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HERMENÊUTICA JURÍDICA

Unidade 5: Paradigmas para uma Nova Hermenêutica Constitucional

Sumário: Exposição Sintética da Unidade (127) Tema: Paradigmas para uma Nova Hermenêutica Constitucional (127) 1. Preâmbulo (127) 2. Novo
Constitucionalismo (129) 3. Jurisdição Constitucional (131) 3.1. Súmulas Vinculantes (131) 3.2. Repercussão Geral (137) 4. Características do Mé-
todo da Nova Hermenêutica Constitucional (140) 4.1. Diferença entre Princípio e Regra (142) 4.2. Princípios e Proporcionalidade (145) 4.3. Princípios
de Interpretação Especificamente Constitucional (147) 5. Fundamentos da Unidade Axiológica da Constituição (149) Referências Bibliográficas (151)

Exposição Sintética da Unidade

Olá! Começaremos agora a nossa quinta e última unidade da disciplina


de Hermenêutica Jurídica. Nesta unidade, iremos abordar os paradigmas
para uma nova hermenêutica constitucional, explicando qual sua
metodologia e os seus princípios.

Para isso, conheça o objetivo desta unidade para saber como ocorrerá o
nosso estudo:

Objetivo

Explicitar a metodologia e os princípios da nova hermenêutica constitucional.

Tema: Paradigmas para uma Nova


Hermenêutica Constitucional
1 Preâmbulo

Todo o estudo da hermenêutica que fizemos até aqui, primeiramente associando-a à


vida cotidiana e, em seguida, relacionando-a com o contexto social e com o universo
jurídico, teve como finalidade última construir fundamentos que nos possibilitem
a mais legítima interpretação constitucional. Pela sua natureza de lei das leis, a
interpretação da Constituição assume uma dimensão bem mais ampla e profunda
do que a interpretação das legislações em geral, porque a Constituição é (ou deve
ser) a imagem do todo social do povo que ela representa. Assim, na Constituição
se estampam as diversas tendências e diretivas que se agitam no interior das forças
sociais em ação, cujo resultado se reflete na esfera da juridicidade.

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Hermenêutica Jurídica

Fundamentado neste ponto de vista, dizemos que a Constituição é o ponto onde se


encontram o social e o jurídico, a sociedade e o direito, o cidadão e o jurista, daí porque a
interpretação constitucional deve sempre equilibrar essas duas dimensões que a compõem. A
Constituição Brasileira de 1988, lavrada segundo os ditames do Estado Democrático de Direito,
seguindo os modelos das mais avançadas experiências políticas dos países do primeiro mundo,
trouxe para o profissional do Direito a exigência de uma nova postura teórica e ideológica frente
do seu texto, que é vazado em um conjunto de princípios e regras, os quais, por vezes, entram em
rota de colisão e entre eles não existe hierarquia. Daí que, para a interpretação desse novo modelo
de Constituição, os elementos interpretativos tradicionais herdados da hermenêutica jurídica
clássica não são mais suficientes, devendo o seu intérprete buscar auxílio nas novas teorias e nas
novas alternativas que são oferecidas pelas ciências filosóficas e sociais.
Neste particular, os pensadores alemães contemporâneos Hans Georg Gadamer e Robert
Alexy, juntamente com o jusfilósofo norte-americano Ronald Dworkin, vêm oferecendo importantes
subsídios para o desenvolvimento de uma hermenêutica jurídica voltada para a interpretação das
constituições de cunho social, partindo da ideia de que o processo interpretativo não busca a
descoberta de um sentido “exato” da norma, mas atua na busca da melhor compreensão possível e da
mais adequada solução para os problemas jurídico-sociais, dentro das condições concretas em que
se coloca a sociedade no momento em que eles ocorrem. Destarte, a interpretação constitucional
não envolve simplesmente uma questão metodológica, mas uma questão relativa a uma realidade
existencial dentro da qual se encontram a sociedade e o intérprete. Ocorre, assim, um dinamismo
permanente entre o social e o jurídico, entre o intérprete e o texto constitucional, entre a formação
do profissional do Direito e as necessidades sociais que ele tenta alcançar.
Exsurge aqui o conceito da circularidade da interpretação, considerando que nos
comandos constitucionais estão convergindo o social e o jurídico, portanto, há um movimento
de complementaridade necessária entre a constituição e a legislação ordinária. Nesse processo
circular, a interpretação das leis requer uma interpretação indireta da Constituição, enquanto
a interpretação da Constituição levará necessariamente à interpretação da legislação que a
complementa. Pela interpretação da Constituição, as leis são melhor compreendidas; pela
interpretação das leis se compreende melhor a Constituição. Dentro desta compreensão do
fenômeno interpretativo, toda interpretação legislativa é também, ainda que indiretamente, uma
interpretação da Constituição e assim a interpretação constitucional passa a ser o ponto último
de referência da hermenêutica jurídica, o ponto para onde todo o estudo da hermenêutica se
direciona e o alvo a ser constantemente perseguido pelo intérprete do Direito.
Portanto, há uma interligação profunda, uma espécie de tríplice fronteira entre a
hermenêutica jurídica, a sociologia jurídica e o direito constitucional, na medida em que o
instrumental a ser utilizado para a interpretação da Constituição deve ser buscado nas teorias

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Hermenêutica Jurídica

constitucionais e nos princípios que estão inseridos na Constituição, ainda que não estejam
diretamente expressos nela. Por outro lado, os conteúdos da interpretação constitucional são
retirados do contexto histórico-social em que ocorrem os fatos, cuja compreensão prévia
é necessária, a fim de que se obtenha o melhor resultado na aplicação das regras jurídicas
correspondentes. Nesse sentido, a Constituição não pode ser vista como uma norma isolada, ainda
que seja uma norma fundamental, mas deve ser sempre considerada no conjunto das diversas
normas sociais e jurídicas, dentro das quais ela se destaca. Daí porque os constitucionalistas, ao
invés de se referirem à Constituição apenas, preferem alargar o seu conceito para um sistema
constitucional, de acordo com a visão do novo constitucionalismo, desenvolvido na Europa a
partir da segunda metade do século XX.

2 Novo Constitucionalismo
Após a Segunda Guerra Mundial, os países europeus, em especial a Alemanha e a Itália, pas-
saram a reformular o direito constitucional kelseniano e a concepção do Estado de Direito pautado na
supremacia da lei, superando os limites estreitos do princípio da legalidade restrita e propondo o novo
constitucionalismo, pelo qual se busca uma maior aproximação entre o Estado e a Democracia. Em con-
sequência disso, na Alemanha, foi promulgada a chamada Lei Fundamental de Bonn (1949) – constitui-
ção alemã – e criado o Tribunal Constitucional Alemão (1951), e na Itália, ocorreu a promulgação da sua
Constituição, em 1947, e a instituição do seu Tribunal Constitucional, em 1956. Estes fatos deram início a
uma grande produção doutrinária sobre o novo Direito Constitucional, que teve grande repercussão em
todos os países onde predomina o modelo jurídico romano-germânico, como é o caso do Brasil.
Este novo Direito Constitucional, de acordo com Paulo Bonavides (1998), trouxe uma nova
visão da Constituição não apenas como uma Lei Fundamental, conforme propusera Kelsen, mas
como um sistema constitucional. De acordo com o famoso jurista cearense, hoje em dia, falar em
Constituição apenas não basta para exprimir toda a realidade pertinente à organização e às estruturas
básicas da sociedade política. O conceito mais adequado é o de sistema constitucional, uma expressão
mais elástica e flexível que nos permite perceber o sentido tomado pela Constituição em face da
ambiência social que ela reflete e a cujos influxos está sujeita. A Constituição está, assim, inserida num
sistema constitucional integrado por ela própria, pelas leis complementares e ordinárias, normativos
diversos, sentenças judiciais, organizações sociais, partidos políticos, movimentos sindicais, enfim,
todas as forças sociais politicamente organizadas, atuando em conjunto e de modo harmônico, em
busca do mesmo fim, que é a proteção das liberdades e a garantia dos direitos individuais e sociais.
Estas novas ideias repercutiram no Brasil com os movimentos surgidos em meados da década de
1980, clamando pela redemocratização do país, seguindo-se as discussões, a convocação, a elaboração e
a promulgação da Constituição de 1988, que redefiniu a organização sociopolítica brasileira de acordo
com o novo modelo do Estado Democrático de Direito, consagrando-o nos seus arts. 1º e 3º.

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Hermenêutica Jurídica

Estado Democrático de Direito é, pois, à luz da Constituição de 1988, um Estado baseado


no princípio da legalidade (art. 5, II) porém, não na legalidade formal e sim material, na medida em
que está voltado para a realização de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I); garantindo
o desenvolvimento nacional (art. 3, II); erradicando a pobreza e a marginalização e reduzindo as
desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III) e promovendo o bem de todos, sem preconceitos de
raça, cor, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV), constituindo-se,
enfim, em democrático quando preceitua no parágrafo único do art. 1º que “todo poder emana do
povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição”.
Este novo constitucionalismo trouxe consigo a progressiva intervenção do Estado em
todos os setores da vida da sociedade, sempre visando por em prática de forma cada vez mais
efetiva o texto constitucional, dentro da concepção da Constituição como um sistema jurídico-
político interno que se fundamenta em princípios estruturantes fundamentais, os quais, por sua
vez, se fundamentam em princípios gerais e regras específicas, surgindo daí a discussão teórica
sobre a distinção entre princípios e regras, assunto que será retomado adiante, nestas notas.
De acordo com esse entendimento, a interpretação constitucional é regida pelo critério
valorativo extraído da natureza mesma do sistema constitucional e pode variar tanto conforme a
modalidade da Constituição quanto para atender a modificações impostas pela força normativa
do fato social ou da realidade política. A atividade interpretativa da Constituição não pode olvidar
do critério evolutivo, através do qual se explicam as transformações que ocorrem no sistema e
as variações de sentido que se aplicam ao texto normativo. O critério evolutivo acompanha a
evolução que, no seio do sistema constitucional, ocorre com a norma codificada na Constituição
e com a realidade que lhe imprime eficácia, vida e conteúdo.

Conforme já foi abordado anteriormente na unidade III, na metodologia tradicional,


os critérios e princípios hermenêuticos sempre suscitaram a questão central de saber
se a interpretação de uma lei deveria levar em conta a vontade do legislador (corrente
subjetivista) ou a vontade da lei (corrente objetivista), sendo predominante esta
última. O constitucionalismo clássico também sempre optou pela corrente objetivista,
por ser a que melhor se ajustava aos princípios políticos do liberalismo e à concepção
formalista do Estado de Direito.

No entanto, atualmente, desenvolve-se uma nova forma da hermenêutica constitucional,


levando-se em conta a atividade do órgão que determina, em última instância, o seu conteúdo
e o sentido de suas normas: o Judiciário. A doutrina criou, então, o conceito de jurisdição
constitucional e elaborou uma teoria material da Constituição e dos direitos fundamentais,

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Hermenêutica Jurídica

associados à consciência de ser a democracia o princípio estruturador da ordem político-


administrativa materializada na Constituição. Jurisdição constitucional é todo procedimento
jurisdicional destinado, de forma imediata, a garantir a observância da constituição.
Esta nova concepção traz como consequência a flexibilização do clássico princípio da
separação dos poderes, legitimando a possibilidade de pontos de interseção entre a atuação dos
poderes do Estado, sem que isso venha a se configurar uma invasão de competência. Eventualmente e
em situações específicas, o Poder Judiciário pode atuar produzindo interpretações da Constituição
com caráter de quase lei, porque a hermenêutica constitucional e a jurisdição constitucional são
conceitos de mútua implicação, envolvendo uma atividade de determinação do conteúdo e do
sentido das normas constitucionais, realizada por meio de um procedimento específico.

Curiosidade

O art. 52 da Constituição Federal - CF dá ao Senado Federal poderes


jurisdicionais; os art. 102 e 103 da CF dão ao Supremo Tribunal Federal
atribuições de caráter legislativo.

A jurisdição constitucional dos diferentes países é caracterizada por modelos híbridos,


constituídos de forma criativa de acordo com a heterogeneidade cultural que caracteriza a população. O
modelo brasileiro de jurisdição constitucional é exemplo dessa heterogeneidade e da contínua evolução
por que têm passado os diferentes sistemas de jurisdição constitucional pelo mundo. Na Constituição
de 1988, esses procedimentos foram regulamentados através da Emenda Constitucional - EC 45/2004,
que alteraram os artigos 102 e 103, com a introdução das figuras jurídicas da Súmula Vinculante e
da Repercussão Geral, que vieram a se reunir com os demais dispositivos específicos de controle da
constitucionalidade das normas: as ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs), as ações declaratórias
de constitucionalidade (ADCs) e as arguições de descumprimento de preceito fundamental (ADPFs).

3 Jurisdição Constitucional
3.1 Súmulas Vinculantes
A Emenda Constitucional n.º 45/2004, também conhecida como reforma do Judiciário,
entrou em vigor em 30.12.2004, introduzindo o art. 103-A, que assim determinou:
O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante
decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre a
matéria, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial,
terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à
administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual, distrital
e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma
estabelecida em lei.

Em consequência, foi aprovada a Lei n.º 11.417, de 19.12.2006, que disciplina a edição, a
revisão e o cancelamento do enunciado de súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal - STF.

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Hermenêutica Jurídica

Historicamente, o instituto jurídico da súmula é originário do Direito Romano, embora os


romanos não tenham utilizado esta palavra. Na verdade, os pareceres dos jurisprudentes romanos foram,
com o passar do tempo, transformando-se em pequenos enunciados que funcionavam como síntese do
entendimento sobre um determinado assunto. Eram uma espécie de “chavões jurídicos”, que sintetizavam
em poucas palavras grandes lições de Direito. Estes enunciados foram coletados, na idade média, por um
abade de nome Buckard, vindo daí o que hoje conhecemos com o nome de brocardos jurídicos.
Na prática, os brocardos representavam um conjunto de precedentes judiciários utilizados
na solução das lides romanas, servindo como parâmetro para julgamentos futuros de matéria
similar. No direito contemporâneo, o conceito e a utilização das súmulas são características dos
países que seguem o regime da “commom law”, com a predominância do direito consuetudinário e
com o maciço aproveitamento dos precedentes julgados pelos tribunais, especialmente a Suprema
Corte, para balizar os julgamentos nas inferiores instâncias.
Conforme o Dicionário do Código de Processo Civil Brasileiro (1999), súmula é o resultado
do julgamento tomado pelo voto da maioria absoluta dos membros que integram o tribunal,
condensado em enunciado que constituirá precedente na uniformização da jurisprudência do
próprio órgão. Na sua forma clássica, a súmula não é de observância obrigatória pelas instâncias
jurídicas inferiores, embora os magistrados de primeiro grau reconheçam nela um valor quase
normativo, adotando comumente a atitude de seguir o mesmo entendimento. O magistrado de
primeira instância, mesmo tendo consciência de que o entendimento manifestado na súmula
do tribunal não é de seguimento obrigatório, por uma razão de praticidade, para não ver a sua
decisão reformada na instância superior e, dessarte, não se ver praticando atos inúteis, termina
por utilizar a súmula nos seus julgamentos, mesmo com a ressalva de seu convencimento pessoal.
Já segundo Muscari (1999) o que ocorre é que:
Nos dias que correm, poderíamos dizer que a súmula tem natureza ‘quase
normativa’: serve de paradigma aos operadores do Direito e, se acaso ig-
norada, conta com uma série de salvaguardas tendentes à sua observância.
De toda sorte, nada há que obrigue os membros do Poder Judiciário à sua
aplicação (MUSCARI, 1999, p. 36).

Esta tem sido a concepção da súmula nos direitos dos países que adotam o sistema
legalista, como é o caso do Brasil, pois, conforme já mencionamos acima, nos países que adotam
o sistema da “commom law”, o caráter vinculativo das decisões da Suprema Corte já tem seu
reconhecimento consolidado pela tradição jurídica, até por não ser necessária uma norma
positivada com esta finalidade. A instituição do poder vinculante das súmulas específicas do
STF é uma novidade jurídica que o Brasil, país do sistema da “civil law”, está absorvendo do

Súmula provém do latim “summula”, diminutivo de “summa”. Esta significa soma, conjunto, totalidade, contendo a ideia
de uma obra que abrange todo um conjunto de conhecimentos sobre um determinado assunto. Assim, a Summa Theo-
logica, de S. Tomás de Aquino, contém todas as matérias teológicas numa só obra. “Summula” equivale a uma pequena
“summa”, isto é, a uma reduzida síntese, a um resumo de um conjunto de conhecimentos sobre um assunto determinado.

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Hermenêutica Jurídica

sistema jurídico da “common law”, na tentativa de introduzir um remédio processual eficiente


capaz de solucionar o grave problema do crescente acúmulo de feitos nos tribunais superiores.
Por se tratar de um procedimento novo, é óbvio que enfrenta situações totalmente antagônicas
de entusiástica adesão por parte de alguns, a par de tinhosa rejeição por parte de outros. Por este
motivo, o STF tem sido bastante cauteloso e moderado no uso desta prerrogativa que lhe é dada
pelo art. 103-A da Constituição.
Antes da aprovação da figura da súmula vinculante pela EC 45/2004, houvera outras
tentativas de implantação deste instituto no direito brasileiro, as quais não obtiveram sucesso. Na
primeira constituição republicana, Rui Barbosa, que era entusiasta do direito norte americano,
tentou mesclar o sistema “common law” com o padrão romanista brasileiro, mas não obteve apoio.
Outra vez, foi em 1961, com um anteprojeto de lei elaborado por Haroldo Valadão, e depois em
1964, com o anteprojeto do Código de Processo Civil, da autoria de Alfredo Buzaid. Também
essas tentativas não obtiveram apoio. No entanto, sem o efeito vinculante, a figura da súmula foi
introduzida no Brasil nesta mesma época, em 1963, por iniciativa do próprio Supremo Tribunal
Federal, por sugestão do Presidente da Comissão de Jurisprudência, Ministro Victor Nunes Leal,
que tinha como componentes os Ministros Gonçalves de Oliveira e Pedro Chaves.
Nesse sentido, Muscari (1999) ressalta que:
Preocupado com o elevado número de processos distribuídos à Corte [que
proferia cerca de 7.000 decisões por ano], muitos dos quais versando tema
já apreciados e pacificados, o ilustre Magistrado idealizou aquilo a que cha-
maria um ‘método de trabalho’, com os seguintes objetivos: introduzir um
sistema oficial de referência dos precedentes judiciais, mediante a simples
citação de um número convencional; distinguir a jurisprudência firme da
que se achasse em vias de fixação; atribuir à jurisprudência firme consequ-
ências processuais específicas para abreviar o julgamento dos casos que se
repetissem e exterminar as protelações deliberadas (MUSCARI, 1999, p. 37).

A mudança do Regimento Interno do STF, com a inclusão da súmula, foi aprovada na


sessão de 13.12.1963, e as primeiras súmulas foram editadas em 1964. A partir de então, os
outros tribunais também passaram a emitir as suas respectivas súmulas. Embora possuindo
caráter meramente ilustrativo do entendimento do STF e não constituindo efeito vinculante, a
edição de súmulas passou a orientar as decisões dos magistrados das diversas instâncias, além
de significar “[...] uma revolução no pensamento jurídico do país, importando na melhoria da
técnica hermenêutica com os precedentes firmados.” (DAIDONE, 2006, p. 43)
Como se pode verificar, a discussão jurídica acerca da adoção do instituto da súmula vinculante
no direito brasileiro vem desde meados da década de 1960. Porém, a decisão legislativa da sua inserção
só veio a ocorrer após mais de quarenta anos de debates, porque há alguns argumentos contrários muito
consistentes, que obviaram a protelação da sua aprovação. Os principais argumentos dos opositores são:
• violação do princípio da separação dos poderes, porque o Judiciário estaria invadindo
a esfera de competência do Legislativo ao editar normas com força de lei;

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Hermenêutica Jurídica

• o risco de estagnação ou engessamento do direito, com o impedimento de que


determinadas questões venham a ser apreciadas pelas instâncias judiciárias superiores.
Efetivamente, tais riscos existem e devem ser considerados. Por isso mesmo, o STF vem
sendo muito cauteloso na edição de súmulas, para aprová-las apenas em matérias que estão
bastante pacificadas, de modo a não causar polêmica ou surpresa aos operadores do Direito.
Foi também para minimizar este risco potencial que a mesma regra constitucional criadora da
súmula previu também a possibilidade de sua revisão ou cancelamento. A esse pensamento,
Daidone (2006) considera que:
Importante ser dito que a aplicação obrigatória da súmula não impedirá que o ma-
gistrado faça constar em sua fundamentação entendimento contrário, expondo as
razões do seu convencimento, que poderá servir de base para novos argumentos a
serem encaminhados aos Tribunais Superiores, para que, se for o caso, promova a
alteração ou reversão do precedente vinculante (DAIDONE, 2006, p. 79).

Importante

Outro argumento também muitas vezes levantados pelos opositores da súmula


vinculante é que ela retira a independência e o livre convencimento do juiz, fazendo
com que as suas decisões sejam previsíveis demais. Em tese, toda questão em que
uma das partes fundamentar seu pedido no precedente da súmula vinculante, o
juiz não poderia decidir de outro modo, mesmo que entenda diversamente, porque
ficaria jungido à decisão do STF. No entanto, tal argumento não é convincente,
uma vez que o juiz não fica adstrito ao que é invocado pelas partes para firmar seu
convencimento, mas ele deverá apreciar toda a prova e cotejá-la com a legislação, com
a jurisprudência e com todas as formas de expressão do Direito. E se entender que a
súmula invocada não se coaduna com o caso em análise, poderá fundamentadamente
deixar de segui-la, tal como faz com o dispositivo de lei, nas mesmas condições, em
que o juiz pode decidir pela declaração de sua inconstitucionalidade “incidenter
tantum” (controle indireto de constitucionalidade das leis).

A bem da verdade, o grande argumento a favor da súmula vinculante não é de natureza


jurídica substantiva, mas de ordem processual. A descomunal avalanche de recursos que chegam
todos os dias para apreciação nos tribunais superiores, muitas vezes sobre matérias já sobejamente
julgadas e, portanto, com intuito meramente protelatório, estava a exigir dos Poderes Judiciário
e Legislativo a adoção de uma medida realmente efetiva, sob pena de não poderem os Tribunais
Superiores, especialmente o Supremo, se debruçar sobre as questões verdadeiramente relevantes,
enquanto ficavam sufocados com os recursos repetitivos.

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Hermenêutica Jurídica

Curiosidade

Levantamentos estatísticos recentes revelaram que, dos processos que chegam


ao STF, oitenta por cento tratam de matérias fartamente julgadas pelo Tribunal
e em entendimento uniforme, o que não justificaria a sua admissão. E o dado
curioso deste levantamento é que tais recursos, em sua maioria, são demandas de
procuradores de órgãos públicos, ou seja, o recorrente é o próprio governo.

Em relação à alegada invasão de competência do Judiciário sobre o Legislativo, com a


edição da súmula vinculante, é esclarecedor o fato de que, em legislações expedidas recentemente,
o próprio Legislativo já tem transferido para o STF poderes mais amplos de administração do
processo, superando a análise específica da questão e reconhecendo, na prática, o efeito vinculante
das súmulas deste Tribunal. É o caso do art. 38 da Lei n.º 8.038/90, que assim estabelece:

O Relator, no Supremo Tribunal Federal ou no Superior Tribunal de Justiça,


decidirá o pedido ou recurso que tenha perdido seu objeto, bem como nega-
rá seguimento a pedido ou recurso manifestamente intempestivo, incabível
ou improcedente, ou ainda que contrariar, nas questões predominantemente
de direito, súmula do respectivo Tribunal.

Neste mesmo sentido, também dispõe o art. 557 do CPC, com a alteração introduzida pela
Lei n.º 9.139/95:
O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, impro-
cedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência predo-
minante do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior.

Portanto, antes mesmo de ser inserido na Constituição Federal o dispositivo que


permite ao STF a edição de enunciados com efeito vinculante, a legislação ordinária já vinha
antecipando tal posicionamento, através de dispositivos constantes em leis específicas. Era
o claro sinal de que o amadurecimento da ideia estava chegando ao ponto de possibilitar a
inclusão do dispositivo na nossa Lei Maior.
Convém esclarecer ainda que a inclusão do dispositivo da súmula vinculante no ordenamento
pátrio não tem o mesmo alcance e significado das decisões da Suprema Corte dos países da “common
law”, pela seguinte particularidade. Naqueles países, os precedentes dos Tribunais Superiores
prevalecem sobre o direito legislativo, diferentemente da súmula vinculante do nosso direito, que
não tem supremacia diante da lei. Na verdade, as súmulas são verdadeiras interpretações da lei no
caso concreto e não podem prevalecer diante de dispositivo legal explícito. Em qualquer caso, se uma
parte se considerar prejudicada por um julgamento baseada em súmula vinculante erroneamente
aplicada, contrariando dispositivo legal, poderá dirigir reclamação ao STF, como ocorre nos demais
casos em que a decisão judicial vai de encontro a uma norma legal específica.

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Hermenêutica Jurídica

Não obstante ainda existirem ilustres juristas com opiniões divergentes, a postura serena
e equilibrada do STF na aprovação das súmulas vinculantes tem deixado a comunidade jurídica
bastante confiante de que os eventuais males que tal instituto poderia trazer estão sendo sabiamente
e adequadamente administrados pelo Supremo, de modo que a sua aplicação venha a contribuir
para um maior aperfeiçoamento do nosso sistema jurídico. Prova disso é que, inicialmente, foram
levantadas no STF sete questões largamente repetitivas, as quais poderiam resultar em súmulas
vinculantes, e destas, foram aprovadas, num primeiro momento, apenas três, reservando-se o
Tribunal para um mais aprofundado estudo das demais.
Apresentando de uma forma sistemática, os principais argumentos que embasam as
opiniões dos juristas favoráveis à súmula vinculante são os seguintes:
1 - dinamização da celeridade dos atos processuais e da instrumentalidade do processo;

2 - uniformização mais efetiva da jurisprudência;

3 - ampliação da segurança jurídica;

4 - pacificação dos conflitos existentes na sociedade sobre a matéria constitucional,


evitando decisões judiciais antagônicas sobre a validade de determinadas normas;

5 - não violação da função legislativa, pelo fato do próprio Poder Legislativo por força da
entrada em vigor da Emenda Constitucional n° 45, ter conferido tais poderes.

Por outro lado, os argumentos que fundamentam as opiniões dos juristas contrários à
súmula vinculante são os seguintes:
1 - “Engessamento” do Judiciário, evitando, desse modo, a adequação das decisões dos
juízes aos fenômenos sociais;

2 - violação à liberdade de criação e independência dos juízes, ficando este obrigado a


aplicar o direito conforme entendimento consolidado por súmula;

3 - prejuízo ao princípio do duplo grau de jurisdição;

4 - violação das funções estatais, ou seja, da divisão dos “Poderes”, na medida em que o
Supremo Tribunal Federal estaria criando uma nova lei e assim trazendo para si uma
função incumbida ao Poder Legislativo.

Conforme explicado, os possíveis efeitos negativos da adoção da súmula


vinculante podem ser perfeitamente contornados com a prudência e a serenidade
que tem sempre marcado as decisões da nossa Suprema Corte, de modo que
os eventuais malefícios são amplamente superados pelas evidentes vantagens
imediatas de saneamento e revitalização para os Tribunais Superiores.

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Hermenêutica Jurídica

Vejamos como se dá a proposição de uma súmula vinculante:


De acordo com a Lei n.º 11.417/2006, a proposta pode ser feita diretamente pelo STF
ou pelas autoridades e entidades listadas no seu art. 3º, dentre estas, o Presidente da República,
as Mesas do Congresso, o Conselho Federal da OAB, o Defensor Público Geral da União, as
Assembleias Legislativas e os Tribunais Superiores. Tanto a edição, quanto a revisão e o
cancelamento dependem da aprovação por dois terços dos membros do STF, em sessão plenária.
O efeito também poderá ser imediato ou ter a sua eficácia a partir de outro momento, condição
que será decidida novamente por dois terços dos membros do STF. Se uma decisão judicial ou ato
administrativo contrariar uma súmula vinculante, o interessado poderá reclamar diretamente ao
STF, independente dos recursos ordinários cabíveis.
Importa destacar que as súmulas vinculantes iniciaram uma nova numeração, diferente
das súmulas anteriores que não se tornaram vinculantes, mas continuam como a mesma natureza
jurídica de antes. E caso alguma das súmulas já aprovadas anteriormente venha a obter o status de
vinculante, deverá assumir nova numeração. Portanto, o STF deverá continuar editando súmulas
gerais, como vem fazendo desde 1963, sem efeito vinculante e, quando for o caso, atribuirá efeito
vinculante aos enunciados interpretativos de normas acerca das quais haja grave controvérsia
entre os órgãos judiciários ou entre estes e a administração pública, de modo a acarretar grave
ameaça à segurança jurídica ou significativa multiplicação de processos sobre a mesma questão.
É assim que está disciplinado no art. 1.º da Lei n.º 11.417/2006.

3.2 Repercussão Geral


Na mesma linha de raciocínio que justifica a instituição da súmula com efeito vinculante,
dentro do que ficou conhecido como “reforma do judiciário”, foi também criada a figura jurídica
processual chamada de repercussão geral, para reduzir o grande volume de processos em grau de
recurso no STF. Neste sentido, foi aprovada a Lei n.º 11.418/2006, publicada no mesmo dia da lei
que criou a súmula vinculante, fazendo parte de um conjunto de medidas destinadas a aliviar a
carga de processos em tramitação na nossa mais elevada Corte e possibilitando uma mais acurada
análise das questões reconhecidamente relevantes.

Importante

Repercussão Geral, portanto, é o “nomen juris” que se atribui ao procedimento pelo


qual a condição de admissibilidade de um recurso extraordinário interposto perante o
Supremo Tribunal Federal, abordem questões adjetivadas como relevantes para toda a
sociedade, ultrapassando os interesses subjetivos das partes da causa, e calcados em

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Hermenêutica Jurídica

assuntos econômico, político, social ou jurídico, permitindo ao Supremo Tribunal


Federal - STF, em decisão irrecorrível, deixar de admitir recurso interposto quando a
questão constitucional nele versada não oferecer esta repercussão social geral.

As regras de declaração da existência ou não da repercussão geral estão definidas na lei citada acima.
De acordo com o seu art. 2.º, o recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação
exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência da repercussão geral, ou seja, que se trata de questão
econômica, social, política ou jurídica de elevada importância, a tal ponto que a decisão do STF irá beneficiar
não apenas os autores do recurso, mas de modo geral, será benéfica para toda a sociedade. Caso o STF
aceite os argumentos e reconheça a repercussão geral do recurso, este será admitido para exame do mérito.
Caso contrário, a decisão será irrecorrível e valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão
indeferidos liminarmente, salvo se for o caso de revisão de tese, nos termos do Regimento Interno do STF.
Por sua vez, os Tribunais Regionais e Estaduais farão uma triagem dos recursos idênticos,
selecionando um ou mais representativos da controvérsia e os encaminharão ao STF, ficando os
demais sobrestados até que o Supremo analise e decida a questão. A decisão que for dada nos
casos tomados como exemplo serão aplicadas aos que ficaram sobrestados, sem necessidade de
apreciação unitária deles pelo STF, cabendo ao próprio Tribunal de origem aplicar a decisão.
Tanto quanto a súmula vinculante, também o instituto da repercussão geral divide as opiniões
dos magistrados e doutrinadores, alguns manifestando animado apoio, outros revelando insatisfação e
preocupação. Os principais argumentos contrários são assemelhados aos dos opositores da súmula vinculante,
sobretudo a arguição de ser um instituto jurídico próprio do sistema “common law” e incompatível com o
sistema brasileiro romanista da “civil law”. Outro argumento contrário é a restrição ao entendimento subjetivo
dos Ministros do STF, que não precisam motivar a decisão, sendo esta irrecorrível. Tal situação é vista com
preocupação, pois o sistema jurídico fica submetido ao arbítrio do entendimento do STF.
No entanto, há que se considerar os dados estatísticos do STF, que demonstram a absurda
repetição de recursos idênticos sobre matérias já julgadas, inviabilizando o trâmite processual
normal dos processos que tratam de causas não repetidas. Além do mais, os mesmos dados
estatísticos comprovam que a grande maioria destes recursos extraordinários repetidos são
originados dos próprios órgãos públicos, cujos procuradores são “obrigados” a recorrerem por
dever de ofício, porque não lhes é dada a discricionariedade para decidir quando devem ou não
recorrer. Por receio de sofrerem punições decorrentes de eventuais acusações de conivência ou
desídia, eles terminam impetrando todos os recursos possíveis, salvando-se assim de um eventual
crime de responsabilidade, mas na prática, causando grande avalanche de recursos idênticos.

138
Hermenêutica Jurídica

Reflexão

Há de se atentar ainda para o fato de que uma determinada questão não ser
apreciada pelo STF, ou seja, se algumas questões não forem consideradas relevantes
no STF, nem por isso significaria haver denegação de justiça ou impedimento de
acesso ao judiciário, pois as causas respectivas já foram antes julgadas por outras
Cortes, prevalecendo as decisões sem comprometimento da opinião do STF, mas
antes aumentando a responsabilidade e o prestígio de outros tribunais. Isto porque
o STF não é Corte de Justiça Ordinária, Corte de Cassação ou Tribunal de terceira
instância, bastando, para a tutela dos direitos subjetivos, a garantia do duplo grau de
jurisdição, com os recursos ordinários e especiais (que já são muitos) a ele inerentes e
com a possibilidade, para casos excepcionais, de utilização da ação rescisória.

Após a aprovação da Lei n.º 11.418/2006, o Superior Tribunal de Justiça encaminhou ao Congresso
um projeto de lei com idêntica natureza, a fim de que seja aplicada a mesma disciplina aos recursos
especiais, que são também repetitivos em elevada proporção. Mesmo considerando que a composição
do STJ, com 33 ministros, representa o triplo da força de trabalho em relação ao STF, contudo também
naquele Tribunal o acúmulo de recursos especiais de teor idêntico causa admiração. A proposta foi
aprovada, transformando-se na Lei n.º 11.672/2008, conhecida como Lei dos Recursos Repetitivos.
A súmula vinculante e a repercussão geral, assim como a lei dos recursos repetitivos, são
institutos jurídicos que têm como escopo responder a uma das maiores críticas que a sociedade
faz ao Poder Judiciário, que é a sua morosidade. O fator preponderante desta morosidade se
encontra sobretudo em duas causas:

1. os prazos que devem ser cumpridos, sobretudo em processos com muitas partes, além
dos privilégios da Fazenda Pública, que sempre tem prazo quádruplo para contestar e
duplo para recorrer;
2. o excessivo número de recursos possíveis, nas diversas instâncias.

É óbvio que os recursos existem para salvaguardar a segurança jurídica e a isonomia


entre as partes, no entanto, estes recursos são artificiosamente manobrados por advogados
habilidosos com o intuito de protelarem ao máximo a decisão final de um processo, o que
se torna um procedimento odioso. Com estes novos instrumentos, espera-se conseguir um
descongestionamento da pauta de julgamento dos processos no STF, abrindo espaço para a
apreciação de causas onde exista realmente o interesse público relevante.

Com isso, encerramos assim, o estudo da jurisdição constitucional. Retornemos,


agora, ao tema da hermenêutica constitucional. Acompanhe!

139
Hermenêutica Jurídica

4 Características do Método da Nova Hermenêutica Constitucional


A principal consequência prática das recentes concepções doutrinárias abrigadas sob
o título de novo constitucionalismo foi a necessidade de se desenvolver um novo método de
interpretação da constituição. Os métodos tradicionais, constituídos dentro da ótica do estado
liberal burguês, que teve na Revolução Francesa sua máxima expressão, com a prevalência da
estrita legalidade, resultaram insuficientes para a nova feição do Estado Democrático de Direito,
fundado nos princípios dos do novo constitucionalismo.
Esta mudança metodológica foi sendo reelaborada pelas mais recentes teorias da
hermenêutica jurídica do pós-positivismo, que destacam uma compreensão do Direito orientada
para os valores sociais, sobretudo a Tópica Jurídica e a Jurisprudência das Valorações. Isso ganhou
forma na substituição da clássica maneira de aplicação do Direito entendida numa abordagem
silogística (lógica formal) para uma abordagem valorativa (lógica teleológica e axiológica).
Segundo Magalhães (2004, p.64) “A aplicação do Direito não consiste em mera subsunção do fato
à norma, mas, antes, de coordenação valorativa do fato à norma.”
Conforme ensina Luis Roberto Barroso (2010), a grande reviravolta da interpretação
constitucional contemporânea se deu a partir de que os doutrinadores se convenceram de uma situação
que sempre ocorrera, mas nunca fora suficientemente reconhecida: o fato de que as normas jurídicas,
tanto as legislativas quanto as constitucionais, não carregam apenas um único sentido, o qual seria
válido objetivamente para todas as situações em que incidem, podendo ser compreendidas sob diversas
perspectivas. Segundo o referido doutrinador, isso fez modificar a compreensão do que seja norma,
problema e intérprete, configurando uma postura hermenêutica que se denomina de pós-positivista.
Em relação à norma, na teoria tradicional (liberal-positivista), acreditava-se na objetividade
da interpretação e na neutralidade do intérprete, isolando-se quaisquer inserção de cunho subjetivo.
Na concepção atual (pós-positivista), esta visão simplista foi transformada para duas posturas
muito mais dinâmicas. Primeiro, entende-se que a norma, em geral, não traz pronta a solução do
problema, mas aponta para um início de solução e mesmo assim, não contém todos os elementos
necessários para a determinação do seu sentido, havendo a necessidade da colaboração pessoal
do intérprete. Em segundo lugar, percebe-se que existe uma diferença entre a norma-comando e
a norma-enunciado, ou seja, a norma não se esgota no texto do seu dispositivo, devendo adquirir
contornos mais apropriados no confronto com os fatos.
Em relação ao problema, este deixa de ser um simples contexto fático sobre o qual a norma
será objetivamente aplicada, passando a ser compreendido como um co-fornecedor de elementos,
que irão se materializar no Direito aplicado, passando o raciocínio jurídico a ser estruturado
prioritariamente a partir dos fatos (indutivo) e não a partir da norma (dedutivo). Recorde-se
aqui a concepção egológica do Direito, de Carlos Cóssio, estudada antes, na unidade III, e ainda a
concepção problemática do Direito, trazida pela escola da Tópica Jurídica, estudada na unidade IV.

140
Hermenêutica Jurídica

Em relação ao intérprete, a sua função deixou de ser considerada como meramente técnica
(como era na teoria positivista), para tornar-se um participante ativo no processo de criação do
Direito, completando o trabalho do constituinte ou do legislador, no ato de fazer valorações de
sentido, contribuindo com seu ponto de vista, sua visão cultural, sua formação profissional e até
com seus elementos inconscientes, os quais irão influenciar na sua maneira personalizada de
analisar a realidade social e apreender os valores nela contidos.

Importante

Essas mudanças de concepção metodológica colocaram em pauta tanto


uma antiga polêmica que sempre movimentou os juristas, acerca da força
vinculante dos princípios, em relação às regras, como também trouxe novas
terminologias de caráter aberto, como por exemplo, os conceitos jurídicos
indeterminados, as colisões das normas constitucionais, a ponderação
e a argumentação, como novos elementos norteadores da interpretação
constitucional. Conceitos jurídicos indeterminados são, por exemplo, interesse
público, desenvolvimento nacional, relevância e urgência, pluralismo político,
os quais exigem boa dose de contribuição do intérprete na sua definição, no
momento em que se deparam com casos concretos.

Em relação à força normativa dos princípios e sua distinção em relação às regras, este
tem sido um dos pontos característicos do pós-positivismo. De acordo com a doutrina clássica,
os princípios se constituíam-se “conselhos” ao legislador, no sentido de orientar a elaboração
das leis, mas não teriam a mesma eficácia da legislação, esta sim portadora da força coercitiva
necessária para torná-la imperativa diante de todos. Os princípios teriam, desse modo, um caráter
meramente político, sem força normativa. A concepção tradicional da hermenêutica jurídica, até
o início do século XX, prendia-se apenas à interpretação e à aplicação das regras.
A partir das primeiras décadas do século XX, em diversos países da Europa, essa
compreensão foi sendo reformulada, sobretudo a partir da Constituição de Weimar (1919),
na Alemanha, disseminando-se cada vez mais a aceitação da força vinculante dos princípios.
Conforme ensina Luis Roberto Barroso (2010), atualmente prevalece o entendimento de que o
sistema jurídico ideal deve fundar-se numa distribuição equilibrada de princípios e regras, no qual
as regras fundamentam o aspecto da segurança jurídica, enquanto os princípios fundamentam a
efetivação da justiça no caso concreto.
No Brasil, esta nova concepção doutrinária foi incorporada na Constituição de 1988, de
modo que atualmente não se pode mais deixar de reconhecer a força normativa dos princípios,
diante do que consta no art. 5.º, LXXVII, § 1.º: “As normas definidoras dos direitos e garantias
fundamentais têm aplicação imediata.”

141
Hermenêutica Jurídica

O Direito Brasileiro integrou-se, portanto, nessa recente e inovadora compreensão


doutrinária própria do Estado Democrático de Direito, sendo claro exemplo disso as figuras do
mandado de injunção e da ação de inconstitucionalidade por omissão, quando há omissão do
legislador no cumprimento das suas obrigações constitucionais.
Com essa nova visão doutrinária e metodológica, a clássica definição dos princípios gerais
do Direito, reconhecidos como mera indicação ou orientação, já não mais se coaduna com a
natureza dos princípios constitucionais. De acordo com o Professor Glauco Magalhães (2004):
[…] nas chamadas ‘normas constitucionais programáticas’, não temos meros
conselhos ao legislador ou simples consagração de objetivos políticos, mas a
interferência do jurídico sobre o político, enquanto em outras normas cons-
titucionais temos apenas um reflexo da realidade material, ou seja, o político
determinando o jurídico (MAGALHÃES, 2004, p. 83).

Isso demonstra que há uma unidade normativa na Constituição, surgindo a necessidade


de um esclarecimento conceitual sobre a especificidade das normas jurídicas, através da distinção
entre princípios e regras.

4.1 Diferença entre Princípio e Regra

Importante

Antes de iniciarmos propriamente esse estudo metodológico, faremos uma


breve análise etimológica dos termos. Princípio deriva do latim “principium”,
que por sua vez é formado pela junção das palavras primum+capio (= o que
pega primeiro, o que vem em primeiro lugar). Princípio, no Direito, remonta à
origem, àquele dispositivo fundamental que vem em primeiro lugar e a partir
do qual diversos outros se irradiam. Regra provém também do latim “régula”,
que por sua vez deriva do verbo “regere” (= reger, governar), estando assim
ligada à figura do rei. No Direito, regra é um dispositivo que contém um
comando determinado, um mandamento específico.

primum + capio
=
Princípio latim: principium
o que pega primeiro, o que
vem em primeiro lugar
no Direito:

remonta à origem

verbo regere
Regra latim: régula =
reger, governar
no Direito:

é um mandamento
específico

142
Hermenêutica Jurídica

Desse modo, numa primeira visão distintiva, verifica-se que o princípio atende a um comando
genérico, enquanto a regra corresponde a uma determinação mais precisa. Contudo, esta distinção
vaga e simplista está longe de delinear a complexa problemática que se esconde por trás da discussão
sobre o que seria um princípio ou uma regra, seja na Constituição, seja no Direito em geral. A discussão
deste assunto sempre foi tema de interesse para os juristas, tendo-se destacado, nos últimos tempos,
dois juristas de renome, Ronald Dworkin, norte-americano, e Robert Alexy, alemão.
Na doutrina jurídica contemporânea, prevalece o entendimento de que a expressão
“normas” forma o gênero, da qual são espécies os princípios e as regras. Assim, tanto as normas
jurídicas em geral, quanto as normas constitucionais em particular, podem ser classificadas
em duas categorias distintas: normas-princípios e normas-disposição. As normas-princípios,
ou simplesmente princípios, são aquelas de conteúdo mais abstrato e de maior abrangência no
sistema; as normas-disposição, ou simplesmente regras, são aquelas de conteúdo mais prático e
se aplicam a situações mais específicas. (BARROSO, 1998)

Exemplo
O professor George Marmelstein, Juiz Federal, em seu blog , numa perspectiva
bem informal, faz uma explanação didática para uma melhor distinção entre regra
e princípio, a partir de duas situações exemplares:
a) exemplo de regra - “A aula começa às 7:30 da manhã. O aluno que
chegar à sala depois desse horário não terá direito à presença”;
b) exemplo de princípio - “A aula começará bem cedo. O aluno deve
chegar o mais cedo possível.”
Vê-se que, no caso “a” existe uma situação bem definida que não permite
tergiversações. Já o caso “b”, tem-se uma situação flexível, na qual diversos fatores
podem ser considerados.

Numa perspectiva mais acadêmica, vejamos a lição de Norberto Bobbio (1999), expondo
também de modo bastante didático, a referida diferença conceitual. Diz ele:
Os princípios gerais são apenas, a meu ver, normas fundamentais ou genera-
líssimas do sistema, as normas mais gerais. A palavra princípios leva a engano,
tanto que é velha questão entre os juristas se os princípios gerais são normas.
Para mim, não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as outras.
[…] Para sustentar que os princípios gerais são normas, os argumentos são dois e
ambos válidos: antes de mais nada, se são normas aquelas das quais os princípios
gerais são extraídos, através de um procedimento de generalização sucessiva,
não se vê por que não devam ser normas também eles. […] Em segundo lugar, a
função para a qual são extraídos e empregados é a mesma cumprida por todas as
normas, isto é, a função de regular um caso. E com que finalidade são extraídos
em caso de lacuna? Para regular um comportamento não regulamentado; mas
então servem ao mesmo escopo a que servem as normas expressas. E por que
não deveriam ser normas? (BOBBIO, 1999, p. 158-159).

Vide: http://direitosfundamentais.net

143
Hermenêutica Jurídica

Um outro autor que faz ilustrativa explanação sobre a diferença entre princípio e regra é J.
J. Canotilho (2000), elencando um conjunto de critérios de distinção:
a) pelo grau de abstração – princípios são genéricos, regras são específicas;
b) pelo grau de determinação – princípios são vagos e indeterminados; regras são
dirigidas a casos concretos;
c) pelo grau de fundamentação – princípios situam-se no nível dos fundamentos, regras
situam-se no nível da aplicação imediata;
d) pelo grau da proximidade – princípios situam-se em posição mais próxima dos ideais
de direito e de justiça, regras situam-se no nível mais próximo dos fatos;
e) e) pelo grau normogenético – princípios constituem as bases das regras jurídicas.

Luis Roberto Barroso oferece também uma interessante contribuição para o esclarecimento
desses conceitos, tomando como referência três critérios:
quanto ao conteúdo – regras são relatos objetivos descritivos de condutas a
serem seguidas; princípios expressam valores e fins a serem alcançados;
quando à estrutura normativa – regras se estruturam, normalmente, no mo-
delo tradicional das normas de conduta: previsão de um fato – atribuição de
um efeito jurídico; princípios indicam estados ideais e comportam realiza-
ção por meio de variadas condutas;
quanto ao modo de aplicação – regras operam por via do enquadramento
do fato no relato normativo, com enunciação da consequência jurídica daí
resultante, isto é, aplicam-se mediante subsunção; princípios podem entrar
em rota de colisão com outros princípios ou encontrar resistência por parte
da realidade fática, hipóteses em que serão aplicados mediante ponderação
(BARROSO, 2010, p.174).

Exemplo
A título de ilustração prática, faremos uma breve enumeração de princípios
e regras, tomando como referência os temas mais conhecidos e estudados.
Acompanhe:

Na área dos princípios:


• princípios jurídicos – razoabilidade, publicidade, impessoalidade,
legalidade, livre acesso à justiça, duração razoável do processo;
• princípios políticos – formas de estado e de governo, ordem econômica,
ordem social, direitos fundamentais;
• princípios de garantia – juízo natural, direito adquirido, reserva legal.

Na área das regras:


• regras de organização estatal;
• regras de competência;
• regras procedimentais (processos judicial, legislativo);
• regras de proteção da família, do casamento, da maternidade.

144
Hermenêutica Jurídica

Esta forma de apresentação dos princípios, evidentemente, não é única nem exaustiva. Luis
Roberto Barroso (2010), por exemplo, divide os princípios em fundamentais, gerais e setoriais,
do seguinte modo:
• fundamentais – princípio republicano, princípio da separação dos poderes, princípio
da dignidade da pessoa humana;
• gerais – princípio da isonomia, princípio da segurança jurídica, princípio do devido
processo legal;
• setoriais ou especiais – variam de acordo com o tema: tributário (anterioridade da lei que institui
ou aumenta tributo), administração pública (moralidade, impessoalidade), ordem econômica
(livre concorrência), ordem social (autonomia universitária), dentre muitos outros.
Além desses, há um princípio não expresso, denominado na doutrina como princípio
da razoabilidade ou da proporcionalidade, que é usado comumente na jurisprudência como
parâmetro da verdadeira justiça, o qual será abordado no próximo tópico.

Após essas análises, concluímos com a lúcida explanação de George Marmelstein (ON-LINE):
a) as regras descrevem uma situação jurídica, ou melhor, vinculam fatos hipotéticos
específicos, que, preenchidos os pressupostos por ela descrito, exigem, proíbem ou permitem
algo em termos definitivos (direito definitivo), sem qualquer exceção. P. ex. “aquele que detiver
a coisa em nome alheio, sendo-lhe demandada em nome próprio, deverá nomear à autoria o
proprietário ou o possuidor” (art. 62 do CPC);
b) os princípios, por sua vez, expressam um valor ou uma diretriz, sem descrever uma
situação jurídica, nem se reportar a um fato particular, exigindo, porém, a realização de
algo, da melhor maneira possível, observadas as possibilidades fáticas e jurídicas (reserva do
possível). Possuem um maior grau de abstração e, portanto, irradiam-se por diferentes partes
do sistemas, informando a compreensão das regras, dando unidade e harmonia ao sistema
normativo. P. ex., “todos são iguais perante a lei”, onde a igualdade surge como a instância
valorativa adotada pela Carta Magna (MARMELSTEIN, ON-LINE).

4.2 Princípios e Proporcionalidade

A partir dos conceitos desenvolvidos no item anterior, constatamos que as regras


sempre nos dão um comando preciso e específico, não deixando margem para
o arbítrio de quem as executa. Por outro lado, os princípios fornecem diretrizes
mais amplas e apontam para caminhos diversos na sua execução. Conforme foi
estudado antes, na Unidade III, quando duas leis dispõem de modo diverso sobre
um mesmo assunto, somente uma delas poderá ser seguida, e para determinar
qual a norma válida, utilizam-se os conhecidos critérios cronológico, hierárquico
e especialidade. Ou seja, o sistema não tolera duas ou mais normas legais
incompatíveis entre si, devendo sempre o legislador ter o cuidado de não as
permitir e o magistrado o dever de eliminá-las.

145
Hermenêutica Jurídica

Já em relação aos princípios, dada a sua maior amplitude, não apenas é bastante frequente que
eles se justaponham e até se oponham, como este fato não compromete a integridade e a harmonia do
sistema. Isso ocorre porque, com os princípios, é possível fazer ponderações, e desse modo, uma colisão
de princípios não implicará em destruição de um ou outro, como acontece com as normas legais.
Por exemplo, o princípio da segurança colide com o princípio da liberdade individual;
o direito de informação colide com o direito de proteção à privacidade; a promoção do
desenvolvimento colide com a proteção ambiental; a livre iniciativa colide com a proteção ao
consumidor. Sempre que se dá mais espaço para um deles, finda por restringir o outro, ou seja,
quanto maior a liberdade, menor a segurança, e vice-versa. Assim é que o jurista deverá sempre
encontrar o modo mais equilibrado de prestigiar um sem desatender ao outro.

Entre as várias soluções possíveis, deverá sempre ser mais prestigiada aquela que melhor
realize o princípio federativo, ou a que melhor promova a igualdade ou a que melhor proteja a
liberdade de expressão, ou seja, diante do caso concreto, o intérprete aplicará o conjunto de suas
potências intelectuais, de modo a viabilizar a solução jurídica que mais efetive a justiça no caso
concreto. A isso dá-se o nome de ponderação ou princípio da proporcionalidade.
A ideia da justa medida, da moderação, do prudente arbítrio não é tão recente. Ela surge
nos tempos modernos com a filosofia iluminista, no século XVIII, que foi a base do movimento
revolucionário francês de 1789. Montesquieu consagrou a moderação como uma virtude para a
proteção da liberdade política e defendeu a justa medida, a proporcionalidade entre a definição
e a gravidade dos delitos e as penalidades que eles acarretavam. A Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão, proclamada durante a Revolução Francesa, prescrevia que a lei não deve
estabelecer outras penas que não as estritas e evidentemente necessárias.
Mas foram os juristas alemães que introduziram o princípio da proporcionalidade aplicado
às matérias constitucionais, já em meados do século XX, doutrina assim sintetizada por Paulo
Bonavides: quanto mais a intervenção estatal afeta formas de expressão elementar da liberdade da
ação do homem, tanto mais cuidadosamente devem ser ponderados os fundamentos justificativos
de uma ação cometida contra as exigências fundamentais da liberdade do cidadão. Este se tornou
um dos princípios básicos do Direito Constitucional, principalmente no que concerne à matéria
de direitos fundamentais e suas limitações para a ação do Estado.
Na Alemanha, na Suíça, na Áustria, na França, o princípio da proporcionalidade se tornou
no instrumento mais eficaz para defender a dependência do indivíduo em relação ao Estado, embora
não tenha sido incluído formalmente nas respectivas constituições. Assim também ocorreu mais
recentemente na Itália, na Espanha e em Portugal, sobretudo neste último país, onde o princípio
aparece claramente nos dispositivos da sua Constituição de 1976. No Brasil, na Constituição de
1988, a previsão deste princípio fica implícita em diversos artigos, sendo sua utilização frequente na
jurisprudência. O Supremo Tribunal Federal o tem consagrado em reiterados julgamentos.

146
Hermenêutica Jurídica

Nesse sentido, na lição de Luis Roberto Barroso (2010), o que ocorre é que:
[…] o princípio da razoabilidade faz parte do processo intelectual lógico
de aplicação de outras normas, ou seja, de outros princípios e regras. Por
exemplo, ao aplicar uma regra que sanciona determinada conduta com uma
penalidade administrativa, o intérprete deverá agir com proporcionalidade,
levando em conta a natureza e a gravidade da falta. O que se estará aplicando
é a norma sancionadora, sendo o princípio da razoabilidade um instrumento
de medida. Ao admitir o estabelecimento de uma idade máxima ou de uma
estatura mínima para alguém prestar concurso para determinado cargo pú-
blico, o que o Judiciário faz é interpretar o princípio da isonomia, de acordo
com a razoabilidade. Nestes casos, como se percebe intuitivamente, a razo-
abilidade é o meio de aferição do cumprimento ou não de outras normas
(BARROSO, 2010, p. 186).

O fundamento do princípio da proporcionalidade encontra-se centrado no Estado de Direito,


caracterizado pelo princípio da supremacia da Constituição, o qual, além de tutelar a dignidade dos
cidadãos, assume o compromisso de corresponder à realidade social mediante a concretização dos
objetivos plasmados no Texto Fundamental.

4.3 Princípios de Interpretação Especificamente Constitucional


A hermenêutica constitucional assume, em linhas gerais, a mesma forma geral da práxis
romanística: o intérprete como um terceiro imparcial que decide uma questão entre partes
antagônicas. A diferença, porém, está em que, no caso da interpretação da constituição, a
atividade não se destina à solução de um caso concreto, mas à elaboração de normas que servirão
de fundamento para a interpretação das demais normas jurídicas (estas, sim, tratarão dos casos
concretos). A interpretação constitucional será, portanto, uma meta interpretação.
Os critérios e princípios da hermenêutica constitucional devem ser elaborados, portanto,
a partir da própria constituição, mas não devem estar contidos nela própria, e sim numa teoria
da constituição. O sentido normativo da constituição é co-determinado pela compreensão
constitucional do intérprete. Devido ao fato de que o resultado de sua interpretação irá repercutir
na realidade social, política e econômica, o que pressupõe uma avaliação de suas consequências,
isso faz com que o intérprete constitucional deva mover-se constantemente entre a norma e o
contexto social, entre o jurídico e o sociológico.
Embora seja inegável a relevância do componente político da hermenêutica constitucional,
ele não é o único nem o mais importante, pois os outros componentes de caráter jurídico e de
igual magnitude, como o conteúdo semântico de suas normas e o problema de sua aplicabilidade,
também devem influir nesse processo.
Várias são as posições teóricas sobre o tema, porém os princípios fundamentais que
orientam a interpretação constitucional são:
1. princípio da unidade da Constituição - não se deve considerar uma norma
constitucional isoladamente, mas sempre na totalidade do seu contexto, evitando
conclusões contraditórias ao seu todo;

147
Hermenêutica Jurídica

2. princípio da concordância prática - os bens jurídicos constitucionalmente protegidos


devem ser coordenados de modo que cada um deles alcance a sua realidade, sendo funda-
mental aqui o princípio da proporcionalida de (os bens devem ser estabelecidos em limites
recíprocos e necessários para que todos possam vir a ter a maior efetividade possível);

3. critério da correção funcional - quando a Constituição regula de uma determinada


maneira as tarefas dos titulares de funções estatais, o intérprete deve se ater ao âmbito
das funções que lhe são destinadas;

4. critério da eficácia interpretadora - a solução dos princípios constitucionais


deve privilegiar os pontos de vista por meio dos quais se preserve a unidade da
Constituição;

5. critério da força normativa da Constituição - mais importante do que


meramente cumprir a Constituição é extrair dela a máxima eficácia possível
em cada problema concreto a solucionar, é ter presente o seu significado na
experiência vital da comunidade.

Importante

A hermenêutica constitucional se realiza, portanto, em toda a sua plenitude, no


âmbito da jurisdição constitucional, já explanada acima, observando-se que,
como lei fundamental do Estado e da sociedade, a Constituição contém, além
de sua essencial dimensão jurídica, duas outras dimensões: uma dimensão
política (ideológica) e outra axiológica (cultural). A hermenêutica constitucional
é, por isso, um tema que deve ser sempre abordado com muita ponderação e
cautela, porque põe em confronto dois representantes do poder do Estado (o juiz
constitucional e o legislador democrático). Assim, o juiz constitucional, ao obter
critérios hermenêuticos no exercício de sua função, deve sempre cuidar que suas
escolhas não se distanciem das escolhas que o povo, soberanamente, positivou na
Constituição, princípio e fim de toda atividade do intérprete.

Como objeto da interpretação, a Constituição tem uma objetividade diante do intérprete


que não tolera a captação de outros significados para além daqueles que ela transmite por meio do
diálogo hermenêutico. Por outro lado, não pode o intérprete assumir uma posição de passividade,
mas deve tomar parte na produção desse diálogo. Nesse momento, nem o intérprete pode agir
arbitrariamente, pois tem na Constituição mesma o limite de sua atividade, nem se pode admitir
que a Constituição tenha um certo sentido predeterminado, que não possa ser confrontado com
a posição do intérprete. Trata-se, portanto, de uma relação dinâmica entre o intérprete e o texto
constitucional, iluminado pelo seu conhecimento jurídico e pela sua formação axiológica.

148
Hermenêutica Jurídica

5 Fundamentos da Unidade Axiológica da Constituição


A nova hermenêutica constitucional se caracteriza pela sua abordagem axiológica, o que é
decorrente da própria axiologia presente no texto constitucional. Na carta constitucional materializa-
se a integração entre os planos social, político e o jurídico, caracterizando isso uma unidade interna
da Constituição que tanto ocorre no plano normativo, quanto no plano axiológico. Dada essa
característica, o verdadeiro sentido do texto constitucional somente pode ser alcançado quando ele
é compreendido de acordo com essa visão de unidade, na qual os elementos valorativos presentes na
cultura se integram com os elementos políticos e jurídicos, devendo ser considerado o melhor método
de interpretação constitucional exatamente aquele que tiver a capacidade de encontrar e viabilizar esses
três elementos básicos. Ou seja, a interpretação constitucional terá sempre esse caráter de abertura e
abrangência próprio do seu texto, onde predominam conteúdos mais dinâmicos, diferentemente da
interpretação da legislação ordinária, que será sempre mais restrita e limitada.
No artigo 1.º da Constituição Brasileira de 1988, encontram-se perfeitamente delineados
os paradigmas da sua unidade axiológica, quando declara a opção do nosso legislador constituinte
pela forma do Estado Democrático de Direito, tendo como valores fundamentais:
1) a soberania;
2) a cidadania;
3) a dignidade da pessoa humana;
4) os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

Reflexão

Se bem observarmos, desses quatro valores básicos, o valor primordial é a


dignidade da pessoa humana, pois os outros três são condições para sua
viabilização. A dignidade da pessoa humana constitui-se no valor central em
torno do qual giram todos os demais, porque ele não decorre de uma mera decisão
dos constituintes, mas de um reconhecimento de ser essa uma exigência da
própria natureza humana, de modo que a razão de ser da sociedade e do Estado
se fundamenta no fato de serem eles meios para a sua realização. Os princípios
estruturantes do Estado brasileiro (democrático, federativo e republicano) são as
formas escolhidas como mais adequadas para a concretização daquele princípio
básico, que é a dignidade da pessoa humana.

Ao mesmo tempo que este princípio estabelece o eixo central do texto constitucional, a
melhor interpretação da Constituição será aquela que mais se ajustar a essa finalidade. A esse
pensamento, Magalhães (2004) considera que:
Para que seja possível ao intérprete conferir unidade de sentido à Consti-
tuição, necessária se faz a adoção de um método teleológico-sistemático. O
aplicador da Constituição deve compreender os valores mais específicos em
cotejo com os valores mais gerais, tornando-se estes últimos fins a serem
alcançados pelos primeiros (MAGALHÃES, 2004, p. 91).

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Hermenêutica Jurídica

Por outras palavras, a interpretação constitucional, além de viabilizar a consecução dos


seus próprios fins, fornece ainda os elementos necessários para a interpretação da legislação
complementar e ordinária, dentro do conceito já mencionado nestas notas sobre a circularidade
da compreensão. Daí poder-se afirmar que a interpretação da legislação se faz sob a luz da
Constituição, devendo qualquer outra possibilidade interpretativa, ainda que gramaticalmente
encontrável, ser rejeitada pelo intérprete.

Resumo

Após estas considerações sobre a hermenêutica constitucional, podemos retirar


algumas conclusões práticas importantes:
a) A interpretação constitucional é o princípio e o fim de toda a hermenêutica
jurídica, porque é através dela que se realiza a melhor aplicação prática das
normas vigentes no ordenamento;
b) A interpretação constitucional é o ponto culminante da atividade do
intérprete do Direito, seja o(a) advogado(a), o(a) magistrado(a) ou o
membro do Ministério Público, porque assim estará realizando a autêntica
função social do Direito;
c) A interpretação constitucional é o ponto de partida de todo o processo da
interpretação integradora do Direito, nas suas diversas formas de hetero e
auto-integração, na medida em que nenhuma lacuna jurídica poderá ser
preenchida em desacordo com os ditamos emanados da Constituição;
d) A interpretação constitucional é o ponto de interseção onde se cruzam os
interesses sociais com os paradigmas jurídicos que os protegem, servindo
assim como instrumento de equilíbrio da atividade jurídico-social, em
obediência ao princípio da proporcionalidade.

Sendo regras de conteúdo mais amplo, as normas constitucionais podem ser mais
facilmente adequadas às novas situações que surgem com o desenvolvimento da sociedade,
funcionando desse modo como inspiração para manter atualizada a correlação entre a sociedade
e o Direito, favorecendo com isso a tese da necessária completude do ordenamento jurídico.
Portanto, nenhum profissional do Direito exercerá com fidelidade e plenitude a sua tarefa se não
estiver apto a fazer, com segurança e competência, este trânsito constante entre a interpretação
legislativa e a interpretação constitucional.

Com essa reflexão acerca das interpretações legislativa e constitucional,


encerramos nossa quinta e última unidade da nossa disciplina. Espero que nosso
estudo tenha sido proveitoso, e lembrem-se de participar das nossas web-aulas e
discussões do fórum. Nos vemos em nossos ambientes! Até lá!

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Hermenêutica Jurídica

Referências Bibliográficas

BARROSO, Luís Roberto. Novos paradigmas e categorias da interpretação


constitucional. In: FERNANDES, B. G. (Org.) Interpretação Constitucional –
reflexões sobre a nova hermenêutica. Salvador: Ed. Podivm, 2010.

____________________. Interpretação e aplicação da Constituição. 2. ed. São


Paulo: Ed. Saraiva, 1998.

BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 10. ed. Brasília: Ed. Universidade
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BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. São Paulo: Ed Malheiros, 1998.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4. ed.


Coimbra: Ed Coimbra, 2000.

DAIDONE, Décio Sebastião. A súmula vinculante e impeditiva. São Paulo: Ed. Ltr, 2006.

DINIZ, Márcio A. V.. Constituição e Hermenêutica Constitucional. Belo Horizonte:


Ed. Mandamentos, 2002.

FIGUEIREDO, Sylvia M. C. A interpretação constitucional e o princípio da


proporcionalidade. São Paulo: RCS Editora, 2005.

MAGALHÃES FILHO, Glauco B.. Hermenêutica e unidade axiológica da


Constituição. 3. ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004.

MARMELSTEIN, George. A força normativa dos princípios constitucionais.


Disponível em:<www.mundojuridico.adv.br> Acessado em: 30 de outubro de 2010.

MUSCARI, Marco A. B.. Súmula Vinculante. São Paulo: Ed. Juarez de Oliveira, 1999.

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HERMENÊUTICA JURÍDICA
Créditos

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