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JOÃO IV
1
A conquista é reservada àqueles que ousam trilhar
novos caminhos.
João IV
2
JOÃO IV
O MISTÉRIO DA LUZ AZUL
3
D edicatória e síntese.
4
N ota do autor.
Um abraço a você!
João IV.
5
A os amigos de outro plano.
6
O Mistério da Luz Azul
7
Sumário.
1 - O Arabizá. 09
2 - O pesadelo. 23
3 - A procura de respostas. 40
4 - De encontro às respostas. 80
5 - A terapia. 92
6 - Primeira sessão. 96
7 - Vidas passadas. 102
8 - O manuscrito de Alexandre. 104
9 - O Poço do Fubá. 137
10 - A missão de Alexandre. 153
11 - A fazenda do Arabizá. 162
12 - O noivado. 193
13 - Ainda nos anos 90. 202
14 - Um vidro de palmito. 212
15 - O fim do mistério. 236
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1 O Arabizá.
12h45min.
--- Preciso enfiar tudo isto aqui nesta mala! Tem de caber aqui. O mais
importante eu levo na mochila.
--- Pronto.
--- Não posso tomar banho aqui, minhas coisas estão no outro
banheiro.
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--- Mãe, mãe, cadê o uniforme do meu time? Não vi nada lá em
cima!
--- Preciso levar os quatro! Vou ficar muitos dias no Arabizá, pode
chover, dar barro, poeira, vaca comer.
--- Mas assim vou ter de treinar sem uniforme até o fim de semana!
Não vou poder esperar este tempo todo.
--- Olha, eu é que não posso esperar mais meu filho. Já fez seu
prato?
--- Não! Não na sala de visitas, nem à sala de som, tão pouco na sala
de estar, nem na varanda em frente à piscina, no escritório, na cozinha, na
despensa, na área de serviço, na garagem, em nenhum destes lugares
Senhor Alexandre. Que mal a sala de jantar lhe fez?
--- Pode deixar mamãe! Mas a senhora vai ver só. Hoje eu sou um
simples reserva do time de futebol de várzea do Arabizá, mas um dia vou
jogar no ataque. Quero ver a Senhora me impedir de comer na sala.
--- Você pode jogar até no Real Madri, mas vai continuar almoçando
na sala de jantar campeão!
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Depois de engolir a comida, quase que sem mastigar Alexandre
correu para a sala de visitas. Lá pegou a mochila com o material escolar e
levou para seu quarto. Chegando ao quarto ele esvaziou a mochila com o
material da escola, em seguida correu para a área de serviço da casa com
ela. Desobedecendo as ordens da mãe Alexandre colocou os dois
uniformes secos do time de futebol na mochila e os outros dois, que ainda
estavam molhados também. Pois os uniformes molhados dentro de sacos
plásticos para não molhar os uniformes secos, não molhar a mochila e o
par de chuteiras e meões que estavam dentro dela.
--- Nossa meu filho, que felicidade é esta? Até parece que você está
viajando pra Disney!
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--- O dia que isto acontecer eu largo do seu pai e ponho vocês pra
morarem na casa da sua Avó Alexandre.
--- Mas verdade seja dita minha querida o Arabizá é um ótimo lugar
para um garoto de 16 anos feito o Alexandre se desenvolver.
--- Não sei qual dos dois é mais criança. Imagina deixarmos a
comodidade de uma cidade estruturada e asfaltada igual à Cristalina pra
nos embrenharmos em estradas que em certos meses são de barro, e em
outros meses são de pó.
--- Nosso filho tem razão amor! Tudo o que tem em Cristalina tem
no Arabizá.
--- Vocês não estão falando sério, estão? Aqui em Cristalina tem a
fábrica de cimento que emprega quase toda a população da cidade, tem a
Igreja Matriz de frente a uma grande praça, tem o Rio Grande que
serpenteia pelas áreas nobres e planas de Cristalina, tem casebres
bucólicos e limpinhos fincados nos altos dos morros, tem vários bairros,
tem quase seis escolas públicas, um hospitalzinho modesto, mas
funcional, postos de saúde, uns belos casarios antigos, prédios como a
câmara, que foram tombados, nossa malha ferroviária, uma das poucas a
oferecer viagens e passeios de trem, rede hoteleira, antigas fazendas que
se tornaram hotéis, pensões para universitários, a faculdade federal, a
pizzaria, a sorveteria, o fórum, o correio, a delegacia...
--- Veja Alexandre sua mãe quando começa defender Cristalina não
para mais.
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--- Estou apenas enumerando as coisas que minha bela cidade
natal, também conhecida como a Princesinha das Montanhas, que atende
pelo nome de Cristalina, tem. Agora eu lhes pergunto cavalheiros. O quê
que o Arabizá tem?
--- Não sei filhinho! São tantos adjetivos que o Arabizá tem. E estes
adjetivos destacam o Arabizá desta tal Princesinha do fim do mundo cujo
nome é Cristalina. São tantos que eu não consigo nem enumerá-los.
--- Pois bem, que assim seja! Senhor Vereador Meu Pai,
excelentíssima senhora Professora licenciada em Geografia Minha Mãe!
Para começo e fim da discutição, eu, Alexandre filho, vou enunciar os três
principais atrativos da nossa querida comunidade rural do Arabizá.
--- Veja que eloqüência ao falar, com certeza este menino puxou a
mim, seu Pai!
--- Só se for à malemolência, pois até agora não falou nada que eu
precise saber.
--- Muito bem meu filho, mas você esqueceu-se de falar que lá
também é famoso pela sua subida íngreme, terrenos cheios de pedras e
areia onde nada que se planta dá. Sem contar a sua estrada de acesso.
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É uma estradinha mixuruca de terra, que cabe só um carro, sem
acostamento, e é muito sinuosa também. E ainda tem as inúmeras
cobras, lagartos, e aranhas da fauna Brasileira e mundial que habitam o
Morro do Curió.
--- Agora sou eu quem vai falar minha esposa. Mesmo sendo
arenoso e rochoso o terreno, o Morro do Curió tem arbustos, vegetação
rasteira, algumas árvores resistentes e frondosas e um lindo riacho de
água bem clara e pura lá no pezinho dele.
--- É verdade meu pai! E este riacho segue por entre uma pequena
floresta que preserva sua nascente, dá sombra e água fresca aos
estradeiros, e abriga todas as espécies de vida.
--- Certo meus amores, mas onde estão os outros dois atrativos do
Arabizá? Essa conversa de pássaros não me convenceu.
--- Bem lembrado meu filho! Ela tem este nome devido ao histórico
e preservado moinho de pedra. Embora este moinho basicamente seja
apenas uma casa, minúscula, de um cômodo só, antigo e vazio por dentro,
por fora o moinho está preservado e tem a sua roda girando a mais de
cem anos
--- Muito bem frisado meu filho. É bom informar a sua mãe que no
verão quase toda a cidade de Cristalina vem para o Arabizá se refrescar
nas águas do Poço do Fubá. Muita gente gosta de nadar aqui no Arabizá.
Principalmente turista e certa Professora de Geografia que não quer dar o
braço a torcer.
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--- Vocês me pegaram nesta. Tenho de admitir. Gosto muito do
Poço do Fubá! Mas nada me faz vir ao Arabizá durante o inverno. Isto aqui
é assim, esfriou um pouco que seja o povo some e não vê mais ninguém
da cidade aqui. Só poeira, mato, e os nativos.
--- Você e seu pai não contam. São dois fanáticos pelo Arabizá. Eu
estou falando de gente normal. Gente que não tem família ou vínculo com
o Arabizá. Duvido que estas pessoas venham para cá no inverno respirar o
pó da estrada. Eu mesma só estou aqui para trazer você, visitar minha
sogra e acompanhar seu pai. Arabizá, inverno, e eu, não nos damos!
--- Então me fala benzinho? Qual o motivo as pessoas tem para vir
ao Arabizá no inverno?
--- Isto mesmo meu filho. Convém lembrar sua mãe que toda a
população ativa, inativa, encarnada e até quem já deixou este plano vem
para o Arabizá no mês de Julho!
--- É isto ai meu filho. Explica pra ela que Julho sempre tem a final
do campeonato intermunicipal! E o campo dos sonhos do Arabizá é onde
os times sempre disputam à final e as melhores partidas.
--- E por falar em time dos sonhos papai, não se esqueça de lembrar a
Professora que o “Timão de Várzea do Arabizá” é o maior de todos.
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--- Sim filhote. Oito anos seguidos disputando e vencendo o
campeonato intermunicipal. Ninguém é páreo para nós. Pode vir outras
comunidades rurais da região, cidades anexas e aquela gente pé torta de
Cristalina. Todos no fim perdem de goleada para o famoso “Arabizá
Várzea Futebol Clube”
--- Eu ouvi dizer meu filho, que este ano vem até olheiro de São
Paulo assistir a nossa final.
--- Ele vai voltar pra casa com as vista doendo, isto sim meu marido.
Imagina a hora que ele se deparar com metade de Cristalina e cem por
cento do Arabizá se acotovelando pra tentar ver uma simples disputa de
futebol na beira do campo? Sem contar que a partida se resume em
adolescentes e marmanjos correndo juntos dentro de um campo, atrás de
uma bola, sem técnica nenhuma, formando um verdadeiro show de
horror repleto de pernas de pau. E o coitado do juiz? Ele fica no meio do
furacão tomando xingamento de todos os lados.
--- É verdade amor! Nosso filho tem razão. Eu vi você falando. Por
tanto este é o melhor de todos os motivos que uma pessoa comum e sem
vínculo tem para vir pro Arabizá no inverno.
--- A Senhora pode não gostar Mamãe, mas a cidade inteira gosta e
vem pra cá ver o jogo.
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--- E não é só o jogo filhote! Tem também os valores culturais
agregados ao evento.
--- Valores culturais agregados? Sabia que meu filho e meu marido
eram fanáticos pelo Arabizá, mas agora estou ficando com medo de vocês
dois.
--- Valores sim querida! Sempre que ganhamos uma partida. E digo
sempre porque é sempre mesmo! O time e as famílias dos jogadores vão
se reunir no Sítio da Cascata. Muita prosa, muita gente reunida, muita
comemoração. Senhor Flávio, dono do sítio é gaucho, assa o melhor
churrasco do mundo, serve vinho bom e também distribui doses de pinga
para adultos beberem e esquentarem o peito. E também a sua esposa
serve um almoço pro time e todas as famílias dos jogadores. Tem arroz
temperado, maionese completa, frango frito, toucinho, torresmo, angu,
feijão tropeiro, carne de vaca assada e a famosa lasanha que ela faz. E de
sobremesa goiabada com queijo. O manjar dos Deuses! E depois que
todos enchem bem a barriga cada um vai pra sua casa descansar e digerir
a vitória.
--- Não Pai! Isto é para os homens feito o Senhor, que tem de
voltar pra casa se não apanha da esposa! A maioria da turma vai até a
vendinha do vilarejo arrematar a tarde jogando truco, sinuca, contando
causos, rindo e bebericando, cerveja, vinho ou pinga.
--- Nem eu, e nem a sua mãe queremos ouvir falar de você mentido
nesta venda Alexandre. Você está proibido de ir lá pra fazer qualquer
coisa. Eu que sou seu pai não freqüento e não quero que você fique lá. Se
a gente souber que você anda freqüentando a venda cancelamos suas
férias no Arabizá para sempre!
--- Está certo filho, nossa venda também é nosso armazém! Pode ir
e voltar lá, mas só pra fazer favor a sua avó. Mas freqüentar apenas
quando fizer dezoito. E mesmo assim ao nosso contragosto!
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--- Pai o Senhor esqueceu o melhor. Não falou das quermesses que
o Padre Ernani e as Senhoras da Igreja realizam todos os sábados a noite
durante o mês de Julho!
--- Meu Deus do céu! Meu marido e meu filho são dois matutos.
--- E não para por ai pai, tem a queima da fogueira de São Pedro, As
missas de sábado à noite, a novena de São Pedro nas sextas, os bingos no
final da missa, os sorteios das rifas da paróquia, as festas de peão na
fazenda dos Quincas as quinta, as rodas de violas na casa do Senhor Nono
nas quartas, a boa prosa e os comes e bebes servido depois do terço de
São Gonçalo na fazenda da Pedrinha, e as pescarias diurnas e noturnas, as
caçadas...
--- Pai não adianta explicar a mãe nunca vai entender nosso jeito de
ser Arabizá.
--- Muito pelo contrário meu filho! Foi graças ao Arabizá que eu
conheci seu pai. Minha única razão para freqüentar esta terra.
--- Olha filho é pelo seu pai e por você que eu suporto vir, e às vezes até
dormir no Arabizá. Respeito, e amo aqui por causa de vocês.
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--- Veja bem filho são por você e pela sua mãe que eu vivo feliz
todos os dias de minha vida em Cristalina. Respeito e amo aquela cidade
por isto.
--- Ai que nojo vocês dois, pare de fazer isto, pelo amor de Deus! Se
vocês se beijarem novamente dentro deste carro eu vou descer pra casa
da vovó sozinho e a pé!
--- Mãe, pai, é claro que eu sei disto tudo! Não sou bobo! Entendo a
maturidade construtiva de nossos debates amistosos! No fim não é pra
ver quem são os vencedores e sim para conhecer melhor o outro e a nos
mesmo dentro do contexto familiar.
--- Este é o meu garoto! Eu acho que este menino é super dotado!
Olha as palavras que ele usa? Será quem ele puxou?
--- Não sei. Sendo eu a Professora da família sou meia suspeita pra
falar!
--- Nossa meu filho é verdade. A gente nem viu a paisagem passar
direito! Mas eu pude reparar que a grama do campo está muito verdinha
apesar deste frio de doer que está fazendo!
--- É por isto que as finais de Julho são sempre disputadas aqui meu
pai. Nosso campo está construído encima de uma antiga várzea. No tempo
das águas, dependendo do volume de chuvas ele até chega a alagar, mas
no inverno seca e conserva a terra úmida e fresquinha e a grama é sempre
verde por este motivo.
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--- Verdade filho! Só no Arabizá que tem este tipo de geografia. E
por falar em geografia, nada de andar sozinho nas trilhas da estrada velha.
Nem de bicicleta e tão pouco a pé! Aquela estrada é muito antiga, está há
décadas sem passar carros. Só restou a trilha estreita no meio do
caminho. Eu tenho medo daqueles barrancos enormes desabarem e
fechar a trilha. E quando você e seu primo forem lá olhem bem para o
chão. Prestem atenção. Cuidado, pois pode haver cobras nas moitas de
capim.
--- Seu pai está certo meu filho! Eu morro de medo daquela estrada!
É uma trilha muito estreita, cercada de arbustos altos, e vai adentrando a
uma mata muito fechada, escura e fria. Prefiro que você e seu primo
brinquem em torno da igreja e nas ruas do vilarejo.
--- Isto mesmo que sua mãe falou! E têm mais dois avisos Senhor
Alexandre Lemos! O primeiro é:
O segundo aviso é:
--- Você, seu primo e seus amigos podem ir juntos na estrada velha!
Mas quando chegar à altura da curva da divisa não entre na trilha que dá
acesso a represa abandonada do Senhor Tati.
--- Não quero saber de você indo sozinho na represa do Sr. Tati!
Aquilo é um labirinto muito perigoso. Podem esconder voçorocas, galerias
de água subterrâneas. Eu nasci e me criei aqui. Cansei de ver a terra ceder
e nascer poços da noite pro dia lá.
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--- Nunca vá ao Poço do Bambu. Ninguém até hoje achou o fundo
daquilo. Nem com adulto você pode entrar lá. Tem muita árvore ao redor,
quem nada lá corre o risco do pé se prender nas raízes se afogar e o corpo
sumir. E jamais nadem na represinha do senhor Tati também, não vá lá
com seu primo ou amiguinho. Se por acaso resolver pescar na represinha,
vá acompanhado do meu irmão. Ele é adulto e responsável. Conhece bem
a região. Nasceu e mora aqui todos estes anos. Por tanto ele entende do
que eu estou falando a respeito desta represa abandonada.
--- Acabou papai? Mãe? A Senhora também tem algum sermão pra
me dizer?
A avó de Alexandre era mãe de seu pai. Ela tinha dois filhos homens,
um o pai de Alexandre e outro era o caçula que morava em uma casa
vizinha a dela no Arabizá. O tio de Alexandre era casado e tinha três
filhos, Uma filha na idade de 12 anos, que morava com eles, outra com 21
que se casou e foi morar em São Paulo com o marido, e o filho do meio
Herbert de 15 anos. Herbert não só era primo de Alexandre como também
seu melhor amigo.
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Outra curiosidade das casas do Arabizá era que em suas velhas
construções não havia banheiro interno. Os banheiros vieram depois.
Provavelmente começaram a partir da década de 70. As maiorias dos
banheiros ficavam anexados a casa, com a porta virada para o lado de
fora. Isto era quase uma regra. Abria-se a porta da cozinha para sair no
terreiro e lá estava a porta do banheiro. A casa da avó de Alexandre e de
seu primo Herbert não era diferente. Mas a casa da Avó de Alexandre e a
de seu primo ficavam no centro do Arabizá. Chamavam de centro porque
bem no meio havia uma grande floresta. Quem visse esta mata bem
fechada e com as copas das árvores enormes, poderia imaginar que ali,
algum dia, houve uma praça. Porém, aquele lugar não tratava de uma
antiga praça, e sim das ruínas abandonadas de um imenso e misterioso
casarão. Bastava observar mais de perto. O formato da mata era redondo,
por este motivo a última Rua do Arabizá era uma rua oval que
acompanhava o formato desta pequena floresta. Do lado interno não
havia casas, as casas estavam do outro lado da rua. Eram as mais antigas,
com grandes alicerces de pedras e quintais imensos separados por cercas
de bambu. Do velho casarão o tempo só deixou sobreviver às partes
pequenas de o alicerce circular do jardim. Ninguém se atrevia tomar
posse daquelas terras, cortarem suas árvores ou se quer entrar lá.
Embora fosse cheio de natureza e vida, o local vivia cercado de mistério,
lendas, verdades e superstições. Quando um ou outro morador atrevia-se
a entrar lá, nada de extremo ou grandioso acontecia. Mas muitas pessoas
evitavam por causa das sensações e sentimentos estranhos que tinham ao
adentrar esta mata. Uns sentiam dor de cabeça, outros eram tomados
por calafrios, alguns por melancolia ou simplesmente tinham fortes
intuições e cismas. E no mais a comunidade aceitou aquela mata no meio
da rua como quem recebe uma praça coletiva. Era propriedade comum.
Assim determinou os moradores. Dentro da mata havia sucos, e morros
nas terras, e muitas pedras grandes esparramadas. Isto dificultava que
alguém cortasse caminho pela mata. Por isto não houve quem se
atrevesse abrir uma trilha por lá também.
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Devidamente instalados no Arabizá a família Lemos deixou seu
único filho aos cuidados de sua avó e retornou a cidade. No pouco tempo
que teve do entardecer até a noite Alexandre percorreu quase todas as
imediações na companhia de seu primo. Foram na única escola da
comunidade, visitaram o Poço do Fubá, e terminaram a noite atrás da
Capela, com um pequeno grupo de amigos, contando causos e se
aquecendo em torno da fogueira. Alexandre tinha a vida de um
adolescente normal até aquele momento. Claro que tanto ele quando
seus pais não conseguiam entender o apego que o garoto tinha pelo
Arabizá. Deixar o conforto de uma casa grande e imponente na cidade,
para se abrigar na limpa, modesta e pequena casa da avó. E não era
apenas isto. Os atrativos da cidade eram muito mais empolgantes para
um jovem do que os da pequena comunidade do Arabizá. Por muitos
anos o próprio Alexandre se perdia em pensamentos inconclusivos a
respeito deste apego tão arraigando que ele sentia pelo Arabizá.
***************
2 - Pesadelo.
Em silêncio olhando para o teto, Alexandre tentava pegar no sono.
O cansaço físico e mental era muito e isto o impedia de desacelerar,
repousar e dormir. Sempre que vinha para o Arabizá era assim. Alexandre
se via arrebatado por um misto de vários sentimentos.
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Durante o dia Alexandre preenchia a vida com atividades juvenis.
Andava e vivia cercado de amigos, em companhia do primo, ou as voltas
ajudando e aproveitando a amizade atemporal que tinha com sua querida
avó.
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Talvez fossem sintomas da maturidade, vontade de enfrentar os
dilemas da vida e partir em busca de respostas mais satisfatórias a
respeito de si mesmo e das razões que compõe seu mundo. Também
havia o encantamento por aquelas questões. Ele mesmo ficou
deslumbrado de ver que sua mente era capaz de compor raciocínios tão
profundos, coerentes, e se relacionar com perguntas existenciais tão
maduras e complexas. Alexandre viu-se diante do adulto que havia dentro
dele e não conseguiu entende por onde ele entrou. Como ele estava
pronto? E por que só se manifestou naquele momento? Se fosse expor em
palavras Alexandre não conseguiria expressar. Estava embasbacado,
como ele com aquela pouca idade tinha este dom tão peculiar?
Sentiu envergonhado com a pergunta, pois temeu que sua avó, que
dormia no quarto ao lado pudesse ter ouvido. Depois ele voltou à torrente
de pensamentos.
--- Pensa bem garoto você gosta daqui porque está de férias! Duvido
que você fosse gostar daqui se de estudasse ou trabalhasse no Arabizá!
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--- Admite mocinho você está apaixonado pela Naiara dos olhos
verdes...
--- Não, isto se deve ao fato da sua família ser pequena, seus primos
e sua avó estão aqui, por isto...
--- Quando você casar nem vai lembrar que existe Arabizá...
--- Seu primo também pensa coisas deste tipo... Deve ser da idade...
--- Para de pensar, se não vai ficar doido, deixa essas questões pra
lá, isto não chega a nada...
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Mas não teve jeito. Sua cabeça ferveu e o sono fugiu para outro
País. Alexandre estava convicto de que a loucura o havia arrebatado de
vez. Ele, que apesar de freqüentar a Igreja católica, não entendia de
experiências e vivencia religiosa. Para Alexandre Religião era como uma
matéria escolar. Algo que se estudava, praticava e seguia sem muito se
preocupar. Ele era assim. Dogmático. Aceitava e não questionava muito,
buscava sempre a zona de conforto evitando aprofundar-se.
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Pronto, estava salvo. Agora toda a atenção do garoto esta voltada
para dor. A dor o fizera esquecer tudo. Ele agora está concentrado em
apenas livrar-se dela neste instante.
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Começou a ouvir som de instrumentos, uma profusão de vozes a
cantar, falar, gritar e sorrir. Os sons se misturavam tornando-se
indecifráveis os diálogos, tal qual acontece em grandes bailes. Deu para
perceber que as luzes vinham de velas. Eram luzes amareladas,
trepidantes que pareciam dançar ao sabor dos ventos e vultos que
circulavam na casa. Sabia-se que era uma casa, pois via de relance,
paredes amareladas, telhas curvas, cumeeiras, assoalhos e grandes portais
vermelhos e grossos. Outro pressentimento invadiu Alexandre. De relance
entendeu que estava no Arabizá. Percebeu se tratar de coisas antigas. De
tempos e pessoas de outra época. Mas lhe intrigava o fato de não
reconhecer aquela casa onde estava em questão. Pois todas as casas do
Arabizá eram antigas e algumas até centenárias. Mesmo em um sonho
Alexandre saberia reconhecer qual delas ele estava. Mas aquela casa não
era familiar. Estava no Arabizá. Tinha uma forte intuição. Tão forte que lhe
passava a mais convicta das certezas. Mas não reconhecia aquela casa
grande e estranha.
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Começou a chover cacos de telha, ripas, rebocos, tijolos e um
grande clarão de fogo cresceram feito um raio. Quando deu por si
Alexandre se viu sentado no chão assistindo todo aquele caos. Não
conseguia se mexer e o pavor tomavam conta de seu corpo. Com muito
esforço olhou para cima e viu um enorme caibo vir em sua direção.
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Alexandre se levantou da cama. Foi até a cozinha bebeu um copo de
água. Olhou pelo basculante da cozinha o terreiro da casa. Era a única
janela de vidro desta residência. Um basculante pequeno, mas por ele
Alexandre viu a luz doce da lua dar contorno às formas do terreiro. Sentiu
um calafrio correr pela sua coluna. Aquele terreiro iluminado e silencioso
parecia cenário perfeito para mistérios e causos antigos. Estava tudo
muito quieto e um ar de cisma sinistra sondou os sentimentos de
Alexandre. Em seguida Alexandre deu de ombros para este medo que
sentira e voltou para o quarto. Deitou na cama enfiando-se debaixo dos
cobertores e procurando um lado aconchegante no colchão e no
travesseiro. Logo, logo ele voltou a dormir.
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Alexandre sentia um prazer mórbido em chicotear este vulto.
Sentia muito ódio por aquela criatura. Tanto que a raiva lhe despertava
grande euforia e prazer. Causar dor no vulto lhe dava razão de estar ali. E
ele chicoteava para evitar pensar e para dar vazão aos sentimentos.
Pressentia que o vulto merecia o sofrimento e ele tinha motivos para se
vingar do vulto. Só não entendia as bases destes motivos.
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O que mais ele estranhou nesta cena foi à nitidez intensa e clara
com que via e enxergava as coisas ao seu redor. Imediatamente Alexandre
trocou de sonho. Agora estava em um barco no meio de um lago
gigantesco. Uma incrível sensação de conhecer aquele lugar lhe tomou
por inteiro. Era um lago maravilhoso! Imenso e a paisagem ao redor deste
lhe parecia muito familiar. Outra vez Alexandre reconheceu, em seus
sonhos, estar no Arabizá. Aquela era sem sombra de dúvidas a região
onde estavam à estrada velha e a represa abandona do Senhor Tati. Só
que em seus sonhos a represa não era abandonada. Muito pelo contrário.
Era um grande lago, com suas margens límpidas e águas bem
transparentes. A distância viu uma bela e bem cuidada estrada de terra. A
estrada acompanhava a margem esquerda do lago formando um grande
“S”. Avistou de longe, quase se misturando no horizonte, o que lhe
parecia ser um imenso muro de pedra. Deduziu que aquela estrutura
gigantesca seria a comporta daquele imenso lago. Ele também entendeu
que por baixo das águas deste lago estavam o Poço do Bambu e seu
sumidouro, as dezenas de minas e açudes e na parte mais funda a
represinha. Tudo isto devia estar dormindo abaixo daquele monumental
espelho d água.
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Percebeu que estava de sapato preto de cano longo e couro groso.
Logo pressentiu se tratar de alguém importante e rico. Notou também que
as roupas eram de outros tempos. Sabia que estava em outro corpo, mas
pressentia que este estranho ao mesmo tempo era ele. Tinha a mesma
idade, mas a cor, os movimentos, a personalidade e maneira de pressentir
as coisas eram distintas. Foram alguns segundos de espanto e admiração.
Quase um estado de êxtase. Mas tão breves eram as imagens, mais
fugazes eram as sensações. E em tudo Alexandre punha atenção e tentava
reter a intensidade de toda aquela informação. Inspirou novamente e
sentiu um cheiro forte e agradável vindo de seu corpo. Era o odor de seu
perfume. Um odor amadeirado com toque adocicado de uma flor que ao
mesmo lhe era familiar, no entanto o nome se fazia desconhecer.
Conhecia o cheio. Novamente estranhou o fato de entender estar dentro
de um sonho. Ficou maravilhado e confuso por estar sentindo cheiro
novamente. Então tudo se desfez outra vez. E como sonhos não têm nexo
e nem tão pouco regras o garoto mudou de cenário novamente.
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Ou seja, Alexandre e o corpo eram a mesma pessoa, ou seriam seres
diferentes? Um forte estado de agonia e pavor tomou conta de Alexandre.
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--- Meu Deus do céu! Que pesadelo! Deve ser por causa do remédio.
Será que já são cinco horas da manhã? Que foi isto meu pai? Agora
pesadelos têm segundo tempo igual a jogo de futebol?
--- Nossa não acredito que isto está acontecendo comino! E agora?
Era só o que me faltava! Não bastasse toda esta sonharia acabei urinando
na cama!
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Alexandre verificou novamente com cuidado seu corpo. Sentiu
certo Alívio em constatar que não havia molhado a cama e sim apenas
parte da cueca e do calção:
--- Ainda bem! Ufa! Foi só um jato que escapuliu. Ninguém nem vai
ficar sabendo disto.
Como todo Adolescente ele era muito vaidoso e não queria virar
motivo de piada em todo Arabizá. Isto ele não ia permitir. E sendo ele um
dos jogadores do time dos sonhos do Arabizá havia sua legião de meia
dúzia de meninas. Suas fãs e futuros namoricos. Este era sem dúvida a
sua principal fonte de vaidade e pudor e a principal razão para ele se livrar
das evidencias do ocorrido tal qual um criminoso se livra das pistas de um
crime.
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Ela tinha boa memória e certamente estranharia o fato dele trocar
de roupa sem esperar a noite terminar. O cheiro de xixi poderia levantar
suspeitas, pensou Alexandre. Ele precisava se livrar daquelas evidências
sem a ajuda de ninguém. Caso contrário seus planos de não ser
descoberto iriam por água abaixo.
--- Se eu retirar à água da caixa a bóia vai ligar para repor outra.
Não posso fazer isto. Esta velha bóia faz mais barulho que um avião! Até
avó que tem o sono pesado pode acordar com o escândalo que esta
maldita bóia faz. E agora o que eu faço? Não posso voltar e deitar sem me
lavar, meu cheiro no dia seguinte vai me denunciar.
--- Pronto Xandi, seco, seco, não vai ficar não! To meio úmido, mas
não vai molhar o lençol. Isto seca sozinho sem deixar rastro. Ainda bem
que o terreiro da vovó é muito bem varrido. Se não fosse eu poderia sujar
o pé. Tanto faz também, se eu sujar falo que saí pra ver alguma coisa
suspeita. O importante é ninguém ficar sabendo que fiz xixi na cama.
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Ao virar repentinamente para voltar á casa Alexandre viu de
relance a mata. O que ele viu lá o deixou completamente petrificado.
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Era mais ou menos do tamanho de uma bola grande de fisioterapia.
Seu formato oscilava entre cilíndrico, oval e outras formas arredondadas.
Parecia consumir a si mesma pela própria luz. Uma luz fraca como já foi
dito. E o mais assombroso era que esta bola flutuava livremente no
espaço sem nenhuma base de sustentação ou ponto de origem de suas
chamas. Esta luz surgiu no repente vindo do fundo da mata. Flutuou em
linha reta na direção da mina, dando a entender estar indo de encontro a
Alexandre. Chegando à mina a luz acompanhou o curso d água por alguns
metros, em seguida fez uma curva em torno de si mesma e terminou sua
aparição embrenhando-se na mata novamente até que Alexandre não
enxergasse mais sua luz.
---- Nunca mais eu durmo sozinho aqui de novo! Só não vou embora
hoje mesmo pra Cristalina porque ninguém vai compreender e a vovó vai
ficar muito triste. Está de noite não tem jeito de partir. Mas uma coisa eu
tenho certeza. Amanhã eu não durmo aqui na casa da vovó!
***************
3 - A procura de respostas.
Finalmente a noite turbulenta terminou. Logo no primeiro cantar
do galo Alexandre se pós de pé. Saiu do quarto onde havia esperado o dia
chegar e foi até a cozinha da casa. Ao chegar à cozinha subiu na beira do
fogão a lenha e lá ficou aguardando sua avó acordar. O gato da casa
procurou abrigo em seu colo e Alexandre o abrigou. Os dois esperaram
por mais ou menos meia hora até que avó de Alexandre levantasse e fosse
fazer café.
--- Bom dia meu netinho querido! Dormiu bem? Puxa o pezinho
para traz pra eu acender o fogo! Vou fazer aqueles biscoitos de polvilho
que você tanto adora!
40
A avó de Alexandre tinha o sono de pedra. Não percebera toda a
movimentação de Alexandre no quarto. A única coisa que notou foi que o
menino estava com olheiras e meio macambúzio.
--- Estou notando que você não dormiu direito! Está com olheira e
meio abatido o que aconteceu? Ta precisando de mais cobertor?
--- Não vovó, esta tudo bem! Eu não preciso de cobertor não! É que
tive dor de cabeça, e depois que a dor passou dormi e tive um pesadelo
daí não consegui dormir mais. Por isto estou com esta cara.
--- Não foi nada vovó. Pra falar a verdade eu nem lembro mais o que
sonhei. Só sei que fiquei sem sono a noite toda! Daí eu levantei e vim pra
cá ver o dia amanhecer.
Por dentro Alexandre era uma confusão só. Sua cabeça parecia
ferver. Os pensamentos todos embaralhados. Ele não conseguira digerir
tudo o que aconteceu. Tentava manter as aparências para ganhar tempo.
Mas sentia que ia enlouquecer ou ter uma crise. Precisava de imediato
resolver dois problemas.
--- Por mim tudo bem! Você deixa as coisas aqui e de noite leva só o
que for precisar. Mas você vai jantar aqui ou lá?
--- Eu vou dividir vovó! O dia que jantar aqui eu almoço lá, e o dia
que almoçar eu janto aqui! O primo Herbert pode vir comer aqui
também?
--- Mas é claro que pode Alexandre! Vou gostar de cozinhar para
meus dois netinhos queridos.
41
--- Vovó na outra semana eu posso trazer o Herbert pra dormir aqui
na sua casa? A senhora Poe o colchão no chão pra ele no meu quarto...
--- Olha Alexandre! Você até pode trazer o Herbert pra dormir aqui.
Eu vou achar bom. Mas tem de ver com a mãe dele e principalmente com
ele. Será que ele vai gostar de deixar o quarto arrumadinho dele logo aqui
do lado para dormir em um colchão no chão aqui em casa?
--- Tudo bem meu querido faça como bem entender! Só estou
achando tudo muito estranho e repentino. Posso saber o porquê de tudo
isto?
--- Nada não, vovó. É que estão chegando às finais dos jogos do
Arabizá e a gente precisa ficar na concentração. De noite a gente pode
discutir uns passes de bola, criar umas jogadas e também contar uns
causos, pois de dia tem tanta coisa pra fazer que nem dá tempo de
conversar com o primo.
42
Ela supunha que o menino tivera algum pesadelo e estava com
medo de dormir no quarto desacompanhado. Como ele não era mais
criança ficou com vergonha de pedir ajuda a ela e inventou esta desculpa
de dormir na casa do primo para não admitir o medo. A avó de Alexandre
já fora uma adolescente um dia e entende bem que nesta idade qualquer
coisa é extremamente importante e séria. Ela sabia da instabilidade e do
excesso de importância que os garotos daquela fase davam a respeito das
pequenas atribulações da vida. E mesmo sendo semi-analfabeta avó de
Alexandre compreendia muito da vida e das pessoas. Às vezes até mais
que muita gente estudada que tem por ai. Por este motivo avó de
Alexandre reconheceu qual seria seu papel na vida de Alexandre. Ela
ficaria de fora do evento. Acompanharia de longe o garoto. Observaria se
ele estava perdendo o medo e como ele lidava com a situação. Jamais ela
iria intervir, pois ele deveria crescer tentando resolver o problema
sozinho. Só haveria intervenção se este medo evoluísse ou estagnasse a
vida do garoto. Sendo assim ela o acompanhava de longe, porém atenta e
sem perder de vista o desenlace deste drama juvenil.
------------------------------------
43
Alexandre percebera que quanto mais ele caminhava no sentido de
tentar esquecer o ocorrido mais ele era atormentado pelos pensamentos
e sentimentos. Cansado de ficar pensando e sentindo estas coisas decidiu
seguir na contra mão. Alexandre decidirá que já era hora de enfrentar a
situação e buscar respostas. Não sabia onde, não sabia quando e nem
como. Mas já concluirá que tudo ficaria melhor se pelo menos dividisse o
problema com alguém. Havia uma semana, depois do acontecido e
Alexandre dormia na casa de seu primo. Os pais do primo de Alexandre
improvisaram um colchão no chão próximo a cama de Herbert.
--- Não precisa contar Xandi, todo mundo já sabe! Não é mais
segredo. Até o doido da Casa Verde já percebeu que você está
apaixonado pela Bia.
--- Não to nem ai Xandi! A Naiara se quiser que vá morar com o Jeca
Tatu do João Pedro. Ela e Ele podem até aproveitar e formar uma dupla
caipira. Mas pelo menos eu criei coragem e declarei o que sinto. Agora
você fica enrolando com a Bia.
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--- Não estou enrolando. Estou conversando com ela pra estudar o
terreno. Se ela der um sinal eu avanço. Não sou doido desesperado igual
a você. Não quero torrar minha mesada em vão.
--- Desde quando mulher virou semáforo pra esperar sinal Xandi?
Chega nela, fala o que pensa e do chão você não passa, ou é sim ou é não.
Agora você parece que quer viver no talvez! Amanhã de tarde ela vai ao
amistoso lá no campo. A Regina sua prima e a Paula me falaram. Elas
também vão...
--- Por isto Hebinho que eu trouxe quatro uniformes. Vou estar
sempre limpinho e arrumadinho nos jogos e nos treinos.
--- Fazer a corte? De onde você tirou isto Alexandre? É assim que
você vai conquistar a Bia?
--- Pra falar a verdade Hebinho eu nem sei se eu vou neste jogo! É
só um amistoso e a gente ta na reserva mesmo.
--- Não Hebinho, Elas também vão à quermesse amanhã à noite seu
besta! E a Naiara e o João Pedro também vão! Porque você não leva uma
espada pra duelar com ele? Quem sabe assim você reconquista sua
princesa?
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--- Pelo contrário Xandi, eu acho que é você que gosta da Naiara.
Porque você vira e mexe vive falando dela. Porque eu já to em outra há
muito tempo.
--- Claro que sim! E se você voltar para os anos 90 até você pode
conseguir ficar com uma também. Porque elas são duas e são idênticas.
--- Dá sim é só você voltar pro mundo real. Estes dias parece que o
seu corpo está aqui no Arabizá, mas Sua cabeça esta em outro planeta
Xandi. Mas deixa-me lhe explicar. Amanhã no terço lá na casa da Dona
Aparecida vão estar presente as netas gêmeas dela a Tico e a Roberta.
Entendeu? A gente chega junto. Eu fico com uma e você com outra! Já
pensou nisto Alexandre?
--- Que conversa sem rumo é esta Xandi? O pai vai estar na roça e
ninguém pode nos acompanhar até lá! E eu estou falando do teço a noite
e não do treino! Xandi você está bebendo? Usando drogas? Está mais
doido que de costume, isto está me preocupando meu primo!
--- Tudo bem se você não quiser ir comigo eu vou sozinho mesmo.
--- Olha se você não quer ficar com uma das Gêmeas, com a Bia ou
se você está apaixonado pela Naiara ok. A gente discute assim, mas você
sabe que é só de brincadeira, não sabe?
--- Sei, mas o que eu preciso fazer não é brincadeira. Agora é sério!
Não dá mais pra esperar! Quanto mais eu adio mais eu sofro e mais a
minha consciência me tortura. Eu preciso seguir! Não sei por onde. Por
isto vou começar visitando os lugares! Algum sinal vai surgir de algum
lugar pode ter certeza que sim.
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--- Pelo Amor de Deus Alexandre que prosa sem rumo é esta? To
ficando com medo! Vou bater na porta do quarto do Pai com a Mãe se
você não parar com isto ou me explicar o que está acontecendo.
--- Sangue de Jesus tem poder Xandi! Será que você vai me falar o
que eu estou pensando? Nossa Senhora da Cruz que me proteja!
--- Não existe Santa com este nome Hebinho! E para de teatro. É
claro que eu não vou falar o que você está pensado porque da sua cabeça
não sai pensamento só sai besteira.
--- Pelo menos eu expresso o que sinto, não fico rodando igual
remanso de rio feito você.
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--- É serio! Eu juro por Deus Hebinho! Porque você acha que eu
inventei de dormir no seu quarto, e de pedi a vovó pra você ir dormir
comigo na casa dela? Porque eu fiquei três dias sem sair de casa a noite e
parei de ir à quermesse ou ficar de bobeira nas ruas do Arabizá à noite
com a turma?
--- Meu Deus do céu é sério isto que você está falando?
--- Claro que sim Hebinho, olha meu braço! Basta apenas lembrar-
se do ocorrido que os pelos do braço se arrepiam.
--- Já disse que estou lhe falando sério. É coisa de outro mundo de
verdade. Não é lenda não!
--- Quem viu disco voador foi o doido da Casa Verde, pelo menos
fala que viu. E também quem diz ter visto Lobisomem e Mula Sem Cabeça
é o mentiroso do João Paulino. Hebinho o que eu vi é coisa séria e antiga.
Não é deste tempo e não é deste mundo.
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--- Você está me assustando Xandi. De inicio achei que você queria
pregar uma peça em mim. Mas estou vendo que a coisa é séria. Aqui no
Arabizá tem cinco lendas que os mais antigos e sérios do vilarejo contam.
Sabia que aqui já foi assombrado de verdade?
--- Não! A vovó nunca tocou neste assunto. Nem a vovó, nem o tio a
tia, e também meus pais nunca me falara nada sobre as cinco lendas do
Arabizá. Agora até eu fiquei curioso. Porque será que ninguém me falou
sobre as cinco lendas do Arabizá?
--- Porque quando você era criança poderia ficar com medo e depois
que começo ou a ficar grandinho você nunca se interessou por estas
histórias.
--- Não é isto não Alexandre. Quer saber a verdade? Deixa eu lhe
contar primeiro um segredo sobre sua vida! Dos seis anos de idade até os
treze sua mãe o levava no pediatra, Lembra?
--- Pois é eu já era esperto naquela época e você não. Mas este
médico suspeitava que você tivesse algum tipo de problema cardíaco. Não
sei direito o nome técnico das coisas, mas era uma doença conhecida pelo
povo como sopro no coração!
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--- Mas Alexandre é por isto mesmo. Ninguém poderia lhe contar.
Você não podia tomar muito susto, ficar impressionado, ou seja, quanto
menos preocupação melhor. Assim estas histórias fortes e coisas deste
tipo lhe foram evitadas.
--- Mas eu vi filme de terror, joguei bola, corro e brinco, pulo e nada
me acontecem.
--- Sim e nem vai acontecer. Porque depois que você cresceu um
pouco mais, sua mãe o levou em outro médico.
--- E ainda é Xandi. Mas isto não vem ao caso. E por falar nisto
Bibinho é a sua outra Avó. Aquela que não é a minha avó viu? Não gosto
que me chame deste apelido. Soa muito estranho.
--- Este médico descobriu que você não tinha sopro no coração. O
outro suspeitava, mas também não tinha certeza. Porém o Doutor
Wellington lhe curou. Seu problema eram gazes.
--- Sim. Elementar meu caro Alexandre! E até provar que focinho de
porco não era tomada ninguém lhe contava nada! Porque você acha que
só entrou para o time de futebol do Arabizá aos treze? Todo mundo sabia
do problema assim também como todo mundo depois ficou sabendo que
seu problema eram gazes.
--- Cambada de gente fofoqueira! Nunca mais eu volto aqui! Eu não
tenho problema com gazes eu tive e daí?
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--- É verdade agora que você falou estou me lembrando daquela dor
de barriga que você teve na missa do galo...
--- Mas mudando de assunto. O que foi que você viu de tão
assombroso no terreiro da vovó Alexandre?
--- Algo que não sei explicar direito. Mas de uma coisa eu tenho
certeza. Eu vi! Era uma bola de fogo gigante. Do tamanho da
circunferência dos braços. Um fogo meio azulado, não era intensa igual
fogueira não. Parecia um fogo meio parado. Não sei explicar direito. Só
sei que esta bola de fogo azulada andava de um lado para o outro.
Primeiro ela veio do fundo da mata, depois parecia que ela ia me pegar.
Nesta hora quase borrei nas calças, sorte que eu não estava usando calças
na hora.
--- Você estava sem calça Alexandre? Como assim? Você saiu pelado
no terreiro?
--- Está certo, mas desta vez vê se não me interrompe. Então a bola
de fogo veio em minha direção, mas depois ela virou e seguiu o curso do
riacho. Em seguida ela deu uma virada rápida e foi entrando na mata até
desaparecer. Foi o pior dia da minha vida. Nunca mais eu quero passar por
isto.
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--- Que História em Alexandre! Agora sou eu que estou arrepiado!
Eu sei o que você viu! É mais comum que você imagina. O que você viu foi
à Mãe de Ouro.
--- Seu tonto não é lorota. Se você não tivesse problemas com gazes
a esta altura você devia saber deste assunto.
--- Eu não sou Bibinho! Você é que não assume que quer ser o
Xandão da Naiara!
--- Foi isto que você viu Alexandre, o meu Pai também viu. A avó do
pai também viu, e outras pessoas do Arabizá também viram. Esta é a
maior de todas as Lendas do Arabizá. O Arabizá é conhecido por isto.
Muitos pescadores, caçadores e estradeiros já viram esta luz estranha.
--- Isto eu não sei Alexandre! Tem um monte de causos sobre estes
assuntos. Mas todos dizem que não é coisa boa. Se você ver esta luz tem
de fugir dela. Se ela te pega você some.
--- Já lhe disse o povo antigo é que conta. Dizem que é coisa ruim
que anda pela terra à noite. Mas também dizem que onde ela aparece
geralmente tem ouro.
--- Não é bem assim não Xandi. Ela leva a pessoa para onde está o
ouro.
52
--- Não estou entendendo. Primeiro ela mata e some com a gente se
a gente não fugir dela. Depois se a gente seguir ela encontra ouro. Que
coisa confusa!
--- Olha Alexandre isto são coisas que os antigos contam. São lendas
e lendas não tem filtro cada um conta de um jeito e ai a cada dia tudo fica
mais diferente.
--- Mas eu vi. Eu sei o que eu vi! Eu tenho certeza que vi! Se eu vi,
meu Tio viu, e as pessoas do Arabizá viram! Então, ou todos estão ficando
doidos ou isto realmente é verdade.
--- Alexandre bota uma coisa na sua cabeça de uma vez por todas.
As aparições são verdadeiras. Estas pessoas que viram são sérias. Elas
também viram de verdade. Nenhuma delas tinha motivos para mentir.
Você acha que estas pessoas iam correr o risco de virar chacota a toa? Elas
não receberam pra contar isto, e tem até quem duvidou da palavra delas.
Então porque elas contariam uma coisa desta? Só pra se
comprometerem?
--- Tudo indica que sim! Pois não é o Demônio que gosta de fazer
pacto com as pessoas? Então! Deixa eu lhe contar a História toda.
53
--- Reza a lenda que uma pessoa honesta, de bem, trabalhadora, ou
seja, qualquer pessoa comum pode ver a Mãe de Ouro. Ela aparece à
noite, e sempre quando a pessoa está à só em lugar ermo. O correto é
sair correndo desta aparição. Não se deve falar com ela, e nem tocar nela.
Foge! Porém, existem cabras muito machos e corajosos. Estes sujeitos
quando vêem a Mãe de Ouro não tem medo. Pelo contrário. Eles até
procuram pela Mãe de Ouro.
--- Procuram? Pra quê? Estes sujeitos não são machos coisa
nenhuma. Eles são idiotas.
--- Bom isto eu não sei. Só sei que existe gente corajosa ou doida se
preferir que entra na mata com um punhal virgem e uma folha contendo
uma oração antiga
--- Xandi, você viu mesmo a Mãe de Ouro? Porque não parece.
Quem vê estas coisas não fica debochando do que viu e nem
desrespeitando histórias antigas.
--- Olha só! Meu primo está filosofando! Parece até o pai falando!
Tem certeza que você é meu primo? Vai ver você é meu irmão Hebinho.
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--- Olha Herbert isto é uma coisa que eu cansei de tentar entender.
Já decidi. Gosto do Arabizá e ponto final. Mas continua a contar o causo.
--- Não é causo Alexandre é fato. Tem pessoas que entram mesmo
na mata com um punhal virgem e uma oração antiga a procura da tal Mãe
de Ouro.
--- Dizem que primeiro elas vão à noite para o fundo da mata. De
preferência na quaresma que é a época mais perigosa. Nesta época tudo
de ruim está à solta. Então elas vão pro meio da mata, no lugar onde
outras pessoas dizem ter visto a Mãe de Ouro e ficam por lá aguardando.
--- Só isto? Os caras fazem este circo todo pra ver isto?
--- Porque você acha que ela chama Mãe de Ouro? Porque quem
cavar onde ela fincar o punhal vai encontrar um veio de ouro e ficar rico.
Entendeu?
55
--- Entender, eu entendi! Mas não acredito em nada disto. A parte
que isto seja coisa ruim, ligado a ambição humana faz sentido. Mas esta
história de quaresma, Diabo, pactos de sangue não me desce.
--- Juro por Deus Hebinho eu vi sim. Juro pela minha mãe que é a
coisa mais sagrada pra mim nesta vida. Eu vi. O que eu não acredito é no
resto.
--- Então Hebinho a certeza que eu tenho é esta. Eu vi algo que por
enquanto não sei explicar o que é. Mas só por enquanto porque em breve
eu vou desvendar este mistério.
--- Já eu Xandi aprendi que existe coisas ruins e Diabos sim. E eles
andam nesta terra desde os tempos de Cristo a procura de almas pra levar
pro inferno. Inclusive quem faz este tipo de pacto com a Mãe de Ouro não
vive mais que sete anos. E a vida que vive vira uma desgraça. A pessoa
tem todo tipo de prazer e luxuria no começo, mas depois termina por ficar
doida e doente e a maioria se mata ou morre de forma dolorida e
estranha.
--- Você não acredita em nada Alexandre? Mas você vai à missa todo
domingo! Como assim?
56
--- É complicado Herbert, por isto que eu tenho de desvendar. Eu
preciso descobrir a mim mesmo! Eu acredito em Deus, acredito no amor
de Cristo, mas tenho dificuldades de acreditar no mal eterno. Pensa
comigo! Por pior que seja matar uma pessoa. Se um homem mata uma
única vez ele vai pro inferno pagar eternamente por este único erro?
--- Mas ele pede perdão e fica por isto mesmo? Pronto? Ele vai pro
céu assim de graça?
--- E o céu? Não gosto do céu! Tenho medo! O que a pessoal fala
sobre o céu é muito estranho. O céu parece mais um asilo. A gente sobe e
fica lá eternamente à toa? Só rezando, rezando, cantando louvor, dando
glórias a Deus, andando de um lado para o outro eternamente?
--- Xandi eu não sei estas coisas não. O que eu sei é que na casa de
Deus há várias moradas e que nos somos apenas dois garotos. Temos de
brincar, namorar, estudar e viver. Se a gente ficar focado nestas coisas
podemos até enlouquecer. Lembra daquele menino filho da dona Lílian
que vivia rezando e que...
--- Herbert, a gente não pode deixar o mistério e as coisas nos meter
medo. Esta é a única verdade que eu aprendi com este aperto que passei.
O povo antigo também dizia que estudar de mais enlouquece. Nossa
geração arrebenta de tanto estudar e nem por isto deixa de viver ou fica
doida. Pelo contraio quanto mais à gente estuda mais a gente fica
antenado.
57
--- Nossa mãe! Já começou a ficar doido.
--- Xandi com estas coisas não se brincam! Quem procura acha! Eu
não vou sair por ai de noite com punhal na mão procurando estas coisas
não.
--- Não adianta lhe explicar Herbert! Pra falar a verdade nem eu sei
explicar o que estou sentindo direito. É muito mais que conflito juvenil. E
pra lhe ser sincero eu só tenho certeza de uma coisa. Eu preciso e quero
seguir minha intuição.
--- Xandi quem tem intuição é mulher. Vai ver você está de T.P.M
então.
58
--- Então vamos dormir por que já vi que com você não dá pra falar
sério.
Dito isto cada um dos meninos virou para um canto de suas camas e
foram dormir. Alexandre percebeu em conversa com seu primo que não
adiantava tentar dialogar ou explicar nada a ninguém. Havia muito mais
coisas envolvidas em sua busca. Ele aprendera que cada um tem a sua
maneira de entender, pensar e acreditar nas coisas. Ninguém estava certo
ou errado. Eram apenas diferentes. Outra descoberta de Alexandre era o
fato dele estar cansado de viver na superfície das coisas e querer sair em
busca de respostas que lhe fossem mais convincentes, não lhe dava o
direito de convencer e nem mudar a vida de ninguém. Seu primo era feliz
acreditando nas coisas do jeito que lhe fora ensinadas. Ele não tinha o
direito de moldar ou induzir o primo a buscar outras coisas. Esta era uma
necessidade dele e de mais ninguém. Ele é que se sentia realizado cada
vez que aproximava ou tentava alcançar alguma resposta mais
convincente. Logo cedo Alexandre aprendera que a verdade é como um
prisma. E cada pessoa enxerga uma cor. E cada cor simboliza um estágio
de sua evolução intelectual. E novamente encantado com estes
pensamentos Alexandre exclamou em voz alta:
--- Doidoooooooooooooo!
--- Xandi agora falando sério! Eu vou te ajudar nesta busca sua atrás
de resolver este tal mistério da luz azul.
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--- Você é quem sabe Hebinho! Mas não precisa me acompanhar só
pra ser educado comigo não. E tem mais, eu não vou fazer nenhuma
besteira ou enlouquecer não pode ficar tranqüilo.
--- Bom! Enlouquecer mais do que você já está não tem jeito
mesmo. E pra falar a verdade eu não estou lhe ajudando, por favor,
dinheiro, medo e nem porque acredito nestas coisas não.
--- Agora fiquei curioso Hebinho! Então porque você vai me ajudar
então?
--- Muito simples. Vou ter Histórias pra contar pros meus netos, eles
pros netos deles, e assim até o tataravô do tataravô do meu neto vai
lembrar que em nossa família teve um tal de Alexandre “ O Doido’’. Eu te
conheço Xandi. Não vou perder esta oportunidade por nada deste mundo.
Agora estou até mais empolgado que você pra desvendar o tal ‘’ Mistério
da Luz Azul”
--- Tudo bem! Não está mais aqui quem estava sorrindo. Só me
deixe te acompanhar de perto nesta empreitada rumo ao desconhecido. E
não pense que eu não escutei, Bibinho é a sua Vovozinha.
--- Mal posso esperar primo. Mal posso esperar! Boa noite, e dorme
com Deus.
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E lá se foi mais um dia. Era uma tarde de sábado por volta de duas
horas. Os meninos estavam no quintal do tio de Alexandre. Sentados na
soleira aproveitando a luz morna do sol para se aquecer e jogando
conversa fora Herbert e Alexandre se distraiam com a paisagem bucólica
do Arabizá e as conversas paralelas e triviais da juventude. Alexandre
estava mais calmo e voltara à velha forma de antes. De certa maneira ele
até se sentia mais importante, pois tinha em mãos uma experiência de
vida que poucos tiveram e uma missão a ser cumprida na vida. Porém,
apesar de todas estas coisas ele tinha algo que lhe deixava com a pulga
atrás da orelha. Não fazia idéia do que exatamente ele estava procurando,
muito menos onde ele deveria procurar e qual a finalidade de tudo isto. O
garoto não entendia que estava no início do processo. E tão pouco
dimensionava que esta era uma estrada eterna. Uma estrada de evolução
contínua. Ele não tinha consciência de que teria de abandonar velhos
caminhos e até recomeçar do zero se for preciso. Quer-se sonhara ou
tomara conhecimento da presença de amigos e inimigos desencarnados
que nos influencia. Embora fosse fruto de várias encarnações, nesta
Alexandre estava no início da retomada de sua missão. Ele já começava a
perceber que certos pensamentos eram tão distintos de seu vocabulário e
de sua forma estrutural de raciocino. Eram tão distintos que ele não
encontrava outra explicação se não a de que eles vinham de outras
esferas, ou pessoas alheia a ele lhe diziam aquilo tudo. Também notara
que algumas intuições lhe pareciam mais nítidas e exatas, tão nítidas e
exatas que extrapolava o contexto de simples intuição. Alexandre estava
no estágio de amadurecimento espiritual. Em breve ele, mesmo sem saber
disto, perceberia e entenderia tudo.
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As coisas viriam à tona de estalo. E como ele assumiu uma missão
antes de retornar ao plano físico Alexandre contava com a ajuda indireta
de vários companheiros de jornada. Mas tudo lhe seria revelado e
apresentado no momento certo. Nada poderia sobrepor seu livre arbítrio
ou desrespeitar sua cultura e sua encarnação na terra.
--- Herbert? A gente não está fazendo nada mesmo. Vamos à casa
da Dona Quitéria?
--- Assim do nada? Pra quê? Não tem nada lá pra gente. É uma
senhora rabugenta que mora sozinha. Ela nem gosta de criança. O que
vamos fazer lá na casa daquela bruxa?
--- Cuidado em Herbert! Ela mora sozinha, mas tem aquele neto
metido a peão que sempre vem disputar os rodeios aqui.
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--- Então Xandi. Mais um motivo pra gente não se meter a besta
com ela. E tem mais ela mora com aquele tanto de cachorro. E tem dois
gansos bravos também.
--- Pois é. E pra quê a gente vai se meter a besta com esta senhora.
--- Hebinho a gente não vai lá procurar briga não. A gente vai saber
das coisas. Ocorreu-me uma idéia. Lembra quando éramos bem
pequenos? Então, a vovó sempre nos levava nela pra benzer de cobreiro e
vento virado.
--- Ela parou de mexer com isto! Depois que o marido dela morreu
nunca mais ela benzeu ninguém.
--- Mas a gente não vai lá pedir pra benzer. A gente vai pra
conversar com ela. Ela deve saber destes mistérios. Pode até ter uma
resposta séria sobre o motivo das pessoas verem a Mãe de Ouro, pode
adivinhar sonhos, estas coisas.
--- Não perco isto por nada deste mundo Alexandre. Vamos lá
então.
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--- Dona Quitéria! Eu sou Alexandre, a Senhora já conhece a mim, ao
Herbert e a nossa família! Então o que a gente quer é um pouco da sua
experiência de mulher vivida.
--- Então dona Quitéria! O que meu primo Xandi está tentando lhe
dizer é que a Senhora é das antigas....
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Herbert e Alexandre voltaram correndo para a casa da avó deles.
Os garotos passaram direto para o quarto que Alexandre estava
hospedado no dia que viu a Luz Azul. Fecharam a porta, sentaram na
cama, e Herbert começou a falar:
--- Xandi eu vou lhe ser sincero. Se continuar neste ritmo não vai ter
mistério pra desvendar. Ao invés de busca espiritual a gente vai virar só
espírito. Já pensou na hora que a Dona Quitéria contar pro neto dela
sobre a nossa visita? É morte na certa.
--- Eu precisava começar por algum lado. Nada saiu como planejado.
Mas não me arrependo não.
--- Insanidade tem limite Xandi. Deste jeito a gente não vai chegar a
lugar nenhum. Você vai ficar batendo a cabeça igual mosca na lamparina.
--- Eu to fora. No começo achei que ia ter coisas pra contar pros
meus netos. Mas se eu for acompanhar sua cabeça não vou viver se quer
pra ter filhos o que dirá netos.
--- Isto é fácil de fazer! Pode deixar eu venho sim. Vejo que está
recuperando o juízo. Quer minha ajuda pra perder o medo de dormir
neste quarto depois do que aconteceu?
--- Mas é claro que não seu destrambelhado! Esqueceu que o jogo é
amanhã às nove horas?
65
Herbert e Alexandre foram ao terço com a avó dos dois. Os três
chegaram cedo à casa da avó dos meninos. Ela já havia preparado um
colchão com bastante cobertas, travesseiro e lençol no chão para Herbert
dentro do quarto onde Alexandre dormia.
--- Vovó? Agora que eu já estou bem crescido a senhora pode nos
contar uma das cinco lendas do Arabizá?
--- Pode deixar Hebinho. Este Saci era negro, tinha uma perna só, e
andava pulando, e vestia uma tanga vermelha e usava um gorro igual ao
do Papai Noel.
66
--- Então vovó o Saci que morava no Morro do Curió era igual ao da
história de Monteiro Lobato?
--- É assim mesmo meu primo. Estas coisas ganham a forma que
querem ter e fazem as coisas do jeito delas. São os mistérios do mundo!
Ninguém consegue entender tudo de uma só vez.
--- É verdade Hebinho, mas como eu estava dizendo! Quem viu disse
que a coisa era feia. E ele não tinha medo de nada o tal Saci do Morro do
Curió. Ele aparecia de dia com o sol quente. E quando ele não aparecia
costumava dar chicotada nas pernas de quem por lá passasse.
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--- Isto, Alexandre meu filho, só nosso Pai Eterno quem sabe. Faz
parte dos mistérios. Mistérios dos povos antigos. Está aqui desde o
começo do mundo.
--- Mas avó? Como alguém pode construir uma casa encima de um
poço de água grande e sem fundo?
--- E daí se hoje é sexta feira da paixão? Quem morreu na cruz não
foi eu e sim Jesus.
Dito isto ele mandou o sanfoneiro tocar mais alto. Bateu com força
a bota no chão, puxou uma morena pela cintura e saiu dançando pela sala
da casa. A festa tava animada. Tinha uma fogueira no terreiro, e muita luz
de vela acesa. A música ecoava pela floresta adentro. E foi bem na
madrugada quando todo mundo estava distraído dançando dentro da casa
que aconteceu uma coisa estranha. Veio um vento forte e apagou a
fogueira no terreiro, as velas da casa e depois bateu e fechou todas as
portas e janelas. O vento começou a soprar e uivar feito lobo. O povo de
dentro da casa parou com a festa e ficou quietinho morrendo de medo. O
vento soprava sem parar. E logo em seguida dizem que a casa deu um
grande estralo e todos começaram a gritar, e correr de um lado para o
outro. Teve gente que morreram pisoteadas, outros machucaram e
ninguém conseguia sair da casa. Então a casa afundou de uma só vez.
Desceu pro fundo da terra deixando um grande buraco. Dizem que a casa
foi engolida inteirinha e foi parar direto no inferno. Depois que a casa foi
engolida ficou um buracão. Como havia muita água por perto a água
entrou no buraco e encheu ele. Assim formou o Poço do Bambu.
Até hoje as pessoas conta que quem for lá à sexta feira da paixão e
ficar esperando até a meia noite, vai ouvir o barulho da festa e as músicas.
E se a pessoa neste dia colocar os pés na água vai notar que ela está
quente e tem cheiro de enxofre.
69
--- Credo avó eu fico arrepiado só de pensar nestas coisas.
--- Mas tudo isto fica pra outro dia. Agora está ficando tarde
meus netinhos, e os dois tem de dormir. Amanhã é a final do campeonato.
Até eu vou lá ao campo espiar um pouco a partida. Mas antes vou passar
no Sítio da Cascata e ajudar a Dona Diva prepara o almoço dos
vencedores.
70
Mas estes devaneios estavam na cabeça de Herbert e de todos os
jogadores. Naquela noite deitado em sua cama os planos de Alexandre,
que também sonhava com o futebol, começaram a pender para outra
direção.
71
Volvido por estes pensamentos Alexandre estava tão bem e
confortável em sua cama. Sentia uma estranha sensação no peito e um
calor humano presente em seu quarto tão intenso e agradável que ele
dormiu feito um bebê. Havia muita paz e segurança em seu sono. E assim
os meninos dormiram como nunca e acordaram alegres e dispostos para o
tão sonhado campeonato.
-------------------------------
--- Calma Hebinho a gente cortará caminho pela estada velha! Ainda
a tempo de chegar, e se a gente atrasar não tem problema ninguém
precisa de reserva no começo do jogo mesmo.
---- Esqueci! Mas tenho uma boa notícia pra te dar! Quer passar
uma semana na minha casa em Cristalina?
--- Lógico que sim! Mas antes quero saber como que a gente vai
fazer para passar pela estrada velha sem ser visto. Porque nem o meu e
nem o seu pai deixa a gente passar por aquelas trilhas próximo a Curva da
Divisa e perto do Poço do Bambu sozinhos.
72
--- Nossa é um cheiro muito gosto. Isto vem do campo ou é seu
perfume? É você que está usando Xandi?
--- Não Hebinho, vamos embora daqui isto é coisa de alma do outro
mundo. Eu sonhei com este cheiro. Eu estava aqui no meu sonho e este
cheiro também estava em mim.
--- Pelo amor de Deus Xandi não brinca com estas coisas não. Você
sabe que aqui é assombrado. É aqui que aparece o fantasma da Curva da
Divisa a meia noite. E este cheiro só começou agora que a gente está aqui.
--- Nossa nunca mais eu passo por lá. Que cheiro era aquele? Não
tinha flor lá e eu nunca vi este cheiro nas flores ou perfumes daqui.
Reparou que o cheiro acabou depois que a gente saiu da curva?
--- Acho que você está precisando rezar mais, abusar menos e
procurar um benzedor.
--- Não vou lhe falar mais nada sobre o que eu penso deste assunto
Hebinho! E presta atenção no jogo.
--- Nem pensar que eu vou fazer isto. Pra quê? Pra ver o exibido do
João Pedro? Olha ele! La vai o metido correndo com suas pernas tortas.
73
Os meninos conversavam distraidamente quando neste momento
Naiara sentou perto de Alexandre e começou a falar:
--- Lembra o dia que vocês foram pro terço e depois foram pra casa?
--- Então, neste dia eu também fui pra casa. O João Pedro e a turma
foram esquentar fogueira atrás da Igreja. Então mais tarde depois que
saíram do terço a Tico ou a Roberta foi pra lá também. Eu confundo as
duas, mas eu só sei que o João Pedro tomou em tapa na cara de uma
delas.
--- Que isto Naiara! Porque ele apanhou? Ele tentou beijar alguma
delas a força?
--- Não Hebinho, ele chegou a ficar com uma delas. Estava ficando
as escondidas de todo mundo porque o pai delas é muito bravo. Tudo
estava bem com os dois até que ele confundiu e chamou a que ele estava
ficando pelo nome da irmã.
---- Nossa Naiara que vacilo que o João Pedro fez! E pelo que você
está me contando ele deve ter ficado com a Roberta. Ela é a mais
estressadinha das irmãs e detesta ser confundida com a Tico. Veste
diferente, usa bijuteria, tudo que for preciso pra não parecer com a irmã.
74
--- Mas então porque elas não cortam o cabelo diferente Alexandre
isto iria ajudar.
--- Eu só sei que com o tapa que ele levou todo mundo ficou
sabendo, e eu que estava quietinha em casa também fiquei sabendo. E
assim resolvi terminar o que a gente nem tinha começado direito.
--- Claro que sim Alexandre, aquele dia no terço de São Gonçalo eu
deveria ter investido na Tico ao em vez de ter perdido tempo com a
Roberta.
--- Não seu tonto! Não é isto não! É outra coisa. Por que você acha
que a Naiara veio contar essas coisas aqui pra gente?
--- Alexandre isto eu já sei, e já lhe falei outro dia o que o Arabizá
inteiro já sabe. Você está afim dela, dá pra perceber, ela percebeu e veio
aqui tirar satisfação com você entendeu?
--- Claro que sim! Pensa comigo, porque ela sentou do seu lado e
não no meio da gente pra conversar ou do meu lado? Acorda Xandi a
menina sentou na pontinha do banco pra ficar perto de você.
--- Porque quem tem de se declarar é você Xandi. Ela já fez a parte
dela, veio aqui falar pra você que não tem compromisso e que o caminho
está livre.
--- Eu não acho nada Xandi eu tenho certeza. E quer saber de uma
coisa? Eu se fosse você colava nela depois do jogo lá no Sítio Cascata.
75
Logo em seguida o treinador do time fez um gesto para Herbert.
Os meninos nem haviam percebido que o atacante torceu o tornozelo e se
contorcia de dor no campo. Herbert correu para a beirada do campo
começou a se aquecer e em seguida. Com a orientação do técnico Herbert
entrou no lugar de João Pedro que foi parar no ataque substituído o
atacante machucado.
76
Só viera mesmo ao Arabizá para acompanhar sua esposa que
gostava de se hospedar em um hotel fazenda da região para fugir do
mundo e ter o marido só pra ela. Como ele não tinha muita coisa para
fazer e não gostava da vida rural decidiu trabalhar em quando ela
descansava. Anunciou no jornal local que visitaria sem compromisso o
time do Arabizá, e se por acaso gostasse de alguma coisa que visse talvez
daria uma força para o jogador. Bastou isto na rádio e no jornal local para
fazer do olheiro a maior celebridade de passagem já vista por aquela
Cidade. Sendo assim lá estava o olheiro. Dava entrevista e respondia a
diversos assuntos ligados ao futebol. Falava dos garotos que se perdiam
nos vícios, dos que não conseguia realizar o sonho, da competição
acirrada, da carreira curta no mundo do esporte, do funil, do nepotismo,
dos baixos salários que a maioria ganhava, da falta de patrocínio e
divulgação de times pequenos. Em fim ele falava de todos os lados da
moeda que a T.V não consegue mostrar.
--- O bom deste garoto é que ele é novo e ainda dá tempo de tirar
os vícios que o futebol amador deu pra ele. E ele tem uma boa
desenvoltura em campo. Sabe trabalhar em equipe e consegue ao mesmo
tempo ter iniciativa no ataque como eu posso perceber. Mais tarde
depois de tudo isto eu vou a casa dele conversar com os pais e com o
garoto. Nada oficial, mas é quase certo que se eu levar ele e apresentar
para o time de BH com certeza, ainda este ano, ele entra na segunda
divisão do clube e pode até ser contratado permanentemente.
E foi então que Dona Diva chamou todo mundo com um grito
--- Tudo indica que sim Hebinho! E que sorte o João Pedro deu a
você e o Alexandre em?
--- Ué, se ele sair do time você deixa o banco de reserva, e se ele sair
do Arabizá a Naiara fica com seu primo.
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--- Não seja tosco Bruno, a Naiara nunca esteve afim do João de
verdade. Mas de certa forma você tem razão. Pra ser sincero agora vou
até torcer pela carreira dele.
79
Alexandre aguardou Naiara entrar em casa e depois enfiou a
mão no bolso e correu para a casa de sua avó completamente feliz, estava
pisando em nuvens.
***************
4 - De encontro às respostas.
04h35min Da tarde, segunda feira, mês de junho, cidade de Cristalina.
--- Por mim eu nem saia de casa hoje Alexandre. A casa da tia é
muito bonita e confortável. E também não estamos atrasados coisa
nenhuma! A entrevista é às cinco e meia.
--- Deixa de ser fominha Alexandre, você parece que puxou seu pai
só pensa em guloseimas. E eu nunca usei hidromassagem na vida. Tenho
de aproveitar a oportunidade.
80
--- Pode apostar que não Alexandre, e pra ser sincero se a gente
tivesse no verão eu me atirava naquela piscina da sua casa e não sai mais.
--- Vamos sim! Vamos procurar uma lojinha pra gente comprar
crédito pro celular. Preciso mandar mensagem para minha amada. Minha
doce Naiara.
--- Xandi o pai me deu duzentos reais para gastar neste fim de
semana. Se a gente comprar perfume naquela loja ali será que vai
desfalcar muito?
--- Vamos sim é bom que eu aproveito pra ver uma coisa.
--- Olha moço este é o último produto que temos na loja. Esta é uma
linha especial de sabonetes franceses feitos a base de lavanda.
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Herbert entendeu finalmente qual era o plano de seu primo e
tentou chamá-lo para a realidade dizendo:
--- Sim Hebinho e não estou louco porque você também está
sentindo. Só pode ser este...
82
--- Este cheiro maravilhoso é de essência de lavanda. Eu adoro!
Sempre ponho um incenso deste para queimar na minha loja. Ele é muito
bom para espantar... Interrompendo a fala da moça Alexandre retrucou:
--- Prazer sou Keira. Então Alexandre é que os sabonetes têm uma
fórmula que mistura muitas coisas e combina várias essências. Aqui não!
Eu estou usando só a essência de lavanda pura. Até em certos perfumes
ela costuma se destacar.
83
--- Pronto Xandi, já está chamando! São cinco e vinte e cinco. O
gravador tem pilha? Você já sabe o que vai falar?
--- Bibinho é a sua vovó mãe da sua mãe que não é minha avó
Xandinho! E quero só ver em! Não vai meter a gente em outra enrascada
com este plano maluco de entrevista.
--- Xandi olha para aquela estante! Nossa! Quantos livros! Será que
ele empresta ou vende?
--- Deixa de ser besta Hebinho com certeza isto deve fazer parte dos
estudos dele. Mas o que eu mais gostei foi daquele baú ali. Ele está cheio
de vinil e fita cassete.
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--- Mas isto tudo é da minha filha. Ela faz mestrado em Psicologia e
esta defendendo uma tese. Por isto juntou todas estas parafernálias. Se
dependesse de mim este apartamento só tinha os móveis usuais, as
plantas que tanto estimo e minha família que amo, mais uma tartaruga
que foi da minha avó e hoje vive na área de serviço do prédio.
--- Prazer sou Alexandre, o que vai lhe entrevistar. Mas me fala uma
coisa se o senhor é o dono e fundador do Centro Espírita de Cristalina não
devia ter muito livros também?
--- O Senhor joga fora? Por quê? Não pode ter livros espíritas em
casa?
--- Claro que pode! Conheço amigos meus que fazem coleção! Mas
eu prefiro emprestar, doar para a biblioteca do centro ou para alguém que
me pede e não pode comprar. Gosto de ver o conhecimento circulando e
não acho que estante cheia seja sinônimo de sabedoria. Sabedoria é
evoluir, aprender e usar o conhecimento adquirido. Acredito na dinâmica
da vida, onde não se podem apegar demais as coisas, pois não dá pra alçar
vôo com excesso de bagagem. Devo ter apenas uns vinte livros que trago
sempre comigo. Estes eu estou constantemente relendo ou estudando. O
dia que não tiver mais nada pra se extrair deles eles também vão embora.
--- Não, e também não sou dono de nada! Faço parte da equipe de
coordenação apenas. Em nosso centro todos temos a mesma importância
e o mesmo valor.
85
--- Às vezes a entrada de um membro pode ter muito mais a nos
acrescentar e nos ajudar em nossa evolução do que milhões de palestras,
reuniões mediúnicas ou grupos de estudo ao longo dos anos que estamos
aqui. Cada irmão que nos procura abre uma vereda de luz. É uma dádiva
do criador em nossas vidas.
Tudo que foi necessário foi ensinado aos dois naquele momento.
Ariel falou sobre os quatro principais livros do Espiritismo.
87
Falou sobre as mesas giratórias, sobre Alam Kardec, sobre grupos
de estudo, palestras, teatros, reuniões mediúnicas, obsessões,
zombeteiros, umbrais, furnas, colônias, evolução, Karma, Dharma e tudo
que eles precisavam saber ou lhe perguntavam eram devidamente
respondido.
-------------------------------------
--- Veja Bem Luciana! Por mais importante que seja a missão destes
garotos não é justo que eu ajude apenas eles. Pra eu ajudá-los desta
forma esta teria de ser a minha missão e eu teria de ajudar a todos assim.
Nunca interferi no destino das pessoas que me procuram. Não é esta a
minha missão. Eu apenas lhes apresento a Doutrina. Acredito muito em
expor o indivíduo ao conhecimento, porém não cabe a nos manipular a
decisão deste indivíduo em relação a Ela. E como lhe disse antes a minha
missão é outra.
--- Não papai! Eu sei que não é! Lembra dos sinais? Pai, eu lhe falei
sobre isto! Nada é por acaso, estes vultos não iam aparecer apenas por
aparecer.
--- Filha tome cuidado com isto! Já te expliquei tanto sobre este
assunto. Estes fenômenos mediúnicos são complexos e alguns muito
subjetivos. Tudo pode cair em várias interpretações erradas. Por isto a
nossa doutrina os reconhece, os estuda e até se beneficia deles. Mas a
nossa fé e nosso cainho não podem ser guiados por eles. Devemos sempre
nos guiar pela razão e basear nossa fé nos ensinamentos de Cristo.
88
--- Às vezes esperamos de mais da mediunidade e esquecemo-nos
de experimentar os milagres que se podem obter pelo simples fato de
praticarmos a caridade.
--- Entendo perfeitamente seu ponto de vista Papai. E não estou lhe
pedindo que ajudem eles de outra forma. Apenas faça a sua parte e deixe
o resto comigo.
--- Se me veio um sinal não é por acaso. Eu não quero negar este
fato. Não quero ignorar meu dom e deixá-lo atrofiar com a falta de uso. E
se me veio foi porque alguém está contando comigo. E eu vou ajudar
fazendo a minha parte. A decisão fica a critério dos dois. E não se
preocupe papai vou ser muito sensata, coerente e sutil.
----------------------------------
89
Então a estratégia de Ariel para com Luciana era o diálogo. Eles se
concordavam, discordavam e às vezes discutiam. Mas sempre mantinham
um elo de amor entre pai e filha. Por este motivo Ariel agia e atuava nas
decisões da filha de forma positiva. E no caso dos meninos não seria
diferente. Ele logo percebeu que se deixassem tudo a critério de Luciana
ela agiria movida por intuição, instinto, impulso e encantamento que a
juventude sente em relação às descobertas. Assim sendo a sua missão era
aconselhar. Ariel o fazia da melhor forma possível. Ele sempre colocava as
razões de seus conselhos e os resultados que as decisões gerariam se
fossem tomas de forma errônea. Assim Luciana percebia melhor o seu
dom, pois tinha a opinião de seu pai que era externa a sua. Mas Luciana
também percebera que a opinião de seu pai às vezes vinha com excesso
de zelo e insegurança. Ela tinha plena confiança no que estava fazendo e
os conselhos do pai só serviram para ela repensar a forma com que devia
agir.
-----------------------------------------
90
Embora ela não acreditasse ou aceitasse a Doutrina, achou tudo
muito sensato e não viu nada que pudesse ser nocivo a um garoto daquela
idade ou a quem quer que fosse. Muito pelo contrário seu filho
finalmente estava lendo livros por conta própria e não por imposição das
aulas de literatura. Isto a deixou tranqüilizada. Isto e o fato de Alexandre
estar mais calmo e feliz.
--- Sei sim meu amor. Então! A gente marca de irmos nesta palestra.
Eu, você, os meninos a namoradinha de Xandi, e depois a gente ainda
pega um cinema e arremata a noite na pizzaria.
**************
5 - A terapia.
Em quinze dias a vida de Alexandre mudou mais do que nos últimos
dezesseis anos. Os pais de Alexandre cada vez mais se interessavam pela
Doutrina Espírita. O sentimento de desconfiança deles se desfez
completamente. Agora era a mãe de Alexandre que cobrava do garoto
quando ele deixava de ir a algum evento no Centro. Na estante da casa
havia livros e títulos espíritas antes nem sonhados pela família Lemos.
Para Alexandre tudo isto já estava se normalizando. Ele sentia estar no
caminho certo. Sentia que agora ele não pertencia a uma instituição no
qual ele deveria seguir certos protocolos e rituais. Não, agora Alexandre
tinha uma Doutrina que estava em sintonia com as suas necessidades,
dúvidas, e anseios. Ele não conseguia explicar a paz de espírito e a
afinidade que sua alma sentia ao freqüentar o Centro. Alexandre tinha a
consciência que esta paz pode ser encontrada dentro de qualquer Religião
ou lugar que se busca a Deus. Porém ele se identificara mais com a
Doutrina Espírita.
92
Sua intuição estava ficando aguçada à medida tornava-se mais
maduro e consciente de si mesmo. Por isto Alexandre sabia no íntimo que
ainda faltava alguma coisa. E esta resposta ele só encontraria se
aprofundando ainda mais no estudo da doutrina e na busca do
conhecimento próprio. E a esta altura do campeonato Alexandre já
percebera que as duas coisas estavam interligadas e que descobrir a razão
desta ligação seria descobrir o sentido de tudo isto. Agora Alexandre ainda
tinha as mesmas dúvidas de antes. Ele queria saber qual era o mistério da
luz azul, porque apesar de viver em Cristalina, estar namorando, ter
amigos e familiares ele ainda sentia como se devesse algo ao Arabizá, qual
o propósito daqueles sonhos, e o cheiro de lavanda, porque ele e seu
primo sentiram? Embora tivesse freqüentando o Centro Espírita, sentindo
e vivendo um período de paz e serenidade, Alexandre percebera que
precisava responder estas perguntas a si mesmo. Claro que agora ele
estava muito calmo e feliz. Não tomava mais decisões movidas por
rompantes e não sofria mais de estresse por causa dos eventos e
sentimentos. E apesar de toda a calmaria Alexandre entendeu que era
preciso seguir e questionar estas coisas. Só que desta vez ele queria fazer
tudo do jeito certo. Com descrição, segurança, e principalmente com uma
pessoa bem esclarecida. E foi Luciana quem apresentou esta pessoa para
o garoto.
93
Matilde veio ministrar uma palestra sobre este assunto no Centro
de Cristalina. Como estava de férias prêmio da prefeitura de São Paulo
resolveu ficar na cidade por seis meses.
--- Mas Luciana como vai fazer para entrar na vida de Alexandre sem
interferir no livre arbítrio dele?
--- Simples Matilde, como você está de férias por seis meses, você
pode clinicar não pode?
--- Nem mais nem menos Matilde. Você está escrevendo um livro
sobre milagres e sinais? Então? Este garoto é a sua fonte de inspiração!
Vai por mim! Ele tem uma grande missão! Eu pressinto isto...
--- Sabe sim Matilde. Acredite-me não sou mais aquela garota
impulsiva e voluntariosa de antes. O que eu estou lhe querendo dizer é
que não dá pra ser ortodoxa a vida toda. Podemos ajudar este menino. O
pouco que fizermos por ele é melhor do que nada.
94
--- Somos agentes e nossas decisões vão interferir na vida dele e de
toda uma comunidade. E agora a decisão e o nosso futuro estão em suas
mãos!
--- Bom Luciana! Digamos que eu escolha ajudar. Como vamos fazer
para que Alexandre venha até a mim, e tem mais deve haver afinidade
entre paciente e terapeuta. Se ele não me escolher de livre e espontânea
vontade nada posso fazer para ajudá-lo.
--- Eu já sei de tudo isto Matilde. E é por isto que incluí sua palestra
na agenda dos eventos do Centro. Em anexo no cartaz você vai divulgar
seu trabalho e vem clinicar em Cristalina.
--- De jeito nenhum Luciana você está louca? Não posso fazer isto!
--- Calma Matilde! Na verdade quem vai clinicar sou eu! Esqueceu
que já me formei? Então! Pretendo atender dez pacientes de graça para
retribuir tudo que a vida me deu.
--- Entendo seu raciocínio. Mas onde Alexandre entra em tudo isto.
--- Ele vai a palestra sua, disto eu tenho certeza. E quando ele
souber que pode fazer terapia de vidas passadas certamente vai querer
este tratamento.
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--- Daí ele se inscreve junto com outras pessoas e eu atendo apenas
ele e os outros são encaminhados para seu consultório sem ninguém
desconfiar de nada certo?
--- E você é muito curiosa e gosta de resolver uma boa trama assim
como eu! Então vai me ajudar nesta?
----------------------------------
6 - Primeira sessão.
Alexandre ficou um pouco frustrado com Matilde no consultório. Ele foi à
palestra. Viu Matilde relatar suas experiências clínicas e os resultados dos
tratamentos. Claro que Matilde como todo profissional ético narrava os
eventos, mas preservava o anonimato de seus pacientes.
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Alexandre assistiu à palestra embasbacado. Grande era seu fascínio nas
histórias que Matilde contava. Aliás, todos no Centro, naquela noite
gostaram muito de Matilde e seu trabalho.
97
--- Desculpe Alexandre antes de lhe responder eu preciso fazer uma
correção a mim mesma.
--- Disto eu sei Dra. É que a gente acostuma a usar o termo voltar ao
passado. Mas eu entendo que na verdade trata-se de apenas de recordar
as vidas passadas. Pois já foram vividas e não há como voltar lá.
--- Isto eu não entendi! A vida inteira ouviu dizer que devemos
aprender de tudo e que o conhecimento é muito importante, e quando
mais a gente lembrar melhor.
--- E você consegue-me dizer pelo menos uma vez destes piques que
você brincou a ordem exata?
--- É a ordem exata do pique. Com quem ele começou, quem foi o
segundo a ser pego, o terceiro, o quarto, e com quem terminou o pique?
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Muito pelo contrário o conhecimento é algo que se pratica, está
mais relacionado a um organismo vivo que necessitar ser alimentado, mas
também precisa ser aparado em suas arestas e lapidado em seus excessos
e às vezes até jogar fora algumas sujeiras inúteis acumuladas ao longo dos
tempos. É preciso conhecimento para voa e para entender que não se voa
com excesso de bagagem. O Sr. Ariel vive dizendo esta metáfora ela
encaixa perfeitamente neste contexto. Enfatiza bem o raciocínio.
--- Entendo! E quanto a Luz Azul? Meus pesadelos, Este apego que
sinto ao Arabizá? E o “cheiro fantasma” que eu e meu primo sentimos na
Curva da Divisa? Tudo isto não é um sinal? Alguém não está me dizendo
alguma coisa?
--- Quero dizer, por exemplo, que o tal “cheiro fantasma” pode ter
vindo no vento até vocês no momento em que passavam por lá. É um
perfume comum e algum caminheiro pode ter derramado ele em algum
arbusto e o vendo levou o cheiro até vocês.
--- Como você mesmo disse são sonhos. Seu inconsciente absorveu
estas informações ao longo de sua vida, mesmo sem você ter tomado nota
disto. Pode ser isto ou pode ser outra coisa. Mas a princípio são apenas
sonhos.
100
--- Olha Dra. a senhora está me confundindo.
--- Desculpe não era minha intenção. O que eu estou querendo lhe
dizer Alexandre é que se trata de um trabalho, ou seja, um processo. E a
primeira parte deste processo é reunir material para que possamos
estudar e analisar os fatos. Não pense que vai chegar aqui com uma
pergunta e eu vou lhe dar uma resposta. Esta função é sua. Eu apenas vou
lhe auxiliar e lhe fornecer estruturas para chegar à resposta.
--- Fico feliz em saber disto! Vou lhe indicar uns livros para leitura.
Mas o seu dever de casa vai ser aproveitar ao máximo as férias escolares e
buscar a felicidade.
--- Certo, agora devemos ir, pois seu tempo acabou moçinho! E
fique sabendo de uma coisa. A missão do terapeuta é a mesa do médico.
***************
101
7 - Vidas passadas.
--- Leia isto Luciana!
--- Sim, mas foi ele quem sugeriu. O garoto estava caindo de
maduro.
102
--- Qual?
--- Olha Luciana isto é seu pai quem vai dizer, pois eu vejo tudo pela
ótica profissional. O que eu entendi é que não deveria brigar com a crença
do garoto. Muito pelo contrário, busquei analisar e entender a sua ótica
vista por este prisma. E sendo assim conseguimos mais um caminho para
seguirmos em frente evitando a estagnação e o retrocesso que eu lhe falei
antes.
103
--- Por isto lhe peço calma, Luciana. Tem lógica o que você me dizia,
mas temos de ter provas primeiros. E estamos no processo de
investigação e não de conclusão.
--- É simples! Quero que você leia isto e dê a sua opinião, pois
preciso de sua ajuda para seguir em frente. Estes manuscritos são o
resultado das regressões de Alexandre as vidas passadas. Após a análise
ele sempre ia pra casa e registrava tudo no papel.
***************
8 - O manuscrito de Alexandre.
--- Não sei exatamente a data e o dia do ano em que isto se passa.
Tudo que sei é que a escravidão é tão normal nestes tempos quanto os
cavalos o são para o transporte desta época. À medida que avanço em
minhas recordações começo a entender que este estranho vilarejo onde
eu me encontro trata-se de Cristalina nos primórdios de sua existência.
Noto em mim um vocabulário estranho, que oscila entre chulo e erudito.
Também vem a mente palavras esquisitas e difíceis de entender, mas eu
as pronuncio livremente pelas ruas deste vilarejo antigo. Vejo admirado
este lugar tão pequeno, mas também tão impregnado a minha alma. São
no total quarenta casas sendo a maioria casebres. No centro tem uma
praça mal cuidada e cheia de árvores antigas. No final da praça está a
mesma Igreja que hoje habita a Praça de Cristalina. Porém ela tem outra
cor, e parece menor e seu passeio não é de cimento e sim de grandes lajes
de pedra. Agora ouço alguém chamar meu nome, e por este motivo sei
que me chamo José. Na verdade todos me chamam de Zé. E seguido desta
abreviatura vem sempre um adjetivo maldoso. Zé cachaceiro, Zé do
porre, Zé vagabundo, Zé bocó, Zé bobo.
104
Sou forte, parrudo, devo estar na casa dos quarenta anos. Também
sou branco e meu cabelo é liso e meus olhos são claros. Mas apesar de
ser, livre, branco e forte isto não bastou a esta gente do vilarejo. Aqui
ninguém me respeita. Nada sou para este povo se não um motivo de
chacota e distração destas almas inúteis e vazias. Sou branco sim, mas sou
tão miserável financeiramente que de nada me vale a minha liberdade e
minha brancura.
105
Ao terminar o trabalho a noite já trazia seus contornos nas
montanhas e o frio dava o ar de sua graça. Procurei pelo feitor da
fazenda, ele me pagou em miseráveis moedas e fartas ofensas.
106
Mesmo diante de vaias, risos, e excomunhões eu adentrei o recinto.
E fiz mais. Eu enchi o peito para dizer a que vim:
--- Hoje eu vim pro serviço completo! Tenho dinheiro pra beber,
comer, e me deitar com uma destas rameiras negras.
Esta era a frase que o Italiano mais usa e este truque de vestir muito
suas beldades eram pra aumentar a expectativa e o suspense em torno
delas.
107
Estava bem dado o meu recado. Ela teria que se deitar com um
andarilho, sujo, imundo, cheirando a bebida, com mau hálito e teria de
fazer de tudo e aceitar a tudo. Esta idéia me excitava muito. Tanto que a
deixei ir para refletir e esperar por esta hora. Voltei minha atenção à
comida. Fartei-me e bebi muito feito um rei. Sinhá tinha sido generosa
naquele dia. Eram poucas as moedas, que me pagara, mas era o
suficiente para ter tudo de que eu precisava naquela noite.
--- Estas moedas ai são pra pagar o jantar, e a outra dá e sobra pra
alugar o quarto dos fundos e a negra que me servil. Arruma tudo que eu
to indo pra lá e vai ser a noite toda. O escravo ia dar ordem para o seu
filho arrumar o quarto, quando o Italiano interveio no assunto dizendo:
--- Não vai arruar nada não. Volta pro balcão pra servir as pessoas.
Acabou a festa, já comeu, já bebeu, agora toma aqui esta garrafa de
cachaça pra pagar o restante. Vai procurar seu rumo Zé fedido.
--- Só se for por cima do meu cadáver Zé bafo de onça. Eu não posso
me dar ao luxo de comprar mais escravas e você vai passar doenças pra
elas. Elas não vão deitar com mendigo não.
--- Elas vão sim. Eu sou branco, tenho dinheiro, o que me proíbe?
108
--- Prestem atenção todos vocês, quem tocar no Zé vai se ver
comigo. Ele vai apanhar muito, mas vai ser do meu escravo e do filho
dele. Já passou da hora deste moleque amedrontado virar homem.
109
As vozes em sua cabeça viraram uma multidão e falavam todo tipo
de coisa ruim. Então Zé começou a ditar suas blasfêmias.
--- Ódio eu tenho de tudo e de todos esta noite. Maldito seja a peste
deste Vilarejo. Não escapa nem o padre daquele lugar ruim. Não gosto
destes infelizes, maldito seja minha mãe que me pariu neste mundo,
maldito seja meu pai que nos abandonou, maldita seja Sinhá e sua
caridade pretensiosa e maldito seja Deus que ama os falsos em sua capela
e abandonam a má sorte os frascos descamisados iguais a mim. Sim
maldito seja tu Deus dos infernos, pois até os escravos valem mais que eu
para ti.
--- Diabo! Capeta! Satanás! Venham em meu socorro! Quero ser seu
filho, pois não tenho pai, nem na terra e nem no céu! Venha, pois o seu
inferno não é pior que a desgraça e o inferno da terra! Venha eu quero
vingança, eu quero sangue, eu quero matar, roubar e destruir esta maldita
Vila de Cristalina. Salvem-me deste Deus inútil.
Ele usou a forma de uma gárgula que vira na idade média, pois
sabia que desta foram Zé pensaria se tratar de um Demônio. E foi em
forma de uma gárgula horrenda que um Zombeteiro se materializou bem
diante dos olhos de Zé.
110
Zé espremeu os olhos, sentiu um frio tomar seu corpo dos pés a
cabeça. Tremia de medo, e seu coração batia forte e descompassado.
Porém estava bêbado e não tinha mais nada perder nesta vida. Tamanha
era a sua ira que Zé retomou a coragem e rompeu o silêncio sepulcral
perguntando a criatura que ele achava ser o Demônio.
--- Eu te chamei, eu não vou fugir, mas porque você veio Demônio?
--- Eu vim comprar sua alma Zé! Sou um poderoso Demônio e posso
tudo que você pedir! Pede e eu te dou, mas lembre-se ao morrer sua alma
será minha.
--- Pode rir Demônio, mas eu quero rir por ultimo. Eis aqui o seu
servo em que posso lhe servir?
--- Escuta bem seu infeliz. Vou lhe fazer patrão nesta vida, e em
outra será meu escravo. Assim me foi permitido e assim será. A legião que
me representa vai lhe ajudar a chegar onde você quer. Então vá e siga os
sinais.
111
Era um vulto branco, de um branco bem nítido e tinha a silueta de
um ser humano. Sua luz era fraca e misteriosa. Logo que Zé se aproximou
do vulto o mesmo desapareceu. Em seguida o vulto reapareceu mais ao
fundo da grota. Zé se deslocou outra vez até o rumo do vulto. Outra vez o
vulto desapareceu ao ver que Zé se aproximava dele. Outra vez o vulto
reapareceu, e Zé entendeu que ele estava levando-o a margem do riacho.
E assim Zé chegou até a cachoeirinha.
112
No fim disto tudo ele encontrou uma pedra do tamanho de uma
jabuticaba. Trouxe a pedra para fora e saiu do riacho. Zé deitou na areia
as margens do riacho. Bebeu toda a garrafa, e não sabe se desmaiou ou
dormiu.
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-----------------------------------
A falta de Zé no vilarejo foi percebida por alguns dias, porém não foi
sentida. Quem foi ou ficou sabendo da noite fatídica na taberna entendeu
as razões de Zé para se ausentar de Cristalina. Os poucos que não
souberam contentaram-se com as próprias justificativas.
113
Agora nem as mentes mais desocupadas e atentas a vida alheira
tinha em suas bocas maledicentes o nome de Zé. Para Cristalina ele se
fora, e isto bastava para ser enterrada viva toda sua existência.
115
E foi neste ambiente de penumbra e decadência que Robert
retornou a Cristalina. Retornou comprando tudo. Arrematou pra si o
Morro do Curió, a região dos lagos, e todas as terras improdutivas do
Arabizá. Alias aquela região tem este nome por causa dele. Ele inventou
esta palavra pra comparar a região ao oriente médio e seus desertos. Foi
ele quem batizou aquelas terras.
116
--- Deus Santo! Senhor Robert, eu não posso abrir mão deste cativo!
Está comigo há anos, e tem o filho dele também, não posso separar um do
outro.
--- Preciso dele Senhor Italiano! Tenho uma quinta na Serra Gaucha!
Ele sabe cuidar de uma casa e sabe preparar bebidas, sabe tocar
instrumentos, e é forte vai proteger a casa que fica mais fechada e sozinha
do que tudo.
--- Pois eu estou disposto a pagar Senhor Italiano! Pago por ele o
equivalente a uma dúzia de escravos fortes como ele.
--- Bem neste caso... Sou forçado a vender, pois preciso de dinheiro.
Perdi muito, se não fossem os visitantes eu estaria falido. Cristalina me
abandonou. Mas como todo bom Cristão eu não posso separar pai de
filho. Vendo por este preço e lhe dou de graça o filho que deve ir junto.
--- Neste caso sou obrigado a deixar o senhor com seu Cristianismo
e seus dois escravos, pois não preciso e não quero este moleque no meu
patrimônio.
--- Veja bem Senhor Robert eu vendo o pai separado do filho. Não
tem muito movimento na taberna mesmo. E o moleque vai dar conta de
me ajudar. E no mais terei dinheiro se precisar comprar outro escravo.
Mas tenho uma condição. Para ficar com o garoto eu cobro o equivalente
a mais dois escravos jovens de dentes bons.
117
Dias depois Robert comprou as duas escravas do Italiano. Pagou
por elas o que daria pra comprar dez acres de terras boas. O
comportamento de Robert na região despertava muitos comentários a seu
respeito. Não se sabia se ele era viúvo, leigo solteiro ou de onde ele vinha
e porque se instalou em Cristalina. O que se sabia era que ele foi um
salvador para o Vilarejo e que era muito nobre na forma de falar,
gesticular e agir e também tinha uma grande fortuna. Mas ninguém sabia
a origem desta fortuna, a qual família ele pertencia e porque escolheu
aquele lugar pra morar. E mais estranho ainda era sua fazenda. Havia
apenas cinco escravas bem velhas na Fazenda Sobral. Eram mucamas,
arrumadeiras e responsáveis pelo trabalho doméstico. Na senzala, que era
debaixo da fazenda em um porão escuro, havia dezenas de escravos
homens. Estes eram jovens e solteiros. Era de se estranhar a quantidade
de braço, pois a fazenda só praticava agricultura pra consumo próprio. Os
escravos eram muitos por isto os serviços ficavam leves. Eram coisas
como, zelar pela estrutura física do local, manter a horta, o pomar e o
jardim arrumado, roçar trilhas e manter a estrada limpa, cuidar de
cavalos... Também havia muitos jagunços para por ordem no contingente
de escravos. Robert mantinha distancia dos escravos e nunca se
relacionava diretamente com eles. Seu principal capataz era seu
intermediário. E na sede de sua fazenda somente as mucamas eram
permitidas entrar para fazerem os trabalhos.
--- Estas duas são para o deleite dos escravos. Não posso deixar
estes homens que trabalham o dia todo sem um pouco de prazer. Ficarão
apenas na senzala e elas não trabalharão de dia, mas a noite terá de servir
aos escravos. Não se preocupem elas estão acostumadas a este serviço e
tem resistência. No mais se não agüentarem são apenas escravas. Cuide
para que minhas ordens sejam cumpridas.
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118
Depois de bem instalado na fazenda Robert deu um baile
inesquecível. Convidou toda Cristalina. Todos foram com, exceção do
Italiano que não pode ir. O Italiano estava desfalcado de empregados. Só
restara ele e o filho do escravo, e não podia deixar a taberna, pois havia
um hospede nela. No mais, o baile correu as mil maravilhas. Todos
puderam conhecer melhor a Robert. E ele pode explicar o motivo de seu
comportamento. Assim Robert ia bebendo, festejando, e respondendo a
perguntas:
--- Separo os escravos para que eles não criem em suas cabeças
expectativas e esperanças. Estes precisam ser lembrados o tempo todo
que não são humanos e sim animais. Veja a minha senzala. Não tem
família, irmão ou coisa assim. Só peças, unidades e força braçal. Quando
não mais me servir aqui eu vendo ou mando a outras fazendas minhas.
119
Neste momento todos aplaudiram a Robert de pé. Ele foi
ovacionado feito um ator no final de sua peça. Em seguida Robert tilintou
novamente a colher na taça pra chamar pra si a atenção de todos que
sutilmente começavam a se dispensarem.
--- Sou um homem de visão e logo que pus os pés nesta terra vi um
grande potencial humano nesta região. E por este motivo logo investi não
apenas parte da minha fortuna, mas também uma parcela do meu tempo
e vida nesta que será a melhor e mais lucrativa de todas as empreitadas
que já vivi. Proponho cavalheiros formamos uma cooperativa.
120
--- Já pensamos nisto antes Senhor Robert, mas dada as
circunstancias mesmo com toda nossa união ainda assim seria pouca terra
para se plantar pois a maioria das terras férteis estão de posse do Senhor.
E como o Senhor não é um homem de plantar como mesmo afirmou
Cristalina não teria como plantar em larga escala.
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121
A carruagem do forasteiro era tão negra e lustrosa que nem a noite
funda e sem lua conseguia envolve-la em suas trevas. Dois faróis
oscilavam errantes pelas curvas da estrada tal qual um par de vaga-lumes.
O suntuoso carro, feito de madeira de lei, e adornado com detalhes
dourados, parou próximo a taberna do Italiano. Por fora a carruagem
consistia em dois cavalos negros como a noite, um cocheiro branco e
pálido cujas roupas e o biótipo aparentavam ser Frances. Por dentro dela
não dava para ver quantos ou quem estava lá. As cortinas negras de renda
só permitiam transparecer vultos na escuridão interna do móvel. Foi
quando a porta se abriu assombrando o proprietário da taberna que
exclamou:
--- Já lhe disse Italiano sou eu mesmo o Zé. Eis me aqui em carne,
osso, rendas, casimira e ouro, muito ouro. Agora por favor, se isto ainda
for uma estalagem para de fazer perguntas e mande seu negrinho levar as
malas para o meu quarto.
122
--- Seja muito bem vindo José! Vou lhe proporcionar uma agradável
estadia em minhas modestas instalações. Está com fome? Já jantou?
Posso lhe preparar um café.
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123
Foi Zé que contratou empregados e mandou construir a estrada
que atualmente foi abandonada pelo Arabizá. A estrada vinha da cidade,
serpenteando por grandes barrancos de terra, fazia uma grande curva
próxima à casa de Zé e seguia até terminar nas bandas onde hoje é o Poço
do Fubá. Zé construiu tudo com muito luxo. As paredes eram feitas de
grandes adobes, rebocadas e pintadas de amarelo ouro, as portas internas
e externas da casa eram grandes, de cor vermelho da china e de
carpintaria muito bem talhada e a madeira era de lei. O assoalho também
era impecável, tabuas corridas bem grossas e muitas janelas também
vermelhas. Tantas janelas que davam a impressão da casa ser maior vista
por fora. E para arrematar sua obra prima a casa havia um forro de
madeira de lei. Feito de tabas pesadas e isto diferenciavam dos forros das
casas locais, pois todas as outras tinham forros de palha.
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--- Eis que chega o Diabo para tomar de mim a parte que lhe cabe!
--- Boa tarde Zé, seja bem vindo a esta pitoresca fazenda, seria
redundante dizer-lhe que a casa é sua! Venha, reúna-se a mim nesta
vespertina hora.
--- Não me tomes de ironia, e, por favor, não consuma meu tempo
na discrição de seu sarcasmo. Há apenas entre nós um simples acordo de
cavalheiros. Nunca se perca deste fato.
--- Não era preciso fixar esta questão José. Veja só! O velho Zé
andarilho Cristalinense está vindo à tona emergindo de sua couraça de
marfim?
--- Como já lhe disse não se faz necessário informar minha condição.
Disto eu tenho plena consciência! O que não consigo compreender são as
pedras que a mim se dirigem neste momento.
125
--- Sua ignorância só amplia meu descontentamento. Como não
consegue entender algo que toda Cristalina já entende?
--- Não acha que foi longe de mais com esta história Zé? Espalhou
por todo pais os escravos desta maldita cidade arrebentando com os laços
de sangue. Graças a ti, pai está longe de filho, marido está longe de
esposa, irmão está longe de irmã e assim por diante. E como se não me
bastasse fez comprar a peso de ouro as duas escravas daquele maldito
Italiano. E pra que? Pra jogá-las no fundo de uma senzala suja cheia de
escravos machos sedentos. E qual foi o resultado? Elas foram torturadas,
estupradas até a morte, sofreram por dias, quase um mês até que uma se
matou e a outra se entregou a fadiga definhando até vir a óbito.
--- Já lhe disse Robert! Este acordo é provisório. Esta sendo bem
pago para isto e no fim sairá muito rico.
126
Neste momento Zé se levanta da cadeira no qual estava sentado e
teve um ataque de cólera. Aos berros e com a boca espumando de raiva
ele esbraveja em direção de Robert feito um sargento irado dando pito na
tropa em pleno campo de batalha:
127
Dois anos depois o jovem casal voltou de Paris. Eles foram à casa
grande em quanto aguardavam a construção da nova fazenda. Em poucos
anos a Baronesa adoeceu e morreu, depois foi à vez do Barão sofrer um
acidente com cobra e também morrer. Mas até ai tudo foi natural. Nada
havia de criminoso. O crime veio depois, os filhos fizeram a partilha,
quitaram muitas dividas até então desconhecidas. No final Robert se viu
na mesma condição de seu pai. Lá estava ele, um novo nobre, pobre e
casado com Flora. A que só tinha flor no nome.
--- Chega! Chega Zé das favas! Basta! Não sei de que inferno tirou
este ouro. Sou eternamente grato por me trazer de volta a vida social.
Mas não lhe devo satisfação da minha intimidade, você depende de mim
pra manter seu segredo a salvo e dar continuidade ao seu plano idiota.
Não tente me sabotar ou impedir, sou seu sócio, e não o seu escravo!
--- Não sou seu sócio Robert! Ou melhor, nobre de uma figa. Não
estou lhe condenando por bigamia ou pelos seus erros. Estou lhe
alertando para sua burrice. Quando eu terminar minha vingança tudo isto
aqui ficará destruído. Serei como as sete pragas do Egito. Não haverá
cristalina, e ninguém pra contar história. Não quero que se envolva, e você
tem de me obedecer.
--- Tente ferir meu amor! Não permitirei ninguém entre Judith e eu!
128
--- Não banque o imbecil! Eu tenho meus olheiros, meus capangas e
minha gente. Não sabes tudo de mim. E acho que não sabe coisa alguma.
Você é só o reflexo do meu ouro. Se eu tira-lo de ti o pai da moça
imediatamente proíbe o noivado. Como pode ser tão ignorante a ponto
de não saber de nada?
--- Sei sim, sei latim, falo Frances, me porto bem a mesa, e sei
transformar asnos em cidadão, você mesmo é prova viva disto.
129
--- Não preciso justificar minhas ordens. Você é quem deve
obedecê-las sem questionar.
--- Pois não preciso mais questionar nada! Já entendi tudo! Está
amando Judith.
--- Não é Judith minha questão! É a mãe dela! Aquela maldita, com
sua caridade falsa. Graças as suas esmolas tudo aconteceu. Ela foi o
começo da minha ruína. Se não fosse...
--- Se for este o motivo Zé, está tudo resolvido. Eu tenho um plano
melhor para se vingar de Sinhá.
--- Não! Ela deu esmola, é diferente! Ela fez o que toda Cristalina
fazia. Dava esmola pra se sentir bom e superior a mim. Falsos. Ninguém
nesta maldita vila me ajudou. Ninguém me deu oportunidade ou
acolhimento. Só esmola e passa fora. Vou me vingar de Sinhá através de
sua filha. Assim como vou me vingar do filho daquele escravo maldito
fazendo-o acreditar que um dia verá o pai. Pai que eu torturei e matei
pessoalmente. Veja como é perfeito meu plano. Hoje toda a Cristalina
depende da minha esmola para existir. O jogo inverteu. Todos vivem sobe
a eminência de minhas decisões. E está chegando o tempo das eternas
vacas magras. Perceba que você Robert está enredado nesta trama. Se
quiser mesmo o bem de Judith vá ao jantar e termine este noivado.
--- Essa gente mesmo sem recurso financeiro tem outros atributos.
Quando passar o baque e as intempéries eles vão seguir o destino.
Cristalina vai sempre existir José.
130
---- Não seja tolo Robert. Agora não é uma ordem é um conselho.
Pelo seu próprio bem fique do meu lado. E acredite cristalina vai afundar
para sempre!
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Em sua alma já não há mais ódio, sua vontade não mais se submete
aos devaneios da fuga ou da loucura. Sua força e fé vêm de uma
esperança triste que move seu espírito e lhe deixa seguir sem se entregar
aos desejos mais obscuros de sua existência. Segue-se cativo, desce a
ladeira do Morro do curió, calado e cabisbaixo. Não há correntes, cordas
ou amarras que o mantenha ali. Apenas um único fio condutor o deixa
ligado ao seu Algoz. A esperança de voltar para os braços do seu pai.
--- Isto seu maldito! Agora você voltou a sua origem. Fica nesta
posição de quadrúpede que eu vou lhe dar uma lição inesquecível.
131
O escravozinho rolava no cascalho da trilha tentando se esquivar
das lambadas constantes. Mas tudo era em vão. Quanto mais ele se
esforçava para fugir, ou usava seu corpo e suas mãos para se defender
mais ele era acertado pelo chicote.
--- Fica deitado ai! Não se levante nem se limpe seu corpo! Quer ver
seu Pai novamente? Quer sair deste inferno? Então tem de agüentar até o
fim. Eu sempre cumpro o que prometo. Disse que ia pagar caro por ter
escarrado em mim e está pagando. Seu pai está bem em uma bela casa na
serra próximo ao litoral. Vai gostar de unir-se a ele. E hoje é seu último
dia nesta terra maldita. Em breve irá se juntar a seu querido pai.
132
--- Fique aqui do meu lado.
Zé deu uma ordem tão colérica que seu escravo nem teve tempo de
se assustar e entender o que estava acontecendo. Ele apenas percebeu
que havia um túnel estreito debaixo da cachoeira. O escravo arrastou-se
pelo túnel e logo atrás dele Zé vinha acompanhando-o. Terminado o túnel
o escravo adentrou em uma grande galeria de rocha. Logo atrás dele vinha
Zé. José ascendeu vários candeios que estavam fixados nos paredões de
pedra e assim o escravo pode perceber a dimensão da caverna.
--- Aquela fenda por onde entramos já foi um grande veio de ouro e
terra. Retirei tudo sozinho. Aquilo foi o início da minha fortuna.
Veja que capricho da natureza a fenda foi porta de entrada para esta
caverna escondida e protegida da água e das pessoas por estes densos
paredões de rocha maciça. Uma obra prima da natureza. O miolo da
caverna é formado por cascalho e ouro, muito ouro. Tanto ouro que nem
foi preciso criar uma mina e por escravos mineiros. Era muito, eu mesmo
fazia grandes retiradas sozinho. Jogava o cascalho na cachoeira e a
natureza terminava meu trabalho. As vozes me guiavam e mostravam os
veios onde eu deveria cavar aqui dentro.
133
As vozes querem assim! Elas mandam no ouro e sabem que ele só
vai voltar quando eu terminar minha missão. A sua missão também
chegou ao fim. Por isto eu lhe trouxe aqui. Amanha vou viajar e levar
você para os braços de seu pai. De hoje em diante não lhe torturo mais,
está livre. Agora fique de pé e não se mexa. Um movimento seu em
qualquer direção e eu mudo de idéia e você nunca mais verá seu pai.
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134
--- Explodiu tudo patrão, não sobrou nada de nada! Uma tragédia,
toda Cristalina já sabe. Foi Deus quem impediu que o sinhô fosse até lá lhe
dando esta indisposição.
--- Estaria morto esta hora só por isto! Mas me conte o que você
sabe com detalhes.
--- Ninguém sabe direito! Todo mundo estava muito bêbado! Mas
os poucos sobreviventes contam é que as portas e janelas da fazenda do
Zé estavam fechadas.
135
--- Senhor eu deduzi pelo estado dos poucos sobreviventes. Estavam
com um bafo terrível e a fala muito molenga, típico de quem enche a cara.
As janelas fechadas não eram o mais estranho!
--- Então não faça suspense conte – me logo o que era mais
suspeito que isto.
--- A cidade vai estar de luto amanhã! Você sabe os nomes de quem
morreu?
--- Tudo não, ainda está muito tumultuado. Onde era casa surgiu
um grande lago, um poço fundo. Nem os escravos conseguem encontrar o
fundo e tudo desceu junto de uma vez só. Uma desgraça Sinhô. O dia vai
ter de clarear pra conseguir resolver as coisas. Tem água, pedaço de
construção, alguns corpos começam a boiar, e pode ser que algumas
pessoas estão vagando perdias em estado de choque por ai. Mas tudo
indica que a maioria foi pro fundo das águas.
136
--- Sinhô não dá pra explicar, amanhã o sinhô tem de ver pra saber.
Dizem que a casa caiu de uma vez nesta galeria subterrânea e logo em
seguida a água dos riachos mais a água do fundo desta galeria começaram
a encher o buraco. Tudo muito rápido. Não acredito que haja sobrevivente
e tão pouco que vão encontrar os corpos todos. Zé, Os fazendeiros, o
Italiano, as mulheres com certeza estão no meio dos mortos. E com eles
muitos jagunços também se foram. A sorte que não hera uma festa de
família se não há esta hora as damas de Cristalina, as crianças, os
rapazinhos e o padre também estariam mortos.
--- Entendo, Agora vai embora, por favor! Eu quero ficar sozinho!
Não tenho coragem de ir até lá pra ver isto! Amanhã eu crio forças e tomo
as providencias!
****************
9 - O Poço do Fubá.
Luciana terminou de ler o manuscrito sentada no sofá de couro do
apartamento de seu pai. Logo em seguida Matilde entrou na sala trazendo
duas grandes xícaras de chocolate quente, dando uma para Luciana e
sentando-se ao seu lado.
137
--- Mas, Matilde, você não acha que estes manuscritos são
inconclusivos? Eles me dão a impressão que antes estava tudo escuro. E
nós sabemos que o escuro é uma folha em branco onde colocamos o que
a nossa imaginação manda. Agora ao ler estes manuscritos fiquei com a
sensação de estar diante de um vidro embaçado.
--- Como seu pai costuma sempre nos dizer Luciana. A missão dele
é a mesma de todos nos, ser feliz, e este estado de espírito é alcançado
através da busca constate do conhecimento e da prática do mesmo em
todos os aspectos da vida principalmente na esfera espiritual.
--- Ei, Matilde, esqueceu que eu sou filha do senhor Ariel? Não é isto
que eu quero saber amiga! Eu sei destas coisas, também sei que se o
Alexandre não assumir sua missão nesta vida de outras formas nossos
desencarnados e as pessoas de Cristalina e do Arabizá vão encontrar em
outra pessoa, ou outro jeito de chegar ao objetivo.
--- Claro que sim Lu, pois ninguém segura o progresso. Ele pode
até ser adiado, mas uma hora ele vem.
--- Mas me fala uma coisa qual a contribuição que o Alexandre tem
para dar a comunidade do Arabizá?
138
--- Dra. Matilde! Ela serve a humanidade e não a minha curiosidade.
E tem, mais o telefone toca de lá pra cá e não de cá pra lá.
--- Que bonito esta metáfora do telefone é sua ou do seu pai Ariel?
--- Veja como Deus é perfeito, ele nos ensina com esta condição
que viver é mais importante que relembrar. Do passado temos de trazer
só as experiências e contatá-lo quando for preciso e não quando o
interesse carnal nos faz acreditar que é preciso.
--- Isto é muito interessante Luciana, pois foi daí que surgiram os
fenômenos que mais tarde viraram lendas no Arabizá. Depois que levou
uma pancada na cabeça o escravo desmaiou e Zé o acorrentou dentro da
caverna. Zé fechou a caverna e deixou o escravo lá para morrer.
139
--- Faz sentido Matilde. E com certeza ele acreditava que
sacrificando o filho do escravo dentro da caverna os “Demônios”
aceitariam este sacrifico e voltariam a lhe dar ouro e a ajudá-lo em seu
projeto de vingança. Mas eu fico pensando! Cristalina na época não teve
ajuda dos espíritos de Luz?
--- Não seja imatura Luciana, releia o manuscrito e veja como era o
caráter da maioria das pessoas de Cristalina. O comportamento
materialista, ambicioso, preconceituoso e o passado daquelas almas
contribuíram para que tudo culminasse naquelas inevitáveis tragédias.
--- A maioria das pessoas daquele lugar era boa apenas quando lhe
cabiam interesses. E todos incluindo os escravos, feriram o Zé de alguma
forma similar em outras encarnações.
--- Nossa foi o que você falou no início se a gente não focar no
Alexandre que era o Zé a gente se perde mesmo.
--- Pobrezinho Matilde ele não merecia passar por isto! Era divida de
vidas passadas com o Zé?
140
--- Com o Zé não Luciana, mas ele já foi um homem muito vingativo
e nunca teve compaixão por quem ele julgava ser inferior a ele. Embora
tenha sido um excelente pai, por isto encarnou em Cristalina como filho
do seu pai para receber e aprender com os resultados deste amor. Ele
mesmo escolheu a condição de escravo antes de encarnar. Queria redimir
os erros do passado. Mas uma vez encarnado não consegui lidar com a
condição de escravo e logo o espírito vingativo falou mais alto.
--- Ainda bem que ele era fraquinho Matilde, pois ia matar o Zé
então naquela noite.
--- E por isto que seu pai era forte, pois em outra vida o escravo filho
o protegeu e cuidou dele.
--- Então foi daí que surgiu a lenda do Saci do Morro do Curió.
141
--- Certamente Luciana, quando por lá passava alguém com
mediunidade desenvolvida e que se afinasse com ele a pessoa ou via ou
sentia sua presença de alguma forma.
--- Sua inferioridade era tanta que ele erradamente acreditava que
tudo e todos tinham de estar a baixo dele. E a forma que ele encontrou
para expressar isto dentro da sua loucura era chicotear a todos os
tratando como se fossem seus escravos.
--- Isto mesmo Luciana. E antes que você me pergunte vou lhe
contar sobre a casa que afundou e o tal fantasma do Zé do pacto.
--- Sim Luciana, mas não pense que foi apenas um ciclo de
142
---- Não Luciana, aquelas pessoas optaram por evoluir e escolheram
passar pelo mesmo sofrimento que submeteram Robert. Deste jeito elas
concluíram que seria mais fácil perdoarem a si mesmas. Mas o lugar, à
hora, o dia, a forma isto vai sendo moldado à medida que vão surgindo
oportunidades e sempre respeitando as decisões pessoais e o tempo de
cada um. Tudo foi feito para que não se chegasse a isto, porém não teve
jeito. Aconteceu o incidente desta proporção para evitar uma tragédia
maior.
--- Zé não tinha limites mais. Estava fora de controle. Ele acreditava
ser o dono de tudo, mas não passava de um escravo nas mãos dos
trevosos. Se ele sobrevivesse seu plano de vingança não teria mais fim. Zé
não tinha mais o ouro da mina, porém sua riqueza era imensa, ele gastaria
tudo eliminando, um por um dos Cristalinenses. Certamente levaria a
todos a falência fechando à cooperativa, provocaria mudanças, fugas,
mortes acidentais, emboscadas, envenenamentos e todo tipo de loucura
que seus obsessores mandassem. Ele mataria Robert, acabaria com todas
as famílias de Cristalina, incluindo as poucas pessoas verdadeiramente
boas. Daria fim a estas almas generosas , A Sinhá, A Sinhazinha, O negro
Prudêncio, a Anastácia benzedeira, O Senhor Ramon que era um
fazendeiro bom e justo, e o Jagunço Lucas, que de jagunço não tinha nada,
sempre ajudou negros a fugirem, nunca os castigava apenas ameaçava na
frente dos patrões para manter o emprego, e também sempre auxiliava
tramites para que as famílias ficassem juntas, o Frei Rodrigues que
celebrava casamentos dos cativos as escondidas sem que o Padre tomasse
conhecimento.
--- Sim, a vingança saciava seu ódio mais que o álcool saciava seu
vício. Após o desencarne Zé desceu direto para o Umbral.
143
--- Foi tudo invenção de Robert. Após o acidente Robert tomou
todas as providências. Falsificou documentos, criou um testamento
imitando a letra do Zé, e como tinha muito dinheiro comprou muita gente
e legitimou tudo, transferindo as propriedades de Zé para ele.
--- Não, ele estava sem o ouro, mas havia fazendas, o dinheiro das
vendas de escravos, e todas as jóias e pertences que ele comprou e
guardou da população, também tinha vários títulos, notas de créditos,
obras de arte, e muito dinheiro espalhados pelos bancos do mundo.
Depois das transações práticas Robert tratou de reconstruir sua imagem.
Fez várias doações a igreja, reformulou a cooperativa para dar lucro pra si
e para os fazendeiros cooperados, e criou uma lenda em trono do Zé.
--- Fez para evitar que as pessoas fossem para o Arabizá! Robert
vinha desconfiando há muito tempo que as viagens de Zé eram pretexto.
Zé era muito esperto, Robert já havia contratado gente para segui-lo até o
tal veio de ouro, mas nunca obteve sucesso. Também vasculhou a região
do Arabizá às escondidas e nunca encontrou se quer um buraco escavado.
Ele não entendia, mas tinha uma cisma sobre o ouro vir do Arabizá. E esta
cisma cresceu, cresceu tanto que Robert espalhou estas histórias. Dizia
que a alma do Zé não teve sossego no inferno, e que ele tinha de voltar,
principalmente na quaresma para convencer novas pessoas a fazerem um
pacto com o Demônio.
--- já lhe disse que ele não apareceu em lugar nenhum. Robert que
inventou que ele perambulava pelas bandas do Arabizá. Com o passar do
tempo as coisas foram sendo distorcida até chegar à versão atual.
144
--- E com certeza você tinha medo na época. Pois foi este o
resultado que Robert queria. Gente supersticiosa, com medo, e longe do
Arabizá, com isto Robert cavou por toda parte sem obter sucesso. Mas
teve sossego para fazer isto. Porém ele encontrou outra coisa. Encontrou
uma natureza selvagem, cercada de belas montanhas, com uma geografia
única e muita abundancia de água. Nesta época Robert já havia se
adiantado e casado com Judith e seu espírito após recuperar a fortuna que
fora sua por merecimento em outras épocas começou a ambicionar coisas
mais elevadas que a matéria. Com o tempo Robert se transformou, e
tentou a sua maneira se redimir com o passado e com as pessoas a quem
feriu a mando de Zé. Robert também pediu a um de seus homens de
confiança para que procurasse Flora, e este a convenceu a se mudar para
uma cidade distante. Flora mudou-se para esta cidade e assumiu a
condição de viúva. Através de um intermediário de Robert ela recebia
uma pensão e isto a mantinha em uma posição confortável. A ordem de
Robert com o jagunço era bem clara. Flora seria ajudada sempre até na
ausência de Robert ele teria de continuar mandando recurso para Flora.
--- Não e morreu sem saber qual era o estranho que a ajudava e
porque ele fazia isto. O amor redimiu Robert, porém ele não estava inseto
de pagar pelos erros que cometera naquela vida. Viveu ao lado de seu
amor por alguns anos. Mas no íntimo era um homem dividido e culpado.
Esta culpa consumia sua alma, pois queria ser bom, mas não tinha
coragem de assumir e pagar pelos erros cometidos. Temia muito as
conseqüências. Rio dividido perde a força de suas águas e corre o risco de
evaporar antes de chegar ao mar. Por anos Robert consumiu sua alma em
um profundo sentimento de culpa até que esta mágoa profunda começou
a consumir sua carne em forma de um câncer que lhe ceifou a vida em
uma tarde de verão na Fazenda Sobral.
145
--- Espera ai amiga você não vai sair daqui sem antes terminar
umas coisas.
--- Lu, eu tenho de ir sim, mas o resumo de tudo foi que Robert se
apaixonou pelo Arabizá. Trouxe carroças e carroças de terra boa, e
construiu um imenso alicerce.
--- Sim! Aquela floresta no meio do vilarejo, que mais parece uma
praça redonda e abandonada, era na verdade um grande alicerce, cercado
por um muro de pedra. Aquele gigantesco alicerce não era a fazenda.
Dentro dele foi construído outro alicerce e nele foi feito a Fazenda do
Arabizá. A terra era um capricho exigido pela esposa do Robert. Ela queria
um jardim, e a terra do Arabizá não contribuía para o tipo de flor que ela
gostava de plantar. E também tinha a idéia de se criar um jardim
suspenso, e dentro dele colocar a casa grande.
--- Outro dia lhe conto esta história Lu. Mas de fato era muito
bonita a fazenda, não só a fazenda, mas todas as dependências. Robert fez
uma imensa represa que uniu o Poço do Bambu e as minas do Sr. Tati em
um único espelho d água, construiu o moinho no Poço do Fubá, construiu
outras fazendas anexas, e também construiu a estrada nova que corta
pelo Morro do Curió. Fez isto porque logo cedo ele percebeu que a
estrada velha alagava muito no tempo das águas, o mato crescia bastante
e era escura, e fria, havia o receio das pessoas que temiam tocaias ou
serem assombradas pelas pessoas do casarão que afundou.
--- To vendo que não vou embora hoje. Não foi nesta época que a
lenda surgiu porque envolvia os parentes de pessoas vivas e o trauma era
grande para os moradores. Ninguém quase comentava. Só depois de
alguns anos que a nova geração foi comentando abertamente o ocorrido e
ele foi mudando e ganhando a forma que hoje tem.
146
--- Mas alguma coisa ficou impregnada ali não ficou?
--- A crenças aliada a sintonia, atrai este tipo de espírito para estes
fenômenos infelizes. Já li algo sobre isto.
--- E mesmo assim ele morreu? Não acha isto meio injusto,
Matilde?
--- Lu, por mais que Robert praticasse o bem e a caridade, por mais
que ele pedisse perdão aos outros, ele não conseguia livrar-se da culpa
que sempre o consumia. Mas como você mesmo o disse agora estava no
caminho certo. Antes ele também estava cercado de espíritos trevosos
por causa de Zé, e não raciocinava por si só. Porém ao lado de Judith ele
conseguiu encontrar a paz e retomar sua missão na terra.
--- E justamente neste momento ele vai e morre! Que justiça é esta
Matilde?
147
--- Se não fosse assim logo ele perderia o interesse em praticar o
bem e viver um grande amor ao lado de Judith. A culpa o levaria de volta a
vida pregressa. Robert não estava em paz consigo mesmo e todo amor
que recebia de Judith e toda a caridade que praticava ainda sim não eram
o suficiente para fazê-lo feliz. Ser amado e praticar o bem lhe davam
grande alívio e lhe trazia muita alegria. E foi esta felicidade que o atraiu
para o processo de redenção. À noite o espírito de Robert visitava esferas
superiores. E foi tendo com estes espíritos que Robert pediu para deixar o
plano terreno, se redimir com Flora no futuro e principalmente ter uma
nova chance. Pois ele mesmo percebera que se continuasse vivo, ia se
sentir frustrado por não conseguir ter paz mesmo estando no caminho
certo. E isto o levaria a achar que não valeria a pena viver um grande amor
e fazer o bem, pois isto não dava a ele a paz interior e por e fim voltaria à
velha vida de crimes, e golpes preenchendo a alma com as ocupações da
carne e fugindo de enfrentar a própria consciência.
--- “Eu vim para que todos tenham vida e vida em abundância.”
--- É aquela pizza de frango com tomate seco que você tanto gosta, e
junto com a pizza vem um filme daquele ator que você ama que eu sei.
Um filme novo que você ainda não viu.
148
--- Então é sim?
--- Eu fico Dra. Luciana, pra minha felicidade e para felicidade geral e
de toda nação diga o povo que eu fico.
--- Acho justo Dra. Matilde. Até porque você não tem escolhas neste
caso. E nunca mais repita este boato de que estamos na casa dos trinta.
Não sei você, mas eu pretendo ter 27 até os noventa se é que você me
entende.
--- O que eu entendo Dra. Luciana é que sua amizade é meu Dharma
e sua curiosidade é o meu Karma. Vamos lá pergunta logo! Eu sei o que
você quer saber.
--- Tudo para por medo nas crianças e afastar as pessoas de nadarem ou
pescarem naquela região. Meus Deus coitados dos estradeiros vieram
parar em uma lenda do Arabizá.
---------------------------------
149
Sol a pino em pleno o horário de verão. Os dois meninos deitados
um ao lado um do outro em uma pedra próximo ao Poço do Fubá, com
seus calções de banho, contemplando a copa de uma frondosa árvore e o
céu azul sem nuvens.
--- Que calor Hebinho! Ainda bem que a gente trouxe o lanche da
tarde, assim não foi preciso voltar pra casa da avó no meio da diversão.
--- Nadei, nadei, mergulhei, entrei, sai da água, e este calor não vai
embora.
--- A água deste poço parece até que está meio morna.
--- Você está cada vez mais apaixonado pela Naiara em!
--- Vai me deixar no vácuo primo? Por que você não me conta agora
que começou o assunto?
--- Eu não tenho estomago pra isto primo. Nunca imaginei que a
minha amada, idolatrada, deusa deslumbrante, fosse se tornar uma Maria
chuteira.
150
--- Não Poe Deus no meio desta estória dos infernos não primo. Pra
que gente. Olha a biografia deste João bocó.
151
--- Claro que boa parte disto eu estou supondo porque eles têm livre
arbítrio e podem melhorar ainda mais esta trajetória ou por tudo a perder.
Só dependem deles. Mas tudo indica que vão ser muito felizes juntos.
--- Não! Não faça isto primo Herbert! Não atira na cabeça não
porque pra morrer tem de atirar em órgão vital.
--- Palhaço eu estou sofrendo por amor e você brincando com meus
sentimentos.
--- Tem de rir para não chorar Bibinho. Não dou uma semana pra
você esquecer a Keira e encontrar outra criatura pra amar. Isto ai que você
chama de amor, a humanidade chama de instinto.
--- Tudo tem suas razões e seu tempo meu amigo! Acredite sua hora
vai chegar mais cedo do que você imagina!
--- Acabou o jogo pra mim Primo, vou entrar para um convento ou
coisa assim. Chega ninguém me ama.
***************
152
10 - A missão de Alexandre.
--- teck, teck, teck.
--- Até que em fim! Anda pula ai e vamos sentar atrás do paiol da
vovó. Lá você me conta tudo.
--- Xandi to de castigo por três dias. À noite não posso sair do
quarto pra nada e durante o dia eu só tenho permissão pra andar apenas
dentro de casa. Até para ir ao banheiro meu pai ou minha mãe me levam
até a porta e ficam vigiando do lado de fora. E estou proibido de falar com
as pessoas fora da minha família. E isto vai durar por quatro dias.
--- Mas depois do que você fez! Eu no lugar dos seus pais lhe
internava em um hospício ou doava você para um circo.
153
--- Herbert isto é furto, e fora o constrangimento que o rapaz
passou.
--- Achei que você tinha superado este amor platônico pela Keira
primo.
--- É amor verdadeiro Xandi! Nunca vai passar! Ela não me quer, eu
perdi, e agora estou encrencado! Deve ser meu Karma. Eu vou ter de
amargar solidão e desgosto o resto da minha vida.
--- Karma uma ova! Isto que você vem fazendo com você se chama
burrice seguida de loucura mesmo. Não tem nada a ver com vidas
passadas e sim com as coisas que se passam nesta sua cabecinha de
vento.
--- Nossa Hebinho você reparou mesmo no cara em? Fiquei até com
medo agora!
154
--- Pra você vê a audácia do infeliz. E pra piorar ele começou a tirar a
roupa perto de mim. Foi amontoando tudo. Nem quis saber se eu estava
de saída, se eu podia vigiar roupa de marmanjo, nada disto foi jogando as
coisas.
--- Não estou lhe dando razão, mas ele deveria ser mais
educado com você sim.
--- Cego surdo e burro, não é primo? No seu lugar eu inventava uma
desculpa e saia de lá e pronto. Pra que cassar encrenca?
--- Não, antes eu usei o orgulho dele contra ele mesmo. O fiz provar
do próprio veneno.
--- Eu falei para ele que você saltou de cima da árvore de óleo, no
tronco mais alto que estende por cima da parte funda do poço.
--- Não lhe adiantou nada esta bagunça sua! Seu pai lhe pós de
castigo, o Sr. Paulo reclamou com sua mãe, o irmão do João Pedro disse
que vai te bater se você for a Cristalina, E a Keira a esta altura deve está
achando você um adolescente infantil e encrenqueiro. Qual foi o lucro que
você obteve com sua vingança?
--- Olha a bagunça que você fez. O João Pedro veio aqui, reclamou
com seus pais, a mãe e o pai dele passaram um sermão em seus pais, e
eles ficaram tristes com você, e também agora você está ameaçado pelo
irmão do João Pedro. Nunca mais vai ter sossego pra andar em Cristalina.
156
--- Pior que não! Só o tempo é que vai me ajudar nesta, eu acho!
Tem horas que eu acho bom ter vingado, e tem horas que me dá remorso
e eu me sinto bobo e inferior por ter feito isto. Será que quando a gente
crescer estas confusões pára?
--- Viu?
--- Claro que não primo! Errar é humano, burrice seria você seguir a
vida toda cometendo o mesmo erro. Não é o seu caso, pois vejo na sua
expressão de preocupado que está verdadeira mente arrependido do que
fez. Eu aprendi que quando um homem se arrepende verdadeiramente
ele tem a dimensão exata do erro que cometeu e isto ajuda a não repetir
o mesmo erro. Olha para mim, no começo eu só queria desvendar um
mistério. Provar e entender o funcionamento daquele fenômeno que
vivenciei aqui neste lugar nas férias de inverno. Lembra as encrencas que
a gente cometeu tentando desvendar o tal mistério da luz azul?
--- Na época eu fiz o que acha certo! Não tinha recursos intelectuais
para sondar este fenômeno. Daí deu início por onde achei pega, na
superstição, nas historias até ir lapidando e chegar aonde cheguei.
157
--- Agora eu entendo que o fenômeno é só uma parte do processo. E
não sou eu quem determina se vou ou não ver estes fenômenos. Mas a
resposta é não! Agora eu prefiro o método tradicional, aprender, estudar
e vivenciar. Na hora certa vou acabar sabendo que fenômeno foi aquele e
o porquê de sua aparição.
158
--- Primo quem te ouvir falar agora vai achar que tem um adulto de
cinqüenta anos conversando comigo. Posso saber qual é a sua missão com
a gente aqui no Arabiza ou é segredo?
--- Oba! Todo mundo aqui vai ficar rico primo? Como? Vai sair mais
Jogadores famosos daqui? Eu estou na lista? Tem de seguir a Doutrina pra
enriquecer?
--- Não tem lista seu doido! E fala baixo se não a gente vai é ficar
encrencado! Prosperidade nem sempre está ligado à riqueza material.
Passa por ela, mas é mais importante, mais profunda e envolve fatores
que não são necessariamente materiais.
--- Olha Herbert sou eu por causa do karma coletivo que lhe falei. Já
lhe contei a minha encarnação como Zé do Pacto várias vezes, já lhe
expliquei que você foi o escravo que mais tarde morreu e ficou vagando lá
pras bandas do Morro do Curió...
--- Não estou tentando lhe converter a nada meu primo, até porque
espiritismo é Doutrina e não Religião. O que eu quero lhe mostrar são as
peças do quebra a cabeça que estão encaixando e apontando a direção.
159
--- Trata-se de uma nova chance que a vida me deu! Terei a
responsabilidade de administrar e conduzir pessoas rumo a uma vida mais
plena para ressarci-la de todo prejuízo que causei a população de
Cristalina e que hoje boa parte está encarnada no Arabiza. Olha ao nosso
redor Hebinho! O Arabiza está vivendo seus últimos dias. Ninguém mais
para aqui. Os jovens não encontram emprego aqui, não querem trabalhar
a terra, não vêem futuro nesta região. Não tem casa nova por aqui! Muita
gente está vendendo e outros só vêm aqui nos finais de semana e olhe lá.
Só os aposentados e uns poucos gatos pingados feito seu pai que vão pra
lida e tiram o sustento no Arabiza.
--- Mas eu trabalho aqui! E isto não dá pra evitar. O prefeito fala em
asfaltar a estrada e se acontecer aqui vai virar um bairro. Viu? Vai
demorar, mas vai chegar aqui o progresso.
--- Mas qual é a saída? A gente tem de comer, todo mundo que faz
18 sai daqui pra trabalhar na fábrica de cimento. Só temos estes
caminhos, a fábrica, a roça, ir pra capital ou fazer faculdade e procurar
emprego longe porque aqui não tem. Até o João Pedro que agora é rico se
mandou com sua família pra Cristalina.
160
--- Deixando de olhar só pra matéria, e enxergando o próprio
potencial. Mas não se preocupe tem muita gente trabalhando ao mesmo
tempo para que isto aconteça. O Sr. Ariel e sua filha, a Matilde, minha
mãe, meu pai na câmara, o povo do Arabizá indiretamente, e uma legião
de espíritos mais evoluídos tramitam dia e noite sem cessar com idéias e
formas de encontrar a solução. Não se preocupe Hebinho, cedo ou tarde a
resposta virá, e com ela a prosperidade sairá desta terra mais cedo que
você imagina. Basta ter fé.
--- É tão difícil ter fé quando não se tem nada de real pra se agarrar!
--- Não misture as estações primo! Você está deixando seu amor
não correspondido pela Keira e sua frustração de estar de castigo lhe
cegar. Presta atenção milagres acontecem todos os dias.
161
--- Ué? Não foi você quem disse que não acredita nestas coisas? Não
mistura as estações? Que pena porque eu tenho aqui um manuscrito que
explica justamente isto! Fala de dois primos que foram irmãos em outras
passagens e um tinha dividas a acertar com o outro. Desta história triste
nasceu a lenda do vulto branco que assombra lá pras bandas da represa
do Senhor Tati. Vou ter de achar outra pessoa pra ler estas psicografias.
--- Presta atenção no que eu vou lhe falar Xandi. Eu não sou espírita,
mas a minha curiosidade é.
Os dois garotos deram uma risada alta, e logo se conterão para não
acordar a família.
***************
11 - A fazenda do Arabiza.
Dona Sara foi a primeira a adentrar o casarão. Foi ela quem girou a
chave mestra do grande portal de madeira azul colonial empurrando as
duas portas gigantes talhadas em estilo barroco. A luz entrou no
ambiente revelando a amplidão da sala e deixando a família Sousa
admirada com o espetáculo de suntuosidade e luxo que a fazenda Arabizá
guardava em seu interior. Havia uma ante-sala pequena e sem portas
com dois grandes afrescos logo na entrada, em seguia caminhava-se até o
centro da sala onde a vista se perdia no deslumbre daquele ambiente.
162
A fazenda estava desabitada, porém preservada até a presente
data de 1896. Em uma hora a família percorreu todos os cômodos da
casa. Descobriram que ela era composta de uma ante-sala com dois
afrescos, em seguida vinha à sala principal que ocupava a altura de dois
pavimentos e havia várias portas grandes que davam acesso aos cômodos
internos do primeiro pavimento da casa. No primeiro pavimento havia
duas salas de estar, um salão de festas, uma saleta de musica e saraus
com cadeiras, palco, piano de calda, esta sala lembrava um pequeno
teatro. Também havia um salão de jogos, uma imensa sala de jantar,
quatro saletas mobiliadas como escritório e uma biblioteca já com livros.
Seguindo pela ala leste da casa encontrava-se um grande corredor escuro
e sem janelas que se bifurcava. Quem seguisse reto chegaria à outra sala
de jantar e depois encontraria uma imensa e bem iluminada cozinha com
todo mobiliário e dois fogões a lenha em seu interior. Seguindo o
corredor e virando a esquerda da bifurcação chega-se até uma escadaria
de madeira onde a subida dava para o segundo pavimento da casa. No
segundo pavimento havia um corredor com seis portas na lateral da
esquerda e seis portas laterais à direita. Elas davam acesso aos quartos,
eram quartos grandes e dois deles havia uma porta interna que ligava um
cômodo a outro. Toda a fazenda tinha forro de madeira e o piso eram
assoalho de tabas corridas. As portas e janelas eram na cor azul e as
paredes externas dos cômodos da casa eram formadas por muitas janelas
o que fazia a fazenda parecer por fora maior do que realmente já era.
--- Veja meu Marido, notei que esta casa não tem uma capela, não
acha isto estranho?
163
---- A ultima vez que ela foi habitada foi no tempo dos cativeiros,
Por um Senhor chamado Robert. Ele era dono de outras fazendas na
região e nelas havia capelas em seus interiores. Porém na fazenda Arabizá
ele fez diferente.
---- Esta fazenda ficou este tempo todo abandonada? Será que é
assombrada? Ou pode haver demônios?
--- Isto me consola senhor meu marido! Pois as lendas que cercam
esta fazenda não são boas. E o fato de Sr. Lucas nos vender esta
propriedade tão barata me deixou com muitas suspeitas.
--- Tolice mulher! Sr. Lucas tem outras propriedades rentáveis e vive
muito bem instalado na fazenda Sobral, que também foi de seus
antepassados. Desfez deste patrimônio para se aposentar e viver
confortavelmente dos juros da venda. Viúvo e com filhos já estabelecidos
na vida não há motivos para pensar em lucros e aumento de patrimônio a
esta altura de sua existência.
--- Esta é uma região muito deserta, não tem ninguém a léguas. Não
acha isto estranho?
164
--- Não podemos nos dar ao luxo de estranhar nada. Se quisermos
manter o status e ter uma grande propriedade em nossas posses temos de
nos contentar com o Arabizá. As terras produtivas de mais são muito
caras, se arriscássemos comprar alguma fazenda assim ficaríamos
reduzidos a uma fazenda mais modesta.
--- Tenho fé em Deus que tudo dará certo meu Marido. Lembra
quando não podíamos ter filhos? Foi à promessa que fiz a Nossa Senhora
Aparecida que nos salvou desta desgraça. Nosso Senhor Jesus Cristo é
maravilhoso, me deu uma chance de ser Mãe. E como meu tempo já
estava passando enviou logo dois. Meus queridos gêmeos Martins e Miro.
--- São idênticos, às vezes até eu que sou mãe os confundo quando
os vejo de longe.
--- Deus quer que seja assim, então devemos aceitar. Martins é
caseiro, recluso, e frágil, porém muito concentrado e inteligente, gosta de
estudar. Certamente será advogado, médico ou até padre quem sabe.
--- Deus parece que criou um para mim e outro para você minha
esposa. Miro é tão despachado, adora cavalgar, gosta da lida no campo,
exímio pescador, um caçador de mão cheia, extremamente sociável fácil
de encantar-se por ele e como negociante é extremamente astuto. Já o
Martins lhe acompanha em seus terços e orações, gosta de ir às missas e
cerimônias religiosas.
165
--- Nossos filhos só têm em comum a aparência. Se fossem apenas
personalidades diferentes nossa felicidade há esta hora seria completa.
Porém são duas forças antagônicas. Dois rivais. Vivem em pé de guerra.
Nem todos os seus castigos e nem todas suas orações conseguem fazer
um irmão gostar do outro. Como isto é possível? Qual força ou razão
maior está por traz disto?
------------------------------
166
Por este motivo várias casas ganharam grandes alicerces de pedra e
algumas tinham até porões com assoalho.
167
Ele sempre reclamava de arrepios, vertigens, calafrios, e sensações
diversas que sentia ao passar pelas bandas do Morro do Curió.
168
Houve um período que Martins tentou ser cético e se livrar de tudo.
Convenceu a si mesmo que tudo não passava de lendas contadas para por
medo nos ignorantes.
Claro que tudo isto ocorria em seu mundo mental. E era guardado a
sete chaves. Passado a fase do ateísmo, Martins voltou os estudos e
interesses pelo oculto. Não era bem um interesse era uma atração
enigmática. Algo mais forte que a sua própria natureza. Parecia um vício
difícil de abandonar. Ele tinha uma certeza incrustada na alma. Mesmo
não querendo acreditar Martins tinha uma forte sensação de que
conseguiria se conectar a algo fora deste plano e com ele extrairia tudo
que lhe fosse necessário ao seu ego.Esta certeza latejava dentro dele feito
um fato. Ele não conseguia entender, pois toda a sua realidade era
contrária a esta certeza. Martins achava que isto vinha no D.N.A, às vezes
por não conversar estes assuntos com ninguém ele acreditava que todos
também carregavam este conflito. E havia momentos em que ele acha que
isto fosse uma espécie de loucura latente, e temendo enlouquecer
procurava se distrair, tocando piano, lendo um livro, estudando ciências e
dando um de seus passeios noturnos às escondidas pelas redondezas da
fazenda.
----------------------------------
Após a cesta Miro fez o que lhe era de natureza. Convidou os irmãos
de Lara para um passeio a cavalo.
170
O objetivo de Miro era apresentar as propriedades, mostrar todo o
potencial da fazenda, suas riquezas e benfeitorias. Deixar bem explicita
sua grande capacidade administrativa, falar de seu vigor e disposição para
o serviço pesado, exibir seus dons para finanças. Com isto Miro acreditava
estar se apresentando como cunhado dos sonhos aos irmãos de Lara.
Quem visse Miro falar acreditaria estar diante de dois irmãos que
muito se conhecem e se amam. Finalizando tudo Miro pediu segredo aos
cunhados.
171
Justificou que estes assuntos ofendiam o irmão e que só comentava
com eles porque confiava e sentira-se certa simpatia pelos filhos de
Arthur.
Miro não percebera que seu irmão também estava apaixonado por
Lara. Ele era alheio aos sentimentos de Martins e seu irmão alheio aos
dele. Este era seu comportamento padrão. Com todo mundo Miro era
brincalhão, generoso e bom de prosa, sabia negociar, mas nunca
prejudicava o outro. Mas quando se tratava Martins o Miro era
completamente diferente. Ele não permitia que seu irmão se destacasse
em nada diante dos seus olhos. Rezava para que o irmão se convertesse a
Padre para que nunca mais o visse e tivesse que dividir algo com ele. Nem
o patrimônio nem a atenção dos pais. Miro engessava o irmão onde,
quando e com quem quer que fosse. Como aconteceu no passeio por
várias vezes Martins se quer tomava conhecimento das articulações
nocivas de Miro em relação a ele. E quando estas coisas chegavam ao
conhecimento de Martins, os dois irmãos travavam confrontos épicos e
extremamente violentos. Miro não entendia a razão deste ódio pelo
irmão. Com a idade os confrontos se tornaram mais esporádicos e os
atritos verbais mais freqüentes, ofensivos e articulados.
173
Não por culpa dele, mas por ser vítima de um fanatismo
involuntário pelo obscuro e amante das solidões reflexivas. Martins sofria
de contradição profunda, mas Lara aparecera em sua vida o resgatando
das profundezas de si mesmo e trazendo-o a tona para uma realidade que
ele sentida profunda vontade de viver ao invés de questionar e refletir
como de costume.
Sr. Rodrigues olhou para Dona Sara e a simples troca de olhar entre
os dois já foi o bastante para que um adivinhasse o que o outro estava
pensando. Eles perceberam que Lara poderia vir a ser a mulher ideal para
o filho Martins. E não foram os únicos. Quando todos estavam
descansando a sombra de uma grande paineira, Sr. Arthur teceu um elogio
rasgado a Martins:
--- Acho que nós mulheres devemos agora visitar a capela, deixar
que os cavalheiros visitem o lago, e mais tarde Arthur e Martins, creio eu,
tem assuntos em comum a se tratar.
174
Toda a família a admirava e acatava suas decisões, pois nunca
intervinha sem ser solicitada, jamais advogava com os sentimentos alheio
em causa própria, e só intervinha na vida alheia quando tinha certeza de
estar ajudando.
Lara era quem mais amava a Avó. A caminho da igreja ela sabia e
contava com a ajuda da Avó para tocar no assunto e encaminhar as coisas.
Lara olhou para a Avó com um olhar de aprovação e a avó respondeu com
uma piscadela de olho.
--- A beleza deste lago deve ser ainda maior sobre a luz do luar.
175
Já Arthur expôs de forma convicta sua opinião a respeito de não
apenas acreditar, mas também temer o que ele chamava de mistérios do
mundo.
--- Existe algum assunto que seu filho não domina Sr. Rodrigues?
Este menino é um gênio!
--- Sr. Martins! Seria uma grande honra para eu ter como genro o
filho do meu melhor amigo. Da minha parte e creio eu que da parte de
toda a nossa família você tem o nosso consentimento. Porém para que
isto se torne possível eu acredito que o rapaz terá uma simples condição.
176
--- Não se preocupe Rodrigues! Disse Arthur prevendo os
pensamentos do amigo. --- Assim eu em minha juventude fosse tão
decidido e espontâneo quanto nossos filhos hoje o são. A vida é curta não
há tempo pra muitas voltas.
-------------------------------
178
--- Fique sentada aqui querida!
--- Este idiota vai se declarar Padre! Tomara que seja isto,
finalmente o maldito vai voltar para o seminário e me deixar em paz com
minha fazenda! Tomara que se forme e vá ser padre nos quintos dos
infernos!
179
Os pensamentos de Miro foram interrompidos quando Martins
começou a falar:
--- Inferno! Maldita seja esta copia barata que Deus enviou para me
castigar! A Lara é minha! Ela é minha mulher! Minha!
180
Este projeto de padre não vai tomar o que é meu! Nunca, nunca,
jamais vou dividir o meu patrimônio com aquele reflexo demoníaco. Tudo
é meu, só meu.
Gritando debaixo da água ele podia dar vazão sem ser ouvido. Miro
estava ferido principalmente no orgulho. Jamais ele perderia alguma coisa
para Martins. E passado o episódio ele retornou ao quarto, começou a
esboçar idéias e estratégias para afanar o irmão.
-------------------------------
181
--- Fique sabendo Martins, que o simples fato de querer contar a
verdade já depõe a seu favor seja lá o que quer dizer. Não se preocupe
com o seu passado. Todos nos trazemos no corpo e na alma cicatrizes da
vida. Você é jovem, ainda atribui muito valor a opinião alheia e maximiza
coisas que em sua realidade são bem mais comuns do que se imagina.
Também não se engane com Lara, por trás de toda aquela beleza e
aparente fragilidade está uma coluna de inteligência, força, firmeza de
caráter e maturidade precoce. No mais o que conta no relacionamento é o
tempo dos dois e não o passado dos mesmos.
--- Seja qual for a sua decisão Martins ela não interferirá em nossa
amizade e tão pouco atrapalhará seu namoro com Lara. Isto eu lhe
garanto. Este é um juramento que lhe faço.
Mas lhe confesso que por muitas vezes tentei entender o porquê de
tanto ódio gratuito que estranhamente temos um pelo outro. Ele me dá
motivos, pois me provoca muito. É mais forte que eu e sempre que
brigamo-lo termina por me agredir fisicamente.
182
Mas este ódio tem um núcleo maior. E este núcleo é um mistério
pra mim. Desculpa mas não sei transpor em palavras tudo que quero
dizer.
--- É exatamente isto que estou tentando lhe dizer Mauro. Com
Miro a coisa transcende o fato de ser apenas um atrito cotidiano e comum
que temos ao longo da vida e que corrigimos em curtos períodos de
tempo. Com Miro eu não consigo perdoar, eu não consigo amar, eu
simplesmente o odeio gratuitamente, espontaneamente, mesmo que ele
tenha boas atitudes e gestos de apreço por mim ou pela família ainda sim
eu o odeio. Não consigo controlar e o que agrava esta situação é o fato
dele também nutrir o mesmo ódio por mim.
183
Mas toda vês que olhava para Mauro, Martins encontrava em sua
face um olhar de atenção e respeito. Mauro o ouvia sem critica ou se quer
esboçava expressão de julgamento.
--- Mesmo que você não tenha me contando eu sei que procura
nestes caminhos e nestas experiências algo que deveria estar dentro de
você e que você de alguma forma não consegue ir de encontro a este.
Aposto que no início entrou por curiosidade no intuído de ver fenômenos
que provassem a existência de outras vidas. Como não encontrou nos
caminhos ortodoxos de sua religião saiu em busca de outros que se diziam
detentores destes conhecimentos. Caiu nas mãos de vários charlatões e
de poucas pessoas bem intencionadas, creio eu, mas ninguém pode lhe
dar o que você estava procurando. Logo em seguida veio o fascínio pelo
obscuro. Sim, os pactos, as promessas de riqueza a troco de sua alma
imortal. Isto deve ter despertado em você o mesmo fascínio que temos ao
depararmos com um abismo.
--- Não pense assim Martins. Você é um jovem inteligente. Foi muito
esperto em viver e experimentar os caminhos, pois ninguém chega a lugar
algum deixando as coisas apenas no campo mental. Seu erro foi caminhar
sozinho e não ter encontrado pessoas verdadeiramente esclarecidas a
ponto de orientá-lo melhor.
184
E as pessoas esclarecidas que encontrou certamente você temeu
se expor e ser mal interpretado. Pois qualquer Padre do Seminário
conseguiria lhe ajudar se você se abrisse melhor com eles.
Mas o que Martins não sabia era que ele estava fazendo mais bem
a Mauro do que Mauro a ele.
185
Quem quisesse pagar doava espontaneamente o que quisesse e
tudo bem, quem não quisesse era atendido por Estela com o mesmo
carinho e atenção. Outra característica era que Estela não previa o
passado e tão pouco fazia previsões genéricas a respeito de um futuro.
Estela foi direta. Disse que Mauro sabia o motivo pelo qual não
poderia ter filhos. Ela orou pelo casal e indicou um lugar onde as pessoas
poderiam ajudá-lo.
186
Mauro foi a este lugar acompanhado de sua esposa. Era um amigo
de estela, e foi este amigo que falou para o casal visitar um Centro
Espírita. O casal acatou a solicitação e procurou um Centro indicado pelo
amigo do casal. Mauro e sua esposa visitaram o Centro. Gostaram e
passaram a freqüentar. Conheceram tudo que foi preciso a respeito das
leis de causa e efeito, karmas, a importância de orar e vigiar, de praticar a
caridade, e estar sempre estudando e buscando evoluir.
No dia que teve este sonho Mauro acordou com uma intensa
sensação de felicidade. Muito refletiu sobre o ocorrido e logo em seguida
fez uma bela oração espontânea agradecendo a Deus pela oportunidade
de ajudar no presente alguém que ele feriu em outra vida.
-----------------------------------
Martins agora tinha dois motivos para visitar a Cidade de São Paulo.
O principal era Lara e sua outra motivação era o Centro Espírita. Sempre
na companhia de seu amigo Mauro, o rapaz encontrou na doutrina um
caminho certo para ter todas as respostas que a muito buscou em outros
caminhos e tão pouco encontrou. Graças a mediunidade de Mauro ele
compreendeu as razões reais do ódio inexplicável que sentia pelo irmão e
que era correspondido pelo irmão na mesma freqüência. Martins
entendeu que em outra vida fora possuidor de um aguçado dom
mediúnico e por não compreender a natureza de seu dom deixou-se
manipular por espíritos obsediadores. Impulsionado por estas razões ele
acorrentou seu irmão Miro, que na época era seu escravo dentro de uma
caverna deixando-o lá para morrer.
188
Do outro lado o escravo não compreendeu o desencarne e tão
pouco aceitou a própria morte. Jamais perdoara Zé. Ficou perambulando
próximo ao seu corpo pelas bandas do Morro do Curió. Com o passar do
tempo seu ódio o levou a loucura e nem seu pai já desencarnado nem
outros entes conseguiram ajudá-lo.
--- Meu caro amigo, tudo que sei a respeito do meu Karma e da
minha vida passada veio até mim através da sua mediunidade.
189
Foi você quem me contou o Zé do Pacto, do meu passado no
Arabizá, e todas as outras coisas que tanto conversamos antes. Muito vi,
estudei, e constatei na Doutrina. É inegável que a Doutrina tirou minha
agonia interior em relação à vida espiritual. Hoje eu sinto que estou no
caminho certo. Não sei explicar apenas sinto e tenho uma grande paz
interior quando caminho nesta direção. Ainda não tenho forças para
amar, compreender e perdoar meu irmão. É mais forte que eu, quando
nos encontramos inevitavelmente discutimos ou nos estranhamos. Porém
até isto eu tenho notado que mudou. Como não consigo lidar com este
problema eu o evito o máximo que posso. Antes eu iria para o confronto
acreditando ser corajoso, mas hoje sei que afastar não é fugir.
--- É isto que estou tentando lhe dizer. Muito estudei a doutrina,
tudo que vi e experimentei, não compreendo porque até hoje apesar de
acreditar verdadeiramente na vida após o desencarne, eu não consigo
sentir ou ver nada de natureza mediúnica?
Agora Martins tinha outra missão nesta vida. Ele teria de provar ser
merecedor deste dom que um dia teve e não soube usufruir
adequadamente. Por isto ele não se manifestava nesta vida. Nesta vida
Martins teria de aprender a lidar apenas com as realidades terrenas. Sua
fé viria da observação e dos estudos, mas nele nada se manifestaria. Se
ele quisesse extrair algo da vida, teria de buscar na própria vida. Teria de
observar tudo ao seu redor e aprender a lidar com a realidade e com o
tempo presente. Este era um de seus Karmas, e este Karma foi escolhido
pelo próprio Martins antes de encarnar.
--- Olha meu amigo, muito sei a respeito de sua vida e de seu irmão.
Mas pouco posso intervir sobre este assunto. Não conto e não vejo o que
quero. Conto e vejo o que precisa ser visto e o que precisa ser contato. O
que eu posso lhe dizer amigo Martins é que um dia em um plano mais
evoluído que esta terra que aqui estamos você mesmo optou por não
possuir mediunidade aguçada para fenômenos.
191
--- “O teu povo comeu maná e morreu”
--- Sim Mauro você compreendeu perfeitamente. Não que você não
possua estas faculdades. Todos nos podemos desenvolver a mediunidade
seja como for. Porém cada pessoa tem um lado mais desenvolvido. Há
pessoas que vêem, outras ouve, outra psicografam, algumas pintam etc...
Um médium que psicografa tem este dom mais aguçado, porém ele pode
não ver nada, ou também vir a ver, ou pode simplesmente começar a
desenvolver outras faculdades mediúnicas a partir do momento que
trabalhar alguma.
--- O que você está tentando-me dizer é que assim como acontece
com a vocação profissional eu tenho de começar por onde a minha
mediunidade melhor se manifesta?
--- Exatamente agindo assim terá mais prazer, servirá melhor ao seu
propósito evolutivo e ao próximo.
--- Novamente você está certo, pois nada me dá mais prazer do que
entender e aprender sobre as coisas.
192
--- E quem disse que a razão não pode ser um forte instrumento
mediúnico? As idéias, as formas diversas de pensamentos, as inspirações,
as conclusões que tira de tudo isto, tem certeza que são todos de sua
autoria?
***************
12 - O noivado
Já se passara um ano e meio de namoro entre Martins e Lara. Neste
tempo Miro sofrera uma verdadeira metamorfose no comportamento.
Tornou-se mais arredio, passou a sair todas as noites com alguns
capatazes da fazenda para bailes, festas, bordeis e todo tipo de atividade
noturna desta natureza. Começou e terminou dois namoros com moças
da região, passou a beber, jogar, e perder animais em apostas.
193
O ódio por Martins também cresceu consideravelmente beirando a
cólera absoluta. Não suportava ver o irmão comprometido com Lara
vivendo um grande amor ao lado da mulher que ele não conseguia
esquecer. Este era seu principal problema. Miro estava cada vez mais
apaixonado por Lara. Não contou para ninguém seus sentimentos em
relação à moça. Sua família não suspeitara, atribuíam a mudança de Miro
a ciúmes, posse e inveja do irmão. Quer-se imaginaram sobre os
sentimentos que Miro nutria em relação a Lara. A cada dia Miro se
tornava pior com Martins. O irmão agora vivia em São Paulo,
praticamente se mudara para a casa do sogro. Martins arranjou emprego
como Administrador de uma das lojas de Arthur. Deu tão certo que tão
logo ele se casasse o sogro aposentaria deixando Martins administrar seus
negócios na capital. Isto perturbava Miro deixando-o ainda mais
atordoado. Ele não suportava ver o irmão prosperar no trabalho, no amor
e ainda receber do pai uma grande soma de dinheiro equivalente a
metade das terras e dos bens da família.
--- Não suporto ver este idiota receber um dote tão alto. Nem a
metade de uma vaca murcha ele merecia. Onde já se viu, desfalcar meu
patrimônio justo agora que perdi meu credito com papai e estou sem
dinheiro.
194
Quando Miro esgotou todos os recursos de seu raciocínio na
fracassada tentativa de conquistar Lara, abriu mão de seu receio e foi ter
com um benzedor próximo a Cristalina. Tratava-se de um homem solitário
e de idade avançada. Tinha uma péssima fama na região e era muito
temido. Os boatos a respeito dele eram os piores e mais variados
possíveis. Diziam que ele já sacrificou crianças para realizar rituais
macabros, que virava lobisomem na quaresma, que fazia poções para
envenenar pessoas, rogava pragas gratuitamente e tinha envolvimento
com forças do mal. Miro o procurou e imediatamente foi explorado por
ele. Grandes somas de dinheiro foram desperdiçadas em rituais que
sempre envolvia muitas velas, dinheiro, bebidas e sacrifícios de animais.
Sem perceber Miro se via cercado de um número cada vez maior de
obsediadores. Passou a roubar e vender mantimentos, e animais da
fazenda para investir nos rituais e intentos prescritos por este benzedor.
195
Em um fim de semana que antecedia a véspera do noivado Miro
articulou seu plano.
Por volta de nove e meia da noite seu irmão costumava sair sozinho
para suas caminhadas noturnas no entorno da fazenda. Era uma quente
noite de verão e como de costume Martins saiu da casa para dar um
passeio rumo à represa.
Após pensar isto Martins teve de se controlar muito para não deixar
que seu irmão percebesse que ele havia voltado do desmaio. Martins
permanecia imóvel no barco em quanto seu irmão Miro vangloriava em
voz alta seu plano ardiloso:
196
--- Um pacto com as trevas! Pacto de sangue. Eis aqui o sangue do
meu irmão! Nada agradará mais as trevas do que este sacrifício. Velas, a
folha com as invocações antigas, facão, punhal virgem, pedras para pesar
o corpo, panos brancos, tudo está aqui, agora é só remar esta porcaria de
barco até o sumidouro. Sim o maldito sumidouro debaixo destas águas
vai aceitar esta oferenda. Não há abismo mais perfeito que este, o corpo
vai descer direto para as profundezas do inferno! Esta pedra vai servir
para garantir isto. Agora é só remar o barco até o sumidouro.
--- Este maldito achou que tinha me matado, mas eu voltei para
tomar o que é meu por direito.
Sem perceber Martins nesta hora não estava mais sozinho. O ódio
que a muito cultivava pelo irmão veio à tona. Este ódio submergiu
atraindo para o campo vibratório de Martins todos os espíritos nocivos
que também acompanhavam Miro.
197
O plano de Martins era remar o barco de volta para margem, e sair
dele. Martins tinha a intenção de deixar o irmão amarrado dentro do
barco. Assim logo pela manhã algum capataz o localizaria, e o salvaria.
Certamente ele colocaria a culpa em Martins, mas ninguém acreditaria
nele e estas acusações pesariam ainda mais sobre Miro. Com isto Martins
acreditava em desmoralizar o irmão ganhando mais poder sobre o pai e as
propriedades da fazenda.
--- Tomara que ele sofra muito, vou sair daqui, deixarei seu corpo e
sua boca bem amarrados. Breve ele vai acordar, tomara que agonize
bastante este assassino maldito.
--- O que foi que eu fiz? Eu não queria fazer isto, meu Deus...
Martins sussurrava estas pequenas lamúrias em quanto seus olhos aos
pouco se tornavam rasos d água.
198
Em um repente Martins ergue-se sobre o barco ficando de pé.
Olhou a lua pela última vez. Inspirou e espirou profundamente trazendo
para dentro de si toda coragem que lhe fosse necessária para agir. Logo
em seguida fechou os olhos abandonando o equilíbrio de seu corpo.
--------------------------------
Dona Sara não aceitava este fato. Remoia tudo em sua mente a
procura de uma verdade menos dolorida de acreditar.
199
Quando chegou o tardar dos anos. Os pais de Miro e Martins
concluíram seus dias em uma fazenda quase que abandonada. O
patrimônio do casal ficou reduzido à velha sede da fazenda. Tudo se
desfez ao longo dos anos. O gado, as plantações, o vigor da fazenda, às
horas alegres, nada mais restou. Perderam-se cada coisa uma por uma
feito grãos de areia a escorrer para o fundo de uma ampulheta.
Sara foi a primeira a vir a falecer tomada por uma forte moléstia.
Logo em seguida seu marido perdera de vez toda a sua lucidez.
200
Enquanto o Arabizá se transformava a antiga cede da fazenda era
mantida intacta. O velho casarão foi aos poucos sendo derrotado pela
forças implacáveis e constantes do tempo e da natureza. O pouco
mobiliário que restou simplesmente desapareceu um a um sendo
afanado. O casarão ficou vazio. O telhado desabou e a madeira foi
aproveitada para lenha. Em seguida foi-se o adobe das paredes. Os
moradores o aproveitaram em novas construções. Por fim restou o
alicerce. Este ficou intacto por alguns poucos anos. Depois sobre o alicerce
veio o mato e logo após o mato vieram as arvores e estas trouxeram raízes
que deram ao local a forma atual que hoje o tem aquele lugar.
201
13 Ainda nos anos 90.
Um ano qualquer da década de noventa. Finalmente chegaram as
férias escolares. Alexandre agora comemorava seus 17 anos. Herbert
estava na casa dos 16. Outra noite de verão sem vento, sem lua e sem
sono para os dois primos no Arabizá. Estavam antes com a turma
reunidos atrás da igreja como de costume. Mas a cama foi chamando um
a um deles até restarem apenas Alexandre e Herbert:
--- Este calor não dá. Fico suado só de pensar no meu colchão. E
Bibinho é a sua vovó. Aquela que não é a minha, mas é mãe da sua mãe.
--- Para mim este foi o melhor ano da minha vida. Passou tão rápido,
amanhã já é domingo. Já começa a segunda semana de janeiro.
--- O dia de ano caiu na segunda. Esta pedra tem formigas, vou
sentar em outra. Nossa quanto tempo a gente não conversa assim só nos
dois. Atualmente você só fica pra baixo e pra cima com a Naiara. Não tem
mais tempo pros amigos.
--- Você também anda meio sumido Herbert e não ponha a culpa
em mim não. Você está meio estranho. Teve muitas barraquinhas e
eventos aqui no Arabizá que você não compareceu. E tem mais, minha tia
disse que você está saindo quase todas as tarde a cavalo para Cristalina.
202
--- É verdade. No início tive de ter muito cuidado com o João Pedro,
e com o irmão dele, mas quem ama não tem medo. No amor e na guerra
valem tudo e a gente se encontrou este semestre inteiro as escondidas.
Ela dava um jeito de sair com as amigas para a pracinha da cidade de
noite. La eu deixava meu cavalo e a gente se encontrava para namorar.
Ficamos no banquinho da praça perto do tanque de água. Aquele que tem
um enorme arbusto e uma linda quaresmeira que vive florida. As amigas
dela distraiam o irmão e ela vinha de encontro a mim.
--- “Sangue de Jesus tem poder” Herbert você pirou de vês. Está
namorando um fruto de sua imaginação? Maluquinho você meu primo.
Um doido a cavalo. A Keira está de férias com o João Pedro no Rio de
Janeiro.
--- Nem me fale primo, o João Pezão está se preparando para jogar
no Barcelona. As contratações correm a toque de caixa. Em quanto isto
ele curte férias no Rio ao lado da Keira.
--- Sim! E antes ele e ela passaram quase todo o semestre em BH.
--- E isto foi bom para mim. A marcação ficou menos serrada.
--- Eu mandei uma música para ela. Kid Abelha “em noventa e dois”
Ela adora esta musica. Pedi o radialista que falasse meu nome e em
seguida ele leu um poema que fiz para ela.
--- Você não está tonto Xandoco. Você é tonto. Tontura tem sido
seu estado de espírito ultimamente. Por isto não viu as coisas
acontecerem bem debaixo do seu nariz. Você só pensava em Naiara. Nem
percebeu o que eu e agora todo o Arabizá já sabe.
203
--- Sabe o que? Que está insano mesmo? Ta travando um
namoro imaginário com a Keira?Ela está bem comprometida, quase noiva
do João Pedro! É isto? Seu boboca como você teve coragem de contar
estas insanidades para alguém? Certamente estão todos rindo pelas suas
costas.
--- Eles riem é de você! Pedi a todos do Arabizá para não lhe contar
nada. Foi fácil porque pouca gente sabia e você sumiu e conversa quase
que só com a Naiara quando vem aqui.
--- Sim ela sabe! O papai, a mamãe, minhas irmãs... Só você e sua
família que não.
--- Mas...
--- Mas nada Senhor Alexandre. Não há nada de mais que seu primo
namore a Danumbia.
--- A Danumbia? Nossa que susto você me deu primo! Achei que
estava ficando mais doido que de costume! Mas como isto tudo
começou?
--- Agora que só tem a gente aqui eu posso lhe contar com mais
calma.
204
--- Então. Depois do incidente do João Peladão, e eu fiquei de
castigo, e o tempo passou. Todo mundo esqueceu, e o irmão dela foi
deixando isto pra lá. O João estava ocupado então nem ligou para isto. Daí
o tempo seguiu.
--- Quem diria em Herbert. Logo você o Don Ruan das abordagens
apoteóticas conversando com uma garota. Apenas conversando.
--- E era isto mesmo, sem segundas intenções no inicio. Surgiu uma
forte amizade. Tão forte que eu gamei na Danumbia depois. Mas não
sabia como partir pra cima. Pensava em tudo, cartinhas, oferecer musica
nas rádios, entregar flores com cartão, pedir às amigas que me ajudassem
mandar mensagem de celular, contratar serviço de tele-mensagem, mas
nada disto eu tinha coragem de fazer. Afinal tudo isto me levou ao
fracasso com outras meninas.
205
--- É verdade, fazer o que se nos somos beijáveis. E assim ela me
beijou e a gente começou a se ver em Cristalina às escondidas no começo.
Aos poucos as pessoas foram descobrindo a gente. E um a um eles iam
virando nossos cúmplices. Até que toda a família já sabia e fizeram preção
para que os irmãos permitissem e nos deixassem namorar em paz. Agora
nos estamos livres para sair sem ter alguém para nos acompanhar. Mas no
inicio foi complicado.
--- Te falei que mais cedo do que você imaginava sua vida amorosa
ia engajar?
--- Foi mesmo uma previsão acertada primo. Mas tenho de lhe
contar algo muito sério entre eu e a Danumbia.
--- Já lhe falei Herbert não foi previsão. Foi só um conselho baseado
em um ponto de vista. Eu estava fora dos seus sentimentos e vivencia e
percebi algo que você não percebeu no momento.
--- Foi só uma forma de dizer Alexandre. Eu sei disto. E é por isto
que preciso de um conselho seu, pois é meu primo e melhor amigo.
206
--- Não é isto que eu quero saber.
--- Hebinho já lhe expliquei tanto sobre isto. Não é assim que a
evolução se dá. As leis do Karma não funcionam olho por olho e dente por
dente não. Isto é código de Talião. Tudo é muito mais. Antes destas vidas
que vivemos vieram outras e outras anteriores. E tem o fato de estarmos
evoluindo constantemente. Quando você foi o Miro sua missão era ser
livre. Miro amava a liberdade, as praticas e trabalhos ao ar livre. Fora
escravo e agora nascera patrão. Tinha como missão ajudar o pai e cuidar
da fazenda Arabizá. Ser um generoso patrão. Viveria feliz, afastaria do
irmão que mudaria para São Paulo e a distância proporcionaria reflexões
que futuramente culminaria em perdão. Miro sofreu muito como
escravo, tinha o direito de ser livre, ter posses e aprender a lidar com a
liberdade e com as pessoas. Mas ele preferiu nutrir constantemente o
ódio por seu irmão. Com o tempo usou a mediunidade que possuía se
afinado com seres de esferas inferiores. Era bom e justo com todos, mas
não conseguiu se libertar do ódio que sentia por Martins. Seu ódio o
levava a interpretar qualquer gesto de Martins como se fosse uma
provocação. O silencio, a expressão a ausência, a presença... Em tudo
Miro via provocações. Sua alma queria vingança. Queria fazer justiça com
as próprias mãos. Quando foi escravo, mesmo confabulando a morte de
Zé em outro plano ele não se contentava. Queria-o mesmo ter matado-o.
Encarnado tentou literalmente realizar esta empreitada.
207
Se o plano sinistro de Miro desse resultado o seu grande final seria
jogar o irmão nas águas. Ele morreria afogado, e mergulharia de vez na
escuridão do abismo, tal qual o Zé fez com ele um dia. Martins se daria
por desaparecido, ninguém saberia seu paradeiro. A ambição de Miro ia
além da ambição material.
--- Então se Martins não tivesse se matado ele teria sido o grande
vencedor.
--- Mas isto não é vingança da parte de Miro, que foi o escravo?
208
--- Com a ajuda de Mauro ele estava evoluindo e aos poucos se
desprendendo do ódio que sentia do irmão. Certamente voltaria a ser
merecedor de outras faculdades mediúnicas e teria mais ajuda do outro
plano. Ele se casaria com Lara, ganharia ainda mais a confiança de Artur e
seria um grande empreendedor. Seu irmão aos poucos se daria por
vencido. Esta derrota o faria refletir sobre o ódio e o tempo moldaria os
dois para o perdão. Martins ficaria muito bem de situação e voltaria a
estudar ainda mais como sempre gostou de fazer.Isto o levaria direto a
Cristalina onde investiria em pesquisas de solo e pronto.
--- Você entendeu o sentido das coisas Herbert. O grande mal que
Miro e Martins fizeram ao tentar se vingarem foram a eles mesmos.
--- A idéia inicial de Martins era pregar uma peça no irmão. Se vingar
da forma que lhe falei. Martins estava em processo de mudança, mas
ainda sim tinha muito do antigo Martins escondido pelas frestas de sua
alma. Quando Miro se debateu e caiu nas águas Martins achou que ele
tentou se matar. Os espíritos que atormentavam Miro implantaram esta
idéia na cabeça dele. Martins e ele acreditaram que seu irmão suicidara.
Acreditou que ele havia se matado para deixá-lo vivo e culpado. Uma
vingança ousada e definitiva. Então Martins se viu tentado a dar o troco
no irmão. Seu ódio brotou com grande força.
209
Chame de surto ou obsessão, mas o fato é que Martins se entregou
aos pensamentos e desejos sinistros. Deixou-se não apenas se influenciar
como também ser manipulado por eles. Abandonou seu corpo a própria
sorte. E se entregou as águas mergulhando no fundo sombrio do abismo.
--- Ainda tem muita coisa que eu não entendo. Parece um filme
interrompido antes do final.
210
Ele acreditava que torturar a si mesmo era a melhor forma de se
vingar e punir o irmão. Negou, relutou, e se afundou muito no vale. Foi ao
extremo da dor e do sofrimento. Tornou-se carrasco de si mesmo. Mas
Miro estava disposto a ajudar o irmão. Tanto fizeram, oraram e pediram
por Martins que ele muito lentamente foi submergindo de suas angustias
e tormentas espirituais.
--- Mas você pode ficar tranqüilo primo. Aqueles sinais eram pra
mim. E as coisas aconteceram para que eu chegasse aonde cheguei. Não
tem mais nada lá não.
--- Não sei. O futuro a Deus pertence. Vivi um grande desfecho, mas
sinto que ainda estou no começo da minha missão. Estou na estrada, mas
ainda há muita curva ocultando o horizonte.
211
--- Sim. Por isto que existe a fé. E eu tenho fé que na hora certa as
coisas começam a fluir. Hoje acredito verdadeiramente nisto. E tem mais
meu amigo, vocação é um chamado diário. Por isto a reafirmação da
mesma deve ser constante através das nossas orações e ações cotidiana.
--- E o que mais você tinha para me falar sobre você e a Danumbia
Herbert?
***************
14 - Um vidro de palmito
Naquele mesmo ano no mês de Janeiro véspera de final de férias
de Alexandre tudo começou a acontecer. O rapaz voltou para Cristalina e
continuou sua caminhada espiritual no Centro. Constantemente ele se
encontrava com Luciana, Matilde, Sr. Ariel e os novos amigos que fizera no
Centro. Seus pais também passaram a freqüentar o centro com mais
freqüência.
Alexandre um dia sonhou com a Luz Azul. Em seu sonho ele se viu
novamente no terreiro de sua avó em uma noite qualquer do Arabizá
atual. A luz fez o mesmo percurso de antes quando ele a viu. Mas o que
impressionou Alexandre foi que em seus sonhos a luz se dirigiu até o paiol
de sua avó e estourou em cima do paiol abrindo um grande clarão de luz.
212
De inicio até Alexandre julgava ser uma loucura, mas tão logo
amadureceu a idéia ele não tinha mais duvida. O menino acreditou que o
sonho era um sinal. Meses depois ele começava a concretizar este sinal.
Alexandre conversou com a avó, com seus pais, e pediu ajuda de Luciana.
Então finalmente ele realizou o que acreditava ser um pedido mediúnico.
Alexandre reformou e esvaziou o paiol da avó e nele fundou o primeiro
Centro Espírita do Arabizá.
213
A construção seguiu rápida, pois contava com várias mãos de obras
e diversas frentes de investimento. Pouco menos de um ano a obra já
estava terminada. Era lindo. Um prédio que tinha o estilo que datava da
mesma época das casas do Arabizá. A construção também não entrou em
conflito com a natureza local. O pequeno riacho atravessava a base do
prédio. Entrava por uma extremidade e saia em outra. Suas águas
límpidas foram preservadas. Uma paisagista aproveitou para construir um
belíssimo lago em estilo japonês com cascatas, cursos de água calçados
com pedrinhas, e muitas carpas coloridas. Também foi feito um belíssimo
gramado acompanhado de um lindo jardim que ia discretamente se
entrelaçando com a floresta mais ao fundo. Terminado o projeto a obra
ficou lindíssima e se tornou a nova praçinha do Arabizá. O prédio ficou
grande e confortável. Havia um salão principal na altura de dois
pavimentos. No fundo mais três salas grandes, quatro banheiros e uma
cozinha industrial. No segundo pavimento havia outro salão em
proporções mais modestas e dois cômodos usados como escritórios. Todo
o prédio foi coberto com telha curva. Elas foram garimpadas em ruínas da
região. O pai de Alexandre conseguiu que votassem na câmara dois
projetos. Um para tombar as casas existentes no Arabizá e outro para que
todas as novas construções fossem feitas no mesmo estilo que as antigas.
------------------------------------
214
Em certa noite Alexandre dormia em seu quarto, um sono profundo
e tranqüilo. Havia acabado de prestar vestibular na faculdade de
Cristalina. Fora bem nos teste e estava confiante na aprovação. Fez
provas para Agronomia. Esta decisão foi à única que ele quis. Queria
trabalhar a terra e lidar com as pessoas do Arabizá. Não conseguia nem
imaginar quando, onde e de que jeito ele arranjaria emprego no Arabizá.
Mas havia dentro de si uma vontade tão grande que ele decidiu
novamente seguir pela estrada da fé.
215
Não se lembrava do fim do sonho e tão pouco quanto tempo ficou
contemplando estas luzes. Também não sabia explicar qual era o sentido
daquele sonho e porque o sonhara. Ele acordou em seu quarto em
Cristalina, tomou café, contou o sonho para seus pais e ligou para o celular
de Naiara contando dentre outras coisas este sonho.
-------------------------------------
--- Meu querido! Tenho sim, mas não sou apenas eu que sei fazer.
Acho que todo o Arabizá e Cristalina devem fazer esta goiabada.
--- Está bem! Mas eu mandei uma grande caixa para sua casa já
acabou?
--- Não é para mim, tão pouco para Naiara ou pra minha família. É
um presente que vou enviar a uma pessoa muito especial na minha vida.
216
--- Eu conheço esta pessoa meu querido?
--- Sim quero enviar este doce via sedex para Matilde em São Paulo.
Junto vai uma carta agradecendo toda a ajuda que ela me deu nesta vida.
Aconteceram tantas coisas ao mesmo tempo estes dias com isto não a vi
mais e não pode retribuir o bem que ela me fez.
--- Nossa meu bem! Será que ela vai gostar de doce de goiaba? Uma
mulher que é estudada mora na cidade grande e agora é autora de livros.
--- Não sei não meu querido. Ela gosta de escrever nada melhor que
dar um bom livro para ela.
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217
Logo em seguida ela leu a carta de agradecimento. Ficou
profundamente emocionada. Lembrou que tivera muitos pacientes na
vida, gente muito rica, gente pobre, gente importante e esclarecida. Gente
que ela ajudou por anos e que quando tiveram alta se quer lhe dizia
obrigado. No entanto lá estava a carta de agradecimento daquele menino,
que ela apenas auxiliou por um curto período de tempo. Isto fez Matilde
suspirar profundamente e murmurar baixinho.
--- São pessoas assim que me fazem crer constantemente que estou
no caminho certo e me certificam que todo meu esforço valeu à pena.
218
O editor só enviava bombas a respeito do trabalho de Matilde.
Falou que sua primeira obra soava como ousadia juvenil e despretensiosa.
Disse que se a editora aprovar o seu manuscrito ela teria de eliminar boa
parte do estilo, e traçar um enredo objetivo e visceral ao livro.
--- Sra. Matilde, por favor, não pense que não gosto de sua obra. Eu
não emito opinião pessoal a respeito dos trabalhos que avalio. Apenas
sigo um protocolo a mando da editora. E nossa editora atinge um grande
público. Temos de ter uma abordagem mais simples e objetiva. E
tememos que muitas divagações e idéias possam se tornar polemicas de
mais ou até desgastante. Leitores comuns gostam de obras comuns.
219
--- Tive boas vendagens, conquistei de inicio um bom público
em uma modesta editora. Não fechei portas por lá. Eles compreenderam
que meu trabalho é como a vida. Precisamos ter foco na vida. Mas a
maneira com que chegamos aos objetivos passa pelos contratempos do
dia-a-dia. Nada sai como planejamos, às vezes mudamos no meio do
caminho e assim por diante. Eu simplesmente escrevo como se estivesse
vivendo aquilo. Já tenho meu trabalho. Lá sou imparcial, mas nos livros
sou toda coração. Escrevo para dar vazão ao meu desejo de escrever e
dividir minhas idéias com o mundo.
Matilde fez o que disse e logo em seguida serviu sua sobremesa. Ela
serviu Petit Gateau. E mais uma vez Matilde deu uma bola fora.
--- Sra. Matilde não tome para o lado pessoal minhas criticas.
Reafirmo que sou apenas um representante das opiniões da editora na
qual eu trabalho. Neste caso se não quer abrir mão quer acatar a opinião
da editora sobre seu trabalho creio que já sabe a minha resposta.
--- Sra. Matilde. Admiro a maneira com que defende seu ponto de
vista. Fico feliz por me compreender. Quanto ao jantar estava tudo muito
maravilhoso. Porem vou declinar da sobremesa, pois sou alérgico a
chocolate.
220
Matilde queria morrer, mas antes queria matar o editor. Sua criança
interior tinha vontade de tacar a comida na cara dele. Que criatura no
mundo tem alergia a chocolate? Ela imaginou que isto só poderia ser coisa
de editores rebuscados como ele.
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221
O chefe de cozinha soube de Matilde. Receoso de entrar em
contato com uma desconhecida apenas para pedir um doce ele foi
pesquisar sobre a vida da moça. A pesquisa o levou ao livro que Matilde
havia escrito. No livro havia uma resumida biografia de Matilde. Nela ele
soube que a moça nasceu em Cristalina. Ligou a cidade, ao título do livro e
então deduziu que Arabizá só poderia ser o nome de alguma comunidade
rural próximo a Cristalina.
222
Tamanho foi o sucesso que o restaurante passou a vender os doces
no balcão. E não parou por ai,a concorrência também entrou nos
negócios. Pouco menos de seis meses outros restaurantes da região
passaram a procurar o Arabizá em busca de seus doces.
223
Com o intuito de gerar lucro a família e ter uma renda semelhante
a das mulheres da casa, Senhor Tati fez em seu novo sítio uma enorme
varanda. Espalhou por ela muitas cadeiras e montou um barzinho onde
ele e a família fazia às vezes de anfitriã dos visitantes do lago nos finais de
tarde. Esta varanda atrelada a sua casa tinha a melhor vista do lago.
Senhor Tati passou a trabalhar no bar que rapidamente começou a ganhar
fama no Arabizá e em Cristalina. Não contente com isto o senhor Tati
começou a soltar na represa varias espécies de peixes. Comprou alguns
barcos, legalizou tudo na prefeitura e inaugurou um pesque e pague. Foi
outro sucesso. Comprou mais barcos, e também trouxe pedalinhos para
passeio. Comprou bicicletas, e calçou as trilhas da velha estrada da divisa.
224
Lá ele construiu um belíssimo hotel fazenda. Tinha toda infra-
estrutura, um aras, pomar, jardins, um lago artificial com cascatas,
piscinas olímpicas, campo de futebol, quadra coberta, tirolesas, trilhas
para passeio, e reforçou a mata ciliar onde criou uma trilha especial. Este
hotel gerou muitos empregos a Cristalina e Principalmente aos jovens do
Arabizá. O prédio e todas as dependências do hotel fora construídos no
estilo das grandes fazendas mineiras de café do século XVII. Quando
pronto tronou-se uma replica perfeita daquele período. Usando de sua
influencia política o Deputado conseguiu asfaltar todo o Arabizá e sua
estrada principal até Cristalina. Com isto o Arabizá passou a contar com
ônibus circular de hora em hora. O Asfalto facilitou também para que a
fábrica de cimento de Cristalina pudesse contratar pessoas do Arabizá.
Assim a van da fabrica poderia levar e trazer funcionários diariamente.
Para Alexandre foi uma maravilha, pois ele comprou uma moto, e
passou a morar de vez na casa de sua avó. O agora o jovem rapaz ia para
Cristalina todas as manhãs, estudava, almoçava na casa dos pais, e corria
para passar o resto do dia e da noite no Arabizá.
225
O campo de futebol do Arabizá passou a ser muito mais
freqüentado. Estava sempre lotado principalmente aos domingos. Todas
as disputas dos times regionais passaram a ser realizadas no campo. O
prefeito que queria se reeleger tratou logo de aproveitar esta boa faze do
Arabizá pra angariar votos. Construíram ao lado do campo uma escola
ampla com creche, aulas de ensino fundamental e médio. A antiga escola
se tornou uma escola técnica com cursos profissionalizantes para alunos
do ensino médio. Construiu também um ginásio coberto, usou o
maquinário e fez mais dois campos de futebol gramado. Como cereja do
bolo o prefeito construiu um estádio.
226
Suas festas ganharam fama nacional. Então senhor Quincas teve de
tornar o evento mais prolongado e os investimentos mais maciços. Sr
Quincas criou na sede de sua fazenda uma empresa de eventos. Alugou a
peso de ouro o estádio de Cristalina. Contratou três duplas sertanejas de
grande projeção no mercado da musica. O primeiro evento foi um
sucesso. O povo compareceu em peso a Cristalina para prestigiar as
duplas, esgotaram-se os ingressos tanto no estádio de Cristalina quanto na
arena do Sr. Quincas no Arabizá. Com isto a famosa festa de peão do
Senhor Quincas precisou se estender por três dias. Os peões se
apresentavam mais cedo no Arabizá e depois o povo ia pra Cristalina ver
os shows.
Mas nem tudo são flores, havia épocas de certos jogos e períodos
sem festas que sua cantina não conseguia fechar no azul. O movimento
era pouco apesar de constante, e as prestações do empréstimo tinham de
ser pagas. Se não fossem Senhor Flávio perderia a fazenda para o Banco. A
esposa do Senhor Flávio, que freqüentava o Centro Espírita do Arabizá
pedia constantemente em suas preces. Ela temia perder a terra que fora
de seus pais. O que mais a angustiava na verdade era ter de demitir
funcionários. Ela e o marido tinham um generoso coração. Ofereciam de
graça em sua cantina todas as terça a noite uma sopa.
227
Era deliciosa, muito nutritiva e gratuita. Foi à forma que
encontraram de agradecer a benção que tiveram. Mas ultimamente o
Restaurante ficava no vermelho, principalmente no inverno. Ela e o
Marido abriam mão de certos confortos só para manter o constante
numero de empregados.
Este progresso todo que alavancara o Arabizá não era por acaso.
Dividas antiga estavam sendo saudadas por espíritos desencarnados.
Desta forma eles conspiraram para que uns dos donos da fábrica de
cimento fossem almoçar na Cantina do Arabizá. Ele levou toda a família.
Foi uma tarde muito agradável. O proprietário da fabrica gostou muito da
comida. Agradeceu o Senhor Flávio e o procurou novamente durante a
semana. O proprietário da fábrica fez ao Senhor Flavio uma proposta que
salvou a “Cantina do Arabizá” para sempre.
228
Desde então a cantina passou a fornecer os marmitex para os
trabalhadores da fábrica de cimento. O antigo fornecedor era uma
modesta pensão em uma zona rural próximo a Cristalina. Recentemente
os filhos herdaram e assumiram o negócio desta pensão, mas eles só
tinham interesse no dinheiro. Não davam a pensão o devido valor e o
devido cuidado e carinho que os seus pais tinham por ela. O almoço
atrasava, perdera o sabor, as marmitas vinham danificadas às vezes e
outros transtornos. Tudo isto ajudou os donos da fábrica de Cimento a
fechar contrato com Sr. Flávio.
229
Os parentes nem fizeram questão de estudar a fundo as escrituras
e propriedades que Dona Quitéria possuía. Venderam a casa de porteira
fechada e entregou nas mãos do Pai de Alexandre um baú contendo
diversos documentos. O pai de Alexandre legalizou tudo. E em meio à
grande quantidade de papeis antigos e amarelados foi encontrado um
antigo documento quase todo carcomido por traças.
230
Foi uma questão de tempo até que em um repente o Arabizá
começou a servir de cenários para trechos de filmes nacionais, novelas de
época e alguns clipes musicais.
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231
O Senhor Lemos tomou fôlego, reuniu coragem, e fez um grande
empréstimo. Deu como garantia a casa no Arabizá que seu filho agora
vivia em companhia de sua noiva Naiara. Também penhorou o sítio
Pedrinha onde vivia com sua esposa. Tudo isto foi o suficiente para ele
começar seu novo e ousado projeto de vida. Sr. Lemos construiu no
coração do Arabizá, encima das antigas ruínas da velha e extinta fazenda.
Lá neste lugar ele construiu o “Lemos laticínio”. Tudo isto se deu com
muito esforço, dias e noites de dedicação, curso e um minucioso estudo
sobre o potencial econômico da região atualmente.
232
A linha de produção do laticínio aumentava na proporção das
encomendas. Com isto o pai Alexandre deixou de se candidatar a vereador
dedicando-se apenas ao laticínio. Sua esposa assumiu a presidência e a
parte de vendas. O marido dedicou-se a linha de produção e logística.
Alexandre também arregaçou as mangas e entrou na empreitada familiar
ajudando no marketing. Então surgiram as exportações e isto exigiu
novas instalações e investimento em infra-estrutura. Fizeram galpões no
Sitio Pedrinha e assim o “Laticínio Lemos” passou a ser o segundo maior
empregador de Cristalina. Perdendo apenas para fabrica de cimento.
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Como motorista Herbert trabalhava pouco e tinha um bom tempo
disponível. Com este tempo ele passou a fazer outros bicos e ganhar mais
extras. Logo o garoto comprou um lote em Cristalina, pois lote no Arabizá
andava muito caro ultimamente. Neste lote ele construiu sua segunda
casa. Vendeu e fez mais duas, vendeu uma fez mais duas e alugou. E
assim Herbert foi crescendo e adquirindo imóveis. Abandonou o emprego
na fabrica e se tornou construtor. Mas nunca abriu mão de por a mão na
massa mesmo quando contava com um bom time de pedreiros.
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Todos eram bem remunerados pelo fruto de seu suor. Podia
realizar sonhos, ter perspectivas, ter direitos a moradia, comida,
vestuários e demais benefícios garantidos. Podiam especializar-se, e
dormirem tranqüilos, pois a região estava prospera o suficiente para
acolher as famílias e fornecer futuro a todas as próximas gerações.
235
15 - O fim do mistério.
Fogo fátuo.
Era uma tarde morna de verão. O sol agonizava seus últimos raios
atrás da maior montanha do Arabizá. Um bando de pássaros fura o céu e
atravessa a paisagem. Segundos de distração apenas e o astro some por
completo. Sua luz e o dia parecem não querer deixar o lugar. Um vento
sopra morno e ligeiro sacudindo a copa das árvores.
--- Sua avó me disse para procurar por você aqui no Centro! Ela
estava certa. Desde que horas você está aqui? Ainda não chegou ninguém
Alexandre porque você veio tão cedo para cá?
--- Por nada meu amor. Às vezes gosto de vir pra cá e ficar refletindo
um pouco. Este local me transmite muita paz.
236
--- A Danumbia queria vir, mas ele conspirou para que ela
faltasse também.
--- Sim! Tanto tempo se passou e os dois vivem como se fossem dois
namorados até hoje. Namoraram cedo, engravidaram cedo, casaram cedo
e estão dando certo!
--- E se Deus quiser vão dar certo por muitos e muitos anos.
--- Não Senhora Dona Naiara! Eu sou médium, não sou vidente.
--- Eu sei! Disse isto apenas para lhe provocar mesmo meu anjo!
237
Freqüentadora do Centro por um bom período, por este motivo,
logo ela pode perceber que as esferas superiores estavam presentes
naquele instante e a ajudaria em sua empreitada.
Todas as palavras, cada ênfase, cada vírgula e cada exemplo que ela
pronunciava eram rapidamente absorvidos pelos ouvintes. Não havia
preguiça, não havia cansaço, nem olhares perdidos e desatentos. Parecia
que todos tinham sede de beber cada frase que saia de sua boca.
“Fé e vocação”
238
Durante a palestra ela lembrou um grande exemplo para explicar
como Deus age em nossas vidas cotidianas de forma simples e direta.
O mais interessante era que ele não gostava nem de geografia, nem
de filosofia, e tão pouco tinha vocação para vida acadêmica. Na época ele
disse que gostava muito de aprender, de ler, e que até pensara em
estudar português. Disse não ter feito isto por causa do seu interesse na
língua está mais voltado ao sentimento e as manifestações literárias do
que a gramática em si. Temendo ter dificuldades de aprender as regras do
português, e buscando uma faculdade que lhe desse retorno mais rápido e
fácil ele optou por cursar geografia.
239
Prestou concurso em uma prefeitura como auxiliar administrativo e
se tornou um profissional mediano. Seguiu como todo jovem de sua
época, mas sentia que lhe faltava algo.
Foi deste fato que este meu amigo descobriu qual era sua vocação.
Ele queria ser compositor.
240
Muito mais que um ramo de vida ou uma forma de dar vazão aos
seus sentimentos ele queria ajudar o próximo através de seus trabalhos.
Um belo dia então ele estava refletindo sobre a vida e sobre a sua
vocação. Começou a reparar o quanto Deus vai moldando o destino de
seus filhos através dos desafios e das oportunidades.
241
Olhou para o seu passado e pode perceber o quanto lhe foi
importante as decisões que tomou.
242
Foi preciso deslocar atrás de fornecedores, compradores e eventos
para empresa. Aprendi a lidar com folhas de pagamento, Rh, fluxo de
caixa etc...
243
É de uma pequena semente que nasce uma grande árvore, sendo
assim, muitos milagres e grandes acontecimentos em nossas vidas podem
ter início a partir de um singelo sinal.
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--- Muito obrigado Luciana! Mas estou ansiosa para lhe ver
palestrando também. Quando pretende nos presentear com seus
conhecimentos e experiências?
--- Acho que no meio do ano eu já consiga preparar algo que mereça
ser apresentado. Até lá quero aprender muito ainda.
--- Não seja modesta Luciana. A última vez que vi você se apresentar
falou lindamente e comoveu a todos nos. A maneira coerente e racional
que você interpreta suas manifestações mediúnicas muito tem a nos
acrescentar. Você não mistifica as coisas e trás tudo as claras, sabe
usufruir do seu dom e direcioná-lo em prol do próximo.
244
Por isto sempre venho adiando tocar neste tema. Falta-me um
conteúdo consistente ainda entende?
--- Por favor, não brigue com o rapaz! Ele adivinhou meus
pensamentos e perguntou exatamente o que eu gostaria de saber
também.
--- Neste caso eu vou tentar explicar. Digo tentar porque não
estudei a fundo este assunto. Pra ser sincera apesar de cientifico este
fenômeno é muito cercado de duvidas que geram diversos mistérios. Mas
fogo fátuo é um fogo de cor geralmente azulada. Tem uma baixa
intensidade de luz e podem assumir diversas formas, ovais, retas,
cilíndricas. É um fenômeno muito raro.
--- Olha pra ser sincera eu pouco li sobre isto na faculdade. Mas
tudo que sei é que este fogo surge de um gás.
--- Veja bem Alexandre é por isto que eu gostaria muito que a
Luciana desse uma palestra aqui no Arabizá, pois com a reconstrução da
represa estes fenômenos podem ressurgir.
--- Mas mãe que gás é este? De onde ele surge? Porque aqui no
Arabizá?
246
justamente agora quando ele já havia desistido de desvendar o mistério
ele lhe caia de pára-quedas.
--- Não, Luciana, não é nada não, apenas um pensamento tolo que
me veio à boca. Pensei alto sem querer me desculpe.
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--- Hebinho, por favor, você pode vir aqui em casa? Não é caso de
doença nem nada de grave, pois estão todos bem. Mas mesmo assim é
uma emergência caso de vida ou morte. Por favor, venha rápido.
--- Xandoco você está biruta? Nossa quase morri do coração por
causa desta sua mensagem. Estava dormindo tranqüilo no centésimo
sono. Foi a Danumbia quem viu primeiro a mensagem no meu celular. Fui
acordado praticamente no tapa.
--- Vai me falar que você não me chamou aqui pra isto?
--- Nossa, fala sério Bibinho! Não tenho nem pensamentos para
retrucar estes disparates de insanidade.
Ele aguardava por este momento. Sentia muita falta das conversas
a beira do fogão de sua avó, de ficar de bobeira no Poço do Bambu
jogando conversa fora, e outras facetas da vida que o tempo estava
subtraindo da amizade dos dois.
248
Herbert e Alexandre só tinham tempo para suas novas famílias, e
se encontravam apenas na condição de primos e por razões geográficas.
Agora naquela sala estavam reunidos apenas dois melhores amigos. E isto
foi mais uma lição que Alexandre aprendeu. Nunca deixar a criança
interior calar-se. Mesmo feliz em seu novo emprego, mesmo tendo as
responsabilidades e posturas que sua nova profissão lhe cobrava, apesar
de tudo isto, ele viu que às vezes tinha o direito de se deixar guiar por um
Alexandre espontâneo e voluntarioso.
Assim este menino interior lhe puxou a orelha pedindo que ele não
deixasse apagar a chama de uma grande amizade. Este moleque
praticamente ordenou que Alexandre entrasse em contato com o velho
amigo. Qualquer assunto pode esperar, mas uma amizade não. Fosse qual
for o assunto o momento era aquele. Então este repente de ligar para o
primo àquela hora resolveria o problema e daria inicio ao segundo tempo
desta grande amizade.
--- Nossa, primo, você queria tanto chegar ao fim deste mistério,
agora que conseguiu está frustrado? Por quê?
249
--- E você acha mesmo que faria diferença em sua vida se o
fenômeno viesse de outras formas de manifestação, um anjo ou um
espírito, por exemplo? Agora pouco você me contou a experiência de dois
irmãos. Um que se tornou Padre e outro que se tornou Compositor. Deus
usou a piscina para atrair o caçula. E deu certo. Ele entrou no seminário
por causa da piscina e teve contato com a vida celibatária. Deus o ajudou
a encontrar sua vocação. Deus abriu mão de recursos concretos e
presentes no contexto para auxiliar o irmão caçula. Imagina quantos
seminários tem no Brasil? Porque o irmão mais velho escolheu um que
justamente tinha piscina? E olha para o irmão mais velho. Ele achava que
tinha encontrado sua vocação logo de inicio.
Mas Deus provavelmente deve ter lhe enviado sinais para mostrar
que aquele não era o caminho certo. Porém, mesmo assim ele deveria
viver a experiência do seminário, pois quanto mais rica de experiência for
à vida de um compositor mais isto tem a acrescentar em sua obra.
250
Assim também ele fez com você. E olha que com você Ele usou uma
luz azul e bonitinha, rara que poucos no mundo puderam ver. Não seja
ingrato meu querido primo. Olha tudo a sua volta. Sua fé que trouxe a
tona todas estas coisas. Sua fé movida de boas ações. A luz veio no
momento oportuno, apenas como cereja do bolo. E se não fosse ela Deus
abriria mão de outros recursos para lhe ajudar. Lembra quando eu perdi a
Keira pro João Pedro e você me disse aquelas coisas?
--- Então que fique bem claro que Bibinho é a sua vovozinha a que
não é a nossa e nem a minha. Mas falando sério eu estava descrente da
vida na época e jamais acreditaria naquele momento que o Arabizá
chegaria aonde chegou hoje. Foi você que me fez acreditar em um futuro
diferente. Você usou como exemplo a trajetória do João Pedro. Explicou
que até então ninguém tinha visto sair um grande jogador do Arabizá
Várzea Futebol Clube. Mas todos tinham fé e trabalhavam pra isto.
--- Claro que sim meu primo e você está andando em ciclo.
---- Olha Alexandre eu tive uma professora na sexta série que dizia o
seguinte. “Trama boa é aquela em que o mordomo é sempre o culpado.”
Com isto ela queria nos dizer que tudo aquilo que nos precisamos para
nossa vida está a nossa disposição. Porém só vamos conseguir usufruir
estas coisas se tivermos conhecimento.
É mais ou menos como um índio de uma tribo isolada. Ele foge, vai
viver em outras tribos, descobre outras raças, convive e aprende com a
cultura deles. Retorna a sua tribo e apenas ele sabe que as pedras
amarelas que estão na caverna próxima à tribo não são apenas pedras,
são pepitas de ouro. Estavam sempre ali, mas ele teve de ir longe para
aprender o valor daquelas pedras.
Você achou que por estar no caminho certo à vida lhe traria tudo de
mão beijada? Achou que a luz azul ia ser sua amiguinha lhe dando todos
os sinais que precisasse? Não é assim que funciona primo. Será que a
Luciana tem certezas sempre que vê um fenômeno? Acredito-me que não.
Ela tem duvidas, questiona, talvez já tenha questionado até a própria
sanidade. E quando ela afirma alguma coisa é porque fez um longo
processo, e mesmo assim já deve ter errado muito na vida também. Xandi
nós temos pernas pra andar, bocas pra falar, olhos pra ver, nariz pra
cheira e cabeça pra pensar. Pensar muito, pensar o tempo todo. A fé entra
em nossas vidas como complemento, é através da fé que acreditamos que
a estrada continua depois da curva.
252
--- Verdade primo. Eu achava que se visse algo “sobrenatural” isto
iria reforçar minha certeza a respeito de tudo.
--- Não há nada de errado em pensar assim, e tão pouco você deva
deixar de querer buscar certezas, pois estas são fundamentais. Mas se
você já tivesse ouvido falar de fogo fátuo na noite que viu o fenômeno
onde estaria o Arabizá hoje?
--- Certamente que não. Você tem razão, saber na hora certa é uma
ferramenta, mas certos conhecimentos na hora errada podem se tornar
uma muleta nociva. Zé do pacto quem o diga.
E tem mais, muitas aves domesticadas hoje não voam porque suas
azas atrofiaram. E atrofiaram devido ao fato delas aos poucos irem
deixando de voar e vivendo de forma mais terrena.
--- Pois é isto que estou espremendo para tentar lhe explicar primo.
A dúvida e a Fe vão sempre vir à frente na estrada da vida. A cada
bifurcação, a cada curva, a cada descida e subida, a todo instante. Por
mais que você tenha caminhado em um determinado destino o dia que
lhe faltar duvida e fé é porque ou você chegou ao final ou você chegou à
loucura. Mire no exemplo de Cristo. Ele dormia tranqüilo no barco quando
foi acordado pelos seus discípulos. Da pra imaginar quantos milagres estes
mesmos discípulos presenciaram estando próximo de Cristo? E apesar de
terem visto Nosso Senhor operar milagres pessoalmente eles estavam
com medo de uma simples tempestade. Nem por um instante nenhum
deles dimensionou o fato de que quem estava dormindo ali, era o filho de
Deus! Portanto o próprio Deus. Mas eles tiveram medo, eles o acordaram,
eles procuraram por ele. Se até quem viu e viveu ao lado de Cristo teve
medo, teve duvidas, quem nos somos para não ter? Primo posso lhe
garantir uma coisa. Não importa o que tenha sido aquela aparição. Mesmo
que fosse a mais extraordinária e elevada manifestação mediúnica,
mesmo assim sua condição humana o deixaria com rusgas de dúvidas.
253
É da natureza humana. Sempre implantamos sentimentos, anseios
e expectativas pessoais e às vezes errôneas a respeito da realidade dos
fatos. Por isto lhe peço encarecidamente Xandoco deixa de ser cabeça
dura. Foi você mesmo que me ensinou que a vida todos os dias explode de
milagres. Desde o nascer do sol, o desabrochar de uma pétala ate o vôo de
uma simples abelha que desafia todas as regras da navegação áreas
humana.
Entenda de uma vez por todas que o único milagre ocorrido foi o
fato de você ter dito sim ao seu destino, ter aceitado a ajuda de Deus, e
dos espíritos de esferas superiores que você acredita, da família, dos
amigos e outros membros da corrente do bem. O único milagre foi você
ter acreditado de verdade, ter buscado, ter se entregado sem medo,
errado e reparado seus erros, daí sim primo é que está a essência de tudo.
É desta fórmula que se pode extrair qualquer coisa em qualquer plano,
Doutrina ou Religião.
--- Primo, que Deus lhe pague por tudo nesta vida. Muito obrigado
por fortalecer minha fé e dissipar minhas dúvidas. E também quero lhe
dizer uma coisa, só mais uma coisa, Xandoco é a sua vovozinha.
254
Seria preciso muitas noites para que os dois amigos
colocassem a conversa em dia. Por sorte ambos acreditavam na
eternidade.
Fim.
255
Contatos.
omisteriodaluzazul@gmail.com
256
Considerações finais.
257
A inspiração para o procedimento me veio a partir de
uma reportagem noticiada na TV local de Minas Gerais. Nela a
reportagem apresentava uma Moça que na ocasião estudava na
Universidade Federal de Lavras. A moça precisava vender
bombons para ajudar em seu orçamento. Porém ela necessitava
estudar e trabalhar. Então a solução que a moça fez foi
estacionar sua motocicleta no pátio da universidade, abrir o
compartimento cheio de bombons e deixar uma caixinha e uma
plaquinha com o preço das guloseimas. Ela deixou a motocicleta
nestas condições e seguiu para sala onde permaneceu até o
termino das aulas. Quando ela retornou a motocicleta qual foi a
sua surpresa? Isto mesmo, as pessoas retiraram os bombons e
efetuaram corretamente o pagamento na caixinha e nenhum
bombo foi afanado ou estragado. Até o troco estava correto, e
assim a moça seguiu vendendo até que o caso ganhou os
noticiários locais.
258
Para tornar este processo possível em apenso na
outra página está o número da conta do autor para que você
possa efetuar seu depósito voluntário. Sua colaboração será de
grande valia para estimular projetos futuros, e trazer mais
qualidades ortográficas e estruturais aos próximos projetos.
Atenciosamente – João IV
O Autor.
259
Banco do Brasil
Cliente – João Batista da Silva IV
Agência – 0364-6 Conta – 49.407-0
Variação – 51.
260
261