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PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS

PERSPECTIVAS DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NO CAMPO PENAL

*
Cláudio José Palma SANCHEZ

RESUMO: O presente artigo discute os princípios constitucionais e seus reflexos no


Direito Penal, enfocando suas perspectivas e aplicabilidades traçadas pelo Direito Penal
Mínimo.

PALAVRAS CHAVE: Princípios constitucionais no Direito Penal. Perspectivas.


Direito Penal Mínimo.

1 INTRODUÇÃO

A evolução do pensamento jurídico acompanha o desenvolvimento da própria


sociedade. Na esteira do tempo, nota-se que por vezes uma se antecipa à outra, como
que para apontar novos caminhos, e em outras ocasiões, lhe vem a posteriori para
amparar juridicamente condutas que exigem tutela legislativa do Estado.

A previsão de condutas humanas como delito devem ter como parâmetro a


gravidade ofensiva do ato e a relevância do bem jurídico lesionado.

No campo do Direito Penal, novos anseios sociais são diuturnamente tipificados


como delitos, tendo em vista principalmente a realidade valorativa e fática. Porém, a
elaboração excessiva de legislação penal pode promover a banalização do poder
punitivo estatal.

A doutrina pátria2 já aponta para a possibilidade de ser o direito penal subsidiário e


voltado cada vez mais para a tipificação do que realmente é importante para a
manutenção da paz social, valorizando os postulados da intervenção mínima3.

O legislador responsável pela elaboração da disciplina punitiva deve-se pautar pelo


direitos fundamentais consagrados no texto constitucional. especialmente o princípio da
aplicação da pena individualizada e a privação da liberdade aos casos realmente
justificáveis.

No presente trabalho, serão abordados os valores constitucionais penais, que


devem direcionar a aplicação do Direito Penal como solução eficaz de apenamento
ressocializador, sem, contudo, deixar de observar as garantias e direitos fundamentais
do cidadão.

2 VALORES CONSTITUCIONAIS PENAIS


Desde o século XVIII, sob a influência dos pensamentos iluministas, as
Constituições trazem em seu contexto princípios fundamentais, ou também chamados
de valores constitucionais4 penais (postulados de Direito Penal Constitucional).

Os valores especificamente penais são aqueles relacionados exclusivamente com a


matéria penal, com características garantidoras. Podem, inclusive, ser divididos em
explícitos, que são os elencados de forma expressa e inequívoca no texto constitucional;
e os implícitos, que estão contidos em normas constitucionais e delas são deduzidos.
Como ensina Luiz Luisi5:

Referem-se prevalentemente ao aspecto de conteúdo das incriminações no sentido de


fazer com que o direito penal se constitua em um poderoso instrumento de tutela de
bens de relevância social.

Neste contexto analisar-se-á os princípios da legalidade, da intervenção mínima, da


humanidade, da pessoalidade e da individualização das penas, como limites ao
legislador e aplicador dos postulados penais.

2.a Princípio da Legalidade

O princípio da legalidade pode ser desdobrado em três outros: da reserva legal, da


determinação taxativa e da irretroatividade.

O princípio da reserva legal nasce das idéias iluministas do século XVIII, na teoria
do contrato social. Em nossa primeira Constituição, de 1824, já vinha expresso no artigo
179, inciso XII, o postulado da reserva legal. A Constituição Federal vigente, de 1988,
também consagra tal princípio de maneira explícita no artigo 5, inciso XXXIX, que
preceitua: "Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação
legal".

Dessa maneira, somente a lei antes da ocorrência do fato criminoso pode definir os
delitos e suas respectivas sanções.

O marquês Beccaria6 já nos ensinava, em 1724: "só as leis podem decretar as penas
para os delitos. Esta autoridade não pode residir se não no legislador, que representa
toda a sociedade organizada por um contrato social".

A partir do declínio das monarquias absolutistas e o início dos regimes


democráticos, o princípio da reserva legal começou a fazer parte dos textos
constitucionais e dos Códigos Penais.

Na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, em


seu artigo 8 também foi incluído o referido postulado, que, com isso, ganhou destaque
em todos os ordenamentos jurídicos mundiais.

Na Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembléia Geral


das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 foi inserido o princípio da legalidade
com os seguintes dizeres:
ninguém será condenado por atos ou omissões que no momento em que se cometerem
não forem crimes segundo o direito nacional ou internacional. Tão pouco se imporá
pena mais grave que a aplicável no momento da comissão do delito.

Alguns ramos da dogmática jurídica dividem este princípio em reserva absoluta,


onde apenas a lei pode disciplinar a matéria penal, e reserva relativa, no qual o
legislador prevê os traços fundamentais do campo criminal, ficando a cargo da
administração o seu delineamento.

Distingue-se, ainda, a legalidade formal da legalidade substancial, que como ensina


Luiz Luisi7:

a legalidade substancial seria anterior, e poderia ser mesmo contra a lei, tendo como
fonte uma espécie de direito natural, a ser pesquisado na natureza das coisas. É evidente
que a chamada legalidade substancial implica na negação prática da reserva legal, posto
que só no aspecto formal da lei é que se pode explicitar o princípio em análise.

Extrai-se do princípio da reserva legal, por se referir a normas penais


incriminadoras, a impossibilidade de se utilizar o direito costumeiro e a analogia no
campo do Direito Penal, salvo se forem aplicados in bonam parte ( em benefício do
réu ).

Não há dúvidas, que o princípio da reserva legal também deve ser observado na
execução das penas, visto ser encontrado na Constituição Federal evidências a esse
respeito, especialmente da aplicação individualizada da pena .

O princípio da reserva legal delimita o poder punitivo do Estado e dá ao Direito


Penal uma função garantista, pois define o delito e a pena, ficando os cidadãos cientes
de que só pelos fatos anteriormente delineados como crimes poderão ser
responsabilizados criminalmente e apenas naquelas sanções previamente fixadas podem
ser processados e condenados.

Outro desdobramento do princípio da legalidade é o da determinação taxativa. Tal


princípio, dispõe sobre a exigência das leis penais, em especial as incriminadoras, que
deverão ser elaboradas de forma clara, certa e precisa. Com isso, evita-se que o
legislador elabore normas penais com palavras ambíguas, equívocas e vagas, dando
lugar a arbitrariedade.

O primordial alicerce do princípio da determinação taxativa é político. Com leis


penais de teor claro e preciso os cidadãos ficam protegidos do arbítrio do juiz, ficando
delimitada a discricionariedade do aplicador da lei penal.

O princípio em questão tem sua origem no espírito presente na Constituição


Italiana. Destacam-se os artigos 13, que apregoa ser a liberdade pessoal inviolável e que
a privação da liberdade só será permitida nos modos previstos na lei.

O terceiro corolário do postulado da legalidade é o princípio da irretroatividade da


lei penal.
Este princípio traz em seu bojo a necessidade da atualidade da lei, que só é aplicada
aos fatos ocorridos durante a sua vigência, não tendo aplicabilidade a fatos pretéritos.
Mantovani8 assevera que:

a irretroatividade da lei penal, além de assegurar exigências racionais de certeza do


direito, dá ao cidadão a segurança, ante às mudanças de valorações do legislador, de não
ser punido, ou de não ser punido mais severamente, por fatos que no momento de sua
comissão, não eram apenados, ou o eram de forma mais branda.

De se destacar que desde a Declaração Francesa dos Direitos do Homem, as


Constituições vêm trazendo em seu texto, de forma expressa, o princípio da
irretroatividade da lei. A Constituição Federal de 1988 não se desviou desse caminho e
estampou no artigo 5, inciso XL: "A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o
réu".

O Código Penal brasileiro, em seu artigo 3, dispõe que as leis excepcionais e


temporárias se aplicam aos fatos ocorridos durante o tempo que foram eficazes, mesmo
já decorrido esse período.

O postulado da legalidade convive de maneira harmoniosa com os anseios dos


Estados Democráticos Sociais, que visam garantir os valores trazidos pelos
pensamentos iluministas, em especial a liberdade.

Dessa forma, para que o princípio da legalidade seja observado sem causar prejuízo
à tutela penal de bens coletivos e da própria justiça, é necessário que o legislador
elabore normas claras e precisas, que traduzam os valores e interesses primários dos
cidadãos. Como bem salienta Francesco Palazzo9:

o princípio da legalidade funciona como garantia diante do poder punitivo-judiciário,


incumbindo de assegurar a específica eticidade do direito, constituída da certeza
jurídica, e de operar, qual pressuposto objetivo de cognoscibilidade da norma, uma
valorização e responsabilidade do homem.

2.b Princípio da Intervenção Mínima

Com a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, foi


introduzido o princípio da necessidade ou da intervenção mínima. Tal postulado,
assevera que a criminalização de um fato só é autorizada quando não houver outro meio
de se proteger um bem jurídico. Portanto, se houver outras formas suficientes para
defendê-lo, inaplicável a criminalização.

Na lição de E. da Cunha Luna10, o princípio da intervenção mínima é: "um princípio


imanente que por seus vínculos com outros postulados explícitos, e com os fundamentos
do Estado de Direito se impõem ao legislador, e mesmo ao hermeneuta".

Defende Luiz Flávio Gomes11:


o princípio de ofensividade em sua máxima expressão garantista e material adverte que
somente será objeto de criminalização e de sanção penal, o fato concretamente lesivo a
bem jurídico relevante. Até o presente momento, o respectivo princípio não vem sendo
reconhecido explicitamente nos modernos e democráticos ordenamentos
constitucionais. Ademais, tendo como finalidade tutelar bens jurídicos relevantes, não
se pode negar claro sentido político e limitador.

Damásio Evangelista de Jesus12, a respeito do citado postulado, aduz que:

Procurando restringir ou impedir o arbítrio do legislador, no sentido de evitar a


definição desnecessária de crimes e a imposição de penas injustas, desumanas ou cruéis,
a criação de tipos delituosos deve obedecer à imprescindibilidade, só devendo intervir o
Estado, por intermédio do Direito Penal, quando os outros ramos do Direito não
conseguirem prevenir a conduta ilícita.

Não se pode negar a característica de subsidiariedade do Direito Penal, que só deve


atuar onde os outros segmentos do Direito forem incapazes de tutelar de forma
satisfatória os bens jurídicos de vital importância para a própria existência do homem e
da sociedade.

Nesse sentido, bem salienta Luis Luisi13:

A restrição ou privação desses direitos invioláveis ( liberdade, vida, igualdade,


segurança e propriedade ) somente se legitima se estritamente necessária a sanção penal
para a tutela de bens fundamentais do homem, e mesmo de bens instrumentais
indispensáveis a sua realização social.

Saliente-se, que apesar da idéia trazida com o princípio da necessidade a partir da


segunda década do século XIX, os tipos penais incriminadores cresceram
assustadoramente.

A aplicação abusiva da previsão legislativa penal faz com que ela perca parte de seu
mérito e, assim, sua força intimidadora.

Apenas a título de curiosidade, em 1974 o Canadá tinha uma legislação que


continha 41.582 tipos penais incriminadores.

No Brasil, o Código Penal em vigor, de 1940, já teve sua parte especial acrescida
por outros delitos e, ainda, conta com um número considerável de leis penais
extravagantes.

O continente europeu tem se preocupado com o inchaço normativo e já implantou


programas de despenalização. Além disso, impôs ao legislador parâmetros que devem
ser observados quando criminalizarem uma conduta.

Nesse sentido, ensina Maura Roberti14:


o princípio da intervenção mínima está diretamente afeto aos critérios do processo
legislativo de elaboração de leis penais, servindo, num primeiro momento, como regra
de determinação qualitativa abstrata para o processo de tipificação das condutas, e, num
segundo momento, juntamente com o princípio da proporcionalidade dos delitos e das
penas, cominar a sanção pertinente.

Destarte, surge como tendência, a idéia de que só se deve criminalizar condutas de


efetiva gravidade e que atinjam bens fundamentais, valores básicos de convívio social.

2.c Princípio da Humanidade

Outro princípio de ímpar significância é o da humanidade, que apregoa o


reconhecimento da dignidade humana. Tem assento no artigo 1, inciso III, da
Constituição pátria.

A partir de ideologias que dominaram os séculos XVII e XVIII o princípio em tela


alcançou sua consagração.

Destaca-se, que as idéias iluministas inspiraram a previsão dos direitos humanos


nos textos constitucionais.

A Declaração dos Direitos do Homem disciplina em seu artigo 5, que: "ninguém


será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano e degradante".

No mesmo sentido, a Convenção Internacional sobre Direitos Políticos e Civis, de


1966, dispõe em seu artigo 10, inciso I, que: "o preso deve ser tratado humanamente, e
com o respeito que lhe corresponde por sua dignidade humana".

A Constituição Federal de 1988 trouxe diversos dispositivos onde se constata a


consagração do princípio da humanidade.

A título exemplificativo, dispõe o artigo 5, inciso XLIX, da Lei Maior, que: "é
assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral". O próximo inciso do
mesmo artigo assevera que: "às presidiárias são asseguradas as condições para que
possam permanecer com seus filhos durante o período da amamentação". Ainda mais
enfatizante é o inciso XLVII, do citado artigo, que dispõe: "não haverá penas: a) de
morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do artigo 84, XIX; b) de caráter
perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis".

Ensina Nilo Batista15:

O Direito Penal não pode se identificar com o direito relativo a assistência social. Serve
em primeiro lugar à Justiça distributiva, e deve por em relevo a responsabilidade do
delinqüente por haver violentado o direito, fazendo com que receba a resposta merecida
da Comunidade. E isto não pode ser atingido sem dano e sem dor principalmente nas
penas privativas da liberdade, a não ser que se pretenda subverter a hierarquia dos
valores morais, e fazer do crime uma ocasião de prêmio, o que nos conduziria ao reino
da utopia. Dentro dessas fronteiras, impostas pela natureza de sua missão, todas as
relações humanas disciplinadas pelo direito penal devem estar presididas pelo princípio
da humanidade.

2.d Princípio da Pessoalidade

O princípio da pessoalidade é outro postulado consagrado nas constituições


contemporâneas, inclusive a brasileira. Aduz que a pena não pode passar da pessoa que
praticou o delito.

A Carta Magna em vigor disciplina no artigo 5, inciso XLV que: "nenhuma pena
passará da pessoa do condenado (...) ".

A pena não se pode estender a pessoas que não participaram do delito, ainda que
haja laços de parentesco, afinidade ou amizade com o condenado.

Não se pode olvidar, contudo, que a pena pode gerar danos e sofrimentos a
terceiros, em especial a família. Assim, determinadas legislações vêm disciplinando a
criação de institutos que auxiliam tanto a família do sentenciado, como a vítima do
delito.

A lei 7.210, de 11 de julho de 1984 ( Lei de Execução Penal ) dispõe em seu artigo
22, inciso XVI, que cabe ao serviço social "orientar e amparar, quando necessário, a
família do internado e da vítima". Ainda, no artigo 29, parágrafo 1, "b", impõe que o
produto da remuneração do trabalho do preso deverá atender "a assistência à família",
entre outros objetivos.

2.e Princípio da Individualização da Pena

Finalmente, ao nosso estudo interessa o princípio da individualização da pena.

Nos dizeres do mestre Nelson Hungria16, a individualização da pena deve ser


entendida como o meio para "retribuir o mal concreto do crime, com o mal concreto da
pena, na concreta personalidade do criminoso".

A legislação constitucional pátria consagrou o dito princípio no artigo 5, inciso


XLVI, dispondo que: "a lei regulará a individualização da pena".

Anote-se que a individualização da pena passa necessariamente por três fases


distintas: a legislativa, a judicial e a executória ou administrativa.

No primeiro momento, a lei delimita as penas para cada tipo de delito, guardando
proporcionalidade com a importância do bem jurídico defendido e com o grau de
lesividade da conduta. Nesta fase, ainda, se estabelece as espécies de penas que podem
ser aplicadas, de forma cumulativa, alternativa ou exclusiva. Além disso, estabelece
regras que possibilitam ulteriores individualizações.

Na segunda fase, ocorre a individualização realizada pelos magistrados. Diante das


diretrizes fixadas pela legislação, o juiz vai decidir qual das penas deve ser aplicada e
qual a sua quantidade, dentro dos limites trazidos no preceito penal secundário,
determinando, inclusive, o meio de sua execução. As regras básicas da individualização
da pena, em nosso Código Penal, estão previstas no artigo 59 e não podem deixar de ser
observadas pelo juiz.

A terceira e última etapa da individualização da pena ocorre com sua execução e é


denominada de individualização administrativa ou individualização executória.

A respeito desta última fase, assevera Aníbal Bruno17: "aí é que a sanção penal
começa verdadeiramente a atuar sobre o delinqüente, que se mostrou insensível a
ameaça contida na cominação".

A Lei Maior traz alguns preceitos que devem ser respeitados na etapa executória.
No artigo 5, inciso XLIX, diz ser "assegurado aos presos o respeito a integridade física e
moral". Já no inciso XLVIII, do mesmo artigo, se impõe que o cumprimento da pena se
dará em estabelecimentos que atendam "a natureza do delito, a idade e o sexo do
apenado".

De suma importância são as finalidades almejadas com a individualização da pena,


devendo-se sempre ter em mente seu caráter ressocializador e retributivo.

3 TENDÊNCIAS DO DIREITO PENAL

Importante ressaltar na atualidade, o destaque ofertado pela doutrina aos princípios


constitucionais na aplicação dos institutos do Direito Penal. Defensor de tal proposta é
Pérez Luños18:

nenhuma norma infraconstitucional é facultada ignorar os valores constitucionais, que


servem de lastro para a interpretação de todo ordenamento jurídico; orientando a
hermenêutica teleológica e evolutiva da Constituição, avaliando a legitimação dos
postulados legai".

Os valores constitucionais terão como principal função no Direito Penal limitar a


atividade do legislador, que necessariamente deverá respeitar especialmente o princípio
da intervenção mínima, ou também chamado de princípio da ofensividade.

Não se pode olvidar, que nos tempos atuais, têm se elaborado tipos penais
indeterminados e abrangentes, elencando um amplo rol de fatos caracterizados como
crimes. Mas, não se pode negar que tal atitude enseja um perigoso grau de
arbitrariedade e discricionariedade do aplicador do Direito, sendo oportuno salientar,
que tal corrente vem perdendo adeptos apontando para o caminho de um Direito Penal
Mínimo.

Salienta Sebastian Scheerer19, em uma entrevista concedida ao núcleo de pesquisas


do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais:

o Direito Penal deve ser uma coisa seríssima. Não pode ser um instrumento qualquer a
serviço da política. Tem que ser uma coisa acima da política. Não deve mudar quando
mudam os regimes políticos - da democracia para a ditadura e vice e versa. Só deve
visar comportamentos absolutamente inaceitáveis em qualquer tipo de sociedade.
Assassinato. Estupro. Atos atrozes cometidos por uma pessoa contra outra. Ponto final.
Não, ponto final, não. Esta tese do Direito Penal mínimo defendida hoje por colegas
excelentíssimos como Alessandro Baratta e Wolfgang Naucke, e, menos radicalmente,
por parte de Winfried Hassener e de Peter-Alexis Albrecht, implica a sub-tese da
absoluta necessidade do Direito Penal nesta área limitada. Eu acho - junto com alguns
dos chamados abolicionistas como Louk Hulsnan, Nils Christie e outros - que o Direito
Penal não tem a estrutura adequada para lidar com as complexidades deste tipo de
comportamento grave em situações dificílimas. Não é muito sensato deixar a burocracia
jurídica tentar tratar destas situações. Existem métodos não-estatais para dar mais
satisfação às vítimas, atribuir culpa e responsabilidades como mais certezas, e para
chegar a um resultado positivo para todos os indivíduos e para o público atingido e
interessado.

Um número maior de leis penais incriminadoras, por vezes, pode gerar a realização
de uma justiça substancial e responder aos anseios de uma sociedade que busca, a
qualquer custo, diminuir o índice de criminalidade, mas, por outro lado, pode significar
a existência de tipos penais iníquos e instituir penas vexatórias à dignidade da pessoa
humana, desatendendo ao critério de razoabilidade.

O elevado número de normas penais incriminadoras significa a decadência do


Direito Criminal, ofendendo inclusive os valores constitucionais.

Em contrapartida, determinados penalistas justificam o elevado número de leis


penais que disciplinam condutas típicas, no fato de representar a melhor e mais fácil
solução para enfrentar os problemas de uma sociedade que está em constante
desenvolvimento. Os conflitos de interesses, próprios das sociedades contemporâneas,
necessitam de técnicas de controle para garantir um nível razoável de bem-estar
coletivo.

No universo das normas jurídicas, atenção especial merecem as normas penais,


pois, como meio de controle social, caracterizam-se por sua natureza reconhecidamente
repressiva e coercitiva, características menos percebidas nos demais ramos do Direito.
Luiz Flávio Gomes20 qualifica a norma penal:

como um juízo acerca da realidade, ou melhor, daqueles setores da realidade que


adquire relevância para vida social. A esta concepção corresponde, na ordem penal, a
caracterização do injusto como lesão objetiva das normas de valoração, como uma lesão
ou perigo para os interesses qualificados como bens jurídicos relevantes.

Assim, o Direito Penal coativo excessivo e desumano arranha diretamente bem


jurídico relevante do ser humano. Destaca-se, que no Brasil, a máquina legislativa já
trabalhou demais. Existe excesso de leis para impressionar a sociedade. Com isso, a
cada dia aumenta o número de presídios e sua população chega a números alarmantes.

Contudo, será que o legislador poderia escolher qual comportamento que, a seu ver,
mereça punição, sem levar em conta qualquer critério ? Efetivamente não. Deve ele
respeitar, em primeiro lugar, a Constituição Federal e seguir a orientação traçada pelos
princípios valorativos, alguns deles já explicitados neste trabalho.

Importante destacar a lição de Ana Cláudia B. de Pinho21 que assevera:

Infelizmente, ao fazer um breve arcabouço do manancial de leis penais hoje em vigor


no Brasil, chega-se à conclusão evidente de que o legislador pátrio não vem observando
o princípio da subsidiariedade do Direito Penal. Há um inchaço legislativo no Brasil;
uma quantidade absurda de tipos penais. Por conveniência, opta-se por uma política
paleorepressiva, fundada num Direito Penal meramente simbólico, ao invés de apostar
no paradigma de uma Justiça Penal.

Em contraposição à idéia de um Direito Penal Máximo, vem surgindo, com


ferrenhos defensores, a idealização de um Direito Penal Mínimo, fundado na tutela
apenas de bens jurídicos fundamentais, obedecendo, de forma especial, os princípios da
intervenção mínima ou da necessidade ou da susidiariedade, corolário inafastável da
legalidade estrita.

Desde as idéias de Beccaria convivemos com um Direito Penal Humanitário,


voltado para defesa e garantia dos bens jurídicos fundamentais.

Todas as condutas que afetem a ordem jurídica institucionalizada merece


reprimenda para que o Direito possa cumprir sua função garantista. Contudo, a reação
estatal não pode exacerbar os valores constitucionais. Com isso, a pena deve ser a
última ratio e não como prima ou sola ratio.

Assevera Ana Cláudia B. de Pinho22 que:

Nada adianta fazer do Direito Penal a tábua de salvação para a violência urbana no
Brasil, se a causa dessa violência não for estudada e tratada. O máximo que se vai
conseguir com isso é ignorar o princípio constitucional da dignidade da pessoa
humana - na medida em que a pena criminal estará sendo colocada na vitrine para ser
utilizada indiscriminadamente - e o descrédito do próprio Direito Penal, que vai, a
cada dia, se vulgarizando, contribuindo, assim, com o jargão de que o Brasil é o país
da impunidade.

Alberto Silva Franco23 ensina que:

a intervenção penal não pode ter uma missão expansionista: deve ser necessariamente
mínima, expressando, apenas e esclusivamente, a idéia de proteção de bens jurídicos
vitais para a livre e plena realização da personalidade de cada ser humano e para a
organização, conservação e desenvolvimento da comunidade social em que ele está
inserido.

Inegável que o Direito deve limitar-se a disicplinar condutas potencialmente


prejudiciais a alguém. Enquanto a conduta de um agente não lesionar ou, no mínimo,
não colocar em perigo bens jurídicos não se faz necessária a atuação do Direito Penal.
Partindo do princípio de que a lei penal deve se destinar a proteger os bens
fundamentais, sancionar condutas que atinjam os de menor valor caracterizaria uma
afronta à dignidade e a função pacificadora do Direito Penal.

Eduardo Araujo da Silva24 aduz que:

Em razão dos alarmantes indíces de criminalidade e da inércia do Estado em gerar


políticas públicas eficazes para contornar a crise social sem precedentes que assola o
país, o Direito Penal aparece como o grande vilão, em razão da falsa expectativa criada
quanto ao seu papel de sanear todos os problemas que afligem a sociedade. Em outras
palavras, o abuso na edição de leis penais tem levado à banalização do Direito Penal
(...)

Entretanto, o sistema penal brasileiro começa a dar sinais de reação, com a adoção
do chamado Novo Modelo de Justiça Penal, que é reivindicado pela moderna
Criminologia e que enfoca o delito fato interpessoal e histórico, com repercussão direta
para todos os envolvidos no conflito. Nesse diapasão, o primeiro passo se deu com a
edição da Lei de Juizados Especiais Criminais ( Lei n. 9.099/95 ), que regulamentou
institutos despenalizadores. Recentemente, a chamada Lei das Penas Alternativas ( Lei
n. 9.714/98 ) que aumentou o âmbito de incidência das penas restritivas de direitos, em
detrimento das privativas de liberdade.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dessa forma, pode-se concluir que os princípios constitucionais penais são suporte
básico para o legislador buscar cada vez mais o aprimoramento da criminalização das
condutas, de tal forma que o Direito Penal alcance a finalidade precípua de atuação
eficaz na realização da paz social, não se afastando, contudo, das garantias e direitos
fundamentais assegurados a todos os cidadãos.

Sobejamente demonstrado que a quantidade de tipificações de condutas não é


indicação segura de Direito Penal evoluído e capaz.

Por outro lado, se tem como certo que o Direito Penal tem como finalidade tutelar
bens jurídicos relevantes para a sociedade, que não encontram em outros ramos do
direito amparo efetivo.

No Brasil, apesar do excessivo número de condutas tipificadas como delitos, o


legislador começa a dar mostras de evolução, como se pode notar claramente na Lei dos
Juizados Especiais Criminais, bem como a expansão da penas restritivas de direito.

O pensamento jurídico mundial deverá caminha para o estabelecimento de um


Direito Penal Mínimo, importando-se com condutas delituosas realmente importantes
que afetem os bens fundamentais.

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SILVA, Tadeu A. Dix. O direito penal na contramão do processo globalizador.
Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, São Paulo, SP, ano
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