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Artigo elaborado no âmbito de projeto apoiado pela FAPERJ – Processo E-26/102.208/2013
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XIX Congreso Internacional del CLAD sobre la Reform a del Estado y de la Administración Pública, Quito, Ecuador, 11 – 14 nov. 2014
Por certo que essas mudanças na atuação estatal representam uma adequação às novas
demandas da sociedade e a questões conjunturais mais amplas, evidenciadas por um novo
mundo multipolar, imerso em um contexto de convergência das tecnologias, competição
organizada em torno de cadeias produtivas globais, conflitos regionais e desafios postos
pelas mudanças climáticas. Se o estado burocrático se mostrou importante para reduzir os
efeitos daninhos do patrimonialismo e personalismo, mostrou-se insuficiente para atender às
novas demandas de crescimento, agilidade e flexibilidade postas ao final da década de 1970.
A complexidade da sociedade contemporânea e seus dilemas têm justificado reorganizações
na operação do aparelho de estado. A necessidade de expandir o espaço, capilaridade e
abrangência da atuação exigem ainda, nos contextos democráticos, o fortalecimento da
sociedade civil. Assim, formam-se redes envolvendo o público, o privado e o terceiro setor.
Novas estruturas de governança multinível se desenvolvem para levar políticas definidas no
âmbito federal aos mais distantes municípios, articulando interesses e incentivos distintos e
gerenciando conflitos políticos. A impessoalidade exigida dos servidores públicos se choca
com o tratamento do marketing das empresas, tornando mais críticos os requisitos
necessários para a satisfação do cidadão no contato com o público.
Enfim, há um novo contexto, mas não necessariamente um novo servidor. Em sua maioria, o
servidor público foi formado em um ambiente de maior estabilidade, no qual o cumprimento
de regras e o formalismo eram os aspectos fundamentais de um bom trabalho. Trabalhar em
um modelo de atividade em redes e contratos tácitos requer novas competências e diretrizes
de formação dos gestores públicos. Requer também novas posturas e, possivelmente, novas
diretrizes de carreira.
Este artigo tem como objetivo discutir esses desafios e apresentar propostas para reflexão
sobre os mesmos e sobre as exigências de formação dos gestores públicos para operar
nesse novo ambiente. O texto está organizado em cinco seções. Após essa introdução e
apresentação do problema e objetivos, a segunda seção traz uma breve contextualização
das mudanças nas ideias e paradigmas da administração pública para, a seguir, serem
analisados quais os principais desafios e dilemas são colocados ao gestor público no
contexto dos atuais paradigmas. A quarta seção parte desses desafios e visa propor, à guisa
de discussão, possíveis abordagens que poderiam ser consideradas para a formação dos
gestores públicos de forma a melhorar sua capacidade de lidar com esses desafios. Por fim,
a última seção traz as considerações finais sobre o problema proposto e apresenta
sugestões para a evolução do debate, a partir de novos estudos.
da administração pública podem ser situadas nos anos de 1970, com a inclusão nos
currículos nas escolas de políticas públicas americanas e nas reformas promovidas na Grã-
Bretanha e Nova Zelândia.
Mais recentemente, nas décadas de 1980 e 1990, ocorreu, em especial nos países do
ocidente e capitaneada pelos Estados Unidos e Reino Unido, um influente movimento de
revisão do papel e tamanho do Estado, baseado em ideais liberais e orientada por propostas
de uma radical “reinvenção do governo” (Osborne; Gaebler, 1993). Com esse sentido, a
administração pública iniciou amplos projetos de reforma, tendo como forte referência
práticas privadas de gestão, movimento que incluiu a grande maioria dos países
desenvolvidos e em desenvolvimento.
Decerto que pressupostos de uma ineficiência intrínseca do aparelho estatal se encontraram
em um momento em que as principais economias ocidentais eram lideradas por
administradores com de viés mais conservador, como o caso da primeira-ministra britânica
Margaret Tatcher e do presidente norte-americano Ronald Reagan, o que permitiu criar e
impulsionar esse movimento revisionista. É importante destacar também a importância das
ideias que apontavam a prevalência de uma visão gerencialista, privada, para a solução dos
problemas de eficiência e alocação de recursos do setor público, assim como ideias
originárias do marketing e das filosofias de qualidade total relacionadas à importância do
cliente.
No Brasil, é possível identificar as origens desse movimento com a candidatura, e posterior
eleição, do Presidente Collor de Mello, ao final da década de 1980, coincidindo, não sem
razão, com a difusão dos princípios do Consenso de Washington, de 1989. O Consenso de
Washington compreende um conjunto de políticas econômicas, coordenadas pelo Banco
Mundial, Fundo Monetário Internacional e Departamento do Tesouro americano, para os
países do continente envolvidos com problemas de endividamento externo, e contemplou
medidas de disciplina fiscal, desregulamentação de mercados, direitos à propriedade,
privatização, liberação de comércio e investimento externo, entre outras.
Collor de Mello caracterizou sua campanha presidencial por um discurso de moralidade e
combate aos altos salários pagos a algumas carreiras de servidores públicos, pelo que ficou
conhecido como “Caçador de Marajás”. Fortemente apoiado por profissionais de marketing,
após eleito empreendeu ações de liberalização da economia, redução de barreiras
alfandegárias e diminuição do tamanho do estado. Apesar do impeachment de Collor em
1992, o movimento de abertura comercial e redução das tarifas de importação permaneceu,
como evidenciado no gráfico 1.
Para Bursztyn (1994), o legado de patrimonialismo e vícios de clientelismo, assistencialismo,
fisiologismo e corrupção que caracterizavam então o Estado brasileiro entrou em crise
institucional. Mas, de fato, o problema era mais global que nacional. Esse movimento de
reforma nos países ocidentais, identificado no Brasil com a era Collor e posteriormente do
Presidente Fernando Henrique Cardoso, tinha certamente suas bases na corrente
internacional da Nova Gestão Pública, ou New Public Management (NPM). A NPM pode ser
conceituada como um conjunto complexo e variado de transformações envolvendo um foco
renovado em controle de custos e eficiência, capacidade orçamentária e descentralização do
poder gerencial, criação de mecanismos de mercado e similares envolvendo novas formas
contratuais, foco na qualidade dos serviços associada a novos mecanismos de prestação de
contas (accountability), desenvolvimento de múltiplos indicadores de desempenho, parcerias
público-privadas e iniciativas de privatização.
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Conforme Barzelay (2001), a NPM deve ser compreendida como um espaço de debate em
torno de questões sobre estrutura, gestão e controles da administração pública. Ferlie (2002)
analisa que a NPM permitiu uma mudança de orientação da política para a gestão, além do
surgimento de quase-mercados (quasi markets), permitindo a serviços públicos serem
oferecidos por outros setores, sejam empresas privadas ou organizações sem fins lucrativos,
confrontando assim o monopólio estatal em alguns espaços, visando estimular o
desempenho e melhores relações de custo/benefício (value for money). Para Hood (1991),
as propostas relacionadas à NPM podem ser associadas a sete dimensões: gerentes
profissionais com atuação prática no setor público, padrões explícitos e mensuráveis de
desempenho, grande ênfase em controles de saída (e não processualísticos), desagregação
de unidades no setor público, maior concorrência internamente ao setor público, ênfase em
estilos do setor privado da prática de gestão, ênfase em na maior disciplina e parcimônia no
uso dos recursos. Osborne (2006) complementa essa lista, acrescentando características
como ênfase na terceirização, na satisfação do cliente, e na delegação de autoridade. Outros
aspectos a caracterizar a NPM ainda seriam a redução de tamanho das unidades e
descentralização (Pollitt, 2005), e uso intensivo de novas tecnologias de informação e
orientação para os usuários finais (Ferlie, 2002).
Por certo que o movimento da NPM trouxe, ao longo dos últimos 20 anos, inúmeras
propostas de mudanças nas práticas da administração pública, que se refletiram em maior
foco no resultado e controle de metas, eficiência, transparência, responsabilização e
prestação de contas (accountability), parcerias e descentralização.
É importante situar as teorias que suportaram o desenvolvimento da NPM, de modo a
compreender melhor as premissas, valores e expectativas que suportam as ideias dessa
corrente. Para o Centro Latino Americano de Administração para o Desenvolvimento (CLAD),
três teorias promoveram esse desenvolvimento: teorias da escolha pública e custos de
transação, que motivaram as privatizações e competências; o neo-taylorismo, que promoveu
ações de racionalização administrativa, como a desburocratização, simplificação e
racionalização de processos, e novos modelos de políticas de pessoal; e a teoria de agência,
no sentido da promoção de transparência e prestação de contas (em www.clad.org). Cabe
observar, alinhado ao interesse deste estudo, que para Bresser-Pereira (2009) uma visão ou
teoria sociológica das organizações é necessária para conseguir compreender as motivações
e interesse público dos servidores, fundamental nos valores e universo das organizações
públicas, e que um sistema de recompensa não deveria estar limitado aos aspectos
pecuniários.
Entretanto, é necessário reconhecer que assim como a burocracia se tornou disfuncional ao
fazer dos meios, dados como o cumprimento das normas, o formalismo, a impessoalidade e
as rotinas – em seu objetivo principal, também a NPM vem cada vez mais se mostrando
disfuncional ante a nova realidade. A busca pela eficiência e, em algum grau, o insulamento
da administração pública ante uma busca endógena por resultados, a incapacidade de lidar
com a explosão e individualidade das demandas, e a reorganização dos processos
decisórios em um mundo multipolar vem trazendo dificuldades à lógica da NPM, em especial
de uma dicotomia estado-sociedade. É possível observar que a ação estatal vem
progressivamente ampliando sua abrangência e incorporando, de forma harmônica e
coordenada, também atores não-estatais, como as empresas e, principalmente, as
organizações da sociedade civil (OSC). Ao Estado, apresenta-se então como novo desafio
promover a concertação desses movimentos, incentivando e orientando as forças da
sociedade para o atendimento nas demandas e necessidades da sociedade. Por sua vez, o
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serviços, ao contrário de bens tangíveis, era difícil sem a ativa participação dos beneficiários
– no caso, o cidadão. Para ela, “the term ‘client’ is a passive term. Clients are acted upon.
Coproduction implies that citizens can play an active role in producing public goods and
services of consequence to them” (Ostrom, 1996, p. 1073).
Como explicam Osborne e Strokosch (2013), ‘public services’ são os serviços criados por um
processo de política pública e regulados pelo governo (central ou local), mas que podem ser
ofertados por um amplo conjunto de organizações, denominadas ‘public service
organizations’ (PSOs), sejam estas públicas, privadas ou do terceiro setor, enquanto a
coprodução define os relacionamentos regulares e de longo prazo entre provedores de
serviço e seus usuários ou outros membros da comunidade, para o qual todas as partes
fazem substancial contribuição de recursos (p. S32).
A NPG, e os processos de coprodução, tem como fundamento que o desempenho estatal
exige uma atuação integrada de um amplo conjunto de stakeholders, inclusive não-estatais,
recuperando a importância de se retomar a centralidade dos valores e da discussão política
na ação estatal. A NPG traz, portanto, como contraponto ao foco na eficiência e resultados
da NPM, a necessidade de promover na administração pública temas como colaboração,
redes, parcerias e cooperação.
Osborne (2006) sintetiza as principais mudanças paradigmáticas recentes da administração
pública em três fases, às quais denomina como da Administração Pública, da Nova Gestão
Pública, e da Nova Governança Pública, caracterizadas em seus principais elementos-chave:
Administração Pública:
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(2006) relativas à NPG, acrescidas de outros elementos desse ambiente, da lógica das
redes, dos modelos de coprodução, e da articulação com a sociedade, é possível listar os
seguintes aspectos que irão se traduzir em desafios para a atuação dos servidores:
· Exigência de ampliar e aprofundar os relacionamentos institucionais com a sociedade;
· Desenvolver, articular e dinamizar redes interorganizacionais interna e externamente
ao governo para prover serviços públicos;
· Desenvolver processos de trabalho que possam ser baseados em relações de
confiança ou contratos relacionais;
· Compreender o Estado como organismo plural, principalmente no processo de
formulação de políticas e entrega de serviços à sociedade (coprodução);
· Considerar modelos de incentivos de base não financeira, a partir de teorias
sociológicas;
Para Stewart e Clarke (1987), por sua vez, a PSO irá exigir dos servidores e gestores
públicos:
· Conhecer os serviços exigidos pelo público
· Estar perto do cliente
· Procurar os pontos de vista dos clientes, reclamações e sugestões.
Destacam, também, equívocos que devem ser evitados:
· julgar a qualidade do serviço para os padrões organizacionais ou profissionais, em vez
dos padrões dos clientes
· dedicar pouco tempo para aprender sobre o cliente fora do escritório central, em que
trabalham
· não fornecer treinamento para os funcionários sobre a qualidade de serviço ao cliente
· não envolver os clientes nas decisões sobre os serviços prestados ou projetos
empreendidos
· não ter examinado se medidas de acesso e recepção auxiliam ajudar o cliente.
Osborne (2010), na conclusão do livro onde organiza o debate sobre as teorias e impactos
da NPG, propõe o quadro 1, para explicar as mudanças ambientais, e as seguintes questões
que, dentre outras, refletem sobre os impactos na atuação e formação do servidor público:
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(h) Aprender a envolver os clientes nas decisões sobre os serviços prestados ou projetos
empreendidos
ü Fortalecer as iniciativas e sistemas de co-produção
ü Ampliar o debate entre as unidades do serviço público
Cabe notar, contudo, que nem as ideias da NPG ou da PSO desconsideram que o objeto é a
administração pública, sujeitas às suas características, limitações e necessidade de cada
país ou entidade nacional. Como reza a Constituição Federal brasileira, a administração
pública deve se pautar pelos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência. Por óbvio, não é possível trazer a lógica privada para o âmbito
público sem sacrificar esses princípios.
5. Considerações finais
Ampliar a articulação com setor privado e terceiro setor na oferta de serviços à sociedade
exige muito aprendizado, principalmente para que a administração pública aprenda a operar
em ambientes não hierárquicos, altamente flexíveis e pouco formais. É uma mudança radical,
em muitos aspectos, pois diminui a segurança das normas, regras, instrumentos e hierarquia
presentes na administração pública tradicional e, cria, em seu lugar, um ambiente de
instabilidade, poucas regras e relacionamentos horizontais.
Ademais, os sistemas de controle estatais são pouco adaptados ao novo paradigma. Ainda
impera a lógica dos meios, quando o fazer bem feito está mais associado ao adequado
preenchimento dos formulários e cumprimento dos procedimentos formais que aos
resultados.
A ênfase na organização por redes e processos não hierárquicos desconstrói fundamentos
dos paradigmas burocráticos e de eficiência, podendo trazer desconfiança nos gestores
públicos ou receio ante a novidade. Talvez, mais importante que novos aprendizados, seja a
capacidade de promover o desaprendizado, onde antigas práticas que se transformaram em
barreiras à inovação possam ser removidas. Mas isso não é apenas uma ação ou mudança
cognitiva. É uma nova cultura, o que sempre representa uma ameaça a uma cultura
estabelecida, ao status quo.
Este texto buscou refletir sobre as mudanças necessárias, em um novo contexto da
administração pública que parece desejável e inescapável. Mas, muito ainda deve ser
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discutido para o repensar sobre esse novo servidor, mas certamente algo bem diferente de
um burocrata tradicional deve ser considerado.
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Resenha biográfica
Joaquim Rubens Fontes Filho é Doutor em Administração e Mestre em Administração
Pública pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio
Vargas (EBAPE/FGV), Mestre em Engenharia de Produção pela COPPE/Universidade
Federal do Rio de Janeiro e Graduado em Engenharia de Produção. Professor da
EBAPE/FGV e consultor da FGV/Projetos, é pesquisador e coordenador de projetos do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). É professor visitante do
programa de doutorado da Universidade Andina (Equador) e da Universidad Simon Bolivar
(Colômbia). Certificado em cursos pela Wharton Business School, National Defense
University, Ansoff Associates e Institute of Canadian Bankers. Foi gerente de planejamento
estratégico da PREVI, assessor da presidência no Banco do Brasil e membro do conselho de
administração e fiscal de diversas empresas, como Invepar, Linha Amarela, Belgo-Mineira e
CAEMI.
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Quadro 1: An exploratory model of the interaction of public policy implementation and public
services delivery regimes and managerial practice
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