You are on page 1of 66

ERIÊNCI

AS
EX

IPÊ e Terra Viva

PDA Sistemas agroflorestais


Nº 2
Janeiro de 2002 em assentamentos
de reforma agrária

Antônio de Barros Assumpção


Ex-coordenador do Terra Viva

Cláudio Valladares Pádua


Jefferson Ferreira Lima
Laury Cullen Jr.
Maria Inês Rodrigues Morato
Técnicos do IPÊ

Experiências similares em
diferentes regiões da Mata
Atlântica revelam a importância
Programa Piloto para dos sistemas agroflorestais para
Proteção das Florestas a sobrevivência das famílias
Tropicais do Brasil - PPG7 assentadas e a manutenção da
biodiversidade
IPÊ e Terra Viva

Sistemas agroflorestais
em assentamentos de
reforma agrária

Brasília, janeiro de 2002


Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

Ministério do Meio Ambiente - MMA


Ministro: José Sarney Filho

Secretaria de Coordenação da Amazônia - SCA


Secretária: Mary Helena Allegretti

Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil - PPG7


Coordenador Geral: Carlos Aragon Castillo

Subprograma Projetos Demonstrativos - PDA


Secretário Técnico: Jorg Zimmermann
Secretário Técnico Adjunto: Wigold Schäffer
Assessores Técnicos: Célia Chaves de Souza, Demóstenes Augusto Alves de Moraes, Ricardo Russo e
Ricardo Verdum
Equipe Financeira: Cláudia Alves, Nilson Luiz Nogueira e Sérgio Maranhão
Equipe Administrativa: Bruno Mello, Eduardo Ganzer, Francisca Kalidaza Medeiros, Geórgia Basto Alô e
Lúcia Amaral Souza
Perito da GTZ: Thomas Fatheuer

Esta publicação é uma versão revisada e editada dos relatórios:


Meio Ambiente e Reforma Agrária na Costa do Descobrimento: Dilemas e perspectivas para o
desenvolvimento de sistemas sustentáveis com a agricultura familiar dos assentamentos no extremo
sul da Bahia, produzido pela ONG Terra Viva, e
Projeto Abraço Verde: Módulos agroflorestais na conservação de fragmentos florestais da Mata Atlân-
tica, produzido pelo Instituto de Pesquisas Ecológicas - IPÊ.
Esta publicação foi realizada com o apoio da agência alemã de cooperação técnica, Deutsche Gesellschaft
für Technische Zusammenarbeit (GTZ) GmbH.
Equipe Responsável: Célia Chaves, Jorg Zimmermann, Ricardo Verdum e Thomas Fatheuer
Edição: Tereza Moreira
Projeto Gráfico: Luiz Daré

Cooperação Financeira: República Federal da Alemanha - KfW, União Européia - CEC, Rain Forest Trust
Fund - RFT, Fundo Francês para o Meio Ambiente Mundial - FFEM

Coordenação do PPG7 no Brasil: Banco Mundial - Unidade de Florestas Tropicais - RFUM

Cooperação Técnica: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, Projeto BRA/93/
044 - Projetos Demonstrativos - PDA
Deutsche Gesellschaft für Technische Zusammenarbeit (GTZ) GmbH

Agente Financeiro: Banco do Brasil

2
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

Apresentação
É com grande satisfação que apresentamos o segundo núme-
ro da Série Experiências PDA, “Sistemas Agroflorestais em Assentamen-
tos de Reforma Agrária”, que retrata experiências de proteção e recuperação ambiental
em diferentes regiões de domínio da Mata Atlântica: a primeira no Pontal do Paranapa-
nema, no Estado de São Paulo, e a segunda no Sul do Estado da Bahia.
As experiências são coordenadas, respectivamente, pelo Instituto de Pesquisas Eco-
lógicas – IPÊ, e pelo Centro de Desenvolvimento Agroecológico do Extremo Sul da
Bahia – Terra Viva, e contam com uma intensa participação dos agricultores familiares e
assentados e suas entidades associativas e representativas.
A divulgação destas duas experiências tem por objetivo tornar acessível, para um
público mais amplo, um pouco da história da implementação dos dois projetos e os
resultados alcançados, bem como fornecer subsídios para o debate a respeito das possi-
bilidades e condições para a implantação de assentamentos de reforma agrária na Mata
Atlântica.
Os textos foram elaborados pelos protagonistas das experiências. Com isto, preten-
demos garantir aqui a reprodução de uma das principais características do PDA, que é
dar voz e autoria aos atores que efetivamente construíram o sucesso que o Subprograma
desenvolveu ao longo destes anos.

Ricardo Verdum
Antropólogo, assessor do PDA/PPG7

3
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

4
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

Sumário

IPÊ
Módulos agroflorestais na conservação de fragmentos florestais
da Mata Atlântica....................................................................... 7

Econegociação: parcerias em defesa dos bens naturais ..............................8


Introdução.................................................................................................9
Atividades e resultados ............................................................................14
Condições para o desenvolvimento do projeto ........................................25
Lições aprendidas até o momento ...........................................................27
Conclusões sobre as ações coletivas do projeto .......................................29
Considerações e recomendações finais ....................................................31
Bibliografia recomendada........................................................................ 33

Terra Viva
Meio ambiente e reforma agrária na Costa do Descobrimento 35

Introdução ....................................................................................................... 36
Contexto socioambiental ................................................................................. 38
Estratégias e metodologias ............................................................................... 46
Implantação dos sistemas agroflorestais ........................................................... 50
Resultados principais ....................................................................................... 52
Parcerias e redes .............................................................................................. 58
Desafios presentes ........................................................................................... 59

5
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

6
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

IPÊ
Módulos agroflorestais na
conservação de fragmentos da
Mata Atlântica
Laury Cullen Jr.

Sem-terra participam do combate a incêndios


florestais no Pontal do Paranapanema

Cláudio Valladares Pádua


Jefferson Ferreira Lima
Laury Cullen Jr.
Maria Inês Rodrigues Morato

7
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

Econegociação: parcerias
em defesa dos bens naturais

O que chamamos de “econegociação” refere-se a


uma aliança ou parceria estabelecida de comum acor-
do entre as partes interessadas em um recurso natural protegido,
para compartilhar com os responsáveis pela sua proteção as fun-
ções de manejo e conservação. Isto significa, por um lado, assumir
total ou parcialmente os direitos e responsabilidades de conserva-
ção, e, de outro, uma compreensão das necessidades econômicas
e sociais dos interessados.
Essa negociação é adaptativa, ou seja, está em constante avalia-
ção, com ajustes e reformulações, visando à melhor sintonia entre
as partes envolvidas e ao aprimoramento dos resultados. Entre as
partes interessadas incluem-se principalmente a instituição respon-
sável pela conservação da área e várias associações de residentes
locais e usuários de recursos, podendo ser envolvidas também or-
ganizações não-governamentais, institutos de pesquisa,
empresariado, administrações locais e outras instituições, como o
Ministério Público, por exemplo.
Essa tem sido a metodologia utilizada pelo Instituto de Pes-
quisas Ecológicas – IPÊ, na implementação do Projeto Abraço Ver-
de, que envolve o Estado, uma organização não-governamental e
o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, do Pontal
do Paranapanema (SP). A experiência mostra que um contínuo e
sistemático esforço de equipe, que inclui relações de confiança e
amizade, educação ambiental, extensão agroflorestal, pesquisas em
biologia da conservação, manejo participativo, legislações apro-
priadas e fiscalização efetiva, a conservação de um ecossistema
torna-se não só possível, mas operacionalmente mais fácil. Conser-
vação em escala comunitária, ecossistêmica e de paisagem ofere-
ce uma das alternativas mais promissoras para a salvação da
biodiversidade da Mata Atlântica do Planalto, bem como de outros
ecossistemas brasileiros.

8
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

A imagem de satélite mostra o Parque Estadual


Arquivo IPÊ

Morro do Diabo e entorno, com outros fragmentos


florestais da região do Pontal do Paranapanema

Introdução

E sta publicação refere-se às ati-


vidades desenvolvidas e aos re-
sultados preliminares obtidos durante os
safios principais deste projeto estão:
disponibilizar informações agroecológi-
cas para os assentados, estimular a ado-
primeiros quinze meses de execução do ção de práticas de manejo agroflorestal
Projeto Abraço Verde, financiado pelo em lotes vizinhos aos fragmentos flores-
PDA, que está implementando zonas de tais e implantar módulos agroflorestais
amortecimento agroflorestadas – ou zo- demonstrativos adaptados à cultura e às
nas de benefício múltiplo – no entorno necessidades locais.
de fragmentos florestais da Mata Atlânti- A experiência inicial tem mostra-
ca do Pontal do Paranapanema, no ex- do que a conservação dos ecossistemas
tremo oeste do Estado de São Paulo. torna-se possível com o que temos cha-
O trabalho é resultado de uma par- mado de econegociação. Isso inclui a
ceria com grupos de assentados e lide- participação e educação comunitária,
ranças da cooperativa do MST e tem a credibilidade, amizade e relações de
concordância de diversos órgãos do go- confiança, extensão e pesquisas agroe-
verno estadual. Entre os objetivos e de- cológicas, manejo adaptativo, além de
9
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

legislação apropriada e fiscalização efe- ainda resta está no Parque Estadual Mor-
tiva. Buscamos, assim, uma harmonia ro do Diabo 37 mil hectares e em al-
agroecológica na interface entre assen- guns fragmentos em propriedades priva-
tamentos rurais e remanescentes de Mata das. Ainda como conseqüência do modo
Atlântica e, portanto, o desenvolvimen- de ocupação da Reserva do Pontal, hou-
to de uma reforma agrária ambiental e ve grande concentração de terras
economicamente mais sustentável para devolutas em poder de poucos fazendei-
a região do Pontal. ros.
Atualmente, ocorre um segundo
processo de ocupação territorial movi-
Contexto social, luta pela terra
do por grupos de agricultores sem terra,
e destino dos fragmentos organizados em torno do MST. Os nú-
florestais meros atuais mostram a existência de
O Pontal do Paranapanema é uma aproximadamente 4.500 famílias assen-
das regiões mais pobres do Estado de São tadas em glebas no Pontal, ocupando um
Paulo. Localizado na confluência entre total de 38 mil hectares. Cada lote das
os rios Paraná e Paranapanema, o Pontal respectivas glebas tem em média 15 hec-
está incluído dentro dos limites do de- tares. As projeções futuras para a região
creto 750, que define legalmente os do- são de assentar 50 mil famílias em um
mínios da Mata Atlântica e regulamenta total de um milhão de hectares de terras
a sua utilização. A cobertura vegetal ori- devolutas na região.
ginal dessa região é classificada como
Toda essa ocupação, se não for fei-
Mata Atlântica do interior ou do planal-
ta com preocupações ambientais, pode
to (Floresta Estacional Semidecidual).
colocar em risco o que resta das flores-
Em 1941 e 1942, Fernando Costa, tas do Pontal. A dinâmica de ocupação
o então governador de São Paulo, de- atualmente em prática tem levado a uma
cretou toda a área oeste do Pontal como paisagem regional na qual vários frag-
Reserva de Fauna e Flora. Nos anos mentos florestais são circundados e pres-
1950, todavia, o governador Ademar de sionados por assentamentos rurais. Este
Barros distribuiu as terras da Reserva a cenário, comum na paisagem do Pontal,
seus amigos e correligionários, que ini- com assentamentos rurais “abraçando”
ciaram um processo voraz de ocupação as últimas ilhas de biodiversidade da
do solo. Devido a essa ocupação sem Mata Atlântica, desafia-nos na arte
critérios, o Pontal do Paranapanema so- emergencial de desenhar e adaptar no-
freu drástica redução em sua cobertura vos modelos de conservação capazes de
florestal, restando hoje apenas 1,85% da trazer um mínimo de sustentabilidade ao
cobertura original. A maior parte do que avanço da reforma agrária na região.

10
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

A paisagem do Pontal à luz da realizando cruzamentos sucessivos en-


biologia da conservação tre os mesmos indivíduos, o que implica
Não faz muito tempo, o Pontal era redução da diversidade genética. Dessa
uma região inteiramente coberta por flo- forma, para garantir a manutenção da
restas tropicais de valor biótico singular. diversidade e da própria existência das
Prova disso é que os remanescentes flo- espécies é necessária a utilização de uma
restais ainda abrigam uma rica e impor- abordagem que privilegie o conceito e
tante biodiversidade, com a presença de a visão de paisagem.
várias espécies endêmicas ou ameaça- Esse conceito da biologia da con-
das de extinção, como o mico-leão-pre- servação é cada vez mais utilizado pe-
to (Leontopithecus chrysopygus), a anta las organizações ambientalistas atuantes
(Tapirus terrestris), o macuco (Tinamus na região, com destaque para o IPÊ, que
solitarius) e a onça pintada (Panthera há mais de 12 anos dedica-se à conser-
onca). vação da diversidade biológica na re-
Na região predomina o grande la- gião.
tifúndio de pecuária extensiva. A ocu- Para que os esforços em prol da
pação desordenada combinada com a conservação de espécies da fauna e da
fragilidade dos solos, a concentração de flora dêem resultados, apenas a manu-
chuvas num período curto do ano e a tenção dos fragmentos que restaram e
exposição das encostas produziram um do próprio Parque Estadual Morro do Di-
dos cenários mais degradados do esta- abo são insuficientes. Isto não garante o
do do ponto de vista ambiental. Com o fluxo genético que muitas espécies ne-
tempo, verificou-se a perda gradual da cessitam para sua viabilidade no longo
área florestada da Grande Reserva do prazo. Torna-se necessário implantar cor-
Pontal. Restam hoje pouco mais de 37 redores florestais que contribuam com
mil hectares no Parque Estadual Morro o fluxo dos genes e minimizem o isola-
do Diabo, localizado no município de mento das espécies animais e vegetais.
Teodoro Sampaio, e cerca de 15 mil hec- Além disso, é preciso garantir a integri-
tares em fragmentos de diversos tama- dade dos fragmentos que ainda existem,
nhos espalhados pela região. principalmente o Parque do Morro do
Essa situação de isolamento dos Diabo, pois nele estão essas últimas “se-
fragmentos compromete a manutenção mentes de biodiversidade” da região.
da diversidade biológica de algumas es- Uma das formas de garantir a inte-
pécies de árvores e animais. É necessá- gridade dessas áreas é protegê-las dos
rio um número mínimo de indivíduos impactos externos provenientes da ação
para garantir a manutenção genética das humana, como o fogo, a retirada de ma-
espécies, que ao longo do tempo vão deira e a caça, o que pode ser consegui-

11
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

do por meio de zonas de amortecimen- agroflorestais como zonas de amorteci-


to (buffer zones). mento, amenizadores da degradação das
Essas duas estratégias (corredores bordas dos fragmentos florestais.
biológicos e zonas de amortecimento) Do ponto de vista biológico, um dos
estão sendo implementadas por meio do principais benefícios dessas zonas de
Projeto Abraço Verde nos assentamen- amortecimento seria a redução dos efei-
tos Ribeirão Bonito e Tucano. Os assen- tos de borda. Esses efeitos podem pene-
tados participam ativamente da implan- trar até 500 metros para o interior dos
tação dessas estratégias. Para a zona de fragmentos, ocasionando mudanças de
amortecimento, os assentados que fazem microclima, afetando a integridade eco-
divisa com o Parque destinaram uma fai- lógica das florestas e levando os fragmen-
xa de aproximadamente 50 metros de tos ao desaparecimento. “Abraçando”
largura para plantios consorciados de es- esses remanescentes florestais com
pécies florestais nativas e exóticas. As módulos agroflorestais, reduzimos os
famílias concordaram também em possíveis efeitos negativos das pastagens
disponibilizar uma área para a criação e/ou roças agrícolas de campo aberto em
do corredor, que liga o Parque a um frag- seu entorno.
mento florestal do assentamento. Do ponto de vista econômico e so-
No Pontal do Paranapanema existe cial, a exploração desta zona agroflores-
necessidade imediata e condições eco- tada proporciona um espaço produtivo
lógicas e sociais favoráveis para um pro- e diversificado para as comunidades ru-
grama agroflorestal, com fins de restau- rais vizinhas, além de uma provável re-
ração de paisagens fragmentadas. Neste dução nos conflitos entre a fauna e flora
sentido, o Abraço Verde vem incorpo- presentes nos fragmentos florestais e os
rando a diversificação das atividades assentamentos rurais do entorno.
produtivas nos assentamentos, a conser-
vação do solo e da água, bem como de
espécies e populações desse ecossiste- Área de concentração do
ma ameaçado. projeto
Os assentamentos rurais Tucano e
Ribeirão Bonito são ótimos exemplos da
Agrofloresta e biodiversidade dinâmica da ocupação de terras na re-
Pouca atenção tem sido dada ao gião. Há três anos várias famílias foram
papel e ao grande potencial que os sis- assentadas no entorno desses fragmen-
temas agroflorestais desempenham na tos florestais, que estão biologicamente
conservação de reservas florestais em entre os mais significativos da região. O
paisagens fragmentadas. Uma das ma- fragmento florestal da Gleba Ribeirão
neiras de fazê-lo é utilizando módulos Bonito, com seus 400 hectares, e o da
12
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

Gleba Tucano, com seus quase dois mil um projeto modelo de econegociação
hectares, ainda abrigam muitas espéci- com a comunidade e incorporando flo-
es endêmicas e ameaçadas, como por restas sociais nesses assentamentos.
exemplo, uma das últimas populações
remanescentes do mico-leão-preto
(Leontopithecus chrysopygus), um dos Ações envolvem diferentes
primatas mais ameaçados de extinção do atores
mundo. Cada família de assentado rural O projeto acima citado resulta de
possui um lote de 15 hectares em mé- uma parceria com grupos de assentados
dia. Metade do lote é normalmente usa- e lideranças do MST, por meio da Coo-
da para uma agricultura de subsistência perativa de Comercialização e Prestação
(milho, algodão, mandioca, arroz, feijão, de Serviços dos Assentados de Reforma
amendoim) e a outra metade destina-se Agrária do Pontal – Cocamp, com o Es-
a uma pecuária leiteira de pequena pro- tado (Instituto Florestal – IF/SMA, Uni-
dução. versidade de São Paulo – ESALQ/USP, e
Instituto de Terras do Estado de São Pau-
Devido à má conservação do solo,
lo – ITESP), além das ONG’s Associação
à falta de um extensionismo adequado
de Recuperação Florestal do Pontal do
e à carência de um modelo de desen-
Paranapanema – Pontal-Flora, e Associ-
volvimento apropriado, a agricultura e
ação em Defesa do Rio Paraná, Afluen-
pecuária são pouco produtivas nessas
tes e Mata Ciliar – Apoena.
glebas. Por isso, a maioria das famílias
permanece em constante luta por suas
necessidades básicas de subsistência. Reestruturação e ampliação do
Por outro lado, importantes frag- viveiro do Parque Estadual
mentos de mata vizinha são altamente Através de um trabalho conjunto
vulneráveis às constantes incursões de entre o IPÊ e o Parque Estadual Morro
gado, plantas invasoras, cipós, fogo, que- do Diabo, este viveiro foi implantado em
da de árvores e dissecações provocadas junho de 1998. Está localizado na sede
pelo vento, tudo isso como conseqüên- do Parque, no município de Teodoro
cia de bordas expostas e desprotegidas. Sampaio. Até o início das atividades do
Aos poucos, essas erosões antrópicas projeto, a sua capacidade média era de
estão consumindo os fragmentos e afe- três mil mudas/ano. Com o financiamen-
tando sua integridade ecológica. Para to do PDA, toda a estrutura de produção
amenizar a degradação ambiental e a de mudas do viveiro passou para o siste-
pobreza rural que caracterizam alguns ma de tubetes, aumentando sua capaci-
pontos da região, estamos implantando dade para 150 mil mudas/ano.

13
Jefferson F. Lima Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

Viveiro Agroflorestal do Parque Estadual Morro do


Diabo

Atividades e resultados

A lém da produção e do forne-


cimento de mudas de manei-
ra contínua e não burocrática para a im-
vido um cronograma de frutificação das
espécies arbóreas para indicar a época
específica de coleta das sementes para
plantação dos módulos agroflorestais nos cada espécie. Além das espécies nativas,
assentamentos, o viveiro do Parque Es- coletam-se sementes de espécies exóti-
tadual tem funcionado como uma esco- cas com potencial de uso em agroflo-
la, onde são ministradas aulas práticas restas. Após a coleta, uma parte dessas
de cursos agroflorestais. Lá trabalham em sementes é beneficiada e encaminhada
tempo parcial quatro funcionários que para o viveiro central do Instituto Flo-
direta ou indiretamente prestam os se- restal, na cidade de São Paulo. O restan-
guintes serviços: te é armazenado em recipientes plásti-
• Coleta de sementes de espécies com cos e acondicionado em um freezer, a
potencial agroflorestal uma temperatura média de 8oC, sendo
utilizado para abastecer o viveiro agro-
Esta atividade vem sendo realiza- florestal do Parque Estadual Morro do
da nas matas e imediações do Parque Diabo.
Estadual Morro do Diabo. Foi desenvol-
14
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

Tabela 01. Características das principais espécies produzidas pelo viveiro agroflorestal do Par-
que Estadual Morro do Diabo.

Não-frutíferas
PRINCIPAL FUNÇÃO
ESPÉCIES PERMANENTES COLETA DE SEMENTES
AGROFLORESTAL
Acácia (Acacia mangium) LE, PO, QV, CS, TO Novembro-Dezembro
Albizia (Albizia lebeck) LE, OR, A, AP, AV, CS, FA, FS Outubro-Fevereiro
Alecrim (Holocalyx balansae)* MD, FA, OR Dezembro-Fevereiro
Angico-branco (Anadenanthera
MD, CS, LE, TO, FS, ME Julho-Agosto
colubrina)*
Angico-do-cerrado (A. macrocarpa)* MD, CS, LE, TO, FS, ME Agosto-Setembro
Cabreúva (Myroxylun peruiferum) * MD Outubro-Novembro
Café-de-bugre (Cordia ecalyculata) * MD, OR, AS, FS, FA Janeiro-Março
Canafístula (Cassia ferruginea) * A, MD, LE, QV, CS, AV, OR, ME Abril-Maio
Cedro (Cedrella fissilis) * MD, AP, LE Junho-Agosto
Coração-de-negro (Poecilanthe
MD, OR Abril-Maio
parviflora)*
Eucalipto (Eucalyptus spp) LE, MD, ME, PO, QV, AS, TO, FA Junho-Dezembro
Farinha-seca (Albizia hasslerii) * LE, AS, A, AV, MD, OR Setembro-Outubro
Gliricídia (Gliricídia sepium) A, AP, MD, LE, AV, CP, CS, AS, CV Junho-Setembro (Estacas)
Guapuruvu (Schizolobium parahyba) OR, FA, AP Abril-Junho
Gurucaira (Peltophorum dubium)* MD, AS, OR, FA Abril-Maio
Ipê-amarelo (Tabebuia chrysotricha) * MD, OR, FA, AP Setembro-Outubro
Ipê-amarelo (Tabebuia ochracea ) * MD, OR, FA, AP Setembro-Outubro
Ipê-roxo (Tabebuia heptaphylla) * MD, OR, FA, AP Setembro-Outubro
Ipê-tabaco (Zeyheria tuberculosa) * MD, OR Julho-Setembro
Jacarandá-mimoso (J. cuspidifolia)* OR, FA, MD Agosto-Setembro
Louro-pardo (Cordia trichotoma)* MD, OR, AS, FS Julho-Setembro
Óleo-de-copaíba (Copaifera
ME, OR Agosto-Setembro
langsdorffii)*
Pau-marfim (Balfourodendron Agosto-Setembro
MD, LE, OR
riedelianum)*
Pau-jacaré (Piptadenia gonoacantha) * MD, LE, ME, AP Setembro-Outubro
Paineira (Chorisia speciosa) * OR, FA, FI Agosto-Setembro
Pau-de-tucano (Vochysia tucanorum)* OR, FA, MD Janeiro-Março
s

15
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

Futíferas

* Presentes na flora do Parque Estadual Morro do Diabo e outras florestas da região do Pontal

16
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

A = Alimentação/forragem animal GO = Goma


AP = Apicultura HU = Consumo humano
AS = Árvore sombra/consórcio LE = Lenha
AV = Adubação verde MD = Madeira/construção
CP = Controle pragas ME = Medicinal
CS = Conservação solo OL = Óleo
CV = Cerca viva OR = Ornamental
FA = Uso faunístico PO = Madeira polpa
FI = Fibra QV = Quebra-vento
FS = Fertilidade solo TO = Madeira/toras

17
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

• Setor de sementes
Este setor é responsável
pelo armazenamento, bene-
ficiamento e envio de se-
mentes e frutos para o Insti-
tuto Florestal de São Paulo e
assentamentos vizinhos.
Nele são ministradas aulas
práticas sobre a implantação
e condução de viveiros agro-
florestais comunitários. Du-
rante as aulas práticas, os as-
sentados recebem treina-
mento em escolha do terre-
no; visão geral do viveiro;
uso de ferramentas, recipien-
tes, mistura da terra, semen-
tes, matéria orgânica, quebra
da dormência; formação de
sementeira; replantio; forma-
ção das mudas; abertura de
covas; espaçamentos; poda
de limpeza e raleio.
• Produção de mudas
Jefferson F. Lima

No setor de sementes agroflorestais do Parque


Estadual ocorrem as aulas práticas para implantação A principal forma de
de viveiros nos assentamentos
propagação ocorre por
meio de sementes. Os re-
Espécies que perdem o poder cipientes utilizados pelo viveiro do
germinativo muito rápido, como Ficus e Parque Estadual são os tubetes (95%)
Inga, são conservadas em banco de plân- e os sacos plásticos (5%). A escolha
tulas, em estufas apropriadas. Durante o
do sistema de produção baseia-se na
processo de produção das plântulas em
germinação da semente e no sistema
estufas, procura-se controlar os fatores
ambientais desfavoráveis para algumas radicular da espécie. Para encher os
espécies. Posteriormente, essas plântu- tubetes, utiliza-se substrato à base de
las são transplantadas para tubetes ou sa- vermiculita expandida (bioterra), ad-
cos plásticos definitivos. quirido comercialmente.

18
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

Tabela 2. Espécies produzidas no viveiro agroflorestal do Parque Estadual Morro do Diabo no


período de março a dezembro de 2000.

ESPÉCIE QUANTIDADE
Acácia (Acacia mangium) 11.000
Acerola (Malpiguia glabra) 196
Alecrim (Holocalyx balansae) 216
Angico-preto (Anadenanthera falcata) 864
Angico-vermelho (Parapiptadenia rigida) 216
Bacupari (Rhedia sp) 224
Café-de-bugre (Cordia ecalyculata) 390
Carambola (Averrhoa carambola) 600
Cedro (Cedrella fissilis) 800
Copaíba (Copaifera langsdorffii) 216
Eucalipto (Eucalyptus camaldulensis) 13.500
Eucalipto (Eucalyptus citriodora) 2.600
Eucalipto (Eucalyptus urograndis) 6.300
Farinha-seca (Albizia hasslerii) 162
Goiaba (Psidium sp) 150
Goivira (Patagonula americana) 756
Grumixama (Eugenia brasiliensis) 288 19

Guapuruvu (Schizolobium parahyba) 75


Gurucaia (Peltophorum dubium) 1.100
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

Em quinze meses, foram produ- • estimular a produção de bens


zidas cerca de 45 mil mudas de 27 (frutos, madeiras, lenha, mel, er-
espécies diferentes. O tempo máximo vas medicinais, matéria orgâni-
de permanência das mudas no vivei- ca, forragem etc.) e serviços
ro é de cinco meses. Atualmente a pro- (conservação e fertilidade do
solo e da água, restauração e
dução está centrada principalmente
conservação da paisagem regio-
nos meses de junho a outubro, aprovei-
nal, aumento da produtividade
tando-se assim, o período das chuvas agropecuária, diversificação das
de novembro a fevereiro para a implan- atividades produtivas, aceiros,
tação dos módulos agroflorestais nos as- quebra-ventos, cerca viva, lazer);
sentamentos.
• estimular a implantação de vi-
veiros agroflorestais comunitári-
Cursos agroflorestais os por meio do plantio de espé-
O objetivo geral dos cursos agro- cies com potencial agroflorestal
florestais é promover a integração entre na região;
o desenvolvimento sócio-econômico dos • contribuir com a formação de
assentamentos rurais e a manutenção da agentes disseminadores – técni-
diversidade biológica na paisagem do cos e lideranças locais – por
Pontal do Paranapanema. Busca-se, as- meio do envolvimento comuni-
sim, uma reforma agrária ecologicamen- tário, em busca de soluções para
te sustentável nos assentamentos rurais. os problemas agro-ambientais
Os objetivos específicos desses cursos locais e regionais;
são: • avaliar o projeto de maneira sis-
• disponibilizar informações agro- temática e contínua;
ecológicas e conceitos básicos • disseminar os resultados obtidos
de biologia da conservação para para outras regiões onde o avan-
grupos e lideranças dos assenta- ço da reforma agrária ameaça a
mentos de reforma agrária; biodiversidade regional.
• promover a extensão agroflores-
Os cursos têm duração de dois dias.
tal por meio do estímulo à ado-
As aulas teóricas são administradas no
ção de práticas de manejo agro-
centro de visitantes do Parque. Por meio
ecológico em lotes rurais que
de slides e vídeos, os participantes en-
incorporam conceitos de agroflo-
tram em contato com os vários benefíci-
resta, diversificação e sustenta-
os proporcionados pela agrofloresta. As
bilidade da produção;
exposições reforçam a importância do
consórcio de espécies, enfatizando com-
20
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária
Laury Cullen Jr.

Os cursos mobilizaram as famílias cujos lotes fazem


limite com o Parque, assim como extensionistas que
atuam como multiplicadores das informações

binações que aumentem as interações Mostra-se também que tudo isso


econômicas e ecológicas entre os com- está associado ao aumento da diversifi-
ponentes. Discutem-se os seguintes atri- cação, da sustentabilidade dos sistemas
butos positivos da agrofloresta, quando de produção, contribuindo para a inte-
comparados às monoculturas de baixo gridade dos ecossistemas e a conserva-
rendimento implantadas na região: ção da biodiversidade regional.
• melhoria do microclima; Inicialmente 40 famílias de assen-
• melhoria da ciclagem de nutrientes; tados das áreas de concentração do pro-
jeto foram convidadas para participar do
• aumento da fertilidade e
curso. O critério de escolha baseou-se
porosidade do solo e do compo-
no fato das famílias possuírem seus lotes
nente matéria orgânica;
próximos, em muitos casos dividindo a
• aumento do volume explorado mesma cerca com a borda dos fragmen-
de solo; tos. Para tanto, um convite foi elaborado
• economia de fertilizantes; e distribuído em mãos. Técnicos da co-
operativa do MST e do ITESP, sediados
• proteção contra o impacto das
em Teodoro Sampaio participaram des-
chuvas;
te curso, pois são eles os responsáveis,
• proteção contra o vento; em grande parte, pela extensão rural ofi-
• barreira e controle de pragas. cial nos assentamentos do MST.
21
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

Viveiros agroflorestais O uso futuro que o agricultor deseja fa-


comunitários zer da área em questão definirá quais
espécies arbóreas, desenhos e espaça-
Como resultado dos cursos de ca-
mentos serão utilizados.
pacitação, foram instalados, até o mo-
mento, 13 viveiros agroflorestais comu- A espécie arbórea é escolhida em
nitários nos assentamentos do Pontal, função do seu uso (lenha, madeira, pas-
cada um com capacidade média de 20 to, adubação do solo, sombra etc.). O
mil mudas/ano. Vale ressaltar que vários espaçamento é definido em função do
dos assentados e técnicos capacitados tempo que o agricultor deseja usufruir
durante os cursos já estão funcionando deste consórcio. Assim, quanto maior o
como agentes multiplicadores, principal- período de utilização, maior o espaça-
mente entre os grupos de famílias que mento e vice-versa. Para implantação
instalaram os viveiros agroflorestais co- inicial dos módulos agroflorestais, optou-
munitários. Servem como pólos de dis- se por preparar a terra considerando uma
seminação da cultura agroecológica na área média de aproximadamente meio
região e de estímulo na participação de a um hectare por lote.
muitos outros assentados rurais da re- As árvores raramente aparecem
gião. como elemento principal do lote do as-
sentado. O elemento arbóreo é utiliza-
Diagnóstico nos lotes das do em geral como cerca viva, oferecen-
do sombra e embelezamento para os
famílias
lotes, sendo que o Eucalyptus sp e a
Os primeiros seis meses foram de- Acacia mangium são as espécies mais
dicados ao planejamento em campo dos empregadas. Apesar disso, tais famílias
módulos e sistemas agroflorestais a se- mostraram-se dispostas a adotar o uso
rem adotados pelos participantes. Com de práticas agroflorestais se houver estí-
exceção de uma única família de assen- mulo e capacitação para isto.
tados, as demais visitadas não utilizavam
práticas agroflorestais. Os sistemas agroflorestais podem
contribuir para solucionar problemas no
A escolha do desenho, assim como
uso dos recursos naturais devido às fun-
a forma de implementação de cada
ções biológicas e sócio-econômicas que
módulo agroflorestal, dependem de um
exercem. A presença de árvores no sis-
bom diagnóstico da área, de discussões
tema traz benefícios diretos e indiretos,
e negociações com as famílias assenta-
tais como o controle da erosão e manu-
das. Planejamos com o assentado e não
tenção da fertilidade do solo, aumento
para o assentado, buscando possibilitar
da biodiversidade, diversificação da pro-
a adaptação e modificação desses mo-
dução e alongamento do ciclo de ma-
delos agroflorestais às condições locais.
nejo de uma área.
22
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária
Jefferson F. Lima
Laury Cullen Jr.

Área preparada para a implantação de SAFs


“abraça” os limites do Parque Estadual

Entre outubro e dezembro de 2000 tecnologias necessárias, mais adequadas


foram distribuídas mudas para os assen- e aceitas por eles.
tados participantes, considerando sem- Essa negociação é sempre realiza-
pre o diagnóstico de campo, assim como da de maneira adaptativa, ou seja, está
o planejamento prévio realizado com as em constante avaliação, com ajustes e
famílias. reformulações, visando melhor sintonia
entre as partes envolvidas. Extensionistas
que trabalham com sistemas agroflores-
Extensão agroflorestal
tais precisam ter conhecimentos tanto
No Brasil, as ações extensionistas
sobre árvores quanto sobre o comporta-
concentram-se em serviços de assesso-
mento das pessoas. Isso significa, por
ria a agricultores no campo da produ-
exemplo, conhecer o papel de homens,
ção agropecuária. Cabe ao extensionista
mulheres e crianças no plantio, manuten-
desempenhar um papel meramente in-
ção e manejo dos sistemas implantados.
formativo sobre as tecnologias disponí-
veis. Entretanto, uma extensão eficaz A equipe de extensionistas do Pro-
baseia-se na discussão participativa e, jeto Abraço Verde é composta por um
muitas vezes, na negociação com os engenheiro florestal e um técnico agrí-
agricultores, definindo e desenvolvendo cola. Estes profissionais visitam semanal-

23
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

mente os locais de implantação dos ta, deve-se pensar num progra-


módulos agroflorestais para identificar e ma de longo prazo e na maneira
solucionar problemas inesperados e ve- como os agricultores percebem
rificar as dificuldades que se apresentam. o custo, o esforço ou o risco as-
Discutem com os assentados soluções sociados a novas práticas. Estes
mais adaptadas, focando não somente a fatores em geral impedem uma
produção, mas também a sustentabilida- rápida adesão à nova tecnologia;
de ecológica dos sistemas de produção. • “escutar” também com os olhos
Os extensionistas sempre buscam para verificar como é a reação
conselhos de outros profissionais da área. dos agricultores às novidades;
Utilizam também o conhecimento, a • aprender com os agricultores:
experiência e a prática dos agricultores pode-se aprender muito mais
por meio de conversas informais em que sobre o que é necessário para
se discutem práticas mais eficazes, bara- ajudá-los a solucionar seus pro-
tas e compatíveis com a realidade local blemas. Por exemplo: pedir aos
de cada participante. Este conhecimento agricultores a descrição de árvo-
é repassado para os demais agricultores. res “boas” e “ruins” para seus
Geralmente, antes de aceitar uma lotes ou sugestões para proteger
nova prática, os agricultores precisam mananciais;
estar convencidos de que: • comunicar de forma eficaz: ter
• a inovação aumentará a relação clareza sobre o que se quer e o
custo-benefício em comparação que se espera do agricultor, sem-
com as práticas vigentes; pre tendo em mente o que este
• a nova tecnologia é menos tra- sente e precisa;
balhosa; • trabalhar junto aos líderes de
• os resultados da nova prática são grupos: os líderes já possuem a
visíveis; confiança do grupo. Portanto, se
estes conhecerem e adotarem as
• o agricultor poderá testar a ino- novas tecnologias, será mais fá-
vação numa escala limitada, ou cil a adesão dos demais agricul-
seja, numa área pequena. tores. As lideranças agem como
Por tudo isso, uma extensão agro- multiplicadores de novas idéias
florestal eficaz demanda: e tecnologias.
• paciência: para introduzir novos
sistemas, como os da agroflores-

24
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária
Jefferson F. Lima

A cooperação técnica com o Parque Estadual


garante suprimento contínuo de mudas para
implantação dos sistemas agroflorestais

Condições para o desenvolvimento do projeto

A existência de uma cooperação


técnica entre o IPÊ e o Parque
Estadual Morro do Diabo tem funciona-
vez que nesta parceria estão diversos
profissionais com experiência em ativi-
dades semelhantes às aqui propostas. A
do como a grande alavanca do Projeto Cocamp tem três técnicos de nível su-
Abraço Verde. O viveiro agroflorestal perior, além de sete extensionistas de
recém instalado no Parque Estadual tem campo e uma infra-estrutura já organi-
suprido de maneira contínua e não bu- zada para prestar serviços agronômicos
rocrática a demanda por mudas neces- em campo. O constante contato entre
sárias à implantação dos módulos agro- os técnicos da Cocamp e os do IPÊ é mais
florestais. Existe também na região um uma condição favorável para os freqüen-
convênio oficial firmado entre o IPÊ e a tes ajustes no projeto.
Cocamp/MST. Por meio deste convênio A necessidade do cumprimento das
são prestados serviços técnicos comple- leis ambientais e das normas do Institu-
mentares às atividades do projeto, uma to Nacional de Colonização e Reforma

25
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

Agrária – Incra, que obrigam os projetos desenvolvimento do projeto. Essas deter-


de assentamento rural terem no mínimo minações legais servem para fortalecer
20% de sua área ocupada com plantios as intenções dos assentados rurais, bem
florestais para fins sociais, econômicos como das instituições participantes em
e/ou ecológicos, é também uma das prin- estabelecer módulos agroflorestais nas
cipais condições externas positivas ao propriedades.

26
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária
Jefferson F. Lima

Culturas anuais e espécies exóticas de valor


comercial, como o eucalipto, compõem os
sistemas junto com espécies florestais nativas

Lições aprendidas até o momento

A s atividades realizadas até o


momento conduziram às se-
guintes aprendizagens:
• a aproximação com a comuni-
dade deve basear-se em amiza-
de, carisma e, principalmente,
• é necessário um planejamento em credibilidade e confiança. O
cuidadoso do cronograma de sa- assentado deve participar ativa-
ída das mudas do viveiro para o mente das discussões, pois o
campo, para que isto ocorra no empoderamento da comunidade
período chuvoso (novembro a fe- é garantia da continuidade dos
vereiro); modelos agroflorestais mesmo
• algumas espécies não são bem após o término do projeto. A con-
aceitas pelos assentados, seja por servação da natureza só será pos-
crendices ou por falta de infor- sível se as pessoas se sentirem
mação. Isto demanda dos exten- capazes de realizar algo;
sionistas maiores esclarecimen- • os assentados são receptivos às
tos sobre as vantagens de usá-las; novas idéias e propostas, apesar
27
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

da resistência às mudanças, na- Dificuldades encontradas


tural em comunidades rurais sem Entre as aprendizagens propociadas
experiência e cultura agroflores- pelo Projeto estão também alguns obs-
tal; táculos à consecução dos objetivos. En-
• são necessárias qualidades tre eles, podemos citar:
como paciência, persistência e • oscilações climáticas, principal-
presença constante, pois este é mente geadas, que dificultam a
um trabalho de longo prazo em adoção da prática agroflorestal;
um assentamento com diferentes
• o controle de pragas, principal-
realidades, origens e ambições;
mente de formigas. Procuramos
• a mulher, na maioria dos casos, minimizar este problema com o
participa amplamente das ativi- fornecimento de defensivos agrí-
dades agroflorestais; colas e plantio de espécies repe-
• os módulos agroflorestais so- lentes;
mente são implantados se esti- • inexistência de referências con-
verem associados a, pelo menos, vincentes (estudos e sistemas
uma espécie de valor econômi- agroflorestais) para os agriculto-
co, como por exemplo, eucalip- res na região;
to e café;
• parcerias em que as instituições
• deve-se trabalhar junto aos líde- demonstram dificuldade em tra-
res de grupos, fazendo com que balhar juntas, mesmo em proje-
estes se tornem disseminadores tos semelhantes e com o mesmo
de idéias; público;
• a visita aos módulos agroflores- • o fato de muitos assentados, para
tais já implantados e que apre- sobreviver, prestarem serviços
sentam resultados satisfatórios é em lotes vizinhos, sem dispor de
uma das melhores maneiras de tempo para cuidar atenciosa-
convencer a população a adotar mente do seu próprio lote.
a prática agroflorestal.

28
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária
Jefferson F. Lima

A intensa relação entre técnicos, pesquisadores e


assentados propicia o surgimento de novos
padrões de comportamento

Conclusões sobre as ações coletivas


do projeto

A s atividades realizadas até o


momento permitem elaborar
algumas conclusões parciais sobre a re-
tureza, por conseqüência) não mais um
entrave às suas atividades, mas uma pos-
sibilidade de alcançar melhores resulta-
alidade dos assentamentos e sua relação dos individuais e coletivos.
com o Parque Estadual Morro do Diabo. Os ambientalistas, por sua vez, co-
A primeira delas é que a intensa meçam a compreender que existe um
relação entre técnicos, pesquisadores e enorme potencial de conservação se os
assentados está levando ao surgimento assentados participam das decisões so-
de uma racionalidade social e ambien- bre o futuro das florestas da região. Se
tal com novas normas de comportamen- antes enxergavam nessas comunidades
to. Isto influencia a maneira como cada um perigo para a manutenção da inte-
um desses atores visualiza a própria gridade das florestas, agora concebem
ação. Os assentados começam a enxer- os assentados como importantes aliados
gar nos ambientalistas (e na própria na- da conservação ambiental.
29
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

Para o movimento social, as ativi- condições, vai aos poucos sendo deixa-
dades ambientais promovem ganhos em da de lado. Em um dos seminários de
qualidade de vida, que é, em última ins- troca de experiência, os assentados fo-
tância, o seu objetivo principal. Ou seja, ram capazes de elencar seis maneiras de
tiram os agricultores sem terra da exclu- controlar formigas sem o uso de inseti-
são, inserindo-os em um ambiente ca- cidas.
paz de lhes garantir melhores condições Outra conclusão a que se chega é
de vida. Como muitas atividades são re- que, se num primeiro momento foi ne-
alizadas de forma coletiva, o movimen- cessário o estímulo de um agente exter-
to social vislumbra nestas uma aprendi- no ao assentamento para iniciar a dis-
zagem para a ação cooperativa que pode cussão sobre a questão ambiental, aos
ser utilizada em outras ações, não só eco- poucos os assentados vão ganhando
nômicas, mas também políticas. maior autonomia neste terreno. Uma vez
A experimentação de técnicas me- que o seu conhecimento é valorizado,
nos impactantes do ponto de vista am- eles sentem-se encorajados a disseminar
biental, abre caminho para a experimen- para outros assentamentos as idéias de
tação de outras técnicas, como a produ- conservação, por meio de visitas de ou-
ção orgânica de alimentos ou o contro- tros grupos às áreas já implantadas. Con-
le biológico de invasoras e pragas da la- forme sintetizado por Beduschi (2001),
voura. Gradualmente percebe-se que a essa emancipação pode ser a garantia
crença segundo a qual só se consegue de sustentabilidade do processo que está
produzir com a utilização dos recursos em curso, e deve ser cada vez mais esti-
da moderna indústria química e mecâ- mulada pelos pesquisadores e técnicos
nica, geralmente inacessíveis às suas das organizações envolvidas.

30
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária
Jefferson F. Lima

O compromisso da família assentada aumenta na


mesma medida do investimento em trabalho que
realiza

Considerações e recomendações finais

A primeira constatação é de que


vários dos assentados já domi-
nam as técnicas de produção de mudas
Gostaríamos de frisar que a cons-
trução de novas instituições para a con-
servação da natureza numa realidade tão
agroflorestais e incorporam conceitos e complexa como a do Pontal do Parana-
princípios no seu cotidiano. Se é um fato panema exige um freqüente esforço de
que as mudas estão sendo implantadas diálogo e negociação envolvendo todos
e cuidadas pelos assentados, é fato tam- os atores sociais de alguma maneira re-
bém que o comprometimento aumenta lacionados à problemática ambiental na
na medida dos investimentos que cada região, desde as organizações de assen-
família realiza, conforme se pode cons- tados, passando pelo Estado e chegan-
tatar nesses primeiros meses de implan- do às famílias.
tação. Isto é, quanto maior o investimen- A continuação dos trabalhos atual-
to, principalmente de trabalho, maior é mente desenvolvidos no Projeto Abraço
o grau de compromisso com a questão Verde pode representar o possível elo de
ambiental nos assentamentos. ligação entre a conservação de ecossis-

31
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

temas e uma nova postura de atuação • prossiga sempre com determi-


dos envolvidos com a reforma agrária em nação e comportamento pro-ati-
nosso país. As ações desenvolvidas apre- vo;
sentam um caráter demonstrativo inova- • sempre estimule o senso de res-
dor, pioneiro e com grande potencial ponsabilidade e compromisso
multiplicador para o Pontal do Parana- nas partes e/ou indivíduos envol-
panema e demais regiões brasileiras. vidos;
Por último, gostaríamos de ofere- • crie novas oportunidades para a
cer algumas recomendações para quem interação entre as partes envol-
deseja o sucesso em trabalhos que en- vidas;
volvem a colaboração de várias partes
interessadas: • desenvolva um processo de co-
laboração que tenha um signifi-
• reconheça, que muitas vezes, as cado comum, que seja objetivo,
parcerias ocorrem entre pessoas efetivo e duradouro, mantido
e não entre instituições; sempre por uma forte relação de
• mobilize suporte e recursos de confiança entre as partes e/ou
diversas fontes; indivíduos envolvidos.

32
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

Bibliografia recomendada

BEDUSCHI FILHO, L. C. 2001. Sociedade, natureza e reforma agrária: assentamentos e unidades de conserva-
ção. Relatório Científico Parcial (FAPESP).
BUDOWSKI, G. 1985. Aplicabilidade de los sistemas agroflorestales. Venezuela Forestal, v.8, n.2, p.2-14.
BUNCH, R. 1994. Duas espigas de milho: uma proposta de desenvolvimento agrícola participativo. Rio de Janei-
ro: AS-PTA. 221p.
CULLEN Jr., L. 2000. “Pontal do Paranapanema: reforma agrária com conservação”. Ciência Hoje, v.28, n.164,
p.68-71.
CULLEN Jr., L.; BEDUSCHI FILHO, L.C. & RODRIGUES, F.Q. 1999. “Reforma Agrária com Reforma Agroecológica”.
Boletim Agroecológico, ano III, n. 14, p. 8-9.
DUBOIS, J.C.L. 1989. Agroflorestas: uma alternativa para o desenvolvimento rural sustentado. Informativo Agro-
florestal, REBRAF, v.1, n.4, p. 1-7.
LEITE, J.F. 1998. A ocupação do Pontal do Paranapanema. São Paulo: Hucitec, Fundação UNESP.
LIMA, W.P. 1983. Impacto ambiental do eucalipto. São Paulo: EDUSP. 301p.
NAIR, P.K.R. 1985. “Classification of agroforestry systems”. Agroforestry Systems, Dordrecht, v.3, p. 97-128.
NAIR, P.K.R. 1984. “Soil produtivity aspects of agroforestry”, Science and Practice of Agroforestry, Nairobi, n.1,
ICRAF. 85p.
OTS/CATIE 1986. Sistemas Agroforestales: principios y aplicaciones em los tropicos. San Jose: Organización para
Estudios Tropicales/CATIE. 818p.
REIJTJES, B.; HAVERKORT, B. & WATERSBAYER, A. 1994. Agricultura para o futuro: uma introdução à agricultura
sustentável e de baixo uso de insumos externos. Rio de Janeiro: AS-PTA. 324p.
WONDOLEECK, J. M. & YAFFEE, S. L. 2000. Making collaboration work: lessons from innovation in natural
resource management. Island Press, Washington, DC. 276 p.

33
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

34
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

Terra Viva:
Meio ambiente e
reforma agrária na
Costa do Descobrimento
Acervo Terra Viva

Plantio de mudas na área comunitária do


Assentamento Riacho das Ostras, no sul da Bahia

Antônio de Barros Assumpção


Agrônomo, coordenador do Terra Viva
de setembro de 1995 a setembro do 2000

35
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

A incorporação de técnicas agroecológicas pelas


Acervo Terra Viva

famílias assentadas começou como uma longa


aprendizagem, iniciada em 1992 e que se
intensificou com o projeto financiado pelo PDA

Introdução

A disseminação e a adoção em larga escala de


sistemas agroecológicos de produção nas áreas de
reforma agrária da Costa do Descobrimento, no sul da Bahia,
são condições para a sustentabilidade dos assentamentos e para
a manutenção das famílias na atividade agrícola. Significa tam-
bém a chance de preservar importantes remanescentes de Mata
Atlântica no entorno dos assentamentos, em sua maior parte
incluídos nos Parques Nacionais do Descobrimento, Monte
Pascoal e Pau Brasil.
Os remanescentes florestais de Mata Atlântica no interior
dos assentamentos sofrem grande pressão de uso por agricul-
tores economicamente fragilizados e socialmente excluídos. A
demanda por novas terras para a agricultura torna-se perma-
nente por causa de tecnologias e procedimentos que degra-
dam os agroecossistemas e pela predominância de atividades
36
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

que não geram renda satisfatória para as ceiros ao longo do projeto, a participa-
famílias. Os remanescentes florestais, ção do PDA foi decisiva para orientar a
ainda que protegidos por lei, são pro- construção da matriz de planejamento
gressivamente ocupados e incorporados das ações executadas pelo Terra Viva.
aos sistemas produtivos. Com este artigo, pretendemos so-
O uso do fogo também é prática cializar os aspectos relevantes da exe-
usual, especialmente na pecuária e nas cução de projetos envolvendo a geração
monoculturas. Este procedimento é o de novos conhecimentos e o desenvol-
principal gerador de “queimadas aciden- vimento de processos de mudança nos
tais” que destróem importantes áreas sistemas de produção da agricultura fa-
protegidas, com perdas irreparáveis para miliar no extremo sul da Bahia. Nosso
a biodiversidade. Os sistemas agroeco- desejo é demonstrar a relevância desta
lógicos, ao contrário, mantêm os recur- abordagem para a consecução dos ob-
sos dos agroecossistemas e prescindem jetivos do PDA de “conservar a biodi-
do uso do fogo. Se adotados em larga versidade, reduzir as emissões de carbo-
escala, reduzem enormemente a pres- no e promover maior conhecimento de
são sobre os remanescentes florestais. atividades sustentáveis nas florestas tro-
picais”.
Na primeira parte apresentamos o
Trajetória do projeto
contexto socioambiental da região-foco
As ações do Terra Viva na região
de nosso trabalho, a planície litorânea
foram iniciadas em 1992 com a missão
do extremo sul da Bahia, no núcleo da
de contribuir com o fortalecimento da
Costa do Descobrimento. A seguir, des-
agricultura familiar por meio do desen-
crevemos os elementos estratégicos e
volvimento de sistemas agroecológicos
metodológicos desenvolvidos, assim
de produção e de preservação ambien-
como os principais resultados alcança-
tal. O exercício do fazer concreto junto
dos em nosso projeto, executado com
com agricultores e agricultoras permitiu
agricultores e agricultoras do assenta-
acumular conhecimentos e lições estra-
mento Riacho das Ostras, no município
tégicas, num processo construído conti-
do Prado, vizinho ao Parque Nacional
nuamente, que incluiu também erros e
do Descobrimento. Na terceira parte
insucessos.
apresentamos alguns temas centrais na
Em 1996, tivemos aprovado um consecução de nossos objetivos e sobre
projeto no PDA/PPG7, denominado Sis- os quais acreditamos possam assentar os
temas Sustentáveis de Produção Agríco- principais desafios para a construção de
la e de Preservação Ambiental em Áreas um modelo de desenvolvimento regio-
de Reforma Agrária. Embora tenhamos nal sustentável.
contado com apoio de importantes par-
37
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

Cenário típico da região: pastagens degradadas


exercem pressão sobre os remanescentes florestais

Contexto socioambiental
A Costa do Descobrimento pos-
sui singularidades decorrentes
dos processos históricos. A região foi
cana-de-açúcar. Isto fez com que os
ecossistemas locais se mantivessem em
elevado grau de preservação durante o
ocupada desde períodos imemoriais por período colonial.
ancestrais dos grupos indígenas tupi prai- Durante o Império, a ocupação
eiros e tapuias. Estes, com suas com vá- ocorreu lentamente em poucas vilas do
rias etnias (botocudo, pataxó e maxacali) litoral. A interiorização deu-se às mar-
já viviam nesse local quando chegaram gens dos principais rios com uma agri-
os portugueses. cultura familiar envolvendo diferentes
Com a chegada dos colonizadores povos indígenas, negros fugitivos da es-
ocorre a extração do pau-brasil, inician- cravidão, negros libertos e brancos po-
do o primeiro ciclo de exploração pre- bres. Essas características mantiveram a
datória da região. O insucesso da ocu- região à margem dos grandes ciclos da
pação no período posterior é atribuído economia nacional e permitiram a ma-
a uma associação de entraves para a im- nutenção de um enorme remanescente
plantação dos engenhos e fazendas de florestal até meados do século XX.
38
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária
Acervo Terra Viva

39
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

A partir dos anos 1950, inicia-se um presas madeireiras a se deslocar para


novo ciclo de ocupação regional. O des- novas frentes de desmatamento. Atual-
matamento nesse período decorreu da mente, a maioria atua na Amazônia,
expansão da pecuária extensiva já im- principalmente no estado do Pará. O rá-
plantada em Minas Gerais e no norte do pido declínio da atividade criou uma
Espírito Santo, caracterizando-se pela grande instabilidade social nesses cen-
exploração seletiva de madeira. Apenas tros urbanos. A crise de trabalho gerou
os grandes jacarandás eram aproveita- um grande contingente de desemprega-
dos e a mata sofria freqüentes queima- dos e o crescimento da miséria. Neste
das. Gradualmente outras madeiras fo- contexto se iniciou a luta pela reforma
ram adquirindo valor de mercado e a agrária.
abertura da rodovia BR-101, que liga o
Nordeste aos estados do Sul e Sudeste,
permitiu a expansão da atividade madei- A reforma agrária na região
reira que já vinha destruindo o norte do Os sindicatos de trabalhadores ru-
Espírito Santo. rais e, em seguida, o Movimento dos Sem
Terra - MST, passam a mobilizar a popu-
A integração com a sociedade na-
lação, organizando grandes ocupações,
cional produziu um profundo impacto
principalmente na planície litorânea,
nas comunidades tradicionais. A valori-
onde se concentravam latifúndios impro-
zação da terra transformou a lógica da
dutivos aptos para reforma agrária.
ocupação territorial indígena e das cen-
tenas de comunidades de agricultores. Com a região integrada ao cresci-
Surgem os primeiros conflitos e inicia- mento nacional, muitos e novos atores
se o processo de expulsão e esvaziamen- se inserem na dinâmica e conflituosa
to da zona rural, tendência dominante ocupação da terra: as indústrias de ce-
nas décadas seguintes. lulose, as atividades associadas ao turis-
mo e as empresas agrícolas produtoras
Durante os anos 1970, este proces-
de mamão e café. A atividade econômi-
so se acelerou, deslocando os pólos de
ca predominante continua a ser a pecu-
crescimento urbano para o eixo da ro-
ária extensiva, que ocupa cerca de 70%
dovia. Em poucos anos, pequenas cida-
do total da área da região.
des e distritos, como Eunápolis, Teixeira
de Freitas e Itabela tornaram-se grandes Nos anos recentes, o cenário tem
aglomerados humanos em torno das cen- se tornado mais favorável para a manu-
tenas de serrarias que se instalaram na tenção dos remanescentes florestais e
região. dos ecossistemas associados. Embora
não se tenha revertido o atual quadro de
O esgotamento dos recursos, ocor-
degradação, o crescimento das ações re-
rido na década de 1980, levou as em-
gionais, nacionais e internacionais re-
40
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

dundaram em atitudes concretas para finida até o momento. Mais tensa está a
defender os remanescentes da Mata relação com os fazendeiros, alguns dos
Atlântica do sul da Bahia. quais se utilizam de violência para coi-
A região ganhou status de Patrimô- bir a ação indígena.
nio Mundial e prioridade para uma ação A ocupação da terra torna a região
integrada de políticas públicas, com ên- um grande palco de conflitos entre os
fase na preservação do meio ambiente. atores sociais: sem-terra versus latifun-
Foi realizado um plano de ação coorde- diários, índios versus fazendeiros, Iba-
nado pelo Ministério do Meio Ambiente ma versus índios, índios versus sem-ter-
- MMA, dos quais algumas foram ou es- ra. A conformação definitiva da posse da
tão sendo viabilizadas, embora não no terra atualmente depende em grande
ritmo e com os recursos necessários. parte da demarcação e reacomodação
Existem grandes demandas de apoio ao dos pataxó, situação que pode se pro-
desenvolvimento sustentável e à preser- longar ainda por muitos anos.
vação nos assentamentos de reforma As áreas estratégicas mínimas pos-
agrária e nas aldeias pataxó, além de síveis para conservação estão definidas.
estruturação e gestão dos parques naci- Foram criados dois parques nacionais
onais e da implantação da Reserva nos dois últimos grandes remanescentes
Extrativista Marinha do Corumbau. Há de Mata Atlântica ainda não protegidos.
ainda grande necessidade de se desen- A área do Parque Nacional do Monte
volver programas de educação Pascoal deverá ser preservada indepen-
ambiental para todos os atores sociais dentemente da definição deste litígio.
que interagem na região. Estas áreas formam uma espécie de mo-
saico, alternando-se principalmente com
os assentamentos e as aldeias dos muni-
Indígenas no centro do cenário
cípios do Prado e Porto Seguro. Os mo-
A questão indígena ocupa hoje o
radores do entorno são atores decisivos
centro do cenário no núcleo da área. Os
no que ocorre de destruição ou preser-
pataxó demonstram uma enorme capa-
vação ambiental.
cidade de resistência étnica e cultural e
vivem um processo de reagregação e A maior ameaça aos grandes rema-
crescimento populacional. Nos últimos nescentes e a áreas menores de matas
anos ocorreram algumas “retomadas” de secundárias dispersas na paisagem é o
território indígena, eventos que marca- uso do fogo, prática comum a muitos
ram especialmente as proximidades dos sistemas de produção e que acelera a
quinhentos anos de Brasil. Em agosto de degradação dos agroecossistemas.
1999 ocorreu a retomada do Monte
Pascoal, situação que permanece inde-

41
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

Situação inicial do projeto O modo de ocupação das áreas de


Em 1995, o Terra Viva, em parceria reforma agrária determinou a implanta-
com uma articulação de 14 sindicatos ção de sistemas produtivos com baixa
de trabalhadores rurais, realizou pesqui- sustentabilidade ambiental, social e eco-
sa regional sobre a agricultura familiar. nômica que colocam em permanente
Este diagnóstico foi muito importante risco os remanescentes florestais ainda
para definir estratégias para o planeja- presentes na região.
mento do último qüinqüênio do século Uma questão com a qual nos de-
XX. Neste trabalho, visitamos 19 áreas paramos em vários assentamentos com
de reforma agrária existentes na região, até dez anos de existência foi o baixo
incluindo assentamentos regularizados grau de estruturação social. O associati-
pelo Incra e áreas ainda sem a emissão vismo ainda não foi plenamente incor-
de posse, mas cuja ocupação já estava porado na vida social, seja pela falta de
consolidada. estruturas comunitárias, seja por causa
Realizamos dezenas de reuniões, dos frágeis vínculos culturais e afetivos
caminhadas de observação das localida- entre as pessoas e das pessoas com a ter-
des e aplicamos cerca de mil questioná- ra. São profundas as diferenças em rela-
rios em entrevistas familiares. Levanta- ção a uma comunidade tradicional de
mos dados sobre a família, sistemas de agricultura familiar. A sociedade, ainda
produção, comercialização e renda, em formação, não está conseguindo
infra-estrutura local e acesso a políticas estruturar os sistemas produtivos, geran-
públicas, participação em organizações do uma situação crítica de sustentabili-
e outras informações complementares. dade.
Após este trabalho, acompanhamos o A ineficácia e a lentidão na execu-
desenvolvimento local de algumas áre- ção de políticas públicas que propicias-
as e iniciamos a execução do projeto sem condições favoráveis para o desen-
PDA no Assentamento Riacho das Os- volvimento local desses assentamentos
tras, além de projetos menores com fa- foram determinantes para a instalação de
mílias de outros assentamentos. processos com grandes problemas de
Com exceção do Assentamento sustentabilidade e geradores de fortes
Vale Verde, as demais áreas nasceram impactos ambientais.
de ocupações organizadas pelos sindi- Somente em anos recentes, o Esta-
catos dos trabalhadores e pelo MST en- do passou a operar realmente nas áreas.
tre 1986 e 1991. Após esse período, as Provocou uma mudança no cenário da
ocupações se reduziram, mas várias ou- produção, com a liberação de crédito
tras áreas foram incorporadas à reforma individual e comunitário, alguma assis-
agrária por meio do programa Cédula da tência técnica e a implantação de infra-
Terra.
42
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

estrutura local, como escolas, estradas e de chapada, um recorte de encosta e de


energia elétrica. O modo como essas leito de água.
operações foram realizadas provocou A água, claro, desempenha um pa-
novos impactos no ambiente. Houve pel essencial na reprodução cotidiana da
uma grande uniformização nos projetos família e nos sistemas de criação animal.
individuais, priorizando-se a pecuária. As habitações e quintais ocupam uma
Nesses projetos o sonho de muitos as- área de transição da chapada para a en-
sentados de ter o seu rebanho conver- costa. Há duas opções para o abasteci-
giu com o projeto associativo da Coo- mento de água: ou há um deslocamento
perativa Central de Produção de Leite e até a água, ou a água é elevada mecani-
Derivados. camente até a chapada. A elevação me-
Nas áreas de reforma agrária do cânica pode ser realizada por sistemas
extremo sul predominam os parcelamen- dependentes de fontes externas de ener-
tos em lotes individuais/familiares. Cada gia (elétrica ou combustível) ou por sis-
família é assentada em lotes com área temas hidráulicos (rodas e carneiros).
em torno de 25 hectares. A principal re- Nos primeiros anos este não era um pro-
gra que orienta o parcelamento é a dis- blema simples, pois dependia de recur-
ponibilidade de água no maior percen- sos e capacidade técnica que não foram
tual possível de lotes. Os elementos de disponibilizados pelos órgãos executo-
relevo da planície litorânea são a res da reforma agrária.
chapada, plana ou suavemente ondula-
Com a predominância dos sistemas
da, recortada geograficamente por uma
de criação de gado, as pastagens ocu-
rede pluvial predominante no sentido
param as encostas e se estenderam até a
Oeste-Leste. Dependendo da vazão dos
beira d’água. Os animais têm acesso li-
rios e bacias, que é em geral pequena,
vre aos cursos d’água, uma prática cor-
formam-se leitos em “V” ou em “U” e
rente entre os pecuaristas da região. O
encostas que variam muito em declivi-
que ocorre nos assentamentos é um es-
dade. Na região onde predominam os
pelho do que tem ocorrido na região nas
assentamentos, a diferença de nível en-
últimas décadas.
tre a chapada e o leito varia de 30 a 50
metros. O modo como as famílias ocu-
pam essa paisagem determina o grau de Um modelo fadado ao fracasso
sustentabilidade do assentamento, a con-
Não existiram parâmetros ecológi-
servação dos recursos hídricos e a pre-
cos ou orientação legal para o uso da
servação da biodiversidade presente nos
terra e dos recursos naturais disponíveis.
remanescentes da região. A maioria dos
Uma boa parte das áreas ocupadas apre-
lotes é composta por uma fatia da área
sentava grande porcentagem de matas

43
Acervo Terra Viva Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

A natureza dá sinais de esgotamento: infestação de


sapé (Imperata brasiliensis) em área escolhida
como prioritária para manejo

secundárias degradadas pelo corte sele- O passo seguinte ao desmatamento é a


tivo da madeira de valor comercial. queimada, para plantio de roça ou de
O território do Riacho das Ostras pastagens.
dispunha de 85% da área composta de As evidências do fracasso deste
capoeiras em estágios avançados e de modelo são apontadas por alguns indi-
matas secundárias. A ocupação ocorreu cadores de sustentabilidade que qualifi-
em dezembro de 1986. Somente na dé- camos nesse processo, destacando-se os
cada de 1990 o Incra concluiu a regula- referentes à dimensão ambiental:
rização dos lotes e concedeu acesso a • maior parte de áreas de preser-
crédito agrícola aos assentados. As fa- vação permanente desmatadas e
mílias permaneceram na área, passan- com destinação agropecuária.
do a sobreviver da mata, destruindo gra- Na maioria dos assentamentos,
dualmente os recursos madeireiros. A grande parte das matas ciliares
madeira que restou foi comercializada, foi destruída para a implantação
destinou-se à produção de estacas para das pastagens;
cerca e produziu carvão, maior fonte de
renda para muitas famílias durante anos. • uso recorrente do fogo e ausên-
44
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

cia de controle social e de fisca- Este projeto teve como objetivo es-
lização. Essa prática continua tratégico implantar uma experiência-pi-
sendo o maior risco para a ma- loto em um assentamento que servisse
nutenção dos principais rema- como referência de desenvolvimento
nescentes de Mata Atlântica que local para as demais áreas de reforma
estão nas proximidades de assen- agrária, com uma matriz agroecológica
tamentos; e de sustentabilidade ambiental.
• aumento gradual das áreas de- As ações executadas em parceria
gradadas pela agricultura em com a associação local do assentamen-
função do tempo de ocupação. to Riacho das Ostras desencadearam
Durante a pesquisa e em nossos novos processos de geração de conhe-
acompanhamentos posteriores cimentos. Houve profundas mudanças
tornou-se evidente o ciclo de de- nos sistemas produtivos para cerca de 50
gradação dos lotes individuais. famílias de assentados, o que acarretou
Áreas degradadas pela agricultu- a implantação em larga escala de siste-
ra, segundo os indicadores dos mas agroflorestais e também a demar-
agricultores, são aquelas em que cação e o início de recuperação de mui-
o sapé (Imperata brasiliensis) nas- tas áreas de preservação permanente.
ce muito forte e vence a enxada, O projeto articulou múltiplas ações
e a formiga (Atta e Acromirmex) educativas, metodologias participativas,
não deixa a mandioca em paz. acompanhamento técnico, apoio mate-
Desde 1996, o Terra Viva executa o rial e logístico. Proporcionou também
projeto Desenvolvimento de Sistemas uma forte apropriação social de uma
Sustentáveis de Produção Agrícola e Pre- nova matriz de desenvolvimento local.
servação Ambiental em Áreas de Refor- A perspectiva de sustentabilidade eco-
ma Agrária, com apoio do PDA/PPG7. nômica é assentada em estratégias de va-
No último triênio, o projeto concentrou lorização da produção diversificada dos
suas ações no assentamento Riacho das sistemas agroflorestais. No próximo ano,
Ostras, no município de Prado, vizinho a produção deverá atingir uma escala
ao Parque Nacional do Descobrimento. que demandará um empreendimento co-
No assentamento, criado em 1986, vi- munitário que viabilize a comercializa-
vem 87 famílias em lotes individuais que ção de produtos agroecológicos. A ela-
têm, em média, 23 hectares. A área total boração de um plano de negócios e o
do assentamento é de 2 mil hectares e início de implantação do empreendi-
os assentados provêm da periferia das mento foram prioridades para a conti-
cidades que se situam à beira da rodo- nuidade do projeto de desenvolvimento
via BR-101. local em 2001.

45
Acervo Terra Viva Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

A base do trabalho é a participação social

Estratégias e metodologias
N osso trabalho partiu da pre-
missa de que as mudanças no
modo de ocupação da paisagem, no de-
Essas mudanças, como as percebe-
mos, acarretam re-elaborações no co-
nhecimento, no modo de pensar, no sis-
senvolvimento de sistemas agroecológi- tema de crenças e valores dos agriculto-
cos e agroflorestais deveriam ser decidi- res e agricultoras. São mudanças que
das pelos agricultores e agricultoras, ou operam no nível dos indivíduos e das
seja, pelas próprias pessoas que gover- relações humanas e das relações entre
nam e executam essas mudanças em sua os seres humanos e o meio ambiente.
área de domínio, o lote. Demandam, portanto, tempo de acumu-
A questão fundamental de nossa lação para desencadear mudanças tan-
estratégia é como operar essas mudan- gíveis no ecossistema local.
ças no nível familiar, convergindo cole- Uma condição essencial para que
tivamente para um plano de desenvolvi- este processo se inicie é o desejo de
mento local que seja sustentável tanto mudança. As pessoas têm de querer
do ponto de vista ambiental, quanto so- mudar; é necessário criar um estado de
cial e econômico. mobilização social e de participação efe-

46
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

tiva para que os sistemas de produção e Tecnologias, esta metodologia atualmen-


o modo de ocupação sejam alterados. te é utilizada pelas entidades da rede PTA
No caso do Assentamento Riacho por sua eficácia e efetividade na
das Ostras, a realização do Diagnóstico mobilização local para um estudo
Participativo, como meio de identificar participativo do ambiente, dos sistemas
a situação inicial, foi muito eficaz. Um de produção ou de outras temáticas e
grupo muito significativo percebeu cla- focos que o grupo se propõe investigar.
ra e coletivamente as dimensões da de- O princípio metodológico é a or-
gradação ambiental e a desestruturação ganização e geração participativa do
de seus sistemas de produção, que se- conhecimento. Os procedimentos
quer chegaram a se consolidar, devido metodológicos são orientados para esti-
à baixíssima sustentabilidade que apre- mular a manifestação de cada indivíduo
sentavam. participante, considerando a diversida-
Com o grupo mobilizado para ope- de geracional e de gênero.
rar mudanças significativas em seu modo Cada diagnóstico tem suas especi-
de produzir, o desencadeamento de pro- ficidades decorrentes do contexto
cessos efetivos de execução destas mu- socioambiental, do grupo executor e dos
danças envolveu inúmeras atividades objetivos estabelecidos. Portanto, não é
articuladas, vários atores, além de par- possível consolidar um modelo metodo-
cerias permanentes e pontuais. A maior lógico definitivo, mas é útil nos referen-
parte do esforço empreendido pelo Ter- ciarmos nas experiências acumuladas na
ra Viva baseou-se em dois eixos: aplicação do método.
• desenvolvimento de processos Descreveremos brevemente o pro-
educativos e cesso realizado no Assentamento Riacho
• apoio técnico e logístico para a das Ostras visando proporcionar elemen-
implantação de sistemas agroflo- tos para a disseminação da metodologia.
restais e de preservação perma- Trata-se de um instrumento muito útil
nente. para a releitura das relações sociedade
local/meio ambiente, além de uma ex-
celente ferramenta de mobilização e de
Diagnóstico Participativo de educação ambiental.
Agroecossistemas O primeiro passo foi montar a equi-
A metodologia do DRPA - Diagnós- pe do diagnóstico. Esta equipe consti-
tico Rápido Participativo de Agroecos- tuiu-se de técnicos do Terra Viva, da Uni-
sistemas, foi um dos ganhos da articula- versidade Estadual da Bahia - UNEB, e
ção em rede. Sistematizada pela AS-PTA do Centro de Pesquisas e Estudos para o
- Assessoria e Serviços em Projetos de Desenvolvimento do Extremo Sul da
47
Acervo Terra Viva Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

Cena do diagnóstico: agricultores conversam sobre


áreas de preservação do assentamento

Bahia - Cepedes. Contou também com Como se pode ver, trata-se de um


estagiários da universidade e represen- roteiro amplo que conduz a um primei-
tantes da associação local. Esta equipe ro risco: de o grupo se perder em um
definiu os roteiros, coordenou a aplica- mar de informações que não consegue
ção das técnicas, analisou e sistemati- digerir, sistematizar, dar sentido ou atri-
zou as informações obtidas com a apli- buir significado. Neste aspecto é muito
cação das técnicas. importante definir claramente os objeti-
Os eixos temáticos definidos no vos do trabalho, quais são as informa-
DRPA do assentamento foram: ções realmente relevantes e necessárias
e quais as técnicas mais adequadas para
• história do assentamento; obtê-las.
• população e cultura; A partir do tema, definiu-se um ro-
• paisagem; teiro para orientar o trabalho dos
• sistemas de agricultura; aplicadores do método. Não se trata de
um questionário, mas de uma orienta-
• sistemas de criação animal; ção para a vivência das técnicas, que são
• economia e mercado; procedimentos capazes de favorecer e
• educação e cultura. propiciar a expressão dos participantes.
48
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

Principais técnicas utilizadas: manter uma postura flexível para estimu-


Entrevistas individuais e em grupo - lar o debate com base nas reflexões pro-
semi-estruturadas e realizadas com lide- cessadas pelo grupo de participantes.
ranças e pessoas-chave da localidade. As As caminhadas geraram impacto no
entrevistas em grupo ocorreram com seg- coletivo, uma constatação da gravidade
mentos da sociedade local, como gru- dos problemas e da falta de perspectiva
pos de famílias, de mulheres, de homens, de futuro com a permanência do modo
de crianças. Esta técnica foi realizada de ocupação realizada. Este fato foi de-
com grupos de 6 a 10 pessoas, forman- cisivo para a implantação dos sistemas
do uma “roda de conversa” orientada, agroflorestais fomentados pelo projeto
como nas entrevistas individuais, por um em sua fase posterior, pois mobilizou nas
roteiro semi-estruturado sobre a temática pessoas a vontade de participar no pro-
abordada. cesso de mudanças.
Caminhadas transversais - momen- Confecção de mapas - realizada em
tos privilegiados de estudo da paisagem grupos e após as caminhadas, essa ativi-
e oportunidade para se refletir sobre a dade consolidou uma visão coletiva da
degradação do ambiente e dos recursos localidade e permitiu aprofundar novas
produtivos. Foram realizadas nove cami- questões sobre a ocupação da paisagem.
nhadas, com a participação de cerca de Os mapas constituem ferramentas úteis
70% das famílias. As caminhadas segui- da fase de planejamento, principalmen-
ram um roteiro pré-definido, passando te para a própria equipe técnica, mas
obrigatoriamente por todas as unidades também para o grupo local.
da paisagem. Em diversos pontos ocor- Outras técnicas - Durante o diag-
reram paradas e houve reflexão e estu- nóstico foram aplicadas outras técnicas,
do dos elementos do agroecossistema e/ como o calendário sazonal e a rotina di-
ou do ecossistema visitado. ária. Realizamos também censos popu-
Os participantes foram convidados lacionais e de educação e um estudo
a dar depoimentos, explicar itinerários, temático específico sobre a formiga,
expor opiniões, e a formular previamente identificado como sério problema no
o roteiro semi-estruturado. É necessário assentamento.

49
Acervo Terra Viva Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

A produção de mudas no próprio assentamento


contribui para a implantação em larga escala dos
sistemas agroflorestais

Implantação dos sistemas agroflorestais

A implantação dos sistemas


agroflorestais iniciou-se no fim
de 1997, com a adesão de 42 famílias
• cada família escolhia as frutas
que desejava incluir em seu sis-
tema (no mínimo três espécies)
participantes do diagnóstico. Os agricul- e determinava a área do lote para
tores apropriaram-se do conhecimento o plantio;
agroecológico requerido neste trabalho • os técnicos do Terra Viva visita-
por meio das ações de formação descri- vam a família e a área, realiza-
tas e da vivência prática no manejo dos vam um desenho da distribuição
sistemas. espacial das plantas e definiam
Durante o primeiro ano, cada fa- o itinerário técnico em função
mília participante implantou 5 mil m2, das condições iniciais da parce-
totalizando 21 hectares descontínuos no la (área degradada, roçado etc.);
assentamento. Para a implantação desta • o Terra Viva forneceu as mudas
parcela inicial, o “contrato” entre o Ter- e a adubação organo-mineral de
ra Viva e cada família previu e ocorreu plantio. Os agricultores executa-
nos seguintes termos: ram as tarefas nos seus lotes. As
50
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

mudas fornecidas obedeciam à A partir do segundo ano de implan-


seguinte proporção: 70% eram tação, o Terra Viva não dispunha de re-
das três ou mais espécies esco- cursos para fornecer as mudas, apenas
lhidas pelas famílias e 30% eram para instalar os viveiros. Fornecemos
de espécies variadas (frutíferas e equipamentos e apoio técnico, enquan-
florestais) que completavam a to a mão-de-obra para instalação, ma-
composição do desenho dos sis- nejo e manutenção ocorreu sob respon-
temas; sabilidade das famílias participantes.
• o Terra Viva proporcionou o Foram constituídos seis grupos de
apoio técnico em campo para famílias por amizade e vizinhança. Cada
implantação das parcelas. um dos seis grupos instalou seu viveiro
No primeiro ano os resultados em no local escolhido e passou a produzir
campo foram diversificados, com vários as mudas para a ampliação ou implan-
desenhos e situações agro-ambientais tação dos sistemas familiares.
diferenciados e o plantio de 60 espécies A partir do segundo ano definiram-
de arbóreas. Estas parcelas iniciais foram se algumas culturas prioritárias para a
importantes fontes de aprendizagem produção de mercado, mas a diversida-
para a ampliação dos sistemas, que ocor- de nos sistemas se manteve. Todos os re-
reu no ano seguinte. Permitiram também cursos para a implantação das áreas fo-
aos participantes avaliar o desenvolvi- ram obtidos pelas famílias. Nesta fase foi
mento e o grau de adaptação das espé- fundamental a parceria com a Empresa
cies escolhidas, assim como os pontos Baiana de Desenvolvimento Agrícola -
de estrangulamento no manejo do siste- EBDA, que viabilizou o acesso ao crédi-
ma. to agrícola necessário para o plantio.

51
Acervo Terra Viva Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

Consórcios de espécies arbóreas de valor comercial


garantem a sustentabilidade econômica e ambiental
do sistema

Resultados principais
Monitoramento e avaliação No último monitoramento foram

A ênfase do monitoramento e da
avaliação realizada nos siste-
mas agroflorestais recaiu sobre o desen-
contabilizadas 58.601 árvores frutíferas
de 41 espécies, em cerca de 140 hecta-
res de sistemas agroflorestais. Ocorreram
volvimento daquelas espécies frutíferas avaliações fitotécnicas e uma descrição
com produção voltada para o mercado. do manejo realizado pelas famílias.
Enfatizou-se também a evolução geral Quanto ao desenvolvimento, 54% dos
do sistema, tendo como parâmetros a di- sistemas foram avaliados como satisfa-
versidade e a fitossanidade. tórios, 36% como regulares e 9% como
não satisfatórios. Duas espécies de frutí-
Este trabalho foi realizado de for-
feras apresentaram problemas fitossani-
ma participativa. Um grupo de técnicos
tários.
e agricultores realizou a coleta de da-
dos em todas as unidades familiares. A
equipe técnica organizou as informações Experimentação participativa
e coordenou as reuniões de avaliação Os resultados do monitoramento
participativa. apontam problemas que mobilizaram o
52
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

grupo de agricultores em busca de solu- atividades e ações educativas, entre as


ções. As soluções propostas foram intro- quais destacamos:
duzidas como tratamentos experimen- • investimento na melhoria das
tais. Definiram-se, por exemplo, alguns condições de aprendizagem,
tratamentos baseados em caldas casei- com a construção de dois cen-
ras para o controle de pragas e doenças. tros de vivência;
Foram montadas parcelas experimentais
em algumas unidades familiares com a • ampliação do número de jovens
participação de um grupo de agriculto- e adultos na educação escolar e
res. Este processo favoreceu o conven- o desenvolvimento de uma
cimento do grupo para que adotasse um metodologia de alfabetização
determinado procedimento após a com- ecológica;
provação de sua validade na parcela ex- • realização de oficinas, cursos e
perimental. dias de campo de formação
agroecológica para o desenvol-
Processos educativos vimento de habilidades deman-
Ao término da fase de implantação
dadas na execução do projeto;
dos sistemas agroflorestais constatamos • investimento em viagens de in-
que o imput de recursos que o projeto tercâmbio (Zona da Mata-MG,
financiado pelo PDA proporcionou foi norte do Espírito Santo e
relativamente reduzido em relação ao Eunápolis, no sul da Bahia);
que as próprias famílias e a comunida- • apoio pedagógico à educação
de como um todo mobilizaram. O que formal, com ações de planeja-
fizemos foi desencadear processos com mento, promoção de atividades
os quais os participantes se comprome- culturais, realização de oficinas
teram. As ações educativas foram pila- pedagógicas, introdução do brin-
res desta apropriação dos conhecimen- quedo e do jogo pedagógico na
tos socializados e gerados na perspecti- metodologia de ensino e no es-
va de disseminação de um pensar e agir paço escolar;
ecológicos.
• sensibilização para a superação
A parceria com a UNEB possibili- de desigualdades nas relações de
tou-nos uma melhor interpretação e lei- gênero. Estas ações visam supe-
tura da realidade e o desenvolvimento rar a predominância da cultura
de ações educativas sintonizadas com as patriarcal, que exerce um forte
demandas locais. A ampliação de nossa controle masculino (machismo)
capacidade técnica pela parceria nos sobre as mulheres, principalmen-
conduziu a uma grande diversidade de te na área rural;

53
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

• aumento do interesse por culti- • adoção, nos cultivos convenci-


vos arbóreos; onais, de práticas utilizadas nos
• implantação de aproximada- SAFs;
mente 150 hectares de sistemas • aumento do nível de consciên-
agroflorestais diversificados, ba- cia ecológica;
seados na fruticultura tropical • inclusão dos jovens e mulheres
com finalidades comerciais; na vida associativa da comuni-
• validação da cultura do urucum dade;
(Bixa orelana), como cultivo im- • acúmulo, por parte da entida-
portante para a sustentabilidade de, de métodos e experiências no
econômica dos sistemas agroflo- campo educacional;
restais no assentamento;
• aumento do nível de organiza-
• demarcação das áreas de reser- ção da comunidade.
va e preservação permanente
pelas famílias participantes; Este conjunto de ações e metodo-
logias tem promovido avanços nas rela-
• contribuição efetiva na consoli- ções de poder, na organização social do
dação do Parque Nacional do trabalho, na adoção de valores ecológi-
Descobrimento entre os morado- cos, no campo das relações sociocultu-
res dos lotes vizinhos ao Parque; rais (em relação à diversidade de raça,
• aumento do interesse pelo res- etnia, gênero, classe social e religião).
gate de espécies florestais nati- O processo é lento, mas já apresenta sen-
vas da Mata Atlântica; síveis mudanças.

54
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

Espécies arbóreas plantadas

Quadro 1: Espécies florestais

ESPÉCIES QUANTIDADE ESPÉCIES QUANTIDADE


Abiu 29 Joerana 490
Açaí 828 Jurema 12
Angico 32 Louro 13
Arapati 40 Mirindiba 619
Aroeira 198 Mulungu 32
Bandarra 33 Murici 225
Bapeba 60 Noz-nogueira 18
Biriba 30 Oiti 491
Boleira 460 Pau-d'alho 104
Canafista 121 Pau-d'arco 9
Castanha-do-brasil 10 Pau-de-remo 84
Castanha-do-maranhão 150 Pau-sangue 38
Caxeta 189 Pau-sapo 445
Cedro-verdadeiro 220 Pau-ferro 895
Cupuaçu 2.685 Pinha-brava 65
Gindiba 100 Pitomba 260 55

Imburana 134 Pupunha 1.518


Ingá 152 Romã 11
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

Quadro 2: Espécies para beneficiamento

Quadro 3: Espécies para consumo in natura

Quadro 4: Espécies para produção de polpa

56
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

Quadro 5: Plantios em pequena escala

ESPÉCIE QUANTIDADE
Canela 42
Poncã 133
Pupunha 152
Rambutão 1
Tamarindo 4
Cacau 81
Fruta-do-conde 32
Jaboticaba 48
Pimenta-do-reino 69
Pinha 95
Ingá 288
Cainito 2
Cravo 7
Jambo 5
Abricó 4
Umbu 17 57
Cajá 59
Siriguela 45
Acervo Terra Viva Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

Agricultores do Riacho das Ostras visitam o trabalho


da AS-PTA no norte do Espírito Santo

Parcerias e redes
O s parceiros privilegiados do
Terra Viva são as entidades re-
presentativas dos agricultores e agricul-
As redes de entidades são consti-
tuições estratégicas e fundamentais no
processo de geração e acumulação de
toras. Em diferentes instâncias de gestão novos conhecimentos. No nosso caso, a
as ações articulam-se com os sindicatos participação na Rede PTA propiciou o
e associações locais. No caso do assen- acúmulo de experiências e o grau de su-
tamento Riacho das Ostras, esta parce- cesso que atingimos. A aprendizagem
ria se constituiu com a associação local, possibilitada pelo intercâmbio perma-
mantendo nossos princípios de autono- nente entre técnicos e agricultores, em
mia e participação. especial do GT em Agroflorestação, am-
Outros parceiros importantes na pliou nosso grau de acerto nas ações e
execução do projeto foram a UNEB, a nos permitiu a construção de proposi-
EBDA (na execução dos projetos de cré- ções viáveis e coerentes para políticas
dito) e a Embrapa - Centro de Mandioca públicas que fortaleçam a agricultura fa-
e Fruticultura, pelo apoio técnico e for- miliar e a agroecologia, como referên-
necimento de material genético. cia para um desenvolvimento nacional
sustentável.
58
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária
Acervo Terra Viva

Educação Ambiental: crianças aprendem sobre


formigas

Desafios presentes
Relativos à educação dadania, o direito de estudar e de maior
agroecológica qualificação para o trabalho e contribuir
de maneira organizada para a constru-
A experiência de execução do
Projeto vem contribuindo vi-
sivelmente para mudanças na relação
ção de “alternativas possíveis”. Isto sig-
nifica combinar trabalho, renda, segu-
homem-mulher e natureza. Novos de- rança alimentar, equilíbrio ecológico
safios e demandas emergem à medida num conjunto articulado de ações dire-
que a comunidade se conscientiza da tas e conseqüentes.
complexidade de seu atendimento e das Ao conjunto de velhas demandas
alternativas possíveis. Novas demandas de ações já realizadas somam-se novas
somam-se às antigas, cujas alternativas demandas produtivas, econômicas, de
não foram concluídas e/ou gestadas, formação, de informação, de conheci-
viabilizadas ou formuladas. mento, de habilidades, de capacidade
Acreditamos na necessidade de organizativa e de domínio de tecnologi-
uma intervenção negociada, visando so- as compatíveis com a natureza da agri-
cializar o conhecimento, resgatar a ci- cultura familiar, tais como:

59
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

• manejo e domínio técnico em do assim, para além dos efeitos diretos


agroflorestação e fruticultura; de conservação da biodiversidade nos
• uso e beneficiamento diversifi- sistemas agrícolas, a generalização da
cado dos frutos destinados à co- agroecologia produz efeitos indiretos em
mercialização; espaços não agrícolas, como fica eviden-
te em experiências locais onde se tem
• implantação de agroindústria lo- conseguido reduzir a degradação da
cal para beneficiamento e co- cobertura vegetal original.
mercialização;
Ainda que os sistemas produtivos
• técnicas de gestão empresarial agroecológicos sejam mais sustentáveis
de empreendimentos comunitá- economicamente, as famílias agriculto-
rios; ras, inclusive as que desenvolvem siste-
• aumento da capacidade de ge- mas agroecológicos, têm encontrado
renciamento da propriedade e da obstáculos para aumentar o grau de sus-
produção familiar, articulando-a tentabilidade econômica de suas unida-
com a produção de mercado; des produtivas em virtude das condições
altamente desfavoráveis em que se inse-
• formação das novas gerações
rem nos mercados. A crescente procura
para novas formas de trabalho e
por produtos agrícolas oriundos de sis-
novas tecnologias.
temas de produção ecológicos deverá ser
valorizada e apoiada em uma estratégia
Relativos à sustentabilidade de conservação da biodiversidade.
econômica O estabelecimento de empreendi-
A massificação do uso das propos- mentos comunitários voltados para o
tas agroecológicas só se dará caso estas beneficiamento e a comercialização de
proporcionem sensíveis impactos econô- produtos agroecológicos é uma condi-
micos aos agricultores. Neste sentido, ção básica para que se revalorizem as
ocorre uma profunda interdependência iniciativas coletivas de acesso ao mer-
entre a viabilidade técnica da proposta cado.
de conservação da biodiversidade por Os processos de gestão de um sis-
meio da agroecologia e a sustentabili- tema de comercialização coletiva base-
dade econômica dos sistemas agrícolas ado em produção familiar são muito
familiares que incorporam práticas agro- complexos. Os sistemas de produção
ecológicas. Conferindo uma maior sus- agroflorestal implantados estão apenas
tentabilidade econômica aos sistemas iniciando a produção econômica; a sus-
agrícolas familiares, o enfoque agroeco- tentabilidade nesta dimensão será um
lógico reduz sensivelmente a pressão dos focos do trabalho do Terra Viva nos
sobre os remanescentes florestais. Sen- próximos anos.
60
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

Relativos às políticas públicas comercialização individuais compará-


veis aos praticados por grandes unida-
Apesar do status diferenciado da
região em decorrência de sua importân- des de produção.
cia histórica, cultural e ecológica, não Com a globalização da economia
existe um tratamento correspondente e as mudanças no perfil da população
pelos órgãos executores de políticas pú- rural, que deseja cada vez mais se inte-
blicas no campo da agricultura familiar grar à sociedade de consumo, tornou-se
e reforma agrária. Os problemas que afe- necessário aumentar a renda monetária,
tam outros locais do Brasil também se reforçando estratégias de cooperação e
reproduzem na região. A ausência de associativismo. Em nossa concepção, o
planejamento e de ações integradas dos fortalecimento de iniciativas associativas
organismos governamentais conduz a é uma das estratégias cada vez mais im-
uma política fragmentada e por vezes portantes para a reprodução e o fortale-
conflitante. cimento da agricultura familiar.
A falta de capacidade técnica das O que ocorre nas áreas de reforma
estruturas governamentais de assistência agrária, entretanto, é um associativismo
e das cooperativas de assentados induz compulsório, vertical, paternalista e
à uniformização dos projetos de crédito excludente, determinando o fracasso de
e dos sistemas de produção. Isto impede projetos comunitários na maior parte dos
o desenvolvimento de metodologias assentamentos. O singular neste proces-
participativas para geração de um conhe- so é que se trata do mesmo formato de
cimento mais apropriado para a cons- associativismo defendido tanto pelo atu-
trução de planos de desenvolvimento lo- al governo quanto pelo Movimento dos
cal. Quando a assistência técnica e o Sem Terra.
acesso ao crédito se efetivam, a matriz Os parceleiros são coagidos a se
técnico-científica da modernização da associar, sob pena de não terem acesso
agricultura induz à adoção de sistemas ao crédito individual e o restante da fa-
sem sustentabilidade, que acabam por mília permanece excluído do processo
agravar os impactos ambientais. de participação formal. Como a socie-
dade brasileira é essencialmente patri-
Relativos ao associativismo arcal, o lote é sempre titulado em nome
compulsório do homem, chefe da família. A exclusão
recai, portanto, sobre mulheres e jovens,
A unidade familiar, em função da que permanecem alijados do processo
escala de produção e de capital, não de decisão sobre os planos de desenvol-
consegue dispor de toda a infra-estrutu- vimento local.
ra e dos equipamentos necessários para
organizar processos de produção e de
61
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

Nas associações formadas pelos Neste processo várias e complexas


assentados de reforma agrária a cultura questões surgiram no cenário. Ficaram
presidencialista ainda é muito forte e não evidentes os enormes entraves para, no
há tradição de gestão de empreendimen- contexto atual da agricultura familiar,
tos individuais e coletivos. Por isso, o direcionar mão-de-obra e recursos em
governo da associação se concentra so- sistemas que só prestam serviços
bre poucos membros, que se tornam ví- ambientais e proporcionam renda ape-
timas e algozes do processo que se re- nas indireta.
produz nos assentamentos. Na maior parte dos casos, aparen-
Reinventar processos associativos temente o trabalho de recomposição
com base na autonomia e liberdade in- antrópica é desnecessário. A não ser que
dividual, que inclua e valorize as dife- o impacto no entorno seja muito grande
renças e desenvolva capacidades de e atinja um território contínuo, a própria
autogestão para o desenvolvimento lo- natureza se encarrega de recuperar o sis-
cal é uma dimensão necessária para a tema. É claro que o processo natural é
sustentabilidade da reforma agrária. mais lento, mas se a área será de preser-
vação permanente, por que ter pressa?
Na realidade, em nossa opinião a tarefa
Relativos às áreas de realmente necessária, na maior parte dos
preservação permanente casos, é isolar a área do acesso de ani-
Em nosso projeto estavam previs- mais e protegê-la do fogo.
tas ações nas áreas de preservação per-
Observamos que sistemas agroflo-
manente dos lotes individuais. Pensamos
restais especiais podem cumprir um pa-
que muito foi feito, embora não tenha-
pel ecológico semelhante ao das áreas
mos atingido as pretensiosas metas ini-
de preservação permanente nas unida-
ciais.
des agrícolas familiares. Sistemas com
As ações dependeram do trabalho grande diversidade cumprem o papel de
da família e nada foi remunerado. Hou- trampolins ecológicos, estimulando a
ve demarcação da área a ser preserva- dispersão da fauna e flora e gerando uma
da, assim como a delimitação física da conectividade entre as grandes unidades
parcela protegida, tomando-se as pro- de conservação. Estes sistemas também
vidências para que esta não fosse atin- protegem o solo e, quando bem mane-
gida pelo fogo. Apenas um pequeno nú- jados, mantêm a erosão nos mesmos ní-
mero de famílias trabalhou efetivamen- veis dos sistemas naturais, protegendo,
te na recuperação dessas áreas, um tra- por conseqüência, os recursos hídricos.
balho que consistiu do plantio de espé-
Denominamos estes SAFs de “sis-
cies florestais nativas em trechos já des-
temas agroflorestais especiais”, em fun-
matados.
62
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

ção da grande diversidade de sistemas setores ambientalistas mais conservado-


abrigados com esta nomenclatura. Espe- res. Acreditamos, porém, que a experi-
cial, neste caso, refere-se à alta diversi- ência já acumulada em diversas regiões
dade que este sistema deve abrigar, à de Mata Atlântica produzirá evidências
priorização por espécies nativas e ao fato de que o centro da questão da conser-
de se ter a produção como objetivo se- vação dos recursos naturais está na re-
cundário. Sabemos que esta é uma ques- ligação do humano com a natureza, e
tão polêmica, e a perspectiva do debate que a batalha ambiental só será ganha
sobre flexibilização ou mudança na le- se o sistema social for ecológico, e o sis-
gislação ambiental contemplando esta tema de produção, agroecológico.
realidade causa reações transtornadas de

63
Sistemas agroflorestais em assentamentos de reforma agrária

Lista de siglas

Apoena - Associação em Defesa do Rio Paraná, Afluentes e Mata Ciliar


AS-PTA - Associação e Serviços a Projetos em Agricultura Familiar
Cepedes - Centro de Pesquisas e Estudos para o Desenvolvimento do Extremo Sul da
Banhia
Cocamp - Cooperativa de Comercialização e Prestação de Serviços dos Assentados de
Reforma Agrária no Pontal
DRPA - Diagnóstico Rápido Participativo de Agroecossistemas
EBDA - Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola
Embrapa - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
ESALQ - Escola Superior de Agricultura Luís de Queiroz
Ibama - Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
IF - Instituto Florestal
Incra - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
IPÊ - Instituto de Pesquisas Ecológicas
ITESP - Instituto de Terras do Estado de São Paulo
MMA - Ministério do Meio Ambiente
MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
PDA - Subprograma Projetos Demonstrativos
PPG7 - Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil
UNEB - Universidade Estadual da Bahia
USP - Universidade de São Paulo

64
PDA
SUBPROGRAMA PROJETOS DEMONSTRATIVOS
Setor Comercial Sul
Quadra 6 - Bloco A - Ed. Sofia
2º Andar
Cep 70.300-500
Brasília - DF
Fone: 61.325-5224
Fax: 61.223-0763
E-mail: pda@rudah.com.br

Bundesministerium für
wirtschaftliche Zusammenarbeit
und Entwicklung Banco
Mundial

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE


Secretaria de Coordenação da Amazônia
União
Européia

FFEM
Fundo Francês para o Meio Ambiente

You might also like