uso racional dos recursos ambientais, principalmente os hídricos.
Para tanto o CONAMA elabora as resoluções, onde se destaca a Resolução no 357,
de 17 de março de 2005 (parcialmente alterada pelas Resolução 410/2009 e pela 430/2011),
que dispõe sobre a classificação dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu
enquadramento, bem como estabelece as condições e padrões de lançamento de efluentes, e
dá outras providências.
Segundo a Res. no 357/2005 deve haver condições e padrões de emissão adotados
para o controle de lançamentos de efluentes no corpo receptor (corpo hídrico superficial que
recebe o lançamento de um efluente), não podendo haver qualquer lançamento de águas
residuais sem o prévio tratamento.
Destaca-se que o estabelecimento das condições para lançamento vai depender de
cada espécie de água residual, como forma de evitar contaminação e degradação.
Segundo a Resolução no 430, de 13 de maio de 2011, os efluentes de qualquer fonte
poluidora somente poderão ser lançados diretamente nos corpos receptores após o devido
tratamento e desde que obedeçam às condições, padrões e exigências dispostos na referida
Resolução e em outras normas aplicáveis.
Igualmente, no que tange a qualidade de águas, destaca-se que a Portaria no 518, de
25 de março de 2004, do Ministério de Saúde. A citada Portaria estabelece os procedimentos e
responsabilidades relativos ao controle e vigilância da qualidade da água para consumo
humano e seu padrão de potabilidade. FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
50
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Desta forma, como meio de primar pelo direito ao meio ambiente não poluído,
incube ao Poder Público e à sociedade o dever de manter e restaurar a qualidade ambiental
em áreas degradadas.
Como apontado, a Política Nacional de Recursos Hídricos tem como objetivo
assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de
qualidade adequados aos respectivos usos, segundo as Resoluções do CONAMA.
A necessidade de se manter a qualidade ambiental está diretamente ligada a
biorremediação de águas residuais, em face do devido tratamento dessas impossibilitando o
despejo ilícito de águas poluídas. No mesmo vértice através do tratamento das águas se
permite que as alterações adversas reconhecidas no meio ambiente, que consubstanciam
degradação e/ou poluição, sejam controladas e remediadas a depender do sistema proposto.
As alterações adversas incluem aspectos químicos, que podem ser causadas por
diversas atividades, como a agricultura, as explorações agropecuárias, o despejo indevido de
efluentes, as atividades urbanas, as decorrentes de indústria, e demais atividades humanas. Da
mesma forma, aspectos biológicos que ocorrem de forma natural nos ecossistemas através de
interações no seio de espécies (competição, predação, etc.) e entre espécies (competição,
predação, etc.).
Esclarece-se que biorremediação é a utilização de seres vivos, microrganismos, ou
seus componentes na recuperação de águas ou áreas ambientais degradadas. Entre as diversas
vantagens da biorremediação, além do baixo custo, há a importância de se utilizar uma
tecnologia limpa e eficaz, além de envolver novo mercado para pesquisadores e cientistas, que
pode se tornar uma realidade cultural nas indústrias e empresas.
Desta forma, torna-se cogente que o Brasil ingresse na busca da manutenção e da
restauração da qualidade ambiental, como forma de garantir o meio ambiente não poluído às FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
Atualmente, novas técnicas que enfatizam a destruição dos poluentes presentes nas
águas residuais e visam um menor gasto energético têm sido desenvolvidas, entre essas
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Princípio 11 da Declaração do Rio de 1992 e no texto da Carta Magna, no caput do art. 225 e
nos arts. 23, III,VI, VII, IX e XI, e 24, VI, VII e VIII).
Esse princípio pressupõe que o Poder Público tem a obrigação de atuar na esfera
administrativa, legislativa e judicial na defesa do meio ambiente, constituindo um
poder/dever, por conta da natureza indisponível desse bem. Contudo, como a própria
Constituição Federal prevê que essa atividade estatal não é exclusiva, mas sim compartilhada
com a participação direta da coletividade.
O princípio da precaução foi consagrado na Declaração do Rio de Janeiro sobre o
Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Princípio 15, orienta que os Estados devem adotar
medidas precaução visando a evitar danos irreparáveis ao meio ambiente, de forma que a
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ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como motivo para postergar
providências eficazes em decorrência das despesas para evitar a degradação ambiental.
Destarte, o princípio da precaução tem como característica a incerteza do dano ambiental.
Isso importa em afirmar que enquanto houver controvérsias no plano científico, no
tocante aos efeitos nocivos de determinada atividade sobre o meio ambiente, em observância
a esse princípio o empreendimento deverá ser evitado.
Esse princípio está previsto na Constituição brasileira, por exemplo, quando exige
prévio estudo de impacto ambiental para licenciamento de atividade potencialmente
causadora de significativa degradação do meio ambiente (art. 225, §1º, IV).
Segundo Maria Luiza Granziera, o princípio da precaução determina que não se
licencie uma atividade, toda vez que não se tenha certeza de que ela não causará danos
irreversíveis ao meio ambiente (GRANZIERA, 2011, p. 62).
Logo, em conformidade com esse princípio, é imprescindível prevenir as
ocorrências de danos ambientais antes mesmo que eles aconteçam e, em caso de dúvidas
sobre os efeitos nocivos ao meio ambiente sobre a implantação de uma determinada
atividade, deve-se sempre escolher a proteção do meio ambiente, porque a vida das gerações
presentes e futuras depende do meio ambiente ecologicamente equilibrado.
O princípio da prevenção parte da suposição de que a reparação ou a recomposição
do meio ambiente desequilibrado é, na maior parte das vezes, difícil, ou até impraticável,
além de demasiadamente onerosa. Por isso, devem ser adotadas medidas preventivas com
vistas a evitar ou minimizar o máximo possível a ocorrência de danos ambientais. Esse
princípio está inscrito na Declaração do Rio/1992 (Princípio 17) e na Declaração de
Estocolmo de maneira implícita (Princípios 2, 3, 5, 6 e 7).
A diferença entre o princípio da prevenção e o da precaução está na avaliação do FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
risco que ameaça o meio ambiente. A precaução é considerada quando o risco é elevado, tão
elevado que a certeza científica deve ser exigida antes de se adotar uma ação corretiva. Assim
esse será aplicado nos casos em que qualquer atividade possa resultar em danos duradouros
ou irreversíveis (KISS, 2004, p. 11).
O princípio da cooperação em matéria ambiental se aplica em dois níveis: no âmbito
internacional e nacional. No campo internacional, esse princípio está assentado no
entendimento de que as atividades degradadoras ambientais podem ultrapassa os limites
territoriais de um país e repercutir no domínio de outros Estados, uma vez que o meio
ambiente é um todo interligado e interdependente. Desse modo todos os Estados devem
cooperar na defesa do meio ambiente. A Declaração de Estocolmo, os Princípios 17 e 24
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tecnológica, em que toda a orientação está voltada para a promoção do bem estar dos cidadãos
(NERY JUNIOR; NERY, 2009. p. 639).
Na Constituição Federal, o princípio do desenvolvimento sustentável encontra-se
delineado no artigo 225, caput, e o artigo 170, inciso VI, da Carta Magna tem também
esculpido esse princípio demonstrando claramente a preocupação do legislador em proteger o
meio ambiente, não obstante a importância do desenvolvimento econômico para o país.
Portanto, não há como dissociar os princípios ora destacados do processo de
biorremediação de águas residuais, considerando que o processo envolve tecnologia limpa, de
baixo custos, tendente a evitar atos de poluição e degradação ambientais, com destaque ao
princípio da intervenção estatal obrigatória na defesa ambiental e do desenvolvimento
sustentável.
4 CONCLUSÃO
aplicação das normas jurídicas voltadas proteção do meio ambiente, com vistas, ainda a
fundamentar a biorremediação de águas residuais.
Para tanto é preciso uma maior interação de esforços entre os órgãos públicos, o
empreendedor e a sociedade, no que tange à fiscalização e ao monitoramento, através de uma
atuação multidisciplinar permanente, bem como do fomento de estudo de novas tecnologias
ou da aplicação de tecnologias já existentes no monitoramento e na biorremediação ambiental.
56
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REFERÊNCIAS
GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito Ambiental. São Paulo: Atlas. 2011.
NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal comentada
e legislação constitucional. 2ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
ABSTRACT
This present article considers the needy of control and continuous
environmental monitoring. Therefore, pretend to encourage
environmental sustainability, studies and new technologies that can be
adopted by the environmental agency, such as well, avoid acts of
environmental pollution and protect the right to an unpolluted
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58
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Lauro Ericksen*
RESUMO
O artigo se foca nas discussões recentes sobre a reforma política e o
modelo a ser adotado para o financiamento de campanha. Parte-se de
um ponto de vista metodológico fusionista e visa alcançar liberdade
econômica e política para o cidadão. Debate-se como as campanhas
políticas eleitorais devem ser financiadas: através de fundos privados
ou públicos. Explora-se o financiamento público de campanha e as
suas ominosas consequências na liberdade econômica. Propõe-se um
exclusivo sistema de financiamento privado, propondo, anexamente, a
necessidade de privatizar empresas estatais e tornar o voto não
obrigatório, para que a sistemática se aperfeiçoe. Tais medidas são
*
Doutorando em Filosofia (UFRN), mestre em Filosofia (UFRN), especialista em Direito e Processo do
Trabalho (UCAM-RJ), graduado em Direito, Filosofia (UFRN) e Controle Ambiental (IFRN), graduando em
Gestão de Políticas Públicas (UFRN). Oficial de Justiça, Avaliador Federal do Tribunal Regional do Trabalho da
21ª Região. Possui livros publicados na área jurídica e filosófica.
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1 INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como tema central a questão da reforma política brasileira,
algo bastante em voga nos últimos tempos, principalmente após as manifestações de junho de
2013. Assim sendo, há de se por em debate um dos pontos nevrálgicos de tal reforma política,
a questão do financiamento público de campanha, em detrimento do atual sistema misto.
Alteração essa que deverá ser provisionada por uma assembleia constituinte extraordinária,
arquitetada com o único intuito de promover tais alterações jurídicas que viabilizem a
instituição dessa nova sistemática política.
Metodologicamente, para adentrar no tema proposto, há de se adotar a inclinação
política do fusionismo norte-americano, o qual defende, em termos bastante gerais, uma
defesa conservadora dos interesses nos costumes e na cultura e uma defesa liberal em termos
econômicos, tudo isso para que se possa defender, em termos mais amplos, a liberdade do
cidadão, principalmente nos seus vieses econômicos e políticos propriamente ditos. O
objetivo geral do trabalho, portanto, diz respeito a uma análise da intervenção econômica por
parte do Estado na ingerência da vida do cidadão a partir da reforma política proposta. Em
termos específicos, busca-se escrutinar, pormenorizadamente, aquilo que se propõe como
reforma política de financiamento unicamente público, levantando as suas nefastas
proposições e contrabalanceando tudo isso com a proposição de um financiamento
exclusivamente privado de campanhas, levantando como propostas anexas a privatização de
empresas estatais e o voto não obrigatório, como instrumentos políticos de redução na
corrupção do sistema eleitoral atualmente posto.
Propõe-se, em última instância, com tais colocações, que a liberdade do cidadão seja
cada vez mais enaltecida, em detrimento de uma política econômica que vise a intervenção FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
60
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circulação nacional), extraindo apenas aquilo que possa ser colocado no plano político como
legítimo (ou seja, o anseio do cidadão comum, sem qualquer vinculação a grupos extremistas
como o já citado anteriormente), não se deriva, que os anseios populares clamam por uma
política estatal mais intervencionista.
É lição comezinha que a intervenção estatal encontra-se diretamente ligada a uma
intervenção econômica sobre a sociedade, haja vista que a maior parte das receitas e dos
recursos públicos são advindos diretamente dos tributos cobrados da população em geral.
Dessa maneira, a leitura operada por aqueles que propõem uma nova assembleia constituinte
extraordinária e, nesse sentido mais estrito, uma reforma política, finda por repercutir em uma
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FIDΣS
proposta político-ideológica que requer uma maior intervenção do governo na vida do cidadão
comum.
Atualmente, sabe-se que todos os principais pontos de reivindicação propostos são
fornecidos através de serviços públicos (educação, saúde, segurança e, em algum sentido,
regulados no caso do “transporte público”). A leitura direta e mais aparente realizada pelos
que clamam pela reforma política induz que é necessário mais uma vez que o Estado interfira
em tais serviços, aparelhe-se cada vez mais, para que a partir de então possa prestá-los com
maior presteza. Ou seja, parte-se da premissa que os tributos ou são cobrados a menor, de
modo que o montante de recursos públicos não é o suficiente para que o Estado possa prover
tais serviços de maneira satisfatória (como é o caso da proposta de 10% do Produto Interno
Bruto a ser destinado para o orçamento da educação), ou que os recursos já existentes, ainda
que suficientes, são geridos de uma maneira pouco profícua, ou seja, são desviados ou
desperdiçados indevidamente.
Qualquer que seja a justificativa fornecida, uma resposta é definitiva, é necessário
que o Estado intervenha ainda mais para que os anseios da sociedade possam ser
concretizados. Todavia, essa proposta ideologicamente vinculada a qualquer espectro da
“esquerda”, seja ela moderada, a partir do discurso: “precisa-se aumentar a arrecadação dos
impostos”, quer seja ela radical: “é necessário estatizar as empresas porventura privadas e
aumentar ainda mais a arrecadação e a inserção tributária do Estado”, produz um efeito
nefasto sobre cidadão, principalmente sobre aquele que foi, pacificamente, às ruas, exigir uma
melhoria, em certo sentido, ainda que demasiadamente amplo, na sua qualidade de vida.
Decerto, a pergunta mais adequada a ser feita, como problematização do presente
tema é: “afigura-se necessária uma maior ingerência do Estado na vida do cidadão para que
ele alcance uma melhor qualidade de vida?”. A resposta a tal indagação, ainda que possa FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
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fundamentos para esse desconhecimento podem ser os mais variados, transitam desde a falta
de aprofundamento em questões políticas e econômicas até mesmo ao desinteresse por tal
assunto, hipótese em que o manifesto recai no niilismo de “protestar por protestar”.
Qualquer que seja o fundamento, ele é irrelevante, porque o efeito prático da
proposta da reforma política é que se afigura como mais importante em toda essa discussão.
Os fundamentos para o cidadão comum, ou o “homem médio” do Direito, ou o “man on the
street” popularizado na fenomenologia contemporânea por Alfred Schutz (1970, p. 239), são
inconsequentes, desde que os resultados pragmaticamente alcançados sejam relevantes e
satisfatórios. No caso em relevo, esses resultados são imprevisíveis para o “homem médio”, e
tampouco são por eles desejados ao final de todo esse processo, simplesmente porque o
Estado jamais poderá cumprir com tais promessas ou com tais clamores populares. Ou seja,
em síntese, poder-se-ia inferir que uma proposta tão visceral de mudança no sistema jurídico
de todo o país se baseia, quase que em sua totalidade, em um mero engodo que se mantém,
legitimado, por uma massa de manobra néscia.
Assim sendo, a proposta de uma reforma política ancorada em uma nova constituinte
parece ser algo digno de um extremismo político sem precedentes. Dada a sua grande
repercussão, nos mais variados espectros (econômico, social e político), faz-se necessário
adentrar um pouco mais em uma de suas propostas para que se possa aferir a sua necessidade
ou a sua desnecessidade, ou até mesmo, averiguar se não seria possível promover alterações
na atual sistemática política brasileira sem ter que descaracterizá-la ao ponto de ter que mudar
a constituição atualmente vigente. Tais eventuais propostas de alteração devem ser feitas em
dissonância com aquilo que foi pregado como fundamento da nova constituinte, afinal de
contas, se o objetivo consiste em não trair o elemento fulcral do extrato político das
manifestações, ele não pode coadunar em manter tal ponto apenas como massa de manobra. FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
63
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Ou seja, a partir de então, tolher-se-á qualquer doação, seja ela feita por uma pessoa
física ou jurídica para qualquer tipo de propaganda eleitoral, sendo toda a campanha
financiada por recursos de natureza pública, ou seja, captados pelo Estado segundo as suas
fontes de custeio, principalmente a tributação.
Um dos argumentos apontados por aqueles que defendem esse tipo de financiamento
é a existência de “caixa-dois” em função da grande parte de recursos advindos de empresas
privadas (este argumento, aliás, era o utilizado para se sustentar que deveria haver a inclusão
de pessoas jurídicas como doadoras, desde que declaradas). Segundo os defensores do
1
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Financiamento Público de Campanha. Disponível em:
<http://www2.camara.gov.br/agencia/noticias/70184.html>. Acesso em 27 ago. 2014.
64
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típico argumento vitimista, que propõe uma “justiça social” até mesmo em repartições
financeiras de campanha (um terreno político-ideológico em que todas as desigualdades se
resolvem nas urnas).
De modo reverso, se alguém acha que um determinado candidato possui boas
propostas, cumpre a ele próprio, seja pessoa física ou jurídica patrocinar a campanha de quem
quer que seja, esperar que o Estado venha a dividir suas receitas com tal propósito é mais do
que demagogia, é o verdadeiro desperdício imoral do dinheiro público, uma vez que a
moralidade administrativa (artigo 37 da Constituição da República de 1988) veda qualquer
forma de favorecimento, por mais que se possa cogitar, supor ou depreender que tal candidato
possui “boas propostas”, isso sem falar no pleno subjetivismo infundado dessa assertiva
pouco fundamentada.
Um argumento crítico proposto até por aqueles que defendem o financiamento
público a essa forma de divisão dos fomentos públicos de campanha consiste em afirmar que
os repasses, tais como instituídos, apenas favorecerão partidos grandes. Certamente, há de se
concordar com esse argumento, de que provavelmente os maiores partidos serão beneficiados,
todavia, há de se discordar no sentido de que “todos os partidos devem ter os mesmos
recursos para que tenham as mesmas possibilidades de concorrer”. A defesa desse argumento
“igualitário” recai, mais uma vez, na defesa de um argumento “vitimista” de que “todos
devem ter a mesma chance”, ou no velho jargão da “justiça social”. O problema encontrado
de os grandes partidos terem maior repasse reside no fato de que partidos são pessoas
jurídicas de direito privado (artigo 44, inciso V do Código Civil), de modo que nenhum deles,
sejam grandes ou pequenos, de direita ou de esquerda, deve receber qualquer quantia pública,
seja ela vultosa ou não.
Não cabe a uma repartição em termos legais definir para quem vai o dinheiro dos FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
tributos ou parte deles. Com menos tributação para suprir essa necessidade inventada,
certamente, as pessoas, sejam elas físicas ou jurídicas, possuirão liberdade em escolher para
quem destinar tais recursos financeiros. Nesse ponto é que reside o julgamento se as propostas
são boas ou ruins de determinado candidato, pois, somente no âmbito da liberdade econômica
de cada pessoa é que lhe compete julgar a aptidão de um candidato ou de um partido. Não é
uma incumbência legal destinar parte dos recursos a certo partido, seja ele de direita ou de
esquerda. Cabe a cada contribuinte selecionar a quem destinar o seu voto e os seus recursos
financeiros.
É nesse passo que se pode adentrar no argumento seguinte, o que indica ser uma
medida totalmente antidemocrática tolher a possibilidade de as pessoas, sejam elas físicas ou
65
FIDΣS
jurídicas, repise-se, doar ou contribuir financeiramente para campanhas políticas. Desde que
cumpram os requisitos de validade legal para doação, todas as pessoas podem escolher
incentivar financeiramente a campanha de um determinado candidato ou partido que lhes
represente, por mais que tal representação política se faça no espectro político diametralmente
oposto ao daqueles que pugnam por um financiamento público de campanha.
É justamente nesse ponto que reside a liberdade política em seu mais alto grau. Os
proponentes da reforma política costumeiramente demonizam o lucro e a atividade privada
propriamente dita, imputando-lhe as mazelas sociais (HAYEK, 2007, p. 88). O lucro é
demonizado, e a liberdade econômica e a competitividade comercial são sempre postas como
vilãs na sociedade propostas por aqueles que endossam a reforma política tal como ela foi
encabeçada. Todavia, em uma sociedade democrática, tal como proposto na atual
Constituição, é possível (e segundo a ótica fusionista aqui encampada, é até digno de
incentivo e louvor) que o lucro seja almejado, desejado e perquirido dentro da ordem social
estatuída (vide artigo 170 da Constituição, quando ela fala em “livre iniciativa”). Deste modo,
nada mais adequado que seja facultado ao particular a sua contribuição no exercício
democrático em prover recursos financeiros para quem lhe aprouver, até mesmo que seu
candidato ou seu partido vise, em primeira ou em única instância, o incentivo pelo lucro. Esse
é um direito seu que lhe é inarredável e inalienável, pode sempre dispor para quem quiser seus
valores financeiros.
Certamente, o financiamento público de campanha não acabará com os esquemas de
caixa-dois e doações ilícitas de campanha, nesse sentido, nenhum dos modelos propostos
acabará, seja o atual sistema misto ou quer seja o sistema de financiamento exclusivamente
privado. Nesse ponto, não é mais uma questão de jaez jurídico ou econômico, trata-se de uma
deformidade ética da própria cultura brasileira. Uma distorção dessa magnitude, certamente, FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
não será simplesmente espargida com uma simples alteração na forma de campanha, de como
ela será conduzida ou financiada. As doações ilegais tendem a continuar, até porque a sua
destinação específica, todos sabem, é direcionada à compra de votos, de modo que elas jamais
poderão ser contabilizadas como recursos de campanha lícitos.
Todavia, um dos pontos que devem ser levantados a partir da constatação inexorável
de que sempre algum tipo de fraude existirá durante a captação de recursos nas campanhas
eleitorais é que diante desse quadro absurdamente imoral é possível reduzir um pouco o gasto
desenfreado da coisa pública quando ela é destinada aos partidos de maneira irrestrita. Nesse
passo, tornar o financiamento de campanha totalmente privado, independentemente de ele
advir de pessoas físicas ou jurídicas não garantirá a totalidade da lisura do processo. Essa
66
FIDΣS
medida tampouco assegurará que todas as doações que sejam feitas ou venham a ser feitas no
curso do processo eleitoral venham a ser declaradas de maneira lícita.
Repise-se, tais artifícios ilegais, fraudulentos e ilícitos continuarão a ocorrer pelo
simples fato de que o seu fundamento consistir em um problema culturalmente estatuído por
muitos e muitos anos, consequentemente, acumulado em muitas e muitas outras eleições, algo
que se encontra encrustado no âmago da própria sociedade e que não será aniquilado
instantaneamente, aliás, qualquer proposição de alteração na forma de financiamento de
campanha que venha a prometer mudanças dessa magnitude de modo imediato ou instantâneo
não passa de um embuste e de uma maneira de se obter promoção ou vantagens políticas,
essas sim, imediatas em detrimento da inteligência mínima dos eleitores ou dos analistas
políticos e sociais.
Também não há, nem se pretende que haja, de maneira alguma, a “igualdade
material” em termos de concorrência entre os partidos ou candidatos. Nesse quesito, é
possível até mesmo que se acentuem com clareza os destinos econômicos dos partidos mais
fortes e com um apoio financeiro maior, em detrimento de pequenas legendas, que não
conseguem angariar entre seus componentes, ou mesmo no mercado econômico, apoiadores
para a sua causa. Há de se compreender esse apontamento corretamente, ele não indica que
“partidos de ideologia alinhada à esquerda” terão menos recursos para utilizar em sua
campanha, aliás, muito pelo contrário. O apontamento fornece o entendimento que “partidos
maiores” tenderão a ter mais recursos advindos de doações exclusivamente privadas.
Salientando-se, que nesse rol de “grandes partidos”, estão incluídos, de maneira bastante
profusa, partidos que se enquadram na mencionada ideologia, até mesmo porque um desses
partidos governa o Brasil há pelo menos 12 anos, e corre-se o risco que ele se perpetue por lá
por mais algum tempo, por mais que as indicações democráticas mais comezinhas indiquem FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
que é preferível a troca ou a alternância no Poder Político de maneira regular. Acabar com o
financiamento privado de campanha apenas dá mais poder ao próprio governo, nesse sentido,
como bem propõe como bem sugere John Samples (2006, p. 135), se as contribuições (de
campanha) devem refletir uma igualdade de voto, cada cidadão deveria receber das
autoridades tributárias uma quantia igual para contribuir para o candidato de sua escolha.
Destarte, o financiamento exclusivamente privado de campanha não servirá, em
nenhum plano, para planificar ou estratificar igualitariamente a concorrência entre as mais
diversas legendas políticas existentes nos pleitos eleitorais.
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privado não tem por escopo aniquilar a improbidade administrativa de maneira bastante ampla
(para isso, já existe a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992 – a Lei de Improbidade
Administrativa). O escopo mais próprio do financiamento privado de campanhas eleitorais
visa única e exclusivamente duas coisas: permitir o exercício da liberdade por parte do
cidadão, e tolher o uso direto de verbas públicas em campanhas eleitorais. Qualquer outro
desdobramento negativo que possa vir a ser retirado desse plano político proposto tende a
descaracterizá-lo ou até mesmo inviabilizá-lo, uma vez que sua proposta de manejo de
recursos públicos é a mais acrisolada e transparente possível: não deve haver nenhum tipo de
repasse de recursos públicos para o financiamento de partidos políticos ou de suas campanhas
eleitorais.
68
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quanto as sociedades de economia mista). Ou seja, a brecha para que haja a malversação do
dinheiro público surge, precipuamente, quando se imiscui o terreno do público em negociação
com o privado.
Então, para que se possa ter um financiamento exclusivamente privado de
campanhas eleitorais é necessário que sejam propostas mudanças também no direcionamento
econômico do país como um todo, e uma dessas propostas passa pela privatização da maioria
das empresas estatais (senão a sua totalidade, como seria preferível, embora, de imediato, essa
medida não fosse plenamente factível). A única hipótese possível para que não haja
negociatas e arranjos políticos com o Poder Público e conchavos utilizando o dinheiro público
nessas empresas ocorre quando não há dinheiro público investido. Ou seja, se essas empresas
69
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não fossem públicas, não haveria recurso público advindo da arrecadação tributária para ser
malversado.
Certamente, essa é uma proposição bastante polêmica, a qual necessita de muito
aprofundamento teórico para que possa ser mais bem estruturada em sua aplicação prática, no
entanto, o intento no presente escrito, consiste apenas em ventilar essa possibilidade, como
uma forma de favorecer a liberdade econômica do cidadão, em detrimento do arrocho da
carga tributária sob os seus auspícios.
Outra proposta viável para que não houvesse, ao menos indiretamente, o
favorecimento por meio de conluios pós-eleitorais diz respeito à questão da obrigatoriedade
do voto. É lição comezinha que tal alteração não viola as cláusulas pétreas instituídas no
artigo 60, § 4º da Constituição da República, pois no inciso II, o voto deve ser “direto,
secreto, universal e periódico”, não se fala que ele deva ser necessariamente “obrigatório”.
A extinção da obrigatoriedade do voto também é uma maneira de se assegurar
liberdade ao cidadão. Participar de um pleito político pode se dar de uma maneira ativa, na
qual a participação do cidadão é evidente, e através da qual ele vota em quem lhe aprouver,
bem como ela também pode ser passiva, de modo que ele pode escolher não votar em alguém,
pode escolher sequer se interessar em saber em quem votar. A “não-escolha” sempre deve ser
uma forma de se posicionar politicamente. Certamente, essa é uma discussão filosófica bem
mais profunda, em sua matriz ontológica, que remonta ao problema do “não-ser” (e de como
ele passa a “ser”), bem como a sua entificação mais recente na filosofia contemporânea
(KIERKEGAARD, 2011, p. 89). Todavia, esse não é o espaço mais adequado para se fazer
um aprofundamento político-filosófico, dado o caráter pragmático da discussão apreendida,
sendo apenas certo complementar que exigir um voto obrigatório é apenas um reflexo
contemporâneo daquilo que costumeiramente se denominou ser a “entificação” do “ser”, ou FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
seja, a necessidade de que se assuma uma postura política, ainda que não se queira, ou que
não se tenha nenhum intento relacionado a isso2.
Ainda que se tenha falado na questão do voto obrigatório, ainda não se indicou
precisamente como a sua desnecessidade seria influente em um sistema de financiamento
2
Toda essa discussão filosófica passa na tangente do tópico defendido pelos “velhos ideais da esquerda”
claramente metafísicos e essencialistas, que depositam em uma “essência humana coletiva” os anseios de toda a
sociedade, retirando-lhe, decerto, qualquer escolha por si mesma, isto é, qualquer escolha que seja calcada em
seu próprio entendimento sobre o assunto, seja ele um tópico político ou não. Esse entendimento essencialista
próprio das doutrinas alinhadas ao espectro da esquerda é mais uma maneira de “entificar” ou de tratar os modos
de ser como uma mera aparência da realidade. Aliás, quando confrontados com a realidade, a esquerda tende a
descartá-la. Como bem salienta Eric Voegelin (1990, p. 94), Marx nega a experiência tangível da realidade
porque ela atesta a dependência do homem (numa visão teólogica, uma dependência para com Deus); daí a
necessidade de abolir o real e se libertar do tempo, da finitude e de toda a dependência.
70
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mecanismos são, ainda que fraudulentos nas campanhas eleitorais, bastante similares nos dois
casos. Não há de se dizer, de maneira irresponsável que isso iria acabar com a compra de
votos, no entanto, é certo que isso diminuiria flagrantemente. Não há nenhum meio efetivo e
imediato de se garantir a lisura nos processos eleitorais, o que se pode, como proposto, é
vislumbrar maneiras de se diminuir as fraudes ou propor modelos que venham a estancar o
gasto desenfreado de dinheiro público em tais pleitos.
Há de se ter em mente que nenhuma das propostas feitas para viabilizar o
financiamento unicamente privado de campanha servem como remédio imediato e definitivo
para solucionar os históricos problemas da política brasileira, seria demasiadamente
presunçoso prever isso. No entanto, todas as propostas são lúcidas o suficiente para propor
71
FIDΣS
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
72
FIDΣS
REFERÊNCIAS
GLENN, Brian J.; TELES, Steven M. Conservatism and American Political Development.
Oxford: Oxford University Press, 2009.
HAYEK, Friedrich A. The Road to Serfdom. Chicago: University of Chicago Press, 2007.
VOEGELIN, Eric. Il Mito del Mondo Nuovo. Trad. Arrigo Munari. Milano: Rusconi,
73
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1990.
ABSTRACT
The article focuses on the nowadays political financing reform. It
takes the main point of view from a fusionist methodology and aims to
seek political and economic freedom to the common citizen. It debates
how the campaigns should be financed: by public or private funds. It
explores the tax funding rising if the public form is adopted and its
ominous consequences on economic freedom. It also proposes an
exclusive private funding campaign system, side positing the need of
privatizing state companies and to liberate the vote as something non-
obligatory. These measures are non-instant resolution propositions
which are able to reduce the corruption without compromising the
economic and democratic freedom.
Keywords: Political reform. Private funding campaign. Economic
freedom.
74
FIDΣS
RESUMO
O presente estudo pretende induzir reflexões acerca da realidade das
serras de Santana e João do Vale sob o ângulo do Direito,
Desenvolvimento e Sustentabilidade. A região encontra-se localizada
na porção central do estado do Rio Grande do Norte a qual se
sobressai pelas perspectivas de prosperidade porém não consegue
atingir um resultado proporcional aos recursos naturais dos quais
dispõe. O caso constitui exemplo da possibilidade de se desenhar
cenários e atores dentro de um mesmo enredo constitucional e do
diálogo de princípios que deverão nortear o desenvolvimento pautado FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
na sustentabilidade.
Palavras-chave: Direito e desenvolvimento. Serras centrais
Potiguares. Sustentabilidade.
*
Graduada em Direito pela UFRN, pós-graduada em Direito Processual Civil pela UFRN e em Direito Público
pela Universidade Anhanguera. Mestranda em Direito e Oficial de Justiça.
**
Doutora em Recursos Naturais – UFCG (Programa interdisciplinar). Mestre em Direito - UFRN. Mestre em
Ciências da Sociedade - UEPB (Programa interdisciplinar. Especialista em Direito Processual Civil- UEPB.
Tecnóloga em Processamento de Dados - UFPB. Bacharel em Direito - UEPB. Advocacia pública e privada
(1996-2010).
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1 INTRODUÇÃO
Para que seja possível entender o sentido de “desenvolvimento” é necessário FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
organizar ideias que unam o vocábulo à uma certa moldura e paisagem: um contexto
histórico, político, econômico e social de dado objeto de estudo. Igualmente é premente
considerar a ideia de que “desenvolvimento” é gênero que abriga várias espécies. Assim, tem-
se o desenvolvimento econômico, sustentável, social, trazendo a possibilidade de análises
multifacetadas de um mesmo vocábulo, conservando sua essência, visto porém sob uma ótica
diversa.
Quando analisado sob o prisma econômico e jurídico, o termo desenvolvimento se
une ao seu oposto – subdesenvolvimento - e busca amparo na lei que abriga e espera de uma
forma programática, a sua efetividade. As discussões são ainda mais férteis se, colocada ao
lado do quesito subdesenvolvimento, a sustentabilidade for invocada, constituindo o
76
FIDΣS
desenvolvimento sustentável desafio desta e das futuras gerações. Ignacy Sachs (2009, p. 71)
alarga o conceito de sustentabilidade ao traduzi-lo sob várias dimensões:
77
FIDΣS
1
Na verdade, o problema da seca para Celso Furtado, extrapolava a política de recursos hídricos; estava
intimamente ligado à ordem socioeconômico do semiárido e sua formação política de estrutura oligárquica.
Como consequência da política desenvolvimentista implementada por Juscelino, investindo e protegendo a
industrialização nascente e crescente do Sudeste, Furtado denuncia a ausência de políticas de investimento para a
região Nordeste, ressaltando práticas como a do chamado “comércio triangular”, onde o Nordeste financiava o
desenvolvimento do Sudeste, sendo consumidor de bens produzidos naquela região ao invés de manter relações
comerciais mais favoráveis com o comércio exterior.
78
FIDΣS
movimentos partiram de organizações sindicais do meio urbano e rural que pleiteavam uma
maior representatividade dos anseios da região; uma entidade que reunisse tais interesses e
que fomentasse o desenvolvimento sustentável urbano e rural.
A Diocese de Caicó, presidida na época pelo bispo Dom Jaime Vieira Rocha, serviu
de aliada junto às associações rurais e urbanas no intuito da criação de um plano de
desenvolvimento sustentável do Seridó e mecanismos que garantissem sua efetividade. A
escolha do bispo diocesano pelas associações não foi meramente casual. O que se pensava era
que, por ser pessoa influente tanto no meio social quanto político e, ao mesmo tempo,
desprovido de preferências políticas, o representante da Diocese de Caicó seria esse elo de
ligação entre o povo, os agentes políticos e a sociedade civil organizada.
79
FIDΣS
Assim, o bispo diocesano deu início a uma série de discussões tanto a nível local
quanto nacional, com representantes da classe política e da sociedade civil como a Federação
das Indústrias do Rio Grande do Norte, Federação dos Trabalhadores na Agricultura do
Estado do Rio Grande do Norte, Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura.
Inicialmente foi elaborado um Plano de Desenvolvimento Sustentável da região do
Seridó encomendado pela FIERN. A professora universitária Tânia Bacelar, estudiosa da
região do semiárido nordestino aliado à questão da sustentabilidade ficou à frente dos
trabalhos de elaboração. Porém, o plano apresentado não surtiu o efeito desejado. As pessoas
que se encontravam no evento de lançamento do trabalho, principalmente os trabalhadores da
agricultura familiar, as associações rurais e urbanas, não se enxergavam como protagonistas
do cenário desenhado pela professora Tânia. Questionavam qual a metodologia abordada,
quais as bases de pesquisa que levaram a elaboração do trabalho apresentado. E, dada a
ausência de uma pesquisa de campo que realmente exibisse a realidade dos municípios do
Seridó, suas potencialidades e necessidades, o Plano apresentado não conseguiu êxito.
Assim, e com perspectivas da constituição de um Plano de Desenvolvimento
Sustentável com raízes seridoenses, uma equipe de trabalho foi constituída. As Associações
urbanas e rurais dos municípios seridoenses começaram a se mobilizar a população. O papel
dos agentes de saúde foi fundamental para a disseminação do trabalho pois, como conheciam
a área urbana e rural de cada município, informavam à população do projeto que estava por
fazer.
Nos vinte e cinco municípios do Seridó foram vinte e cinco “festas populares”
promovidas. O encontro das associações e da população, contando com uma parceria com a
Universidade Federal do Rio Grande do Norte promoviam uma verdadeira festa popular em
cada município. A população era convidada a expor suas atividades laborativas, os problemas FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
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FIDΣS
Elaborado o plano, faltava uma entidade que fosse capaz de executá-lo. Um trabalho
intenso de pesquisa e busca por modelos de agência para esse fim foram realizados: viagens
pelo Brasil e Europa, a parceria do governo do estado do Rio Grande do Norte com o Banco
Mundial, foram exemplos dos empenhos realizados. Além disso, o bispo diocesano contribuiu
para os primeiros direcionamentos da estrutura administrativa da agência: a elaboração de um
estatuto, a escolha da diretoria, além da consciência de se buscar recursos tanto no âmbito
estadual quanto federal para fomentar os projetos a serem realizados. Ou seja, estipulada a
estrutura da agência, sua missão, seu âmbito de atuação, os serviços prestados.2
Assim nasce em 17 de abril de 2001 a Agência de Desenvolvimento Sustentável do
Seridó como fruto e instrumento de efetividade do Plano de Desenvolvimento Sustentável do
Seridó. A ADESE tem como missão articular, elaborar, executar, coordenar, acompanhar,
avaliar e gerir a formulação e implementação de planos, programas, projetos e demais ações
de interesse ao Desenvolvimento Sustentável do Seridó. Promove a formação de parcerias
entre instituições públicas e privadas com o objetivo de obter recursos financeiros, materiais e
humanos, necessários à execução de planos, programas e projetos inerentes aos seus fins. A
agência atua em todo o território Potiguar e no Seridó Paraibano abrangido pela bacia
hidrográfica do Rio Piranhas-Açu.
2
As informações mencionadas sobre a criação e estruturação da Agência de Desenvolvimento Sustentável do
Seridó – ADESE - foram colhidas em entrevista concedida pelo Sr. Emídio Gonçalves de Medeiros, ex-agente
de saúde, hoje funcionário da ADESE; testemunha e colaborador dos movimentos políticos e sociais que
culminaram na elaboração do Plano de Desenvolvimento Sustentável do Seridó e da criação da Agência de
Desenvolvimento Sustentável do Seridó.
81
FIDΣS
quais problemas permeiam o cultivo e a comercialização das frutas produzidas naquela região,
bem como os possíveis entraves ao desenvolvimento econômico da localidade. Também foi
objetivo do diagnóstico, quantificar o volume mais preciso de da produção anual de frutas,
como também identificar outros indicadores socioeconômicos capazes de trazer à tona um
perfil mais preciso da localidade estudada (Brasil, Adese, 2012, p. 22):
Assim como o caju, outras culturas frutíferas são observadas na região estudada
como graviola, manga, acerola, goiaba, coco, banana e jaca, porém não se sobressaem em
grau de importância econômica como a cultura do caju.
Além da caracterização do cenário frutífero em termos de culturas desenvolvidas e o
aspecto geofísico da área estudada, o diagnóstico propiciou a identificação das várias nuanças
socioeconômicas da região. Isso é importante porque não se pode analisar o desenvolvimento
82
FIDΣS
econômico de uma dada localidade divorciada da realidade social na sua dinâmica e suas
diferentes abordagens, ou seja, dos bastidores sociais, culturais, políticos, do cenário
econômico explícito. Assim, realizou-se a colheita de dados através da pesquisa in loco, sendo
entrevistadas 1670 pessoas residentes nas serras de Santana e João do Vale (Brasil, Adese,
pág. 13).
Dos resultados obtidos foi possível a construção do cenário no qual a região serrana
central potiguar encontra-se inserida. Assim, após a análise dos dados, o estudo constatou
várias características ligadas ao bem estar da população, as condições de trabalho, geração de
renda e empreendedorismo e a preocupação ambiental.
No que diz respeito à qualidade de vida dos entrevistados, as informações colhidas
indicam que ainda há a presença de casas de taipa - caso do município de Triunfo Potiguar
onde 56% dos entrevistados declararam residir neste tipo de moradia. Em relação as taxas de
natalidade, a maioria das famílias pesquisadas (cerca de 78%) possuem até cinco membros
(Brasil, Adese, pág. 28).
No que tange ao grau de instrução dos entrevistados, a maioria possui apenas o
Ensino Fundamental I (31%), sendo o percentual de 12% o número de analfabetos; o acesso
às unidades escolares é difícil (apesar da maioria dos entrevistados declararem que se
encontram num raio de 4 km de distância da escola da rede pública de ensino, há ainda um
número expressivo de estudantes que precisam se locomover entre 11 e 15 km para ter acesso
à educação básica (Brasil, Adese, pág. 32).
A população estudada tem dificuldade no acesso aos serviços de saúde pública.
Apesar da existência das unidades do Programa Saúde da Família foi observada a dificuldade
de acesso e de atendimento médico. Dentre os motivos apontados estão a distância e as
condições das estradas (Brasil, Adese, pág. 33). FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
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caju, pinha, graviola, manga, goiaba, jaca, maracujá, acerola, banana, coco e mamão há o
manejo cultural, ou seja, é utilizada mão-de-obra da família desde a semeadura, colheita,
controle, ou seja, em todo o processo da atividade produtiva (Brasil, Adese, págs. 41, 45).
Inserido igualmente no diagnóstico, o aspecto ambiental também recebeu especial
atenção. No contexto do desenvolvimento da fruticultura das serras centrais estudadas,
abordou-se questões como a utilização de agrotóxicos, o uso de equipamentos de proteção
individual nas atividades da agricultura, o controle de pragas e doenças.
Segundo os dados colhidos na pesquisa de campo acerca da utilização de agrotóxicos
na fruticultura (Brasil, Adese, pág. 58), observou-se que há ausência de orientação adequada
acerca do manejo dos defensivos agrícolas. Praticamente metade dos entrevistados declararam
que utilizam agrotóxicos na cultura das frutas.
Sobre o destino das embalagens vazias dos agrotóxicos, a maioria dos produtores
(cerca de 55,37%) afirmaram que queimam as embalagens; 30,52% jogam as embalagens no
lixo; 14,11% enterram as embalagens e nenhum deles devolve ao fabricante, como é previsto
na lei (Brasil, Adese, pág. 59).
Em relação ao uso de equipamentos de proteção individual, dos produtores que usam
o EPI, a maioria não faz uso de forma apropriada dos devidos materiais de proteção: 63
produtores utilizam apenas máscara; 24 produtores, luvas e botas; 19 apenas luva; 09 apenas
luvas e chapéu; 09 máscara e botas; 07 usam botas, máscara, luvas e avental; e 05 utilizam
botas, chapéu e luvas. Nessa mesma esteira, a maioria das pessoas que manuseiam
agrotóxicos não usam qualquer tipo de proteção, desconsiderando o risco que o uso de tais
produtos sem o devido cuidado pode ocasionar à saúde (Brasil, Adese, pág. 61).
O uso de agrotóxicos faz parte de estratégia para o controle de pragas e doenças na
fruticultura. Dos entrevistados, 829 produtores utilizam o agrotóxico; 321 utilizam defensivos FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
alternativos e 530 produtores não fazem uso de nenhum produto ou estratégia para o controle
de doenças e pragas nos pomares (Brasil, Adese, pág. 63).
Vários problemas também no âmbito do empreendedorismo foram detectados. A
figura do atravessador, por exemplo, é uma constante e assume papel de beneficiado com boa
parcela do lucro da comercialização, desvalorizando o preço das frutas e prejudicando o
produtor rural.
A presença dos intermediários não constitui característica peculiar somente da região
em estudo. Tal prática é nociva ao desenvolvimento regional como bem ensina Celso Furtado
(2009, p. 23):
84
FIDΣS
A análise dos dados (Brasil, Adese, pág. 77) mostram algumas das dificuldades
encontradas pelos produtores em agregar valores aos seus produtos: - a falta de qualificação e
assistência aos produtores em termos de produção, armazenamento e comercialização dos
produtos, bem como a conservação dos pomares e prevenção de pragas; - a indisponibilidade
de recursos financeiros ou linhas de financiamentos na rede bancária com juros compatíveis
para construir uma infraestrutura básica necessária ao processo.
Diante da análise da fruticultura desenvolvida na região estudada e o que ela
representa para os produtores em termos de renda, pode-se afirmar que são baixas as
remunerações obtidas com a venda da produção, uma vez que, segundo o diagnóstico, a
maioria dos produtores entrevistados recebe no máximo dois salários mínimos por ano
oriundos das atividades desenvolvidas pela fruticultura (Brasil, Adese, pág. 54).
Uma vez conhecido o cenário é possível se analisar a dinâmica dos atores envolvidos
85
FIDΣS
3
Amartya Sen fala dos tipos de liberdades instrumentais: liberdades políticas, facilidades econômicas,
oportunidades sociais, garantias de transparência e segurança protetora. As liberdades instrumentais têm papel
relevante na capacidade geral da pessoa, bem como efetivar as liberdades substantivas.
86
FIDΣS
É necessário dar aos pequenos produtores uma oportunidade de melhora das suas
atividades, aperfeiçoando as suas habilidades mediante treinamento. Este ponto é de
suma importância para o número crescente de provedores de serviços técnicos e de
manutenção para firmas e famílias urbanas e rurais. A demanda por serviços
técnicos, mas também sociais e pessoais, muito provavelmente aumentará nas áreas
rurais, acompanhando, desta forma, a modernização da agricultura e o
estabelecimento de indústrias de processamento de biomassa.
87
FIDΣS
Brundtland4, com uma visão ampla dos seres humanos, capaz de enxergar o indivíduo como
agente político propulsor de mudanças, não como recipientes reduzidos a meros padrões de
vida (Sen, Kliksberg, 2007, pág. 72).
A sustentabilidade deve mediar e promover a convivência harmônica entre o
desenvolvimento econômico e a preservação ambiental, não propiciando a sobreposição de
princípios constitucionais. Pelo contrário. Nem o desenvolvimento pode ser obstruído pela
proteção ambiental nem o meio ambiente pode ser relativizado pelo desenvolvimento
econômico. Assim, a conciliação, assim entendida pela moderna doutrina constitucional
contemporânea, deve ser alcançada pelos critérios da ponderação e da proporcionalidade em
cada caso concreto (Tavares, 2011, pág. 186).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
qualificar o produtor rural ensinando-o a tirar proveito dos recursos naturais sem, no entanto,
agredir o meio ambiente e comprometer sua integridade, bem como oferecer linhas de crédito
capazes de fomentar a produção local e garantir o chamado desenvolvimento includente. Tais
premissas encontram amparo nos princípios da ordem econômica elencados no art. 170 e
respectivos incisos da Constituição Federal de 1988.
A falta de oportunidades observada na região estudada se confunde com a ausência
das chamadas liberdades instrumentais. São assim denominadas porque meios capazes de
4
Segundo Sen e Kliksberg, o relatório Brundtland definiu como desenvolvimento sustentável aquele que ‘atende
as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das futuras gerações de atender às suas próprias
necessidades’.
88
FIDΣS
efetivar a capacidade geral de uma pessoa, ou seja, efetivar as liberdades substantivas que se
congregam no saciar a fome, ter nutrição satisfatória, moradia digna, vestuário e lazer,
encontrar-se absorvido por políticas públicas sanitárias, epidemiológicas e ter acesso à uma
educação, saúde e segurança públicas eficazes.
As liberdades substantivas encontram-se inseridas no arcabouço do princípio da
dignidade da pessoa humana, expressamente previsto na Constituição de 1988. Além disso, se
confundem com os próprios direitos fundamentais nela delineados no art. 5º e incisos. Diante
das considerações, como promover um desenvolvimento econômico sustentado e includente
se sequer os próprios direitos fundamentais são efetivados?
Em outro aspecto, questões sobre o empoderamento (empowerment) local são
colocados em xeque. Isso se evidencia, por exemplo, nas dificuldades de organização dos
produtores em entidades que os representem, imprescindíveis ao fortalecimento da cadeia
produtiva. O empoderamento está aliado ao exercício da democracia direta, à criação de
espaços de diálogo local com os todos os atores envolvidos no processo de desenvolvimento,
de forma que a comunidade assuma um papel transformador de sua própria realidade.
O papel da Agência de Desenvolvimento Sustentável do Seridó como instrumento de
concretização do Plano de Desenvolvimento Sustentável da região deve ser questionado.
Apesar de ser investida de determinadas atribuições como, por exemplo, a possibilidade de ser
promotora de mobilizações sociais, observa-se a falta de autonomia para a implementação de
projetos e políticas públicas que proporcionem uma melhoria nas condições sociais, políticas
e econômicas das comunidades envolvidas. Resta à Agência de Desenvolvimento Sustentável
do Seridó papel de mero órgão de estudos sociais e econômicos, sem poder algum de atuar
como protagonista de ações voltadas aos municípios envolvidos.
Diante das conclusões e sem a pretensão de apenas detectar “gargalos” sem aparente FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
89
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REFERÊNCIAS
______. In: BIRDERMAN, Ciro e outros. Conversas com economistas brasileiros. São
Paulo: Editora 34, 1997. FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
90
FIDΣS
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
TAMANAHA, Brian Z. The primacy of society and the failures of law and development.
Social Science Research Network. Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=1406999>.
Acesso em: 18 jun. 2014.
TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. São Paulo: Método, 2011.
91
FIDΣS
qualquer interpretação da supracitada norma que desse ensejo a essa, por assim dizer,
“censura privada”.
*
Professora Assistente II do departamento de Direito Privado da UFRN
1
STF. ADI 4.815/DF. Rel. Min. Carmén Lúcia.
2
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a
divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma
pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a
honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
92
FIDΣS
Ora, quando se trata desse assunto vemos tudo, menos razoabilidade na discussão.
De um lado temos os escritores que alegam palavras de ordem, tais como livre manifestação
de pensamento, democracia e evitar a censura, tudo recheado de paixão e decorrente do
enorme medo subconsciente de nós todos, de alguma forma, retroceder na nossa tão jovem
democracia e tornar a viver situações que ficaram no passado. FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
Por seu turno, temos as pessoas públicas questionando o critério das informações
lançadas nas biografias, na maioria das vezes muito mais relacionadas com o conteúdo das
revistas “quem” e “contigo” do que com uma biografia enquanto gênero literário, e justamente
nessa qualidade de fofoca reside muito do atrativo econômico desses livros.
Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o
cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.
Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as
providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.
93
FIDΣS
Assim nos colocamos diante de duas questões básicas: até que ponto uma pessoa
pública tem o direito de assegurar a sua privacidade quando informações de sua vida privada
tornam-se de interesse público? O segundo ponto é justamente diferenciar o interesse público
do interesse do público.
3
MORAES, Maria Celina Bodin de. Ampliando os direitos de personalidade. In: Na medida da pessoa humana:
estudos de direito civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2010.
4
O inovador conceito é-nos apresentado por Rodotà. Conforme se lê, também, na lição de Maria Celina Bodin
de Moraes, o direito a privacidade e expressão do “direito de determinar as modalidades de construção da
própria esfera privada, bem como ao direito de manter o controle sobre as próprias informações. O direito a
privacidade, visto assim, configura-se como um instrumento fundamental contra a discriminação e a favor da
igualdade e da liberdade” (MORAES, Maria Celina Bodin de. Op. cit., p. 141-142). A perspectiva também
encontra eco em autores norte-americanos: “It protects self-determination, rather than simply offering a ‘mere
right to be alone’. Envisioning privacy this way suggests that a right to privacy requires not isolation, but rcspect
94
FIDΣS
Nesse mote, não podemos deixar de considerar que uma vez violado o direito da
personalidade, atacada a honra, conspurcada a imagem, violada a privacidade, estamos diante
de um dano irreparável que pode apenas ser compensado, sem jamais ser restabelecido esse
direito atacado.
Como sopesar e ponderar todos esses elementos parece ser o que gera essa
demasiada polêmica. Ora, para mim, tudo se resolve nas próprias ponderações que fizemos
nas linhas anteriores, uma vez que não podemos deixar os escritores, e a própria sociedade, ao
alvedrio da arbitrariedade de um particular que poderá macular permanentemente a liberdade
de informação e a livre manifestação do pensamento.
Outrossim, temos que ter em mente, também, que o processo civil brasileiro está
longe do conceito almejado por todos nós de duração razoável do processo. A reparação de FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
um dano dessa natureza, no tempo que leva em média no Judiciário brasileiro, pode ser
absolutamente inócua.
for personhood” (BILDER, Mary Sarah. BILDER, Mary Sarah. The shrinking back: the law of biography.
Stanford Law Review., p. 359).
95
FIDΣS
No mais, Maria Celina Bodin de Moraes5 — friso que nesse ponto divirjo dela —
chega a sugerir um fator limítrofe para essa definição: a vida do biografado, após a morte,
tornaria possível o lançamento da biografia sem qualquer discussão. Realmente não sei se é o
mais apropriado. Aliás, enxergo em pensamentos como esses a base, por exemplo, da nossa
dificuldade de rediscutir o período da ditadura iniciado em 1964 e suas consequências, haja
vista parecer que estamos esperando todos os partícipes morrerem para tratar desse trauma
nacional com mais liberdade e sem constrangimento.
A análise, todavia, não pode ser feita em termos contemplativos. Mais urna vez,
fundamental o exercício de ponderação, realizado no caso concreto. Não nos parece
adequado, nada obstante, atribuir ao magistrado poderes que ultrapassem o de determinar, por
exemplo, leves eliminações ou troca de nomes, para acabar interferindo efetivamente no
conteúdo. Não cabe ao órgão judicante recompor a obra; esta é tarefa reservada ao autor —
em não sendo possível, seria o caso da medida extrema da proibição da publicação.
Por fim, não há antídoto único para todas as circunstâncias, competindo ao juiz
ponderar não apenas no momento de decidir que interesses merecem tutela, mas ainda
naquele de estabelecer quais medidas se apresentam, no caso concreto, mais adequadas à
proteção da personalidade — de acordo com aquilo demandado pelas partes.
5
Se ponderarmos adequadamente os interesses em jogo veremos que há uma maneira relativamente simples de
equacionar a questão – em particular, um marco temporal, recurso tantas vezes empregado pelo legislador para
pacificar questões igualmente controversas: a duração da vida do biografado. De fato, não é difícil compreender
que a violação à privacidade, à honra ou à imagem da pessoa só ocorre durante a sua vida; após a morte, pode
haver outras espécies de danos mais ou menos relacionadas à pessoa, mas a direitos fundamentais da
personalidade (já extinta) não serão. Além disso, a morte parece ser um termo muito claro: se não há interesse
social relevante na publicação de fofocas e de detalhes picantes da vida das pessoas enquanto elas estiverem
vivas, a tendência é que com a morte da pessoa sua perspectiva diante da História, se é este o fundamento que se
quer proteger, poderá ser muito mais bem avaliada. (cf. MORAES, Maria Celina Bodin de. Biografias não
autorizadas: conflito entre a liberdade de expressão e a privacidade das pessoas humanas? Civilistica.com, a.2,
n. 2, 2013. Disponível em: <http://civilistica.com/biografias-nao-autorizadas/>. Acesso em: 29 out. 2014.)
96
FIDΣS
RESUMO
O ensino do Direito nas faculdades brasileiras dos nossos dias, dadas
as raízes de sua formação, acaba por não ser suficiente para preparar o
bacharel ao enfrentamento dos desafios contemporâneos diários,
sendo essencial a inserção da arte dramática, como método de
transformar a educação jurídica, face à estreita relação entre Direito e
Teatro.
Palavras-chave: Educação jurídica. Teatro. Arte dramática.
Transformação.
*
Professora Efetiva da UFRN. Doutoranda em Direito pela UFPE. Mestre em Direito Público pela UFRN e
Especialista em Direito Constitucional pela UFRN. Habilitada em Direito do Petróleo pelo PRH
ANP/MCT/UFRN. Professora de Direito Tributário, Administrativo, do Petróleo e da Energia dos cursos de pós
graduação da UFRN, UNP, UNI-RN e Maurício de Nassau/PE.
97
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contemporâneo, tendo em vista a visão restrita que vem sendo passada nos bancos da
academia.
Nesse contexto, o estudo e ensino do Direito nas faculdades brasileiras dos nossos
dias, dadas as raízes de sua formação, acabam por não ser suficientes para preparar o bacharel
ao enfrentamento dos desafios contemporâneos diários, de maneira que há necessidade de
análise quantitativa e qualitativa dos resultados obtidos pelos bacharéis, seja tanto em
processos avaliativos comuns (exames da OAB, concursos públicos, etc.), como nas soluções
dadas pelos profissionais a conflitos do dia a dia, como no caso das soluções encontradas
pelos juízes a lides postas à sua análise. Ademais, insta observar que a estrutura curricular dos
cursos de Direito não mais se adequa aos saberes exigidos para um profissional dos tempos
atuais.
Nesse viés, tendo em vista a necessidade de ultrapassar o paradigma refutado por
Paulo Freire, de “educação bancária”, o presente trabalho busca apresentar um meio para se
combater o método de ensino que transgride as possibilidades de construção continuada do
conhecimento, ainda mais quando se denota que este jamais pode ser dado como acabado,
tendo em vista as constantes alterações normativas, seja tanto no âmbito legislativo quanto na
esfera judicial.
Assim sendo, a pesquisa que ora se pretende desenvolver parte do pressuposto
levantado por Franco Cambi de que a educação acompanha a evolução do modelo estatal
empregado, mas que, no dizer de Paulo Freire, pode ser instrumento essencial de
transformação da realidade social, procurando lançar uma sólida base para a formação
reflexiva da educação jurídica pela arte da encenação.
Nesse sentido, insta sintetizar a ideia principal do presente trabalho: inserir a prática
teatral no ensino do Direito como meio de combater as falhas no processo educativo, o que FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
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escolhidos para dedicar-se e atuar, considerando, ainda, que cada indivíduo tem suas
características próprias, diferenças e anseios, não havendo como se pretender que o
conhecimento seja por todos apreendido igualmente.
Tal pesquisa, nessa esteira, se apresenta como proposta para a transformação do
ensino jurídico, por meio de jogos teatrais e do estudo de obras de teatro, com o escopo de
enriquecer os saberes apreendidos durante o curso de Direito, tendo por fim a formação de
profissionais realmente preparados para exercer as diversas funções atinentes à carreira
jurídica e de pessoas realmente conscientes da realidade ao seu redor.
99
FIDΣS
antigos, mas que perdurou até datas próximas (MELO FILHO, 1993, p. 09), prolongando-se
até os dias de hoje.
Conforme destaca Tércio Sampaio Ferraz Júnior (1993, p. 49),
é preciso reconhecer que, nos dias atuais, quando se fala em Ciência do Direito, no
sentido do estudo que se processa nas Faculdades de Direito, há uma tendência em
identificá-la com um tipo de produção técnica, destinada apenas a atender às
necessidades profissionais (o juiz, o advogado, o promotor) no desempenho
imediato de suas funções. Na verdade, nos últimos cem anos, o jurista teórico, pela
sua formação universitária, foi sendo conduzido a esse tipo de especialização
fechada e formalista.
100
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Para Luiz Flávio Gomes (p. da internet), o ensino jurídico no nosso país acha-se
submetido a pelo menos três crises: científico-ideológica, político-institucional e
metodológica, ao arrematar que: FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
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Desse modo, uma vez que a mercantilização do ensino é fenômeno que acompanha
as tendências educacionais depositárias que vêm sendo aplicadas ao longo dos anos, desde a
criação de faculdades de Direito no Brasil, mister a construção de novas práticas
educacionais, capazes de inserir o estudante na realidade que lhe rodeia, sendo a utilização do
teatro uma alternativa adequada para resgatar o processo reflexivo hábil a impedir uma maior
difusão dos pensamentos coronelistas e oligárquicos que ainda predominam na sociedade
brasileira, porquanto inegável a relação existente entre o Teatro e a política e, porque não
dizer, entre o Teatro e o Direito.
Segundo Augusto Boal, a discussão sobre as relações entre Teatro e Política é tão
velha como o teatro ou como a política. Para ele, de um lado, se afirma que a arte é pura
contemplação, e de outro, pelo contrário, que apresenta sempre uma visão do mundo em
transformação, sendo, inevitavelmente, política, ao apresentar os meios de realizar essa
transformação, devendo a arte educar, informar, organizar, influenciar, incitar, atuar,
conforme o poeta cômico Aristófanes, para quem a arte não é só fonte de prazer e gozo,
devendo o comediógrafo, por exemplo, ser um professor de moral e um conselheiro político.
(BOAL, 2013, p. 30)
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Deste modo, a proposta por uma educação jurídica que tenha por escopo a libertação
da mente deve buscar, por meio do diálogo, promover a visão crítica frente à realidade dos
oprimidos, para que estes saiam do seu estado de alienação.
Neste viés, explana FREIRE (1979, p. 91), que “o papel fundamental dos que estão
comprometidos numa ação cultural para a conscientização não é propriamente falar sobre
como construir a ideia libertadora, mas convidar os homens a captar com seu espírito a
verdade de sua própria realidade”.
Nessa perspectiva, tendo por base pressupostos semelhantes aos de Paulo Freire,
Augusto Boal desenvolveu uma proposta teatral chamada Teatro do Oprimido, o que lhe
conferiu, em 2009, o título de “embaixador do teatro mundial”, pela UNESCO. Seus métodos
e encenações vêm correndo o mundo desde 1971, quando foi preso e exilado pela ditadura
militar brasileira, porquanto seu “Teatro de Arena”, a partir do fim dos anos 50, acabou por
trazer a política para o centro dos palcos brasileiros, encenando e discutindo os problemas
sociais que até hoje presenciamos, consoante aduz Julián Boal (2013, p. 209).
Augusto Boal critica o teatro tradicional, por acreditar que a atividade teatral seria
uma ferramenta de libertação das classes dominadas. Ele critica essencialmente a divisão
entre atores (aqueles que agem) e os espectadores (aqueles que assistem), entendendo
imprescindível o rompimento com essa estrutura, de modo a possibilitar que o espectador
participe ativamente da realização cênica e possa, nela, defender sua visão de mundo
(TELLES, 2004, p. 23).
Nesse contexto, tendo em vista a necessidade de se aprofundar debates sobre os mais
diversos temas no Direito, a concretização de um projeto de teatro jurídico com a utilização
do “teatro do oprimido” deve ter por fim as discussões relativas aos mais diversos temas
sociais e jurídicos, no fito de buscar soluções justas e mais próximas da realidade, e não ter FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
em conta tão somente as soluções trazidas pelos tribunais ou pelas leis, muitas vezes
formuladas por quem jamais experimentou se deparar com as realidades hipoteticamente
retratadas nos enunciados normativos oficiais.
Portanto, diante da necessidade de aproximação dos estudantes de Direito da
realidade estudada, mister a criação de um processo educativo em que professor e estudante
interagem construindo ideias a partir da exposição de um roteiro teatral, que aborde exemplos
do dia-a-dia, para se chegar à resolução de problemas práticos.
Faz-se mister asseverar a função dessa aproximação entre Direito e Teatro para o
processo de formação do próprio docente, porquanto muitas vezes este não se insere no
processo de reflexão dos institutos jurídicos que apresenta aos alunos, deixando de lhes passar
104
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uma visão crítica sobre eles, de maneira que a discussão contínua a respeito dos pontos
abordados, bem assim através da arte dramática, que questiona e provoca um espelho da
sociedade, é capaz de contribuir para a formação de docentes mais comprometidos com a
libertação do estudante.
Segundo Paulo Freire, um dos princípios norteadores da reflexão é a ideia de “quem
ensina, aprende ao ensinar” (FREIRE, 1997), de maneira que a construção da identidade
docente é compreendida como resultante da relação estabelecida entre o professor e o aluno, e
o espaço pedagógico como possibilidade de construção de uma relação na qual os
participantes constituem suas identidades pelo trabalho coletivo, pela aceitação do outro, pelo
compartilhamento do conhecimento e pela reflexão teórica indissociada da prática (SANTOS,
2012, p. 137).
Portanto, essencial que se concretize essa ideia a partir de oficinas e jogos teatrais
que aproximem a teoria da prática, proporcionando uma experiência o mais próximo das
necessárias habilidades do profissional e cidadão atual.
Partindo dessa premissa, essencial será o estudo das obras de Shakespeare, que muito
retratou, em suas obras, assuntos relacionados à tradição jurídica que até hoje prepondera em
nosso sistema, consoante assevera José Garcez Ghirardi, para quem Shakespeare foi se
tornando ainda mais atual ao longo dos tempos, porque lidamos com problemas muito
parecidos com os abordados na sua obra. Segundo Garcez (2014, p. da internet),
Temos uma estrutura do cotidiano, ou seja, a vida material tem uma lógica e as
estruturas simbólicas que temos para entender o cotidiano, tem outra. Um exemplo,
para que isso fique mais claro: as moças hoje entendem o casamento de uma
maneira muito diferente do que suas avós entendiam. Quase nenhuma menina hoje
pensa sobre o casamento da mesma forma como a avó pensava, há 70 anos.
José Garcez continua sua análise apontando para o fato de que atualmente, apesar de
vivermos em um mundo pós-moderno, pelo menos em nossas relações subjetivas, as nossas
instituições, notadamente o Direito, ainda se comportam como no mundo moderno, porquanto
não acompanharam as relações e as formas de produzir do mundo contemporâneo, criando
105
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conflitos simbólicos que são muito bem retratados por Shakespeare, em sua obra. Aduz
Garcez que:
Acredito que nosso tempo goste muito daquelas peças em que Shakespeare discute
as dificuldades de se criar uma nova subjetividade, que seria uma subjetividade
moderna, dentro de uma antiga forma simbólica, nesse caso, uma forma simbólica
medieval. Porque tentamos criar uma subjetividade pós-moderna em um mundo que
é ainda institucionalmente moderno, por isso tudo nos parece falso, as estruturas da
política, da família, das religiões, da escola, da Justiça, tudo parece um pouco
defasado com a realidade. Era esse também o sentimento dos contemporâneos de
Shakespeare e ele capta isso muito bem.
106
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acredita-se, pode ser capaz de melhorar o rendimento dos alunos e das aulas (RIBEIRO, 2004,
p. 68).
Diante disso, os jogos teatrais devem ser utilizados como um meio ativo de
aprendizagem da linguagem teatral, os quais podem ser entendidos como conjuntos de
exercícios corporais, vocais, gestuais, plásticos e ficcionais necessários à preparação e
formação do ator, capazes de oferecer condições para o exercício consciente e eficaz, para a
aquisição e ordenação progressiva da linguagem dramática (BRASIL, 1997: 84).
Outrossim, pode-se mencionar a experiência empírica de oficina desenvolvida no
Departamento de Arte Dramática do Instituto de Artes da UFRGS, intitulada “Professor de
teatro e construção de conhecimento”, a qual, tendo por base o desenvolvimento da
expressividade vocal dos participantes, chegou à conclusão de que o trabalho coletivo, quando
opta por envolver a corporeidade como um todo, evidencia a necessidade de exposição
individual e, por conseguinte, potencializa o relacionamento de grupo (SANTOS, 2012, p.
136).
Deste modo, segundo reporta a pesquisadora Vera Lúcia Bertoni dos Santos, na
mencionada experiência, a ação docente junto aos participantes da oficina, no que tange à
construção de um ambiente propício à prática do teatro, foi capaz de enfatizar o papel da
espontaneidade e da cooperação no trabalho de expressão vocal como aspectos inerentes do
processo de iniciação teatral (SANTOS, 2012, p. 136-137), porquanto a cooperação e
interação entre os participantes foram essenciais para a construção de um grupo coeso e hábil
a tomar decisões harmônicas, a despeito de eventuais discordâncias individuais em seu corpo,
o que demonstra a eficiência da oficina teatral e o trabalho em equipe na tomada de decisões
visando o coletivo e não apenas aspectos formais individuais que se encontram nas entrelinhas
do enunciado normativo jurídico. FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
Destarte, a oficina teatral, como proposta central a ser desenvolvida dentro do projeto
de extensão ora proposto, caracteriza-se como uma ação pedagógica ativista, onde o
professor/oficineiro direciona as atividades de forma a estabelecer um exercício dialético
entre o seu conhecimento e o que os participantes trazem de seu universo sócio-cultural
(TELLES, 2004, p. 26), de modo que esse seria o espaço e o momento de experimentar,
refletir e elaborar soluções para as mais diversas proposições e situações sócio-jurídicas,
estimulando os participantes a se inserirem na comunidade em que vivem, sendo a vivência da
atividade artística responsável pela ampliação de suas capacidades expressivas e consciência
de grupo.
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crítico da realidade, verificar em que medida o Direito pode ter a sua dimensão artístico
dramática, para, enfim, desfrutar de uma formação mais adequada dos estudantes às
necessidades do mundo contemporâneo.
Acredita-se, assim, que procedimentos pedagógicos embasados nos conceitos teatrais
contemporâneos, que respeitem as vivências culturais dos alunos, possibilitem apresentações
teatrais carregadas de teatralidade e significação, onde ator e plateia estejam envolvidos, o
público seja atraído com o olhar preso, concentrado, divertindo-se (FERREIRA, 2001, p.
150), sejam capazes de proporcionar a transformação da educação jurídica, e, porque não
ousadamente afirmar, do próprio Direito.
4 CONCLUSÃO
social.
Deve-se estimular uma formação jurídica que prestigie o diferencial para estes
futuros profissionais. Memorizar fórmulas jurídicas e efetuar subsunções não representa um
diferencial para o profissional do Direito, pois não há nem mesmo necessidade de graduação
em Direito para fazê-lo; basta adquirir a legislação compilada nos chamados vade-mécuns
para tanto. Este exercício não é capaz de identificar o domínio da ciência jurídica. A tarefa
interpretativa, que representa, em verdade, o mister do profissional do Direito, requer muito
mais.
Por isso, é essencial um ensino jurídico que preze não pelo ensino técnico, mas por
um “ratio-ensino” (que treine o “raciocínio”), fazendo com que o próprio graduando descubra
109
FIDΣS
REFERÊNCIAS
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Janeiro, v.159, ano 52, p.449-459, maio/jun. 1955.
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GARCEZ, José Ghirardi. Shakespeare nos ajuda a compreender o que vivemos hoje.
Consultor Jurídico. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-mai-03/shakespeare-
ajuda-compreender-vivenciamos-hoje-jose-ghirardi>. Acesso em: 19 out. 2014. FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
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MELO FILHO, Álvaro. Por uma revolução no ensino jurídico. Revista Forense, Rio de
Janeiro, v. 322, ano 89, p. 9-15, abr./mai./jun., 1993. p. 09.
SANTOS, Vera Lúcia Bertoni dos. Reflexos da Experiência. In: SPRITZER, Mirna (org.);
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TELLES, Narciso. Teatro Comunitário: Ensino do Teatro e Cidadania. In: MACHADO, Irley
et al. Teatro: ensino, teoria e prática. Uberlândia: EDUFU, 2004. p. 19-28.
ABSTRACT
The teaching of law in Brazil nowadays colleges, In view of the roots
of his formation, is not enough to prepare the bachelor to face the
contemporary daily challenges, being essential the inclusion of
dramatic art as a method of transforming legal education, given
the close relationship between law and theater.
Keywords: Legal education. Theater. Dramatic art. Transformation.
112
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*
Especialista em Direito, lato sensu. Professora Substituta da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
junto ao Departamento de Direito Público. Advogada.
113
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conceito de família, reconhecendo novos arranjos familiares até então não tutelados
juridicamente, formados na informalidade, na uniparentalidade e, sobretudo, com base no
afeto.
Surgem, assim, as chamadas famílias plurais, entidades formadas não só a partir do
casamento, mas da união estável entre homem e mulher, e também da comunidade formada
por qualquer dos pais e seus descendentes (art. 226, §§ 1º, 3º e 4º, da Constituição Federal).
Vê-se, assim, que o legislador constituinte deslocou o enfoque principal da família
do instituto do casamento e passou a olhar com mais atenção para as relações de pessoas que
se unem por vínculos sanguíneos ou de afeto 1.
Além dos mosaicos familiares esculpidos pela Carta Magna, há outros conceitos de
família que foram construídos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei nº 8.069, de
1990, a saber: a família natural, comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus
descendentes (art. 25); família extensa ou ampliada, aquela que se estende para além da
unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a
criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade (parágrafo único
do art. 25, acrescido pela Lei nº 12.010, de 2009 – Nova Lei de Adoção); e família substituta,
compreendida como aquela que se forma a partir da impossibilidade, mesmo que transitória,
de a criança ou adolescente permanecer junto à sua família natural, e que se apresenta sob três
formas ou espécies: guarda, tutela e adoção (art. 28)2.
E a evolução conceitual da unidade familiar não esbarrou nos formatos acima
elencados.
Partindo-se das premissas que o afeto é o vínculo aglutinador mais relevante dos
núcleos familiares atuais e que o direito de constituir uma família é um consectário da
dignidade da pessoa humana, a jurisprudência pátria vem reconhecendo também como FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
entidade familiar o relacionamento afetivo estável formado por pessoas do mesmo sexo3, o
que reflete um pensamento de vanguarda dos nossos tribunais, perfeitamente em sintonia com
a evolução das relações sociais e com a mais acertada interpretação constitucional.
Além destas, há outras modalidades famílias que vem ganhando reconhecimento
doutrinário e jurisprudencial, como é o caso da família anaparental, expressão da doutrina de
1
MACIEL, Kátia Regina Maciel Ferreira de Lobo Andrade (coordenação). Curso de Direito da Criança e do
Adolescente: aspectos teóricos e práticos. 6. Ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 123-124.
2
ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo; SANCHES, Rogério. Estatuto da Criança e do
Adolescente comentado: Lei nº 8.069/1990. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2013, p. 179.
3
STF: ADI 4.277, ADPF 132/2011; STJ: REsp 889852/RS, de 2010, REsp 930460/PR, de 2011, REsp 1281093/
SP, de 2012 etc.
114
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Sérgio Resende de Barros4, que consiste na família formada por descendentes privados por
ambos os pais. Em outras palavras, é a família formada por grupo de irmãos sem ascendente.
Segundo o referido autor, o que define o núcleo familiar estável não é o estado civil
de seus componentes e, sim, o ânimo subjetivo de formarem uma unidade familiar, a
congruência de interesses e, sobretudo, o afeto, o amor que os une num só propósito.
Num primeiro momento se poderia até pensar que não há nada de inovador em
reconhecer que dois ou mais irmãos formam uma entidade familiar, basta-se imaginar os
diversos agrupamentos familiares dessa natureza espalhados pelo Brasil. Todavia, o que
merece destaque é que a família anaparental vem sendo reconhecida como modalidade
familiar estável, atribuindo a seus membros (irmãos entre si) a legitimidade para pleitearem
adoção de crianças e adolescentes conjuntamente, o que até então só era possível a casais
casados civilmente ou companheiros.
Para bem compreender a novidade faz-se necessária uma breve digressão acerca da
disciplina legal da adoção no Brasil nos últimos tempos.
Com o advento da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do
Adolescente, havia dois regramentos da adoção: a) a adoção de crianças e adolescentes, regida
pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, através de processo judicial; e b) adoção de
pessoas maiores de 18 (dezoito) anos, regida pelo Código Civil de 1916, via escritura pública.
Com a promulgação do Código Civil de 2002, estabeleceu-se que a adoção, seja ela de
criança, adolescentes ou adultos, somente poderia dar-se através da intervenção do Poder
Judiciário, ou seja, abolia-se a possibilidade da adoção ser feita por meio de escritura pública.
Ocorre que o Novo Código Civil trouxe um capítulo específico (Capítulo IV, do
Subtítulo II) sobre a adoção, repetindo, inclusive, vários artigos do ECA. Com isso, os
processos de adoção no Brasil passaram a ser regidos por esses dois diplomas normativos, o FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
que gerava uma certa dificuldade de compreensão por parte dos operadores do direito.
Em 2009 é promulgada a Lei nº 12.010 – A nova Lei de Adoção, que além de
implementar diversas modificações no texto do Estatuto da Crianças e do Adolescente no que
se refere ao direito à convivência familiar, revogou o capítulo do Código Civil de 2002 que
cuidava da adoção, restando apenas o art. 1.618 e ao artigo 1.619.
Aquele dispondo que a adoção de crianças e adolescentes será disciplinada pelas
regras estatutárias, e este, determinando que a adoção de pessoas maiores de 18 (dezoito) anos
4
BARROS, Sérgio Resende de. In: V Congresso Brasileiro de Direito de Família, 2006. A tutela
constitucional do afeto. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 921.
115
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Pontua, também, que o comando legal buscou assegurar ao adotando a sua inserção
em núcleo familiar estável, onde pudesse desenvolver relações de afeto, aprender e apreender
valores, e obter amparo nas horas de dificuldades, mas aduz que “o conceito de núcleo estável
não pode ficar restrito às fórmulas clássicas de família, mas pode, e deve, ser ampliado para
abarcar a noção plena de família, apreendida em suas bases sociológicas”.
Para a relatora, o que constrói e define um núcleo familiar estável é a existência de
elementos subjetivos que são extraídos da existência de laços afetivos, elementos
perfeitamente observados na família anaparental do caso retratado no acórdão, vez que os
irmãos adotantes, que viveram sob o mesmo teto até a morte de um deles, se comportavam
116
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como família que eram, tanto entre si, como em relação ao infante, que com já eles convivia
há período razoável de tempo.
Por fim, reconheceu como válida a adoção de criança promovida conjuntamente por
irmãos, vez que considera exemplificativas as hipóteses de adoção conjunta prevista no art. 42
do ECA.
Percebe-se que o acórdão reflete uma interpretação pautada nos fins sociais
orientadores do ECA (art. 6º): o melhor interesse da criança e a sua proteção integral.
Negar o reconhecimento da família anaparental como núcleo familiar estável e apto a
adotar apenas por não se enquadrar nos arranjos familiares tradicionais descritos no comando
legal resultaria numa exegese fria do texto legal, totalmente descompassada da evolução das
relações sociais que permeiam o direto de família e o direito infancista, cujo elemento
aglutinador primordial é o afeto, é o amor!
Pondere-se, por pertinente, que a adoção conjunta por irmãos deve ser deferida, a
nosso ver, apenas quando os irmãos postulantes vivam sob os moldes de entidade familiar
estável, formando um núcleo afetivo hábil a recepcionar a criança adotada como filho em
comum e propiciar-lhe um desenvolvimento saudável e feliz. Do contrário, se cada irmão
pleiteante tem uma realidade de vida diversa da do outro, se cada um já constituiu sua própria
família ou se não possuem condições socioafetivas de se comportarem como pais adotivos da
criança ou adolescente a ser adotado, deve o pleito adotivo ser indeferido.
Por fim, vê-se que o fundamento estruturante da repersonalização dos modelos
familiares5 reside, atualmente, no afeto, na afetividade, e sendo a família anaparental uma
nova expressão dessa nova feição de família, nada mais coerente que conferir-lhe a
legitimidade para fins de adotar de criança e adolescente, notadamente quando refletir o
melhor interesse desses indivíduos. FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
5
LOBO, Paulo Luiz Netto. A repersonalização das relações de família. Revista Brasileira de Direito de
Família, Porto Alegre, n. 24, p. 135-136, jun./jul., 2004.
117
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RESUMEN
El estudio contiene una profundización metafísica del análisis de la
dinámica jurídica. Para explicarla se aplican los poderosos conceptos
griegos de ser y potencia, con los que los antiguos pudieron resolver el
problema del tiempo y del cambio cósmico. Por eso el artículo
comienza modulando para el derecho estas nociones griegas, de los
cuales resultan los conceptos metafísicos de “ser jurídico” y “potencia
jurídica”, para luego arribar al concepto de “espacio jurídico”. Con
esta triada de nociones se puede, entonces, resolver el tema del
cambio y el tiempo jurídico, como se hace al final del trabajo.
Palabras clave: Metafísica jurídica. Dinámica jurídica. Potencia
jurídica. Espacio jurídico. Cambio jurídico.
1 INTRODUCCIÓN
Profesor de Teoría Fundamental del Derecho de la Universidad de Los Hemisferios (Quito, Ecuador). Este
trabajo se enmarca en el Proyecto Metafísica Jurídica 2014.
118
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importante, Ser y tiempo, destaca la importancia de asociar la noción del ser al tiempo, al
arribar al concepto de Dasein, del “ser-ahí”.
Hay tres aporías griegas fuertemente atadas entre sí, que determinarán la concepción
del mundo que maneje cada filósofo. Son las aporías del ser, del cambio y del tiempo. Los
antiguos filósofos griegos se quedaron maravillados con el movimiento que observaban en la
naturaleza e intentaron explicarlo. Heráclito convirtió al movimiento en el principio de todo y
sin lo que nada se explica. Parménides, por el contrario, con su rígida concepción del ser
único e inmutable, negó el cambio y lo relegó al ámbito de la apariencia: el ser “es”, el no-ser
“no es”, y ambos son incomunicables. Con lo cual, para uno existía un tiempo vertiginoso y
para otro sólo había una apariencia temporal. Aristóteles resolverá las tres aporías al descubrir
el concepto de potencia.
En la presente investigación intentaremos resolver el problema del cambio y del
tiempo jurídico aplicando los conceptos aristotélicos al derecho. Por consiguiente, resulta
necesario explicar primero las nociones de “ser jurídico”, “potencia jurídica” y “cambio
jurídico”, para luego poder enfrentarnos con la cuestión del “tiempo jurídico”.
2 EL SER JURÍDICO
La cuestión del ser jurídico en términos llanos se reduce a dos preguntas: ¿qué es el
derecho? y ¿qué es lo jurídico? Habiendo ya estudiado el tema con detenimiento en otro
lugar1, aquí sólo recogeremos algunas conclusiones.
En primer lugar, hemos de decir que la palabra “derecho” designa varias cosas: la
ley, los contratos, los derechos subjetivos… y lo justo. Esta última noción ha sido la principal FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
y más usada a lo largo de la historia, aunque lingüísticamente tal noción haya desaparecido de
varios idiomas en la modernidad. No obstante, bajo la concepción del derecho como dikaione
o res iusta se configuró todo el derecho antiguo y todo el derecho medieval. Según
Aristóteles, Tomás de Aquino y muchos otros, el derecho en su primera acepción es “lo
igual”: hay que pagar “lo justo”, ni más, ni menos, porque eso es el derecho del acreedor.
El derecho sólo subsiste en la relación jurídica. No es necesaria una populosa
sociedad. Para que exista bastan dos sujetos, relacionados entre sí frente a una cosa (bien
jurídico), donde uno es el acreedor y otro el deudor de esa cosa. La relación jurídica requiere
1
Cfr. RIOFRÍO MARTÍNEZ-VILLALBA, Juan Carlos. Noción de derecho en la Metafísica Tomista.
Cuadernos Electrónicos de Filosofía del Derecho, n. 26, 2012, págs. 373-407.
119
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que existan materialmente dos sujetos, una cosa y el entorno; entre ellos han de trabarse una
relaciones ontológicas (v. gr. la relación entre acreedor y deudor, entre sujeto y cosa, entre
sujetos y entorno, entre cosa y entorno). Una de esas relaciones ontológicas es el derecho:
aquella relación por la cual la cosa es debida al acreedor2. Otra será el vínculo jurídico que
une a los sujetos. Todo esto expresado puede ser expresado en la siguiente gráfica:
“Derecho” y “jurídico” no son lo mismo, aunque a veces se los use como términos
equivalentes. Todo lo relacionado con el derecho puede ser considerado “jurídico” — quizá
en sentido análogo —, pero no todo lo jurídico es derecho. Son jurídicos, por ejemplo, los
elementos materiales de la relación jurídica (sujetos del derecho, bien jurídico, entorno
jurídico), el título del derecho, y las fuentes del derecho (v. gr. la ley, la costumbre, la
doctrina, la jurisprudencia, etc.). Pero no cabe decir que los sujetos “sean derecho”, ni que la
2
Hervada la llama relación de suidad. Cfr. HERVADA XIBERTA, Javier. Lecciones propedéuticas de
filosofía del derecho. Pamplona: Eunsa, 2000, pág. 232.
120
FIDΣS
La idea de que el “ser jurídico” puede estar en potencia de “ser algo más” resulta
evidente a los metafísicos, no así a los juristas, a quienes suele llamar mucho la atención. En
el mundo jurídico no es común hablar de potencia jurídica y por eso hemos de explicarla.
Comenzaremos revisando cuál ha sido el concepto de potencia en la filosofía clásica, para con
estos antecedentes poder luego aplicar el concepto al mundo del derecho.
filosofía: ¿cómo se pasa del no conocer al conocer? La solución dada fue la siguiente: el noús
dormido es capacidad de conocer, potencia (dynamis, capacidad, aptitud); puede alcanzar
algo, pero todavía no se actúa. El noús es capaz de conocer la esencia, pero de entrada, como
pura capacidad, no la conoce. Cuando conoce lo inteligible, el noús está en acto. Estos
conceptos de acto y potencia son originarios del Estagirita y se encontraron como solución a
la mencionada aporía del Teetetos.
Dicho lo anterior, hay que tener en cuenta que en Aristóteles las nociones de potencia
y acto no tienen un sentido unívoco, sino que pueden aplicarse a dos realidades distintas.
3
POLO BARRENA, Leonardo. Introducción a la filosofía. Pamplona: Eunsa, 1995, pág. 45. Seguiremos a este
autor en su explicación de los conceptos de acto y potencia en Aristóteles.
121
FIDΣS
Comencemos hablando del acto. Acto es una palabra latina en la que se vierten dos palabras
griegas diferentes: enérgeia (energía) y entelécheia (en castellano entelequia). La enérgeia es
la solución del problema de la relación mente-verdad, y representa el acto del noús en cuanto
posee la verdad; por eso la enérgeia aparece más temprano y se usa con mayor frecuencia en
el Corpus Aristotelicum. En cambio, la entelécheia es la solución al problema de la realidad
en sí: se trata de la realidad considerada como ousía (sustancia), como verdadera en sí misma,
al margen de cualquier noús. Una cosa es el conocimiento en acto y otra la realidad en acto.
Correlativamente, han de admitirse dos nociones de potencia, porque la potencia se
dice del acto. Una es la potencia que puede corresponder a la ousía (la potencia de la
entelécheia), y otra la potencia entendida como potencia de enérgeia (el noús dormido).
El par acto-potencia explican cabalmente el universo, que no es puro acto
(Parménides), ni puro cambio (Heráclito), sino que presenta una mezcla o alternancia entre
potencia y acto. El acto y la potencia aparecen tanto en los seres físicos, como en los vivos
corpóreos. En estricto aristotelismo, la teoría de las causas basada en estos conceptos explica
el universo y los entes intramundanos (los physei ónta). Justamente por eso la física de
Aristóteles es la ciencia del ente móvil, pues la movilidad comporta potencia. La psicología
aristotélica es la ciencia de algo superior a lo meramente móvil, aunque se ha de seguir
explicando de un modo causal y admitiendo el sentido causal al que, ante todo, hay que
adscribir la potencialidad: la causa material. En cambio, lo intelectual como acto no es causa
predicamental. Tampoco lo es Dios, que es puro acto.
Polo observa que la teoría de las causas de Aristóteles llegó a tener tal importancia
que quiso formularse con ella la teoría del intelecto, aunque ello no corresponda
adecuadamente al aristotelismo4. Ahora bien, resulta indiscutible el paralelismo que hay entre
los conceptos enérgeia-entelécheia, y entre sus respectivas potencias. En el fondo, en el noús FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
4
Cfr. POLO BARRENA, Leonardo. Introducción a la filosofía. Pamplona: Eunsa, 1995, págs. 90 y ss.
122
FIDΣS
movimiento en el principio de todo y sin lo que nada se explica. Parménides, con su rígida
concepción del ser único e inmutable, negó el cambio y lo relegó al ámbito de la apariencia: el
ser “es”, el no-ser “no es”, y ambos son incomunicables5. Aristóteles puso la vía media entre
los dos filósofos al percatarse de que en el cambio no se da una novedad absoluta, porque en
todo cambio hay algo que pasa de un estado determinado a otro relativo a ese primer estado,
como el agua que pasa de fría a caliente. El Estagirita lo ejemplificaba diciendo que ni un
animal, ni un infante saben resolver problemas matemáticos, pero el animal jamás lo hará,
mientras el niño puede aprender; un retazo de madera no es una estatua, pero tiene la
capacidad de serlo si cae en las manos de un artista, lo que nunca sucederá con el aire o con el
agua.
Entre el “ser” y el “no-ser” está la “capacidad de ser”. La potencia es la capacidad
real de tener una determinada perfección; no es una mera privación de algo. Por eso, como
dice el Aquinate, “la potencia se dice por relación al acto”6, pues la capacidad de ser refiere a
un ser o acto determinado. Un niño está en potencia de ser un gran arquitecto, no un asteroide;
la vista es una potencia que está en capacidad de percibir imágenes, no sonidos; la inteligencia
y la voluntad son a su vez potencias supremas porque están en capacidad de tener todo de
forma intencional (no de forma real). Lo que no está en potencia de ser algo, nunca podrá
llegar a serlo; en cambio, lo que está en potencia no es, pero puede serlo.
El ser y la potencia son dos coprincipios del ente móvil y, en general, de todo ser no
subsistente.
3.2.1 Noción de potencia jurídica FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
5
PARMÉNIDES DE ELEA. Sobre la naturaleza. Trad. de J. Solana Dueso [en De Logos a Physis. Estudio
sobre el Poema de Parménides]. Zaragoza: Mira Editores, 2006, 28 B8.
6
AQUINO, Tomás de. De Potentia. Roma: (s.e.), 1259-1268, q. 1, a. 1.
123
FIDΣS
relacionado, Robinson Crusoe: mientras no desembarcó Viernes en su isla, éste ser solitario
no fue sujeto de derecho. Tampoco lo serán las cosas desconocidas sobre las que el ser
humano carece de dominio, como los astros desconocidos.
La potencia jurídica es la capacidad de entrar en una determinada relación jurídica
tanto como elemento intrínseco de la misma, como causa de los elementos formales de tal
relación. Lo jurídico potencial comprende el conjunto de posibilidades justas que se abren en
una determinada realidad. Si algo o alguien puede formar parte de una relación jurídica,
entonces tendrá una potencialidad jurídica. Un transeúnte está en “potencia jurídica” de ser
consumidor hasta el momento en que compre la pizza que le ofrecen; con la compra dejará de
estar en mera potencia de ser consumidor y obtendrá un “ser jurídico” específico. Igual sucede
con las cosas. Una piedra tirada en el camino está en “potencia jurídica” de pertenecer a
alguien hasta cuando efectivamente sea poseída por un hombre y exista un tercero que deba
respetar tal posesión.
El término “potencia jurídica” puede aludir a un determinado efecto jurídico
potencial (v. gr. el dueño de una casa puede venderla), pero también puede incluir todos los
efectos posibles (v. gr. la casa puede ser vendida, alquilada, destruida, remodelada, etc.). En
sentido lato, la potencia jurídica también incluye la capacidad de dejar de formar parte de una
relación jurídica.
7
Cfr. HUME, David. Tratado de la naturaleza humana. Trad. de Félix Duque. Madrid: Tecnos, 1988, págs.
633-634 (libro III, parte I, sección 1).
124
FIDΣS
deber ser8: del ser de las cosas no se deriva su deber ser, es imposible deducir proposiciones
normativas a partir de proposiciones fácticas.
Varios autores han dedicado significativos esfuerzos a falsear esta “falacia”, desde
múltiples flancos9. Aquí proponemos un argumento ontológico basado en la noción de ser,
potencia, cambio y causa final. En el fondo, estamos ante la misma disputa sobre el cambio
surgida entre Parménides y Heráclito, que no se pudo resolver hasta que la filosofía antigua
no arribó al concepto de potencia.
Es evidente que las cosas de la naturaleza que son (que tienen ser actual), cuando
interviene una causa suficiente terminan cambiando, terminan recibiendo un nuevo ser. La
potencia nos señala lo que la cosa puede ser, mientras la causa nos señala lo que la cosa debe
ser en el futuro. Nos consta que pueden cambiar tanto las cosas, como las relaciones de las
personas (v. gr. las relaciones de amistad, las relaciones políticas o las relaciones jurídicas).
Las cosas corporales se mueven con necesidad hacia los “fines” que le marcan sus potencias:
la piedra caerá indefectiblemente a 9,78 m/s2 en la línea ecuatorial. No sucede lo mismo con
el ser humano, pues está en sus manos buscar conocer con su inteligencia esos “fines”
marcados por las potencias de su naturaleza, para luego lanzarse libremente hacia ellos. El
mero conocimiento de los fines es un conocimiento teórico, fruto de un razonamiento que
juega con juicios descriptivos; cuando ya el intelecto descubre el fin de las potencias humanas
y busca cómo alcanzarlo, entonces pasa a elaborar un razonamiento práctico donde cunden los
juicios prescriptivos y concluye lo que se debe hacer para alcanzar el fin.
Si no se quiere reducir el derecho a un mundo de sueños y deseos, habría que decir
que “sin ser no hay deber ser”: el deber ser sólo puede deducirse de la potencialidad de las
cosas que son. Aplicado esto al conocimiento racional, que es espejo de la realidad, tenemos
que: sin conocer las cosas no se pueden conocer sus fines, ni menos la forma de alcanzarlos, FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
4 EL ESPACIO JURÍDICO
Los conceptos de ser jurídico y potencia jurídica nos llevan de la mano al concepto
de espacio jurídico, que a continuación abordamos.
8
Cfr. KELSEN, Hans. La teoría pura del derecho. Trad. de Roberto Vernengo. México: UNAM, 1982, págs.
19-21.
9
Cfr. MASSINI CORREAS, Carlos I. La falacia de la falacia naturalista. Mendoza: Edium, 1995;
HERVADA XIBERTA, Javier. Bases críticas para la construcción de la ciencia del derecho eclesiástico.
Anuario de Derecho Eclesiástico del Estado, n. 3, 1987, págs. 25-37; FINNIS, John. Ley natural y derechos
naturales. Trad. de Cristóbal Orrego. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2000, págs. 66 y ss.
125
FIDΣS
Ulpiano definió la jurisprudencia como iusti atque iniusti scientia (Digesto, 1.1.10).
En realidad lo que más le interesa al jurista es conocer cuál es el campo de lo justo; el
conocimiento de lo injusto también le servirá, pues es algo útil para delimitar el campo de lo
justo o para deducir cómo ha de actuarse en justicia ante la conducta antijurídica. En todo
caso, parafraseando a Ulpiano, podríamos decir que la jurisprudencia es la ciencia que estudia
el conjunto de cosas justas y el de cosas injustas.
El espacio jurídico se refiere al conjunto de cosas justas, mientras el espacio
antijurídico alude al conjunto de cosas injustas. El primero comprende el conjunto de
posibilidades justas que se dan o pueden darse en una realidad, o, dicho en términos más
metafísicos, es el resultado de sumar el ser jurídico más su potencia jurídica. Todo lo que está
dentro del espacio jurídico es “jurídico”.
Más allá del espacio jurídico está el espacio antijurídico. El concepto de
“antijuricidad” fue delineado por Ihering, quien partió de unos postulados similares a los aquí
expuestos. Ihering entiende el derecho como resultado una lucha (que es el medio) destinada a
alcanzar la paz social (que es el fin)10; las actuaciones humanas que perturban la paz social,
que dañan los bienes jurídicos y atentan contra los intereses protegidos en el ordenamiento,
han de tenerse como “antijurídicas”11. Ihering entiende lo antijurídico como aquella conducta
contraria al ordenamiento jurídico, entendido este en términos bastantes positivistas. Nosotros
entendemos lo antijurídico más ampliamente, como aquello contrario a la res iusta, al
derecho-ley, al derecho subjetivo y al concepto lato de ordenamiento jurídico.
También podríamos hablar de la existencia de un tercer espacio: el espacio a- FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
jurídico, que comprendería el conjunto de cosas para nada relacionadas con el derecho.
Llenan este espacio: los ángeles en el cielo, las almas del purgatorio, los demonios del
infierno, las normas de etiqueta, los sueños de una noche, lo absolutamente irracional falto de
toda cordura, y, en general, todo ente real o ideal que carece de significación para el derecho.
A diferencia de las acciones justas e injustas, lo a-jurídico no genera ningún efecto jurídico.
10
Cfr. IHERING, Rudolf. La lucha por el derecho. Trad. de Adolfo González. Buenos Aires: Valletta
Ediciones, 2004, cap. I.
11
IHERING, Rudolf. Das Schuldmoment im romischen Privatrecht, Festschrift für Etnil. Roth: Giefíen,
1867, VI-68. Este autor tiene el mérito de haber deslindado el elemento de antijuricidad de la noción de culpa, lo
que representó un avance para la ciencia penal.
126
FIDΣS
Las normas jurídicas suelen dejar entre sus letras amplios espacios jurídicos
potenciales cuando utilizan conceptos jurídicos indeterminados, cuando no mencionan todos
los presupuestos (vacío legal), o cuando son normas abiertas o permisivas. Esos espacios
jurídicos potenciales serán llenados o concretados por la doctrina, por la práctica, por la
jurisprudencia, por alguna norma inferior o por otro género de fuentes del derecho.
12
Tomás de Aquino afirma que “es posible que haya una multitud infinita en potencia” (Suma Teológica, I, q. 7,
a. 4, sol.). Sin embargo, también admite que esa infinitud potencial puede ser reducida a los géneros o especies
que dan orden a nuestro conocimiento (Suma Teológica, I-II, q. 60, a. 1, ad 3).
127
FIDΣS
Por derivación, el espacio jurídico admite las clasificaciones que se han hecho a sus
componentes (el ser jurídico y la potencia jurídica). En especial nos interesa la distinción que
hicimos entre “potencia jurídica absoluta” que es omnicomprensiva de todas las opciones
justas, y la “potencia jurídica relativa” que está más relacionada con el ser actual del hoy y
ahora. Las restricciones de la potencia jurídica relativa se plasmarán en el espacio jurídico
relativo, que será siempre más reducido que el espacio jurídico absoluto.
El espacio jurídico absoluto engloba todo género de posibilidades (las posibilidades
actuales que se están dando, las próximas y las lejanas), mientras el espacio jurídico relativo
comprende sólo las posibilidades actuales e inmediatas, aquellas que están pegadas a la línea
de frontera del ser jurídico. Un adolescente puede plantearse ser presidente de la clase o
presidente de la República: ser presidente de la clase está dentro de sus posibilidades
inmediatas (por esto forma parte del espacio jurídico relativo a su edad), no así serlo de la
República (que, como posibilidad lejana, solo forma parte del espacio jurídico absoluto).
Todo esto podría graficarse del siguiente modo:
128
FIDΣS
del espacio jurídico de las cosas de la relación jurídica: un secreto puede ser cuatro cosas:
algo protegido por la ley, un derecho de una persona, una obligación de guardarlo o algo
prohibido por la autoridad. Otro objeto del derecho son los lugares. Su espacio jurídico
dependerá de muchos factores: en las oficinas públicas regirá un régimen jurídico distinto que
en los hogares o en la vía pública. También las fuentes del derecho tienen su espacio jurídico:
el poder constituyente originario tendrá un espacio jurídico más amplio que el del poder
legislativo, y este seguramente lo tendrá mayor que el de la administración pública.
Varios de los conceptos jurídicos indeterminados que aparecen en las leyes, junto a
muchas normas abiertas o permisivas, lo que en el fondo hacen es abrir un espacio jurídico de
libertad, más o menos amplio, a sus destinatarios.
El concepto aquí delineado puede ayudar a definir de mejor forma algunas figuras
jurídicas como la potestad constitucional, la jurisdicción o la competencia procesal. Los tres
conceptos comportan un espacio jurídico distinto. El más amplio es el de la potestad, que se
reduce cuando se habla de potestad de jurisdicción (o judicial). La competencia procesal es el
espacio jurídico concreto que tiene un sujeto del ordenamiento jurídico para ejercer la
potestad judicial.
5 EL CAMBIO JURÍDICO
13
ARISTÓTELES. Metafísica. Trad. de V. García Yebra. Madrid: Gredos, 2012, VII, 7 1032a14-15.
14
Sujeto en sentido filosófico, no jurídico.
129
FIDΣS
son relacionadas por él, mientras el intelecto valora las cosas, extrae su medida y la relaciona.
Una vez valoradas y relacionadas las cosas, entonces ha nacido el derecho: las cosas se
convierten en objetos del derecho y las personas en sujetos del derecho.
(ii) Una vez trabada la relación jurídica, sus fundamentos ―cualquiera que fuera―
pueden cambiar y trastocar lo que antes se consideraba fijo. Las cosas se pueden corromper,
dañar, trasladarse, alterarse, disminuirse, o por el contrario, acrecentarse, dar frutos, madurar,
mejorarse. Las personas pueden actuar de diversas maneras: valorando mejor las cosas que
antes habían valorado mal, o decidiendo dar un destino diferente a las cosas, como cuando se
intentar cumplir la obligación pactada de un modo menos oneroso con la anuencia del
130
FIDΣS
acreedor… Si los elementos de la relación jurídica cambian, la misma relación jurídica y sus
relaciones internas se alterarán.
(iii) Finalmente, la relación jurídica puede extinguirse por una corrupción total de
cualquiera de sus elementos, como la muerte de la persona o la desaparición de la cosa. Un
efecto similar lo tiene el pago que salda las obligaciones adeudadas, dejando insubsistente la
relación de débito y la inicial relación jurídica. El pago no es sino el ajustamiento producido
en la realidad, que reproduce el ajustamiento que antes se ha producido en el intelecto. En
cualquier caso, las cosas y sujetos restantes probablemente pasarán a formar parte de una
nueva relación jurídica.
De lo anterior deducimos que cuando el derecho aún no se ha formado, los “sujetos
del cambio jurídico” son pre-jurídicos o jurídico-potenciales. Por el contrario, cuando el
derecho ya existe, los “sujetos del cambio” (cambio de alteración o de extinción) serán
jurídicos.
6 EL TIEMPO JURÍDICO
El tiempo ha sido definido de diversas maneras. Muchos filósofos hablan del tiempo
considerándolo principalmente en su medida física, que sólo aplica al universo material. Otros
adoptan una noción más amplia. Bergson, por ejemplo, distingue dos modos diferentes de
durar los seres, dos distintas temporalidades: el tiempo numerado, que está mezclado con el
15
ARISTÓTELES. Física. Trad. de G. Rodríguez de Echandía. Madrid: Gredos, 1995, IV, II 220a. El Aquinate
repetirá que “el tiempo no es otra cosa que el número de lo anterior y de lo posterior en el movimiento” (Suma
Teológica, I, q. 66, a. 4, ad 3).
131
FIDΣS
(tiempo para que se trabe la relación de titularidad, tiempo para que se trabe la relación de
debido, tiempo para que se pueda pagar). Además, el tiempo es necesario para que se
constituya la relación jurídica, para que subsista y para que termine.
Las cosas se deben dar en el tiempo apropiado. Los retrasos y los adelantos pueden
generar daños o beneficios, que transmutan la relación jurídica. Surgiría ahí una nueva
relación de justicia, en parte fundamentada por la anterior relación, en parte fundamentada por
una causa eficiente externa.
16
D’AGOSTINO, Francesco. Filosofía del derecho. Trad. de José Rodríguez Iturbe. Bogotá: Temis, 2007, pág.
85
132
FIDΣS
sin los límites del alquiler; si optó por una sociedad de personas, se obligará a través de ella de
forma personal; si se endeudó ahora debe pagar… Su situación y su espacio jurídico relativo
han cambiado.
Lo expresado podría graficarse de la siguiente manera:
133
FIDΣS
El gráfico muestra que en todo cambio jurídico hay tres elementos: un ser con una
potencia jurídica, una causa eficiente y un efecto jurídico. Analicémoslos brevemente.
(i) El ser es el que recibe la causa. El “ser” debe ser jurídico actual o potencialmente
(en el gráfico ponemos “ser jurídico” porque presuponemos un cambio jurídico de alteración,
que parte de un ser jurídico y termina en un ser jurídico distinto).
El cambio sólo puede darse en lo que hoy es. Si algo no tiene ser, no puede cambiar.
Por eso, para que la relación jurídica cambie es necesario que cambie lo que en ella tiene ser,
es decir, sus elementos materiales o formales. Cambiará, por ejemplo, si el deudor paga o
muere, si el acreedor condona, si la cosa produce frutos o se extingue, si la causa del derecho
se desvirtúa, etc. Si el dueño de una casa optara por venderla, ya no podrá usarla: la relación
jurídica se trastocará en una nueva relación, que en un principio era solo potencial. Como se
ve, el cambio se da siempre a nivel del ser: lo que era dejó de ser, para ser algo que estaba
solo en potencia. La transmutación del ser jurídico a su vez cambiará la potencia jurídica
relativa.
(ii) La causa eficiente es la que causa el cambio. Para ello debe ser capaz de
17
RIOFRÍO MARTÍNEZ-VILLALBA, Juan Carlos. Las causas metafísicas como fuentes del derecho. Revista
Telemática de Filosofía del Derecho, n. 15, 2012, págs. 259-308.
134
FIDΣS
Metafísicamente el efecto podrá ser tan grande como el ser jurídico anterior y su
causa, pero nunca superior a su sumatoria. Por eso, el legislador no podrá obligar por sobre su
espacio jurídico: tiene los límites que la constitución y la naturaleza de las cosas le fijan.
Si se miran las cosas desde el punto de vista del espacio jurídico absoluto se verá que
lo propio del efecto jurídico es determinar la dimensión jurídica del ser (no crearla de la
nada). Es decir, el cambio jurídico opera por la vía de la determinación del espacio jurídico
natural, conforme a una línea de pensamiento abierta por Tomás de Aquino18.
Cada ente tiene su propio espacio jurídico, su propia forma de cambiar y sus propias
causas del cambio. Algunos ejemplos evidencian esta verdad. Ya hemos hablado de la
persona que proyecta un negocio comercial. Ahí la persona es lo permanente y sus relaciones
jurídicas son lo que varían, por efecto inicial de la voluntad. También puede constarse el
cambio jurídico desde el punto de vista de la cosa repartible: hoy pertenece a fulano, mañana
a mengano; ayer estuvo arrendada, en el presente está prestada; cuando se compró era nueva,
ahora se destrozó. Y el espacio externo o entorno también puede variar: sobre un lugar (v. gr.
tierra firme, fluvial o alta mar) puede haberse asentado en el pasado una monarquía y en
nuestros días una democracia; cabe que sobre ese espacio haya una zona franca o un régimen
de frontera; puede sufrir una inundación o un terremoto, trastocando todas las relaciones
jurídicas que se encuentran dentro de sus límites, etc. En conclusión, la esfera jurídica de las
personas no es igual a la esfera jurídica de las cosas, ni a la esfera jurídica del entorno: cada
elemento jurídico tiene su propio espacio jurídico, su propia manera de cambiar y sus propias
causas del cambio.
18
Cfr. Suma Teológica, I-II, q. 95, a. 2, c. En el artículo señala que “una norma puede derivarse de la ley natural
de dos maneras: bien como una conclusión de sus principios, bien como una determinación de algo
indeterminado o común”. La vía de la conclusión no produce el cambio; la de la determinación sí.
135
FIDΣS
opera la dinámica jurídica, evidenciándonos que ella sólo puede operar dentro de los límites
ontológicos mencionados.
REFERENCIAS
AQUINO, Tomás de. Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino. Trad. al castellano de
AA.VV. Madrid: BAC, 2001.
D’AGOSTINO, Francesco. Filosofía del derecho. Trad. de José Rodríguez Iturbe. Bogotá:
Temis, 2007.
FINNIS, John. Ley natural y derechos naturales. Trad. de Cristóbal Orrego. Buenos Aires:
Abeledo-Perrot, 2000.
HERVADA XIBERTA, Javier. Bases críticas para la construcción de la ciencia del derecho
eclesiástico. Anuario de Derecho Eclesiástico del Estado, n. 3, 1987, págs. 25-37.
HUME, David. Tratado de la naturaleza humana. Trad. de Félix Duque. Madrid: Tecnos,
1988.
136
FIDΣS
______, Rudolf. La lucha por el derecho. Trad. de Adolfo González. Buenos Aires: Valletta
Ediciones, 2004, cap. I.
KELSEN, Hans. La teoría pura del derecho. Trad. de Roberto Vernengo. México: UNAM,
1982.
RIOFRÍO MARTÍNEZ-VILLALBA, Juan Carlos. Las causas metafísicas como fuentes del
derecho. Revista Telemática de Filosofía del Derecho, n. 15, 2012, págs. 259-308.
ABSTRACT
This article contains a metaphysical depth analysis of the legal
dynamics. To explain these dynamics we apply the powerful Greek
concepts of being and potency, with which the ancients were able to
solve the problem of time and cosmic changes. So the article starts
modulating legally these notions Greek, from which we obtain the
metaphysical concepts of “juridical being” and “juridical potency”, to
finally arrive at the concept of “juridical space”. This triad of concepts
137
FIDΣS
is possible, then, to solve the issue of legal change and juridical time,
as is done at the end of work.
Keywords: Metaphysic law. Legal dynamics. Law potency. Juridical
space. Juridical change.
138
FIDΣS
RESUMO
O presente artigo analisa a influência que a tributação internacional
pode ter na livre concorrência do mercado interno, considerando a
importância do Estado, este que deve zelar pelo fiel cumprimento das
normas tributárias internacionais. Tal zelo deve ter o fito de impedir
eventuais manobras por parte das empresas, que resultem na evasão
fiscal, a qual possibilita distorções no mercado, em razão de vantagem
indevida decorrente do não pagamento de impostos.
Palavras-chave: Tributação internacional. Evasão fiscal. Livre
concorrência. Mercado interno.
*
Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, cursando o 10º período.
139
FIDΣS
140
FIDΣS
Verifica-se, portanto, que para que a livre concorrência seja efetivamente assegurada
e alcance seus objetivos e benefícios, é imprescindível, dentre outras condições, que a
tributação seja adequada e eficiente, especialmente no âmbito internacional, não permitindo
141
FIDΣS
Tendo em vista o teor da questão a que se propõe tratar este artigo, evidencia-se a
necessidade de algumas explicações conceituais sobre os tributos, a fim de alcançar um
melhor entendimento da atuação da tributação internacional nas relações internacionais e das
repercussões que pode causar no mercado interno.
É de notório conhecimento o fato de que o Estado, para alcançar os seus objetivos,
necessita de recursos. Em razão disso, deverá o ordenamento prever os meios para que o
Estado financie seus gastos, sendo a receita pública o modo pelo qual esse valor será obtido.
A receita pública constitui um acréscimo de riquezas no patrimônio público, cujo fim
é atender as despesas públicas e, conforme os ensinamentos de Schoueri (2012, p. 154-155),
poderá ser originária quando decorrente de riquezas produzidas pelo próprio Estado, atuando
como agente econômico, ou derivada, que ocorre quando há transferência de riqueza gerada
pelo particular ao Estado. É o caso do tributo. FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
142
FIDΣS
é arrecadada através da tributação, que, segundo Hugo de Brito Machado (2013, p. 24), é “o
instrumento de que se tem valido a economia capitalista para sobreviver”. Isso porque sem ela
o Estado não teria como obter os recursos necessários à realização de seus fins, a não ser que
monopolizasse a atividade econômica.
Embora se destaque a função arrecadatória dos tributos, também chamada fiscal,
assume grande relevância a sua finalidade regulatória ou extrafiscal, que pode ser incluída em
todos os tributos, em maior ou menor grau (SCHOUERI, 2012, p. 188). Esta função pode e
deve ser utilizada pela Comunidade Internacional de forma estratégica, com o intuito de coibir
o emprego, por parte das empresas, de práticas lesivas aos mercados internos das Nações,
quando se relacionam comercialmente.
Como é cediço, os Estados possuem legislações internas que determinam de que
forma os tributos serão instituídos e cobrados. A Comunidade Internacional, por sua vez,
regulamenta a tributação de relações internacionais através da assinatura de acordos e tratados
entre as Nações, que deverão sempre observar as normas neles contidas, inclusive, adequando
à legislação interna ao que prevê os documentos a que se obrigaram (GODOY, 2013).
Cumpre destacar, ainda, que a Comunidade Internacional, por ser composta pelos
Estados, que já possuem ordenamentos prevendo a instituição de tributos suficientes para o
financiamento de suas despesas, deve zelar para que os acordos e tratados internacionais que
versarão sobre a tributação internacional tenham como preocupação fundamental a
regulamentação das relações comerciais internacionais, de modo a não prejudicar o mercado
interno de nenhum País, bem como assegurar a livre concorrência e o desenvolvimento
econômico das empresas dessas Nações.
Dessa forma, ao deliberarem sobre a elaboração de tais documentos, os Estados
deverão pensar no bem comum, e não na arrecadação que terá o seu País com o lucro das FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
143
FIDΣS
144
FIDΣS
subterfúgios ao adotar regimes fiscais desleais, que podem violar a soberania tributária de
outras Nações.
Segundo Mário Ávila (2012, p. 5), a transferência de preços é observada quando o
sujeito tributário passivo transfere seus rendimentos ou seus gastos entre países submetidos a
diferentes legislações tributárias. Nessa prática, a empresa procura deslocar a maior
quantidade de lucros para países com baixa carga tributária, enquanto os gastos são remetidos
para países com tributos mais pesados.
Para efetivar esta prática, o contribuinte pode superfaturar importações ou subfaturar
exportações, transferindo, portanto a base de cálculo para o país que lhe for mais favorável.
Desta forma, os lucros são menos afetados pela tributação, ao mesmo tempo em que, nos
países com maior carga tributária, a arrecadação fica comprometida, pois há uma maior
compensação de gastos (ÁVILA, 2012).
Visando coibir essas práticas e evitar a subtração das riquezas tributáveis do país
onde foi produzida, são editadas normas que determinam que as empresas deverão praticar os
preços de mercado, não podendo haver distorções (ÁVILA, 2012, p. 6). Entretanto, há uma
dificuldade em fiscalizar as empresas, visto que mesmo alguns países já se utilizam de
regimes fiscais desleais, buscando atrair essas empresas, de forma a arrecadar mais recursos, o
que acaba sendo também prejudicial a estas nações, que acabam perdendo, ao menos
parcialmente, a sua capacidade contributiva.
As operações triangulares, por sua vez, ocorrem quando os sujeitos da relação
econômica percebem a inexistência de Convenção Contra a Dupla Tributação – CCDT entre
os países envolvidos, ou mesmo a existência de uma CCDT pouco favorável a pelo menos um
desses sujeitos. Nessa hipótese, há uma procura, por parte do sujeito que se sentir
desprestigiado, por países que possuam com aquele que originalmente pretende manter FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
relações uma CCDT mais favorável, cuja tributação em operações internacionais seja a menor
possível (ÁVILA, 2012).
Assim, o sujeito que reside no Estado que possuir essa convenção mais favorável e
realizar tais operações atuará como interposta pessoa, contribuindo para que a empresa que
prática tal mecanismo adquira vantagens ilícitas, ao deixar de pagar impostos.
As normas que buscam combater os efeitos nocivos dessa prática pretendem a
desconsideração da pessoa interposta, porém, mais uma vez, há dificuldades na sua
identificação, pois a maioria dos países não possui um controle integrado de suas operações,
além do que os órgãos de fiscalização interna não são o suficiente para cuidar de todas as
operações, principalmente em países de grandes proporções como o Brasil, bem como os que
145
FIDΣS
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
146
FIDΣS
REFERÊNCIAS
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 19. Ed. São Paulo: Saraiva, 1998.
COELHO, Fábio Ulhoa. Direito antitruste brasileiro: comentários à Lei 8.884/94. São
Paulo: Saraiva, 1995.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 34. ed. rev., atual. e ampl. São FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Planejamento Tributário, Elisão e Evasão Fiscal, Norma
Antielisão e Norma Antievasão. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Curso de
direito tributário. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
MASSO, Fabiano Del. Direito econômico esquematizado. São Paulo: Método, 2012.
SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
147
FIDΣS
TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 3.ed. São Paulo: Método, 2012.
ABSTRACT
This article analyzes the influence that international taxation can have
on free competition in the internal market, considering the importance
of the State, which should ensure the respect of the international tax
rules, in order to prevent any maneuvers, by the companies, resulting
in tax evasion, which enables market distortions due to improper
advantage through non-payment of taxes.
Keywords: International taxation. Tax evasion. Free competition.
Internal market.
148
FIDΣS
RESUMO
O presente trabalho aborda o tema da evolução do conceito de família
face ao ordenamento jurídico brasileiro no contexto da sociedade
contemporânea. Traz a evolução da família nas Constituições pátrias e
na Legislação Civilista e os fundamentos teóricos do compêndio
normativo hodierno acerca da pluralidade das entidades familiares.
Além disso, menciona as decisões dos tribunais e exemplifica os mais
comuns núcleos de convivência. Utiliza pesquisa doutrinária, legal e
jurisprudencial e método de abordagem dedutivo. Conclui
ultrapassado o padrão de família unicamente constituída através do
matrimônio e consolidado o direito ao pluralismo familiar.
1 INTRODUÇÃO
Não obstante todas as revoluções que ao longo dos tempos vêm ocorrendo na
sociedade, a família ainda se apresenta como célula mãe, uma das bases de formação
patrimonial e de desenvolvimento primordial do indivíduo, sendo a grande responsável por
influenciar, e até mesmo garantir, a salutar constituição da personalidade humana.
*
Advogada. Bacharel em Direito pela UFRN.
149
FIDΣS
Por outro lado, a liberdade tem no período da evolução histórica em que se vive a sua
principal causa de variações, haja vista que, dependendo dos momentos em que se há maior
ou menor autonomia, o homem pode ou não dispor do poder de gerir a si mesmo e de atuar na
sociedade.
Atualmente, o Direito Brasileiro, em razão da enorme gama de valores ofertados pela
Constituição cidadã, entre os quais encontra-se a liberdade, exibe uma faceta voltada para a
autonomia individual, na busca daquilo que venha a ser a felicidade ou a realização pessoal,
ambas de caráter subjetivo e circunstancial.
Assim, com essa liberdade conquistada pelo homem e o dinamismo com que a
sociedade tem modificado seus valores, a família, ao longo dos tempos, passou a constituir-se
em novas formas, o que tornou imprescindível a evolução dos preceitos jurídicos, de modo a
garantir a inviolabilidade dos direitos que envolvem essa instituição.
Dessa forma, permanece necessária a análise da evolução conceitual e jurídica da
entidade familiar e a busca por novas reflexões acerca do tema.
150
FIDΣS
da sociedade.
O surgimento do casamento civil no Brasil data de 1891, com a primeira
Constituição Republicana4, visto que, anteriormente à Proclamação da República, em 1889,
apenas se casava por meio do casamento religioso, o qual tinha efeitos civis imediatos.
1
TRF4. AC 2000.71.00.009347-0/RS. 6ª T. Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira. j. 27.07.2005. DJ
10.08.2005.
2
TJRS. AC 70001388982. 7ª Câm. Cív. Rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis, j. 14.03.2001. DJ 02.05.2001.
STJ. REsp 1096324 RS 2008/0218640-0. Rel. Honildo Amaral de Mello Castro (convocado). j. 02.03.2010. DJ
10.05.2010.
STF. ADPF 132 RJ. Rel. Min. Ayres Britto. j. 05.05.2011. DJ 14.10.2011.
3
BRASIL. Constituição (1824). Constituição Política do Império do Brazil. Rio de Janeiro, Art. 179, 1824.
4
BRASIL. Constituição (1891). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, Art.
72, 1891.
151
FIDΣS
5
BRASIL. Constituição (1934). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, Art.
144-147, 1934.
6
BRASIL. Constituição (1937). Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, Art. 124-127, 1937.
7
BRASIL. Constituição (1946). Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, Art. 164, 1946.
8
BRASIL. Constituição (1967). Constituição da República Federativa do Brasil. Rio de Janeiro, Art. 167-172,
1967.
152
FIDΣS
O Direito das Famílias foi agasalhado pela Carta Magna brasileira de 1988, e é
indubitável que a elevação dos seus principais institutos ao status constitucional
simbolizou a abonação de que os princípios garantidores das relações familiares
estão atendidos de melhor forma e, como consequência, mais sólidos para se
tornarem mais eficientes.
livre escolha de seus componentes, que deve definir, em cada caso, o que é família para o
Estado e para a sociedade.
9
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 1º - O casamento é civil e gratuita a
celebração. [...] § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher
como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º - Entende-se, também, como
entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. [...] § 7º - Fundado nos
princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão
do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito,
vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. [...]
153
FIDΣS
10
BRASIL. Lei Nº 3.071, de 1º de Janeiro de 1916: Código Civil dos Estados Unidos do Brasil..
154
FIDΣS
Inaugura-se com a Constituição Federal de 1988 uma nova fase do direito de família FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
e, consequentemente, do casamento, baseada na adoção de um explícito
poliformismo familiar em que arranjos multifacetados são igualmente aptos a
constituir esse núcleo doméstico chamado "família", recebendo todos eles a
"especial proteção do Estado”.
11
STJ, RE 1.183.378/RS, Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão. j. 25.10.2011. DJ 01.02.2012.
155
FIDΣS
É nesse contexto que o Código Civil de 200213 preceitua que o casamento estabelece
comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges, sendo
defeso a qualquer pessoa ou entidade interferir na união consagrada pelo desenvolvimento
familiar, devendo aquele instituto jurídico receber interpretação conforme a Constituição na
oportunidade de sua aplicação aos casos concretos.
Essa concepção se coaduna com a expansão do conceito de família trazida pela Lei
Maria da Penha, restando estabelecido em lei infraconstitucional que a família hodierna é
formada pela vontade dos indivíduos que a compõe e não por preceito legal.
Ademais, em razão das dissoluções conjugais, tornou-se usual núcleos familiares
formados apenas entre um dos genitores e sua prole. Com isso, o advento da Lei 11.698, de
13 de junho de 2008, a qual modificou os arts. 1.583 e 1.584, do CC/2002, foi um grande
avanço, com a normatização das guardas unilateral e compartilhada.
Conforme inteligência dos referidos artigos a instituição da guarda compartilhada
deve ser a regra, devendo o Judiciário, em último recurso, com observância dos interesses do FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
menor, optar pela guarda unilateral.
O novo Direito Civil, após a consagração do princípio da afetividade como
fundamento do direito de família, e conduzido pelos princípios constitucionais em seu vértice,
tem sofrido desconstruções nas suas estruturas, construídas ao longo da história, as quais
atendiam objetivos patrimoniais, mantendo um modelo clássico de casamento através da
12
REALE, Miguel. Os Direitos da Personalidade. 2004. Disponível em
<http://www.miguelreale.com.br/artigos/dirpers.htm>. Acesso em: 10 fev. 2014.
13
Art. 1.511. O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos
cônjuges. [...]
Art. 1.513. É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída
pela família.
156
FIDΣS
Os antigos conceitos sociais de família e casamento restam ultrapassados frente às FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
mudanças que se operam pela própria e natural evolução da sociedade. Também obsoletas são
as definições para o termo “casamento” trazidas pelo dicionário que, de forma geral, o
conceitua como “união entre homem e mulher, lícita e permanente” (GUIMARÃES, 2013, p.
177).
Assim, a evolução da concepção de entidade familiar deu ensejo à formação de uma
pluralidade de núcleos de pessoas que se relacionam com fundamento no afeto e na
assistência mútuos. No entanto, essa diversidade de arranjos familiares não deve ser
14
STF, ADPF 132 RJ. Rel. Min. Ayres Britto. j. 05.05.2011. DJ 14.10.2011.
157
FIDΣS
enumerada de forma taxativa, tendo em vista a enorme abrangência que os novos conceitos
trazem para a realidade social e jurídica.
No entanto, é possível exemplificar as relações familiares contemporâneas mais
comuns, as quais vão além do antigo modelo formado pelo casal heterossexual e seus filhos.
Nesse sentido, pode-se falar acerca da família monoparental ou unilinear, constituída por
qualquer um dos pais e sua prole, ora surgida através de adoção, ora através de reprodução
medicamente assistida, entre outras formas (NÓBREGA, 2009, p. 44).
Também cumpre trazer à baila a família formada por relacionamento amoroso que se
solidifica em união estável, seja essa heterossexual ou homoafetiva, construída sem as
amarras do Estado. Da mesma forma, merece destaque a família parental ou anaparental,
resultante da convivência de parentes que não pais e filhos, tais como tio e sobrinho, irmãos,
avô e neto, entre outras variações.
Cada vez mais comum, a família mosaico, pluriparental ou reconstituída traz a faceta
da evolução familiar de forma bastante nítida, tendo em vista ser formada por pares que
tiveram anteriormente outras uniões ou casamentos, dos quais resultaram o nascimento de
filhos (DIAS, 2010, p. 49).
Cumpre também ressaltar a formação de famílias paralelas, em que um integrante
comum faz parte de mais de um núcleo conjugal, desenvolvendo em cada um deles vínculos
fortes e geração de prole.
Vê-se, assim, que as várias espécies de famílias, há muito abarcadas pelo
ordenamento jurídico brasileiro, são núcleos de formação patrimonial e de desenvolvimento
de seres humanos, possuindo como elemento constitutivo os vínculos interpessoais originados
da solidariedade, do afeto e da vontade comum de seus componentes em permanecerem
unidos, o que demonstra a necessidade de respeito e de tutela por parte do Estado e de toda a FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
sociedade.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
158
FIDΣS
REFERÊNCIAS
BEVILÁQUA. Clóvis. Direito da família. Rio de Janeiro: Rio, 1976. FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2010.
159
FIDΣS
FUGIE, Érika Harumi. A união homossexual e a Constituição Federal. In: Revista Brasileira
de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese, IBDFAM, v. 1, n. 15, pp. 131-150, out./dez.
2002.
GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri (Org.). Dicionário técnico jurídico. 16. ed. São Paulo:
Rideel, 2013.
MORAES, Maria Celina Bodin de. A constitucionalização do direito civil e seus efeitos sobre
a responsabilidade civil. In: Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento. (Org.) A
constitucionalização do direito: fundamentos teóricos e aplicações específicas. Rio de
Janeiro: Lúmen Júris, pp. 435-453, 2007.
ABSTRACT
The present paper approach the subject of familial concept evolution
under the juridical Brazilian order and the contemporary society.
Brings the family evolution in the Constitutions, Civil Legislations
and the theoretical fundamentals of today’s normative compendium
160
FIDΣS
161
FIDΣS
RESUMO
O presente trabalho discorre acerca da impossibilidade de
criminalização de condutas com fundamentos pautados
exclusivamente na moralidade. Para isso, embasa-se no julgamento do
Habeas Corpus 104.467/RS, no qual se afastou a possibilidade de
descriminalizar a conduta tipificada no artigo 229 da codificação
penal substantiva. Analisa-se a história e o fundamento de existência
de bens jurídicos, bem como a atipicidade material do referido
dispositivo, com esteio nos princípios da adequação social, da
insignificância e da fragmentariedade. Observa-se, por derradeiro, a
*
Graduando em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Estagiário do Ministério
Público Estadual - MPE/RN. Monitor de Direito Penal I.
**
Graduando em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Estagiário da Defensoria
Pública Estadual - DPE/RN. Monitor de Direito Penal I.
162
FIDΣS
1 INTRODUÇÃO
163
FIDΣS
1
SUPERIOR TRIBUNAL FEDERAL. HC 85.032. Segunda Turma. Rel. Min. Gilmar Mendes. j. 17.05.2005.
164
FIDΣS
conceito de “bem jurídico”, a princípio, traduz um preceito assaz vasto que deve, de alguma
forma, ser objetivado, conforme doravante será esmiuçado.
O bem jurídico pode atualmente ser determinado como um interesse vital para a
sociedade, o qual deve ser digno de proteção jurídica máxima pela importância que possui
para a coletividade. Não obstante, esse conceito hoje consolidado deriva de todo um
complexo de ideias construídas ao longo dos séculos pelos mais diversos pensadores.
Desta feita, o resgate histórico da Teoria do bem jurídico penal se inicia com a
doutrina iluminista, que postulava a não criminalização de atos em que não houvesse os
elementos de violação do “direito subjetivo”; que implicassem na “necessidade da pena”, bem
como na “danosidade social” (CUNHA, 1995).
Nesse tópico, surge um dos pilares sem os quais o bem jurídico – como hoje é
vislumbrado – não teria percebido tamanha evolução. A obrigatoriedade de um direito
subjetivo a ser violado traduz indispensável vedação ao arbítrio do legislador que, ao tipificar
condutas, está condicionado à percepção de lesões efetivas. De toda sorte, ainda não se podia
analisar o tema objetivamente – sob o prisma de um bem jurídico – porquanto os direitos
albergavam caráter essencialmente pessoal, incidindo sobremaneira na pessoa detentora do
direito violado.
Outros pensadores, tais quais Rousseau (1991) e Thomas Hobbes (1988), haviam
lançado o alicerce para a Teoria do Contrato Social. Nesta, seria pactuada uma espécie de
acordo em que os indivíduos de determinada localidade cederiam uma parte de suas FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
liberdades, em troca da proteção conferida pelo Estado a essas pessoas. Dessa forma, o Estado
só teria a faculdade de limitar a liberdade individual mediante o Direito Penal, caso houvesse
o intuito de proteger a sociedade e de prevenir danos gerais.
Jean Paul Marat (2008) seria um exemplo de pensador misto entre as correntes
supracitadas. Segundo este, a lei penal “deve perseguir o bem comum e possuir disposições
claras, impedindo a tirania do homem pelo homem”. Desta forma, a pena, ao ser aplicada,
deve observar a sua justiça, necessidade e utilidade. Caso inexista um desses três requisitos,
não há condão de imputar qualquer pena ao infrator.
Nessa senda, Birnbaum (2010), em 1834, iniciou uma ruptura aos pensamentos
iluministas. Para ele, se o direito decorresse do contrato, seria muito difícil limitar o poder
165
FIDΣS
punitivo estatal. Logo, não se trata de debater a lesão ao direito subjetivo, mas sim ao objeto
desse direito, que é o bem jurídico.
Birnbaum, com essa tese inovadora, formulou um vetor cardeal para o
desenvolvimento da ciência do bem jurídico. Ora, é impossível observar violações a direitos
unicamente através do sujeito que sofreu hipoteticamente a lesão. A pessoa humana é
motivada por instintos, inclusive o de vingança, e não consegue sopesar de maneira clara a
magnitude do dano sofrido. Noutro giro, ao delimitar um objeto, um bem jurídico ofendido,
demarca-se também a esfera que merece proteção na seara criminal. À vista disso, o direito
singra de mares eminentemente subjetivos e molda sobejamente as formas em que hoje está
inserido.
Outros estudiosos do Direito Penal confabularam sobre a ideia de bem jurídico, como
Tobias Barreto (2000) em Estudos do Direito e, posteriormente, Galdino Siqueira (2003) com
a obra Direito Penal Brazileiro, já em 1921. Porém, a concepção mais ampla do que seria
efetivamente o bem jurídico só veio a se concretizar com as teorias positivas.
O pensamento penal positivista podia ser dividido em duas correntes: uma
normativista (Binding) e outra sociológica (Von Lizst). A primeira entendia que o bem
jurídico seria algo criado exclusivamente pelo legislativo, enquanto que a segunda tinha o
ideal de que a lei penal não criava o bem jurídico, mas apenas o reconhecia e conferia sua
proteção necessária. Dessa forma, o direito penal aproximou-se da realidade social, dotando o
bem jurídico de um caráter sociológico, de modo a limitar o poder punitivo estatal (SÁ,
2014).
Dentre as correntes retro mencionadas, a escola sociológica, em viés diametralmente
oposto da normativista, protagonizou intensos avanços na concepção de que bens merecem
proteção penal. Não parece acertado afirmar que o legislador tem a faculdade de, a seu bel- FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
prazer, definir o que é típico ou o que não é. A norma realmente encontra relevância sem igual
em nosso ordenamento jurídico, todavia deve estar centrada em condutas que
verdadeiramente firam bens de maneira objetiva.
Assim sendo, é premente a necessidade de vedar a criação de tipos penais com base
em fundamentos unicamente morais, por exemplo. É ilógica e absurda a punição à
imoralidade de alguém se ela não fere diretamente bens de terceiros. Com efeito, a escola
sociológica criou raízes para que o Direito Penal transpassasse do arbítrio e da falsa
moralidade do legislador para ter como escopo a proteção de bens os quais possam ser
danificados de modo gravoso, ensejando a tutela penal.
166
FIDΣS
possibilitem danos a outros, mas não ações autolesivas, como é o caso do suicídio no
ordenamento jurídico brasileiro. Além disso, juntamente com Mill (2001), Joel Freinberg
(2014) criticou o paternalismo penal, alegando que a criminalização da conduta não é estrita a
provocação de lesão, mas de uma ofensa também.
Além disso, insta consignar que o bem jurídico a ser protegido pelo Direito Penal
deve estar em consonância com a Constituição Federal, garantindo os direitos individuais,
coletivos e sociais de seus cidadãos. Desse contexto surgem teorias como a de caráter geral do
bem jurídico, bem como a de fundamento constitucional estrito.
Aquela fornece ideias gerais sobre os bens jurídicos, em forma de parâmetros, de
modo que o legislador penal possa escolher o que criminalizar, enquanto que essa ministra
167
FIDΣS
especificações estritas para a definição dos bens jurídicos a serem tutelados pelo poder
punitivo estatal. Portanto, os bens jurídicos seriam caracterizados previamente pela
Constituição Federal e a política criminal do Estado os adotaria, em conformidade com a
teoria do delito e a realidade social.
Isto posto, os últimos dois séculos de evolução da teoria do bem jurídico e da própria
concepção de delito, imiscuída em uma visão mais sociológica do direito, criaram um cenário
sólido para a formulação de tipos penais concretos e científicos. Crucial é, portanto, que o
nosso sistema penal esteja apto a extrair a essência de cada bem a ser tutelado, repudiando o
retrocesso da matéria criminal. Por óbvio, é necessário que se analise criticamente tanto a
legislação quanto a interpretação que vem sendo dada aos dispositivos legais, conforme
doravante será dissecado.
O Habeas Corpus 104.467/RS2 tinha como escopo o trancamento de ação penal pelo
cometimento de crime de casa de prostituição, tipificado no art. 229 do Código Penal. Quando
do seu exame pelo Supremo Tribunal Federal, tendo como relatora a Ministra Cármen Lúcia,
restou o mesmo denegado. O entendimento do Supremo Tribunal Federal foi no sentido de
que no crime de casa de prostituição os bens jurídicos tutelados são a moralidade sexual e os
bons costumes, valores os quais, por sua relevante importância social, merecem ser protegidos
pelo Direito Penal, refutando a aplicação do princípio da fragmentariedade.
Outro princípio, o da adequação social, restou inaplicado no julgamento ora FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
mencionado. Alegou-se que esse princípio, de per si, não tem a prerrogativa de revogar tipos
penais. A fundamentação do Tribunal se pautou em uma interpretação gramatical do art. 2º da
Lei de Introdução ao Direito Brasileiro, o qual preconiza que “não se destinando à vigência
temporária, a lei terá vigor até que outra lei a modifique ou revogue”.
Também foi alegado que mesmo fazendo parte dos costumes ou sendo socialmente
aceita a conduta tipificada no art. 229 do Código Penal, tal fato não bastaria para revogar a lei
penal vigente.
2
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HC 104.467. Primeira Turma. Rel. Min. Cármen Lúcia. j. 08.02.2011.
168
FIDΣS
juiz, representado, no caso em análise, pelo Supremo Tribunal Federal, visa a moralizar o
homem – como dito - através do exercício do poder-dever de punir. Acontece que, ao assim
proceder, o Estado se opõe à vontade daqueles indivíduos (adultos plenamente capazes de se
autodeterminarem) aos quais tem o propósito de salvaguardar.
Diante dessa capacidade plena e da possibilidade legal de dispor livremente dos seus
próprios corpos, não parece razoável pretender o Estado proteger pessoas que utilizam do seu
livre-arbítrio para se prostituírem. São elas plenamente capazes de entender, inclusive, os
riscos inerentes a tal conduta.
Contudo, o entendimento aqui consolidado pelo Tribunal Máximo carece de uma
visão constitucional da nossa legislação penal. A decisão proferida representou um atraso.
169
FIDΣS
Denota uma ciência criminal auspiciada pelo rigor frio da lei, conforme assevera o brocardo: a
lei é dura, ma é a lei. Carece de uma hermenêutica constitucionalizada. Esta parece
desapercebida diante de uma hipotética rigidez penal "necessária".
Ademais, se a prostituição, por si só, não é considerada crime, não faz sentido punir a
conduta do dono do estabelecimento onde ocorra um ato não criminoso, muito embora se
saiba que devido à clandestinidade a qual é remetida a casa de prostituição, em face da
tipificação do art. 229 do Código Penal, esses estabelecimentos acabem por servir de abrigo
para criminosos e, destarte, tornar comum a prática de crimes como o tráfico de drogas, a
posse e o porte ilegais de armas de fogo, maus tratos, etc.
Acontece que esses crimes já encontram tipificação autônoma, não devendo o dono
do estabelecimento ser punido por sua prática, a menos que os pratique na condição de
coautor ou partícipe, respondendo na medida da sua culpabilidade, nos termos do art. 29 do
Código Penal.
Nesse sentido, Cezar Roberto Bittencourt (2012, p. 397), aborda essa temática:
170
FIDΣS
Por outro lado, torna-se necessário lembrar que a prostituição não é crime, razão
pela qual deveria haver um local onde ela fosse desenvolvida, sem qualquer
obstáculo. Entretanto, o legislador brasileiro, embora não criminalize a prostituição,
pretender punir quem, de alguma forma, a favorece. Não consegue visualizar que a
marginalização da pessoa prostituída somente traz maiores dramas. Sem o abrigo
legal, a pessoa prostituída cai na clandestinidade e é justamente nesse momento que
171
FIDΣS
Neste sentido, não restam dúvidas que a tipificação de uma conduta, com base
unicamente na proteção do bem jurídico da moral e dos bons costumes é nada mais que o
paternalismo jurídico moralista do Direito Penal. Isto é, a utilização desse ramo do Direito
(que deveria ser a ultima ratio) para desvirtuar a dogmática penal no afã de garantir a
repressão a bens que não deveriam receber atenção de qualquer mecanismo repressor.
Desta feita, Paulo Nader (2012, p. 56) coloca a Moral como um fator cultural do
Direito, que:
em questão não deve ser protegido por esse ramo do Direito, mas sim por outros ramos, como
o Civil, pois, atualmente, o cônjuge que se sentir lesionado em virtude de um adultério, pode
intentar ação de danos morais, provando mais uma vez o caráter ultima ratio do Direito Penal.
É essa a tendência que deve ser seguida pelo nosso sistema criminal. É mister
perceber o contexto da aplicação da norma, não apenas a letra da lei. Essa falta completa de
eficácia não pode ser olvidada. É um fato que ressalta a necessidade de reavaliação do tipo em
análise.
Da mesma forma, enfatize-se, a atuação do magistrado deve primar pela
interpretação de uma norma dinâmica. Diante da inércia legislativa, o juiz deve perceber a
ineficácia, a obsolescência de um dispositivo. A figura do julgador não se encontra mais como
172
FIDΣS
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Munido do poder de punir, o Estado, amiúde, atua de modo arbitrário, malgrado a FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
3
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RMS 18.534. Segunda Turma. Rel. Min. Aliomar Baleeiro. j.
01/10/1968.
173
FIDΣS
de número 229 do Código Penal Brasileiro. Contudo, enquanto não o faz, cabe ao judiciário
observar essa desnecessidade de punição e agir em conformidade com o Direito e a justiça.
Por conseguinte, em vias de reiteração, mais do que coibir dispositivos como o ora
exposto, o ordenamento jurídico pátrio deve, sobretudo, entender o real significado do direito
penal e perceber os princípios que devem ser considerados em sede de punição delitiva. O que
é moral – e apenas moral – não merece sanção alguma, sob risco de um retrocesso evolutivo
da ciência criminal.
REFERÊNCIAS
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FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
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174
FIDΣS
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SÁ, Ana Luiza Barbosa de. Controle Racional das Normas de Direito Penal Econômico.
Porto Alegre: Núria Fabris Editora, 2014. p. 67-95.
ABSTRACT
This study analyses the impossibility of criminalizing conduits based
on morality grounds only. It focus on the judgment of Habeas Corpus
104.467/RS, that the Supreme Court denied absolution of the crime
provided on the article 229 of Brazilian Criminal Code, (keeping
175
FIDΣS
176
FIDΣS
RESUMO
O presente trabalho, através de uma metodologia qualitativa, trata da
prevenção como uma forma de efetivar o direito à saúde, considerado
fundamental pelo ordenamento brasileiro, explanando seu conteúdo e
suas dimensões objetiva e subjetiva. Em seguida, utilizando-se
analogicamente do princípio da prevenção da doutrina ambientalista,
estuda a prevenção como meio de se evitar danos que causam diversas
enfermidades na população e lotam os diversos hospitais públicos. Em
conclusão, tem-se que o direito à saúde deve ser promovido também
através de medidas preventivas e não somente curativas, devendo o
*
Acadêmico do 8º período de Fisioterapia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), no
campus da Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi (FACISA), Santa Cruz/RN. Possui vistas para a área de
Saúde Coletiva e Saúde Pública, professor do Cursinho pré-ENEM PROCEEM (Programa Complementar de
Estudos do Ensino Médio), da UFRN. Foi monitor da disciplina de Morfologia e Fisiologia Humana e Geral
durante 4 semestres. Participante ativo de eventos científicos de Fisioterapia e afins.
**
Advogado militante, formado pela Universidade Potiguar (UnP) com OAB 9342/RN. Possui vistas para a área
de Direito Constitucional e segmentos correlatos. Participante ativo de congressos e eventos científicos de
Direito e afins. Foi monitor das turmas de primeiro ano do curso de Direito da universidade supracitada durante
2 semestres.
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1 INTRODUÇÃO
estratégias para abarcar a demanda foi promover a descentralização, em que o governo, nas
três esferas estatais (União, Estados, Municípios e Distrito Federal), se compromete em
‘executar saúde’ em todos os seus entraves, promovendo um sentido mais democrático e
deixando a equidade se estabelecer dentre os pilares sociais.
Nesse ínterim, analisar-se-á no presente trabalho a prevenção como um meio de
efetivação do direito fundamental à saúde, protegido pela Constituição Federal de 1988 e
dotado de eficácia máxima, haja vista tal direito estar intimamente ligado ao direito à vida e à
dignidade da pessoa humana, possuindo natureza de direito social. Ademais, tenha-se que um
dos princípios do SUS é o atendimento integral, com prioridade para as atividades
preventivas, motivo pelo qual o presente artigo torna-se relevante. Em face a isto, pretende-se
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FIDΣS
demonstrar que a prevenção atua na diminuição significativa de três campos, quais sejam,
número de enfermidade, orçamento público, e demandas judiciais.
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1
A saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de
doença ou de enfermidade.
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pertence nem ao Direito Público, nem ao Direito Privado, mas compõe a abóbada de todo o
ordenamento jurídico”, ainda conforme as assertivas desse jurista. Tal afirmação se encaixa
perfeitamente com o princípio da universalidade do direito à saúde, ou seja, a partir dessa
concepção o Estado deixa de se preocupar somente com sua relação com o indivíduo
(primeira categoria4 de direitos fundamentais) para conseguir efeitos maiores no que tange à
sua relação com a sociedade (segunda categoria), principalmente diante de uma Constituição
4
Também chamada de gerações de direitos fundamentais ou dimensões. Para uma análise maior das
nomenclaturas, conferir DIMOULIS, Dimitri. MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais.
2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
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FIDΣS
prenhe de direitos sociais como é a saúde, a moradia, a educação, segurança, lazer entre
outros.
Segundo Sarlet (2008, p. 69), a eficácia irradiante dos direitos fundamentais é o
primeiro desdobramento de sua “força jurídico-objetiva”, pois “fornecem impulsos e
diretrizes para a aplicação do direito infraconstitucional”. Essa eficácia irradiante, portanto,
concretiza-se na utilização do princípio hermenêutico da interpretação conforme a
Constituição, haja vista que o poder público deve interpretar e aplicar o direito
infraconstitucional em consonância com o conteúdo axiológico do direito fundamental em
análise.
Na contemporânea dogmática dos direitos fundamentais, a dimensão objetiva não
deve ser considerada uma “função nova” desses direitos, mas deve, sim, funcionar como
“fundamento para outras funções, cujos contornos e importância específica dificilmente
podem ser avaliados de forma precisa e apriorística”, o que, no caso do direito à saúde,
produz a necessidade de se ter um sistema que traga efetividade a esse direito (SARLET,
2008, p. 175-176). Por essa ótica, lê-se, nas palavras de Rios (2009, p.5), “o SUS e suas
diretrizes, a responsabilidade da iniciativa privada, a responsabilidade do Poder Público na
organização e no desenho institucional das políticas de saúde”, serem tão importantes, posto
que são frutos da dimensão objetiva do direito à saúde.
Como asseverado anteriormente, o direito à saúde é fundamental, logo serve como
direcionamento interpretativo de outras normas, sejam constitucional ou infraconstitucional,
inclusive para àquelas relativas ao direito privado. Em outras palavras, a dimensão objetiva do
direito à saúde irradia efeitos para outros direitos que devem, quando houver pertinência, ser
analisados à luz daquele. É o que acontece quando se interpreta casos que envolvem
integridade física, direito à vida, dignidade da pessoa humana, entre outros, bem como nos FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
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FIDΣS
ao ordenamento jurídico leis, atos ou ações de fato redutoras, com potencial para enfraquecer
ou limitar o direito à saúde.
Diante da conjuntura jurídica relatada sobre o tema em análise, mostra-se no momento
atual, ainda mais verdadeira a opinião de Sarmento (2003, p. 253), no sentido de que a
profunda crise vivida pelo Estado Social, decorre de múltiplos fatores, “não deve significar o
abandono dos ideais humanitários e de igualdade substantiva, liberdade material e
solidariedade que nutriam axiologicamente o Welfare State”. Impõe-se como necessário
“articular novas estratégias e abordagens” para enfrentar “os mesmos problemas de justiça
social que o capitalismo liberal não equacionou nem jamais equacionará”. E nesse
panorama, arremata o autor, na página seguinte, que “a teoria da dimensão objetiva dos
direitos fundamentais, de matriz germânica, pode representar uma importante contribuição”.
A desembargadora federal, Marga Inge Barth Tessler (2009, p. 1-3), em seu artigo
“Medicina baseada em evidências e o direito à saúde” por ela apresentado no I Congresso
Brasileiro de Medicina Baseada em Evidências, com o objetivo de debater perspectivas em
torno de três casos, ementa um destes, da seguinte forma:
184
FIDΣS
Martins (2010, p. 500) afirma que “o sistema de saúde deve abranger três espécies de
categorias: prevenção, proteção e recuperação”, sendo a primeira categoria compreendida
pelo mesmo autor como os “meios para evitar doenças, incluindo a vigilância sanitária e
epidemiológica”. Dessa forma, verifica-se que o dever do Estado de efetivar o direito à saúde
deve abarcar ações também de prevenção e não somente de cura no objetivo de recuperar o
indivíduo enfermo.
Em alusão à questão de incluir a prevenção na programática da saúde, Chimenti
(2010, p. 531), por sua vez, assevera que “a prevenção do risco doença e de outros agravos
está inserida na etapa de promoção do direito à saúde”. Em concordância com esse
posicionamento, aduz o estudioso George Marmelstein (2008, p. 287), cuja tese afirma ser
essencial à inclusão de medidas preventivas para a população, haja vistas serem basilares e
compreendidas como sendo o fornecimento mínimo pela via estatal de tutela desse direito.
Ademais, Chimenti (2010, p. 531) cita ainda as campanhas de prevenção, especialmente as
que se relacionam com o combate à contaminação pelo vírus HIV (Vírus da Imunodeficiência
Humana, em inglês), como exemplo de atuação do Estado nos períodos do carnaval ou outras
festas de grande porte.
Sem embargos, as campanhas de prevenção são meios importantes para prevenção de
doenças, inclusive a AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, em inglês) que,
conforme dados de relatório publicado pela ONU (Organização das Nações Unidas), o
número de infecção cresceu 11% (onze por cento) no Brasil nos últimos anos5 conforme
relatório da UNAIDS (Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS) (2014, p. da
internet), noticiado nos jornais nacionais, provavelmente, por diminuição de campanhas em
rede regional e nacional, e de ações educativas, cada uma em sua vertente.
Além disso, o direito fundamental e universal à saúde deve ser explorado, nas lições FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
de Guerra Filho e Cordeiro (2014, p. 389) de uma forma interdisciplinar, haja vista que a
ciência jurídica se relaciona com diversas áreas do conhecimento, sejam campos da própria
dogmática jurídica, como o direito ambiental em associação com o direito à saúde, ou outros
segmentos correlatos. Dessa forma, faz-se necessário invocar analogicamente o princípio da
prevenção do direito ambiental e aplicá-lo ao direito à saúde, como forma de dar-se
interdisciplinarmente maior atenção às ações de prevenção de enfermidades.
5
NETO, Ademar. Brasil teve aumento de 11% nos casos de HIV. Disponível em:
<http://altosnoticia.com.br/artigo/3-brasil/brasil-teve-aumento-de-11-nos-casos-de-hiv/>. Acesso em: 12 ago.
2014.
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FIDΣS
embora não seja a única forma de prevenção, haja vista também existirem os fatores genéticos
que podem ocasionar doenças, são de elevada importância.
Nesse tom, a educação possui um papel de grande relevância, posto que é uma arma
cujas benesses vão além de sua atividade, promovendo, na ótica analisada, a prevenção de
enfermidades. Destarte, a partir do momento que a população possui um desenvolvimento
educacional maior, logicamente, a mesma terá mais consciência sobre medidas simples
capazes de erradicar doenças, como a dengue, ainda existente no Brasil. Esse já era, segundo
Guerra Filho e Cordeiro (2014, p. 394), “o pensamento dos sanitaristas brasileiros que se
firmou em 1940, baseado na compreensão que os indicadores do nível de saúde estão
articulados ao processo de desenvolvimento econômico, social, político e cultural do País”.
Esses tipos de desenvolvimento supracitados também são importantes para a
democratização da saúde, vista como um direito de quarta categoria, em que o cidadão traz à
sua realidade social a diretriz do inciso III do artigo 198 da Constituição Federal de 1988, qual
seja, participação da comunidade, até mesmo porque, conforme se extrai dos estudos de
Häberle (1997, p. 37), a população é somente um dos quatro grandes grupos de intérpretes da
Lei Maior. Assim, a população como sociedade aberta à interpretação constitucional pode ser
um participante nas tomadas de decisões sobre as políticas de saúde.
Diante do exposto, é indelével que a prevenção é algo intrínseco à efetivação do
direito à saúde, haja vista esta implicar não somente a medicina curativa, mas também a
promoção de qualidade de vida das populações e, mesmo, o aproveitamento eficaz dos
recursos. Essa ideia, obviamente, dependente de políticas públicas adequadas como as
campanhas educacionais, contratação de agentes de saúde no combate a endemias, entre
outros meios, assim como, “o esclarecimento e educação da população, higiene, saneamento
básico, condições dignas de moradia e de trabalho, lazer, alimentação saudável na quantidade FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
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sempre esta, posto que as unidades básicas de saúde já estão atualmente em iminência de
possuir uma melhora da qualidade de serviço prestado e é justamente nesse foco que o
governo se compromete enfaticamente em garantir tal parte do processo de adaptação do
usuário (GIOVANELLA, 2009, p. 784).
Visando a acessibilidade de uma determinada população, o governo federal idealizou
e proferiu a “Rede Cegonha”, outorgada pela Portaria nº 1.459, de 24 de Junho de 2011 e a
Portaria nº 650, de 5 de Outubro de 2011 e criada dia 24 de março do mesmo ano. Essa
iniciativa foi financiada por verba pública e seu objetivo era promover a assistência à saúde da
mulher e da criança, em especial na atenção do parto, ao nascer, crescer e desenvolver da
criança. O acolhimento e a resolutividade são fatores cruciais de fomento da Rede Cegonha e
o cuidado para reduzir a mortalidade materno-infantil também é evidente.
Com a implantação da rede em comento, o governo exerce sua função e, sobretudo,
demonstra sua atuação exitosa em razão da redução de números drásticos de morte nesta
população e, diante disso, auxilia fortemente na capacitação de profissionais para a assistência
ao pré-natal adequado, melhorando qualidade de vida de a mãe e filho. A Rede Cegonha
merece destaque por ser um programa implementado nas bases doutrinárias do SUS, ou seja,
atribuindo universalidade, equidade e integralidade ao serviço, estimulando a humanização
em primeiro aspecto, para haver um atendimento verdadeiramente humanizado.
O foco dessa rede, como já mencionado, é o pré-natal, considerando o parto,
nascimento, puerpério e sanitarismo com regulação. A Rede Cegonha está nas discussões das
Redes de Atenção, propostas do governo para tratar de pontos específicos, como a
mortalidade de um grupo determinado da população. Salienta-se também que essa iniciativa
apodera-se da realidade de prevenção de agravos e da promoção da qualidade de vida, vindo a
concordar com estratégias de atenção primária, corroborando com a diminuição de gastos com FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
problemas futuros e proporcionando igual acesso à saúde para a realização desse intento.
(CAVALCANTI, 2013, p. 1299-1300).
Outra forma de incentivo ao acesso à saúde foi a criação da “Rede Amamenta
Brasil”, no qual o Aleitamento Materno adentra como o foco principal das ações de educação
em saúde, tendo como primeiro propósito incentivar nas mulheres um apoio social à
amamentação, ressaltando sua necessidade e os riscos que a mãe e o filho correm por não
fazê-la. Como uma proposta descentralizada e vinculada ao SUS, essa estratégia desponta
ações de todos os poderes vigentes (federal, estadual e municipal) em prol da qualidade de
vida da mãe e do recém-nascido em período favorável. As campanhas, em seu turno,
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FIDΣS
perduram por toda a nação e a aprendizagem é o diagrama de base para que ela seja evidente e
realmente atinja os objetivos almejados (Ministério da Saúde,2009, p. 8).
Inclusive, tem-se que o acesso à saúde é algo estudado em todos os seus entraves. A
qualidade da oferta provida por instituições de grande porte varia conforme condições
adversas, tais como localização, profissionais, incentivo, dentre outras (PUCCINI, CECILIO,
2004, p. 1343). Exemplificando, um indivíduo que reside na periferia com acesso ao serviço
de saúde apenas por via fluvial sofrerá uma diminuição de sua qualidade de vida em
comparação a outro que habite em locais centrais, variando positivamente o incentivo e o
acesso. A inovação deve ser efetiva no sentido de promover o acesso à saúde
independentemente de qualquer condição em que o indivíduo se apresente. (BONATO, 2011,
p. 319-320)
Analisando a saúde como um fator biopsicossocial, é inadmissível atê-la apenas à
fatores diretos que se relacionam ao serviço prestado em saúde. As ações transversais e
intersetoriais são de cunho fundamental para a organização da vigência em saúde. Nessa
perspectiva, fatores como melhor distribuição de renda, geração de força em cidadania,
melhoria de qualidade de vida, moradia digna, lazer e educação de qualidade combinam e
confluem para a garantia de uma saúde adequada a qualquer indivíduo e, repise-se, servem
como prevenção de enfermidades futuras. (SANCHEZ, CICONELLI, 2012, p. 264-265;
TRAVASSOS, MARTINS, 2004, p. S190)
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Assim, como se estuda constantemente meios que previnam o não surgimento de FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
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FIDΣS
além disso, combate as injustiças presentes, visa erradicar a pobreza, e promove o bem de
todos, inclusive, com os meios de promover e proteger o direito fundamental à saúde.
Seguramente, o direito à saúde é um desafio hodierno de todas as classes, posto que
sua exigência mínima para devida efetivação requer do Poder Público dispêndio financeiro
alto, bem como políticas públicas mais efetivas e maior acesso da população ao atendimento
médico básico.
Em síntese, considera-se a prevenção uma das grandes formas de diminuição dos
gastos com saúde pública, haja vista que essa evita o excesso de pessoas enfermas que
necessitarão de um tratamento, muitas vezes, mais caro do que a prevenção, bem como
promove uma sadia qualidade de vida à todos. E para alcançar esse objetivo, é necessário
trabalhar em setores que possam auxiliar o poder público a combater várias doenças, tais
como as escolas, empresas públicas e privadas, qualificação de agentes de saúde,
universidades, e, principalmente, a promoção de programas educativos à população,
semelhantes aos explicitados supra.
Por fim, a judicialização da saúde seria minimizada com a prevenção enfatizada
desse direito, assim como constantemente se vê em relação ao meio ambiente, uma vez que
haveria uma diminuição efetiva de responsabilização do Estado. Dessa forma, a redução na
taxa de mortalidade e o aumento da longevidade no país poderão ser advindos de cuidados
prévios como as medidas preventivas, garantindo o real acesso aos serviços de saúde.
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193
FIDΣS
ABSTRACT
This paper, through a qualitative methodology, deals with the
prevention as a way to achieve the right to health as fundamental by
the Brazilian legal system, explaining its contents and objective and
subjective dimensions. Then, using the analogy principle of
prevention of environmental doctrine, studying prevention as a means
of avoiding damages that cause various diseases in the population and
crowd the public hospitals. In conclusion, it has the right to health
should be promoted also through preventive measures and not only
healing and the Government should work with various industries to
bring quality of life to all.
Keywords: Prevention. Right to health. Effectiveness.
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RESUMO
Estudar a tributação indutora, especificamente, a imunidade tributária
dos partidos políticos, partindo da premissa de que a imunidade em
geral é legitimada pelos direitos e princípios fundamentais
estabelecidos na Constituição Federal de 1988. Daí buscar-se-á na
Constituição Federal de 1988 quais dispositivos são concretizados
com a imunidade de tais entes. Ao fim, concluir-se-á que a imunidade
tributária dos partidos políticos é bastante pertinente, pois induz
positivamente o princípio democrático, o pluralismo político e outros
direitos e princípios fundamentais.
Palavras-chave: Tributação indutora. Imunidade. Partidos políticos.
1 INTRODUÇÃO
Constantemente, o estudo dos tributos mais se voltava para o seu aspecto primordial
(se é que assim ainda se pode referir), o qual consiste no fato de arrecadar recursos para o
Estado para que este possa desempenhar, de forma plena, as suas funções.
A dinamicidade da vida contemporânea, no entanto, aliada a previsíveis momentos
de crise econômica vividos pelos países de sistema de mercado, fez com que, a partir
especialmente da segunda metade do século XX, os estudiosos reforçassem sua atenção para
*
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Advogado em Natal/RN.
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FIDΣS
outro paradigma, que é o poder próprio do tributo de influenciar condutas dos agentes
econômicos.
Por sua vez, a imunidade tributária – um dos instrumentos da tributação indutora -
possui relação direta com os direitos fundamentais, como será ao longo deste trabalho
especificado.
Sendo assim, a partir desses dois aspectos, pode-se concluir que o constituinte pátrio
tinha em mente garantir determinados direitos fundamentais ao conferir a imunidade tributária
relativa aos partidos políticos, o que torna necessária uma perquirição acerca daqueles e um
estudo da imunidade tributária à luz da Constituição Federal de 1988.
Diante disso, considerando a grande relevância dos direitos fundamentais, mister
vislumbrar como a tributação indutora, no aspecto específico da imunidade tributária dos
partidos políticos, propicia a concretização de direitos fundamentais.
2 TRIBUTAÇÃO INDUTORA
Primordialmente, inegável que a principal função dos tributos é a fiscal, isto é, FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
arrecadar recursos para que o Estado possa deles se utilizar no sentido de angariar seus
objetivos, a depender da política pública que seja escolhida pelo seu dirigente.
Entretanto, a partir do momento em que se sai do liberalismo puro e se passa para o
Estado Democrático de Direito, em que ocorre intervenção por parte do Estado na economia
(e isso é um processo vivido atualmente pela imensa maioria dos países capitalistas), a
tributação com o escopo de induzir condutas, estimulando atividades, setores econômicos ou
regiões e desestimulando outras condutas (MACHADO, 2012, p.69), ganha extrema
importância, podendo-se, até mesmo, dizer que, atualmente, a função extrafiscal é tão
importante quanto a fiscal.
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375); focaliza a busca do pleno emprego, quando tributa menos atividades empregadoras que
especulativas; defende a soberania nacional, através da tributação, ao apoiar e estimular as
empresas que investem em pesquisa e criação de tecnologia adequada ao país; tutela o direito
do consumidor, quando tributa menos os produtos e serviços essenciais etc (SCHOUERI,
2005, p. 535-558).
Poder-se-ia, argumentar, igualmente, que a tributação indutora, mecanismo de
intervenção estatal na economia, é utilizada quando a economia privada impede que se efetive
o desenvolvimento econômico.
A tributação indutora pode ser utilizada, também, como mecanismo para redistribuir
riquezas, proteger a indústria ou o mercado interno, facilitar o desenvolvimento regional,
combater a inflação, disseminar a cultura, entre outros. (ABRAHAM, 2010, p. 63)
De igual modo, podem ainda ser elencados, conforme Dória (1986, p. 175): o
comando da conjuntura econômica, as barreiras alfandegárias, a correção de males sociais, a
redistribuição da renda nacional. Da doutrina italiana, extrai-se pensamento semelhante,
quanto aos propósitos da tributação indutora, como se pode aferir por meio de EzioVanoni,
citado por Abraham (2010, p.64):
Careceria de sentido abordar a tributação indutora, sem que, ainda que brevemente,
não se mencionassem os instrumentos postos à mercê do Estado para a sua utilização. Desse
modo, três instrumentos principais podem ser elencados no presente momento: a majoração
de alíquotas, a progressividade e os incentivos. Impõe-se que façamos uma breve digressão
sobre cada um deles.
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Umas das primeiras noções que a palavra imunidade passa é a de privilégio. Basta
uma simples consulta a um dicionário de língua portuguesa e pode-se notar o vocábulo
definido, entre outras coisas, como sinônimo de direitos, privilégios ou vantagens de que
alguém desfruta por causa do cargo ou função que exerce (FERREIRA, 2001, p.378).
De igual modo, quando se fala em imunidade tributária, certamente a noção de
privilégio vem à tona. Ocorre que, nada obstante as imunidades tributárias realmente
proporcionarem vantagens para aqueles que são imunes, não buscar a verdadeira razão de ser
de tal instituto em nosso sistema constitucional-tributário seria de uma ignorância aberrante. É
justamente esse o intuito deste tópico.
Destarte, em um apanhado doutrinário, não se tem tanta discrepância em relação ao
conceito de imunidade. Há quem destaque a condição de vedação constitucional à
competência tributária (MARTINS, 2008, p.283), ou aqueles que a veem como hipótese de
não incidência qualificada na Constituição Federal de 1988 (MORAES citado por
CARVALHO, 2009, p. 195-202). FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
Nesse diapasão, o professor Paulo de Barros Carvalho (2009, p. 202), por sua vez,
argumenta que a imunidade não é uma limitação constitucional às competências tributárias,
tampouco exclusão ou supressão do poder de tributar, nos seguintes termos:
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1
Previsão expressa no código civil de 2002, art. 44, V.
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Isto porque, em uma sociedade plural, vigora a noção que as pessoas podem divergir
não somente uma das outras, como também detêm esse direito frente ao Estado e aqueles
encarregados momentaneamente de seu governo.
Sendo assim, um dos mecanismos pelos quais tal antagonismo se exprime é através
da existência de partidos políticos, os quais, como já exposto alhures, congregam diferentes
maneiras de pensar, de agir e de tentar solucionar os diversos problemas locais, regionais e
nacionais.
Impende salientar, outrossim, a eminente função dos partidos políticos para a
formação da vontade política do povo, destacada, inclusive no voto do Ministro do Supremo
Tribunal Federal Celso de Mello, quando relator da ADI de n.º 1.407-2/DF2, nos seguintes
termos:
Sabemos todos que é extremamente significativa a participação dos partidos
políticos no processo de poder. As agremiações partidárias, cuja institucionalização
jurídica é historicamente recente, atuam como corpos intermediários, posicionando-
se, nessa particular condição, entre a sociedade civil e a sociedade política. Os
partidos políticos não são órgãos do Estado e nem se acham incorporados ao
aparelho estatal. Constituem, no entanto, entidades revestidas de caráter
institucional, absolutamente indispensáveis à dinâmica do processo governamental,
na medida em que, consoante registra a experiência constitucional comparada
‘concorrem para a formação da vontade política do povo’.
Ademais, cabe destacar que no sistema jurídico pátrio é vedada a candidatura avulsa,
ou seja, o candidato a algum cargo eletivo deve, necessariamente, encontrar-se filiado a algum
partido político, com registro perante o Tribunal Superior Eleitoral, pois a CFRB/88
estabelece a filiação partidária como condição indispensável para a elegibilidade (art. 14, §3º,
V).
4.2 RAZÃO DE SER DA IMUNIDADE DOS PARTIDOS POLÍTICOS FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
2
STF. ADI 1407-2 – DF. Pleno. Rel. Min. Celso de Mello. DJ. 24.11.2000.
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De igual modo, outro direito fundamental que poderia restar tolhido, caso inexistente
a imunidade, seria o da liberdade de associação (art. 5°, XVII, CRFB/88). Com efeito, em que
pese o Código Civil de 2002 tratá-los como entes diferentes, os partidos políticos em sua
essência, constituem uma associação de pessoas que compartilham de pensamentos e ideias
semelhantes.
Nessa linha, o que restou dito quanto ao direito de manifestação de pensamento
poderia, seguramente, ser utilizado quanto ao direito de associação, ambos previstos no rol
exemplificativo do art. 5° da Constituição Federal de 1988: pensar de modo contrário à
imunidade seria ocasionar um embaraço exacerbado à criação e organização dos partidos
políticos, o que acabaria por se traduzir em uma restrição, imprópria e desproporcional, à
liberdade de associação.
Veja-se, em um exemplo análogo, quão burocrática e complicada é a criação e
extinção de uma sociedade econômica no Brasil e uma dessas facetas engloba a própria carga
tributária. É fato notório que muitos agentes econômicos hesitam em abrir e fechar empresas
no país em virtude de tais aspectos, o que já é algo alarmante.
Por outro lado, imagine-se tamanha burocracia e limitação, imposta pela carga
tributária, fosse oponível aos partidos políticos. Certamente que cercearia não só o número
deles, mas também a vontade e disposição das pessoas (indispensáveis que são suas
participações) em agregarem-se. Logo, é de se concluir pela limitação tanto à manifestação de
pensamento, quanto à livre associação.
Pode-se estipular ainda, como dispositivo constitucional concretizado pela imunidade
dos partidos políticos, o art. 17, caput, o qual estabelece ser livre a criação, fusão,
incorporação e extinção de partidos políticos, devendo ser respeitados a soberania nacional, o
regime democrático, o pluripartidarismo e os direitos fundamentais da pessoa humana. FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
206
FIDΣS
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
auferida pelos entes imunes que apresenta, como legitimação, a finalidade de concretizar
algum direito fundamental previsto explícito ou implicitamente na Constituição Federal de
1988 (CRFB/88).
Além disso, especificamente em relação aos partidos políticos, observou-se que estes
estão imunes por força da CRFB/88. Diante disso, restou necessário perquirir-se à luz da
Constituição Federal de 1988, quais dispositivos tal imunidade concretizava. Em outras
palavras, o que legitimava a imunidade garantida a esses entes.
3
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n. 724.
207
FIDΣS
REFERÊNCIAS
AMARO, Luciano. Direito Tributário brasileiro. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
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BORGES, José Souto Maior. Teoria geral da isenção tributária. São Paulo: Malheiros,
2011.
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FIDΣS
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(coord). Tratado de direito constitucional tributário: estudos em homenagem ao professor
Paulo de Barros Carvalho. São Paulo: Saraiva, 2005.
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2009.
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Elsevier, 2005.
SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário e Ordem Econômica. In.: : TORRES, Heleno
Taveira (coord). Tratado de Direito Constitucional Tributário: estudos em homenagem ao
professor Paulo de Barros Carvalho. São Paulo: Saraiva, 2005.
209
FIDΣS
ABSTRACT
Study the inducing taxation, specifically, the immunity of political
parties, under the assumption that immunity is often legitimized by
fundamentals rights and principles established in the constitution of
1988. From that, it will pick up in the Federal Constitution of 1988
which dispositives are achieved with the immunity of such entities. At
the end, it will be concluded that the tax immunity of political parties
is quite relevant as it induces positive democratic principle of political
pluralism and other fundamentals rights and principles.
Keywords: Inducing taxation. Immunity. Political parties.
210
FIDΣS
RESUMO
O presente trabalho analisa, sob a perspectiva consumerista, o
posicionamento do Superior Tribunal de Justiça que entendeu válida a
estipulação de prazo prescricional para os créditos de celulares pré-
pagos, considerando legítima a Resolução nº 477/2007 da Anatel que
regulamenta o tema. Observa que, em consonância com as regras e os
princípios instituídos pelo Código de Defesa do Consumidor, é de
fundamental importância coibir as práticas abusivas fomentadas pelos
fornecedores de serviço, dentre os quais se destacam as empresas de
*
Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Estagiária na Justiça
Federal no Rio Grande do Norte.
**
Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Estagiária na Procuradoria
da República no Rio Grande do Norte.
211
FIDΣS
1 INTRODUÇÃO
212
FIDΣS
telefonia, elaborar normas, controlar tarifas telefônicas, expedir a autorização para que as
empresas possam prestar o serviço e aplicar sanções para as que não cumprirem o que foi
determinado.
Diante disso, com o escopo de realizar as atividades supramencionadas, a Agência
Reguladora edita Resoluções para instruir o setor de telefonia. No entanto, o que vem sendo
observado é que a Anatel, na tentativa de regular exacerbadamente determinadas matérias,
acaba privilegiando o setor privado em detrimento do interesse público, como é o caso de
alguns dispositivos da sua Resolução n.º 477/2007.
O capítulo III da supramencionada Resolução dispõe sobre as normas
regulamentadoras dos planos de celulares pré-pagos, determinando, em seu art. 62, caput e
§1º, a sujeição dos créditos a prazo de validade, senão vejamos:
Observa-se, assim, que tais dispositivos restringem o direito dos usuários do serviço
de telefonia, uma vez que os créditos adquiridos estão condicionados a um prazo a ser
estipulado pelas operadoras a partir do disposto no §1º.
Desse modo, a única maneira de conseguir a revalidação dos créditos expirados pelo
decurso do prazo de validade é com a inserção de novos créditos, conforme dispõe o §4º do
art. 62 da referida Resolução, o qual diz que “no caso de inserção de novos créditos, antes do
prazo previsto para rescisão do contrato, os créditos não utilizados e com prazo de validade
expirado serão revalidados pelo mesmo prazo dos novos créditos adquiridos”.
Desta feita, observa-se que depois de esgotado o prazo de validade, sem a inserção FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
de novos créditos, não será possível realizar ligações e nem receber chamadas a cobrar, só
será permitido receber ou fazer ligações que não sejam onerosas para a linha telefônica,
durante o prazo mínimo de 30 dias. Decorrido o prazo, o serviço poderá ser suspenso
totalmente, inclusive com o bloqueio para o recebimento de ligações.
213
FIDΣS
O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com uma ação civil pública (Processo
n.º 2005.39.00.004354-0) contra a Anatel e as operadoras de telefonia, tendo em vista
considerar irregular o limite temporal estabelecido para a utilização dos créditos de celulares
pré-pagos. O juízo de 1º grau entendeu ser improcedente o pedido, decisão da qual o MPF
apelou.
A 5ª Turma do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, ao analisar o recurso,
entendeu, por unanimidade, a abusividade da estipulação do prazo, assim como declarou nulas
as cláusulas contratuais que determinem a perda dos créditos após o decurso do tempo ou que
condicionem a continuidade do serviço a partir da inserção de novos créditos.
Em seguida, a Anatel recorreu para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), obtendo
1
decisão que determinou a suspensão do que foi decidido pelo TRF da 1ª Região, bem como
restabeleceu o prazo de validade para os créditos de celulares pré-pagos. Dessa forma, a
Resolução da Anatel voltou a ter eficácia.
No pedido de suspensão de liminar e sentença, interposto pela Agência Nacional de
Telecomunicações perante o Superior Tribunal de Justiça, o Ministro Felix Fischer deferiu o
pedido para suspender a decisão exarada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Em sua
decisão monocrática, o Ministro do STJ entendeu que manter uma decisão que determinava
seu imediato cumprimento causaria uma lesão à ordem e à economia pública, dada a
importância da área regulamentada pela Anatel. Ademais, o ato decisório impugnado
modificaria áreas técnicas e específicas da Reguladora em questão.
Além disso, a execução imediata de uma situação não prevista nas normas do sistema FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
de telefonia poderia causar um desequilíbrio tanto técnico como financeiro. Desse modo, o
Ministro optou por manter a presunção de legitimidade da Resolução editada pela Anatel.
Por fim, superada a questão processual, o Ministro Felix Fischer citou um julgado do
STJ, afirmando que o mérito da presente questão revela um grau de incerteza, tendo em vista
que se encontra no sentido oposto do seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça:
1
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Suspensão de Liminar e de Sentença n.º 1.818 /DF 2013/0367224-7.
Decisão Monocrática Min. Herman Benjamin. DJe 05.11.2013.
214
FIDΣS
Desse modo, pode-se observar no caso análogo que o STJ reconheceu a licitude do
estabelecimento de prazos de validade para os créditos de telefones pré-pagos, defendendo
que a Anatel tem legitimidade para estabelecer a estrutura tarifária mais adequada para a
prestação de serviço, sendo válida a Resolução nº 477/2007, que regulamenta o serviço de
telefonia pré-pago. Outrossim, não estabelecer prazos de validade poderia significar uso
gratuito do serviço, pois o serviço pré-pago se sustenta tão somente pelos créditos que o
usuário adquire.
Nesse julgado, o Ministro Relator Herman Benjamim entendeu que os usuários
dispõem de inúmeros planos de telefonia para se adequar a sua necessidade, podendo optar
tanto pelo serviço pós-pago como pelo pré-pago, o que possibilita ao consumidor uma ampla
liberdade de escolha.
2
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AgRg no REsp 1222916/PR. Segunda Turma. Rel. Min. Herman
Benjamin. j. 07.04.2011. DJe 25.04.2011.
215
FIDΣS
consumidor em extrema desvantagem, causando-lhe prejuízos. O CDC, em seu art. 51, não
traz um conceito fechado do que seria a abusividade de uma cláusula, mas tão somente se
restringe a expor um rol exemplificativo.
Nessa perspectiva, o CDC adotou um sistema aberto ao tratar das cláusulas abusivas,
devendo o julgador, a partir de uma análise casuística, analisar se há ou não uma cláusula que
seja desfavorável ao consumidor. Dessa forma, assevera SCHMITT (2008, p. 142):
216
FIDΣS
Como a cláusula abusiva é nula, tem de ser destituída de validade e efeito já antes do
pronunciamento judicial. Não há por que aguardar que se busque a declaração de
algo que de fato já é. Por isso que o efeito da decisão judicial é ex tunc, uma vez que
nela se reconhece a nulidade existente desde o fechamento do negócio.
Por conseguinte, mesmo que a parte não alegue se tratar de uma cláusula abusiva, o
magistrado deve reconhecer de ofício, pois questões de ordem públicas podem ser arguidas
em qualquer tempo ou grau de jurisdição, podendo-se considerar, inclusive, uma questão
imprescritível. Contudo, a Súmula nº 381 do STJ traz uma exceção à possibilidade de
reconhecimento de ofício das cláusulas abusivas quando se tratarem de contratos bancários,
cuja abusividade deve ser demonstrada expressamente.
Nesse sentido, Nelson Nery Júnior (2001, p. 505) define que “a nulidade de pleno
direito das cláusulas abusivas nos contratos de consumo não é atingida pela preclusão, de
modo que pode ser alegada no processo a qualquer tempo e grau de jurisdição, impondo-se ao
juiz o dever de pronunciá-la de ofício.”.
Desse modo, é possível asseverar que as cláusulas abusivas apresentam-se como uma
importante mitigação da força obrigatória dos contratos, conhecida como pacta sunt servanda
(TARTUCE; NEVES, 2013, p. 285), a qual dispõe que os acordos devem ser cumpridos
obrigatoriamente. Logo, a nulidade de pleno direito de cláusulas abusivas privilegia a função
social do contrato em detrimento do cumprimento de uma obrigação contrária a principiologia
do CDC.
O art. 51, inciso IV, traz uma das cláusulas consideradas abusivas para o Código de
217
FIDΣS
3
Anatel. Quantidade de Acessos/Plano de Serviço/Unidade da Federação - Junho/2014. Anatel. Disponível em:
<http://sistemas.anatel.gov.br/SMP/Administracao/Consulta/AcessosPrePosUF/telaConsulta.asp> Acesso em: 28
out. 2014.
218
FIDΣS
219
FIDΣS
Nesse ínterim, o art. 39, inciso I, afirma que se consideram prática abusiva
“condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou
serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos”. Tal artigo refere-se à venda
casada e a quantitativa.
Diante disso, o fornecedor não pode impor, ao vender um produto ou serviço, que o
consumidor adquira outro produto ou serviço. Sendo assim, o consumidor não pode ser
obrigado a comprar um produto/serviço que não deseja como condição para obter o
produto/serviço desejado. Em suma, a venda casada é a “hipótese em que o fornecedor
somente resolve um problema quanto a um produto ou serviço se um outro produto ou serviço
for adquirido” (AMORIM; TARTUCE, 2013, p. 370).
Outrossim, além do regulamentado pelo CDC, a prática da venda casada já foi,
inclusive, considerado um crime contra a ordem econômica, previsto no art. 5º, II, da Lei
Federal n.º 8.137/90, com pena de detenção de 2 a 5 anos ou multa. Contudo, tal dispositivo
foi revogado pela Lei Federal nº 12.529/11.
A partir do entendimento de como se configura uma prática abusiva e de uma das
suas hipóteses, qual seja, a venda casada, é possível perceber que a Resolução n.º 477/2007 da
Anatel, em seu art. 62, § 4º, afronta normas protetivas da relação consumerista, pois, para o
consumidor revalidar os créditos expirados, é necessário a inserção de novos créditos. Desse
modo, a venda casada ocorre no momento em que o usuário para ter o direito de usar o
serviço que já adquiriu, precisa adquirir, novamente, o mesmo serviço.
E mais, se decorrido o prazo de validade, e o período de, no mínimo, 30 dias, a
operadora poderá suspender integralmente o serviço, limitando, inclusive, que o consumidor
receba ligações que não são onerosas para ele, o que pode também ser caracterizado como
uma prática abusiva. FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
220
FIDΣS
O art. 62, § 4º, da Resolução n.º 477/2007 da Anatel permite que, decorrido o prazo
de validade para expiração dos créditos, após o prazo estipulado para a suspensão do serviço,
o contrato de prestação pode ser rescindido pela prestadora, sendo a linha telefônica
cancelada.
Em primeiro plano cumpre ressaltar que cláusula que autoriza rescisão unilateral do
contrato pelo fornecedor é considerada abusiva, salvo se for dado ao consumidor o mesmo
direito, nos termos do art. 51, XI, do CDC, sendo, portanto, nula de pleno direito.
No entanto, esse não é o caso que melhor se afigura diante art. 62, § 4º, e sim o do
enriquecimento sem causa por parte da prestadora de serviço ao se apropriar de todo o valor
pago e não utilizado pelo consumidor. Ademais, poder-se-ia configurar, inclusive, por
analogia, uma apropriação indébita.
No momento em que a prestadora de serviço cancela uma linha telefônica cujos
créditos não foram utilizados dada a sua perda em virtude do decurso do tempo, ela está se
apoderando do valor pago pelo consumidor, uma vez que não mais prestarão o serviço
correspondente à quantidade pretendida pelo usuário. Dessa forma, as operadoras recebem
antecipadamente para prestar um serviço, o qual apresenta um prazo prescricional.
O instituto do enriquecimento ilícito está previsto no art. 884 do Código Civil e dele
se infere que “aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a
restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários”. Poderia ser,
assim, definido como o aumento patrimonial de um em detrimento de outro, de forma ilícita.
Para Caio Mário (2003, p. 537): FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
Toda aquisição patrimonial deve decorrer de uma causa, ainda que seja ela apenas
um ato de apropriação por parte do agente, ou de um ato de liberalidade de uma
parte em favor de outra [...] O sistema jurídico não admite, assim, que alguém
obtenha um proveito econômico às custas de outrem, sem que esse proveito decorra
de uma causa juridicamente reconhecida.
221
FIDΣS
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Perante o que foi exposto, pode-se concluir que o entendimento do Superior Tribunal
de Justiça em manter o estabelecimento de prazo de validade para os celulares pré-pagos,
4
TJ SC. AC 319707. Rel. Min. Luiz Cézar. Medeiros. j. 31.01.2012.
222
FIDΣS
REFERÊNCIAS
BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal 3. 8. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2012.
223
FIDΣS
GRINOVER, Ada Pellegrini; BENJAMIN, Antônio Herman V.; NERY JR., Nelson; e outros.
Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto.
7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.
NUNES, Luiz Antônio Rizzato. Curso de Direito do Consumidor. 7. ed. rev. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2012.
SCHMITT, Cristiano Heineck. Cláusulas abusivas nas relações de consumo. 2. ed. São
Paulo: RT, 2008.
SILVA PEREIRA, Caio Mário. Instituições de direito civil. 11. ed. atual. por Regis Fichtner.
Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. III.
ABSTRACT
This study analyzes the perspective consumerist, positioning the
Superior Court of Justice to understand the stipulation valid statute of
limitations for claims of prepaid cell phones, considering legitimate
Anatel Resolution regulating the subject. Notes that, in line with the
rules and principles defended by the Code of Consumer Protection, is
of fundamental importance curb abusive practices fostered by service
providers, among which stands out the mobile phone companies.
Currently, the conduct adopted by that service provider proves
224
FIDΣS
225
FIDΣS
RESUMO
A Constituição Federal brasileira de 1988 trouxe como direito social,
o direito ao lazer; obrigando o Poder Público a incentivá-lo como
forma de promoção social, assegurando à criança e ao jovem o direito,
entre outros, ao lazer e à cultura. É nesse contexto que a proteção e
defesa do consumidor são alçadas à condição de direito fundamental.
Surge então o direito do estudante a pagar a metade do valor
efetivamente cobrado para o acesso a manifestações culturais. Com
isso, o presente trabalho objetiva expor aspectos da meia-entrada
estudantil em geral. Para tanto, pautar-se-á em critérios
*
Graduado em Direito pela Universidade Potiguar - UNP (2005). Especialista em Direito do Consumidor e
Relações de Consumo pela Universidade Potiguar (2008). Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (2011). Doutorando em Sociedad Democrática, Estado y Derecho pela Universidad del País
Vasco / Euskal Herrico Unibertsitatea (UPV/EHU) - Espanha (2011 - ). Professor de Direito das Relações de
Consumo na UFRN. Pesquisador visitante do Programa de Recursos Humanos em Direito do Petróleo, Gás
natural e Biocombustíveis (PRH - ANP/MCTI n. 36 / UFRN). Membro do grupo de pesquisa Direito e
Regulação dos Recursos Naturais e da Energia - UFRN.
**
Graduando em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2011 - 2015). Acadêmico do 8º
semestre. Membro da Base de Pesquisa: Direito Internacional e Soberania do Estado brasileiro. Monitor da
disciplina de Direito das Relações de Consumo.
226
FIDΣS
1 INTRODUÇÃO
227
FIDΣS
228
FIDΣS
A norma constitucional, por sua vez, não existe autonomamente diante da realidade,
sendo a sua existência baseada essencialmente em sua vigência, levando a crer que sua
efetividade e força estão ligadas à pretensão de concretização dessa norma na realidade. É,
pois, a pretensão de eficácia, que graças a essa, a Constituição procura conferir ordem à
realidade política e social. Dessa forma, a Constituição adquire força normativa na medida em
que objetiva realizar essa pretensão de eficácia (HESSE, 1991, p. 24)
Como já evidenciado, essa dimensão objetiva dos direitos fundamentais confere-lhes
uma “eficácia irradiante”, convertendo-o em um norte para a interpretação e aplicação das
normas dos diversos ramos do Direito; ensejando ainda a questão da eficácia horizontal dos
229
FIDΣS
direitos fundamentais, que irradia a sua eficácia para a esfera privada, nas relações entre os
particulares, como o é a relação consumerista (MENDES, 2012, p. 190).
Por conseguinte, tem-se que o fundamento da proteção ao consumidor e da garantia à
meia-entrada não está somente na Constituição Federal, mas também no microssistema
consumerista.
Assunto o qual tem em Natalino Irti sua referência. Para ele, “a unidade do sistema
jurídico oculta uma pluralidade de microssistemas, cada um dotado de uma lógica própria e de
um ritmo próprio de desenvolvimento” (1999, p. 71). Diante disso, depreende-se que é um
conjunto de normas inter-relacionadas, que por uma força de caráter integrador se constitui
em uma unidade, conforme Michel van Kerchove e François Ost (1994, p. 5-6).
Trata-se de um “inegável” microssistema das relações de consumo, no qual, desde
que não gere conflitos, serão aplicadas disposições e regras do Código Civil e de legislações
extravagantes pertinentes à matéria.
Como Lei principiológica que é, o Código ingressa no sistema jurídico brasileiro
atuando de maneira horizontal, atingindo toda relação que possa se dizer consumerista,
mesmo que esteja também regrada por outra norma jurídica infraconstitucional.
Nesse ponto, deve-se trazer à discussão a Teoria do Diálogo das fontes importada da
Alemanha através dos estudos de Cláudia Lima Marques, pois, tendo em vista a pluralidade
legislativa presente no ordenamento protetivo em questão, há o risco do surgimento de
antinomias.
Dessa forma, é a partir desse conflito que o operador do Direito busca formular, em
uma espécie de simbiose e sincretismo, a solução para a situação fática, de acordo com os
parâmetros jurídicos que regulamentam o assunto, afinada com as bases constitucionais.
Esta solução jurídica para o conflito em análise, apesar de eminentemente de consumo, FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
230
FIDΣS
Nessa toada, juntamente com o CDC, existem Leis estaduais e municipais em cada
localidade do país dispondo sobre questões ligadas à relação de consumo, dentre as quais é
possível citar as Leis que garantem a meia-entrada aos estudantes.
231
FIDΣS
definição mais direta, qual seja: “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou
utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Portanto, da apreciação desse dispositivo,
vê-se que a única restrição à definição de consumidor seria que este adquirisse ou utilizasse o
bem como seu destinatário final.
Dessa interpretação compartilham os adeptos da teoria finalista, para os quais a
expressão “destinatário final” do artigo mencionado deve ser interpretada de maneira
restritiva. Ou seja, destinatário final seria o destinatário fático e econômico do bem ou
serviço, sendo este pessoa física ou jurídica. Não basta apenas retirar o produto do mercado, é
necessário ser o destinatário final econômico desse produto, não o adquirindo com intenção
de revenda, com intenção de uso profissional. De tal forma, deve ser considerado consumidor
232
FIDΣS
aquele que adquire ou utiliza o bem para uso próprio e de sua família, não sendo o
profissional, situação na qual faltaria a questão da hipossuficiência, no geral (atentando
sempre para a possibilidade de profissionais vulneráveis em suas três formas: técnica, jurídica
e fática) (BENJAMIN, 2013, p. 94)
Contudo, não se tem apenas essa concepção. Baseando-se no modo de aferição do
lucro, bem como na situação de vulnerabilidade do consumidor dentro do mercado surge
também a teoria maximalista, falando-se ainda da finalista aprofundada (CARVALHO, 2000,
p. 20-24).
Para os maximalistas, a definição que se encontra no caput do art. 2º do CDC deve
ser entendida extensivamente, de forma a ampliar o conceito de consumidor abrangendo tanto
os não profissionais, bem como os profissionais que adquirem ou utilizam o produto ou
serviço no desempenho de seu labor, sendo estes destinatários finais, desde que não aufiram
lucros diretos com os produtos ou serviço (EFING, 2004, p. 60).
Ademais, o entendimento majoritário da doutrina, bem como o adotado pelo
Superior Tribunal de Justiça1 gira em torno da aplicação de uma terceira vertente teórica, que
é denominada finalista atenuada ou mitigada, com base na qual o profissional ou empresa que
compra ou utiliza determinado produto ou serviço podendo ser considerado destinatário final
desde que se comprove a sua vulnerabilidade técnica, jurídica, econômica ou informacional
no caso concreto (NISHIYAMA, 2010, p. 64).
Portanto, o estudante portador de carteira de estudante, ou devidamente matriculado
em ensino médio, superior ou cursos de idioma e preparatórios para vestibular, como
destinatário final fático e econômico do ingresso ou senha para evento que cumpre com as
características já descritas, é portador da proteção do microssistema consumerista, sendo a ele
dado o direito à meia-entrada na condição de consumidor. FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
1
Superior Tribunal de Justiça. Resp. nº. 661.145/ES. Rel. Min. Jorge Scartezzini. j. 22/02/2005. DJ 28.03.2005.
233
FIDΣS
pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes
despersonalizados (art. 3°, caput).
Dessa forma, vê-se que o código buscou conferir a maior amplitude possível ao
conceito de fornecedor, mas somente contemplou aqueles que participam do fornecimento de
produtos e serviços no mercado de consumo, de modo a satisfazer as demandas dos
consumidores no exercício habitual do comércio. Desse modo, estariam excluídas da tutela
consumerista os contratos firmados entre dois consumidores não profissionais ou com o
comerciante não atuante em sua atividade-fim, por não fazê-lo com habitualidade, aplicando a
estes o Código Civil.
A chave para compreender esse conceito está na expressão utilizada no Código,
"desenvolvem atividades". Dessa forma, exemplifica-se como típica fornecedora a Escola que
oferece cursos pagos a estudantes. Contrariamente, temos a mesma Escola que vende veículos
de sua propriedade através de anúncios em classificados, não sendo dessa vez considerada
fornecedora, pois não se trata de uma atividade própria de seu ofício, não a desenvolve com
habitualidade.
Nesse sentido o STJ já decidiu que agência de viagem quando vende carro próprio,
não atua como fornecedor, já que compra e venda de veículos não fazem parte da atividade
comercial da empresa, pois as normas do CDC não se aplicam às relações de compra e venda
de objeto totalmente diferente daquele que não se reveste de natureza do comércio exercido
pelo vendedor 2.
A conceituação de fornecedor é bipartida em duas espécies, quais sejam:
fornecedores imediatos e fornecedores mediatos ou indiretos.
O fornecedor imediato é aquele que mantém relação direta com o consumidor, ou
seja, é o que atua de forma mais específica na comercialização de produtos e/ou na prestação FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
2
Superior Tribunal de Justiça. AGA n° 150829/DF, Rel. Min. Waldemar Zveiter. j. 11/05/1998. DJ 11.05.1998.
234
FIDΣS
Tem-se também teoria que versa sobre um fornecedor equiparado que surgiu da
situação de vulnerabilidade no mercado de consumo que ocasionou uma espécie de ampliação
do campo de aplicação do CDC, enxergando de forma mais ampla o artigo 3º. Seria este
apenas um terceiro intermediário ou ajudante da relação principal, mas que atua frente a um
grupo de consumidores ou a um consumidor individual. Trata-se do “dono” da relação conexa
à principal.
Nesse sentido, tem-se a teoria elaborada por Leonardo Roscoe Bessa ao afirmar que
a vulnerabilidade principal diante do mercado de consumo gera por si só a uma ampliação do
campo de aplicação do CDC, analisando de forma mais abrangente o art. 3º. É aquele terceiro
na relação de consumo, sendo um intermediário ou ajudante da relação principal (BESSA,
2007, p. 127).
Diante disso, presentes os elementos fundamentais da relação jurídica de consumo -
quais sejam: elemento objetivo (produto ou serviço que é o ingresso e o evento); elemento
causal (destinatário final); e, principalmente o subjetivo (sendo o estudante o consumidor em
relação com o fornecedor) – fica demonstrado que há uma relação de consumo na situação de
compra de ingresso por estudante, podendo-se aplicar o microssistema de defesa do
consumidor.
3
BRASIL.Lei Estadual nº 6.503, de 1º de dezembro de 1993. Assegura a estudantes o direito ao pagamento de
meia-entrada em espetáculos esportivos, culturais e de lazer, e dá outras providências correlatas.
4
BRASIL. Lei Municipal nº 4.743, de 26 de março de 1996.Dispõe sobre a concessão aos estudantes a redução
equivalente a 50% (cinqüenta por cento) do valor do ingresso ou entrada em espetáculos artísticos, e dá outras
providências.
235
FIDΣS
Dessa forma, sabe-se que cada Estado, assim como inúmeros municípios, possui suas
próprias Leis da meia-entrada para estudantes5, variando termos e determinados aspectos
entre uma e outra, mas mantendo, no geral, uma homogeneidade no tratamento ao assunto.
Em dezembro de 2013, surgiu a mais nova disposição legislativa a tratar do tema, agora em
âmbito Federal, é a Lei Federal nº 12.933/2013, que dispõe sobre o pagamento de meia-
entrada para estudantes, idosos, pessoas com deficiência e jovens de 15 a 29 anos
comprovadamente carentes em espetáculos artístico-culturais e esportivos, que como já
mencionado não pode ser aplicada em decorrência de seu artigo 6º que prevê a elaboração de
regulamentação posterior para que possa gerar efeitos.
Nesse sentido, tendo em vista o princípio da proteção ao consumidor - consagrado na
Constituição Federal em seu artigo 170, inciso V; bem como no próprio CDC em seu artigo
1° - salienta-se que as Leis podem ser empregadas somando o que cada uma tem de mais
benéfica para o estudante. Nesse sentido, tem-se também o artigo 4º, caput, do Código de
Defesa do Consumidor no sentido de que a Política Nacional das Relações de Consumo tem
como objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade,
saúde e segurança, e principalmente a proteção de seus interesses econômicos.
Conforme a referida Lei do Município de Natal (Lei municipal 4.743/96), a
comprovação da condição de estudante é feita mediante a apresentação de documento de
identidade estudantil, expedido pela Entidade Representativa (União Municipal dos
Estudantes Secundaristas, Diretório Central dos Estudantes, Associação Potiguar de
Estudantes Secundaristas e União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) ou órgão por ela
autorizado (art. 1°, §1°).
Já na Lei Estadual nº 6.503/93, do Estado do Rio Grande do Norte, o estudante
beneficiado é aquele devidamente matriculado em estabelecimento de ensino público ou FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
5
Apesar dessa ponderação, conveniente registrar o art. 24, inc. V da CF, que permite a competência concorrente
pra legislar sobre o tema.
236
FIDΣS
requisito somente a matrícula regular do estudante nos níveis enunciados. Aplica-se então a
disposição da Lei Estadual, bastando o comprovante de matrícula regular do estudante, tendo
em vista a inaplicabilidade da Lei Federal por inexistência de Lei regulamentadora, bem como
o princípio da proteção do consumidor propugnando a aplicação da condição mais benéfica ao
consumidor.
Vistas as peculiaridades do tratamento de quem são os beneficiários de cada Lei, é
necessário agora observar o direito que cada norma garante aos estudantes. Na Lei municipal
nº 4.743/96, é concedida aos estudantes a redução equivalente a 50% do valor do ingresso ou
entrada em espetáculos artísticos, circos, ou de natureza cultural que se realize em casa de
espetáculos no município de Natal ou que venham a ocorrer em teatros (art. 1°, caput).
Por sua vez, a Lei estadual nº 6.503/93 dispõe que será assegurado aos estudantes o
pagamento da meia-entrada do valor efetivamente cobrado para o ingresso em casas de
espetáculos teatrais, musicais, circenses, de exibição cinematográfica, praças esportivas e
similares das áreas de esporte e cultura na conformidade da presente Lei (art. 1°, caput).
No caso da Lei Federal nº 12.933, fica assegurado aos estudantes acessarem salas de
cinema, teatros, espetáculos musicais e circenses e eventos educativos, esportivos, em todo o
território nacional, sendo estes promovidos por quaisquer entidades e realizados em qualquer
tipo de estabelecimento, seja ele público ou particular, mediante pagamento da metade do
preço do ingresso efetivamente cobrado do público em geral.
Dessa forma, vê-se que as Leis estadual e federal possuem uma disposição mais
ampla quanto aos eventos em que o estudante conta com o benefício, estendendo o direito às
realizações esportivas, o que não consta, por exemplo, na Lei 4.743/96 do Município de Natal
– Rio Grande do Norte, tratando ainda da questão da metade do valor do preço efetivamente
cobrado. A Lei Federal ainda vai mais distante, afirmando que o direito à meia-entrada se dá FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
237
FIDΣS
cumprimento da Lei será da competência da Secretaria Municipal de Finanças. Por sua vez, a
Lei Federal em seu artigo 3º traz que a fiscalização caberá aos órgãos públicos competentes
federais, estaduais e municipais, ou seja, delegando a cada ente essa escolha.
No que diz respeito às penalidades decorrentes do descumprimento, apenas a Lei n°
4.743 de 1993 do Município de Natal trata expressamente da questão. É o que dispõe o art. 5°
da citada Lei, ao enunciar que caso não cumpra o que está previsto no art. 1°, o fornecedor
infrator fica sujeito a multa equivalente a até 250 ingressos cobrados pelo evento (inciso I);
suspensão pelo período de até 60 dias, em se tratando de reincidência (inciso II);
cancelamento definitivo da licença de funcionamento (inciso III). Trazendo ainda em seu
parágrafo único que “a apuração da infração e aplicação da penalidade, assegurada em
qualquer caso a ampla defesa, reger-se-á pelas normas do processo administrativo”.
É importante demonstrar mudanças cruciais que a Lei Federal nº 12.933 de 26 de
dezembro de 2013 busca trazer, que muitas vezes são mais benéficas em relação ao
fornecedor. Veem-se essas mudanças, por exemplo, da dicção do artigo 1°, § 10 que
especifica uma quantia limite de 40% do total de ingressos disponíveis para a disponibilização
de meia-entrada aos estudantes. Tal limitação além de extremamente desvantajosa aos
consumidores não é especificada em nenhuma outra Lei.
A referida determinação do percentual traz ao menos um ônus ao fornecedor, que é o
dever de prestar informações, o que está amparado pelo princípio da informação consagrado
no microssistema de defesa consumerista. É o que se observa do artigo 2° da Lei Federal nº
12.933/2013, que enuncia que o cumprimento do percentual acima mencionado será aferido
por meio de um instrumento que ofereça ao público as informações atualizadas em relação a
quantia de ingressos ainda disponíveis. Devendo, ainda, as produtoras disponibilizarem o
número total de ingressos disponíveis aos usuários da meia-entrada, em todos os pontos de FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
venda de ingressos, de forma visível e clara (artigo 2º, § 1º, inciso I); informando também
quando do esgotamento de ingressos (artigo 2º, § 1º, inciso I); além de disponibilizarem um
relatório de vendas de ingressos de cada evento à Associação Nacional de Pós-Graduandos, à
União Nacional dos Estudantes, à União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, a entidades
estudantis estaduais e municipais filiadas àquelas e ao Poder Público, interessados em
consultar o cumprimento do disposto no §10 do artigo 1°(artigo 2º, §2º).
Ademais, também como corolário do princípio da informação, os estabelecimentos
mencionados na Lei deverão, quando possível a aplicação dessa norma, afixar cartazes, em
local visível da bilheteria e da portaria, de que constem as condições estabelecidas para o
gozo da meia-entrada, com os telefones dos órgãos de fiscalização.
238
FIDΣS
Município do Natal.
Data de 5 de junho de 2012 a Lei Federal n° 12.663, chamada Lei Geral da Copa do
Mundo, que dispõe sobre as medidas relativas à Copa das Confederações FIFA 2013, à Copa
do Mundo FIFA 2014 e à Jornada Mundial da Juventude – 2013, no Brasil.
Com base nessa Lei, ficou determinado, em seu art. 26, que a FIFA fixaria os preços
dos ingressos para cada partida das Competições (Copa das Confederações e Copa do
Mundo), obedecendo a determinadas regras.
239
FIDΣS
240
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inúmeras as práticas que atentam contra tal direito, motivo pelo qual, neste tópico, tratar-se-á
de apenas algumas que estão em maior evidência e recorrência.
É comum a realização de eventos, em boates, casas de shows e afins, sem que o valor
da meia-entrada seja sequer informado ao consumidor, afrontando o direito do consumidor de
obter a informação completa e clara do que está adquirindo, contrariando o previsto no artigo
31, do CDC6. Nesses casos, subentende-se que o preço divulgado é o da inteira, sendo direito
do estudante pagar a 50% do efetivamente divulgado7.Esta prática inclui-se na chamada
“prática do preço único” aplicada por inúmeros fornecedores.
A questão da observância ao princípio da informação está contemplada na Lei
Federal nº 12.933/13, pois em seu artigo 2º, §1º, trata-se da instituição de mecanismos que
viabilizem o fornecimento aos consumidores das informações precisas de forma visível e
clara quanto ao número exato do total de ingressos disponibilizados, vendidos, reservados
para o valor da meia-entrada, além de informar do esgotamento de ingressos.
Outra prática que fere os ditames do microssistema consumerista é a limitação de
venda de ingressos por valor de meia-entrada à determinada quantia de ingressos
disponibilizados. No entanto, esta limitação passará a ser permitida quando possível a
aplicabilidade da Lei Federal nº 12.933/13, dispondo que a concessão do direito ao benefício
da meia-entrada é assegurada em 40% (quarenta por cento) do total dos ingressos disponíveis
para cada evento.
Tal prática consiste em ato abusivo e ilegítimo, pois enquanto houver lugares
disponíveis e senhas sendo vendidas, deve haver a meia-entrada. Tal fato está previsto no
CDC, no art. 39, inciso II, que diz que será considerada prática abusiva: “recusar atendimento
às demandas dos consumidores, na exata medida de sua disponibilidade de estoque”. Além
disso, deve-se aplicar a melhor disposição legislativa para o consumidor, tendo em vista o FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
6
Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas,
ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço,
garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e
segurança dos consumidores. Parágrafo único. As informações de que trata este artigo, nos produtos
refrigerados oferecidos ao consumidor, serão gravadas de forma indelével.
7
Artigo 1º da Lei 12.933/2013; artigo 1º da Lei 6.503/1993 e artigo 1º da Lei 4.743/1996.
241
FIDΣS
citar a limitação da venda de meia-entrada para festas e concertos de música, nos quais as
chamadas áreas VIP’s ou camarotes são restritos às entradas pagas pelo valor de inteira.
Com efeito, o fornecedor não pode instituir um requisito/limitação que a própria Lei
não impõe, principalmente porque essa limitação prejudica os consumidores. O ingresso da
área VIP já é naturalmente mais caro, então mesmo pagando meia-entrada o consumidor vai
pagar mais caro, posto que o serviço extra deve ser cobrado sobre o valor da meia-entrada,
não da inteira, ou do valor único, como geralmente dizem os fornecedores.
O fornecedor não é obrigado a oferecer a área VIP aos seus consumidores, se ele
decide fazer, deve arcar com o bônus (lucro maior em decorrência do preço mais alto), mas
também com o ônus (vender meia-entrada). Ou seja, o fornecedor deve assumir por si só o
risco do negócio.
Portanto, no caso da cidade de Natal e do estado do Rio Grande do Norte, bem como
em diversos outros Municípios e Estados brasileiros, não se pode negar o direito a venda da
meia-entrada às Áreas VIP’s ou camarotes, pois nem a Lei municipal n° 4.743/96, nem a Lei
estadual n° 6.503/93, impõem tal limitação aos consumidores, não sendo lícito aos
organizadores desses eventos, discricionariamente, ou sob fundamentação de Lei que não a da
localidade do fato, impor tal limitação.
Com efeito, qualquer ofensa à norma de defesa do consumidor enseja aplicação de
sanções a nível administrativo, como preceitua o artigo 56 do CDC8.
Estas sanções são previstas de modo geral pelo Código de Defesa do Consumidor,
podendo ser aplicadas em qualquer situação. No caso do Estado do Rio Grande do Norte, a
Lei estadual n° 6.503/1993 não trata das sanções aplicáveis àqueles que descumprirem as suas
disposições, porém, a Lei n° 4.743/1996 do Município de Natal enuncia em seu artigo 5º as
sanções a que se sujeitam os que descumprirem o previsto no artigo 1° da mencionada Lei, FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
que concede aos estudantes uma redução equivalente a 50% do valor do ingresso ou entrada
em espetáculos artísticos, circos, ou de natureza cultural. Nesse caso, especificamente, o
8
Art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções
administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas: I – multa; II -
apreensão do produto; III - inutilização do produto; IV - cassação do registro do produto junto ao órgão
competente; V - proibição de fabricação do produto; VI - suspensão de fornecimento de produtos ou serviço; VII
- suspensão temporária de atividade; VIII - revogação de concessão ou permissão de uso; IX - cassação de
licença do estabelecimento ou de atividade; X - interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou de
atividade; XI - intervenção administrativa; XII - imposição de contrapropaganda.
Parágrafo único. As sanções previstas neste artigo serão aplicadas pela autoridade administrativa, no âmbito de
sua atribuição, podendo ser aplicadas cumulativamente, inclusive por medida cautelar, antecedente ou incidente
de procedimento administrativo.
242
FIDΣS
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
243
FIDΣS
REFERÊNCIAS
BENJAMIN, Antonio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe.
Manual de Direito do Consumidor. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
EFING, Antônio Carlos. Fundamentos do direito das relações de consumo. 2. ed. Curitiba:
Juruá, 2004.
KERCHOVE, Michael van; OST, François. Legal system between order and disorder.
New York: Oxford, 1994.
244
FIDΣS
MARQUES, Cláudia Lima. Superação das antinomias pelo Diálogo das Fontes: o modelo
brasileiro de coexistência entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002.
Revista da Escola Superior da Magistratura de Sergipe, Aracaju, v. 7, p. 15-54, 2004.
MARTINS, Leonardo; DIMOULIS, Dimitri. Teoria geral dos direitos fundamentais. 3 ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais,2011.
NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 8. ed. São Paulo: Saraiva,
2013.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 35. ed. São Paulo:
Malheiros, 2012.
ABSTRACT
The Federal Constitution of 1988 brought, as a social right, the right to
leisure (article 6th), stating it as a form of social promotion that the
government should promote. In its context, by the power of the 5th
Article, item XXXII, the consumer’s protection was raised to the
status of a fundamental right. Then, the right to acquire admission
tickets in half of the price was created. Here, a discussion about
245
FIDΣS
246
FIDΣS
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo analisar os principais elementos
caracterizadores do crime de lavagem de dinheiro, assim como tecer
breves comentários acerca da tipificação deste delito no ordenamento
jurídico brasileiro. O artigo aborda, ainda, a origem histórica do crime
de lavagem de ativos, além das principais etapas ou fases deste delito
dentro das organizações religiosas.
Palavras-chave: Lavagem de dinheiro. Organizações religiosas.
Crime.
O crime organizado tem procurado diversificar cada vez mais seu campo de atuação,
expandindo suas atividades ilícitas e os meios de camuflá-las, aproveitando-se, quase sempre,
da inoperância do Estado em fiscalizar e identificar as atividades danosas à sociedade, bem
como de elaborar leis carregadas de dispositivos eficazes contra a atuação dos criminosos. Tal
fenômeno tem ocasionado grande preocupação das entidades internacionais ligadas ao setor
da economia, pois o crime organizado tem gerado uma quantidade extraordinária de dinheiro
Graduando em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, cursando o 13º período.
**
Graduando em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, cursando o 13º período.
247
FIDΣS
Democrático de Direito.
Afirmava o orador romano Marco Túlio Cícero (2007, p. 33) que viveu entre os
séculos I e II a.C o seguinte: “quando se quer pôr ordem e método numa discussão, é preciso
iniciar definido a coisa de que se debate, para se ter dela uma ideia clara e precisa.”
248
FIDΣS
249
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250
FIDΣS
contrárias aos interesses considerados vitais para os indivíduos e a sociedade são passíveis de
abordagem penal.
A Constituição Federal afirma em seu art. 170, caput, que a ordem econômica tem por
finalidade garantir a todos os cidadãos uma existência digna. A Carta Magna de 1988 faz
referência expressa aos denominados crimes econômicos, objetivando conter os abusos que
visam a dominação do mercado, a eliminação da concorrência, bem como o aumento
arbitrário e ilegal dos lucros. Resta claro, por tanto, que o crime de lavagem de divisas tem
por fim proteger a ordem econômica nacional.
As organizações religiosas são entidades que tem por finalidade e razão de ser,
conforme assevera Francisco Amaral (2008, p. 334), reunir pessoas leigas para a manutenção
de culto, ou para a prática de atos de assistência ou caridade, compreendendo as igrejas, assim
como as ordens monásticas, as congregações religiosas, as irmandades, os centros dos
variados cultos etc. Não almejando, em hipótese alguma, obter lucro destas atividades.
A Constituição Federal de 1988 estabelece em seu art. 5°, XVII, o princípio da
liberdade de associação. Em harmonia com o texto constitucional, o Código Civil de 2002,
em seu art. 44, § 1°, afirma ser “livre a organização, a criação, a estruturação interna e o
funcionamento das organizações religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes
conhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento.”
A lei n° 10.825, de 22 de dezembro de 2003, deu nova redação ao já mencionado art. FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
44, incluindo expressamente entre as pessoas jurídicas de direito privado, no inc. IV, as
organizações religiosas. De acordo com Carlos Roberto Gonçalves (2009, p. 201), esta
modificação decorreu devido a estas organizações não poderem ser qualificadas como
associações, por não se enquadrarem na definição contida no art. 23 do Código Civil, pois não
têm fins econômicos. Nem ao menos, podem ser classificadas como sociedades, uma vez que
não se compatibilizam com a definição do art. 981 do Código Civil. Por força do art. 62
poderiam ser enquadradas como fundações, entretanto, para a formação destas exige-se, além
das disposições estabelecidas no atual Código, lei específica que trata deste tipo de
organização, cujas normas inviabilizam a adequação das igrejas nesta classificação.
251
FIDΣS
igreja, por exemplo, acabar por obter algumas facilidades em relação aos métodos
convencionais de lavagem. O envio da pecúnia para os bancos exteriores acabam por trazer
insegurança para o infrator, pois o desenvolvimento da tecnologia acabou por permitir a
criação dos chamados AML, que são softwares comumente utilizados pelos bancos para
analisar as informações sobre os clientes, assim como transações suspeitas, tudo sem o
conhecimento destes. Estes programas têm a capacidade de classificar até mesmo atividades
de pequena monta como suspeitas, desde que preenchidos determinados critérios.
Além disso, o emprego do dinheiro ilícito em organizações religiosas, permite ao
criminoso acompanhar de perto o dinheiro “sujo”, pois geralmente, a congregação religiosa,
252
FIDΣS
encontra-se muito próxima, podendo localizar-se até no mesmo bairro onde mora o criminoso,
ou em sua própria casa.
Com efeito, outra vantagem é que as supostas doações não precisam se dar de modo
tão diluído quando os fundos são empregados em estabelecimentos comerciais que trabalham
com dinheiro em espécie, como bares, hotéis, postos de gasolina, lojas de conveniências etc.
Ademais, estes empreendimentos devem pagar impostos ao Estado, chamando mais a atenção
do fisco, emitindo notas fiscais dos produtos vendidos ou serviços prestados, além do
pagamento de direitos trabalhistas de funcionários, que, quase sempre, são em quantidade
bem superiores do que aqueles empregados nas igrejas, uma vez que estas utilizam grande
mão de obra voluntária para suas necessidades.
Deve-se destacar, ainda, a facilidade para se “abrir” igrejas no Brasil, ou qualquer
instituição religiosa, uma vez que os requisitos legais são pouco exigentes, bastando,
basicamente, o registro do estatuto da organização em cartório, inscrição no cadastro de CNPJ
e matrícula no INSS. A obrigação legal de manutenção, por parte das igrejas, de registro
contábil para dar ciência aos membros, assim como livro de caixa, não impedem a entrada de
dinheiro ilícito, pois não permite a identificação da origem das doações tanto para os
membros da instituição, quanto para ao Estado.
Em entrevista concedida ao Jornal “Valor Econômico”, o magistrado Fausto Martin
falou sobre a utilização de instituições religiosas para a lavagem de dinheiro, conforme
destacou a matéria realizada pelo jornalista Ivan Santos (2014, p. de internet) para o periódico
“Correio de Uberlândia”:
1
SANTOS, Ivan. Uma forma de lavar dinheiro. Correio de Uberlândia. Uberlândia, 30 mar. 2014. Disponível
em: http://www.correiodeuberlandia.com.br/colunas/ivansantos/u ma-forma-de-lavar-dinheiro/. Acesso em: 03
out. 2014.
253
FIDΣS
Alguns autores (CALLEGARI, 2008; TODINI, 2011; SCHEID, 2011) têm comentado
sobre as fases ou técnicas do processo de lavagem de dinheiro, e, por seu turno, o presente
trabalho aborda apenas os mais comuns e consagrados pelos estudiosos do tema.
Procuraremos, sempre que possível, fazer a conexão da respectiva fase à ação utilizada pelos
criminosos que se utilizam das organizações religiosas para instrumentalizar o delito em
análise. Torna-se oportuno salientar, ainda, que novas técnicas de lavagem de dinheiro surgem
a todo o momento, diferenciando-se das já consagradas, neste sentido, afirma Gilson Dipp
(2012, p. de internet), Ministro do Superior Tribunal de Justiça, “as técnicas de lavagem de
dinheiro mais eficazes são aquelas ainda não conhecidas.”
Como já foi mencionada em linhas pretéritas, a prática de lavagem tem por finalidade
dar a valores ilícitos a aparência de lícitos. O iter criminis deste delito é caracterizado por
duas ações, quais sejam, a ocultação e a dissimulação. De acordo com Rodolfo Tigre Maia
(2011, p. 222), a lavagem de dinheiro pode ser simplificadamente compreendida da seguinte
forma:
(...) sob uma perspectiva teleológica e metajurídica, como o conjunto complexo de FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
operações, integrado pelas etapas de conversão (placement), dissimulação (layering)
e integração (integration) de bens, direitos e valores, que tem por finalidade práticas
e atos ilícitos penais, mascarando esta origem para que os responsáveis possam
escapar da ação repressiva da justiça.
254
FIDΣS
É nesta fase que o dinheiro pode ser oferecida às igrejas ou organizações religiosas
diversas, com a denominação de ofertas e dízimos, sendo, portanto, incorporado ao caixa das
mesmas, misturando-se fundos lícitos com ilícitos. Quase sempre esta incorporação é
realizada com o conhecimento e a anuência dos pastores ou líderes religiosos. O dinheiro
pode ser colocado nas organizações de modo fracionado ou não. Nas igrejas, conforme já fora
exposto anteriormente, os valores incorporados, geralmente, não necessitam ser tão
fracionados como em outros estabelecimentos, uma vez que existem congregações religiosas
que movimentam milhões, mensalmente.
Mascaramento é o nome dado à segunda fase do processo de lavagem de dinheiro.
Este momento consiste em camuflar a origem ilícita do dinheiro por meio de variadas
transações financeiras. A finalidade desta fase é dificultar ainda mais a origem dos fundos. É
nesta etapa que se almeja fazer desaparecer o vínculo existente entre a pecúnia e o crime da
qual esta provém e, consequentemente, a identificação dos criminosos.
Hodiernamente, as igrejas envolvem seus membros em numerosos eventos, tais como
viagens, promovem shows, eventos esportivos, encenações teatrais, ações sociais, encontro
com outras denominações, ações conjuntas, paradas públicas, retiros em hotéis e resorts,
conferências nacionais e internacionais, programações de rádio e televisão, congressos, dentre
muitas outras. Todas essas atividades demandam enorme quantidade de contratos de
prestações de serviços, assim como a aquisição de bens duráveis e não duráveis. É neste
momento que o dinheiro que está no caixa das organizações religiosas é utilizado, acabando
por retornar para os criminosos que quase sempre possuem empresas que transacionam com
as igrejas venda de produtos e prestações de serviços superfaturados.
Na terceira fase, o crime de lavagem de dinheiro tem a sua jornada completada, é a
chamada fase de integração. O capital obtido por meios ilícitos é “branqueado”, como FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
Pode ocorrer, por exemplo, que o criminoso, dono de fato da suposta empresa que
transacionou com a organização religiosa produtos ou serviços, utiliza o dinheiro desta
suposta relação comercial para investir em imóveis com o fim de vendê-los. Estes bens
255
FIDΣS
aparentarão serem frutos de uma atividade de compra e venda absolutamente normal, sendo,
nesta fase, muito difícil a detecção da origem ilícita desses bens.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
AMARAL, Francisco. Direito Civil: introdução. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
ANDRADE, Roberta Lofrano; CALLEGARI, André Luís; SCHEID, Carlos Eduardo. Breves
anotações sobre a lei de lavagem de dinheiro. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São
Paulo, vol. 92, ano XIX, p. 245-260, set./out., 2011.
256
FIDΣS
CALLEGARI, André Luís. Lavagem de dinheiro: aspectos penais da lei n° 9.613/98. 2. ed.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
CÍCERO, Marco Túlio. Dos deveres. São Paulo: Martin Claret, 2007.
DIPP, Gilson, citado por BRAGA, Juliana Toralles dos Santos. Lavagem de dinheiro: origem
histórica, conceito e fases. Âmbito Jurídico. Rio Grande, a. 13, n. 80, set. 2010. Disponível
em: <www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?nlink=revista_artigos_leituraea
rtigo_id=8425>. Acesso em: 29 jun. 2012.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Parte Geral. 7. ed. São Paulo:
Saraiva, 2009, v. I.
VIVIANE, Ana Karina. Combate à lavagem de dinheiro. Jus Navigandi, Teresina, a. 10, n.
684, mai. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/6739>. Acesso em: 3 out. 2014.
The present work has for target to analyze the main elements that
identify the delict of money laundering, as well as bring commentaries
concerning the elements of this crime in the Brazilian legal system. It
still approaches this work, the historical origin of the crime of
laundering of asset as well as the main stages or phases of this crime
which are rank occultation and the integration. Finally, it makes an
analysis of the religious organizations will be carried through as
institutions fragile and susceptible to be used for the practical one of
the delict in study.
Keywords: Money laudering. Religious organizations. Crime.
257
FIDΣS
RESUMO
Partindo da maneira com que Hannah Arendt entende a
vinculação entre a nacionalidade – por meio da qual se
manifesta a cidadania (status civitatis) – e a efetivação dos
direitos humanos, este trabalho busca demonstrar de que forma
tal imbricação se relaciona ao tratamento internacionalmente
oferecido aos apátridas. Para melhor ilustrar a temática, propõe-
se uma análise da situação dos apátridas durante a Segunda
Guerra Mundial, especialmente no que tange ao tratamento
conferido à questão pelo regime nazista.
Palavras-chave: Cidadania. Direitos humanos. Apatridia. Lugar
1 INTRODUÇÃO
A principal problemática relacionada aos apátridas se refere ao fato de que a eles não
foi conferido “o direito a ter direitos”. Dessa forma, por estarem ao largo da legalidade, os
apátridas não são dotados de personalidade jurídica, o que os torna vulneráveis a amplas
violações de seus direitos mais essenciais.
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Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, estando no 10º período.
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potencialidade danosa se fez sentir, com toda a sua força, durante a Segunda Guerra Mundial.
Sendo assim, lançar a luz sobre a questão da apatridia e da frágil tutela dos direitos humanos
nessa condição é a principal finalidade deste trabalho, que evidenciará os pontos mais
relevantes dessa discussão, tendo por referencial teórico as ideias de Hannah Arendt.
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2 A APATRIDIA
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ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Adotada e
proclamada pela resolução nº 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948.
Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf>. Acesso em: 30 out. 2014.
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ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção para Redução da Apátrida. Adotada a proclamada
pela resolução nº 896 (IX)1 da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 04 de dezembro de 1954. Entrou em
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É importante destacar, contudo, que tal prática política não foi invenção nazista. Já
no correr da Primeira Guerra Mundial, os Estados praticavam a anulação da naturalização de
estrangeiros oriundos dos Estados com os quais conflitavam (LAFER, 1988, p. 143). Também
tal política foi utilizada como instrumento pelos tratados de Saint-Germain e Trianon, afim de
distribuir os antigos austro-húngaros entre os Estados sucessores da monarquia dual (LAFER,
1988).
Ao longo de todo o seu livro, Hannah Arendt reforça o caráter determinante da
apatridia para a consolidação dos planos nazistas de extermínio. A título de exemplo, Arendt
(1999, p. 189) cita o procedimento que se deu na Holanda:
Assim como em praticamente todos os outros países, as deportações FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
na Holanda começaram com os judeus apátridas, que neste caso
consistiam quase inteiramente de refugiados da Alemanha, os quais o
governo pré-guerra holandês declarara oficialmente “indesejáveis”.
No mesmo sentido, Arendt acrescenta que um dos maiores óbices à atuação nazista
se dava quando um Estado Nacional, por razões políticas e humanitárias, decidia conferir
nacionalidade aos judeus apátridas, a exemplo do que ocorreu na Suécia, já que “[...] o que foi
muito mais sério, e sem dúvida totalmente inesperado foi que a Suécia [...] ofereceu asilo, e
em determinados casos, até mesmo a nacionalidade sueca, a todos os perseguidos”
(ARENDT, 1999, p. 189).
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Essa atitude, tomada por alguns Estados nacionais, fugia completamente à regra,
especialmente pelo fato de que no contexto da guerra, em que vigorava a escassez de recursos
econômicos, a repatriação não se mostrava como uma opção favorável à estabilidade
nacional. Por essa razão, como resume Lafer (1988, p. 145), a maior parte dos apátridas
passou a ter a sua sobrevivência garantida “não pelo Direito, mas pela caridade”.
Desta feita, a história demonstra que, quando ocorre a anulação da nacionalidade – e,
portanto, da cidadania – os direitos humanos por si só têm se mostrado ineficientes para a
proteção das displaced persons ou pessoas sem lugar. Na realidade, conforme se percebe, a
perda da nacionalidade equivale à própria perda da condição humana, tendo-se em conta que,
num mundo dividido em Estados Nacionais, os indivíduos somente têm seus direitos humanos
tutelados na medida em que pertencem a algum grupamento político.
Rodrigo Ribeiro Alves Neto (2009, p. 19) conceitua “mundo” enquanto o espaço artificial
existente entre homem e natureza, assim como meio intermediário de relacionamento e
distinção instaurado entre os homens através de suas interações e interesses comuns.
Utilizando uma linguagem metafórica, podemos dizer que o “mundo” na obra de
Arendt se assemelha a uma mesa, em torno da qual os interlocutores conectam-se num plano
de igualdade, estando eles inseridos em torno de um espaço comum. Com efeito, os regimes
totalitários do século XX foram responsáveis pela ruptura do “mundo comum” sofrida por
milhões de pessoas durante as duas grandes guerras. Consoante explicitado no tópico acima, o
ápice do “desenraizamento do mundo comum” (ALVES NETO, 2009, p. 23) se deu com a
Segunda Guerra Mundial, que apresentou, nos campos de concentração, as últimas
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Tércio Sampaio (2008, p. 03) explica: “Igual entre iguais, o homem ao agir exercitava sua atividade em
conjunto com os outros homens, igualmente cidadãos. Seu terreno era o encontro dos homens livres que se
governam.”
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Aliás, foi esse o espírito garantista que tomou conta do cenário internacional após a
Segunda Guerra Mundial, ao fim da qual se percebeu a necessidade de conferir limites à
liberdade e à autonomia dos Estados, ainda que no contexto de conflitos armados. A
soberania, portanto, abriu espaço para o Direito Humanitário, apontado por Flávia Piovesan
(2010, p. 116) como um dos marcos no processo de internacionalização dos direitos humanos.
Nas palavras da autora (PIOVESAN, 2010, p. 115), “foi ainda necessário redefinir o status do
indivíduo no cenário internacional, para que se tornasse verdadeiro sujeito de Direito
Internacional”.
Por essa razão, o problema dos direitos humanos deixou de ser entendido enquanto
problema doméstico dos Estados, mas passou a ser encarado enquanto questão de relevância
internacional. Nesse contexto, surgiram as primeiras organizações internacionais, em virtude
da constatação de que “as instituições nacionais se mostram falhas e omissas na tarefa de
proteger os direitos humanos” (PIOVESAN, 2010, p. 123).
Especificamente no tocante aos apátridas, foi de fundamental relevância a já citada
Convenção da ONU de 1954, relativa ao Estatuto dos Apátridas, assim como a Convenção da FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
ONU de 1961, para a Redução dos Casos de Apatridia, as quais visam conferir direitos às
displaced persons, albergando-as sob o manto protetor da legalidade, assim como
estabeleceram medidas a serem tomadas pelos Estados Nacionais para a redução da apatridia.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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sobre o Estatuto dos Apátridas e somente 40 aderiram à Convenção da ONU de 1961 sobre a
Redução da Apatridia.
Na medida em que ainda é relativamente pequena a quantidade de países
comprometidos com a proteção dos apátridas e a redução da apatridia, a ausência de
nacionalidade continua a obstaculizar a plenitude do gozo dos direitos humanos por parte de
um grande número de pessoas, pertencentes a “lugar nenhum”.
A razão para tanto se deve ao fato de que, por serem alheios a todos os grupamentos
políticos, os apátridas permanecem como seres humanos invisíveis e, portanto, impedidos de
agir politicamente, já que não existe um espaço de aparência do qual possam participar. Dessa
forma, na medida em que lhes é tolhida a possibilidade de agir e discursar entre homens iguais
– uma vez que o primeiro passo para a igualdade consiste na existência de um ordenamento
jurídico capaz de conferir personalidade jurídica a todas as pessoas –, os apátridas são
tolhidos do direito a lutar por seus direitos ou do “direito a ter direitos”, conforme a expressão
cunhada por Arendt.
Por esse motivo, aliás, as pessoas sem nacionalidade tornaram-se alvos fáceis do
extermínio nazista durante da Segunda Guerra Mundial. Afinal, para qual entidade poderiam
recorrer, se não pertenciam a lugar nenhum e não existiam, à época, organizações
internacionais fortes, destinadas à tutela dos direitos humanos? Qual Estado se preocuparia
com a sua proteção, se não nenhum deles os reconhecia como nacionais? Ainda que alguns
países tenham agido de maneira proativa no tocante a esse aspecto, o resultado do
procedimento nazista destinado à apatridia maciça não poderia ter sido mais exitoso e,
consequentemente, mais estarrecedor: milhões de seres humanos exterminados sem qualquer
defesa internacional de seus direitos.
Nesse sentido, para que a história não corra a risco de se repetir, as organizações FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
internacionais não podem retroceder em seus pleitos pela redução da apatridia, cujas
repercussões se referem à vivência da própria condição humana. Fixar o “lugar no mundo”,
portanto, diz respeito à necessidade de os homens se relacionarem entre si em um meio no
qual esteja assegurada a personalidade jurídica e a participação política a todas as pessoas,
através da liberdade e da pluralidade.
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REFERÊNCIAS
DUARTE, André. Ensaio crítico. In: ARENDT, Hannah. Sobre a violência. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2011.
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ABSTRACT
Through an analysis inspired by Hannah Arendt´s thought, this article
seeks to explain how the concepts of nacionality and human´s rights
are connected, and how this phenomenon results in the internacional
treatment received by the displaced persons. To demonstrate this
problem, this work offer a discussion about the way German Nazi
Party turned displaced persons victims of human's rights violations,
during the Second World War.
Keywords: Citzenship. Human´s rights. Displaced persons. Hannah
Arendt.
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Professor da UFRN, Promotor de Justiça no RN, Mestre em Direito Constitucional (UFRN) e Doutorando em
Direitos Humanos (UFPB).
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o Brasil foi o segundo país da América Latina a reconhecer o direito de voto às mulheres,
saindo à frente de Argentina e Venezuela (1947) e México (1953) (CASTRO, 2008, p. 444).
A preocupação com a ordem no dia das eleições também está presente no livro: “Na
véspera das eleições, o próprio Sr. Apolinar Moscote leu uma ordem que proibia, desde a
meia-noite de sábado, e por quarenta e oito horas, a venda de bebidas alcoólicas e a reunião de
mais de três pessoas que não fossem da mesma família” (MÁRQUEZ, 2001, p. 96). Assegura-
se, assim, a chamada “lei seca”, que visa a “[...] preservar a lisura e a legitimidade das
eleições, no tocante à garantia da ordem pública, num período em que afloram disputas pelos
cargos de maior relevância ao destino dos governados” (CERQUEIRA, 2002, p. 671), bem
assim restrições ao direito de reunião, para que o exercício do sufrágio não sofra, no dia da
eleição, influência de aglomerações e ingerências indevidas.
Posteriormente, o autor de Cem anos de solidão narra os “cuidados” com que foi
guardado o resultado do escrutínio popular pelo policial encarregado na cidade de Macondo, o
delegado Apolinar Moscote: “Nessa noite, enquanto jogava dominó com Aureliano, ordenou
ao sargento rasgar a etiqueta para contar os votos. Havia quase tantas cédulas vermelhas
quanto azuis, mas o sargento só deixou dez vermelhas e completou a diferença com azuis”
(MÁRQUEZ, 2001, p. 97).
A importância do delegado de polícia para a consolidação do prestígio dos
situacionistas, aliás, já havia sido detectada, no Brasil, por Victor Nunes Leal (2012, p. 66), e
é bem caracterizada na obra de Márquez quando Apolinar chegou em Macondo, mandado
pelo governo central: cuidou logo de pregar “[...] na parede um escudo da República que tinha
trazido consigo” (MÁRQUEZ, 2001, p. 58), como a simbolizar sua vinculação e fidelidade
inexoráveis ao sistema político dominante e seu empenho em manter tal sistema a qualquer
custo. FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
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advento do Código Eleitoral de 1932, que confiou a tarefa de apuração da votação à Justiça
Eleitoral.
Vê-se, igualmente, como o embate ideológico é refletido também na confrontação
das cores: as cédulas azuis traziam os nomes dos candidatos conservadores, e as vermelhas, os
dos “liberais” (MÁRQUEZ, 2001, p. 96). Estes, por sua vez, são nitidamente identificados
com os socialistas e comunistas, tanto que Apolinar descrevia os liberais – assim como
fizeram todos os oponentes da esquerda política – como “[...] gente de má índole, partidária
de enforcar os padres, de instituir o casamento civil e o divórcio, de reconhecer iguais direitos
aos filhos naturais e aos legítimos” (MÁRQUEZ, 2001, p. 96) e creditava o expressivo
número de cédulas vermelhas “[...] à mania de novidade da juventude” (MÁRQUEZ, 2001, p.
98). Na escola onde estudava Arcádio, falava-se na “febre liberal”, que pretendia “[...] fuzilar
o Padre Nicanor, converter o templo em escola, implantar o amor livre” (MÁRQUEZ, 2001,
p. 100). Relata-se, ainda, que Apolinar “[...] convenceu a maioria dos habitantes de que suas
casas deviam ser pintadas de azul” (MÁRQUEZ, 2001, p. 88-9), tal como sói ocorrer em
muitos de nossos municípios, quando não se pintando as casas distribuídas pelo governo com
as mesmas cores de seu partido, colorindo-se os próprios prédios públicos, em evidente
afronta à impessoalidade que deve inspirar a Administração Pública (art. 37, caput, da
Constituição da República).
O mandonismo, definida por Leal (2012, p. 60) como a perseguição hostil dos
adversários do chefe local, aparece em outras passagens de Cem anos de solidão: quando o
golpe militar fez-se finalmente sentir em Macondo, o médico da cidade Doutor Noguera – em
quem se descobrira o passado “liberal” – foi levado arrastado, depois “[...] amarraram-no a
uma árvore da praça e o fuzilaram sem qualquer julgamento” (MÁRQUEZ, 2001, p. 100-1).
Por seu turno, o filhotismo – ainda muito presente nos dias atuais em nosso país – foi FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
retratado na ocasião em que o Coronel Aureliano Buendía partiu de sua cidade para ir lutar ao
lado das forças do General Victorio Medina, quando incumbiu sua administração ao seu filho
Arcadio, dizendo: “Nós deixamos Macondo aí para você” (MÁRQUEZ, 2001, p. 104). Por
essa prática, os entes públicos são tratados como capitanias hereditárias, e encarados tal qual
propriedades privadas do gestor público da ocasião que, assim, lega seu poderio político a
seus parentes mais próximos, com vistas a perpetuar tal poderio.
Percebe-se, ainda, a concentração do poder político em um governo central, razão
por que Apolinar tanto temia a ascensão dos “liberais”, a quem atribuía o esforço de “[...]
despedaçar o país num sistema federal que despojaria de poderes a autoridade suprema”
(MÁRQUEZ, 2001, p. 96). Essa concentração é responsável pela relação de dependência que
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o chefe político local ostenta em relação aos administradores públicos centrais, obrigado que
está a se curvar às conveniências destes com vistas a conseguir benefícios para sua região ou
Município – e, desse modo, fortalecer-se eleitoralmente. Assim se justifica a ida de Apolinar
Moscote à capital, para conseguir que o governo construísse uma escola em Macondo
(MÁRQUEZ, 2001, p. 88), porquanto é com esse desvelo pelo progresso do Município que
“[...] o chefe municipal constrói ou conserva sua posição de liderança” (LEAL, 2012, p. 58).
Dessa relação de dependência não se furtam nem os parlamentares locais, cujo prestígio não
se alimenta, em regra, de suas contribuições para a produção legislativa ou para o controle do
poder, e sim pelos “benefícios” palpáveis que lhe são concedidos pelo governo central, que,
em troca, perpetua tal dependência dos entes locais e regionais.
Apesar da conhecida inspiração socialista de Gabriel García Márquez, ele não se
furtou a reconhecer vícios que poderiam enodoar os governos de esquerda, que se seguiriam
aos conservadores que reinavam na América Latina. Quando o comandante revolucionário
Aureliano Buendía, por exemplo, incumbiu Arcadio da gestão municipal, este acabou
assumindo a mesma postura autoritária dos militares – a começar pelo seu uniforme com
galões e dragonas de marechal que passou a exibir, e em seguida fazendo uso abundante de
decretos que consolidavam seu personalismo e mandonismo, chegando a baixar até quatro
decretos por dia, “[...] para ordenar e determinar o que lhe passava pela cabeça” (MÁRQUEZ,
2001, p. 104). A dramática passagem do fuzilamento do General Moncada ordenada por
Aureliano Buendía ilustra bem o perigo de o poder experimentado pelos revolucionários
acabar por torná-los tão avessos à democracia quanto seus adversários depostos: ao justificar-
se que tal ato extremo não consistia em represália pessoal, mas em imposição da revolução, o
Coronel Aureliano perguntou ao seu condenado “Você no meu lugar não teria feito a mesma
coisa?”. A que, altivamente, o General Moncada retorquiu: FIDES, Natal, v.5 , n. 2, jul./dez. 2014. ISSN 0000-0000
Provavelmente [...]. Mas o que me preocupa não é que você me fuzile, porque afinal
para gente como nós esta é a morte natural. [...] O que me preocupa [...] é que de
tanto odiar os militares, de tanto combatê-los, de tanto pensar neles, você acabou por
ficar igual a eles. E não há ideal na vida que mereça tanta baixeza” (MÁRQUEZ,
2001, p. 156)
Todas essas notas da obra-prima do Gabo retratam muitas das idiossincrasias e vícios
que os modelos políticos latino-americanos apresentaram no século XX – e que ainda se
encontram vívidas, em grande medida, até os dias de hoje, o suficiente para enxergar em
Macondo a representação de toda a América Latina e as tragédias de seu povo explorado e
marginalizado, fustigado pela indiferença de governos insensíveis e independentes. São
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esculturas poéticas das experiências políticas vivenciadas neste período, mas se erigem,
sobretudo, como alerta para os passos futuros deste continente. No livro se vê bem
caracterizado o coronelismo retratado por Victor Nunes Leal em sua obra, expressão que,
embora se reconheça como brasileirismo, acabou se manifestando na autodescrição de
Aureliano Buendía quando do fuzilamento de seu sogro Apolinar: “E não torne a me chamar
de Aurelito, porque já sou o Coronel Aureliano Buendía” (MÁRQUEZ, 2001, p. 102). As
lições extraídas de Cem anos de solidão, afinal, podem ser decisivas para que a democracia na
América Latina não tenha o mesmo destino desgraçado da linhagem de José Arcadio Buendía:
acabar perecendo, após sete gerações, para instaurar verdadeiros e sombrios anos de solidão.
REFERÊNCIAS
CASTRO, Flávia Lages de. História do Direito geral e do Brasil. 6. ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2008.
CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua. Direito Eleitoral brasileiro. 2. ed. rev.,
atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.
MÁRQUEZ, Gabriel García. Cem anos de solidão. Trad. Eliane Zagury. 49. ed. Rio de
Janeiro: Record, 2001. Trad. de Cien años de soledad.
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