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AS PALAVRAS E SUAS GRAFIAS CAPÍTULO 2

Apresentação
“[...] isso mostra que há 364 dias em que você poderia ganhar presentes de desaniversário...”
“Sem dúvida”, disse Alice.
“E só um para ganhar presente de aniversário, vê? É a glória para você!”
“Não sei o que quer dizer com glória”, disse Alice.
Humpty Dumpty sorriu, desdenhoso. “Claro que não sabe... até que eu lhe diga. Quero dizer
é um belo e demolidor argumento para você!”
“Mas glória não significa um belo e demolidor argumento”, Alice objetou.
“Quando eu uso uma palavra”, disse Humpty Dumpty num tom bastante desdenhoso, “ela
significa exatamente o que quero que signifique: nem mais nem menos”.
“A questão é”, disse Alice, “se pode fazer as palavras significarem tantas coisas diferentes”.
“A questão”, disse Humpty Dumpty, “é saber quem vai mandar – só isto”.
Lewis Carroll. Através do espelho.

É verdade, “toda palavra quer dizer o que eu quero que signifique”, mas ao mesmo tempo
“toda palavra quer dizer o que quer dizer” (há um sentido na língua). Falar é precisamente
procurar que coincidam essas duas intenções significantes, esses dois “quer dizer”.
Catherine Kebrat-Orecchioni. A enunciação.

Quando alguém toma a palavra, seja falando, seja escrevendo, e diz algo a outra pes-
soa, num dado momento, numa certa situação, com determinada intenção, torna-se “dono”
da língua, atribui sentidos às palavras, as frases deixam de ser simples estruturas grama-
ticais e passam a ter um significado particular.
Mas o reinado sobre a língua não é tão absoluto quanto possa parecer. Afinal, a língua
não pertence a um indivíduo; é, ao contrário, propriedade coletiva e, por isso mesmo, impõe
limites. E ainda bem que é assim, senão não haveria conversa, troca: todos falariam e nin-
guém se entenderia.
O segredo, como nos ensina Orecchioni, está em ser “dono” da língua, sem se esquecer
de que ela pertence a todos. Tomar a palavra, produzir sentidos, mas lembrando que as
palavras têm um sentido na língua. Construir enunciados significativos, mas tendo cons-
ciência de que a língua tem suas regras de combinação (que não foram criadas por este ou
aquele, mas são da própria natureza da língua).
Em sua vida cotidiana, você ocupa, o tempo todo, dois papéis distintos (e complemen-
tares): ora você toma a palavra e é o “dono” da língua, produz significado, ora o outro toma
a palavra e você tem de buscar o significado que ele produziu. Ora produtor de texto, ora
leitor/ouvinte.
Este livro pretende discutir essas questões e se tornar uma ferramenta útil para seu
professor e para você, que vive em sociedade, lendo e produzindo textos o tempo todo.

Um abraço do autor
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Sumário
PARTE 1
A GRAMÁTICA DOs TEXTOs
Capítulo 1 •.Classificação − em foco: o aspecto Atividades. ................................................... 53
Estrutura e formação de morfológico............................................. 33 •.O adjetivo................................................ 54
palavras............................................... 10 Atividades. .................................................. 33 Atividades. ................................................... 54
A gramática da palavra.............................. 11 •.As categorias gramaticais . O.adjetivo.na.frase................................... 55
•.Introdução............................................... 11 do substantivo......................................... 35 . . O.adjetivo.na.oração. ............................. 55
•.Os elementos mórficos............................ 12 . Gênero..................................................... 35 . . O.adjetivo.no.período.composto.............. 55
. Radical,.semantema.ou.lexema................. 12 . Número.................................................... 36 Atividades. ................................................... 56
. Afixos....................................................... 12 . Grau......................................................... 36 •.O adjetivo nos textos.............................. 57
. Vogal.temática.e.tema.............................. 12 . . Formação.do.grau.do.substantivo. ........... 36 . O.valor.denotativo.e.conotativo..
. Desinências.............................................. 13 Atividades. ................................................... 37 do.adjetivo............................................... 57
•.Processos de formação das palavras....... 14 A gramática da frase.................................. 39 . O.adjetivo.com.valor.de.substantivo..
. Derivação................................................. 15 •.Funções substantivas............................... 39 por.metonímia.......................................... 58
. Composição............................................. 15 . O.substantivo.e.seus.satélites................... 39 . O.substantivo.com.valor.de.adjetivo..
•.Outros processos de formação Atividades. ................................................... 41 por.metáfora............................................ 58
de palavras.............................................. 16 A gramática do texto. ................................ 42 Atividades. ................................................... 59
. Onomatopeia........................................... 16 •.Os substantivos abstratos e os concretos •.O numeral............................................... 60
. Abreviação,.abreviatura,.siglas.................. 16 na construção dos textos........................ 42 •.Emprego dos numerais............................ 61
Atividades. .................................................. 17 •.A seleção lexical: coesão, estilo e Atividades. ................................................... 62
•.Prefixos.................................................... 18 intencionalidade...................................... 43 •.O numeral na frase.................................. 63
•.Sufixos..................................................... 19 Atividades. ................................................... 44 Atividades. ................................................... 64
. Sufixos.verbais.......................................... 19 Questões.de.exames...................................... 46 •.O numeral nos textos.............................. 65
. Uma.concordância.ideológica................... 65
. Sufixo.adverbial........................................ 20
Atividades. .................................................. 20
Capítulo 3 . Numeral.cardinal.com.valor.indefinido...... 65
A gramática da frase.................................. 23 Determinantes e . Numeral.versus.artigo.indefinido............... 66
•.As marcas das relações frásicas.............. 23 modificadores dos Atividades. .................................................. 66
•.Palavras que migram............................... 24 substantivos..................................... 47 Questões.de.exames...................................... 68
A gramática do texto. ................................ 25 •.A estrutura do sintagma nominal............ 48
•.Montando e desmontando palavras........ 25 •.O artigo................................................... 48 Capítulo 4
•.O sufixo e seus valores............................ 26 O.artigo.na.frase...................................... 49 O pronome........................................ 69
. O.sufixo.como.operador.. Atividades. ................................................... 49 A gramática da palavra.............................. 70
argumentativo.......................................... 27 . O.artigo.nos.textos................................... 50 •.Classificação.dos.pronomes...................... 71
Atividades. .................................................. 27 . . O.caráter.anafórico.e.coesivo.. . Pronome.pessoal...................................... 71
Questões.de.exames.................................... 29 do.artigo............................................... 50 . Pronome.de.tratamento............................ 71
Atividade...................................................... 51 . Pronome.possessivo................................. 72
Capítulo 2 •.O artigo definido como superlativo......... 51 Atividades. ................................................... 73
Substantivo....................................... 30 •.O artigo definido enfatizador.................. 52 . Pronome.demonstrativo............................ 73
A gramática da palavra.............................. 31 •.O artigo indefinido com valor . Pronome.relativo...................................... 74
•.Classificação − em foco: o aspecto apreciativo e depreciativo em . Pronome.indefinido.................................. 75
semântico................................................ 31 expressões metafóricas........................... 52 Atividades. ................................................... 75
A complicada e subjetiva oposição entre •.O artigo indefinido e a metamorfose . Pronome.interrogativo.............................. 76
substantivos concretos e abstratos......... 32 do substantivo próprio em comum......... 53 Atividades. ................................................... 77

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A gramática da frase.................................. 78 •.Classificação.−.em.foco:.o.aspecto. . As.formas.verbais.da.cortesia................. 115
•.O.pronome.na.frase.................................. 78 semântico................................................. 94 . Verbo.suporte......................................... 115
•.O.pronome.pessoal.na.frase..................... 78 •.As.categorias.gramaticais.do.verbo........... 94 . Verbos.modais........................................ 116
•.Colocação.dos.pronomes.pessoais............ 80 . Pessoa.e.número...................................... 94 Atividades. ................................................. 116
•.O.pronome.demonstrativo.na.frase........... 81 . Tempo.e.modo......................................... 95 . O.emprego.do.infinitivo.......................... 117
Atividade...................................................... 82 . Formas.nominais...................................... 96 . . Emprego.do.infinitivo.não.flexionado..... 117
•.O.pronome.relativo.na.frase..................... 82 . Aspecto.................................................... 97 . . Emprego.do.infinitivo.flexionado............ 118
Atividades. ................................................... 83 . Voz......................................................... 100 . O.emprego.do.particípio......................... 119
•.O.pronome.indefinido.na.frase.................. 84 Atividades. ................................................. 101 Atividades. ................................................. 119
•.O.pronome.interrogativo.na.frase............. 85 •.Verbos.auxiliares.................................... 103 Questões.de.exames.................................... 121
Atividade...................................................... 85 Atividades. .....................................................105
•.Um.caso.à.parte:.o.pronome.se................ 85 •. Classificação.−.em.foco:.a.regularidade.... 106 Capítulo 6
Atividades. ................................................... 86 Atividades. ................................................. 107 O advérbio....................................... 122
A gramática do texto. ................................ 87 A gramática da frase................................ 109 A gramática da palavra............................ 123
•. O.caráter.fórico.dos.pronomes.pessoais...... 87 •.O.verbo,.o.centro.da.oração.................... 109 •.Classificação dos advérbios................... 124
•.O.caráter.fórico.dos.pronomes. •.Classificação.−.em.foco:. . Advérbios.interrogativos......................... 124
demonstrativos......................................... 87 a.transitividade....................................... 110 •.Palavras denotativas.............................. 125
Atividade...................................................... 88 •.Os.verbos.e.os.tipos.de.predicado.......... 110 A gramática da frase................................ 126
•.O.pronome.indefinido.tudo:. Atividades. ................................................. 111 •.O advérbio na oração............................ 126
aposto.resumitivo..................................... 88 A gramática do texto. .............................. 112 •.O advérbio no período composto.......... 126
•.O.pronome.indefinido.tudo.exigindo. •.O.emprego.expressivo.de.tempos. A gramática do texto. .............................. 127
aposto.especificador................................. 89 e.modos................................................. 112 •.O advérbio e seu referente.................... 127
•.Os.reforços.interrogativos......................... 89 . As.formas.alternativas.para.. •.Referentes encadeados......................... 128
•.Possessivo.no.vocativo.............................. 90 expressar.o.futuro................................... 112 •.A adverbialização do adjetivo............... 128
Atividades. ................................................... 90 . As.formas.alternativas.para.. •.O advérbio de enunciação..................... 128
Questões.de.exames...................................... 91 expressar.o.imperativo............................ 113 •.O advérbio de enquadramento.............. 128
. A.expressão.da.incerteza.. •.O “então” nas sequências narrativa
Capítulo 5 com.os.futuros....................................... 114 e argumentativa.................................... 129
O verbo. ............................................... 93 . . As.combinações.do.futuro..................... 114 Atividades. ................................................. 129
A gramática da palavra.............................. 94 . A.vivacidade.do.presente.narrativo......... 114 Questões.de.exames.................................... 131

PARTE 2
A CONsTRUÇÃO DOs TEXTOs
Capítulo 1 •.Elementos da narrativa......................... 149 •.Interagindo no proceso de leitura......... 166
Realidade e ficção nos O.texto:.leitura.e.reflexão............................. 149 . Estratégias.de.leitura.............................. 166
gêneros narrativos................... 134 . Foco.narrativo......................................... 150 . A.(re)estruturação.do.texto..................... 169
•.A narratividade...................................... 135 . Enredo................................................... 152 . A.inferência........................................... .169
. A.ficção.−.do.realismo.ao.fantástico..........135 . Personagens........................................... 152 Atividades. ................................................. 170
. Verossimilhança.interna.e.externa........... 136 . . Personagem.e.enredo........................... 153 Mãos.à.obra!.............................................. 171
. Autor.versus.narrador............................. 136 . Espaço................................................... 153
Questões.de.exames.................................... 173
. O.ciclo.narrativo..................................... 137 . Tempo.................................................... 153
Trocando.ideias........................................... 137 . Os.elementos.da.narrativa.. Capítulo 4
. Técnicas.de.cinema?............................... 138 no.gênero.HQ......................................... 156 Textos descritivos:
O.texto:.leitura.e.reflexão............................. 139 Trocando.ideias........................................... 156 o “retrato verbal”...................... 174
•.O conto................................................. 141 Atividades. ................................................. 157 •.A descrição............................................ 175
. A.unidade.de.impressão:.. Mãos.à.obra!.............................................. 161 •.O texto descritivo: um arranjo
o.ponto-chave.do.conto.......................... 142 Questões.de.exames.................................... 162 linguístico característico........................ 176
Trocando.ideias........................................... 143
O.texto:.leitura.e.reflexão............................. 144 Capítulo 3 Atividades. ................................................. 177
Leitura e interação................... 163 . Foco.descritivo........................................ 178
Mãos.à.obra!.............................................. 145
•.A leitura como processo........................ 164 . Descrição.objetiva.e
Questões.de.exames.................................... 147
. Relembrando:.o.primeiro.contato.. descrição.subjetiva.................................. 178
Capítulo 2 com.o.texto............................................ 164 Atividades. ................................................. 179
Estrutura da narrativa.......... 148 Atividade.................................................... 164 Mãos.à.obra!.............................................. 181

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•.A descrição nos textos.......................... 182 Atividade.................................................... 196 Capítulo 7
. Poemas.descritivos.................................. 182 •. Contrapondo metáfora e metonímia....... 196 O jornal e seus gêneros
Trocando.ideias........................................... 183 Atividades. ................................................. 197 textuais: editorial
. O.papel.da.descrição.nos. Mãos.à.obra!.............................................. 198
e crônica........................................... 218
textos.narrativos..................................... 184 Questões.de.exames.................................... 201
•.Os textos jornalísticos........................... 219
. A.descrição.nos.textos.instrucionais........ 185 •.O texto argumentativo − a estrutura
Trocando.ideias........................................... 185 Capítulo 6 do editorial............................................ 219
Mãos.à.obra!.............................................. 186 O jornal e seus gêneros Atividades. ................................................. 220
Questões.de.exames.................................... 187 textuais: notícia Mãos.à.obra!.............................................. 221
e legenda......................................... 202 •.O texto narrativo − a composição
Capítulo 5 •.O jornal................................................. 203 da crônica.............................................. 224
A linguagem figurada.......... 189 Atividades. ................................................. 203 Atividades. ................................................. 225
•.Figuras de linguagem............................ 190 •.A notícia................................................ 206 Trocando.ideias........................................... 227
Trocando.ideias........................................... 191 •.O texto informativo − a gramática Mãos.à.obra!.............................................. 227
•.Figuras de palavras............................... 191 da notícia.............................................. 206 •.Outras características do
Trocando.ideias........................................... 192 Trocando.ideias........................................... 210 texto jornalístico.................................... 229
•.A metáfora............................................ 192 Atividades. ................................................. 210 Mãos.à.obra!.............................................. 230
Atividade.................................................... 194 Mãos.à.obra!.............................................. 215 •.Concluindo............................................ 230
•.A metonímia.......................................... 195 Questões.de.exames.................................... 217 Questões.de.exames.................................... 231

PARTE 3
TEXTOs, ARTE E CULTURA
Capítulo 1 •.Às vésperas da Independência, um Capítulo 3
Os estilos de época da olhar europeu........................................ 248 A prosa do Romantismo: a
A.pintura.................................................... 248
Revolução Industrial à literatura se populariza. ..... 272
•.As gerações poéticas do
Primeira Guerra: a poesia •.O romance romântico em Portugal....... 273
Romantismo brasileiro........................... 250
do Romantismo.......................... 234 . Primeira.geração.−.geração..
. O.romance.histórico.de.Herculano:..
A.arquitetura.............................................. 235 nacionalista.ou.indianista....................... 250 a.defesa.da.Pátria,.do.Cristianismo.e..
A.música.................................................... 235 . Segunda.geração.−.geração.. do.Amor................................................. 273
A.pintura.................................................... 236 do.mal.do.século.................................... 250 Lendo.o.texto. ............................................ 273
•.Da Revolução Industrial à . Terceira.geração.−.geração.condoreira.... 250 . A.novela.passional................................. 275
Primeira Guerra..................................... 236 Lendo.os.textos........................................... 251 Lendo.o.texto. ............................................ 276
•.Uma nova sociedade, um novo gosto, •.A produção poética do Trocando.ideias........................................... 278
um novo público.................................... 237 Romantismo brasileiro........................... 251 . O.romance.burguês................................ 278
•.O Romantismo....................................... 238 . A.poesia.multifacetada.de.. Lendo.o.texto. ............................................ 279
. Ecos.da.Revolução.Francesa.em.. Gonçalves.Dias....................................... 251 •.O romance romântico no Brasil............. 280
Lendo.os.textos........................................... 253 . Rio.de.Janeiro,.o.palco.ideal................... 280
Portugal.e.no.Brasil................................ 238
Texto.e.Intertexto........................................ 255 . O.romance.urbano.................................. 281
. Os.marcos.............................................. 239
. A.dupla.face.da.poesia.de.. Lendo.o.texto. ............................................ 281
. . Em.Portugal......................................... 239
Álvares.de.Azevedo................................ 256
. . No.Brasil. ............................................ 240 . José.de.Alencar.e.seu.projeto..
Lendo.os.textos........................................... 257
. As.influências......................................... 240 de.literatura.nacional.............................. 284
. Casimiro.de.Abreu.e.a.volta..
Trocando.ideias........................................... 241 Lendo.o.texto. ............................................ 284
ao.passado............................................. 259
. As.características.românticas.................. 242 Lendo.o.texto. ............................................ 260 . Um.perfil.de.mulher.na.obra..
Texto.e.Intertexto........................................ 243 . O.lirismo.amoroso.e.a.poesia.. de.Alencar.............................................. 287
Velhos.temas,.novas.leituras......................... 245 social.na.obra.de.Castro.Alves................ 261 Texto.e.Intertexto........................................ 288
Questões.de.exames.................................... 246 Lendo.os.textos........................................... 263 . O.romance.picaresco.de.Manuel..
. A.original.poesia.de.Sousândrade........... 267 Antônio.de.Almeida................................ 290
Capítulo 2 Lendo.o.texto. ............................................ 267 Lendo.o.texto. ............................................ 291
A poética do Romantismo: Velhos.temas,.novas.leituras......................... 268 Velhos.temas,.novas.leituras......................... 294
amores, índios e condores..... 247 Questões.de.exames.................................... 271 Questões.de.exames.................................... 296

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Capítulo 4 Lendo os textos .......................................... 322 O lirismo amoroso de Olavo Bilac .......... 370
Os estilos de época da O romance de formação Lendo o texto ............................................. 371
Revolução Industrial à de Raul Pompeia ................................... 325 Texto e Intertexto........................................ 372
Primeira Guerra: Realismo/ Lendo o texto ............................................. 327 Velhos temas, novas leituras ........................ 373
Naturalismo ................................. 297 • O romance naturalista no Brasil ........... 330 Questões de exames ................................... 375
O evolucionismo social
A pintura ................................................... 298
A escultura................................................. 299
de Aluísio Azevedo................................. 330
Lendo o texto ............................................. 331
Capítulo 8
A filosofia .................................................. 299
Texto e Intertexto........................................ 335
Os estilos de época da
• A Revolução Industrial e
Velhos temas, novas leituras ........................ 337 Revolução Industrial
o cientificismo ...................................... 300
Questões de exames ................................... 339 à Primeira Guerra: o
As influências ........................................ 301 Simbolismo ................................... 376
Lendo os textos .......................................... 301
• O Realismo/Naturalismo ....................... 303
Capítulo 6 • As artes plásticas na virada
O teatro no século XIX: do século .............................................. 377
Os marcos ............................................. 303
abrem-se as portas do A pintura ................................................... 377
Em Portugal ........................................ 303
No Brasil ............................................. 303
teatro nacional .......................... 341 A escultura................................................. 379
A velha ordem portuguesa em • O teatro romântico em Portugal........... 342 • O mundo fora dos eixos ....................... 380
debate: a Questão Coimbrã e as Almeida Garrett e o teatro
• As influências ....................................... 381
Conferências Democráticas .................... 304 nacional português ................................ 342
Lendo o texto ............................................. 342 • Simbolismo, a arte da sugestão............ 381
A Questão Coimbrã.............................. 304
• O teatro romântico no Brasil ................ 345 As características ................................... 381
As Conferências Democráticas............... 304
Martins Pena e a comédia O Simbolismo em Portugal ..................... 382
Machado de Assis e Eça de Queirós,
críticos do Romantismo.......................... 305 de costumes .......................................... 345 Eugênio de Castro: a tentativa
Machado de Assis ................................ 305 Lendo o texto ............................................. 345 de conciliar teoria e prática .................... 382
Eça de Queirós .................................... 306 Trocando ideias .......................................... 350 Lendo o texto ............................................. 383
Trocando ideias .......................................... 306 • O teatro realista ................................... 351 Trocando ideias .......................................... 384
Texto e Intertexto........................................ 306 Artur Azevedo e os costumes
Camilo Pessanha: a mais pura
Os temas recorrentes da da Capital Federal.................................. 351
expressão do Simbolismo português ...... 384
poesia realista ....................................... 307 Lendo o texto ............................................. 351
Velhos temas, novas leituras ........................ 355 Lendo o texto ............................................. 385
A poesia social de
Questões de exames ................................... 360 O Simbolismo no Brasil .......................... 385
Antero de Quental ............................... 307
Lendo o texto ............................................. 307
Cruz e Sousa: linguagem e musicalidade
Trocando ideias .......................................... 308 Capítulo 7 num mundo transcendental ................... 386
A poesia do cotidiano de Os estilos de época da Lendo o texto ............................................. 387
Cesário Verde ...................................... 308 Revolução Industrial Texto e Intertexto........................................ 388
Lendo os textos .......................................... 308 à Primeira Guerra: o Misticismo, amor e morte na poesia de
A poesia filosófica de Parnasianismo ........................... 361 Alphonsus de Guimaraens ..................... 390
Machado de Assis ................................ 309 • A herança clássica nas Lendo os textos .......................................... 390
A crítica corrosiva de Eça de Queirós...... 310 artes brasileiras .................................... 362 Velhos temas, novas leituras ........................ 392
Lendo os textos .......................................... 310 A pintura ................................................... 362
Questões de exames ................................... 395
Velhos temas, novas leituras ........................ 313 A arquitetura.............................................. 362
Questões de exames ................................... 315 • Art nouveau.......................................... 364
■ Bibliografia ......................................... 397
• A virada do século................................ 364
Capítulo 5 • Parnasianismo: o culto da forma .......... 365 ■ Siglas das instituições promotoras
A narrativa realista/ Trocando ideias .......................................... 366 dos exames......................................... 400
naturalista no Brasil ............. 317 • A produção literária ............................. 367
• O Realismo na pintura brasileira .......... 318 O descritivismo de Alberto Objetos educacionais
A pintura ................................................... 318 de Oliveira ............................................. 367
digitais
• O contexto histórico no Brasil .............. 319 Lendo os textos .......................................... 367
• O romance realista no Brasil ................ 319 A reflexão filosófica de
Psicologia, ironia e crítica Raimundo Correia.................................. 368 Ícone de atividade
na obra de Machado de Assis ................ 319 Lendo os textos .......................................... 369 interdisciplinar

Código de cores utilizado nesta coleção para identificar as classes gramaticais

● verbo ● artigo ● advérbio ● numeral ● conjunção

● substantivo ● adjetivo ● pronome ● preposição ● interjeição

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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

Capítulo 1
////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////
/////////////////////
/////////// //
////////////////////
// // ////////////////////////////////////////

Estrutura e formação de palavras

Capítulo 2
Substantivo

Capítulo 3
Determinantes e modificadores dos substantivos

Capítulo 4
O pronome

Capítulo 5
O verbo

Capítulo 6
O advérbio

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cAPÍTULo

Parte
A grAmáticA dos textos

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1
PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

cAP Í T U L o 1

Estrutura e
formação de palavras
POR UMA POLÍTICA DE SEGURANÇA
PARA OS “CYBERCAFÉS” BRASILEIROS
Parece que nossas autoridades ainda não enxergaram o imenso perigo que consti‑
tui o funcionamento de “cybercafés” sem qualquer tipo de controle. Utilizando um
terminal de acesso público à Internet, uma pessoa pode praticar uma série de crimes,
desde um simples spam até coisas mais graves como difamação, extorsão, chantagem,
ameaça, fraudes de cartões de
Rainer Hackenberg/Album/akg-images/Latinstock

crédito, acesso não autorizado a


sistemas informáticos e disse‑
minação de pornografia infan‑
til, só para citar alguns. Se nes‑
ses estabelecimentos não se
exige identificação dos usuários,
as pessoas podem praticar esses
crimes sob completo anonimato.
Demócrito Reinaldo Filho, Juiz
de Direito (32ª Vara Cível do Recife)
n Disponível em: <www.pontojuridico.com/
modules.php?name=News&file=article&sid=28>.
n Cybercafé = cyber- (do inglês cybernetics) + café Acesso em: 31 jan. 2013.

Observando as partes que compõem alguns vocábulos, é possível entender melhor seu significado e a classe gramatical a que
pertencem. Veja o caso do substantivo cybercafé, vocábulo recém-criado (um neologismo), composto de elementos oriundos de
diferentes línguas (um hibridismo): cyber- (do inglês cybernetics, “cibernética”, resultando na forma aportuguesada ciber-) e café
(do árabe qahwa, “vinho”, através do turco qahvé, “café”; a partir do século XVIII emprega-se também para denominar o
estabelecimento que serve a bebida). Assim, desvendando o sentido das partes, chega-se ao sentido do todo. Observe-se, ainda,
uma relação entre os componentes: o elemento de composição cyber- está caracterizando o radical café; conclui-se, então, que se
trata de um estabelecimento que, além de servir café, oferece a possibilidade de o cliente conectar-se à internet.

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EsTRUTURA E foRmAção dE PALAvRAs cAPÍTULo 1

A gRAmáTicA
DA PALAvRA
“A história das palavras está longe de ser insípida e desinteressante ao comum dos mortais. É
com vivo entusiasmo que se acompanham as incursões nessa seara, talvez porque, como lembrou
o lexicólogo e etimólogo francês Antoine Thomas, assim como a criança gosta de desmontar seus
brinquedos para ver como funcionam, o homem sente prazer em desmontar as palavras em seus
elementos constitutivos, para saber o segredo profundo do seu significado, para conhecer o per-
curso de sua história através do tempo.”
n Evanildo Bechara, na apresentação do livro O romance das palavras, do prof. Celso Luft.

INTRODUÇÃO
Ç
////////////////////////////////////////

Neste primeiro capítulo do volume 2, nosso enfoque será o estudo das unidades e das regras que regem
a estrutura interna da palavra. Ao nos determos na organização interna do significante, podemos compre‑
ender melhor seu significado. Para isso, vamos mergulhar nas menores unidades significativas das palavras
e suas combinações.
Veja, por exemplo, a palavra menininhos. Ela é formada menin | inh | o | s
de quatro unidades significativas: 1. menin- é a unidade que fornece o significado da
Essas unidades significativas, ou segmentos, que cons‑ palavra; podemos afirmar que é sua base. É o radical. Com
o radical, podemos formar uma família de palavras, os
tituem as palavras são as formas mínimas ou morfemas (do
cognatos: meninada, menineiro, meninez, meninice,
grego morphé, “forma” + a terminação -ema de fonema). meninil, meninote, ameninado, ameninar.
Chamamos análise mórfica ou morfológica ao processo de 2. -inh- é a unidade que indica o grau diminutivo.
decomposição das palavras em suas várias formas míni‑ 3. -o- é a unidade que indica o gênero masculino.
mas. 4. -s é a unidade que indica o número (plural).
Há duas espécies de morfemas:
• aqueles cuja significação refere‑se ao mundo objetivo (tanto ao mundo exterior como ao interior – seres,
ações, ideias, sensações, estados, qualidades) e que indicam a significação da palavra (daí serem chamados
de semantemas – de semântica, “estudo da significação das palavras”). Referem‑se ao conjunto de palavras
de uma língua (daí também serem chamados de lexemas – de léxico, “vocabulário de uma língua”).
• aqueles que têm significação apenas em relação ao sistema gramatical da língua. Indicam, no caso da língua
portuguesa, o gênero, o número, a pessoa, o modo e o tempo. Por exemplo:

-o-Ø

-a-Ø
alun
-o-s

-a-s
Ulhôa Cintra/Arquivo da editora

No caso acima, os morfemas -o e -a indicam o gênero (masculino ou feminino) e o morfema -s indica o


número plural (na ocorrência do singular, considera‑se morfema zero, representado pelo símbolo Ø). Esses
morfemas só têm significação relativamente à estrutura da língua; por isso, são chamados de morfemas
gramaticais.
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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

OS ELEMENTOS MÓRFICOS
/////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Radical, semantema ou lexema


É a forma mínima (portanto, indivisível em unidades menores) que indica o sentido básico da palavra, ou
seja, seu significado.
Com os radicais formamos famílias de palavras; é o que ocorre, por exemplo, com o radical doc da palavra doce:
doc - inho
doc - eira
doc - (e) mente
doç - aria
doç - ura
a - doc - icado
a - doç - ar
Observação: A troca do c por ç é apenas acomodação gráfica; o fonema é sempre o mesmo.

Afixos
São elementos colocados antes (prefixos) ou depois (sufixos) dos radicais.

prefixos radicais sufixos prefixos radicais sufixos


a menin ado estupid ez

menin ada escam oso

in feliz real ismo

leve mente livr eco

De modo geral, pode‑se dizer que os prefixos acrescentam uma noção semântica ao radical, e os sufixos,
além de uma noção semântica, podem trazer uma marca classificatória.
A palavra formada pelo acréscimo de um prefixo pertence à mesma classe gramatical da palavra primi‑
tiva (feliz = adjetivo; infeliz = adjetivo); já a palavra formada pelo acréscimo de sufixo pode, eventualmente,
pertencer a classe gramatical diferente da palavra primitiva (menino = substantivo, meninada = substantivo;
estúpido = adjetivo, estupidez = substantivo).
Nos exemplos acima, o prefixo a-, em ameninado, acrescenta a noção de “transformação”; in-, em infeliz, a
noção de negação. O sufixo -mente é formador de advérbios de modo; -ez, de substantivos abstratos; -oso, de
adjetivos. Já o sufixo -ado, em ameninado, significa “que tem caráter ou forma de”, “semelhante a”; o sufixo -ada,
em meninada, significa “multidão, coleção”; o sufixo -ismo, em realismo, significa “doutrina, escola, teoria ou
princípio artístico, filosófico ou político”. Há casos em que o uso implica novas significações; é o que ocorre com
alguns diminutivos que podem ser empregados com carga pejorativa, como o sufixo -eco em livreco.

Vogal temática e tema


Vogal temática é o elemento que se junta ao radical de um verbo ou de um nome para fazer a ligação entre
este e a desinência. O radical acrescido da vogal temática recebe o nome de tema.
Veja o caso do verbo cantar: o radical é cant- (radical também de: cantador, cantor, cantável, cantante, etc.);
a desinência é -r. Entretanto, na língua portuguesa, é impossível a ligação cant- + -r. É necessário mais um ele‑
mento, no caso, a vogal temática. Assim:
cant- (radical) canta- (tema: radical + vogal temática) cantar (tema + desinência)
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EsTRUTURA E foRmAção dE PALAvRAs cAPÍTULo 1

As vogais temáticas identificam as conjugações verbais:


-a- verbos da primeira conjugação (falar, cantar)
-e- verbos da segunda conjugação (beber, vender)
-i- verbos da terceira conjugação (partir, sair)

imPoRTANTE!
O verbo pôr e seus derivados pertencem à segunda conjugação. Sua forma arcaica era
poer; na forma atual, o verbo pôr não apresenta vogal temática. No entanto, algumas palavras
derivadas do radical de poer apresentam a vogal temática: poedeira, poente.

Nos nomes que não admitem flexão de gênero, também encontram‑se vogais temáticas, representadas
por -a, -e, -o átonos no final das palavras. É o que ocorre, por exemplo, com mesa, perfume e tribo cujos radicais
são mes-, perfum-, trib- (radicais também de: mesário, mesinha; perfumaria, perfumoso; tribal, tribalismo). Aos
temas, pode‑se acrescentar a desinência de número: mesas, perfumes, tribos.

Desinências
São elementos colocados no final das palavras para indicar certos aspectos gramaticais. Na língua portu‑
guesa, dividem‑se em:
• desinências nominais: indicam o gênero e o número dos nomes (substantivos, adjetivos, pronomes, artigos,
numerais). Por exemplo:
alun - o - Ø (-o, indica o gênero masculino; a ausência de desinência – ou desinência zero – marca o singular)
alun - a - Ø (-a, indica o gênero feminino; a ausência de desinência – ou desinência zero – marca o singular)
alun - o - s (-o, indica o gênero masculino; -s, indica o número plural)

Na língua portuguesa, para indicar a flexão de gênero, os casos mais comuns são a alternância entre -o ou
Ø e -a (gato‑gata; peru‑perua); para indicar a flexão de número, a alternância se dá entre Ø e -s (gato‑gatos;
perua‑peruas). Observe que a falta da desinência é tão significativa quanto sua presença.
• desinências verbais: indicam as flexões dos verbos em número, pessoa, modo e tempo. Por exemplo:
cant-á-sse-mos
cant- (radical)
-á- (vogal temática)
-sse- (desinência de modo subjuntivo e de tempo imperfeito)
-mos (desinência de primeira pessoa e de número plural)

OPS!
Cadê a desinênCia?

Afirmamos que desinências “são elementos colocados no final das palavras para indicar certos aspectos gramaticais”. Mas, como
sempre, há exceções (só para confirmar a regra!). Leia o inciso IV do 3º artigo da nossa Constituição:
“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
[...]
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
As palavras quaisquer e outras estabelecem concordância com o substantivo feminino plural formas. Em outras, as desi-
nências a e s indicam o gênero feminino e o número plural. E na palavra quaisquer, onde estão as desinências? O pronome inde-
finido qualquer é invariável quanto ao gênero (só o identificamos pelo contexto), portanto não apresenta desinência (um homem
qualquer, uma mulher qualquer); quanto ao número, uma curiosidade: a marca do plural está no meio da palavra, e não no fim. Isso se
explica pela sua formação: qual (pronome) + quer (verbo querer, terceira pessoa do singular, presente do indicativo); apenas o
primeiro elemento se flexiona, daí quais + quer.

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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

A palavra mais comprida da língua


Você está lembrado daquela turminha famosa do Sítio do Pica‑Pau‑Amarelo, que partiu para um
passeio ao País da Gramática? Pois é. Entre outras coisas interessantes, eles se defrontaram com “a pala‑
vra mais comprida da língua”. Vamos aos fatos.
“Era uma curiosidade de museu que ali estava em exibição pública. Um grande letreiro dizia: ‘A
palavra mais comprida da língua. Entrada franca’.
Os meninos precipitaram-se para ver o fenômeno e de fato viram num cercado de arame, espi-
chada no chão que nem jiboia, a palavra anticonstitucionalissimamente.
– Irra! – berrou a boneca. – Uma, duas, três, quatro... Vinte e nove letras tem este formidável advérbio!...
– Treze sílabas! Cáspite!... acrescentou Pedrinho.”

itora
o da ed
Arquiv
Cintra/
Ulhôa

n LOBATO, Monteiro. Emília no País da Gramática. 11. ed. São Paulo: Brasiliense. p. 43.

Vamos pensar um pouco nessa palavra imensa. A base é o substantivo constituição; daí derivou o
adjetivo constitucional (constituição + o sufixo -al, que indica “relação”); a seguir, foi acrescentado o pre‑
fixo anti- (“contra”); ao adjetivo anticonstitucional foram acrescidos mais dois sufixos: -íssimo (indica o
grau superlativo) e -mente (formador de advérbios de modo), para finalmente resultar no advérbio anti-
constitucionalissimamente.
Veja a seguir, mais detalhadamente, como se dá esse processo.

PROCESSOS DE FORMAÇÃO DAS PALAVRAS


////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Os dois principais processos pelos quais se formam novas palavras na língua portuguesa ocorrem quando:
• a uma palavra básica, primitiva, acrescentamos prefixos, ou sufixos, ou ambos, ou a mudamos de classe gra‑
matical, ou dela retiramos um elemento qualquer: trata‑se do processo de derivação. Importante é observar
que tudo acontece em torno de uma só palavra primitiva, de um só radical. Veja o exemplo:

arquivamento
arquivar

arquivonomia ARQUIVO arquivista


(palavra primitiva)

rearquivar

• uma palavra é formada por dois ou mais radicais: trata‑se do processo de composição. Observe que a compo‑
sição consiste sempre na junção de radicais. Por exemplo:

água-de-colônia couve-flor pernalta


girassol automóvel eletroencefalograma
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EsTRUTURA E foRmAção dE PALAvRAs cAPÍTULo 1

Derivação
Como vimos anteriormente (tendo como exemplos arquivo, arquivista, rearquivar, etc.), o processo de deri‑
vação está sempre ligado a dois conceitos: palavra primitiva (aquela que serve de base) e palavra derivada
(aquela que se forma a partir de uma palavra primitiva; no caso, é nosso objeto de estudo).
Os tipos de derivação são:
• prefixal: quando se acrescenta um prefixo à palavra primitiva: desamor, infeliz, rever, etc.
• sufixal: quando se acrescenta um sufixo à palavra primitiva: amoroso, felizmente, menininho, etc.
• parassintética: quando se acrescenta, ao mesmo tempo, um prefixo e um sufixo: esquentar, esfriar, amadu‑
recer, etc.
imPoRTANTE!
en + tard + ecer
Na derivação parassintética, o simples acréscimo
prefixo radical sufixo do prefixo ou do sufixo não forma uma palavra. A
nova palavra é formada pelo acréscimo simultâneo de
• regressiva: quando a palavra primitiva sofre
prefixo e sufixo, para ter significado. Veja, por exem‑
uma redução. Normalmente, formam‑se
plo, a palavra entardecer: é formada por en + tarde +
substantivos abstratos por derivação regressi‑
ecer; só o prefixo ou só o sufixo não forma outra pala‑
va de formas verbais: ajuda (de ajudar), traba- vra (entarde e tardecer não têm significado).
lho (de trabalhar), castigo (de castigar), etc. A Compare com este outro exemplo: deslealdade.
linguagem popular, com suas gírias e modis‑ A derivação não é parassintética, pois desleal e lealdade
mos, que obedecem à lei do menor esforço, têm vida própria, têm significado. Nesse caso, ocorre
apresenta inúmeros exemplos: estranja (de derivação prefixal e sufixal.
estrangeiro), boteco (de botequim), etc.

O que surgiu primeiro: o verbo ou o substantivo?


No caso dos substantivos derivados de verbos, há uma regra prática para saber. Se o substantivo
nomear uma ação, será derivado; nesses casos, o verbo é a palavra primitiva: os substantivos combate,
caça e pesca, por exemplo, são derivados, respectivamente, dos verbos combater, caçar, pescar. Se o subs‑
tantivo nomear um ser ou objeto, ele é a palavra primitiva: os substantivos planta, arquivo e telefone dão
origem, respectivamente, aos verbos plantar, arquivar e telefonar.

OPS!
Cadê O sUFiXO?
No caso de plantar, arquivar e telefonar, palavras derivadas, ocorre uma interessante situação: são formadas pelo radical dos
substantivos (plant, arquiv, telefon) + a vogal temática a + a desinência do infinitivo r. Não há, a rigor, um sufixo. No entanto, à falta
de melhor classificação, diz-se que são formadas pelo processo de derivação sufixal. E alguns gramáticos consideram as terminações do
infinitivo (ar, er, ir) sufixos verbais ou sufixos flexionais.

Composição
Como já vimos, a composição ocorre sempre que uma palavra é formada pela junção de dois ou mais radi‑
cais. São dois os tipos de composição:
• justaposição: quando os radicais formadores da nova palavra não sofrem modificações. Por convenção orto‑
gráfica, há palavras em que os elementos de composição são grafados unidos (passatempo, televisão), outras
em que os elementos aparecem unidos por hífen (quinta‑feira, amor‑perfeito) e há ainda palavras que preser‑
vam sua autonomia gráfica (Roberto Carlos, fim de semana, meio ambiente).
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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

• aglutinação: quando os radicais formadores da nova palavra sofrem modificações (as alterações podem ocorrer
em um ou em todos os radicais formadores da palavra): aguardente (água + ardente), vinagre (vinho + acre),
planalto (plano + alto), fidalgo (filho + de + algo), etc.

OUTROS PROCESSOS DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS


//////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Além dos dois principais processos de formação de palavras – a derivação e a composição –, existem alguns
outros que produzem um número razoável de vocábulos.

Onomatopeia
A onomatopeia, que você já estudou como recurso estilístico, consiste na imitação de sons, seja o som das
vozes dos animais, seja o som dos ruídos da natureza, ou mesmo o som produzido pelos objetos e pelo próprio
homem. Por exemplo, o homem, imitando a voz do gato, criou a palavra miau e o respectivo verbo miar; para o
barulho do trovão, o verbo troar; para o barulho do relógio, tique-taque; para a batida na porta, toque-toque; e
mais: pingue-pongue, pum, zum-zum, cacarejar, gago, ronronar, etc.

©(2008) Nik/Dist. By Atlantic


Syndication/ ©Jim Davis/Paws, Inc. All Rights Reserved/
Universal Uclick
Syndicate/IPress Fernando Gonsales/Acervo do cartunista Dist. By Atlantic Syndication/Universal Uclick
ne/King Features
©(1982) Dik Brow

Abreviação, abreviatura, siglas


A abreviação vocabular (ou forma reduzida) consiste na redução da palavra até o limite que não prejudique
a compreensão:

oNgs, tran
sparência
Bovespa registra e sociedad
e m u n h o ’ abre
‘gir i s
leve alta nesta n Disponíve
melhore c
impresso,ongs-tr l em: <www.estadao.com.b
festival s
o cineser/noticias/
ansparencia-e-so r/noticias/
ciedade-,94901
quinta-feira 2,0.h
Acesso em: 31 jan tm>.
d o a n o n
. 2013. adao.com.b
n Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/ : <www.est
ível em do-ano- hores-
n Dispon festival-mel .
mercados/noticia/2013/01/bovespa-registra-leve-alta- munho-abre- : 31 jan. 2013
arteelazer,giri 18,0.htm>. Acesso em
nesta-quinta-feira.html>. Acesso em: 31 jan. 2013. 85 73
no-cinesesc,

cinematógrafo cine / cinema fotografia foto


metropolitano metrô Pelourinho Pelô
microcomputador micro pneumático pneu
motocicleta moto reacionário reaça
telefone fone rebuliço rebu

Abreviatura é a representação de uma palavra por meio de algumas de suas sílabas ou letras:
pág. ou p. (página) m (metro) Fís. (Física) Geom. (Geometria)
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EsTRUTURA E foRmAção dE PALAvRAs cAPÍTULo 1

As siglas podem ser consideradas um tipo especial de abreviatura, feita com as letras iniciais, ou mesmo as
sílabas iniciais, das palavras:
MAM (Museu de Arte Moderna) Volp (Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa)
CEP (Código de Endereçamento Postal) Alca (Área de Livre Comércio das Américas)
ONG (Organização Não Governamental) Bovespa (Bolsa de Valores do Estado de São Paulo)
A partir das siglas podem ser criadas novas palavras pelo acréscimo de sufixos: PT (sigla de Partido dos
Trabalhadores); petista – palavra formada pela sigla PT – “pet(e)‑” – + sufixo ista (“partidário, seguidor de doutrina”).

Neologismo
Neologismo é a denominação dada a uma palavra recém-criada ou mesmo a uma palavra que adquire um novo significado; neologismar
é o ato de criar e ou empregar neologismos.
Como vimos no texto de abertura, cybercafé é uma palavra recém-criada, sem registro, ainda, nos dicionários. O mesmo ocorre com ciberpi-
rata (pessoa que viola sistema pela internet), e-governo (atendimento eletrônico de órgãos governamentais pela internet) e tantos outros ter-
mos que surgiram (e surgem!) desde o advento da informática e da internet.
Já com a palavra tucano, por exemplo, ocorreu outro fenômeno linguístico. Tradicionalmente, nomeia uma espécie de ave, um povo indígena
do Alto Rio Negro e uma constelação. Nas últimas décadas do século XX, um novo partido político adotou a ave como símbolo; a partir de então,
criaram-se neologismos: tucano, empregado como substantivo ou adjetivo para designar um político ligado ao partido ou para referir-se a ele (Os
tucanos votaram contra o projeto... O governador tucano compareceu à cerimônia...) e tucanar (o vereador tucanou = virou tucano, isto é, agiu
como um político desse partido ou passou a fazer parte dele...).
Entretanto, para neologismar, não basta apenas criatividade; é necessário obedecer a certas normas da língua ao compor os vários segmentos
que formam a estrutura da palavra. Caso contrário, torna-se impossível decodificá-la. Com os verbos, há uma regra: todos os verbos novos devem
pertencer à primeira conjugação.
Veja o caso do verbo inglês to delete, que nomeia uma função em todos os teclados de computadores. Embora existam equivalentes na língua
portuguesa – apagar, remover, suprimir –, o vocábulo foi perfeitamente assimilado e aportuguesado: ao radical delet- foi acrescentada a vogal
temática de primeira conjugação, resultando no tema deleta, ao qual se acrescentou a desinência do infinitivo, surgindo o verbo deletar (eu
deleto, tu deletas...), com registro nos principais dicionários.

Atividades
Textos para as questões 1 a 4.

Heteros representam 68% dos casos de HiV


n Disponível em: <http://noticias.band.uol.com.br/cidades/noticia/?id=100000450595>.
Acesso em: 22 jan. 2013.

O que é HIV
HIV é a sigla em inglês do vírus da imunodeficiência humana. Causador da aids, ataca o
sistema imunológico, responsável por defender o organismo de doenças. As células mais
atingidas são os linfócitos CD4+. E é alterando o DNA dessa célula que o HIV faz cópias
de si mesmo. Depois de se multiplicar, rompe os linfócitos em busca de outros para
continuar a infecção.
Disponível em: <www.aids.gov.br/pagina/o-que-e-hiv>. Acesso em: 31 jan. 2013.

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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

1. Aids é uma sigla, mas também um estrangeirismo consagrado no português do Brasil; o mesmo ocorre
com HIV. Justifique essa afirmação.

2. Em Portugal, aportuguesaram a sigla Aids. Como ela é grafada?


3. Observe a palavra hetero, na manchete.
a) Ela é a forma reduzida de que vocábulo?
b) Como todo neologismo aportuguesado, a palavra deve seguir as normas do Português escrito. Como ela
deveria ter sido escrita?

4. Escreva uma hipótese sobre o fato de o veículo de comunicação ter optado por usar a sigla (Aids) e a forma
reduzida da palavra heterossexual.

Texto para as questões 5 a 10.

©(2003) Mort Walker/King Features Syndicate/Ipress

n O Estado de S. Paulo, São Paulo, 15 nov. 2003. p. D2.

5. Em que se centra o humor dessa tirinha? Oto entendeu o que é um palíndromo?


6. Sabendo que a palavra palíndromo é composta pelos elementos de composição gregos palin (de novo, em
repetição; de sentido inverso) + dromo (corrida), qual seria o significado literal dessa palavra? Dê a sua
definição para palíndromo.

7. Formule exemplos de palavras e/ou frases palíndromas.


8. Dê exemplos de palavras formadas com o segundo elemento que entra na composição de palíndromo.
9. Soletrado e soletrando são formas verbais do verbo soletrar. Como se formou esse verbo?
10. É muito comum aparecer, em tirinhas, a técnica textual de trechos subentendidos e a técnica gráfica de
zoom (aproximação por meio de um recorte de cena). Justifique a aplicação dessas duas características no
último quadrinho.

PREFIXOS
/////////////////////////////

O prefixo é definido como o elemento mórfico que antecede o radical (ou raiz) de uma palavra, alterando‑
‑lhe o significado a ponto de criar uma nova palavra: moral, imoral, amoral. Em alguns casos, o prefixo pode
anteceder outro prefixo; ocorre, assim, a presença de dois ou mais prefixos numa mesma palavra: desajustar
(des + a + justo + ar ).
Conhecer o significado dos prefixos é fundamental para a compreensão das novas palavras criadas pelo pro‑
cesso de derivação prefixal. Observe que, às vezes, o prefixo tem o valor de um advérbio (de negação: anônimo,
ateu); às vezes, de uma preposição (contra) ou de um numeral (bi, bis).
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EsTRUTURA E foRmAção dE PALAvRAs cAPÍTULo 1

SUFIXOS
//////////////////////////

Ao apresentar a relação dos principais sufixos, não obedeceremos ao critério etimológico, e sim ao funcional.
Dessa forma, é importante perceber que os sufixos podem ser classificados em dois grupos: os sufixos flexionais
(que indicam certas flexões das palavras, como o grau aumentativo ou diminutivo) e os sufixos derivacionais (que
formam novas palavras pelo processo de derivação sufixal).
Pelo critério de classes de palavras, os sufixos podem ser de três tipos:
• nominal – aquele que forma substantivos e adjetivos;
• verbal – aquele que forma verbos;
• adverbial – aquele que forma advérbios.

Sufixos verbais
Além das flexões, os verbos apresentam uma carga significativa muito particular: exprimem a duração do
processo indicado. A essa propriedade, que realça o caráter dinâmico e temporal do verbo, chamamos aspecto.
Tomando por base a estrutura das palavras, o aspecto verbal tem seu significado centrado nos sufixos que
formam verbos a partir de substantivos e adjetivos.
Explicaremos, a seguir, os aspectos verbais indicados pelos sufixos relacionados:
• durativo (ou cursivo): exprime um processo que está em curso, portanto, em pleno desenvolvimento, sem
referência a seu início ou término.
• frequentativo (ou iterativo): refere‑se a uma ação repetida ou frequente; normalmente é indicado por sufixo
de valor diminutivo.
• incoativo: exprime o início de um processo.
• factitivo (ou causativo): trata‑se de verbo transitivo direto que exprime um processo em que o objeto é um
agente sob a influência de um sujeito.
A mãe adormece a criança. (quem adormece é a criança, isto é, o agente)
O pastor apascenta o rebanho. (o rebanho é que vai ao pasto)
O menino afugentou os passarinhos. (os passarinhos fugiram)

Sufixos que formam verbos derivados de substantivos e adjetivos


sufixos aspectos verbais significados exemplos

-ear, -ejar ação durativa, ação transformação, mudança de cabecear, balancear, verdear, gotear, folhear;
frequentativa estado gotejar, verdejar, velejar

-ecer, -escer ação incoativa, ação transformação, mudança de amanhecer, amarelecer, envelhecer, anoitecer,
factitiva estado embranquecer; rejuvenescer, florescer

-entar ação factitiva qualidade, estado atormentar, afugentar, aformosentar

-fazer, -ficar ação factitiva qualidade, estado liquefazer, estupefazer; clarificar, mitificar,
petrificar, retificar, mumificar

-icar, -iscar ação frequentativa diminutivo bebericar, adocicar; mordiscar, chuviscar, lambiscar

-ilhar, -inhar ação frequentativa diminutivo dedilhar, fervilhar; escrevinhar, cuspinhar

-itar ação frequentativa diminutivo dormitar, saltitar

-izar ação factitiva qualidade, mudança de estado civilizar, utilizar, organizar, vulgarizar

Observação: Os verbos que apresentam prefixo e sufixo são, via de regra, formados pelo processo de deri-
vação parassintética (amanhecer, ensurdecer, afugentar).
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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

Sufixo adverbial
O único sufixo adverbial da língua portuguesa é o sufixo -mente (do substantivo latino mens, mentis – “mente,
alma, espírito, intenção”); a princípio, o substantivo juntava‑se a um adjetivo para indicar “a maneira”, “o modo”, “a
intenção”: segura mente (“de maneira segura”); forte mente (“de maneira forte”). Daí formar advérbios de modo.
O processo de formação dos advérbios terminados em -mente obedece, em geral, ao seguinte processo:
adjetivo (feminino) + sufixo -mente
generosa + -mente generosamente
tranquila + -mente tranquilamente
forte + -mente fortemente
Observação: O substantivo mens, em latim, é feminino.

Hibridismo
Dá-se o nome de hibridismo às palavras em cuja formação entraram morfemas oriundos de diferentes línguas. É o que ocorreu com:
• abreugrafia = abreu, vocábulo português derivado do nome do médico brasileiro Manuel de Abreu, criador do método utilizado para
diagnosticar tuberculose, + grafia, elemento de composição grego (“escrita”).
• agrobusiness e agroboy = agri, agro, elemento de composição latino (“campo”, “terra trabalhada”, “agrícola”) + os termos ingleses
business (“negócio”) e boy (“menino, rapaz”).
• algébrico = álgebra vem do árabe + -ico, sufixo grego.
• ipê-roxo = ipê vem do tupi (“casca, árvore cascuda”) + roxo, de origem latina (“de cor vermelha carregada”).
• surfista = surf é palavra da língua inglesa + -ista, sufixo grego.

Atividades
Texto para as questões 1 a 9.

Pragurbicida
Somos uma empresa especializada em dedetização: desratização, descupinização,
desinsetização e erradicação de qualquer tipo de praga vinda da água‑servida de prédios
residenciais e comerciais.
Atuamos na região da capital com toda a garantia e qualidade de nossos serviços
especializados para o controle das pragas urbanas.
Solicite agora mesmo seu orçamento on­‑line!

Ulhôa Cintra/Arquivo da editora

1. A apresentação da empresa é feita por meio do verbo conjugado na 1a pessoa do plural, enquanto seria
possível a conjugação na 3a pessoa do singular. Explique o efeito de sentido que essa opção produz.

2. Explique, também, o efeito provocado pela sequência de palavras formadas com o prefixo des-.
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EsTRUTURA E foRmAção dE PALAvRAs cAPÍTULo 1

3. Dedetização é uma palavra criada a partir da sigla DDT (diclorodifeniltricloroetano, substância tóxica utilizada
como inseticida). Explique o processo de formação desmembrando o nome dedetização até chegar à sigla.

4. Leia os verbetes a seguir:

Desratizar
[De des- + rato1 + -izar.]
Verbo transitivo direto.
1. Extinguir os ratos de (algum lugar): desratizar o sótão da casa.

Desratização
[De desratizar + -ção.]
Substantivo feminino.
1. Ato ou efeito de desratizar.

n FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário eletrônico. Versão 5.0. Ed. rev. e atual.
Parte integrante do Novo dicionário Aurélio. Curitiba: Positivo/Positivo Informática, 2004.

Qual é o processo de formação dessas palavras?

5. Justifique a relevância do neologismo do nome da empresa Pragurbicida, levando em consideração seu


significado e sua composição.

6. Que palavras utilizadas no primeiro parágrafo retomam o significado do radical latino urbi presente no
nome da empresa?

7. A última sentença é aquela que dialoga diretamente com o interlocutor, buscando filiá‑lo à empresa. Sobre
essa relação:
a) Que termos indicam a interlocução com o leitor?
b) O apelo ao consumo costuma ser feito, entre outros recursos linguísticos, pela construção de uma neces‑
sidade imediata do produto. Explique como isso está marcado no texto e comente o efeito produzido.
c) O estrangeirismo on-line poderia ser suprimido sem afetar o entendimento da mensagem, mas sua utili‑
zação serve para passar uma imagem sobre a empresa e a prestação do serviço. Quais são essas imagens?

8. “Zuffo [João Antonio Zuffo, professor da Escola Politécnica da USP] chama a atenção também para o futuro
processo de desurbanização dos grandes centros. Ele acredita que, com o ritmo do avanço tecnológico
atual, não será mais necessário se viver em metrópoles.”
n Disponível em: <www.canalcontemporaneo.art.br/forum/viewtopic.php?t=98>. Acesso em: 1º fev. 2013.

a) Explique o significado de desurbanização, comente os elementos que formam o vocábulo e informe seu
processo de formação.
b) A palavra metrópole vem do grego metrópolis e é formada por dois elementos: métra, “matriz, útero, ventre”
e pólis, “cidade”. Com qual sentido a palavra é empregada no texto acima?

9. Nesta manchete da Folha de S.Paulo:


“USP transforma fungos em bioinseticida”
n Disponível em: <www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u10719.shtml>. Acesso em: 1º fev. 2013.

Explique por que a palavra bioinseticida pode ser chamada de neologismo híbrido. Justifique seu emprego
na manchete, observando sua significação.
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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

Texto para as questões 10 a 12. Para responder, consulte um bom dicionário.

Este é um folheto de divulgação, distribuído gratuitamente em residências.

Acervo do autor
10. Indique as palavras estrangeiras que aparecem no texto do folheto e a língua de que se originam.
11. A partir de: acu (agulha) + punctura (picada ou ferimento feito com punção), foi formada a palavra “acu‑
puntura”. Explique o significado dessa palavra.

12. “Terapia” é elemento de origem grega que significa: tratamento, cura.


a) Cite algumas palavras que tenham “terapia” em sua formação.
b) Demonstre como se formou a palavra “moxaterapia”.

Texto para as questões 13 a 17.

© Laerte/Acervo do cartunista

n LAERTE. Piratas do Tietê. Folha de S.Paulo, São Paulo, 20 nov. 1994.

13. As palavras comunismo e ecologia que aparecem na tirinha foram introduzidas em nossa língua por
intermédio do francês (communisme e écologie), mas é fácil identificar os elementos de composição
dessas palavras.
a) Explique como elas se formaram.
b) Os elementos que compõem esses vocábulos também estão presentes nestes outros: budismo; fascismo;
realismo; kantismo; arqueologia; filologia; geologia; hidrologia. Explique o que significam, sem consultar
o dicionário.
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EsTRUTURA E foRmAção dE PALAvRAs cAPÍTULo 1

14. Em reprogramar, que noção o prefixo acrescenta ao verbo original?


15. O personagem da tirinha faz a seguinte pergunta:
“Aonde foi parar a luta contra a miséria?”
Ele poderia ter empregado onde no lugar de aonde? Por quê?

16. Há nos quadrinhos uma palavra que, se empregada com a desinência indicativa do número plural, adquire
sentido diferente de quando empregada no singular. Aponte‑a e empregue‑a numa frase.

17. Miserê é um termo da gíria brasileira. Explique qual o processo de formação dessa palavra.

A gRAmáTicA
DA fRAsE

temperatura média de

Luis Salvatore/Pulsar Imagens


27 ºC e umidade de 72%.
estes são os fatores que
fizeram o jornal esportivo
MARCA, principal
periódico de esportes da
espanha, definir Fortaleza
como o ‘melhor clima
do Brasil’.
n Disponível em: <http://blogs.diariodonordeste.com.br/
diarionacopa/copa-das-confederacoes/jornal-espanhol-define-
fortaleza-como-o-melhor-clima-do-brasil/>.
Acesso em: 1º fev. 2013.

AS MARCAS DAS RELAÇõES FRáSICAS


//////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Entre as “marcas” morfológicas das palavras, estão as desinências nominais e as desinências verbais, que
indicam aspectos gramaticais. Esses aspectos têm uma particularidade: não focalizam a palavra isolada, mas as
relações de dependência e interligação que há entre as palavras que formam um enunciado.
Lendo o texto acima com atenção, percebe‑se como as relações entre as palavras estão efetivamente evi‑
denciadas pelas desinências:

Temperatura média de 27 ºC e umidade  de  72%. Estes são os fatores que fizeram o jornal esportivo
Marca, principal periódico de esportes da Espanha, definir Fortaleza como o ‘melhor clima do Brasil’.
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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

A desinência -am, na forma verbal fizeram, indica a terceira pessoa do plural do pretérito perfeito do
indicativo, estabelecendo concordância com o pronome relativo que, cujo referente anafórico é o substantivo
plural fatores; a desinência de plural em estes estabelece concordância com os dois núcleos do primeiro
período (temperatura e umidade); a desinência de plural em fatores estabelece concordância com o prono‑
me demonstrativo estes (núcleo do sujeito); a desinência de plural no artigo os estabelece concordância com
fatores.

PALAVRAS qUE MIGRAM


//////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Além dos casos já vistos de derivação, há um especial. Trata‑se da derivação imprópria, em que a palavra
primitiva não sofre modificações em sua estrutura, ou seja, não sofre acréscimos nem reduções (em outras
palavras, o significante não se altera). Na derivação imprópria há uma mudança na função que a palavra exerce
num determinado contexto. Isso acontece quando uma palavra muda de classe gramatical. Não se trata, por‑
tanto, de um processo morfológico, e sim de uma questão sintático‑semântica, o que significa que só se pode
falar em derivação imprópria quando se analisa o contexto da frase.
É o que ocorre, por exemplo, com vários adjetivos empregados como advérbio:

Ele falou claro.


Ele falou alto.

Em Veja bem meu bem, título e primeiro verso de uma música interpretada pela cantora Maria Rita, obser‑
va‑se o emprego da palavra bem em duas situações distintas: inicialmente como advérbio, depois como subs‑
tantivo. As dicas sobre a classe gramatical da palavra estão no próprio contexto da frase; fora dele, é difícil
determinar se é uma ou outra.
O bem de Veja bem é um advérbio que caracteriza, com noção de modo, o significado do verbo; o bem de
meu bem é um substantivo (masculino, singular), o que leva o possessivo a se apresentar em sua forma mascu‑
lina singular. O emprego do possessivo é fundamental para a definição do segundo bem como substantivo, e
não como advérbio; além disso, esse sintagma nominal (meu bem), cujo núcleo é bem, desempenha uma fun‑
ção substantiva na frase: vocativo.
Algumas palavras estão tão incorporadas a nosso vocabulário, que nem damos conta de sua derivação
imprópria, como no caso dos substantivos olhar e jantar, derivados de formas verbais.
Marina Colasanti, no conto “A moça tecelã”, construiu a seguinte frase:

“Rápido, o nada subiu-lhe pelo corpo, tomou o peito aprumado, o emplumado chapéu.”

Belíssimo esse nada! Vamos analisá‑lo. Fora de contexto, nada é um pronome indefinido e significa
“nenhuma coisa”, “coisa alguma”, mas a escritora usou a palavra nada como substantivo (antecedido de arti‑
go), na função de sujeito; repare, no entanto, que a palavra muda de classe, mas não perde a essência de seu
significado (e é exatamente a não existência que vai crescer, tomar o corpo por inteiro). O resultado é uma
frase de muita expressividade.
Mário de Andrade, poeta do Modernismo brasileiro, no poema “Ode ao burguês”, busca, na migração das
palavras, maior força expressiva para definir o burguês: burguês‑níquel, homem‑curva, homem‑nádegas, são
substantivos compostos, criados pelo processo de justaposição, formados por dois substantivos, exercendo, o
segundo, a função de adjetivo. A exemplo de Mário de Andrade, poderíamos criar outros substantivos compos‑
tos: homem‑negócios, homem‑dinheiro e, dando asas à imaginação, homem‑que‑só‑quer‑subir‑na‑vida, etc.
Voltando ao famoso poema, a caracterização do burguês é alcançada plenamente no substantivo burguês-
-burguês, em que o primeiro elemento é substantivo mesmo e o segundo é adjetivo.
Recentemente, presenciamos outro tipo de migração: alguns advérbios passam a ser usados como pre‑
fixos em neologismos como: países não alinhados, organizações não governamentais, assento preferencial
para não fumantes. O mesmo ocorre com a preposição sem, nas palavras sem‑terra, sem‑teto. É a dinâmica
da língua!
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EsTRUTURA E foRmAção dE PALAvRAs cAPÍTULo 1

A gRAmáTicA
DO TExTo
MONTANDO E DESMONTANDO PALAVRAS
////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Leia atentamente este texto; ele foi retirado de um interessante livro de Matemática:

A genialidade dos pitagóricos

Os pitagóricos levaram a extremos sua adoração pelos números, baseando neles sua filosofia e seu
modo de ver o mundo. Foram eles que descobriram que, em todo e qualquer triângulo retângulo, o qua-
drado da medida da hipotenusa é igual à soma dos quadrados das medidas dos catetos:

a2  =  b2  +  c2

Poderia haver relação numérica mais simples e ele-

Bettmann/Corbis/Latinstock
gante do que essa, envolvendo os lados de um triângulo
retângulo? A harmonia do triângulo retângulo só podia
ser compreendida através de números! Era assim que
pensavam os pitagóricos.
O grande mérito desses estudiosos foi justamente
esse: terem descoberto que essa propriedade é geral e
aplicável, sem exceção, a todos os triângulos retângulos.
Você deve estar curioso para saber como isso é pos-
sível. Se há infinitos triângulos retângulos, como afir-
mar, com absoluta certeza, que tal propriedade é válida
para todos eles?
A genialidade dos pensadores gregos é notável jus-
tamente porque eles desenvolveram um método de
raciocínio, chamado método dedutivo, por meio do qual
se pode provar a verdade de um fato. O método dedutivo
não é usado apenas na Matemática; ele foi e continua
sendo muito importante para o desenvolvimento de
todas as ciências.
n IMENES, L. M. Descobrindo o teorema de Pitágoras. São Paulo: Scipione, 1987.
(Vivendo a Matemática). n O matemático e filósofo grego Pitágoras.

Pitagóricos, triângulos, hipotenusa, retângulos, catetos e dedutivo são bons exemplos de como o conheci‑
mento da estrutura e formação das palavras pode ajudar na compreensão de textos. E, no campo lexical desse
texto de Matemática, poderia haver, ainda, palavras como geométricas, poligonais, triangulares, pentagonais,
hexagonais, etc. Vamos pensar um pouco na estrutura e formação dessas palavras.
Pitagórico deriva do substantivo próprio Pitágoras + o sufixo -ico, que indica relação, pertinência, par‑
tidário; esse sufixo nominal forma adjetivos e substantivos (no texto, pitagórico está empregado como
substantivo e indica os seguidores de Pitágoras). Esse mesmo sufixo, presente em termos que podem apa‑
recer numa aula de Química, indica os oxiácidos em que o elemento tem a mais alta de duas valências:
sulfúrico, fosfórico.
E o que dizer de palavras como filosofia (filo = amigo, amante; sofia = saber, conhecimento), hipotenusa
(hipo = estar sob, embaixo; hipotenusa = estender por baixo, estar estendido sob)?
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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

Hipotenusa
Lado oposto ao ângulo reto em um triângulo
A
retângulo.
Na língua grega, a palavra hipotenusa signi-
fica, genericamente, “o que se estende embaixo”. c

b
Quando se desenham triângulos retângulos de
maneira que, no papel, a hipotenusa fique abaixo
do ângulo reto, o lado maior é justamente o que se
B a C
estende embaixo. O nome hipotenusa pode, então,
estar associado ao hábito de desenhar triângulos
retângulos nessa posição.
n IMENES, L. M.; LELLIS, M. Microdicionário de Matemática. São Paulo: Scipione, 2006.

No campo vocabular da Geometria, há alguns casos interessantes: a figura formada por duas retas que têm
um ponto comum é chamada de ângulo (do latim angulu) e entra na composição de vários vocábulos: triângulo,
retângulo, equiângulo. Quando a palavra vem do grego, entra o elemento de composição gono (do grego gonía),
que significa “canto”, “lado”, “ângulo”: ágono, polígono, decágono, hexágono. Conhecendo os outros elementos
de composição, chega‑se ao significado integral das palavras:
tri (três) + ângulo = figura de três ângulos (ou três lados)
reto + ângulo = que tem ângulo reto (90º graus)
equi (igual) + ângulo = que tem os ângulos iguais
a (prefixo que indica “privação”, “negação”) + gono = sem ângulos
poli (vários, muitos) + gono = vários ângulos (ou vários lados)
deca (dez) + gono = dez ângulos (ou dez lados)
hexa (seis) + gono = seis ângulos (ou seis lados)
No entanto, só conhecer o significado dos elementos de composição não basta; é preciso estar sempre
atento ao contexto. Veja só: há outro elemento de composição gono (do grego gónos), que significa: 1. “semente,
esperma, órgãos genitais”; 2. “produção, geração”. Em uma aula de Biologia, provavelmente encontram‑se pala‑
vras relativas à primeira acepção: gonorreia (doença venérea); gonococo (bactéria produtora da gonorreia);
gonócito (célula reprodutora inicial). Já em uma aula de Literatura, ao saber que Castro Alves foi o epígono do
romantismo de Vítor Hugo você deduzirá que epígono significa “aquele que pertence a uma geração seguinte,
seguidor” (acepção 2.).
O recurso de desvendar o significado das palavras pode ser feito no sentido inverso. Por exemplo, qual é o
nome da figura geométrica que tem cinco lados (ou cinco ângulos)? Ora, sabendo‑se que cinco é penta, chega‑
‑se à palavra pentágono. Da mesma forma, pentassílabo é o verso de cinco sílabas poéticas; uma seleção pen-
tacampeã foi vitoriosa em cinco campeonatos.

O SUFIXO E SEUS VALORES


R-P/kino.com.br

/////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

O cupuaçu foi mais um episódio na longa — e não resolvida —


história da apropriação da nossa riqueza natural pela gringaiada.
n Revista Superinteressante, São Paulo: Abril, out. 2003, p. 24.

Nossos enunciados carregam uma carga semântica que revela não


só o significado das palavras, mas também valores e intencionalidade.
Um dos procedimentos mais comuns para acrescentar esses valores e
intenções ao nosso discurso é a utilização dos sufixos diminutivos
e aumentativos.
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EsTRUTURA E foRmAção dE PALAvRAs cAPÍTULo 1

No texto da página anterior, ao observar a palavra gringaiada, substantivo coletivo formado pelo radical
gring(o) + o sufixo -aiada, percebe‑se que, além de nomear os estrangeiros em geral, traz consigo uma carga
valorativa. Pensemos na escolha do sufixo: -aiada é uma versão coloquial do sufixo -alhada, equivalente a -ada.
Assim, para denominar os estrangeiros em geral, o enunciador poderia ter utilizado: gringada, gringalhada ou
gringaiada. A escolha da última forma é intencional, pois o valor pejorativo é sensivelmente maior, o que conta‑
mina todo o texto, caracterizando negativamente a exploração “da nossa riqueza natural” por parte de estran‑
geiros, como é o caso do cupuaçu (note a importância do pronome possessivo nossa, que posiciona o falante em
relação ao espaço e à riqueza explorados).
Em outros contextos, alguns sufixos diminutivos podem ter valor afetivo ou ter seu sentido invertido, ou
seja, passar a noção de intensidade ou até mesmo de ironia.
Neste exemplo, o enunciador emprega o adjetivo engraçad(o), acrescido do sufixo diminutivo -inho, carac‑
terizando ironicamente o slogan para reforçar seu ponto de vista:

A chamada estética do clip, mal inter- jogo de palavras e o slogan engraçadinho


pretada, pode levar a grandes enganos. têm a capacidade de substituir a persona-
Pode, por exemplo, levar à idiota conclu- lidade da marca, construída sobre um
são de que o leiaute, o impacto gráfico, o raciocínio crítico.
n Jornal do Commercio, Recife.
Disponível em: <www.jornaldocommercio.com.br/edicoes/031116_17/carreiasegerencia/mat2.htm>. Acesso em: 28 fev. 2010.

O emprego do sufixo diminutivo com valor afetivo ou de superlativo sintético também é observável em
alguns advérbios: pertinho, juntinho, tantinho, etc.

O sufixo como operador argumentativo


Você já deve ter ouvido uma frase muito comum em comerciais de televenda (ou pelo menos algo muito
parecido):

Compre já, por apenas 10 parcelinhas de R$ ...

Nesse caso, o emprego do sufixo diminutivo é comparável a um eufemismo – estrategicamente tenta


“aliviar” o número de prestações – e funciona como importante operador argumentativo. Para complicar a
vida do incauto consumidor, o sufixo não está sozinho nessa tarefa. Observe‑se a seleção vocabular: parcela,
e não prestação: o substantivo parcela é definido, nos dicionários, como “pequena parte; fração, fragmento”;
prestação é “pagamento a prazo, para solver dívida ou encargo; quitação parcelada e periódica de um débito”,
por isso é evitada. O advérbio já passa a ideia de que “este é o momento”; a palavra denotativa de exclusão
apenas reforça que 10 é um número pequeno de parcelas. Por trás de uma aparente ingenuidade, o enuncia‑
do está carregado de intenções!

Atividades
O cupuaçu é nosso!
[escrito por Mylton Severiano]

Ele acaba de ganhar status de fruta nacional. É tão bom, que tentaram roubá-lo. Virou
símbolo da luta contra a biopirataria. Além de matéria-prima para cosméticos, é saboroso
e nutritivo. Fornece o legítimo chocolate branco e todo um armazém de delícias.

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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

O que a cedilha teria a ver com esta história? Aprendi com o amigo Joel Rufino,
historiador e escritor: se você não encontra documento sobre um episódio, use a imagi-
nação. Imagine então capitalistas japoneses e americanos decidindo como grafar o
nome da fruta amazônica que iriam patentear:
“Cupuacu, non?”, pergunta o japonês. “Oh, yes, cupuacu”, concorda o americano –
não existe cedilha em inglês, muito menos em japonês, escrito em ideogramas. O fato é
que, na passagem para o século 21, Nagasawa Makoto, dono da Asahi Alimentos, de
Quioto, fundou com possíveis sócios americanos a Cupuacu International Inc.
Chegou a registrar o óleo da amêndoa e até o chocolate do cupuaçu – o cupulate. A
Asahi queria apropriar-se do Theobroma  grandiflorum e nos proibir de sequer usar o
nome cupuaçu comercialmente sem permissão da Cupuacu International!
Graças a ongs, parlamentares e órgãos federais, a empresa acabou derrotada. Enfim,
a 20 de maio de 2008, o Diário Oficial da União publicou lei, sancionada pelo presidente
Lula, que decretou o cupuaçu “fruta nacional”. Comparou-se a campanha a outra, “O
petróleo é nosso”, que resultou na criação da Petrobras na década de 1950.
n Disponível em: <www.almanaquebrasil.com.br/curiosidades-saude/6503-o-cupuacu-e-nosso.html>.
Acesso em: 29 jan. 2013.

1. Observe que, na parte destacada da matéria jornalística, na qual estão seus elementos principais, não foi
citado o nome da fruta em questão. Logo a seguir, o autor da matéria faz considerações irônicas sobre o
emprego da cedilha. Qual é a intenção dele ao fazê‑lo?

2. “O cupuaçu é nosso.” Considerando que o pronome possessivo concorda em gênero e número com a coisa
possuída e em pessoa com o possuidor, especifique e justifique as desinências que marcam as relações de
concordância da frase.

3. O artigo inicia‑se informando sobre um protesto político polêmico: o direito à posse do cupuaçu. Explique:
a respeito de qual propriedade se trata a reivindicação?

4. O léxico de uma língua também se enriquece com a incorporação de palavras estrangeiras, que podem
resultar em duas situações básicas: ou a palavra estrangeira é aportuguesada, ou mantém a grafia origi‑
nal. Aponte um exemplo de estrangeirismo presente no texto, comente se foi aportuguesado ou não e
explique seu significado. Comente também seu valor argumentativo.

5. O Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa


apresenta o termo palavra-valise com a definição que Rubrica: linguística. – palavra resultante da com-
está no boxe ao lado. binação de partes de outras palavras, podendo entrar
no vocabulário da língua, como motel (motor + hotel),
Dê um exemplo de palavra-valise empregada no texto e estagflação (estagnação + inflação), Belíndia
explique a sua formação. (Bélgica + Índia), portunhol (português + espanhol).

6. Qual é o processo de formação das palavras ongs e biopirataria?


7. Explique o processo de formação das palavras matéria-prima e ideograma. Comente se há algum tipo de
relação de dependência ou interdependência entre os termos que as formam.

8. Reflita com seus colegas sobre a propriedade dos nomes. Quais são as possíveis causas e consequências do
direito a marcas e patentes?
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EsTRUTURA E foRmAção dE PALAvRAs cAPÍTULo 1

NO
Questões de exames FAÇARNO!
CAD
E

1. (Enem) b) o português brasileiro se constitui evitando a


ampliação do léxico proveniente do português
Texto I europeu.
Antigamente c) a heterogeneidade do português leva a uma
Antigamente, os pirralhos dobravam a lín- estabilidade do seu léxico no eixo temporal.
gua diante dos pais e se um se esquecia de arear d) o português brasileiro apoia‑se no léxico inglês
os dentes antes de cair nos braços de Morfeu, era para ser reconhecido como língua independente.
capaz de entrar no couro. Não devia também se e) o léxico do português representa uma realidade
esquecer de lavar os pés, sem tugir nem mugir. linguística variável e diversificada.
Nada de bater na cacunda do padrinho, nem de
debicar os mais velhos, pois levava tunda. Ainda 2. (Unicamp‑SP) Os verbetes apresentados em (II) a
cedinho, aguava as plantas, ia ao corte e logo seguir trazem significados possíveis para algumas
voltava aos penates. Não ficava mangando na palavras que ocorrem no texto intitulado “Bicho
rua, nem escapulia do mestre, mesmo que não gramático”, apresentado em (I).
entendesse patavina da instrução moral e cívi-
I
ca. O verdadeiro smart calçava botina de botões
para comparecer todo liró ao copo d‘água, se Bicho gramático
bem que no convescote apenas lambiscasse, Vicente Matheus (1908-1997) foi um dos per-
para evitar flatos. Os bilontras é que eram um sonagens mais controversos do futebol brasileiro.
precipício, jogando com pau de dois bicos, pelo Esteve à frente do paulista Corinthians em várias
que carecia muita cautela e caldo de galinha. O ocasiões entre 1959 e 1990. Voluntarioso e falas-
melhor era pôr as barbas de molho diante de um
trão, o uso que fazia da língua portuguesa nem
treteiro de topete, depois de fintar e engambelar
sempre era aquele reconhecido pelos livros. Uma
os coiós, e antes que se pusesse tudo em pratos
vez, querendo deixar bem claro que o craque do
limpos, ele abria o arco.
Timão não seria vendido ou emprestado para
n■ANDRADE, C. D. Poesia e prosa. Rio de Janeiro:
Nova Aguilar, 1983 (fragmento). outro clube, afirmou que “o Sócrates é invendável
e imprestável”. Em outro momento, exaltando a
Texto II versatilidade dos atletas, criou uma pérola da
Palavras do arco da velha linguística e da zoologia: “Jogador tem que ser
completo como o pato, que é um bicho aquático e
Expressão Significado gramático”.
Cair nos braços de Morfeu Dormir n■Adaptado de Revista de História da Biblioteca Nacional,
Debicar Zombar, ridicularizar jul. 2011, p. 85.
Tunda Surra
II
Mangar Escarnecer, caçoar
Invendável: que não se pode vender ou que
Tugir Murmurar
não se vende com facilidade.
Liró Bem-vestido Imprestável: que não tem serventia; inútil.
Copo d‘água Lanche oferecido Aquático: que vive na água ou à sua
pelos amigos superfície.
Convescote Piquenique Gramático: que ou o que apresenta melhor
Bilontra Velhaco rendimento nas corridas em pista de grama (diz-se
Treteiro de topete Tratante atrevido de cavalo).
Abrir o arco Fugir n■Dicionário HOUAISS
(versão digital on-line), houaiss.uol.com.br
n■FIORIN, J. L. As línguas mudam. In: Revista Língua Portuguesa,
n. 24, out. 2007. (Adaptado.) a) Descreva o processo de formação das palavras
Na leitura do fragmento do texto “Antigamente” invendável e imprestável e justifique a afirma‑
constata‑se, pelo emprego de palavras obsoletas, ção segundo a qual o uso que Vicente Matheus
que itens lexicais outrora produtivos não mais o fazia da língua portuguesa “nem sempre era
são no português brasileiro atual. Esse fenômeno aquele reconhecido pelos livros”.
revela que: b) Explique por que o texto destaca que Vicente
a) a língua portuguesa de antigamente carecia de Matheus “criou uma pérola da linguística e da
termos para se referir a fatos e coisas do cotidiano. zoologia”.

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2
PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

cAP Í T U L o 2

Substantivo
Divulgação/Arquivo da editora

IMPRESSIONISTAS –
os inventores do moderno
Impressionistas – Os inventores do moder‑
no: Monet, Degas, Cézanne, Van Gogh, Renoir
e outros gênios da pintura integram exposi‑
ção com 85 telas em São Paulo, pertencentes
à coleção do museu D’Orsay, na França, os
trabalhos subverteram o realismo do século
19 e prenunciaram as vanguardas
n Disponível em: <http://bravonline.abril.com.br/revista/0180>.
Acesso em: 29 jan. 2013.

n Capa da revista Bravo! de agosto de 2012.

No título da matéria há sintagmas que têm como núcleo um nome, um substantivo: impressionistas; os inventores do moderno.
Nos sintagmas relacionados, o núcleo é formado por substantivos comuns, que designam seres de uma espécie de forma genérica.
Por outro lado, no subtítulo, há uma sequência de substantivos próprios: além dos nomes dos pintores, o nome da cidade, o nome
do museu e o nome do país. Em todos os casos, é o substantivo exercendo a sua função básica: nomear seres, objetos, ações,
qualidades, estados, ideias.
Finalmente, mais uma vez podemos afirmar: a classificação de uma palavra depende de suas características morfológicas e da
função sintática que desempenha numa oração. É o caso de palavras como “impressionistas”, “inventores” e “moderno”, que tanto
podem desempenhar funções de substantivo como de adjetivo: cinco grandes impressionistas (substantivo); os pintores
impressionistas subverteram a arte do século XIX (adjetivo).

gÊNERo TExTUAL
Capa de revista
Na capa de uma revista, imagens e textos aliam‑se para seduzir o consumidor. As imagens costumam
remeter à matéria principal da edição; o texto denota tendências e hierarquiza o conteúdo, conduzindo a
leitura. Projeto gráfico, cores, tipos de letras são usados como atrativos e visam conquistar o leitor específico
de uma determinada publicação.

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sUbsTANTivo cAPÍTULo 2

A gRAmáTicA
DA PALAvRA
Substantivo é a palavra que usamos para nomear seres animados e inanimados, objetos materiais, ações,
sentimentos, qualidades e ideias. Funciona como elemento nuclear do sintagma nominal e é subordinante, ou
seja, na hierarquia das palavras, subordina os termos que o acompanham. Como palavra variável, apresenta
flexão de gênero e número e variação de grau.
Monet, pintura, telas, trabalhos, século, vanguardas são exemplos de substantivos.

ClASSIfICAçãO – EM fOCO: O ASPECTO SEMâNTICO


/////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

No texto de abertura, reconhecemos vários substantivos: Degas, Renoir, São Paulo, França, telas, traba-
lhos, século, vanguardas. Uma análise mais apurada, no entanto, permite‑nos perceber certas diferenças entre
esses substantivos. Degas, Renoir, São Paulo, França designam seres específicos, particulares, únicos (os artis‑
tas, a cidade, o país) – são nomes próprios ou substantivos próprios. Os substantivos telas, trabalhos, século,
vanguardas são empregados para referir‑se a algo não individualizado (individualização não explícita na pró‑
pria palavra) – são os substantivos comuns.
Ao compararmos tela e chegada, por exemplo, percebemos que o primeiro refere‑se a um objeto (substantivo
concreto), ao passo que o segundo designa um ato ou efeito, não mensurável materialmente (substantivo abstrato).
Dessa forma, é possível montar um quadro com uma classificação dos substantivos:

Classificação dos substantivos

pela generalização ou especificação pela natureza

comum próprio concreto abstrato

designa os seres de uma individualiza, ou seja, de‑ designa os seres propria‑ designa ações, qualida‑
espécie de forma genéri‑ signa um ser específico, mente ditos (pessoas, des, estados ou noções,
ca, pois expressa um con‑ determinado, particular objetos, lugares), que tomados como seres. São
junto de características entre as possibilidades podem ser materializa‑ sempre resultado de uma
aplicáveis a um grupo de de uma mesma espécie: dos independentemente abstração e, em geral, são
objetos similares: dragão, Amanda, Tiradentes, Unes‑ de sua existência real: palavras derivadas: bele‑
computador, tecnologia, co, Universidade Federal pirata, mesa, garfo, dra‑ za, maldade, corrida, lan‑
paz, fada, prédio, etc. de Minas Gerais, etc. gão, saci, duende, livro, çamento, etc.
etc.

Stocktrek Images/Corbis/Latinstock

imPoRTANTE!
Há um tipo de substantivo comum que merece
atenção especial, pois, mesmo estando no singular,
designa um conjunto de seres (pessoas, animais, obje‑
tos, plantas, etc.) da mesma espécie, e por isso mesmo é
chamado de coletivo. É o caso de: arquipélago (de ilhas),
constelação (de estrelas), junta (de bois, de examinadores,
de médicos), assembleia (conjunto de pessoas reunidas),
n Constelação de Cefeu. rebanho (de gado), vara (de porcos), etc.

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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

OPS!
EspEcificação dE substantivos próprios?

O substantivo próprio, especialmente de pessoas ou cidades, não costuma vir acompanhado de determinantes; porém, os deter‑
minantes podem especificá‑lo. Muitas vezes a especificação vem enfatizada também por adjuntos adnominais ou orações adjetivas:
• O Valentim veio. (O emprego do artigo, em algumas regiões, pode manifestar intimidade ou especificidade: trata‑se do
Valentim que falante e interlocutor(es) conhecem.)
• A Tiradentes do Barroco setecentista. (A referência aqui é feita à cidade a partir de uma característica específica, particular.)
• A Luísa que eu conheci. (Trata‑se especificamente da Luísa conhecida no passado, dando margem até para diferenciá‑la da
Luísa do presente.)

A complicada e subjetiva oposição


entre substantivos concretos e abstratos
“São abstratos os nomes que aludem às ações, aos estados, às propriedades: levantamento,
silêncio, rapidez, etc. Dizem‑se concretos aqueles que se referem à substância: papel, pedra, mon‑
tanha, etc. Os primeiros escapam à experiência dos nossos sentidos; os segundos são seres mate‑
riais, sobre que se podem exercer esses mesmos sentidos. Isto, em teoria; na realidade as coisas são
mais complicadas. É que certos conceitos abstratos podem ter uma face concreta e, ao contrário,
muitos nomes concretos se podem empregar em sentido abstrato.”
n LAPA, Manuel Rodrigues. Estilística da língua portuguesa. São Paulo: Martins Fontes, 1991. p. 126.

Além da semântica, em alguns casos podemos fazer uso da morfologia, especialmente da formação de
palavras, para elucidar a natureza de um substantivo. Alguns sufixos específicos formam substantivos abstratos
ora a partir de adjetivos, ora de verbos. Por exemplo, os sufixos -dade, -dão, -ez, -eza, -ia, -ice, -ície, -tude, -ura são
formadores de substantivos abstratos derivados de adjetivos: bondade, gratidão, surdez, riqueza, alegria, velhi-
ce, imundície, amplitude, doçura. Da mesma forma, os sufixos -ança, -ância, -ência, -ença, -ão, -ção, -mento, -são
formam substantivos abstratos derivados de verbos: esperança, ignorância, violência, crença, opinião, traição,
lançamento, agressão. Também se formam substantivos abstratos por derivação regressiva de formas verbais:
ajuda (de ajudar), trabalho (de trabalhar), castigo (de castigar), beijo (de beijar), abraço (de abraçar), etc.
Entretanto, como bem disse o professor Rodrigues Lapa, os substantivos não são necessariamente abstra‑
tos ou concretos; sua natureza depende também de seu uso real, de seu significado contextualizado, de seu
emprego pelo falante.
Assim, um substantivo como participação – que essencialmente designa a noção abstrata de uma ativida‑
de – pode ser empregado como concreto:
A participação do alunado foi total.

substantivo abstrato = o ato de participar

Chegou a participação de casamento de João e Maria.



substantivo concreto = cartão em que os noivos comunicam que se casaram

O substantivo pai – essencialmente concreto, pois designa um ser de existência material – pode ser empre‑
gado como abstrato:
O pai de Jaime deixou lembranças.

substantivo concreto = o progenitor de Jaime

Oswald de Andrade, pai do movimento modernista.



substantivo abstrato = qualidade de ser pai, progenitor, gerador, etc.

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sUbsTANTivo cAPÍTULo 2

ClASSIfICAçãO – EM fOCO: O ASPECTO MORfOlógICO

Reprodução/Arquivo da editora
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O fumante poderá fumar no “fumódromo”, ainda que não recomendável, pois


também é prejudicial a sua saúde e ao meio ambiente.
n Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/folder/10006001811.pdf >. Acesso em: 29 jan. 2013.

Aparecem, no exemplo acima, quatro substantivos: fumante, fumódromo, saúde, meio ambiente. Levando
em consideração apenas os radicais de cada substantivo, percebe‑se que fumante e saúde são palavras forma‑
das por um único radical (substantivos simples), diferentes de fumódromo e meio ambiente, formadas por dois
radicais (substantivos compostos).
O substantivo saúde não deriva de outra palavra, mas pode dar origem a outra (por isso é um substantivo
primitivo), diferente de fumante, que é derivado do verbo fumar.
Tendo em vista essas diferenças, é possível montar este quadro com uma classificação dos substantivos:

substantivo
simples composto primitivo derivado
formado por um único radi‑ formado por mais de um ra‑ formado por um radical ma‑ formado a partir de uma
cal: saúde, meio, fumo, arco, dical: fumódromo, meio am‑ triz, que pode servir de base palavra primitiva: fumante,
íris, etc. biente, arco‑íris, etc. para a formação de outros arqueiro, roseiral, etc.
substantivos: saúde, fumo,
arco, rosa, etc.

Atividades
Esta análise, em um site destinado ao estudo do marketing, tenta explicar mudanças de hábitos
dos consumidores em relação às marcas existentes no mercado. Oriente‑se pela dualidade sugerida
no título do artigo para realizar sua leitura, acompanhando a formulação e a diferenciação contex‑
tualizadas dos dois conceitos.

Fidelidade ou lealdade
Por Thiago Cabrino

[...] a Fidelidade é uma ferramenta de mercado utilizada há muitos anos. Porém esta prática se
fortalece nos tempos atuais, diante de um cenário mercadológico extremamente disputado e competi‑
tivo, onde a concorrência é muito forte e incide diretamente na forma de pensar e agir das organizações.
Com isso, as organizações buscam criar elos entre suas marcas, produtos e/ou serviços de forma a
fidelizar seu cliente, para que o mesmo não venha migrar para o concorrente. Inúmeras são as estratégias
e ações em torno desta situação, mas o que se verifica é que a questão da fidelidade está sendo deixada de
lado pelos consumidores, uma vez que a infidelidade toma [conta] do grosso da população consumidora,
que, ante um mercado rico em diversidade de modelos e preços, acaba aderindo a marcas similares, que
possuem produtos de igual ou melhor qualidade do que as marcas tradicionais – os chamados genéricos.
Desta forma, a Fidelidade pode ser analisada como uma ação a curto prazo, rápida, de momento,
mas que acabará. Já a Lealdade é uma ação a longo prazo, lenta e que requer tempo, mas que terá
grandes chances de se tornar duradoura, pois os clientes leais são aqueles que em meio a qualquer
situação estarão aderindo àquelas marcas, produtos e/ou serviços de sua escolha e gosto, como [...] os
consumidores antigos, que mesmo com a evolução do mercado são leais às marcas que adquiriram
antigamente e dificilmente mudarão.

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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

Portanto, ao se deparar com uma situação entre a Fidelidade e a Lealdade, analise os diversos
pontos em sua estratégia de ação, visto que ambas possuem particularidades especiais e que devem
ser buscadas de forma contundente, pois só as organizações que se destacarem no mercado poderão
gozar de uma vida empresarial mais longa e tranquila.
n Disponível em: <www.portaldomarketing.com.br/Artigos/Fidelidade%20ou%20Lealdade.htm>. Acesso em: 25 jan. 2013.

1. Observe o par Fidelidade/Lealdade.


a) Semanticamente, como você classificaria esses substantivos?
b) Justifique sua classificação.
2. De acordo com as definições propostas no texto para as palavras lealdade e fidelidade, com qual acepção
dos verbetes do Dicionário Houaiss há maior identificação?

fidelidade
[substantivo feminino]
1. característica, atributo do que é fiel, do que demonstra zelo, respeito quase venerável por alguém
ou algo; lealdade
Ex.: <f. ao rei> <f. à pátria>
1.1 observância da fé jurada ou devida
Ex.: f. religiosa
2. constância nos compromissos assumidos com outrem
Ex.: <f. partidária> <f. a um clube de futebol>
2.1. compromisso que pressupõe dedicação amorosa à pessoa com quem se estabeleceu um vínculo
afetivo de alguma natureza
Ex.: f. conjugal
3. Derivação: por metonímia (da acp. 1).
característica de um sentimento que não esmorece com o decorrer do tempo
4. constância de hábitos, de atitudes
Ex.: f. da clientela a um estabelecimento comercial
5. compromisso rigoroso com o conhecimento; exatidão, sinceridade
Ex.: f. da pesquisa acadêmica

lealdade
[substantivo feminino]
1. respeito aos princípios e regras que norteiam a honra e a probidade
2. fidelidade aos compromissos assumidos
3. caráter do que é inspirado por este respeito ou fidelidade

3. A alternância presente no título aparece outras vezes no corpo do texto, mas de formas diferentes. Aponte
essas retomadas e comente seu efeito, pensando no desenvolvimento do texto.

4. Qual é o público‑alvo desse artigo? Em que passagem o autor do texto dialoga com seu(s) interlocutor(es)?
5. O primeiro parágrafo desse artigo de opinião esclarece a respeito da fidelidade da qual vai tratar. Explique
qual é a abordagem e justifique com alguma expressão usada nesse mesmo parágrafo.
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sUbsTANTivo cAPÍTULo 2

6. O autor do artigo faz uso de diferentes formas de nomeação dos clientes em potencial; em um mesmo
trecho, chamou‑os de clientes, consumidores e depois de o grosso da população consumidora. É possível
dizer que há nessa nomeação um juízo de valor apreciativo ou depreciativo? Justifique levando em conta o
processo que ele chama de infidelidade.

7. Observe o substantivo cenário dentro do contexto. Você o relacionaria à concretude ou à abstração? Por quê?
8. Há no texto um posicionamento ideológico do autor em favor de algumas organizações.
a) Como ele identifica aquelas que ele defende?
b) Como ele identifica as outras? Que substantivo ele usa para desmerecê‑las?
9. Qual é a definição formulada para explicar o que são os clientes leais? Justifique indicando o que seriam os fiéis.
10. Justifique a predominância de substantivos abstratos no texto.

AS CATEgORIAS gRAMATICAIS dO SubSTANTIvO


//////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Gênero
Em português, todos os nomes, sem exceção, dividem‑se em masculinos e femininos. É importante salien‑
tar que o gênero é uma categoria gramatical, um fato linguístico. Isso significa que em alguns casos pode haver
correspondência entre o gênero do substantivo e o sexo do ser nomeado (como nos substantivos que designam
pessoas ou animais), mas em outros não (substantivos que designam objetos, por exemplo), sendo o gênero do
substantivo mera convenção. Podemos associar cão/cadela aos conceitos de macho/fêmea, mas o mesmo não
ocorre com janela, apesar de ser este um substantivo feminino.

OPS!
o foLHão, a foLHinHa?!

“A última grande jogada da Folha na guerra pelo mercado de jornais aconteceu em novembro de 91, no lançamento do Folhão.”
n Disponível em: <www1.folha.uol.com.br/folha/ombudsman/omb_19940814_1.htm>. Acesso em: 14 fev. 2013.

Como um dos grandes jornais brasileiros, a Folha de S.Paulo enfrenta forte concorrência e está sempre oferecendo produtos novos a seus
leitores (acompanhados de campanhas publicitárias). Numa certa época, para promover a volumosa edição dominical, criou o termo Folhão;
para conquistar o público jovem, nas edições de sábado, circula o suplemento infantil Folhinha. E por que ora o masculino, ora o feminino?
Trata‑se de uma herança da sociedade patriarcal que permanece, até hoje, infiltrada na gramática. A “regra” é simples, quando
palavras se cristalizam na forma aumentativa, adquirindo novos significados, assumem o gênero masculino. Caso se cristalizem na
forma diminutiva, assumem o gênero feminino. É o que ocorre com o Folhão, a Folhinha.
E também com facão, portão, cartão (palavras masculinas derivadas de substantivos femininos). Observe que, no diminutivo, esses
substantivos são sempre femininos: a faquinha, a portinhola, a cartinha.
Reprodução/Jornal Folha de S.Paulo/Folhapress
Reprodução/Jornal Folha de S.Paulo/Folhapress

n Folhinha, suplemento n Suplemento de classificados da Folha de S.Paulo,


infantil da Folha de S.Paulo. o Folhão.

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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

Em geral, os substantivos femininos são caracterizados pela desinência a; os masculinos não apresentam
essa desinência. Isso não significa que todo substantivo terminado em a seja feminino (há casos em que o a não
é desinência, como em papa, jesuíta, poema); por outro lado, nem todo substantivo terminado em o é masculi‑
no, como é o caso de tribo, um substantivo feminino.
E mais: os substantivos que designam seres inanimados (objetos), ações, estados, qualidades (substantivos
abstratos) não apresentam uma forma para o masculino e outra para o feminino. Ou são exclusivamente mas-
culinos (carro, trem, tijolo, otimismo) ou são exclusivamente femininos (pia, cadeira, felicidade, beleza). Nesses
casos, não se pode falar em desinência nominal de gênero.

Número
Assim como o gênero, o número também é uma categoria gramatical. O substantivo pode estar no singular
(quando se refere a um único ser) ou no plural (quando se refere a mais de um ser).
O substantivo coletivo, aquele que se refere a um conjunto de seres, também pode ser flexionado: no sin-
gular designa um único conjunto de seres; no plural, designa dois ou mais desses conjuntos.

OPS!
cadê a fLExão dE númEro?

Alguns substantivos são usados apenas no plural: as núpcias, as fezes, as

Ulhôa Cinta/Arquivo da editora


férias (descanso), as cócegas, os víveres, entre outros.
Outros substantivos são uniformes, isto é, apresentam uma única forma tanto
para o plural como para o singular: tênis, vírus, lápis, ônibus, pires, tórax,
cútis, entre outros. Nesses casos, sabemos o número do substantivo atentando
para o artigo, para o pronome ou para outra palavra que esteja modificando esse
substantivo: o ônibus, os ônibus; um pires, dois pires; meu lápis, meus lápis; vírus perigoso, vírus perigosos; etc.
Finalmente, alguns substantivos são empregados apenas no singular, como é o caso de ciúme (sentimento).

Grau
Além das categorias de número e de gênero, o substantivo pode apresentar a categoria de grau, ou seja,
uma variação que exprime a ideia de aumento ou diminuição de tamanho, sempre tendo como referência um
grau normal, que seria o substantivo propriamente dito, tal como ele aparece, por exemplo, nos dicionários.
Neles encontraremos, com toda certeza, o verbete:

Janela. mas não encontraremos janelinha ou


[S.f.]. Abertura na parede dum edifício para janelão, que são variações do grau “normal”.
deixar que nele entrem luz e ar.

Formação do grau do substantivo


Para formar o aumentativo ou o diminutivo dos substantivos, utilizam‑se dois processos:
• o sintético: acrescentam‑se sufixos ao grau normal:
amigo amiguinho (diminutivo sintético) amigão, amigalhão (aumentativos sintéticos)
• o analítico: o substantivo, no grau normal, aparece modificado por adjetivos que expressam ideias de aumento
ou de diminuição:
amigo amigo pequeno amigo grande
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sUbsTANTivo cAPÍTULo 2

Entretanto, é interessante notar que muitas vezes usam‑se os substantivos no aumentativo ou no diminu‑
tivo sintético para expressar não uma variação de tamanho, mas uma carga afetiva ou pejorativa. Falar que tal
romance é um livrinho agradável ou que Fulano é um amigão são, por exemplo, formas que expressam juízos
de valor, têm conotação depreciativa ou afetiva e não podem ser consideradas variação de grau. Nenhum autor
gostaria de que seu livro fosse chamado de livreco. O mesmo acontece com gentinha, termo pejorativo usado
para designar pessoas de baixa condição socioeconômica ou de espírito estreito.
A variação de grau é muito mais nítida quando fazemos uso do processo analítico.

OPS!
substantivos com variação dE grau ou novas paLavras?

Ulhôa Cintra/Arquivo da editora


Em consequência do dinamismo da língua, alguns substan‑
tivos no grau diminutivo e outros no aumentativo adquiriram
um significado novo, especial. Esse fenômeno ocorreu, por exem‑
plo, com os substantivos portão, cartão, fogão, folhinha
(calendário).

Fogão
[De fogo + -ão1.]
Substantivo masculino.
1. Caixa de ferro ou de alvenaria, com fornalha e chaminé, para cozinhar.
2. V. lareira (2).
3. Aparelho em que se acende fogo para aquecer salas e outros aposentos; estufa.
[...]

n FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário eletrônico.


Versão 5.0. Ed. rev. e atual. Parte integrante do Novo dicionário Aurélio. Curitiba: Positivo/Positivo Informática, 2004.

Atividades
1. Identifique, nestes itens, as palavras que perderam seu valor aumentativo.
a) Do rock ao pop tudo cabe dentro do caldeirão musical em que se transforma a cidade nestas
horas de pouco trabalho e muita diversão.
b) Os antigos carrões continuam a ser opção para quem não economiza combustível.
c) Entre 2002 e 2006 o número de cartões de crédito aumentou 91%, afirmam instituições.
d) “Rebenta na Febem rebelião / um vem com um refém e um facão / a mãe aflita grita logo:
não! / e gruda as mãos na grade do portão”
n Lenine e Carlos Rennó, Ecos do ‑ão.

e) Um dos efeitos da globalização é que os cidadãos foram transformados em consumidores.


f) “Até o dia 30 de abril, fica em cartaz na casa de Dona Yayá, sede do centro Cultural da USP, a
exposição ‘Aprendendo com Maquetes’. Os trabalhos foram feitos por alunos da FAU.”
n Momento, ed. 16 março 2009, p. 4.

2. Comente, neste trecho do romance A máquina, o efeito de sentido provocado pelo emprego do grau dimi‑
nutivo nos substantivos.

“Naquele tempo Nordestina era uma cidadezinha desse tamanhinho assim, da qual se dizia, eita
lugarzinho sem futuro.”
n Adriana Falcão, A máquina. Rio de Janeiro: Objetiva, 1999. p. 18.

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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

Texto para as questões 3 a 10.

Ideias malucas se transformam em realidade no Museu das Invenções


Beatriz Izumino
Colaboração para a Folha

Todo mundo já teve algum problema que o fez pensar: “se existisse uma máquina que fizesse
isso, minha vida seria mais fácil”. A Inventolândia, ou Museu das Invenções, reúne várias dessas cria‑
ções desde 1996.
Entre os objetos expostos no museu, há vários do inventor japonês Kenji Kawakami. O criador
dos óculos para pingar colírio (que têm dois pequenos funis acoplados às lentes) e do aplicador simul‑
tâneo de desodorante (em que um canudo em arco, preso à saída do aerossol, espirra o produto nos
dois braços ao mesmo tempo) é também o idealizador de uma filosofia de criação chamada Chindogu.
Para adequar‑se à proposta de Kawakami, uma invenção deve ser quase completamente inútil, mas
ter uma utilidade compreensível para qualquer pessoa. Ela não pode ser criada apenas para ser engraçada,
nem pode ser patenteada ou vendida, entre outros critérios resumidos nos dez mandamentos do Chindogu.
Mas o museu não abriga só ideias aparentemente inúteis. As boias que parecem espaguetes,
encontradas em piscinas por todo o país, também estão expostas. Assim como um abridor de sachês,
para quem sempre sofre na hora de colocar mostarda no sanduíche.
As invenções mais divertidas, porém, continuam sendo as mais estranhas. Como, por exemplo, o
telefone para duas pessoas falarem ao mesmo tempo. Ou o jogo de basquete de mesa, parecido com
o futebol de botão. Ou então a “bike canguru”, uma bicicleta que não tem pedais, mas funciona com o
movimento do corpo para cima e para baixo.
As criações expostas no museu não estão à venda, nem podem ser usadas, mas servem para
inspirar a criatividade e a imaginação.
n Disponível em: <www1.folha.uol.com.br/folhinha/1218650‑ideias‑malucas‑se‑transformam‑em‑realidade‑no‑museu‑das‑invencoes.shtml>. Acesso em: 30 jan. 2013.

3. Tendo em vista que essa reportagem foi publicada originalmente na seção Folhinha, um caderno infanto‑
‑juvenil do jornal Folha de S.Paulo, explique por que a oração condicional, logo no início do texto, pode ser
um recurso de interlocução com seus leitores.

4. Essa apresentação do Museu das Invenções deu maior destaque a ideias malucas e objetos estranhos.
Sobre isso responda:
a) Por que houve a necessidade de usar parênteses explicativos diante da apresentação das criações?
b) A escolha por destacar esses objetos pode ser vista como estratégia para chamar a atenção dos leitores
da Folhinha? Justifique.
5. Qual foi o processo de formação do substantivo Inventolândia?
6. A palavra japonês, dependendo do contexto, pode ser substantivo ou adjetivo. No texto acima, qual foi seu
emprego? Justifique.

7. Procure, no texto, um exemplo de substantivo só utilizado no plural e crie uma nova frase com ele.
8. Inventos são criações que demandam outras invenções, como dar nomes a esses novos objetos, por
exemplo, boia-espaguete e bike canguru. Explique o processo de formação desses substantivos e a regra
de construção semântica adotada.

9. No último parágrafo do texto, aparecem os substantivos imaginação e criatividade. Classifique‑os segundo


o seu conteúdo semântico e justifique sua resposta apontando aspectos morfológicos.

10. No texto predominam sequências descritivas e explicativas. Que classes de palavras dão sustentação a
esses sequências?
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sUbsTANTivo cAPÍTULo 2

A gRAmáTicA
DA FRAsE
fuNçõES
ç SubSTANTIvAS
//////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Vamos retomar algumas definições da sintaxe:


• sujeito: é o ser sobre quem se declara algo.
• complemento verbal (objeto): é o ser ou coisa que sofre ou recebe a ação verbal.
• agente da passiva: é o ser que exerce a ação que o sujeito paciente recebe ou sofre.
Essa relação poderia aumentar, mas isso não importa agora. No momento, o importante é pensarmos no
conceito. Pelas definições acima, percebemos que esses termos da oração exprimem seres; ora, a classe grama‑
tical que nomeia os seres é o substantivo. Podemos concluir, portanto, que o núcleo desses termos será repre‑
sentado por um substantivo ou por uma palavra com valor substantivo.
Daí, também, falarmos em funções substantivas. Como já vimos, são funções tipicamente substantivas:
• o sujeito: Imaginação e criatividade andam juntas.
• os complementos verbais (objeto direto e indireto): Tantos inventos deram origem ao Museu.
• o complemento nominal: Os inventores têm necessidade de reconhecimento.
• o agente da passiva: O Museu foi fundado pela Associação Nacional dos Inventores.
• o aposto: O Museu, símbolo da criatividade, foi fundado há muitos anos.
• o vocativo: Professor Pardal, dê‑nos luz!
Observação: Os predicativos (do sujeito e do objeto) podem ter seus núcleos representados por um subs‑
tantivo ou por um adjetivo.
Quando esses termos assumem a forma de oração, ocorrem as orações subordinadas (são termos de ora‑
ção) substantivas (têm o valor de um substantivo). Veja:

sujeito v.t.d. obj. dir.

Os inventores descobriram que são importantes.


oração subordinada substantiva

isso.

O substantivo e seus satélites


© (2002) Bill Watterson/Dist. By Atlantic Syndication/Universal Uclick

n O Melhor de Calvin, de Bill Watterson. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 2 nov. 2002, p. D5.

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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

Tudo o que existe tem um nome. No entanto, ao expressarmos uma ideia, só nomear um ser ou uma
coisa pode não traduzir um conjunto de circunstâncias e características que envolve esse ser ou essa
coisa. Excluindo a adjetivação vulgar, essas circunstâncias e características têm uma carga significativa
muito forte.
Veja, por exemplo, o personagem Calvin, logo na primeira fala, nomeando um mesmo ser: um tigre; tigres.
Na primeira ocorrência, o substantivo vem precedido do artigo indefinido um, dando a noção de que se trata de
um tigre qualquer, indefinido, um ser daquela espécie; muito diferente se o acompanhasse o artigo definido o:
um tigre (qualquer um) × o tigre (um tigre específico, já mencionado ou reconhecido pelos interlocutores). Na
segunda ocorrência, o mesmo substantivo aparece no plural e sem artigo, passando a noção de generalização:
a espécie tigre.
Mas isso diz pouco; o personagem poderia ter especificado um pouco mais. Daí o valor dos adjetivos: um
tigre selvagem, tigres selvagens, por exemplo. É o que faz o tigre Haroldo em sua fala do segundo quadrinho:
Atacar animais velozes, ou seja, não são quaisquer animais, mas apenas os velozes, e é por isso que “envolve
muita Física”.
Além dos artigos e dos adjetivos, os pronomes adjetivos (principalmente os possessivos e os demonstrativos)
– minha monografia, diz Haroldo – e os numerais adjetivos são palavras que gravitam em torno dos substan‑
tivos. Observe:

numerais (adjetivos)

artigos substantivos adjetivos

pronomes (adjetivos)

Assim, pode‑se montar o seguinte esquema:

Os selvagens

Uns amarelos

Aqueles asiáticos
tigres
Estes velozes

Três pequenos

Meus núcleo do grandes


sintagma nominal
Os primeiros qualificados
adjuntos adjuntos
adnominais adnominais

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sUbsTANTivo cAPÍTULo 2

Atividades
Texto para as questões 1 a 9.

Faça chuva ou faça sol


Por Marcelo Lima

Chuva, garoa, sol intenso. Para enfren‑


tar as oscilações de clima, típicas dos meses
de verão, é bom estar em dia com guarda‑
‑chuvas, guarda‑sóis e sombrinhas.
Problemas como varetas quebradas,

Ulhôa Cintra/Arquivo
da editora
articulações travadas e pequenos furos na
cobertura, causados principalmente pelo
uso contínuo e pela falta de cuidado no manu‑
seio, podem ser corrigidos, na maioria dos
casos, em questão de horas.
Já a troca da cobertura e a restauração de cabos em metal ou madeira quebrados,
em geral, exigem prazos mais longos e precisam da aprovação prévia do cliente para a
execução do trabalho: na impossibilidade de empregar componentes originais, os profis‑
sionais podem sugerir o uso de materiais similares, o que acaba acarretando pequenas
alterações na aparência do produto.
Na maioria delas, é possível encontrar também serviços de restauração geral, como
costuras localizadas e substituição da articulação metálica. Mas fique atento aos preços:
em modelos convencionais, o valor da reforma pode superar o de um novo.
n LIMA, Marcelo. Folha de S.Paulo, São Paulo, 21 dez. 2003. Disponível em: <www1.folha.uol.com.br/revista/rf2112200325.htm>.
Acesso em: 15 mar. 2010.

1. Considere o emprego das seguintes sequências substantivas no texto, ora no singular, ora no plural sem
nenhum tipo de determinante:
“Chuva, garoa, sol intenso.”
“[...] guarda‑chuvas, guarda‑sóis e sombrinhas.”
a) O professor Rodrigues Lapa comenta que a omissão do artigo definido pode ter vários efeitos, entre eles
generalização (alusão à espécie, classe), qualificação (alusão à qualidade representada pelo substantivo),
dramatização (acentuação do valor da ideia que o substantivo carrega). Com qual efeito você identifi‑
caria o emprego das sequências apontadas?
b) Comente, segundo o aspecto morfológico, o tipo de substantivo e a sua formação.
c) Justifique o plural guarda-chuvas e guarda-sóis.
d) A enumeração dos três primeiros elementos, na frase nominal, e dos três últimos, no final do primeiro
período do texto foi acidental? Explique.

2. Releia o seguinte trecho:


“Problemas como varetas quebradas, articulações travadas e pequenos furos na cobertura, causa‑
dos principalmente pelo uso contínuo e pela falta de cuidado no manuseio, podem ser corrigidos, na
maioria dos casos, em questão de horas”.
a) Comente a importância dos adjetivos destacados.
b) Quais são as marcas de concordância que eles apresentam? Justifique a concordância.
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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

3. Como o texto foi publicado em uma revista (encarte de um jornal), é comum encontrar uma escolha lexical
um pouco menos formal que a do texto propriamente jornalístico, como o uso da expressão estar em dia.
Qual palavra ou expressão poderia ter sido usada se o texto fosse mais formal? Reescreva o trecho em que
há a expressão, tomando como gênero um folheto instrucional destinado a turistas que viajam a lugares
muito úmidos, como a região amazônica.

4. No segundo parágrafo, há uma construção na voz passiva que omite seu agente. Reescreva o trecho, for‑
mulando um sintagma nominal como agente da passiva e coerente com o contexto.

5. Considerando que o artigo comenta uma prestação de serviço (conserto de objetos), aponte dez palavras
ou expressões do campo lexical desse tema.

6. Observando a seleção lexical do texto, determine que tipo de substantivo predomina: concretos ou abstratos.
Justifique essa predominância, pensando no tipo de texto e sua temática.

7. O recurso de dois-pontos pode apresentar diversos usos, como introduzir uma conclusão, um sinônimo,
uma causa ou uma explicação, entre outros. Nas duas ocorrências do texto, qual a função por eles desem‑
penhada? Reescreva as orações eliminando esse sinal de pontuação e substituindo‑o por uma conjunção
que corresponda ao valor semântico subentendido.

8. O artigo traz um problema coesivo pouco perceptível em uma leitura rápida: a falta de um referente para a
expressão na maioria delas. Qual seria o substantivo (apenas implícito no texto) que o pronome deveria retomar?

9. Na última oração do texto, há dois exemplos de articulações coesivas, o uso do pronome o e uma elipse
junto ao artigo indefinido um. Indique quais são os substantivos referentes a esses dois usos.

A gRAmáTicA
DO TExTo
OS SubSTANTIvOS AbSTRATOS E OS
CONCRETOS NA CONSTRuçãO dOS TExTOS
////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Declaração dos bens de família


Cadeiras e sofá, consolo e jarra,
camas e bules, redes e bacias,
a caixa de charão, o guarda‑louça,
teteias, mesa, aparador, fruteira,

a cesta de costura, o papagaio,


a cafeteira, o cromo de parede,
o jogo de gamão, as urupemas,
o álbum, o espelho, o candeeiro belga,

alguidares, baús de roupa, esteiras


de pipiri, a tábua do engomado,
pilão de milho, o tempo do relógio,
Ulhôa Cintra/Arquivo da editora

quartinhas, almanaques, tamboretes,


o santo da família, a lamparina,
o carneiro Belém e o seu balido.
n MOTA, Mauro. Itinerário. Rio de Janeiro: José Olympio, 1975. p. 7.

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sUbsTANTivo cAPÍTULo 2

De acordo com sua natureza, é possível distinguir substantivos concretos de abstratos, ou seja, subs‑
tantivos que se referem a coisas materializáveis de substantivos que se referem a coisas não materializá‑
veis. Assim, podemos nomear o que pertence ao mundo material e o que pertence ao mundo das ideias e
das emoções.
O emprego de um ou outro tipo de substantivo manifesta significativamente a que mundo nos referi‑
mos; portanto, o assunto de um texto está intimamente relacionado à seleção da natureza dos nomes que
são empregados nele. Se a temática, por exemplo, lida com a metafísica, visita os sentimentos e a espiritua‑
lidade, os substantivos abstratos entram em cena. Caso contrário, se o assunto trata da realidade material
que percebemos à nossa volta, os substantivos concretos serão os protagonistas.
Observe como o poeta elabora o soneto com uma predominância de substantivos concretos, fazendo
jus ao título: Declaração dos bens de família, que não é outra coisa senão um inventário de coisas materiais
que pertencem a uma família. O mesmo não ocorreria se se tratasse da declaração do bem de família, em
que se faria um inventário de princípios e qualidades, com a predominância de substantivos abstratos
(respeito, fraternidade, união, etc.).

ç
A SElEçãO lExICAl: COESãO,, ESTIlO E INTENCIONAlIdAdE
/////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

“Jacarta abria as suas páginas na noite e a diferença de fuso

Reprodução/Publicações Europa‑América
horário mantinha‑me as pupilas dilatadas. Olhos abertos pelo can‑
saço da viagem de Londres para Kuala Lumpur, na Malásia, e
depois... depois para a indefinição, Jacarta.
‘Camões’ só me acompanhou até Londres. A partir daí dei‑
xou‑me entregue a esse legado infinito. Nas treze horas seguin‑
tes, enquanto o Jumbo rasgava as altitudes, só me ouvia a mim
próprio a sussurrar o português. Nem uma palavra na língua que
um dia cruzou oceanos e povoou o mundo. A língua – que um dia
aportou em águas límpidas de corais multicolores e deixou mar‑
cas arrastadas pelos séculos – tinha ficado para trás. Senti ali, no
vazio da minha palavra, a responsabilidade do tesouro linguísti‑
co que transportava. Pensar em português. Era tão minha que
senti ser o último dos testemunhos de um longo caminho de vir‑
tudes. E ninguém o sabia. Só eu...”

n VELADAS, António. Timor: terra sentida. Mem Martins,


Portugal: Publicações Europa‑América, 2001. Edição bilíngue. p. 10.

Você prestou atenção no Camões que aparece no texto acima? Nesse caso, o substantivo não está
fazendo referência ao poeta português, mas a outro conceito: a língua portuguesa (trata‑se de um proces‑
so metonímico, em que se emprega o falante pela língua falada). O jornalista português António Veladas
escreve, a partir do segundo parágrafo, sobre a língua portuguesa. Para isso, ele se vale de várias expressões
lexicais para nomeá‑la e retomá‑la: Camões; o português; (n)a língua que um dia cruzou oceanos e povoou
o mundo; a língua – que um dia aportou em águas límpidas de corais multicolores e deixou marcas arras-
tadas pelos séculos; (d)o tesouro linguístico.
Além do valor estilístico do emprego de alternativas lexicais num texto, a seleção delas pode manifestar
posicionamento, sentimento, emoção. No caso do fragmento acima, o jornalista manifesta amor, admiração e
respeito pela língua portuguesa, sentimentos evidenciados pelos substantivos selecionados (tesouro) e pela
adjetivação (orações adjetivas). Vamos pensar se, ao contrário, as alternativas fossem: língua imposta por colo‑
nizadores; carga linguística; a língua – que um dia contaminou outras; etc. Que diferença!
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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

O substantivo, como já comentamos, designa, nomeia. Isto é, o emprego de um substantivo implica a asso‑
ciação com um conceito a que ele faz referência. Assim, ao empregar, por exemplo, o substantivo próprio
Camões, referimo‑nos a um ser, ao conceito desse ser (Luís de Camões). Mas, na redação de um texto sobre ele,
em que teríamos de nomeá‑lo constantemente, para não deixar o texto redundante, seria possível empregar
algumas outras designações que o apontam ou descrevem: o maior poeta português, o autor de Os Lusíadas, etc.
Da mesma forma, ao fazer referência ao autor do texto da página anterior, poderíamos empregar António
Veladas, o jornalista português, o escritor, o autor de Timor: terra sentida, o jornalista que cobriu a luta pela
independência do Timor, etc. Essas designações, alternativas lexicais, podem beneficiar um texto, pois permitem
a coesão lexical interna sem perder o estilo e ainda evitam redundâncias.

Atividades
1. Escreva um parágrafo que reproduza o cenário de uma festa. Você deverá usar quase exclusi‑
vamente substantivos. A sequência escolhida na enumeração dos elementos é que estabele‑
cerá a coesão do texto; a seleção vocabular, por sua vez, vai revelar que tipo de festa você
estará descrevendo.

Texto para as questões 2 a 6.


O trecho a seguir foi retirado de uma obra com finalidade didática. Estabeleça como objetivo de leitura
captar as principais informações que transmite. Depois, responda às questões propostas.

Na manhã do dia 3 de agosto de 1492, Colombo partiu com suas três caravelas –
Santa Maria, Pinta e Niña, com cerca de 100 homens de tripulação – rumo ao sudoeste,
em direção às Ilhas Canárias. Uma rota direta pelo oeste pode parecer mais curta do que
esse desvio pelo sul, no entanto é essencial lembrar que, nos dias da navegação a vela, o
importante de uma viagem era a menor duração, e não a menor distância geográfica. Se
tivesse zarpado direto da Espanha rumo ao oeste, Colombo teria enfrentado fortes ven‑
tos contrários no Atlântico Norte, que poderiam ter dificultado ou impossibilitado a
viagem – sua rota continua a ser, ainda hoje, a mais favorável a um veleiro que venha da
Europa para a América. Com o desvio de uma semana rumo às Ilhas Canárias, Colombo
ganhou tempo, pois a partir de lá ventos favoráveis ao cruzamento do Atlântico rumo ao
oeste de fato encurtaram sua viagem.
n MIGLIACCI, Paulo. Os descobrimentos: origens da supremacia europeia.
São Paulo: Scipione, 1992. p. 51.

Allmaps/Arquivo da editora

OCEANO
ATLÂNTICO EUROPA

ESPANHA
40º N

Mar Mediterrâneo
Estr. de
Ulhôa Cintra/Arquivo da editora
Meridiano de Greenwich

Gibraltar

ÁFRICA
Ilhas ESCALA
Canárias
0 400 800 km

n Adaptado de: IBGE. Atlas geográfico escolar. Rio de Janeiro, 2009.

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sUbsTANTivo cAPÍTULo 2

2. Considerando que Colombo nasceu em Gênova, estudou geografia medieval, navegou a serviço da Coroa
espanhola e descobriu a América, em favor do estilo, dê alternativas para substituir o substantivo próprio
Colombo.

3. Objetos e animais não costumam ter nomes próprios, mas embarcações e animais domésticos são fre‑
quentemente batizados por seus donos. Explique o efeito de sentido que essa nomeação provoca.

4. O texto procura provar que nem sempre a distância mais curta é o percurso mais rápido. Que sintagmas
nominais foram usados para indicar esses dois conceitos, respectivamente?

5. Um recurso argumentativo empregado pelo autor foi construído por meio de uma oração condicional
seguida de um exemplo atual. Explique o procedimento adotado e julgue os argumentos como fortes ou
fracos para a persuasão do leitor.

6. Na expressão final “[ventos favoráveis] […] encurtaram sua viagem” temos a transposição de sentido do
verbo encurtar, resultando numa figura de linguagem. Explique como isso se dá.

Texto para as questões 7 a 10.


O texto a seguir, da área da astrologia, tenta estabelecer o arquétipo da mulher taurina. É essa informação
específica que será dada ao leitor.

Como é a mulher de Touro


É resoluta, afetuosa, sensual e solidária, como o bom signo de
terra, tem uma natureza prática. Seu planeta regente é Vênus, a deusa
do amor, da beleza e da harmonia e que representa o amor pelas coi‑
sas refinadas da vida e pelo prazer.
Tem dependência real do conforto do mundo material.
No amor, gosta de receber flores, costuma ser suave, atenciosa e
carinhosa. É doce e costuma ostentar tudo o que convencionalmente
chamamos de feminino. Não suporta homens rudes, desarrumados e
cheirando mal. A taurina costuma atrair homens mais tranquilos e
que valorizam a beleza e feminilidade acima de tudo.
Poderosas de Touro: Michelle Pfeiffer, Claudia Liz, Linda
Evangelista, Uma Thurman, Mariana Ximenes, Fernanda Young, Janet
Jackson.
n Disponível em: <http://claudia.abril.com.br/galerias/as‑mulheres‑segundo‑os‑seus‑signos/?p=/astral/horoscopo>.
Acesso em: 26 jan. 2013.

7. Justifique a predominância de substantivos abstratos no texto acima.


8. Quem é o interlocutor preferencial desse texto? Justifique sua resposta com palavras ou expressões do
texto.

9. Para justificar a característica do apego a tudo aquilo que é belo e bom, própria do signo, o texto faz uma
relação por aproximação e semelhança. Explique como foi feita essa relação.

10. Muitos substantivos abstratos são correlatos de adjetivos; por exemplo, a oração “tem dependência real do
conforto do mundo material” poderia ser substituída por é dependente real do conforto do mundo material.
Com base nesse exemplo, transforme os adjetivos da sequência “É resoluta, afetuosa, sensual e solidária […]”
em substantivos abstratos.
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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

NO
Questões de exames fAçARNO!
CAd
E

1. (Insper‑SP)

Reprodução/vestibular‑Insper
n Folha de S.Paulo, 3 ago. 2011.

Considerando‑se os elementos verbais e visuais da (02) No conjunto formado pelos versos 1 e 2, tem‑se
charge, conclui‑se que o humor decorre do(a) uma ocorrência de linguagem metafórica.
a) crítica despropositada feita a um livro conside‑ (04) Ao empregar a palavra fumo por fumaça, o
rado um clássico da literatura universal. poeta utiliza o recurso estilístico da hipérbole.
b) duplo sentido que a palavra “barata” adquire no (08) Para sugerir de forma mais expressiva o movi‑
contexto do último quadrinho da tirinha. mento vagaroso do fumo (fumaça) que subia,
c) ambiguidade do substantivo “impressão”, pre‑ Mário Quintana recorre à correta partição silá‑
sente no segundo quadrinho. bica da palavra minuciosamente.
d) explícita referência intertextual que ocorre no (16) A pluralização da palavra para‑sol se baseia na
primeiro quadrinho da tira. mesma orientação normativa de guarda‑civil.
e) traço caricatural das personagens que as aproxi‑
ma do conteúdo do livro mencionado. 4. (Fuvest‑SP)
A gente via Brejeirinha: primeiro, os cabelos,
2. (Unesp‑SP) compridos, lisos, louro‑cobre; e, no meio deles,
Contraste entre a vida campestre e a das cidades coisicas diminutas: a carinha não comprida, o
perfilzinho agudo, um narizinho que‑carícia. Aos
Nos campos o vilão sem sustos passa, tantos, não parava, andorinhava, espiava agora –
Inquieto na corte o nobre mora; o xixixi e o empapar‑se da paisagem – as pesta‑
O que é ser infeliz aquele ignora, nas til‑til. Porém, disse‑se‑dizia ela, pouco se vê,
Este encontra nas pompas a desgraça: pelos entrefios: “– Tanto chove, que me gela!”
n BOCAGE. Obras de Bocage. Porto: Lello & Irmão‑Editores, 1968. n ROSA, Guimarães. Partida do audaz navegante.
In: Primeiras estórias.
A palavra vilão pode apresentar diferentes significados
na Língua Portuguesa, alguns bastante distintos entre a) Os diminutivos com que o narrador caracteriza a
si. No soneto de Bocage, é possível perceber, em função personagem traduzem também sua atitude em
do contexto, o significado que assume tal palavra, relação a ela. Identifique essa atitude, explican‑
empregada no primeiro verso. Aponte esse significado. do‑a brevemente.
b) “Andorinhava” é palavra criada por Guimarães
3. (UFMS) Rosa. Explique o processo de formação dessa
O dia abriu seu para‑sol bordado palavra. Indique resumidamente o sentido dessa
De nuvens e de verde ramaria palavra no texto.
E estava até um fumo, que subia,
Mi‑nu‑ci‑o‑sa‑men‑te desenhado. 5. (Fuvest‑SP) A enumeração de substantivos expres‑
n QUINTANA, Mário. Poesias. sa gradação ascendente em:
a) “menino mais gracioso, inventivo e travesso.”
Em relação ao texto de Mário Quintana reproduzi‑
b) “trazia‑o amimado, asseado, enfeitado.”
do acima, marque a(s) opção(ões) incorreta(s).
(01) Segundo o dicionário eletrônico de Aurélio B. Holan‑ c) “gazear a escola, ir caçar ninhos de pássaros, ou
da, “Verso é cada uma das linhas constitutivas de perseguir lagartixas.”
um poema; a unidade rítmica de uma poesia.”. Por‑ d) “papel de rei, ministro, general.”
tanto, a estrofe acima é composta de 4 versos. e) “tinha garbo [...], e gravidade, certa magnificência.”

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3
dETERminAnTEs E modificAdoREs dos sUbsTAnTivos cAPÍTULo 3

cAP Í T U L o 3

Determinantes e
modificadores
dos substantivos

Ulhôa Cintra/Arquivo da editora

“Um dia cão ladra, mas não morde.”


n Manchete de um artigo do Jornal do Brasil.

Quem ladra? Quem morde? O dia? O cão? O dia cão! O sintagma que exerce a função de sujeito das orações (na
primeira está explícito; na segunda, elíptico) é Um dia cão. Nele, o núcleo dia está indeterminado pelo artigo um.
E mais: modificado pelo adjetivo... cão. Adjetivo cão?! Bem, se cão está modificando e delimitando o significado
de um substantivo que funciona como núcleo de um sintagma nominal, ele só pode ser um adjetivo. Ou melhor,
nesse caso específico, um substantivo que funciona como adjetivo.

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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

/////////////////////////
A ESTRUTURA DO SINTAGMA NOMINAL
A ES
///////////
////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

No volume 1 desta coleção, vimos a estrutura dos sintagmas nominal e verbal. Neste capítulo, vamos reto‑
mar a estrutura do sintagma nominal para destacar os determinantes e os modificadores do substantivo – que
funciona como núcleo.
O núcleo de um sintagma nominal é sempre um nome ou pronome substantivo ou elemento substantivado.
Esse núcleo pode constituir o sintagma sozinho ou aparecer acompanhado de outras palavras, que, basicamente,
formam dois grupos:
• os determinantes: termos que se referem ao núcleo para indicar gênero e número (os artigos), localização no
tempo e no espaço (pronomes demonstrativos), posse (pronomes possessivos), quantificação (numerais e
pronomes indefinidos);
• os modificadores: normalmente representados por adjetivos ou locuções adjetivas e por numerais.
A estrutura básica do sintagma nominal pode ser assim representada:
SN
determinante núcleo (determinado) modificador

um cão
meu preferido
dois dia(s) chuvosos
o decisivo
estes nublados

/////////////////////////
O AR
O ARTIGO
///////////
/////////////////////////

Artigo é a palavra que precede o substantivo, indicando ‑lhe o gênero e o número, determinando ‑o ou
generalizando ‑o. Ao contrário do substantivo, é uma palavra não lexical, isto é, não possui um conteúdo semân‑
tico que descreva alguma coisa por si só: fora de contexto, nada significa. Mas, quando associado a um substan‑
tivo, indica sua categoria gramatical.

imPoRTAnTE!
Anteposto a qualquer palavra, o artigo a transforma em subs‑
tantivo: o amar, um comer, o não, um talvez, o longe, o nada, etc.

OPS!
OS ARTIGOS DEFINIDOS PODEM SER GENERALIZADORES?
* Pode um artigo definido, que, essencialmente, individualiza, generalizar? Observemos o enunciado abaixo:
Todos sabem que o preconceito é um marco presente na vida da humanidade e a mulher não ficou de fora, em razão dele sofreu
grandes perdas.
n Disponível em: <http://manchetesdecampogrande.blogspot.com.br/2011/03/dia-internacional-da-mulher.html>. Acesso em: 6 fev. 2013.
Nesse caso, a expressão “a mulher” refere-se à classe que abrange todas as mulheres, e não a uma mulher específica. Trata-se de
um emprego genérico, ou, sob outro enfoque, é como se fosse um coletivo.
* E o artigo indefinido – que basicamente indica um ser qualquer dentre outros da mesma espécie – também pode funcionar
como generalizador?
Leia este enunciado:
“Vanessa Ribeiro Mateus, titular do primeiro juizado dedicado à violência contra a mulher em São Paulo, afirma: ‘Uma mulher
apanha dentro de casa no Brasil a cada 15 segundos’”.
n Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI67936-15223,00-VANESSA+RIBEIRO+MATEUS+UMA+
MULHER+APANHA+DENTRO+DE+CASA+NO+BRASIL+A+CADA+SE>. Acesso em: 6 fev. 2013.
A expressão “uma mulher” refere-se à classe toda por meio de um ser representativo, como se fosse uma metonímia (caso em
que o substantivo sempre aparece no singular).

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dETERminAnTEs E modificAdoREs dos sUbsTAnTivos cAPÍTULo 3

O artigo na frase
O artigo sempre acompanha o substantivo; portanto, faz parte do sintagma nominal e, consequentemente,
do termo da oração a que pertence o substantivo. Só que nunca como núcleo, e sim como adjunto adnominal.
Observe a frase:
SUJEITO PREDICADO

v.t.d.i. obj. dir. obj. ind.

O vendedor indicou um livro para a cliente.

nc nc nc

adj. adn. adj. adn. adj. adn.

Nela, três sintagmas nominais exercem diferentes funções: sujeito, objeto direto e objeto indireto; os
núcleos estão representados por substantivos e todos acompanhados de artigos, que funcionam como
adjuntos adnominais.

Atividades
Mito ou verdade: celular pode explodir?
Todos os dias, nos jornais, há notícias sobre celulares que explodem e machucam
pessoas. Mas é mesmo possível um celular explodir? Confira em mais uma edição
de Mito ou Verdade!
Por Bruna Rasmussen

"Celular explode e mata operário na China". "Celular explode em bolso de jovem".


"Celular explode e queima orelha de dona de casa". Manchetes como estas já não são
raridade. O telefone celular é um objeto praticamente essencial na vida de qualquer
pessoa. De estudantes e médicos a taxistas e executivos, todo mundo quer estar a um
número de distância. [...]
Em todos os casos mostrados, o que explodiu com certeza não foi o celular em si,
mas a bateria, caixinhas que armazenam uma incrível quantidade de energia e permi-
tem que um aparelho eletrônico seja utilizado longe das
tomadas. A grande maioria de eletrônicos portáteis, hoje,
Ulhôa Cintra/Arquivo da editora

optam por utilizar as baterias de Li-ion (íons de lítio).


Em comparação aos outros tipos de bateria, os íons
de lítio armazenam o dobro de energia, são mais leves e
mais ecológicos. Em contrapartida, estas baterias exi-
gem muito mais cuidado e, infelizmente, explodem
mais facilmente. Em geral, a temperatura ideal para
se manter uma bateria dessas é 25 0C, o que nem sem-
pre é possível. Deve-se evitar também sua exposição
a temperaturas maiores que 50 0C ou à luz do sol.
n Disponível em: <www.tecmundo.com.br/2605-mito-ou-verdade-
celular-pode-explodir-.htm#ixzz2JeCJrzA2>.
Acesso em: 1º fev. 2013.

49

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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

1. Tendo em conta que esse texto foi publicado em um site chamado Tecmundo, justifique a escolha do
assunto abordado e explique a importância de uma seção como "Mito ou verdade?".

2. No subtítulo, há dois usos da palavra celular(es): no primeiro caso, desacompanhada de artigo; no segundo,
seguida de artigo indefinido. Explique a diferença de sentido expressa por essas construções.

3. Com base na resposta da questão anterior, justifique o uso do artigo definido e a opção por utilizar a palavra
celular como adjetivo, modificando o substantivo telefone. Leve em conta a informação do trecho "O telefone
celular é um objeto praticamente essencial na vida de qualquer pessoa..." para responder à questão.

4. Qual é a diferença de sentido expressa pelas diversas expressões que incluem ou não o uso dos artigos e
da palavra bateria nos enunciados abaixo?
• […] o que explodiu com certeza não foi o celular em si, mas a bateria […]
• A grande maioria de eletrônicos portáteis […] optam por utilizar as baterias de Li ‑ion.
• Em comparação aos outros tipos de bateria […]
• […] a temperatura ideal para se manter uma bateria dessas é 25 °C […]

5. Você chegou a uma conclusão a respeito de que bateria deve ser usada em celulares? A bateria de Li ‑ion
parece ser a melhor opção se levarmos em conta seus benefícios? Fundamente sua opinião fazendo uso
dos artigos definidos e indefinidos.

6. O texto cumpriu sua função, ou seja, o leitor ficou sabendo se a explosão de celulares é mito ou verdade?

O artigo nos textos


O caráter anafórico e coesivo do artigo

Ideia para uma história. Homem chega num carro com


motorista a uma cidadezinha do interior. Manda estacionar o

Ulhôa Cintra/Arquivo da editora


carro na única praça da cidadezinha, em frente à única igreja,
e diz para o motorista ficar esperando no carro enquanto ele
inspeciona a cidadezinha a pé. [...]
n VERISSIMO, Luis Fernando. A cidadezinha natal. Disponível em:
<www.libertas.com.br/site/index.php?central=conteudo&id=716>. Acesso em: 6 fev. 2013.

O artigo tem uma função muito importante na construção do texto, especialmente em sequências narra‑
tivas. Ao introduzir informações novas, valemo ‑nos dos artigos indefinidos, à maneira de apresentação; ao
retomá ‑las, empregamos os artigos definidos, pois já são informações conhecidas do leitor ou interlocutor.
Verissimo, no texto da página anterior, vale ‑se dessa característica dos artigos no início de sua narrativa:
primeiro emprega substantivos desprovidos de artigo ou com artigos indefinidos (homem, num carro, moto‑
rista, uma cidadezinha) à maneira de apresentação; depois emprega substantivos precedidos de artigos defi‑
nidos (o carro, da cidadezinha, o motorista, no carro, a cidadezinha), que retomam informações já apresenta‑
das e, consequentemente, conhecidas.
A indeterminação apresenta um ser que pertence a uma classe; a determinação identifica esse ser como
conhecido e remete à apresentação. Daí o caráter anafórico e coesivo do artigo definido, que se refere a um
termo mencionado anteriormente e liga as informações dentro do texto.
Vamos realizar uma troca e observar os termos destacados:

“[...] Homem chega num carro com motorista a uma cidadezinha do interior. Manda estacionar um
carro na única praça da cidadezinha, em frente à única igreja [...]”
50

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dETERminAnTEs E modificAdoREs dos sUbsTAnTivos cAPÍTULo 3

Na leitura, fica claro que a cidadezinha que tem uma única praça, citada no segundo período, é a
mesma cidadezinha do interior apresentada no primeiro período. Mas não se percebe o mesmo em relação
ao carro, ou seja, não há ligação entre o carro citado no primeiro período e o citado no segundo, não há uma
referência a um mesmo ser, mas a dois seres distintos: o carro com motorista em que o homem chega e o
carro que o homem manda estacionar na única praça da cidadezinha, já que nos dois casos ocorre o emprego
do artigo indefinido.

Atividade
A seguir, transcrevemos trechos de contos de Machado de Assis, dos quais foram retirados
os artigos. Reescreva ‑os, completando as frases com os definidos ou indefinidos. Pense no
caráter coesivo do artigo ao empregá ‑lo, e lembre ‑se de que os substantivos determinados
por qualificadores costumam vir precedidos do artigo definido. Atente para as contrações
com as preposições.

a) Conta * velho manuscrito beneditino que * Diabo, em certo dia, teve * ideia de fundar *
igreja. [...] Por que não teria ele * sua igreja?
n A Igreja do Diabo. In: Contos consagrados de Machado de Assis. Rio: Tecnoprint, s.d. p. 49.

b) Deus recolhia * ancião, quando * Diabo chegou a * céu. * serafins, que engrinaldavam *
recém ‑chegado, detiveram ‑se logo, e * Diabo deixou ‑se estar à porta com * olhos n* Senhor.
n idem, p. 50.

c) Imagine * leitora que está em 1813, n* Igreja d* Carmo, ouvindo * daquelas boas festas antigas,
que eram todo * recreio público e toda * arte musical. [...]
n Cantiga de Esponsais. In: Contos consagrados de Machado de Assis. Rio: Tecnoprint, s/d. p. 85.

d) [...] limito ‑me a mostrar ‑lhes * cabeça branca, * cabeça desse velho que rege * orquestra, com
alma e devoção.
n idem, ibidem.

/////////////////////////////
O AR
O ARTIGO DEFINIDO COMO SUPERLATIVO
///////////
////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

“Meio ambiente é o negócio”


[...] As oportunidades de negócio que surgem em função do crescimento do mercado “verde” são
extremamente promissoras, atingindo áreas que englobam, entre outras, o setor cosmético, consultorias
ambientais, construtoras, reciclagem, bancos e
turismo. Nesse ramo de negócios, a criatividade é
Marcos Mendes/Agência Estado

o limite, desde que exercida com responsabilidade,


pois envolve um patrimônio da humanidade que
deve ser respeitado e preservado. [...]

n Disponível em: <www.ethos.org.br/_Uniethos/Documents/


Meio%20ambiente%20é%20o%20negócio!.pdf>.
Acesso em: 5 mar. 2010.

n Arranjo de flores de papel reciclado feito pelo artista


plástico Nido Campolongo, São Paulo, SP.
51

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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

Pela sua característica individualizadora, o artigo definido pode funcionar como um verdadeiro superlativo
absoluto sintético. Falar que “Meio ambiente é o negócio” é equivalente a dizer “Meio ambiente é o melhor
negócio, o negócio mais vantajoso”, e não apenas “um negócio qualquer” ou “um bom negócio”.
O mesmo acontece quando dizemos, por exemplo, “Esse é o carro.” ou “Aquela foi a festa.”, para enfatizar
que esse é o melhor carro de todos (mais potente, mais bonito), ou que aquela foi a melhor festa de todas (mais
animada, mais sofisticada).
É evidente que esse artigo definido ganha uma força expressiva muito grande na linguagem oral, em vir‑
tude da ênfase que damos a ele na pronúncia.

/////////////////////////
O ARTIGO DEFINIDO ENFATIZADOR
///////////
//////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Mais de dez anos depois de sua morte, é bom lembrar um pouco de

Reprodução/Arquivo da editora
Chico Mendes, o seringueiro cultuado internacionalmente como mártir
da causa ecológica. Nos rincões da Amazônia, ele foi a voz do chamado
povo da floresta, um contingente de brasileiros que hoje vive praticamen-
te numa espécie de faroeste, à margem das grandes discussões econômi-
cas do país. Mendes e sua gente precisam voltar à berlinda, a fim de que
a história não se repita. [...]
n Luiz Fernando Sá.
Extraído de: <www.terra.com.br/dinheironaweb/155/secoes/col155editorial.htm>. Acesso em: 14 maio 2010.

O artigo definido pode ter um valor expletivo, ou seja, pode não alte‑
rar sintaticamente o enunciado, mas interferir sutilmente em seu conteú‑
do semântico. Compare os seguintes enunciados:

Mais de dez anos depois de sua morte, é bom lembrar um pouco de


Chico Mendes, o seringueiro cultuado internacionalmente como mártir
da causa ecológica. n O seringueiro Chico Mendes.

Mais de dez anos depois de sua morte, é bom lembrar um pouco de Chico Mendes, seringueiro cultuado
internacionalmente como mártir da causa ecológica.

Basicamente, os enunciados são equivalentes. Só há um detalhe que os diferencia: o emprego de um


artigo definido expletivo no aposto. Essa sutil diferença individualiza, familiariza e enfatiza ainda mais o con‑
teúdo do aposto.

O ARTIGO INDEFINIDO COM VALOR APRECIATIVO


/////////////////////////
E DEPRECIATIVO EM EXPRESSÕES METAFÓRICAS
///////////
////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Se considerarmos as seguintes falas:


A mãe acha que a filha é uma boneca.
Esse político é uma marionete.
Vamos observar que, enquanto o artigo definido pode expressar um valor superlativo (ela é a boneca), o
indefinido, dependendo do contexto, pode expressar um valor apreciativo ou depreciativo metafórico:

A filha é uma boneca.


Valor apreciativo metafórico filha = boneca = bonita, charmosa, etc.

Esse político é uma marionete.


Valor depreciativo metafórico político = marionete = manipulável, sem ação própria, etc.

52

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dETERminAnTEs E modificAdoREs dos sUbsTAnTivos cAPÍTULo 3

O ARTIGO INDEFINIDO E A METAMORFOSE DO


O

Reprodução autorizada por João Candido Portinari/


Imagem do acervo do Projeto Portinari
/////////////////////////////
SUBS
SUBSTANTIVO PRÓPRIO EM COMUM
///////////
/////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Finalmente, [...] na capital paulista, é possível conhecer um Portinari


sem seus contornos sociais e de uma simplicidade rara: a tela “Floresta”
(1938), que está na mostra permanente do Museu da Casa Brasileira.
A obra foi encomendada, na década de 40, pelo ex-prefeito de São Paulo
Fábio da Silva Prado (1934-1937), que então morava na casa, hoje sede
do museu.
n Disponível em:
<www1.folha.uol.com.br/folha/sinapse/ult1063u604.shtml>.
Acesso em: 5 fev. 2013.

Falei no jogador italiano porque ele estava no auge da fama (quem lembra?), driblando como um
Garrincha em formato menor, desengonçado em tamanho idêntico, pássaro balado desde o nascedouro,
condenado a esse tipo de inferioridade discriminatória que a novela global reservou aos paraenses.
n Disponível em: <http://ufdc.ufl.edu/AA00005008/00223>.
Acesso em: 5 fev. 2013.

Ao antepor um artigo indefinido a um substantivo próprio, estendem ‑se as características desse ser particu‑
lar e individualizado a um outro. Isso é possível por meio de dois processos estilísticos: a metáfora (relação de
semelhança) e a metonímia (relação de contiguidade, de proximidade, de pertinência). Releia os trechos a seguir:

“[...] é possível conhecer um Portinari sem seus contornos sociais [...]”


uma tela de Portinari

“[...] driblando como um Garrincha em formato menor [...]”


um craque

No primeiro caso, não se designa o ser Portinari, o pintor brasileiro, o homem, mas a sua obra, ou uma tela
do conjunto de sua obra. Trata ‑se de uma metamorfose de substantivo próprio em comum por processo meto‑
nímico (autor pela obra).
No segundo caso, também não se nomeia o ser Garrincha, o jogador brasileiro, o homem, mas suas carac‑
terísticas: craque, jogador ágil, driblador, etc. Trata ‑se de uma metamorfose de substantivo próprio em comum
por processo metafórico (o jogador dribla como Garrincha driblava).

Atividades
Leia, a seguir, os últimos versos da canção "Esse cara", de Caetano Veloso, e responda às
questões 1 e 2.

ele é quem quer


ele é o homem
eu sou apenas uma mulher
n VELOSO, Caetano. Esse cara. Disponível em: <http://letras.mus.br/caetano-veloso/144566/>.
Acesso em: 7 fev. 2013.

1. Comente a força expressiva dos artigos nesses versos.


2. Que efeito de sentido provocam?
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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

/////////////////////////
O ADJETIVO
O AD
///////////
////////////////////////////////

Adjetivo é a palavra que modifica o substantivo, atribuindo ‑lhe um estado, uma qualidade ou uma carac‑
terística. Portanto, refere ‑se aos seres, mas, ao contrário do substantivo, que os designa, o adjetivo exprime ‑lhes
uma qualidade. É, por isso, uma abstração (daí sempre se apoiar em um substantivo). Numa oração, o adjetivo
desempenha a função de adjunto adnominal ou de predicativo.
Retomemos o texto que abre o capítulo: “Um dia cão ladra, mas não morde.” Se as palavras dia e cão forem
tomadas isoladamente, como classificá ‑las? Substantivos, claro. No entanto, no exemplo (um dia cão), cão
exerce uma função adjetiva. Logo, uma palavra só pode ser classificada com base na função que exerce num
determinado contexto.

OPS!
ADJETIVOS EXPLICATIVOS E RESTRITIVOS?

Pensemos no silogismo aristotélico:


Todo homem é mortal
Pedro é homem
Logo, Pedro é mortal
Tal silogismo só é possível porque a premissa tem um adjetivo de caráter explicativo na função de predicativo do sujeito
(“mortal”), já que abrange todo o universo representado pelo substantivo “homem” (todo e qualquer homem; trata-se de uma
premissa universal), atribuindo-lhe uma característica inerente, conhecida por todos, inquestionável (“é mortal”). É essa condição
que permite a conclusão final.
Numa frase como
“Os homens mortais devem procurar o mistério da vida e da morte.”
o adjetivo soa redundante, já que é de conhecimento universal que não há homem que não seja mortal. Poderíamos enxugar a frase:
“Os homens devem procurar o mistério da vida e da morte.”
que não haveria perda alguma de significação.
Por outro lado, pensemos no texto de um aviso comum em saguões de chegada de aeroportos:
“Os turistas estrangeiros devem entrar na fila da direita.”
Tal frase tem um caráter restritivo; já que não se refere a todo o universo de turistas, e sim aos turistas estrangeiros, esses
e apenas esses é que devem entrar na fila da direita (o adjetivo “estrangeiros” pode ser classificado como restritivo).
Ao contrário do que vimos no exemplo anterior, a ausência do elemento restritivo teria consequências importantes para a
significação da frase:
“Os turistas devem entrar na fila da direita.”,
pois levaria todo o universo de turistas (nacionais ou estrangeiros) a entrar na fila da direita.
O conceito de restritivo e explicativo é fundamental para entender as orações adjetivas.

Atividades
Laerte/Acervo do cartunista

n Disponível em: <www2.uol.com.br/laerte/tiras/index-hugo.html>. Acesso em: 13 fev 2013.

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dETERminAnTEs E modificAdoREs dos sUbsTAnTivos cAPÍTULo 3

1. No primeiro quadrinho, que efeito de sentido produz a locução adjetiva “de proporções continentais”? Em
seguida, dê alguns exemplos de adjetivos que poderiam substituir essa locução, sem alterar seu valor.

2. Observe o termo meritíssimo no segundo quadrinho. Trata ‑se de uma derivação imprópria consagrada.
Explique a afirmação e justifique exemplificando.

3. Ainda no segundo quadrinho, qual a função sintática de culpado? Qual a importância desse adjetivo para
o entendimento da tirinha?

O adjetivo na frase
O adjetivo na oração
Há duas funções adjetivas básicas: adjunto adnominal e predicativo. Pense na definição de adjetivo e
relacione ‑a a esses dois termos; você perceberá claramente a relação adjetivo/substantivo. Pense, agora, na eti‑
mologia da palavra adjetivo: literalmente quer dizer “que se junta”, “que se coloca ao lado”. Ora, que se junta a
quê, que se coloca ao lado de quê? Do substantivo. Observe que a própria formação da palavra nos remete a uma
caracterização morfossintática, e não apenas morfológica.

sujeito predicado sujeito predicado

A elegante senhora desfilou. A senhora é elegante.

O adjetivo elegante funciona como O adjetivo elegante funciona como


adjunto adnominal, acompanhando o predicativo do sujeito (o núcleo do
substantivo senhora, núcleo do sujeito. sujeito é o substantivo senhora).

O adjetivo no período composto


O adjetivo funcionando como adjunto adnominal pode assumir a forma de oração. Nesse caso, ocorrerá
uma oração subordinada (trata ‑se de um termo da oração principal) adjetiva (tem o valor de um adjetivo).
Há dois tipos de oração adjetiva: restritiva (quando a informação que acrescenta ao nome delimita ‑o e
individualiza ‑o) e explicativa (quando a informação qualifica o nome).

oração subordinada adjetiva restritiva

A senhora que estava vestida de vermelho desfilou elegantemente.

funciona como adjunto adnominal do núcleo do sujeito: senhora

oração subordinada adjetiva explicativa

Matilde, que estava vestida de vermelho, desfilou elegantemente.

funciona como adjunto adnominal do núcleo do sujeito: Matilde

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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

Atividades
Leia a letra da canção “Paralelas”, compos‑
Não deixe de ler as informações sobre o
ta por Belchior, artista cearense, na década de
gênero textual canção no capítulo 2 da
1970. Use o título da canção como “guia” para
segunda parte deste livro.
sua leitura.

Paralelas
Dentro do carro, sobre o trevo, a 100 por hora, Nem te lembras de voltar,
Oh! meu amor! de voltar
só tens agora os carinhos do motor. de voltar
E no escritório em que eu trabalho e fico rico, ... No Corcovado quem abre os braços sou eu.
quanto mais eu multiplico Copacabana, esta semana o mar sou eu.
diminui o meu amor. (Como é perversa a juventude do meu coração
Em cada luz de mercúrio que só entende o que é cruel, o que é paixão!)
vejo a luz do teu olhar.
E as paralelas dos pneus na água das ruas
são duas estradas nuas
Alex Silva/Agência Estado

em que foges do que é teu.


No apartamento (8º andar!)
abro a vidraça e grito...
Grito quando o carro passa:
“Teu infinito sou eu!
Sou eu!
Sou eu!
n O cantor e
Sou eu!”
compositor
Belchior. n BELCHIOR. Paralelas. In: Coração selvagem (CD).
Warner, 1977.

1. O texto tem a estrutura de uma interlocução.


a) Que espaços físicos os interlocutores ocupam?
b) Caracterize o eu poético. Caracterize também os elementos tempo e espaço.

2. O segundo verso está centrado num termo independente, à parte do sujeito e do predicado.
a) Qual é sua função sintática?
b) Qual é o núcleo desse termo?
c) Esse termo tem função substantiva ou adjetiva? Apresenta adjunto adnominal?
d) Qual é a importância semântica desse termo?

3. Releia o seguinte verso: “Em cada luz de mercúrio”.


a) O termo destacado (sintagma nominal preposicionado) é uma locução adjetiva. Justifique essa afirmação.
b) Substitua, se possível, essa locução por uma única palavra de conteúdo semântico equivalente que exerça
a mesma função.

4. “Esta semana o mar sou eu.” Atente para a concordância e responda: qual o sujeito da oração?
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dETERminAnTEs E modificAdoREs dos sUbsTAnTivos cAPÍTULo 3

5. Nos versos:
“(Como é perversa a juventude do meu coração / que só entende o que é cruel, o que é paixão!)”

a) A que classe gramatical pertence a palavra perversa e qual é sua função no enunciado? Comente se há
manifestação de concordância nela.
b) Na estrutura paralela: “o que é cruel, o que é paixão”, há equivalência na classificação sintática e
morfológica das palavras em destaque?

6. “E as paralelas dos pneus na água das ruas / são duas estradas nuas [...]”
a) Qual é a função sintática do termo destacado?
b) Qual é o seu núcleo? E seus adjuntos adnominais?
c) Dê a classe gramatical das palavras que formam o termo destacado.

7. Considerando que a antítese se caracteriza pela oposição de palavras ou ideias, aponte uma passagem em
que ocorre essa figura e comente ‑a.

8. Observe a ocorrência da palavra paralelas no texto. O significado dessa palavra no título e na letra da canção
é o mesmo?

/////////////////////////////
O ADJETIVO NOS TEXTOS
O AD
///////////
///////////////////////////////////////////////////////////////////////

O valor denotativo e conotativo do adjetivo


Carlos Lyra chora ao cantar em Pobre Menina Rica emocionando a plateia
Para completar a semana de eventos, shows e espetáculos homenageando os 50 anos da bossa nova,
Carlos Lyra participou na peça teatral Pobre Menina Rica, de sua autoria com parceria de Vinicius de Morais.
Sua participação foi simplória, mas emocionante – tanto para a plateia quanto para o próprio músico, que
declarou ficar comovido ao ver “esses músicos e artistas maravilhosos tomando conta do meu bebê”.
n Disponível em: <http://paulamedeiros.wordpress.com/2008/07/07/carlos-lyra-chora-ao-cantar-em-pobre-menina-rica-emocionando-a-plateia/>. Acesso em: 6 fev. 2013.

Observe a expressão “pobre menina rica” no texto acima. Um nome (menina) modificado por adjetivos
antagônicos (pobre × rica)! Não é uma contradição?
Na ordem convencional, o adjetivo aparece posposto ao substantivo; no entanto, quando deslocado, sofre algu‑
mas mudanças semânticas. É possível estabelecer a seguinte regra geral: posposto, o adjetivo assume a sua signifi‑
cação primeira, a denotativa; anteposto, ele assume nova significação, a conotativa. Vamos esclarecer melhor:

A menina pobre ≠ A pobre menina

Adjetivo na ordem convencional. Adjetivo deslocado.


Valor semântico denotativo: “sem Valor semântico conotativo: “digna
recursos, sem dinheiro”. de lástima, que inspira compaixão”.

A menina rica ≠ A rica menina

Adjetivo na ordem convencional. Adjetivo deslocado.


Valor semântico denotativo: “que Valor semântico conotativo: “boa,
possui riquezas, dinheiro”. bonita, linda, satisfeita, feliz”.

Portanto, não há contradição em “pobre menina rica”; trata ‑se de um recurso que consiste na utilização
simultânea de dois adjetivos que atribuem a um mesmo nome duas características diferentes, mas não exclu‑
dentes: o fato de ser rica e de ser infeliz.
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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

O adjetivo com valor de substantivo por metonímia


Os globais e rurais
Por Juliana Ribeiro

Eles estão habituados ao assédio dos fãs e aos holofotes. Mas, desligadas as câmeras, é em meio à
calma e à tranquilidade do campo que muitos dos atores e celebridades globais relaxam e investem em
novos e agitados negócios. Foi o que aconteceu com o ator Marcos Palmeira, por exemplo, que há anos se
dedica à produção de frutas, legumes e hortaliças orgânicas no sítio Vale das Palmeiras, localizado na
região de Friburgo (RJ).
n Disponível em: <http://revistadinheirorural.terra.com.br/secao/estilo-no-campo/os-globais-e-rurais>.
Acesso em: 6 fev. 2013.

Na notícia acima, a palavra globais aparece duas vezes: uma vez no corpo da notícia, como adjetivo apoia‑
do nos substantivos atores e celebridades, desempenhando função de adjunto adnominal; e no título, como
substantivo (notar o artigo definido), desempenhando a função de um dos núcleos do sintagma nominal. É esse
segundo emprego que nos interessa aqui. Tomada isoladamente, a palavra global é classificada como adjetivo,
mas nessas ocorrências a característica dos atores (eles são globais, ou seja, formam o elenco da TV Globo) passa
a nomear os atores, função típica do substantivo. Ocorre, assim, uma metonímia (a qualidade do ser em lugar
do próprio ser).

característica do todo que vale para designar esse todo

É o que ocorre em:

a global Cláudia Raia

atriz global (o termo Cláudia Raia funciona como aposto especificativo)

o meritíssimo o compacto o vinil

juiz meritíssimo disco compacto disco de vinil (= vinílico)

O substantivo com valor de adjetivo por metáfora


Em

“Um dia cão ladra, mas não morde”

a palavra cão, como vimos no começo do capítulo, está modificando dia e, portanto, funcionando como um
adjetivo. Mas o que significa dizer “dia cão”? Bem, a palavra designa denotativamente o animal; por derivação,
ou seja, conotativamente, um ser mau, violento, vil, infame. Por exemplo, dia cão = dia infame.
Eis como se dá o processo de relação sintático ‑semântica entre as palavras:

O dia é como um cão: ladra, mas não morde.


O dia é um cão: ladra, mas não morde.
O dia cão ladra, mas não morde.
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dETERminAnTEs E modificAdoREs dos sUbsTAnTivos cAPÍTULo 3

Trata ‑se de um processo metafórico, em que se associam dois conceitos – no caso, dia e cão – por uma
característica comum que os torna comparáveis (ou seja, por semelhança). Graficamente:
característica comum entre
dois conceitos: (infame)
Outros casos muito comuns de adjetivação de substantivos por
processo metafórico são as expressões:

ritmo tartaruga trabalho formiga

característica comum: lentidão característica comum: pequenez, arduidade


ritmo tartaruga = ritmo lento trabalho formiga = trabalho pequeno, árduo

dia cão

Atividades
Texto para as questões 1 a 6. Privilegie, em sua leitura, a forma como o autor caracteriza e
contextualiza as gerações de jovens, em ordem cronológica.

Saudade para quê?


Por Serginho Groisman

Existem jovens que sentem nostalgia por não ter sido jovens em gerações passadas.
Saudade do enfrentamento com os militares dos anos 70, da organização estudantil nas
ruas, do sonho socialista-comunista-anarquista-marxista-leninista. Ter saudade da dita-
dura é ter saudade de conhecer a tortura, o medo, a falta de liberdade e a morte. Ser jovem
naquela época era coexistir com a morte, ver os amigos ser tirados das salas de aula para
o pau de arara, para o choque elétrico, para as humilhações. Da mesma forma, quem sente
nostalgia dos anos 80 se esquece do dogmatismo limitante das tribos daqueles tempos,
fossem punks, góticos ou metaleiros. Hoje, é a vez dos mauricinhos-patricinhas-
-cybermanos-junkies, das raves, do crack, da segurança dos shoppings e do Beira-Mar. Um
cenário que pode parecer aborrecido ou irritante para muita gente que tem uma visão
romântica de outras décadas. Mas nada melhor que a liberdade que temos hoje para saber
qual é a real de uma juventude e de uma sociedade. Hoje, a juventude é mais tolerante com
as diferenças. Hoje existem ferramentas melhores para a pesquisa e a diversão. Hoje, a
participação em ONGs é grande e isso mostra um país que trabalha, apesar do Estado
burocrático. O país está melhor. Falta muito, mas o olhar está mais atento, e até o sexo está
mais seguro. Não temos hinos mobilizadores, mas nem precisamos deles.
[...] A juventude deve, acima de tudo, saber desconfiar das verdades absolutas.
Desconfiar sempre é ser curioso, pesquisador, renovador, transgressor. Seja intransigen-
te na transgressão. Sempre diga não ao não – e desafine o coro dos contentes.
n Disponível em: <http://veja.abril.com.br/especiais/jovens_2004/p_082.html>. Acesso em: 1º fev. 2013.

1. À primeira vista, o título do artigo de opinião de Groisman poderia se referir à ausência das pessoas queridas,
mas ele utiliza o substantivo saudade com outra acepção. Explique esse uso.

2. Embora os anos 1980 também sejam marcados por correntes ideológicas, o autor as trata como “dogma‑
tismo limitante das tribos”. Explique por que essa expressão produz um efeito pleonástico a partir da
adjetivação do substantivo dogmatismo.
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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

3. O trecho: “muita gente que tem uma visão romântica de outras décadas” retoma uma categoria de jovem
anteriormente citada. Qual é ela?

4. No início do texto, o autor emprega um adjetivo composto para caracterizar a palavra sonho.
a) Reescreva o trecho substituindo “sonho” por “sonhos”.
b) Compare a forma do adjetivo flexionado no plural com a palavra composta destacada no trecho:
“Hoje, é a vez dos mauricinhos-patricinhas-cybermanos-junkies, das raves, do crack, da segurança dos
shoppings e do Beira ‑Mar”. O que você nota quanto à flexão de número?
c) Explique o que teria motivado o autor a compor essas duas palavras.
5. Identifique o grau em que estão flexionados os adjetivos no trecho abaixo, lançando uma hipótese para
explicar o grande número de ocorrências desse tipo.

“Hoje, a juventude é mais tolerante com as diferenças. [...] o olhar está mais atento, e até o sexo está mais
seguro”.

6. Faça um comentário sobre o perfil que deverá ter o jovem atual, a partir dos adjetivos que o autor escolheu
para caracterizá ‑lo.

O NUMERAL
////////////////////////////////
///////////////////////////////////

Numeral é a palavra usada para designar um número exato de seres ou a posição que um ser ocupa numa
determinada série.
Conforme o que indica, o numeral classifica ‑se em:

Numeral
cardinal ordinal fracionário multiplicativo
designa uma quantidade indica a ordem ou a posição indica uma fração ou divi‑ indica uma multiplicação:
determinada de seres ou a ocupada por um ser numa são: meio, terço, quarto, duplo, triplo, quíntuplo,
quantidade em si mesma: determinada série: primei- quinto, vinte avos, centési- décuplo, undécuplo, duodé-
um, dois, três, dez, catorze/ ro, segundo, terceiro, décimo, mo, trecentésimo, milésimo, cuplo, cêntuplo, etc.
quatorze, cinquenta, cem, décimo primeiro/ undécimo, milionésimo, etc.
seiscentos, mil, milhão, etc. quinquagésimo, centésimo,
etc.

Zero é um numeral cardinal, embora não conste das listas de numerais. A palavra tem origem no árabe sifr
e significa, literalmente, “vazio”; daí o zero ser o cardinal dos conjuntos vazios. Neste livro, usamos o zero para
indicar a ausência de desinência ou de morfema: desinência zero, morfema zero (às vezes, representado pelo
símbolo “Ø”).

Recruta Zero
©(2003) Mort Walker/King Features/Syndicate Ipress

n WALKER, Mort. Recruta Zero. O Estado de S. Paulo, 8 mar. 2003, p. D2.

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dETERminAnTEs E modificAdoREs dos sUbsTAnTivos cAPÍTULo 3

OPS!
SUBSTANTIVO OU NUMERAL? COLETIVOS NUMÉRICOS!

Palavras como século, década, dúzia, vintena, milhar, lustro, par, quinzena, milênio, quina, sena, par, etc. são incluí-
das, às vezes, na classe dos substantivos, outras, na dos numerais. Essa indecisão se explica pela função sintática que tais palavras
exercem e pelo seu conteúdo semântico:
Uma dúzia de livros já foram escritos sobre o assunto.

Função substantiva e não adjetiva Noção numérica (denotativamente, um


(neste caso: núcleo do sujeito). número exato – 12; conotativamente,
um número indeterminado – vários).

O Volp classifica as palavras citadas acima como substantivos e essa é a tendência mais marcante nos dicionários e gramáticas.
No entanto, são chamados de coletivos numerais, pois, além de exercerem funções sintáticas substantivas (e não adjetiva, função
primeira do numeral), designam um grupo ou conjunto numérico determinado.
Alguns são específicos e dispensam o adjunto adnominal para indicar a que fazem referência: por exemplo, lustro e quin-
quênio (período de cinco anos), século (cem anos), milênio (mil anos), resma (quinhentas folhas).
A maioria, no entanto, vem acompanhada de adjuntos adnominais que especificam a que se aplica a noção numérica que carregam:

Comprei um par de sapatos e uma dúzia de meias.

Reprodução/Biblioteca Nacional Digital, Portugal.


/////////////////////////////
EMPREGO DOS NUMERAIS
///////////
/////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Para designar séculos, reis, papas, capítulos, cantos (nas poesias


épicas, por exemplo), empregamos os ordinais até décimo e os cardinais
do onze em diante:

Canto I (primeiro) Canto X (décimo)


João Paulo II (segundo) Século XIX (dezenove)
Luís XV (quinze) Capítulo XXVIII (vinte e oito)

Se o numeral vier preposto ao substantivo, usa ‑se sempre o ordinal.


Dessa forma, dizemos:

século XX século vinte


XX século vigésimo século
capítulo XII capítulo doze
XII capítulo décimo segundo capítulo

Na enumeração de objetos como casas, páginas, folhas, quartos, n Página do livro Os Lusíadas, de
poltronas, aeronaves, etc., empregam ‑se os cardinais: Luís de Camões.

apartamento 62 (sessenta e dois) Lunik 9 (nove) poltrona 18 (dezoito)


Os multiplicativos são, em geral, substituídos pelos cardinais correspondentes, seguidos pela palavra vezes:
Eu já lhe disse isso dez vezes!

Os fracionários, entre o décimo e o centésimo, formam ‑se com o cardinal seguido do substantivo plural
avos: onze avos, doze avos, vinte avos, oitenta avos, etc. Avos (plural de avo, terminação de oitavo) é palavra
empregada como substantivo em números fracionários, e que, por extensão de sentido, ganha a acepção de
fração, parte de um todo.
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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

obsERvAÇão:
A classificação da palavra ambos tem gerado polêmica: pronome indefinido ou
numeral? Gramáticas e dicionários divergem. A própria Academia Brasileira de Letras,
responsável pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, não chega a um consen‑
so: a 5ª edição do Volp (Editora Global) classifica a palavra ambos como pronome indefi-
nido; a 2ª edição do Dicionário escolar da língua portuguesa (Companhia Editora
Nacional), da ABL, classifica ‑a como numeral. Detalhe: as duas publicações são de res‑
ponsabilidade da mesma comissão de lexicografia, e foram feitas no mesmo período
(início de 2009).
No entanto, a sua noção semântica numérica é evidente (“um e outro”, “os dois”) e
sempre que a palavra ambos é empregada, é possível reconhecer o seu referente (ou seja,
os dois seres a que a palavra faz referência). Independentemente de sua classificação
morfológica, ambos varia em gênero:
Estas bolsas serão renovadas automaticamente a cada período letivo enquanto
ambos os alunos estiverem regularmente matriculados.
Ambas as alunas tinham doze (12) anos na época.

OPS!
MEIO-DIA E MEIO OU MEIO-DIA E MEIA?

É muito comum ouvir-se a expressão meio dia e meio equivalendo a 12h30min. No entanto, ela é incorreta.
É necessário lembrar, em primeiro lugar, que o numeral fracionário meio concorda em gênero com a palavra da qual ele é uma
fração. Por exemplo:
cinco metros e meio (cinco metros e mais meio metro)
três léguas e meia (três léguas e mais meia légua)
Portanto, o correto é meio -dia e meia, uma vez que está subentendida a palavra hora. Ou seja, meio-dia (12h) e mais
meia hora (30min).

Atividades
1. Leia, a seguir, o problema dos quatro quatros, apresentado na obra O homem que calculava,
do autor brasileiro Júlio César de Mello e Souza, que assinava seus livros com o pseudônimo
Malba Tahan.

Problema dos quatro quatros


Escrever, com quatro quatros e sinais matemáticos, uma expressão que seja igual a um número
inteiro dado. Na expressão não pode figurar (além dos quatro quatros) nenhum algarismo ou letra ou
símbolo algébrico que envolva letra, tais como: log, lim, etc.
n Disponível em: <www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/seminario/4livros/enigmas.htm>.
Acesso em: 15 fev. 2013.

Neste texto, justifique o emprego de "quatro" e "quatros".


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dETERminAnTEs E modificAdoREs dos sUbsTAnTivos cAPÍTULo 3

Texto para as questões 2 a 5.

Janeiro entra na lista dos cincos meses mais chuvosos


do Distrito Federal
Volumes acumulados ultrapassam os 460 milímetros, quase o dobro da média histórica
O volume de chuvas deste mês alcançou altos índices na capital federal. Em 28 dias, o Inmet
(Instituto Nacional de Meteorologia) registrou aproximadamente 468 milímetros, quase o dobro da
média histórica. Esse volume é o quinto maior acumulado da história da cidade, desde o início das
medições regulares pelo órgão, em setembro de 1961. [...]
n Disponível em: <http://noticias.r7.com/distrito-federal/noticias/janeiro-entra-na-lista-dos-cincos-meses-mais-chuvosos-do-distrito-federal-20130129.html>.
Acesso: em 5 fev. 2013.

2. Comente o emprego do numeral no título da notícia.


3. Por que o numeral utilizado no subtítulo não se repete na notícia? Que palavras garantem a validade dessa
informação, levando ‑se em conta o público ‑alvo do site?

4. Se o volume de chuvas atingiu quase o dobro da média histórica, qual seria um valor aceitável dentro do
que se considera como média? Escreva o numeral por extenso.

5. Justifique a relevância dessa notícia tendo em vista o histórico das medições registradas até hoje no
Distrito Federal.

/////////////////////////////
O NUMERAL NA FRASE
///////////
//////////////////////////////////////////////////////////////

Na gramática da palavra, vimos que os numerais se caracterizam por indicar quantidade ou posição
numa série.
Na gramática da frase, interessa saber se o numeral desempenha papel de substantivo ou de adjetivo.

SUJEITO PREDICADO

Os dois atletas treinam para reconquistar seus lugares no time.

O numeral está determinando o substantivo atletas, núcleo do sujeito; tem, portanto, valor de
adjetivo e exerce a função de adjunto adnominal.

SUJEITO PREDICADO

Os dois são muito disciplinados.

O numeral é o núcleo do sujeito; tem, portanto,


valor de substantivo.

Como você percebeu, o numeral adjetivo desempenha as mesmas funções de um adjetivo; o numeral
substantivo, as funções substantivas. Outra conclusão: assim como o substantivo e o adjetivo, o numeral per‑
tence à categoria dos nomes.
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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

Atividades
Texto para as questões 1 a 6.
Você vai ler uma matéria jornalística cujo enfoque se volta para aspectos curiosos de deter‑
minados fatos históricos. Atente para esses fatos e suas respectivas datas, a fim de perceber a
importância do emprego dos numerais em textos dessa natureza.

Delfim Martins/Pulsar Imagens

DE RUI BARBOSA A CASTRO ALVES

Nasceu em Olinda a Faculdade de


Direito do Recife
Foi um decreto do imperador Pedro I que criou
simultaneamente, em agosto de 1827, os dois primeiros
cursos jurídicos do País: em Pernambuco e em São Paulo.
Já havia, desde a época dos holandeses, no século 17,
a intenção de fundar uma universidade em Olinda.
Enfim, no dia 15 de maio de 1828, foi instalado no
Mosteiro de São Bento o desejado curso superior. O
local era privilegiado: o Seminário de Olinda, histori-
n Fachada do Mosteiro de
camente ligado a um pensamento liberal na formação
São Bento, Olinda, PE.
dos padres.
Na época, mais do que ensinar legislação, os cursos jurídicos eram centros de filosofia
e ciência. O de Olinda, que em 1854 transferiu-se para Recife com o nome de Faculdade de
Direito, formou inúmeros intelectuais brasileiros. Joaquim Nabuco, Rui Barbosa e Castro
Alves foram alguns dos célebres alunos que frequentaram a biblioteca da instituição, com
mais de 100 mil livros.
n Disponível em: <www.almanaquebrasil.com.br/voce-sabia/nasceu-em-olinda-a-faculdade-de-direito-do-recife/>. Acesso em: 7 fev. 2013.

1. Que papel desempenham os marcadores temporais nesse texto?


2. Observe os numerais na sequência “os dois primeiros cursos jurídicos do País”.
a) Classifique ‑os, observando o que eles indicam e a função sintática.
b) Comente se eles apresentam algum tipo de flexão e justifique.

3. Classifique o numeral na sequência “imperador Pedro I”. Que tipo de alteração você faria para expressar a
mesma noção numérica com um cardinal? Comente se esse numeral poderia apresentar flexão, estabele‑
cendo concordância com o substantivo a que se refere. Justifique exemplificando.

4. “Desde a época dos holandeses, no século 17”


a) O numeral exerce função substantiva ou adjetiva? Escreva ‑o por extenso, de acordo com a leitura que
você fez.
b) Como seria grafada a expressão se os holandeses tivessem chegado ao Recife no ano 630?
c) E se os holandeses tivessem chegado no ano 930?

5. O sintagma nominal "desejado curso superior" desempenha importante relação coesiva. Justifique por que
foi usado o adjetivo desejado e indique que termo é retomado pela expressão.

6. Que termo esclarece o emprego do adjetivo privilegiado?


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O NUMERAL NOS TEXTOS
O NU
///////////
////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Uma concordância ideológica


Os brasileiros de sua coleção são sete: uma Tarsila, quatro Di Cavalcanti e dois Portinari.
n Disponível em: <http://epoca.globo.com/edic/19980601/cult2.htm>. Acesso em: 13 fev. 2013.
Cedida por Tarsila Educação/<www.tarsiladoamaral.com.br>/
Museu de Arte Latino-Americano de Buenos Aires, Argentina.

Nessa notícia, há um caso curioso de concordância ideo‑


ló gi ca, em que a flexão é ditada não pelo substantivo que
está subentendido (poderia ser tela ou obra – e os numerais
estariam no feminino – ou quadro, que os levaria para o mas‑
culino), mas pelo sexo do artista: daí o emprego do feminino
uma para a pintora Tarsila do Amaral e de dois para o pintor
Candido Portinari. Trata ‑se, assim, de um caso de silepse, figura
pela qual a concordância é feita pelo sentido, e não de acordo
com as regras gramaticais.

WEbTEcA

O numeral é uma classe de palavra cada vez mais empregada em


nosso meio. Estudos, dados, estatísticas, valores acabam sendo traduzi-
dos em números. Quer um exemplo? Acesse o site <www.ibge.com.br>
e veja quantas informações são passadas para o leitor por meio de nume-
rais. Como esse, há muitos outros. Fique atento, também, às matérias
jornalísticas. É bastante comum aparecerem numerais, cuja finalidade é
n Abaporu, uma das famosas telas de Tarsila dar exatidão às notícias.
do Amaral.

Numeral cardinal com valor indefinido


30/12/2012 22h58 - Por Chëñña™
2013 maravilhoso aos amigos. beijos mil
n Disponível em <http://tvuol.uol.com.br/assistir.htm?video=2013-maravilhoso-aos-amigos-beijos-mil-0402CD983372CC914326>. Acesso em: 7 fev. 2013.

Muitas vezes, em linguagem figurada, os cardinais mil, milhão, bilhão, trilhão são empregados com ideia
superlativa, exagerada, resultando na figura de pensamento chamada hipérbole. No enunciado acima, por
exemplo, a leitora manda “beijos mil”, isto é, muitos, uma quantidade enorme de beijos. O mesmo acontece com
os seguintes versos:
“Muitos palpites, mil opiniões” (Gilberto Gil)
“Dentro dos meus braços
Os abraços hão de ser milhões de abraços” (Vinícius de Morais & Tom Jobim)
Por analogia, foram criadas palavras como zil, zilhão, trocentas, empregadas sempre como hipérbole e
significando uma quantidade exagerada.
Veja exemplos nestas dicas para enviar e-mails de maneira adequada.
Além de não se preocupar com os tais sinais de maior, o sujeito também não dá a mínima se os e-mails
dos destinatários vão ser exibidos ou não. E como está acostumado a mandar e-mails pra todo o seu imenso
catálogo de endereços, o resultado é uma sujeira total pra quem vai ler: um zilhão de nomes e e-mails, outro
zilhão de “>>>”, fazendo rolar a página trocentas vezes até chegar na mensagem propriamente dita.
n Disponível em: <www.greia.com.br/boot/indice.html>. Acesso em: 7 fev. 2013.

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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

Numeral versus artigo indefinido

©(2002) Bill Watterson/Dist. By Atlantic Syndication/Universal Uclick


n O Estado de S. Paulo. São Paulo, 5 out. 2002, p. D2.

A palavra um(a) pode ser artigo indefinido, numeral cardinal ou pronome indefinido. Para identificar se se
trata de um ou outro (por exemplo, esse um que acabou de passar é um pronome indefinido e será estudado no
capítulo seguinte), temos de nos remeter ao contexto em que a palavra aparece. Nele, podemos observar se o
um está indicando um ser indeterminado dentro de uma classe ou um ser unitário.
Analisemos, na tirinha acima, o enunciado:
“Um recreio só não basta para me reduzir a um estado de cansaço e submissão.”

A palavra um não indetermina o substantivo A palavra um não indica que se trata de
recreio, mas indica que se trata de apenas um, apenas um único estado, mas de um estado
e não dois ou três. Essa ideia de unidade vem indeterminado. Trata ‑se de um estado de
reforçada pelo adjetivo só. É, portanto, um cansaço e submissão qualquer.
numeral. É, portanto, um artigo.

No entanto, essa diferenciação, por vezes, pode ser ambígua. Ainda mais num enunciado descontextualizado:
Houve um recreio do horário da tarde que foi mais longo.

artigo indefinido: um recreio indeterminado foi mais longo

numeral: apenas um recreio foi mais longo


Atividades
Veja o efeito provocado pela palavra um nesta tirinha.
Luis Fernando Verissimo/Acervo do cartunista

n O Estado de S. Paulo. São Paulo, 16 jun. 1996.

1. Comente a ambiguidade do enunciado do primeiro quadrinho, desvendada no enunciado do último.


Justifique e classifique as duas palavras um da tira.
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dETERminAnTEs E modificAdoREs dos sUbsTAnTivos cAPÍTULo 3

Texto para as questões 2 a 7.


As letras de canção costumam apresentar muitos recursos estilísticos, incluindo os sintáticos. Numa leitura
atenta, observe como os enunciados deste texto se constituem e os efeitos que provocam.

Dois rios Que os braços sentem


Divulgação/A
rquivo da
editora
E os olhos veem
O céu está no chão Que os lábios sejam
O céu não cai do alto Dois rios inteiros
É o claro, é a escuridão Sem direção
O céu que toca o chão Que os braços sentem
E o céu que vai no alto E os olhos veem
Dois lados deram as mãos E os lábios beijam
Como eu fiz também. Dois rios inteiros
Só pra poder conhecer Sem direção
O que a voz da vida vem dizer
Que os braços sentem
O sol é o pé e a mão E os olhos veem
O sol é a mãe e o pai Que os lábios beijam
Dissolve a escuridão Dois rios inteiros
O sol se põe se vai Sem direção
E após se pôr
E o meu lugar é esse
O sol renasce no Japão
Ao lado seu, no corpo inteiro
Eu vi também Dou o meu lugar pois o seu lugar
Só pra poder entender É o meu amor primeiro
Na voz a vida ouvi dizer O dia e a noite as quatro estações
n ROSA, Samuel; BORGES, Lô; REIS, Nando. Dois rios. In: SKANK. (CD). Cosmotron. Sony, 2003.

2. Na letra da canção acima, encontre exemplos de unidades linguísticas que preencham os seguintes
quesitos:
a) sintagma verbal tendo como núcleo um verbo de ligação, seguido de um sintagma preposicionado;
b) sintagma verbal tendo como núcleo um verbo de ligação, seguido de um sintagma nominal composto
de dois núcleos coordenados;
c) sintagma verbal tendo como núcleo um verbo transitivo, seguido de um sintagma nominal;
d) sintagma verbal tendo como núcleo um verbo intransitivo, seguido de um sintagma adverbial prepo‑
sicionado.
3. Observe os seguintes versos: “Dois rios inteiros / sem direção”.
a) Destaque o numeral, classifique ‑o e comente a sua flexão.
b) Que elemento já citado no texto está sendo retomado pela linguagem figurada desses versos? Justifique.
4. O pronome demonstrativo esse do enunciado “E o meu lugar é esse” tem a sua referência catafórica (ou
seja, enunciada mais adiante). Qual é a sua referência?

5. Ao ler a quinta estrofe da música, percebe ‑se uma sequência narrativa. Justifique tal afirmação, prestando
atenção, especialmente, na seleção de sintagmas.

6. Nos últimos dois versos, há uma sequência de sintagmas nominais que descrevem o que o outro representa
para o eu lírico da música.
a) Destaque neles os núcleos e a sua composição interna.
b) Extraia os numerais, classifique ‑os e comente se há manifestação de concordância.
7. Justifique o título do texto, considerando principalmente o numeral.
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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

NO
Questões de exames FAÇARNO!
CAD
E

1. (Fuvest‑SP) Art. 1 548. É nulo o casamento contraído:


I – pelo enfermo mental sem o necessário
“Ele é o homem, discernimento para os atos da vida civil;
eu sou apenas II – por infringência de impedimento.
uma mulher” [...]
Nesses versos, reforça‑se a oposição entre os ter‑ Art. 1 550. É anulável o casamento:
mos homem e mulher. I – de quem não completou a idade mínima
a) Identifique os recursos linguísticos utilizados para casar;
para provocar esse reforço. [...]
b) Explique por que esses recursos causam tal efeito. VI – por incompetência da autoridade
celebrante.
2. (ITA‑SP) Determine o caso em que o artigo tem Os enunciados que introduzem os artigos 1 548 e
valor de qualificativo. 1 550 têm sentido diferente. Explique essa diferen‑
a) Estes são os candidatos de que lhe falei. ça, comparando, do ponto de vista morfológico, as
b) Procure‑o, ele é o médico! Ninguém o supera. palavras nulo e anulável.


c) Certeza e exatidão, estas qualidades não as tenho.
d) Os problemas que o afligem não me deixam
6. (Unesp‑SP) Assinale o caso em que não haja expres‑
são numérica de sentido indefinido.
descuidado.
a) Ele foi o duodécimo colocado.
e) Muita é a procura; pouca a oferta.
b) Quer que veja este filme pela milésima vez?
3. (Fuvest‑SP) c) Na guerra os meus dedos disparam mil mortes.
Uma nota diplomática* é semelhante a uma d) A vida tem uma só entrada; a saída é por cem
mulher da moda. Só depois de se despojar uma portas.
elegante de todas as fitas, rendas, joias, saias e e) n.d.a.
corpetes, é que se encontra o exemplar não cor-
reto nem aumentado da edição da mulher, con- 7. (Ufscar‑SP)
forme saiu dos prelos da natureza. É preciso Tenho ódio mortal dos mosquitos. Se Charles
desataviar uma nota diplomática de todas as Darwin tivesse me encarregado de colocar ordem
frases, circunlocuções, desvios, adjetivos e advér- na evolução das espécies, eu teria poupado os
bios, para tocar a ideia capital e a intenção que dinossauros e varrido os mosquitos da Terra.
lhe dá origem. Não me faltam razões para tal idiossincrasia*:
n Machado de Assis. quase morri por causa de um Haemagogus**
* Nota diplomática: comunicação escrita e oficial entre os gover‑
covarde que me transmitiu febre amarela sem
nos de dois países, sobre assuntos do interesse de ambos. deixar vestígio da picada.
É o animal mais perigoso. Se somarmos todos
Tendo em vista o trecho “para tocar a ideia capital os ataques contra seres humanos já realizados
e a intenção que lhe dá origem”, indique um sinôni‑ por onças, leões e cobras, obteremos um número
mo da palavra “capital” que seja adequado ao con‑ insignificante perto dos que caem de cama numa
texto e identifique o referente do pronome “lhe”. única epidemia de malária ou dengue. Por essa
4. (UEM‑SP) Assinale a(s) alternativa(s) em que a(s) razão, quando surge uma espécie nova de mos-
quito em qualquer país, as autoridades sanitárias
expressão(ões) destacada(s) é(são) locução(ões)
se assustam.
adjetiva(s).
n Drauzio Varella. Folha de S.Paulo, 2.8.2008.
01) “... uma resistência mole, suave, de algodão em
* No texto, modo particular de ver as coisas.
rama...”
* * Haemagogus é um mosquito de hábitos silvestres que vive no
02) “Se a minha estada na Prefeitura por estes dois solo ou na copa das árvores.
anos dependesse de um plebiscito...” Em “quase morri por causa de um Haemagogus
04) “Evitei emaranhar‑me em teias de aranha.” covarde”, o autor emprega o adjetivo “covarde” para
08) “Dos funcionários que encontrei em janeiro do modificar o substantivo “Haemagogus”, com um
ano passado restam poucos.” propósito estilístico figurado.
16) “Todos os meus erros, porém, foram da inteli- Em qual dos três exemplos a seguir o adjetivo está
gência, que é fraca.” usado com o mesmo propósito?
5. (Unicamp‑SP) Leia os seguintes artigos do Capítulo a) Bandido perigoso
VIII do novo Código Civil (Lei n. 10 406, de 10 de b) Carro potente
janeiro de 2002): c) Estrada assassina

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4
o PRoNomE cAPÍTULo 4

cAP Í T U L o 4

O pronome
Luis Fernando Verissimo/Acervo do cartunista

■ VERISSIMO, Luis Fernando. As aventuras da família Brasil. O Estado de S. Paulo, 1º mar. 1998, p. D5.

A palavra pronome vem do latim pronomen e significa “que está no lugar do nome”. Com base na etimologia da
palavra, deduz-se uma de suas funções básicas: substituir o nome. Ao substituí-lo, carrega seu conteúdo semântico;
descontextualizado, sem referente, o pronome fica vazio de significado. Pensemos nos três pronomes da tira – eu,
isso, você: o conteúdo semântico de cada um é determinado pelo contexto verbo-visual característico desse gênero
textual. Assim, o eu é igual a “o pai”; o isso, a “pra eu não ter um filho burro”; o você, a “o filho”. Essa referenciação,
no entanto, se constrói de diferentes maneiras: enquanto o conteúdo significativo do pronome isso está no contexto
verbal da tira, o conteúdo significativo dos pronomes eu e você está no contexto visual (as falas estão indicando
quem está com a palavra, isto é, quem assume o papel de eu falante e o de você interlocutor). Se a mesma situação
ocorresse num ato comunicativo em que outras duas pessoas conversam, o isso continuaria tendo sua referência no
contexto verbal, enquanto eu e você teriam sua referência atualizada no contexto situacional, isto é, nas condições
e circunstâncias em que o ato se realiza. Numa transcrição dos diálogos da tira ou da conversa, podem-se observar
no contexto verbal todas as referências:

Pai: Pra eu não ter um filho burro. Por isso você tem que continuar a estudar.

Filho: Vamos esquecer as razões subjetivas.


Enfim, só pela referenciação é possível desvendar o conteúdo semântico de um pronome.

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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

A gRAmáTicA
DA PALAVRA
Pronome é a palavra que substitui ou acompanha elementos presentes no texto ou na situação do enun-
ciado, indicando sua posição em relação às pessoas do discurso ou mesmo situando-os no espaço e no tempo.
Em:

Os animais que têm pelos valiosos correm sério risco.


o pronome que substitui o nome animais.
Em:

Nossos animais correm sério risco.


o pronome nossos acompanha o substantivo animais.
Na frase de Clarice Lispector:
Infelizmente, quanto mais pobre, com mais enfeites me enfeito. No dia em que eu conseguir uma

forma tão pobre como eu o sou por dentro, em vez de carta, você receberá uma caixinha cheia de pó de Clarice.
■ Disponível em: <www.tvcultura.com.br/aloescola/literatura/claricelispector/index.htm>. Acesso em: 15 fev. 2013.

o pronome o substitui o adjetivo pobre (... uma forma tão pobre como eu sou pobre por dentro...).
Em:
As nossas riquezas naturais correm sérios riscos, desde nossos rios até nossa flora, nossa fauna, nossos
minerais. Isso é decorrência da ambição, da luta pelo poder.
o pronome isso substitui todo o período anterior.
Morfologicamente, pronome é uma palavra variável, pois admite flexão de pessoa (primeira: eu, meu;
segunda: tu, teu; e terceira: ele, seu), de gênero (masculino: ele, este; feminino: ela, esta) e de número (singular:
eu, sua, plural: nós, suas).
Na frase, o pronome pode substituir o nome e desempenhar funções típicas do substantivo (núcleo do
sujeito, do objeto, do vocativo, etc.), sendo, nesses casos, chamado de pronome substantivo. Se acompanhar o
substantivo e desempenhar funções típicas do adjetivo (adjunto adnominal), será chamado de pronome adjetivo.
Para melhor compreender as definições acima, é necessário relembrar inicialmente que as pessoas do
discurso são três:

Pessoas do discurso
primeira pessoa segunda pessoa terceira pessoa
aquela que fala ou falante: eu, nós, aquela com quem se fala ou interlocutor: aquela de quem se fala ou referente:
me, minha, etc. tu, vós, te, teu, etc. ele, elas, se, seu, etc.

Tomemos como exemplo o enunciado:


Mas o rabo, a tromba, tudo o confunde e ele não consegue totalizar a ideia.
Fora de contexto, não sabemos exatamente a quem ou a que se referem os pronomes o e ele. Sabemos
apenas que “o rabo, a tromba, tudo confunde” alguém (o), e que esse alguém (ele) não consegue totalizar a ideia.
E mais: que se trata de um alguém (terceira pessoa) de número singular e gênero masculino, categorias explícitas
nos pronomes. Em outras palavras, isso significa que o pronome expressa um ser apenas quando inserido num
contexto ou, como afirmam os linguistas, “em função de uma situação linguística”, ou seja, fora de contexto, o
pronome é desprovido de conteúdo semântico. O que foi dito acima torna-se mais claro ao inserirmos o enun-
ciado que serviu de exemplo em seu contexto, na resenha do filme de Gus Van Sant:
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o PRoNomE cAPÍTULo 4

Um "Elefante" que incomoda a América


Filme de Gus Van Sant, premiado em Cannes, é a ficção da versão em documentário Tiros em Columbine,
sobre os jovens que mataram colegas, funcionários e professores na escola
Você vai chegar no fim de Elefante perguntando-se por que o filme de

Reprodução/HBO Filmes
Gus Van Sant, que ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes [...], tem
esse título. Não há elefantes na história, nem mesmo ao fundo, nas cenas.
Elefante é a versão de ficção do mesmo episódio real que inspirou o polê-
mico documentário de Michael Moore, Tiros em Columbine. Por que a
sociedade americana é tão violenta? Por que só consegue resolver seus
problemas por meio de tiros e porretadas? No filme de Gus Van Sant, estu-
dantes de uma escola saem disparando nos colegas e professores.
O que isso tem a ver com Elefante? O título é uma homenagem ao
diretor Alan Clarke, que fez um filme homônimo sobre a violência reli-
giosa na Irlanda.
Nele se conta, como uma parábola, a história do cego que quer
saber o que é um elefante. Trazem o bicho e o cego esquadrinha o ani-
mal com as mãos, tentando desvendar, por meio do tato, o segredo da
sua forma. Mas o rabo, a tromba, tudo o confunde e ele não consegue
totalizar uma ideia. A soma das pequenas partes não lhe permite ■ Cartaz do filme Elefante, de
resolver o enigma. Gus Van Sant, 2004.
■ Disponível em: <www.estadao.com.br/arquivo/arteelazer/2004/not20040402p3417.htm>.
Acesso em: 7 fev. 2013.

Agora sabemos que os pronomes o e ele substituem “o cego”, isto é, são preenchidos semanticamente pelo
ser a que fazem referência.

CLASSIFICAÇÃO DOS PRONOMES


///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Dependendo do que estiver indicando e da referência que faz, o pronome pode ser:

Pronomes
pessoal possessivo demonstrativo relativo indefinido interrogativo
Caracteriza um
Faz referência a Faz referência a Indica indefinição,
Situa no espaço e enunciado como
uma das três pes- Indica posse: seu, um antecedente: não especificação:
no tempo: este, interrogativo: que,
soas do discurso: meu, nossa, etc. que, qual, quem, algum, nenhum,
aquela, isso, etc. qual, como, onde,
eu, você, eles, etc. etc. todo, etc.
etc.

Pronome pessoal
Pronome pessoal é aquele que indica as pessoas do discurso. Além das flexões de gênero (masculino/femi-
nino), número (singular/plural) e pessoa (primeira/segunda/terceira), apresenta variações de forma, de acordo
com a função por ele exercida na oração, podendo ser reto ou oblíquo.

Pronome de tratamento
Pronome de tratamento é a palavra ou locução (mais de uma palavra) com valor de pronome pessoal. Na
maioria das vezes é usado para designar a segunda pessoa do discurso, a pessoa com quem se fala, apesar de
estabelecer concordância com a terceira pessoa do verbo. Por exemplo: você, o pronome de tratamento mais
usado em nosso cotidiano, designa, num diálogo, o interlocutor (segunda pessoa), mas o verbo é empregado em
terceira pessoa: “Você vai jogar bola?” (e não “Você vais jogar bola?”).
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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

Pronome possessivo
Pronome possessivo é aquele que associa a ideia de posse às pessoas do discurso, relacionando, assim, duas
pessoas gramaticais: a pessoa do possuidor (primeira, segunda ou terceira) e a do elemento possuído (terceira).
Um filme como Elefante oferece muitas surpresas. A primeira e maior delas é ver
o diretor voltar à sua melhor forma.

possuidor possessivo possuído


(terceira pessoa (terceira pessoa (terceira pessoa
do singular) do singular, do singular,
feminino feminino
singular) singular)

No enunciado anterior, há uma terceira pessoa da qual se fala (diretor), o possuidor, e outra terceira pessoa
relacionada à anterior (forma), que é a coisa possuída. Agora vamos a algumas variações:

O diretor volta às suas melhores épocas.

O diretor volta ao seu antigo estilo.

O diretor volta aos seus antigos conflitos.


Percebemos que o pronome possessivo sua da frase original aparece, nas variações, flexionado em número e
gênero, concordando com a coisa possuída (sua forma, suas épocas, seu estilo, seus conflitos), mas não apresenta
flexão de pessoa; mantendo-se sempre na terceira pessoa do singular – concorda com o possuidor. Entretanto, se
houver uma variação na pessoa do possuidor, o pronome possessivo se adaptará à nova referência:

Catarina e eu voltamos à nossa antiga forma após cinco meses de academia.

possuidor possessivo possuído


Ela e eu = nós (primeira pessoa (primeira pessoa
(primeira pessoa do plural, do singular,
do plural) feminino feminino
singular) singular)

Portanto, conclui-se que o pronome possessivo concorda em gênero e número com a coisa possuída, e em
pessoa com o possuidor.

imPoRTANTE!
O pronome possessivo de terceira pessoa é o mesmo para indicar um possuidor ou mais de um;
dependendo da construção da frase, isso pode gerar ambiguidades do tipo:
Clara e Paulo foram embora correndo e esqueceram seu pacote.
Pacote de quem? De Clara e Paulo? De Clara? De Paulo? De alguém mais? Para evitar a ambiguidade,
podem-se empregar as formas dele, dela, deles, delas (esqueceram o pacote dele, por exemplo). E mais: pode-
mos usar de + um sintagma nominal (esqueceram o pacote da menina que trabalha com eles, por exemplo).

Além dos possessivos e dos sintagmas com a preposição de, há outra forma de expressar uma relação de
posse: com os pronomes oblíquos átonos (me, te, lhe, nos, vos, lhes), que podem assumir o valor de possessivo.
Observe o seguinte exemplo:
Dói-me a cabeça. = Dói a minha cabeça.
Admiro-lhe o jeito de andar. = Admiro o seu jeito de andar.
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o PRoNomE cAPÍTULo 4

Atividades
Leia esta tirinha com atenção para responder às questões que a seguem. Lembre-se de que,
nas tirinhas, a linguagem visual alia-se à linguagem verbal para resultar no humor, no sarcasmo,
na ironia, etc.

©(1997) Dik Browne/ King Features Syndicate/Ipress


■ BROWNE, Dik. Hagar, o horrível. Porto Alegre: L&PM, 1997. v. 1. p. 42.

1. Sr. é um pronome abreviado. Qual? A quem ele se refere?


2. Explique em que se baseia o humor dessa tira.

Pronome demonstrativo
Pronome demonstrativo é aquele que indica a posição de um ser em relação às pessoas do discurso, situan-
do-o no tempo ou no espaço. Como os outros pronomes, o demonstrativo também pode ser flexionado em
gênero, número e pessoa. Apenas uma novidade: para cada uma das pessoas do discurso, há um demonstrativo
invariável, uma forma neutra.
O pronome demonstrativo pode funcionar como um recurso na articulação do texto, isto é, ter a função de
estabelecer relações dentro do espaço textual, desempenhando importante papel como elemento de coesão.
Observe neste trecho de texto, no qual se expõem as competências e habilidades exigidas pelo Enem, como
o pronome faz a articulação das ideias.

II - Compreender fenômenos
Construir e aplicar conceitos das várias áreas do conhecimento para a compreensão de fenômenos naturais,
de processos histórico-geográficos, da produção tecnológica e das manifestações artísticas
Esta competência reúne diversos conhecimentos e uma mesma questão pode envolvê-los todos ao
mesmo tempo. Você terá que saber os conceitos que lhe foram passados pelos professores e pelos livros. Mas
isso não quer dizer que você tenha que decorar conceitos, mas deve ser capaz de reconhecê-los.
■ Disponível em: <www.infoenem.com.br/a-disciplina-de-biologia-no-enem/>.
Acesso em: 7 fev. 2013.

“Esta competência reúne diversos conhecimentos...”

O demonstrativo retoma toda a frase anterior: “Construir e aplicar conceitos das várias
áreas do conhecimento para a compreensão de fenômenos naturais, de processos
histórico-geográficos, da produção tecnológica e das manifestações artísticas.”.

“... mas isso não quer dizer que você...”

O demonstrativo retoma toda a frase anterior: “Você terá que saber os


conceitos que lhe foram passados pelos professores e pelos livros.”.

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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

imPoRTANTE!
Os pronomes demonstrativos podem indicar, além da noção espaço-temporal, uma noção mais subjetiva:

©(1999) Dik Browne/King Features Syndicate/Ipress


■ BROWNE, Dik. Hagar. Folha de S.Paulo, São Paulo, 8 mar. 1999.

Na tira, os pronomes demonstrativos isto (proximidade da pessoa que fala) e isso (proximidade da
pessoa com quem se fala) indicam a referência espacial do prato de comida servido. Mas, na fala de Hagar,
o isto tem também um valor depreciativo.
Assim como as formas neutras, os demonstrativos variáveis podem assumir esse valor depreciativo
e negativo dependendo do contexto em que são empregados e, na fala, dependendo da entonação.

Pronome relativo
Pronome relativo é aquele que retoma um termo expresso anteriormente, por isso mesmo chamado de
antecedente.
Enquanto os autores do século XIX absolutizaram a ideia de imitar os países desenvolvidos, as obras de
Martí* e Rodó* apresentam as características que vão marcar o pensamento latino-americano desde o final
do XIX até os dias de hoje.
* José Martí, cubano, e José Enrique Rodó, uruguaio.
■ Disponível em: <www.intellectus.uerj.br/Textos/Ano5n1/Texto%20de%20Claudia%20Wasserman.pdf>. Acesso em: 7 fev. 2013.

No texto, o pronome relativo que retoma o substantivo características, introduzindo-o na oração seguinte.
“... apresentam as características / que vão marcar o pensamento...”
oração subordinada adjetiva restritiva

características vão marcar o pensamento...

imPoRTANTE!
Em alguns casos, os pronomes relativos quem e onde não apresentam antecedente; o pronome quem
refere-se a alguém indefinido, e o pronome onde, a um lugar não determinado. Veja nesta frase, retirada de
um editorial.
“Faltam ferrovias e, onde há ferrovias, faltam vagões.” (Diário Catarinense, 4 mar. 2004, Editorial)

Não há antecedente, trata-se de um lugar qualquer.

Compare com a reformulação abaixo:


Faltam ferrovias e, em Blumenau, onde há ferrovias, faltam vagões.

Há antecedente: onde retoma Blumenau.

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o PRoNomE cAPÍTULo 4

Pronome indefinido
Pronome indefinido é aquele que se refere à terceira pessoa do discurso de modo impreciso, indeter-
minado, genérico. Em:
Alguém tem que responder por isso!,
o pronome indefinido alguém representa alguma pessoa, uma pessoa indeterminada, qualquer pessoa, um ser
qualquer de quem se fala; portanto, uma terceira pessoa. Outros pronomes indefinidos dão ideia de conjunto,
de quantidade também indeterminada, como nos versos de Cecília Meireles:
Todos querem liberdade,
Mas quem por ela trabalha?
■ MEIRELES, Cecília. Romanceiro da Inconfidência. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975. Romance XXXV, p. 96.

Tudo acabou em samba.


imPoRTANTE!
Em muitos casos, em lugar de uma palavra com o valor de pronome indefinido, é empregado um
grupo de palavras, um sintagma. São as locuções pronominais indefinidas: quem quer que, cada qual,
todo aquele, seja quem for, tal ou qual, etc.
“Procuradoria rebate críticas e diz que investigará quem quer que seja.”

qualquer pessoa que


alguém que

■ Folha de S.Paulo. Disponível em: <www1.uol.com.br/poder/1084372-procuradoria-rebate-criticas-e-diz-que-investigara-quem-quer-que-seja.shtml>.


Acesso em: 15 mar. 2013.

OPS!
NENHUM OU NEM UM?

Nenhum centavo foi destinado ao setor agropecuário.


Nem um centavo foi destinado ao setor agropecuário.
No primeiro enunciado, o pronome nenhum refere-se ao substantivo centavo, afirmando sua inexistência. Isto é, não existe centavo algum.
No segundo, a sequência formada pelo advérbio nem e o numeral um também refere-se ao substantivo centavo, afirmando
sua inexistência, mas com uma noção mais individualizada, não indefinida. Nem sequer um (1) centavo, nem mesmo um (1), nem
apenas um (1) foi destinado ao setor agropecuário, enfatizando a noção de que nem o mínimo foi considerado.

Atividades
Texto para as questões 1 a 8.
Observe neste trecho de Dom Casmurro, romance de Machado de Assis, a ocorrência de inú-
meros pronomes que evitam a repetição de palavras.

Vivo só, com um criado. A casa em que moro é própria: fi-la construir de propósito, levado de um
desejo tão particular que me vexa imprimi-lo, mas vá lá. Um dia, há bastantes anos, lembrou-me
reproduzir no Engenho Novo a casa em que me criei na antiga Rua de Matacavalos, dando-lhe o
mesmo aspecto e economia daquela outra, que desapareceu.
■ ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. São Paulo: Ática, 1992. p. 14.

75

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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

1. Você já sabe que o pronome ou substitui ou acompanha o nome. Classifique cada um dos pronomes des-
tacados no texto e escreva se a função é adjetiva ou substantiva. No primeiro caso, indique a palavra que
estiver modificando; no segundo, a palavra que está sendo substituída pelo pronome.

2. Substitua a expressão em destaque por um pronome adequado:


A casa em que moro é própria.

3. Em “fi-la construir”, o sujeito do verbo fazer é o pronome “eu”, não explícito. Reescreva o enunciado,
substituindo o sujeito por: ela, nós, eles. Anote suas conclusões sobre as mudanças sofridas pelos
pronomes.

4. Compare as duas orações e explique se a palavra em destaque é pronome nas duas ocorrências.
a) “[...] há bastantes anos, lembrou-me reproduzir no Engenho Novo a casa em que me criei [...]”
b) Lembro-me de que, no passado, esforcei-me bastante para fazer esta casa semelhante à outra.

5. Reescreva este trecho, substituindo o pronome lhe pela palavra que ele está representando e "o mesmo
aspecto" por um pronome.

“[...] dando-lhe o mesmo aspecto [...]”

6. Reescreva este trecho, eliminando o pronome relativo. Faça as adaptações necessárias.


“[...] dando-lhe o mesmo aspecto e economia daquela outra, que desapareceu.”

7. O emprego de pronomes relativos, por vezes, pode resultar num recurso estilístico. Encontre no texto cons-
truções semelhantes a estas, em que os pronomes estão destacados:
a) A casa em que moro é própria
b) “[...] levado de um desejo tão particular que me vexa [...]”

8. Nas frases a seguir, substitua os termos em destaque pelo pronome adequado.


a) Agradeço a meu pai o conselho.
b) Era descuidado com o dinheiro; emprestava dinheiro a qualquer um.
c) Expunha ao construtor seus projetos para a nova casa.
d) A dona da casa mostrava ao pintor as cores desejadas.

Pronome interrogativo
Pronome interrogativo é aquele utilizado para formular uma pergunta.
Quem é que pensa a carreira de vocês, que faz a estratégia?
Quantas horas você passa na frente do computador?
Que mania ou hábito você ainda mantém desde criança?
Revista MTV, out. 2003, p. 72, 79 e 96.

Pelo próprio caráter da interrogação, os pronomes interrogativos assemelham-se aos pronomes indefini-
dos. No primeiro exemplo, quem traz a mesma carga de indeterminação que os pronomes indefinidos; carga de
indeterminação que, espera-se, será desvendada ou esclarecida com a resposta.

Além de formular enunciados interrogativos, esses pronomes podem introduzir enunciados exclamativos,
isto é, enunciados que expressam uma emoção:
Quanta alegria!
Que horror!
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o PRoNomE cAPÍTULo 4

imPoRTANTE!
Podemos formular uma interrogação direta ou uma interrogação indireta. A interrogação direta
apresenta a forma típica, com o ponto de interrogação no final:
– Quem quer ir ao cinema sábado?
Já a interrogação indireta se faz da seguinte maneira:
Joaquim quer saber quem vai ao cinema sábado.
Gostaria de saber quem pode ir ao cinema sábado.
Observe que, nos dois casos, o pronome interroga-
tivo quem desempenha o mesmo papel: formulador da
pergunta. A interrogação indireta dispensa o ponto de
interrogação. Ulhôa Cintra/Arquivo da editora

Atividades

Laerte/Acervo do cartunista
■ Disponível em: <www2.uol.com.br/laerte/tiras/index-fagundes.html>.
Acesso em: 11 fev. 2013.

1. No primeiro quadrinho:
a) indique e classifique o único pronome do enunciado;
b) justifique a escolha desse pronome;
c) comente se há algum tipo de concordância.

2. Na segunda fala do médico, aparecem as formas pronominais sua e dele, ambas com noção semântica
equivalente.
a) Explique a afirmação acima.
b) O que aconteceria se o médico empregasse, nas duas ocorrências, o pronome sua?

3. Destaque dois pronomes indefinidos na tirinha. Classifique-os segundo a sua possibilidade de flexão e, se
existente, explicite-a.

4. No terceiro quadrinho, observe os pronomes ele e si e responda:


a) A que classe pertencem?
b) Qual é o referente de cada um deles?
c) Há alguma relação semântica entre eles? Qual?
d) Se, no lugar do pronome ele estivesse o pronome eu, que modificações você faria no enunciado?
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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

A gRAmáTicA
DA FRAsE
O PRONOME NA FRASE
////////////////////////////////////////////////////////////////////

Já sabemos que o pronome é a palavra que substitui ou acompanha o substantivo. No primeiro caso, ao
substituí-lo, desempenha a mesma função que ele – daí ser chamado de pronome substantivo; no segundo
caso, ao modificar o substantivo, exerce a função de um adjetivo – daí ser chamado de pronome adjetivo. Leia
atentamente este fragmento de "O labirinto", do escritor argentino Jorge Luís Borges (1899-1986):
O labirinto
Este é o labirinto de Creta. Este é o labirinto de Creta cujo centro foi o Minotauro. Este é o labirinto de
Creta cujo centro foi o Minotauro que Dante imaginou como um touro com cabeça de homem e em cuja
rede de pedra se perderam tantas gerações.
■■ Disponível em: <www.releituras.com/jlborges_labirinto.asp>. Acesso em: 7 fev. 2013.

No trecho acima, em que se percebe a retomada de períodos, que vão se ampliando, criando o efeito de
um labirinto, há oito pronomes, responsáveis pela progressividade do texto. Vamos nos fixar no emprego de
três – este, cujo e que. Os pronomes este e que estão desempenhando funções substantivas: este desempenha
função de sujeito; que desempenha função de objeto direto da forma verbal imaginou (o pronome tem, como
referente, Minotauro: Dante imaginou o Minotauro como...). Já o pronome cujo está modificando o substantivo
centro, determinando-o, especificando-o (não se trata de um centro qualquer, mas do centro do labirinto de
Creta). Dessa forma, o pronome exerce a função adjetiva de adjunto adnominal.

O PRONOME PESSOAL NA FRASE


///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Para entender a morfossintaxe dos pronomes pessoais é necessário levar em consideração que eles sempre
exercem funções substantivas e que essas funções vão definir a forma que eles assumem (reto ou oblíquo).
Assim, se o pronome desempenhar a função de sujeito (ou de predicativo do sujeito), será do caso reto; se
desempenhar a função de complemento verbal (objeto) ou complemento nominal, será do caso oblíquo. De
qualquer maneira, serão sempre pronomes substantivos.
Divulgação/Arquivo da editora

Eu me flagrei pensando em você


em tudo que eu queria te dizer.
■■BALEIRO, Zeca. “Proibida pra mim”.
Disponível em: <http://letras.mus.br/zeca-baleiro/43686/>.
Acesso em: 7 fev. 2013.

■ Capa do CD Líricas, de Zeca Baleiro.

Nos versos acima, há quatro pronomes pessoais: eu, me, você e te. Vamos por partes:
• o pronome eu exerce a função de sujeito da formas verbais flagrei e queria, função típica dos pronomes do
caso reto;
• o pronome me exerce a função de objeto direto da forma verbal flagrei, função típica dos pronomes do caso
oblíquo;
• o pronome você exerce a função de objeto indireto da forma verbal pensando; é um pronome de tratamento
exercendo excepcionalmente a função típica dos pronomes do caso oblíquo;
• o pronome te exerce a função de objeto indireto da forma verbal dizer, função típica dos pronomes do caso
oblíquo.
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o PRoNomE cAPÍTULo 4

Pronomes átonos e tônicos


Dependendo da acentuação, os pronomes pessoais oblíquos são átonos ou tônicos. Os átonos nunca
vêm precedidos de preposição, ao contrário dos tônicos, que sempre vêm precedidos de preposição.
Observe os dois pronomes oblíquos de segunda pessoa na função de objeto indireto em destaque:
Eu me flagrei pensando em ti

pronome oblíquo tônico precedido da preposição em

em tudo que eu queria te dizer

pronome oblíquo átono não precedido de preposição

Os pronomes ele, ela, nós, vós, eles, elas, assim como você, quando precedidos de preposição, são oblíquos
tônicos; exercem a função de complemento (lembramos que o sujeito nunca vem precedido de preposição):
Eu me flagrei pensando nela
em tudo que eu queria dizer a ela
No entanto, é cada vez mais comum o emprego dos pronomes do caso reto ele, ela, eles, elas, não regidos
por preposição, como objeto direto (função desempenhada pelos pronomes oblíquos):
Chame ela para mim. (no lugar de: Chame-a para mim)
Eu vi ele no parque. (no lugar de: Eu o vi no parque)

imPoRTANTE!
Há um único caso em que o pronome oblíquo exerce a função de sujeito. Observe:
Exigiram-lhe sair.
Nesse caso, o pronome lhe não é complemento do verbo exigir, e sim sujeito da segunda oração,
formada por um verbo (sair) no infinitivo. A segunda oração é reduzida; desdobrada, ficaria assim:
Exigiram que ele saísse.
oração objetiva direta
da forma verbal exigiram

OPS!
PARA MIM OU PARA EU?
©(1998) Jim Davis/Paws, Inc. All Rights
Reserved/ Dist. By Atlantic Syndication/
Universal Uclick

■ DAVIS, Jim. Garfield. Disponível em: <http://acervo.folha.com.br/fsp/1998/04/06/21/>. Acesso em: 13 fev. 2013.
Na fala do último quadrinho, ocorre o enunciado:
“Pensei em algo para eu fazer.”
Analisando-o, pode-se levantar uma questão: por que foi usado o pronome reto eu, e não o pronome oblíquo tônico mim?
Bem, a resposta é simples. O pronome eu está exercendo a função de sujeito da forma verbal fazer e só as formas pronominais do caso reto
exercem essa função.

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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

Mas será que não se trata de uma contradição, já que a gramática diz que o sujeito nunca vem precedido de preposição e que os pronomes
oblíquos tônicos, pelo contrário, sempre vêm precedidos de uma?
Pensemos um pouco mais: no enunciado dado, a preposição não está regendo o pronome, e sim o verbo da oração reduzida de infinitivo,
indicando finalidade.
Vamos, agora, comparar duas estruturas:
Pensei em algo para fazermos.
Pensei em algo para fazer.
Na primeira, o sujeito da forma verbal no infinitivo é nós, como nos indica a desinência de primeira pessoa do plural -mos. Na segunda, o sujeito é eu.
O que teria levado Jon, o dono de Garfield, a corrigir a frase? Simples: diante da pouca receptividade do gato à ideia de fazer algo, ele quis
enfatizar o sujeito (para eu fazer). Em outras palavras: somente ele, Jon; Garfield está fora dessa!

Além das formas pronominais, são de largo uso na língua coloquial sintagmas nominais como a pessoa, o
pessoal, o cara, o cidadão exercendo funções sintáticas substantivas, típicas dos pronomes. Esses sintagmas são
empregados com referência genérica: o sintagma nominal a gente, além de ser uma referência genérica, pode desig-
nar a primeira pessoa do discurso.

Ç
COLOCAÇÃO DOS PRONOMES PESSOAIS
//////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Os pronomes oblíquos átonos (me, te, se, o, a, lhe, nos, vos, os, as, lhes) vêm sempre ligados aos verbos e, depen-
dendo do tempo verbal e da estrutura da frase, podem se posicionar antes do verbo, no meio ou depois dele.
Quando o pronome é colocado antes do verbo, ocorre a próclise (e o pronome é proclítico):
Não te amo mais.
Quando ele é colocado no meio do verbo, ocorre a mesóclise (e o pronome é mesoclítico):
Amar-te-ei sempre.
Quando é colocado depois do verbo, ocorre a ênclise (e o pronome é enclítico):
Amo-te.
No português de Portugal, prevalece o emprego da ênclise. Por outro lado, no português do Brasil, prevale-
ce o emprego da colocação proclítica do pronome.
Neste poema, Oswald de Andrade faz a defesa da próclise, uma das bandeiras dos escritores modernistas
que buscavam a identidade nacional. Podemos entender o verso “Deixa disso camarada” como um convite do
autor ao uso do pronome de uma forma mais livre, mais descontraída.

Pronominais
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
Ulhôa Cintra/Arquivo da editora

E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro
■ ANDRADE, Oswald de. Pau-Brasil. 5.ed. São Paulo: Globo, 1991. p. 120.

Com o imperativo, a colocação proclítica ou enclítica pode diferenciar a intencionalidade do enunciado: a


próclise suaviza a expressão, transforma-a em pedido; a ênclise é mais forte, autoritária, uma ordem, enfim.
Me traga um copo. pedido (próclise) Traga-me um copo. ordem (ênclise)
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o PRoNomE cAPÍTULo 4

O PRONOME DEMONSTRATIVO NA FRASE


//////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Os pronomes demonstrativos variáveis (este, essa, aqueles, etc.) podem ser pronomes substantivos ou
adjetivos. Já os demonstrativos invariáveis (isto, isso, aquilo) são sempre pronomes substantivos.
Observe o comportamento do pronome variável este:

©(2002) Mort Walker/


King Features Syndicate/Ipress
■ WALKER, Mort. Recruta Zero. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 2 mar. 2002, p. D2.

Na tirinha, há um eu, a pessoa que fala, um tu, a pessoa com quem se fala, e uma terceira pessoa, do que
ou de quem se fala, ele – num primeiro momento, a paisagem, o entorno natural das personagens (no terceiro
quadrinho, fala-se do sargento). A primeira pessoa do discurso formula duas falas:

Este é o meu local favorito.

Pronome demonstrativo substantivo, na função substantiva de


sujeito – o substantivo local está subentendido no demonstrativo.

Sentada nesta velha pedra, sob esta velha árvore, à beira deste velho lago.

Pronomes demonstrativos adjetivos, na função adjetiva de adjunto adnominal do substantivo que acompanham e com o qual estabelecem
concordância: pedra, árvore e lago, respectivamente.

Nessas falas observa-se, além do comportamento sintático, a noção espacial: todos os demonstrativos se refe-
rem a um local e a objetos naturais próximos da pessoa que fala. Compare as falas originais com a seguinte variação:
Aquele é o meu local favorito.
Sentada naquela velha pedra, sob aquela velha árvore, à beira daquele velho lago.
Nesse caso, o pronome aquele indica que o local e os objetos naturais estão distantes tanto da pessoa que
fala como da pessoa com quem se fala. Se o pronome utilizado fosse esse, então saberíamos que tudo estava
perto da segunda pessoa do discurso.
Observe esta outra variação das falas:
Isto é o meu local favorito.
Sentada nisto, sob isto, à beira disto.
Empregou-se o pronome demonstrativo invariável isto, que, além de transmitir a noção espacial tendo
como referência a primeira pessoa do discurso, só se comporta como pronome substantivo. E mais: no caso do
segundo enunciado, só é possível recuperar o conteúdo semântico a que o pronome se refere no contexto situa-
cional ou visual do quadrinho.
Quando variável, o demonstrativo o e suas variantes a, os, as aparecem, basicamente, em dois casos:

Eu gosto de todo tipo de pizza, mas a que mais gosto é a de quatro queijos.

Demonstrativo seguido de uma Demonstrativo seguido de um sintagma


oração adjetiva que o restringe. com valor adjetivo que o restringe.

Em ambos os casos, faz-se concordância com o substantivo a que se refere o pronome: pizza.
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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

Atividade ©2001 Dalcio/Snowbound

Justifique o emprego do
pronome demonstrativo nesta
charge.

■ DALCIO. Enquanto isso, nas delegacias de São Paulo...


17 out. 2008. Disponível em:
<http://josiasdesouza.folha.blog.uol.com.br/>.
Acesso em: 13 fev. 2013.

O PRONOME RELATIVO NA FRASE


///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Os pronomes relativos introduzem orações subordinadas adjetivas, nelas desempenhando funções sintáticas.
Os relativos retomam, geralmente, um termo antecedente. Observe a seguir como a ocorrência deles, nesta
nota jornalística, possibilita concentrar num único parágrafo as informações necessárias.

gÊNERo TExTUAL
Nota jornalística
A nota jornalística é uma notícia sumarizada (é praticamente um lide) que apresenta a citação de um
fato, já antecipado pelo título, seguida ou não de uma informação complementar. Não contém, necessaria-
mente, os elementos da notícia (O quê? Quem? Quando? Onde? Por quê?), que ficam pressupostos. É breve
e bastante concisa, constituída, em geral, de apenas um parágrafo. Precisa ser clara, de fácil leitura. Se apre-
sentar opinião, será uma nota comentário. Circula na mídia impressa, audiovisual ou virtual.

Saúde
BOA NOTÍCIA
Prevenção contra cobras itora
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Calcula-se que os pecuaristas brasileiros tenham prejuízo de in
tra
C

30 milhões de reais com picadas de cobra, que matam cerca de


Ulh

75 000 bois e vacas a cada ano. A Fundação Ezequiel Dias, instituição


de pesquisa mantida pelo governo mineiro, anunciou recentemente
ter desenvolvido uma vacina bovina, inédita no mundo, que pode
resolver o problema. Prevê-se que a produção em escala industrial e
a comercialização terão início dentro de três anos. A entidade busca
atualmente uma vacina para imunizar seres humanos.
■ Disponível em: <http://veja.abril.com.br/210404/p_112.html>. Acesso em: 7 fev. 2013.

“Calcula-se que os pecuaristas brasileiros tenham prejuízo de 30 milhões de reais

com picadas de cobra, que matam cerca de 75 000 bois e vacas a cada ano.”

O pronome que tem como antecedente o substantivo picadas e exerce a função de sujeito da forma verbal matam na oração adjetiva
explicativa. Observe que a forma verbal apresenta a desinência de terceira pessoa do plural, fazendo concordância com o antecedente.

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o PRoNomE cAPÍTULo 4

“... uma vacina bovina, inédita no mundo, que pode resolver o problema.”

O pronome que tem como antecedente o substantivo vacina e exerce a função de sujeito da locução verbal pode resolver na oração
adjetiva restritiva. Observe que a forma verbal apresenta a desinência de terceira pessoa do singular, concordando com o antecedente.

Os pronomes relativos podem exercer, além da função de sujeito, as funções sintáticas de:
• objeto direto As vacinas que eu tomei foram contra tétano e hepatite.

retoma vacinas; objeto direto da forma verbal tomei

• objeto indireto O especialista a quem entreguei o caso resolveu o problema.

retoma especialista; objeto indireto (a quem) da forma verbal entreguei

• predicativo A moça simpática que ela era tornou-se insuportável.

retoma simpática (predicativo do sujeito: ela era simpática)

• adjunto adnominal O cachorro cuja coleira achei passeia sempre nesta praça.

adjunto adnominal de coleira

• complemento nominal Impôs-se com toda a força de que era capaz.

complemento nominal de capaz

• adjunto adverbial Na cidade onde ele morava havia uma ponte belíssima.

retoma cidade; adjunto adverbial da forma verbal morava

• agente da passiva Eu fui surpreendido por quem menos esperava.

agente da passiva da locução verbal fui surpreendido

Atividades
1. Junte os dois períodos em um só, eliminando as repetições e empregando o pronome relativo
adequado.
a) O professor pediu uma pesquisa sobre a reforma ortográfica. A reforma ortográfica já está
em vigor.
b) Lemos o livro. O professor de Literatura falou sobre esse livro na classe.
c) Melhor não comprar nada nesse site. Desconfio desse site.
d) A atriz vai adotar outra criança. O marido da atriz é um conhecido cantor.
e) O jornalista mora no exterior. Despedi-me do jornalista contristado.

2. Faltam os pronomes relativos que unem as orações a seguir. Reescreva o período, acrescentando-os. Fique
atento às preposições exigidas pelos verbos, que não podem ser omitidas.
a) Este é o livro b) Apresento-lhe o deputado c) Eis o projeto
(★) eu detestei. (★) votamos. (★) você encomendou.
(★) me interessei. (★) apoiamos. (★) você sonhou.
(★) não falarei. (★) lutamos. (★) você se esforçou.
(★) autor já morreu. (★) orientação estamos. (★) autor você discorda.

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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

O PRONOME INDEFINIDO NA FRASE


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Observe os pronomes em destaque:


Algumas empresas, principalmente as que trabalham com produtos químicos, costumam qualificar os
problemas de poluição e agressão à natureza com o curioso termo “passivo ambiental”. É mais que uma
definição. Remete o problema ao passado, e a solução para o futuro. Alguém precisa fazer a lição de casa.
■ Disponível em: <www2.uol.com.br/aprendiz/n_revistas/revista_educacao/junho02/capa.htm>. Acesso em: 7 fev. 2013.

Os pronomes indefinidos variáveis são pronomes adjetivos. Já os indefinidos invariáveis são sempre prono-
mes substantivos. Portanto, os primeiros exercem funções sintáticas adjetivas, e os segundos, substantivas.
Observemos o comportamento dos pronomes indefinidos no texto acima:

Algumas empresas costumam qualificar os problemas de poluição e agressão à natureza com o curioso
termo “passivo ambiental”.

pronome adjetivo; adjunto adnominal do substantivo empresas

Alguém precisa fazer a lição de casa.

pronome substantivo; sujeito da locução verbal precisa fazer

Este último exemplo pode gerar dúvidas na hora de classificar o sujeito: trata-se de um sujeito determinado
ou indeterminado? Vamos erradicar qualquer dúvida: o sujeito é determinado, simples, claro: alguém. A indetermi-
nação não é do sujeito, mas do pronome, que sendo indefinido não permite que seja recuperada sua referência. Não
se sabe determinar a pessoa que precisa fazer a lição de casa, mas gramaticalmente o sujeito da oração é alguém.

OPS!
ARTIGO INDEFINIDO, NUMERAL OU PRONOME INDEFINIDO?
Como classificar o termo uma no período a seguir?
“Uma banda está na estrada há cinco décadas, a outra acabou de ser fundada.”
■ Revista Tam Magazine, ano 1, n. 1, mar. 2004, p. 24.

Relembrando:
• se a noção não é numérica, mas de indeterminação, trata-se de um artigo.
“Na festa de inauguração, centenas de pessoas compareceram, cantaram juntos com uma banda de música e se emocionaram
ao lado de João de Barro...”
■ Disponível em: <www.horadopovo.com.br/2004/marco/26-03-04/pag8d.htm>. Acesso em: 14 fev. 2013.

• se a noção é numérica, isto é, indica que se trata de apenas um, e não dois ou três, trata-se de um numeral.
“O evento engloba 150 personagens, 10 bailarinos, uma banda e três cantores no palco principal.”
■ Disponível em: <www.cpopular.com.br/metropole/conteudo/mostra_noticia.asp?noticia>. Acesso em: 14 mar. 2010.

O numeral um/uma pode vir reforçado pelo adjetivo só.


“Só uma banda teve um ano melhor que o nosso, que foi o Green Day.”
■ Disponível em: <http://mychemicalteam.com.br/interview2.htm>. Acesso em: 14 mar. 2010.

Até aqui, tudo bem. Mas:


• se a noção é de indeterminação, via de regra, um(a) compõe uma estrutura paralela com o pronome indefinido outro ou uma
de suas variantes e se trata de um pronome indefinido.
Assim, no enunciado: “Uma banda está na estrada há cinco décadas, a outra acabou de ser fundada”, uma é um
pronome indefinido.
E mais:
• se a noção é equivalente a “uma pessoa”, “alguém”, trata-se também de um pronome indefinido:
Um que vendeu a sua alma. (Título de um conto de Lima Barreto)

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o PRoNomE cAPÍTULo 4

O PRONOME INTERROGATIVO NA FRASE


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Os pronomes interrogativos, além de caracterizar o enunciado como uma interrogação, exercem funções
sintáticas dentro dele:
De quem são esses olhos? Quem escreveu o romance Dom Casmurro?

Pronome interrogativo compondo um Pronome interrogativo na função de


sintagma preposicionado, na função de sujeito da forma verbal escreveu.
predicativo do sujeito.

A quem pertencem esses olhos? O que ganhou a nossa seleção em 1970?

Pronome interrogativo compondo um sin- Pronome interrogativo compondo um sin-


tagma preposicionado, na função de ob- tagma com o artigo o, na função de objeto
jeto indireto da forma verbal pertencem. direto da forma verbal ganhou.

Mas, além das funções substantivas, os pronomes interrogativos podem exercer uma função adjetiva:

Quantos discos gravou Elvis Presley? Que estilo têm as suas músicas?

Adjunto adnominal do substantivo discos. Adjunto adnominal do substantivo estilo.

Atividade
Crie perguntas para estas respostas. Em seguida, dê a função sintática do pronome interrogativo.
a) Roberto Carlos comemorou 50 anos de carreira.
b) Sob a forma de download digital, a banda Radiohead vendeu mais de três milhões de
álbuns “pague quanto quiser”.

UM CASO À PARTE: O PRONOME SE


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O pronome se apresenta uma grande diversidade de funções. Pode aparecer como:


• pronome reflexivo: quando a ação praticada pelo sujeito recai sobre ele próprio, sendo um mesmo ser tanto
o agente como o paciente da ação. Assim, a voz reflexiva é formada por um verbo na voz ativa seguida de um
pronome oblíquo, que exerce a função de objeto. Nesses casos, o se equivale a a si mesmo:
pronome reflexivo exercendo a função de objeto direto

O carpinteiro feriu-se com o martelo. (O carpinteiro feriu a si mesmo com o martelo.)

verbo transitivo direto

pronome reflexivo exercendo a função de objeto indireto

Ele se deu um belo presente.

verbo transitivo objeto direto


direto e indireto

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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

• pronome recíproco: a particularidade deste caso é a existência de um sujeito simples plural ou de um sujeito
composto, o que faz com que os integrantes desse sujeito exerçam o processo verbal um sobre o outro
(a ação é mútua, recíproca). Aqui o pronome pode exercer a função de objeto direto ou de objeto indireto.
Nesse caso, o se equivale a um ao outro:

Ulhôa Cintra/Arquivo
da editora
pronome reflexivo exercendo a função de objeto direto

Abraçaram-se com júbilo. (abraçaram um ao outro)


pronome reflexivo exercendo a função de objeto indireto

Marido e mulher deram-se as mãos. (deram as mãos um ao outro)


• pronome integrante do verbo: alguns verbos são essencialmente pronominais ou eventualmente pronominais,
isto é, aparecem acompanhados de pronome. Nesse caso, o pronome é parte integrante do verbo e não possui
função sintática:

pronome integrante do verbo pronome integrante do verbo

Ele não se atreveu a bater na porta. Admirou-se por aquela gentileza.

verbo pronominal verbo pronominal

• pronome apassivador: forma a voz passiva sintética, junto com um verbo transitivo direto na terceira pessoa,
sem exercer função sintática:

pronome apassivador

Vendem-se apartamentos mobiliados.

verbo transitivo direto sujeito

• índice de indeterminação do sujeito: ocorre em construções com o verbo na terceira pessoa do singular acres-
cido do pronome se, sem função sintática, desde que o verbo não seja tomado como transitivo direto:

índice de indeterminação do sujeito

Vive-se com mais tranquilidade no interior.

verbo intransitivo na terceira pessoa do singular

• pronome expletivo ou de realce: não apresenta função essencial para a compreensão da mensagem, consti-
tuindo, antes, um recurso estilístico, um reforço da expressão.

pronome expletivo: Foi embora a minha chance.

Foi-se embora a minha chance.

Atividades
1. Nas frases a seguir, indique se o pronome se é pronome apassivador ou índice de indetermi-
nação do sujeito. Quando for pronome apassivador, destaque o sujeito.
a) Reclama-se (1) do trânsito mas não se investe (2) em transporte público.
b) Nas cidades grandes vive-se o caos diariamente.
c) Num dia de chuva, enfrentam-se quilômetros de congestionamento.
d) Todos os anos repetem-se os dramas decorrentes das enchentes.
e) Bebe-se (1) e dirige-se (2) com naturalidade: eis a fórmula da irresponsabilidade.
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o PRoNomE cAPÍTULo 4

2. Nas frases a seguir, o pronome se é reflexivo ou recíproco?


a) Num grave acidente na estrada principal, dois veículos entrechocaram-se.
b) Lidando perigosamente com a faca, o homem se cortou.
c) Odeiam-se e não escondem isso.
d) Os políticos cumprimentaram-se cortesmente.
e) Cortou-se ao fazer a barba pela manhã, tão nervoso estava.

A gRAmáTicA
DO TExTo
O CARÁTER FÓRICO DOS PRONOMES PESSOAIS
////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Como já vimos, os pronomes pessoais fazem sempre

Ric Ergenbright/Corbis/Latinstock
referência a uma pessoa do discurso que preenche seu con-
teúdo semântico quando identificada na situação comuni-
cativa ou no contexto.
Pensemos num ato comunicativo concreto da fala: uma
conversa. O que vai definir quem é o referente do eu, do você,
do ele? A situação. O eu será quem tomar a palavra, o você
será o interlocutor e o ele será o assunto ou a pessoa de
quem se fala num determinado momento e circunstância.
Trata-se de referência situacional, exofórica, extralinguística
(ou seja, fora do texto).
Já a referência contextual é aquela que se pode encon-
trar dentro do texto, seja ele oral ou escrito. Veja:
Em 1873, o David finalmente foi transferido para a
Galleria dell’Accademia. Onde americanos, franceses,
ingleses e turistas de outras partes do mundo podem
admirá-lo graças aos cuidados dos italianos. ■ Com 4,3 m de altura (sem incluir o pedestal
■ Disponível em: <http://veja.abril.com.br/240903/p_133.html>. de quase 3 metros), David foi esculpido por
Acesso em: 9 fev. 2013. Michelangelo entre 1501 e 1504.

No enunciado acima, a forma lo, variante do pronome oblíquo átono o, tem como referente “o David”. Trata-
-se de um exemplo de referência contextual, endofórica (ou seja, dentro do texto). E mais: uma referência ana-
fórica, pois o pronome retoma um elemento já mencionado.
Quando a referência é textual, o caráter fórico dos pronomes está também a serviço da articulação e da
coesão do texto.

O CARÁTER FÓRICO DOS PRONOMES DEMONSTRATIVOS


/////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Os demonstrativos podem transmitir uma noção espacial ou temporal. Mas isso não basta para preencher
seu conteúdo semântico. Se a referência é situacional, será necessário resgatar o referente dentro de determi-
nadas circunstâncias. Se alguém afirma:
– Este é meu filho.
só a situação determinará quem é o filho, pois a única informação dada pelo conteúdo contextual é a de que o
filho está perto do falante.
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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

Fernando Bueno/Pulsar Imagens


Neste caso também a referência pode ser textual:

O complexo Ver-o-Peso é formado ainda pela Praça do Relógio,


Praça dos Velames e pelo Palacete Bolonha. Este, foi um presente do
engenheiro Francisco Bolonha para sua esposa Alice, em 1905.
Hoje faz parte do patrimônio histórico da cidade. Construído com
diferentes materiais importados, tem estilo eclético. Nele encontra-
mos "art nouveau", elementos neoclássicos, góticos e barrocos.
■ Disponível em: <http://cidadesdobrasil.com.br/cgi-cn/news.cgi?cl=099105100097100101098114&arecod=
14&newcod=607>. Acesso em: 9 fev. 2013.

No enunciado acima, o pronome demonstrativo este refere-se a


um termo que aparece no período anterior: Palacete Bolonha. Assim,
nesse caso, a referência é contextual e anafórica.
O pronome acaba funcionando como articulador interno, pois
relaciona informações dentro do texto. Por isso, podemos dizer que
organizar o espaço contextual é outra função dos demonstrativos,
uma função coesiva. ■ Palacete Bolonha, Belém, Pará, 2010.

Atividade
Identifique, nos trechos a seguir, os pronomes que estão funcionando como elementos coe-
sivos do texto. Classifique-os e cite os termos que esses pronomes retomam ou antecipam.
a) “Quando chegamos ao alto da Tijuca, onde era o nosso ninho de noivos, o céu recolheu a
chuva e acendeu as estrelas, não só as já conhecidas, mas ainda as que só serão descobertas
daqui a muitos séculos.”
■ ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. São Paulo: Scipione, 2004. p. 105.

b) “A criança que eu fui não viu a paisagem tal como o adulto em que se tornou seria tentado
a imaginá-la desde a sua altura de homem. A criança, durante o tempo que o foi, estava
simplesmente na paisagem, fazia parte dela, não a interrogava, não dizia nem pensava, por
estas ou outras palavras: “Que bela paisagem, que magnífico panorama, que deslumbrante
ponto de vista!”
■ SARAMAGO, José. As pequenas memórias. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 13.

O PRONOME INDEFINIDO TUDO: APOSTO RESUMITIVO


//////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Leia esta passagem do conto "Os infelizes cálculos da felicidade", do escritor moçambicano Mia Couto (1955-):
Doseava o coração em aplicações regradas, reduzida a paixão ao seu equivalente numérico. Amores,
mulheres, filhos tudo isso era hipótese nula. O sentimento, dizia ele, não tem logaritmo. Por isso, nem se
justifica a sua equação.
■ Disponível em: <www.lumiarte.com/luardeoutono/miacouto1.html#calculos>. Acesso em: 10 fev. 2013.

O pronome indefinido tudo tem como característica semântica indicar a totalidade das coisas, às vezes uma
totalidade vaga, outras, nem tanto. No texto acima, por exemplo, pode-se dizer que o conteúdo de totalidade do
pronome está preenchido pela sequência amores, mulheres, filhos. Essa sequência é retomada anaforicamente
pelo pronome tudo, nesse caso ainda reforçado pelo demonstrativo isso, que também anaforicamente retoma
os três termos.
“Amores, mulheres, filhos”

tudo isso era hipótese nula.


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o PRoNomE cAPÍTULo 4

O PRONOME INDEFINIDO TUDO


EXIGINDO APOSTO ESPECIFICADOR
/////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Fica tudo igual, as carpideiras, o povo, a rainha. Aqui tem hierarquia, tem rainha,
tem princesa e tem povo. E cada uma tem seu timbre, seu ritmo. Quando você vê tra-
gédia grega, todo mundo fala igual.
■ Disponível em: <www.agenciadeatores.com.br/referencia.asp?sub=antu>. Acesso em: 10 fev. 2013.

Como vimos, a noção de totalidade do pronome tudo pode ser ampla e vaga; portanto, é preciso especificá-
-lo. Imaginemos o enunciado acima desta maneira:

“Fica tudo igual […]”

“Tudo igual” quer dizer o quê? Tudo igual a quê? O pronome indefinido, nesse caso, exige a presença de um
aposto especificador que preencha seu conteúdo semântico cataforicamente (ou seja, mencionado depois).
Essas construções são comuns em nosso cotidiano:

Comeu tudo: carne, salada, feijão com arroz, sobremesa.


aposto especificador

“Fica tudo igual, as carpideiras, o povo, a rainha.”


aposto especificador

OS REFORÇOS INTERROGATIVOS
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Sem você não dá


[...]
Me diz agora o que é que eu faço pra te esquecer

Ilustrações: Ulhôa Cintra/Arquivo da editora


Tentar tirar você de vez do coração
Sei que não dá (não dá)
Não dá (não dá)
Não dáááááááá
O que é que eu faço pra fugir da solidão
Se em qualquer lugar que eu olho você está
Viver sem você não dá
■ LIMÃO COM MEL. “Sem você não dá”. Disponível em: <http://limaocommel.letras.terra.com.br/letras/68751/>.
Acesso em: 10 fev. 2013.

Duas perguntas de estrutura semelhante são introduzidas pela sequência o que é que e apresentam
alguns elementos expletivos:
O que [é que] eu faço pra te esquecer?

[O] que eu faço pra te esquecer?

Que eu faço pra te esquecer?


Esses elementos expletivos têm caráter estilístico e funcionam como reforços que enfatizam a expressividade
do enunciado.
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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

POSSESSIVO NO VOCATIVO
//////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Os pronomes possessivos compõem os pronomes de tratamento, sempre nas suas formas femininas de
terceira pessoa do singular e segunda do plural.
Além disso, podem compor vocativos e acrescentar valores semânticos além da posse:
Pare de perturbar, seu babaca.

valor ofensivo

Bem-vinda, minha senhora, fique à vontade.

valor afetivo e/ou cortês

Meu querido, caso você não faça o seu dever, assumirá as consequências.

valor irônico

Atividades
O texto a seguir é a introdução a uma entrevista que Nelson Motta deu à revista Trip, em
agosto de 2012, na qual o entrevistador busca passar ao leitor algumas informações necessárias a
um pleno entendimento do texto. Numa leitura inicial, procure localizar orações adjetivas (intro-
duzidas por pronomes relativos) e avaliar a importância que elas adquirem na caracterização do
entrevistado. Depois, responda às questões propostas.

Nelson Motta
A vida e obra de um jornalista que cruzou a fronteira entre a mídia e os artistas da MPB
Por Pedro Só

Em quatro décadas vividas nos lugares certos e nas horas certas, Nelson Motta construiu uma
obra invejável na música, na literatura, no jornalismo e na televisão. Aos 67 anos, ele recebe a Trip em
seu apartamento na “província de Ipanema” para relembrar as amizades, os namoros, as alianças e os
dissabores de quem afirma nunca ter perdido um amigo para ganhar uma manchete.
Dia desses, Nelson Motta virou-se para aquela que brinca ser “a mulher da minha vida” e disse:
“Olha, Mari, o fim que nós tivemos! Você, babá de gato; eu, massagista de gato”. Mari é Maria de Jesus,
empregada que o acompanha há 25 anos e pelo menos três casamentos. O felino a quem obedece por
amor é Max, um pelo curto brasileiro dono de penetrantes olhos amarelos – “com uma listra verde”,
faz questão de detalhar. É com ele que o homem de letras e música divide o apartamento na rua
Prudente de Morais, atrás do Country Club carioca, com vista para o mar. Os dois dormem juntos na
mesma cama, rolam pelo chão, correm pela sala... “Gatos têm uns cem tipos de miados diferentes. Eu
já atendo a uns 20 comandos e estou sempre aprendendo mais. Acho que o Max deve me enxergar
como uma pessoa doméstica, carinhosa, sossegada e razoavelmente paciente. É o que eu busco ser.”
Aos 67 anos, o ex-cabeludo que vendeu juventude ao longo de tantas décadas, eterno Nelsinho, mora
só e pouco convive com os inúmeros amigos que colecionou. Pode parecer irônico que alguém cuja traje-
tória – pessoal e profissional – sempre foi pautada por um espírito conciliador e gregário chegue a essa
idade assim. Mas está tudo bem, assegura, com o velho sorrisão que lembra o sedutor bichano criado por
Lewis Carroll para Alice no País das Maravilhas. “Hoje eu tenho tantos amigos que não tenho nenhum.
Assim, de conversar todo dia, não tenho. Porque tenho três filhas, três netos, tenho namorada firme, pai e
mãe vivos – os dois com 92 anos!” O relacionamento com a publicitária pernambucana Paula Pessoa é a
distância, alimentado pelo que compara a uma sucessão de viagens de lua de mel. “É só alegria.” [...]
■ Disponível em: <http://revistatrip.uol.com.br/revista/213/paginas-negras/nelson-motta.html>. Acesso em: 9 fev.2013.

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o PRoNomE cAPÍTULo 4

1. Observe a frase “[…] para relembrar as amizades, os namoros, as alianças e os dissabores de quem afirma
nunca ter perdido um amigo para ganhar uma manchete.”
a) Qual é a função sintática do pronome quem na oração?
b) Construa outra oração substituindo esse mesmo pronome por uma locução pronominal de sentido
equivalente.
2. Os pronomes demonstrativos podem transmitir noções temporais como em “naquele dia”. O texto, no
entanto, apresenta um uso coloquial desse pronome:
a) Retire do texto essa expressão e indique a que termo se refere o pronome.
b) Justifique o emprego dessa forma coloquial, relacionando-a ao contexto em que ela se insere.
3. “Aquela que” é uma locução pronominal de valor catafórico. Que expressão ela anuncia na oração?
Justifique a brincadeira feita por Nelson Motta em relação ao que a expressão revela.
4. Explique qual é o papel sintático do pronome relativo quem na oração:“O felino a quem obedece por amor é Max”.
5. Sobre o trecho “É com ele que o homem de letras e música divide o apartamento”, responda:
a) Quem é o referente do pronome pessoal ele?
b) Por que o jornalista reforça a presença dessa 3ª pessoa? O que ele pretende destacar com essa construção?
6. Observe o trecho: “Gatos têm uns cem tipos de miados diferentes”.
a) Identifique a forma pronominal utilizada e a que termo ela se refere.
b) Que efeito de sentido esse pronome produz?
7. Na passagem “Pode parecer irônico que alguém cuja trajetória – pessoal e profissional – sempre foi pautada
por um espírito conciliador e gregário chegue a essa idade assim.”, o pronome indefinido refere-se à terceira
pessoa de modo impreciso, vago? Justifique.
8. Em “Hoje eu tenho tantos amigos que não tenho nenhum [...]”, a que termo elíptico se refere o pronome
nenhum? Explique a aparente contradição da oração em que esse pronome ocorre.

NO
Questões de exames FAÇARNO!
CAD
E

1. (Enem)
Reprodução/Enem

■■ VERISSIMO, L. F. As cobras em: Se Deus existe que eu seja atingido por um raio. Porto Alegre: L&PM, 1987.

O humor da tira decorre da reação de uma das 2. (Enem)


cobras com relação ao uso de pronome pessoal reto,
em vez de pronome oblíquo. De acordo com a nor- O senhor
ma-padrão da língua, esse uso é inadequado, pois Carta a uma jovem que, estando em uma roda
a) contraria o uso previsto para o registro oral da em que dava aos presentes o tratamento de você,
língua. se dirigiu ao autor chamando-o “o senhor”:
b) contraria a marcação das funções sintáticas de Senhora:
sujeito e objeto. Aquele a quem chamaste senhor aqui está,
c) gera inadequação na concordância com o verbo. de peito magoado e cara triste, para vos dizer
d) gera ambiguidade na leitura do texto. que senhor ele não é, de nada, nem de
e) apresenta dupla marcação de sujeito. ninguém.

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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

Bem o sabeis, por certo, que a única nobreza que isso era impossível, porque eles vestiam mal,
do plebeu está em não querer esconder sua con- as crianças andavam nuas, e recolhiam-se todos
dição, e esta nobreza tenho eu. Assim, se entre ao anoitecer. Para bem dizer, não se acendiam
tantos senhores ricos e nobres a quem chamáveis candeeiros na casa.
você escolhestes a mim para tratar de senhor, é ■■RAMOS, Graciliano. Vidas secas. Rio de Janeiro: Record / São Paulo: Martins, 1975. p. 42-43.

bem de ver que só poderíeis ter encontrado essa Marque a alternativa que comenta adequadamen-
senhoria nas rugas de minha testa e na prata de te o emprego dos pronomes no texto.
meus cabelos. Senhor de muitos anos, eis aí; o a) “Fabiano, que não esperava semelhante desati-
território onde eu mando é no país do tempo que no, apenas grunhira: – Hum! hum!” (ref. 1). O
foi. Essa palavra “senhor”, no meio de uma frase, pronome relativo destacado evita a repetição da
ergueu entre nós um muro frio e triste. palavra desatino.
Vi o muro e calei: não é de muito, eu juro, que b) “E agora vingava-se em Baleia, dando-lhe um
me acontece essa tristeza: pontapé” (ref. 2) / “Fabiano a princípio concorda-
mas também não era a vez primeira. ra com ela” (ref. 3). Os termos sublinhados são
■■BRAGA, R. A borboleta amarela. duas formas de expressão do pronome pessoal
Rio de Janeiro: Record, 1991. em função de objeto direto.
A escolha do tratamento que se queira atribuir a c) “Fabiano [...] deitara-se na rede e pegara no
alguém geralmente considera as situações especí- sono” (ref. 4) / “[...] não encontrou motivo para
ficas de uso social. A violação desse princípio cau- repreendê-los” (ref. 5). Os dois pronomes pessoais
sou um mal-estar no autor da carta. O trecho que grifados possuem o mesmo referente e servem
descreve essa violação é: para marcar uma ação reflexiva.
a) “Essa palavra, ‘senhor’, no meio de uma frase, d) “Sinha Vitória respondera que isso era impossí-
ergueu entre nós um muro frio e triste.” vel, porque eles vestiam mal” (ref. 6). Os prono-
b) “A única nobreza do plebeu está em não querer mes destacados retomam o mesmo termo do
esconder sua condição.” período anterior.
c) “Só poderíeis ter encontrado essa senhoria nas e) “Fazia mais de um ano que falava nisso ao mari-
rugas de minha testa.” do” (ref. 7). A forma sublinhada, contração do
d) “O território onde eu mando é no país do tempo demonstrativo isso com a preposição em, tem
que foi.” função coesiva, pois retoma e sintetiza segmen-
e) “Não é de muito, eu juro, que me acontece essa to expresso anteriormente.
tristeza: mas também não era a vez primeira.”
4. (Uerj)
3. (UFF-RJ) Como e por que sou romancista
Sinha Vitória Lia-se até a hora do chá, e tópicos havia tão
Sinha Vitória tinha amanhecido nos seus azei- interessantes que eu era obrigado à repetição.
tes. Fora de propósito, dissera ao marido umas Compensavam esse excesso, as pausas para dar
inconveniências a respeito da cama de varas. 1Fabia- lugar às expansões do auditório, o qual desfazia-
no, que não esperava semelhante desatino, apenas -se em recriminações contra algum mau persona-
grunhira: – “Hum! hum!” E amunhecara, porque gem, ou acompanhava de seus votos e simpatias
realmente mulher é bicho difícil de entender, 4dei- o herói perseguido.
tara-se na rede e pegara no sono. Sinha Vitória Uma noite, daquelas em que eu estava mais
andara para cima e para baixo, procurando em que possuído do livro, lia com expressão uma das
desabafar. Como achasse tudo em ordem, queixara- páginas mais comoventes da nossa biblioteca. As
-se da vida. 2E agora vingava-se em Baleia, dando-lhe senhoras, de cabeça baixa, levavam o lenço ao
um pontapé. rosto, e poucos momentos depois não puderam
Avizinhou-se da janela baixa da cozinha, viu conter os soluços que rompiam-lhes o seio.
os meninos entretidos no barreiro, sujos de lama, Com a voz afogada pela comoção e a vista
fabricando bois de barro, que secavam ao sol, sob empanada pelas lágrimas, eu também cerrando
o pé-de-turco, e 5não encontrou motivo para ao peito o livro aberto, disparei em pranto e res-
repreendê-los. Pensou de novo na cama de varas pondia com palavras de consolo às lamentações
e mentalmente xingou Fabiano. Dormiam naquilo, de minha mãe e suas amigas.
tinha-se acostumado, mas seria mais agradável ■■JOSÉ DE ALENCAR. Como e por que sou romancista. Campinas: Pontes, 1990.

dormirem numa cama de lastro de couro, como


Em que rompiam-lhes o seio, o vocábulo sublinhado
outras pessoas.
7
faz referência a uma palavra já enunciada no texto.
Fazia mais de um ano que falava nisso ao
Essa palavra a que se refere o vocábulo lhes é:
marido. 3Fabiano a princípio concordara com ela,
mastigara cálculos, tudo errado. Tanto para o a) soluços
couro, tanto para a armação. Bem. Poderiam b) páginas
adquirir o móvel necessário economizando na c) senhoras
roupa e no querosene. 6Sinha Vitória respondera d) momentos

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5
o vERbo cAPÍTULo 5

cAP Í T U L o 5

O verbo

©(1993) Watterson/Dist. by Atlantic Syndication


n WATTERSON, Bill. O melhor de Calvin. O Estado de S. Paulo, 21 fev. 2001, p. D2.

Na tira são citadas duas características dos verbos: uma em relação à


sua formação, outra em relação ao que ele indica. Assim, acertadamente,
Calvin afirma que o substantivo acesso “foi verbado” para acessar,
evidenciando uma marca morfológica dos verbos: sua terminação em
-ar, -er ou -ir. Por outro lado, ele comenta uma característica que
distingue o verbo do nome: enquanto este tem um aspecto estático
porque designa um ser, aquele é considerado dinâmico porque indica, de
modo geral, uma ação.

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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

A gRAmáTicA
DA PALAvRA
Verbo é a palavra variável que indica uma ação, um estado, uma mudança de estado, um fenômeno da
natureza. Ao contrário do nome, tem sempre um aspecto dinâmico, indicando um processo devidamente loca‑
lizado no tempo. É o que se observa em:

Calvin verbou o nome acesso. ação


Calvin e Haroldo estão agasalhados. estado momentâneo
Haroldo é um tigre. estado permanente
O nome virou verbo. mudança de estado
Nevou o dia inteiro. fenômeno da natureza

O verbo, como palavra variável, apresenta flexão de número e pessoa, de modo e tempo, além de manifes‑
tar variação de voz. É, portanto, a classe de palavra em que se observa o maior número de flexões. Dizer ordena‑
damente todas as flexões de um verbo é conjugar esse verbo.
Em português, há três conjugações, que são indicadas pelas vogais temáticas:
• -a-: verbos da primeira conjugação trabalhar, estudar, cozinhar, etc.;
• -e-: verbos da segunda conjugação ler, comer, tecer, etc.;
• -i-: verbos da terceira conjugação vir, dividir, ouvir, etc.

imPoRTANTE!
O verbo pôr pertence à segunda conjugação, já que sua forma arcaica era poer.

Ç
CLASSIFICAÇÃO – EM FOCO: O ASPECTO SEMÂNTICO
O verbo acessar, como bem disse Calvin, “é uma coisa que a gente faz”, isto é, indica uma ação. Assim, obser‑
vando o significado dos verbos e o que eles nos indicam, é possível montar um quadro de classificação.

classificação semântica dos verbos

dinâmicos não dinâmicos


verbos de ação – exprimem verbos de processo – exprimem verbos de estado – exprimem um estado,
uma ação, um “fazer”: acessar, um processo, um “acontecer”: uma duração, uma permanência: estar, ser,
comer, dançar, ir. amanhecer, morrer, chover, permanecer, viver, morar.
esfriar.

AS CATEGORIAS GRAMATICAIS DO VERBO


////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Pessoa e número
Vamos recapitular alguns conceitos para a compreensão da flexão de número e pessoa: sabemos que o
verbo sempre forma o predicado; sabemos, também, que o predicado se relaciona com um sujeito, estabelecendo
com ele uma relação de concordância em número e pessoa.
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O VERBO CAPÍTULO 5

Dessa maneira, o verbo apresenta flexão de número, podendo estar no singular ou no plural, e de pessoa,
podendo estar em uma das três pessoas do discurso:

singular Eu amo.
primeira pessoa

falante plural Nós ama-mos.

singular Tu ama-s.
segunda pessoa

interlocutor plural Vós ama-is.

singular Ele/Ela am-a.


terceira pessoa

interlocutor plural Eles/Elas ama-m.

IMPORTANTE!
Alguns verbos são usados apenas na terceira pessoa do singular, sendo chamados de
impessoais. O verbo haver, no sentido de existir, o verbo fazer, no sentido de tempo trans-
corrido, assim como os verbos que indicam fenômenos da natureza, estão enquadrados
nessa norma.

Tempo e modo
No início do capítulo, afirmamos que o verbo indica um processo devidamente localizado no tempo. Para
tanto, é necessário determinar se o processo está ocorrendo no momento em que se fala, se é um fato já acon-
tecido, anterior ao momento da fala, ou se é um fato que ainda vai ocorrer, ou seja, posterior ao ato da fala.
Dessa forma, caracterizamos os três tempos verbais básicos: o presente, o pretérito (passado) e o futuro,
como nos seguintes exemplos:
eu canto
eu cantei
eu cantarei
Entretanto, as possibilidades de se localizar um determinado processo no tempo são maiores. Por exemplo,
ao afirmar:
Eu cantava quando ele chegou.
declara-se um fato passado que não se concluiu (Eu cantava), e que, no entanto, era presente em relação a outro
fato passado (quando ele chegou). Por isso mesmo, esse tempo é chamado de pretérito imperfeito.
Quando afirmamos:
Eu já cantara quando ele chegou.
declara-se um fato que é passado (Eu já cantara) em relação a outro fato também passado (quando ele chegou)
– em outras palavras, o passado do passado. Daí ser chamado de pretérito mais-que-perfeito.
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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

Quanto ao futuro, duas situações são possíveis. Em:


Eu cantarei.
o falante faz uma afirmação indicando certeza em relação a um tempo futuro. Diferente de:
Eu cantaria se não tivesse ficado rouco.
em que cantaria indica um fato futuro, mas em relação a outro fato passado, já acontecido (já fiquei rouco). Esse
tempo é chamado de futuro do pretérito.
O presente é único, não apresenta subdivisões. Já o pretérito pode ser perfeito, imperfeito e mais‑que‑
‑perfeito. O futuro pode ser do presente ou do pretérito.
Por outro lado, se pensarmos no modo, que indica as diversas atitudes do falante em relação ao fato que
enuncia, até o tempo presente tem mais de uma forma: eu canto / (que) eu cante.
Compare as diferentes atitudes a seguir, começando pelo seguinte par:
• eu canto eu cantei
A atitude do falante é de certeza, o fato é ou foi uma realidade. Essa atitude caracteriza o modo indicativo.
Já em:
• se eu cantasse quando eu cantar
a atitude é de incerteza, de dúvida; exprime uma condição, uma possibilidade. Essa atitude caracteriza o modo
subjuntivo.
Veja agora as seguintes formas:
• cante você não cantem
Ambas as formas verbais exprimem uma ordem, um desejo, uma vontade. É o modo imperativo.

Formas nominais
Três são as formas nominais: infinitivo, gerúndio e particípio:
É necessário agir. Chorando, a moça despediu‑se. Terminada a aula, conversaremos.
Chamam‑se formas nominais porque podem desempenhar funções típicas do substantivo, do advérbio e
do adjetivo. As formas nominais não apresentam indicação de tempo, dependem sempre do contexto em que
se encontram.
Retomemos os exemplos acima.
Em “É necessário agir.”, o infinitivo tem valor semelhante ao do substantivo ação. O infinitivo sempre expri‑
me a ação verbal propriamente dita, tanto que, para substantivar um verbo, basta colocar um artigo diante do
seu infinitivo:
Seria desejável uma nova forma de arquitetura para que o morar, o trabalhar e o lazer estivessem
todos interligados.
Em “Chorando, a moça despediu‑se.”, o gerúndio aproxima‑se da função do advérbio, indicando modo;
isso ocorre na maioria dos casos, embora o gerúndio também apresente funções semelhantes às dos adjetivos,
como em “Meu polegar está doendo”. Nesse caso, o gerúndio exprime uma ação em desenvolvimento.
Em “Terminada a aula, conversaremos.”, o particípio indica uma ação já concluída e, por exprimir um estado,
desempenha uma função semelhante à do adjetivo (repare que o particípio seria flexionado se trocássemos 'aula'
por 'curso': “Terminado o curso, conversaremos”). Em determinados contextos, o particípio se confunde com o
adjetivo: “Era um homem calado”. Nesse caso, pode‑se flexionar a palavra calado exatamente como um adjetivo:

Era uma mulher calada. (flexão de gênero)


Era um homem muito calado. (superlativo absoluto analítico)
Era um aluno caladíssimo. (superlativo absoluto sintético)
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o vERbo cAPÍTULo 5

OPS!
VERBO COM FLEXÃO DE GÊNERO?

Vimos que o verbo é a palavra que apresenta mais possibilidades de flexão: número e pessoa, e tempo e modo. Existe um caso,
ainda, em que o verbo também apresenta flexão de gênero: é o particípio que forma a voz passiva analítica. Observe os exemplos:

A mesa foi quebrada. O animal foi libertado.

Maria foi paquerada por João. João foi paquerado por Raquel.
Como você já percebeu, nesses casos o particípio concorda em gênero com o sujeito: se o sujeito for um substantivo mas-
culino (animal, João), o particípio aparecerá no masculino; se o sujeito for um substantivo feminino (mesa, Maria), o particípio
aparecerá no feminino.

Aspecto
O verbo é capaz de exprimir a duração do processo indicado, isto é, manifesta de que maneira o falante
considera o desenvolvimento do processo. Observe:
Nós iremos amanhã. (a ação ainda vai se iniciar)
Eles foram ontem. (a ação está perfeitamente concluída)
Nós íamos hoje. (a ação não está acabada; a ação permanece)
Contrariada, ela foi saindo sem se despedir. (a ação está em progressão)
Assim, o falante pode considerar a ação expressa pelo verbo perfeitamente concluída ou não concluída,
momentânea ou permanente, um processo que se inicia ou se finda ou que está em pleno curso, uma ação que
se repete, etc. A essa propriedade, que realça o caráter dinâmico e temporal do verbo, chamamos aspecto.
Como nos explica o professor Mattoso Câmara Jr., a distinção básica em relação aos tempos verbais, herda‑
da do latim, reside no fato de os tempos indicarem uma ação perfeitamente concluída ou uma ação não con‑
cluída: “em latim, os tempos se distribuíam, em princípio, em dois grandes grupos correspondentes ao aspecto
perfeito e ao aspecto imperfeito”.
• Aspecto concluso ou inconcluso – distinguem‑se formas verbais perfectivas (já concluídas) e imperfectivas
(não concluídas). Esse valor aspectual pode ser expresso na flexão verbal, pois há tempos essencialmente
perfectivos e outros imperfectivos. Compare os pretéritos a seguir:

Ele me cumprimentou com um aceno sutil. Ele me cumprimentava com um aceno sutil.

pretérito perfeito ⇒ a ação já está concluída, findada, pretérito imperfeito ⇒ a ação não está concluída,
realizada; aspecto perfectivo (lembrando que perfeito está em curso; aspecto imperfectivo
vem do latim perfectu, que significa "feito por inteiro,
totalmente feito, concluído")
Ilustrações: Ulhôa Cintra/Arquivo da editora

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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

tempos perfectivos tempos imperfectivos


pretérito perfeito do indicativo presente do indicativo
Observando‑se a expressão do valor
pretérito mais‑que‑perfeito pretérito imperfeito do indicativo
aspectual nos tempos verbais, podem‑se futuro do presente
classificá‑los da seguinte maneira: futuro do pretérito
presente do subjuntivo
pretérito imperfeito do subjuntivo

O aspecto verbal também pode vir expresso ou matizado pelo emprego de algumas locuções ou pelo pró‑
prio significado do verbo. Compare as construções:

Ligou‑me uma antiga amiga.

ação acabada, realizada no passado

Acaba de me ligar uma antiga amiga.

ação acabada (realçada pelo significado do verbo acabar), realizada num


momento pontual do passado, imediatamente antes da fala

Ela deixou a faculdade, uma pena!

pretérito perfeito indicando ação acabada; o significado


do verbo deixar acentua o caráter de finalização

O menino adormeceu.

pretérito perfeito indicando ação acabada; no entanto, o significado do


verbo traz a noção de ação inicial (adormecer = começar a dormir)
Ulhôa Cintra/Arquivo da editora

Como se observa, o aspecto verbal não se limita a expressar se uma ação está acabada ou não. A ação ver‑
bal pode manifestar se o processo está se iniciando ou finalizando, se é momentâneo ou permanente, etc. As
principais características aspectuais expressas por formas verbais são:
• aspecto icoativo ou inceptivo – manifesta o início do processo, sem considerar seu desenvolvimento.
Voltaremos agora.

Reprodução/Nasa
verbo no futuro, indicando uma ação a ser desenvolvida

Começou a chover à tarde.

locução começar a, indicando o ponto inicial da ação

Anoitece.

verbo com o sufixo -ecer que, assim como o


sufixo -escer, indica o início de um processo

• aspecto pontual ou momentâneo – manifesta uma ação


que acaba de ser realizada de maneira súbita e imediata: n  Imagem captada por satélite da Nasa mostrando
o amanhecer e o anoitecer no Brasil e em parte
Acaba de me ligar uma antiga amiga. da América do Sul.

Note que há uma diferença em termos de precisão temporal entre as formas “Acaba de me ligar uma antiga
amiga” e “Ligou‑me uma antiga amiga”. Na primeira construção, a ação se processou num momento imediata‑
mente anterior ao da fala; na segunda, a ação apresenta‑se perfeitamente concluída, mas sem uma localização
precisa no tempo (Ligou‑me faz cinco minutos? Ontem? Anteontem? Mês passado?).
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o vERbo cAPÍTULo 5

Mais uma observação: tudo mudaria se a construção fosse: “Ligou‑me agorinha uma antiga amiga”. O
aspecto pontual seria indicado pelo advérbio e reforçado pelo sufixo diminutivo.
• aspecto cessativo – o falante destaca o final do processo; esse aspecto é indicado pela carga significativa de
verbos como parar, deixar, terminar, abandonar, interromper, acabar.
O menino interrompeu a brincadeira.

pretérito perfeito indicando ação acabada; o verbo interromper indica o final do processo

Paramos de trabalhar por hoje.

ação acabada; o final do processo está enfatizado pelo emprego da locução parar de

• aspecto durativo ou cursivo – manifesta um processo em curso, em pleno desenvolvimento, sem fazer refe‑
rência a seu início nem a seu término:
Ela mora aqui perto.

ação inacabada; o verbo no presente do indicativo indica habitualidade

Eles estão viajando.

ação inacabada; a locução estar + gerúndio passa a ideia de desenvolvimento

Nós continuamos brigados.

ação inacabada; a locução continuar + particípio passa a noção de ação em curso

• aspecto durativo progressivo – manifesta um processo crescente e de intensificação:


Eu vou saindo de fininho.

ação inacabada; a locução ir + gerúndio indica uma ação em processo crescente

• aspecto frequentativo ou iterativo – manifesta uma ação

Reprodução/Centro de Arte Moderna, Lisboa.


num processo reiterativo (geralmente, aspecto indicado
pelos sufixos verbais -iscar, -icar, -itar, -inhar, -ilhar):
O tico‑tico saltitava pelo parque.

pretérito imperfeito indicando ação inacabada; o sufixo -itar carrega a


noção de ação frequentativa, repetitiva.
Note como o significado é outro quando empregamos o verbo saltar: o
tico‑tico saltita (anda aos pulinhos); a onça salta (ou seja, num determinado
momento, ela pula)

Ele dedilhou maravilhosamente a canção na sua viola.

pretérito perfeito indicando ação acabada; o verbo dedilhar indica uma ação
reiterativa: o tamborilar com os dedos, o fazer mexer os dedos, o vibrar dos
dedos, etc.

• aspecto permansivo – manifesta uma ação já concluída


que, no entanto, perdura em seus efeitos: n Tocador de viola, tela de Armando de Basto.
Aprendi a lição.

pretérito perfeito indicando ação acabada, mas os efeitos são persistentes, duradouros (o verbo
aprender implica a aquisição de algum tipo de conhecimento e sua retenção, daí o caráter permansivo)

Observe sempre a carga significativa dos verbos, dos sufixos verbais, do tempo verbal, do tipo de locução
empregada e das combinações feitas dentro de um enunciado como um todo, para determinar o aspecto verbal.
Não limite sua percepção aos itens aqui apresentados.
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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

Voz
As vozes verbais indicam a relação entre o sujeito e a ação expressa
pelo verbo. Podem ocorrer três situações:
• a ação é praticada pelo sujeito: A mãe penteou o menino.
• a ação é sofrida pelo sujeito: O menino foi penteado pela mãe.
• o sujeito ao mesmo tempo pratica e sofre a ação: O menino penteou -se. Ulhôa Cintra/Arquivo da editora

No primeiro exemplo, o sujeito (mãe) pratica a ação; no segundo, o sujeito (menino) sofre a ação; no
terceiro, o sujeito (menino) pratica e ao mesmo tempo sofre a ação. Dessa forma, pode‑se falar em três
vozes verbais:
• voz ativa: o sujeito pratica a ação (daí falar‑se em sujeito agente):

A mãe penteou o menino.

• voz passiva: o sujeito sofre a ação (daí falar‑se em sujeito paciente):

O menino foi penteado pela mãe.

Essa estrutura, em que o verbo auxiliar ser mais o particípio do verbo exprimem o fato (nesse caso, pentear),
é chamada de voz passiva analítica.
Há outra possibilidade de expressar a voz passiva: uma estrutura em que um verbo transitivo na terceira
pessoa (singular ou plural, concordando com o sujeito) é empregado com o pronome apassivador se. É a chama‑
da voz passiva sintética:
Organiza ‑se a sociedade.
Vende ‑se computador.
Vendem ‑se computadores.

verbo na terceira pessoa pronome apassivador sujeito

• voz reflexiva: o sujeito pratica e ao mesmo tempo sofre a ação. Implicitamente aceita os reforços a mim
mesmo, a ti mesmo, a si mesmo, a vós mesmos, a nós mesmos, a si mesmos. A voz reflexiva apresenta a
seguinte estrutura: um verbo na voz ativa mais um pronome oblíquo exercendo a função de objeto:

O menino penteou ‑se. (a si mesmo)

sujeito verbo pronome oblíquo: objeto direto

imPoRTANTE!
• Alguns verbos reflexivos podem aparecer na voz passiva ou na voz
ativa. No entanto, há outros poucos que são exclusivamente reflexivos,
como suicidar-se.
• Uma variante da voz reflexiva é a recíproca: a ação é mútua, dois ou
mais sujeitos praticam e sofrem a ação. Aceita os reforços um ao outro,
mutuamente, reciprocamente.
João e Maria se amam. (um ao outro)
Os profissionais da área se respeitam. (um ao outro)

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o vERbo cAPÍTULo 5

OPS!
REFLEXIVO OU PRONOMINAL?
Observe o verbo em destaque neste trecho de notícia.
Consumidores se queixaram dos descontos
Muitos consumidores se queixaram dos descontos oferecidos em algumas ofertas durante a realização do Black Friday, uma ação
de vendas inspirada na Black Friday norte-americana, com promessas de preços reduzidos em até 85% em lojas virtuais e físicas.
n  Disponível em:<www.dcomercio.com.br/index.php/economia/sub-menu-economia/100593-procons-vao-checar-maquiagens-de-precos>.
Acesso em: 11 fev. 2013.

Os verbos pronominais são conjugados com pronomes átonos, como os reflexivos, porém nem todo verbo pronominal é reflexivo.
Comparem-se, por exemplo, o verbo suicidar-se e o verbo queixar-se, ambos essencialmente pronominais, isto é, a forma átona
é intrínseca ao verbo:
Eles se suicidaram.

verbo pronominal reflexivo ⇒ aceita o reforço “a si mesmos”


Eles se queixaram.

verbo pronominal ⇒ não aceita o reforço “a si mesmos”


Além dos verbos essencialmente pronominais, há outros que podem aparecer nas duas formas: simples e pronominal, com algum
tipo de mudança de sentido. Compare:
verbo pronominal reflexivo: aceita o reforço “a si mesmas”

Elas se penteiam.
verbo pronominal recíproco: aceita o reforço “uma à outra”

Elas penteiam suas filhas. verbo na forma simples (voz ativa)

Eles debatem sobre o assunto. verbo na forma simples (voz ativa)

verbo pronominal: “agitar‑se para poder fugir”


Eles se debateram até sair da confusão. (voz ativa; não aceita os reforços “a si mesmos”,
nem “um ao outro”)

Atividades
Texto para as questões 1 a 7.
O que é um lugar‑comum? Sendo a linguagem uma atividade tão pessoal, é possível construir
uma crônica apenas com provérbios ou fragmentos de frases feitas? Luis Fernando Verissimo nos
mostra como se faz.

gÊNERo TExTUAL
Provérbios
Provérbios são frases breves com recursos de memorização (como rimas ou semelhanças sonoras,
ritmo marcado, paralelismo sintático) que remontam aos tempos bíblicos. Pertencendo à cultura popular,
esses enunciados fixos estão em domínio público por transmissão oral de geração a geração. Expressam
uma realidade concreta para exemplificar, metaforicamente, ideias, conceitos, valores, regras morais, enfim,
conselhos a serem seguidos; por isso costumam figurar ao final de textos moralizadores ou em fábulas.
Criticados por oferecerem modelos de conduta considerados ultrapassados e filosofia conformista, são,
todavia, muito empregados ainda, em manifestações orais ou escritas, sempre em proveito de quem conse‑
gue escolher aquele mais adequado a uma situação específica de comunicação.

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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

Ulhôa Cintra/Arquivo da editora


Lugar­‑comum
Cada macaco está no seu galho e todos, todos olham o
próprio rabo e deixam o rabo do vizinho. A chuva chove no
molhado, o sol brilha para todos... Chuva e sol? Casamento de
espanhol! Passam índios – ou serão hindus? – em fila indiana.
Vacas vão para o brejo. Caçadores num mato sem cachorro
caçam com gatos, e todos os gatos são pardos no escuro. Rios
correm para o mar. Paus nascem tortos, e assim permanecem.
Semeadores de vento colhem tempestades enquanto, ao fundo,
um grupo separa o joio do trigo e outro faz das tripas coração e
um terceiro constrói castelos no ar e... Súbito, tudo para no
lugar‑comum. Os índios, as vacas, os caçadores, até os rios. A
paisagem fica estática, as frases ficam suspensas. Só os mercadores fingem que não ouvem o silêncio
ameaçador, mas em seguida também param, e esperam. Algo vai acontecer. Algo – ou alguém – vai
chegar. E então ele aparece. É Gerúndio! O imperativo Gerúndio. Ele caminha pelo lugar‑comum, as
mãos entrelaçadas atrás como um inspetor. Examina as frases paradas e chuta alguns verbos como
se fossem pneus. Depois, dá a ordem:
– Circulando!
E vê tudo recomeçando à sua volta. Cada macaco sentado no seu galho e olhando o próprio rabo
em vez do rabo do vizinho. A chuva chovendo, o sol brilhando, a fila indiana passando, as vacas indo
para o brejo, os caçadores caçando com gatos, os rios correndo para o mar... O mundo sendo ordeiro e
previsível, como tem que ser.
n VERISSIMO, Luis Fernando. In: O Estado de S. Paulo. Disponível em: <http://acervo.estadao.com.br/
pagina/#!/20010812-39380-nac-137-cd2-d2-not>. Acesso em: 10 fev. 2013.

1. Qual é o efeito obtido pelo autor com seu texto? Com que intenção ele o construiu assim?
2. Releia o primeiro parágrafo do texto e responda:
a) Qual é o tempo verbal predominante?
b) Que aspecto verbal predomina nos provérbios?
c) Comente o emprego desse tempo verbal levando em conta o que ele indica e que efeito produz.
d) Que formas verbais quebram a noção de tempo predominante no parágrafo?
3. Releia o seguinte trecho e classifique os verbos, segundo o que indicam.
“Caçadores num mato sem cachorro caçam com gatos, e todos os gatos são pardos no escuro. Rios cor-
rem para o mar. Paus nascem tortos, e assim permanecem.”
4. Compare os enunciados e comente as diferenças entre eles, considerando a voz verbal e as alterações de sentido.
a) Macacos me mordam.
b) O macaco se mordia raivosamente.
c) Os macacos se morderam.
d) O macaco era mordido por todos.
e) Ele mordia‑se de inveja.
5. Releia o último parágrafo do texto e responda:
a) Qual é a forma verbal predominante?
b) O que indicam o particípio sentado e a locução verbal tem que ser?
6. Relacione a aparição do personagem “Gerúndio”, com a sua adjetivação (“imperativo”), ao título (“Lugar‑
‑comum”) e à última frase do texto (“O mundo sendo ordeiro e previsível, como tem que ser”).
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o vERbo cAPÍTULo 5

7. Conjugue os verbos indicados entre parênteses adequadamente, de acordo com o contexto.


a) Na época, todos nós (sofrer) com aquela situação que, infelizmente, ainda (estar) bem longe de (termi‑
nar).
b) Caso eles (chegar) antes da hora, (providenciar) acomodações em nossa casa.
c) Quando tu (voltar) da viagem, (lembrar)‑te de (dedicar) um pouco mais de tempo à família.
d) Se a ética (prevalecer) nas relações profissionais, nós (evitar) muito desgaste inútil.
e) Quando a ética (prevalecer) nas relações profissionais, nós (evitar) muito desgaste inútil.
f) Já estão (comentar) que, para eles (ganhar) a partida amanhã, ainda (precisar) treinar muito.

VERBOS AUXILIARES
/////////////////////////////////////////////////////////////

Como você já deve ter percebido, a forma verbal pode apresentar, além de um verbo principal, um verbo
auxiliar. É o que ocorre na voz passiva analítica e nos tempos compostos. Em português, quatro verbos, entre
outros, são constantemente empregados como auxiliares: ser, estar, ter e haver.
Nas orações em que os verbos auxiliares aparecem, os verbos principais são expressos em uma das formas
nominais (particípio, gerúndio, infinitivo impessoal), que constituem, por assim dizer, formas congeladas, não
passíveis de flexão de tempo e pessoa. Salvo as formas verbais na voz passiva analítica, apenas os verbos auxi‑
liares são conjugados:

tenho
tens
tem amado
temos
tendes
têm Ulhôa Cintra/Arquivo da editora

OPS!
TEMPO COMPOSTO OU LOCUÇÃO VERBAL?

Tempos compostos:
são as formas compostas do verbo, formadas por um verbo auxiliar (haver ou ter) e um verbo principal na forma nominal. Duas
características fundamentais:
• o verbo principal aparece somente na forma nominal de particípio;
• o verbo auxiliar e o principal aparecem unidos diretamente, isto é, sem preposições ou conjunções.
Pretérito perfeito composto do indicativo tenho / hei cantado, vendido, partido
Pretérito mais-que-perfeito do indicativo tinha / havia cantado, vendido, partido
Futuro do presente terei / haverei cantado, vendido, partido
Futuro do pretérito teria / haveria cantado, vendido, partido
Pretérito perfeito composto do subjuntivo tenha / haja cantado, vendido, partido
Pretérito mais-que-perfeito do subjuntivo tivesse / houvesse cantado, vendido, partido
Futuro do subjuntivo tiver / houver cantado, vendido, partido
Infinitivo pretérito impessoal ter / haver cantado, vendido, partido
Infinitivo pretérito pessoal ter / haver cantado, vendido, partido
Gerúndio pretérito tendo / havendo cantado, vendido, partido

Locuções verbais:
são conjuntos formados por um verbo auxiliar (ser, estar, haver, ter, andar, deixar, poder, ir, começar, acabar, querer,
dever, etc.) seguido de uma forma nominal.
Duas características fundamentais:
• o verbo principal pode aparecer nas três formas nominais: particípio, infinitivo ou gerúndio;

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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

• o verbo auxiliar e o principal podem aparecer unidos diretamente ou indiretamente, isto é, por meio de preposição ou conjunção.
Eu tenho de estudar.
Locução verbal formada por um verbo auxiliar (tenho) e um
verbo principal no infinitivo, unidos indiretamente pela preposição de.

A menina estava cantando.


Locução verbal formada por um verbo auxiliar (estava) e um
verbo principal no gerúndio, unidos diretamente.

O evento tinha sido idealizado por mim.


Locução verbal formada por um verbo auxiliar (ser, no tempo composto tinha sido)
e um verbo principal no particípio, unidos diretamente.

Em alguns casos, as locuções podem ter uma forma verbal equivalente:


Eu vou viajar amanhã. Eu viajarei amanhã. Deixaram passar meu erro. Toleraram meu erro.

Gerundismo, usos e abusos

Laerte/Acervo do cartunista
n LAERTE. Piratas do Tietê. Extraído de: <www1.folha.uol.com.br/fsp/quadrin/f32911200303.htm>. Acesso em: 13 fev. 2013.

Na tira acima, brinca‑se com o emprego de locuções como: vai estar traduzindo..., vou estar retornan-
do..., posso estar indo….
Essas locuções com gerúndio ganharam notoriedade no telemarketing, em que atendentes pelo
telefone se comunicam com clientes para oferecer produtos, dar atenção pós‑venda, etc. Por ter se trans‑
formado em modismo, locuções desse tipo são questionadas por alguns gramáticos.
No entanto, antes de condená‑las, como bem assinala o professor Sírio Possenti, há três pontos que
devem ser observados:
1. são gramaticalmente corretas: suas estruturas estão de acordo com a sintaxe do português (dois
verbos auxiliares e um principal):
ir (conjugado) + estar (infinitivo) + verbo principal no gerúndio
poder (conjugado) + estar (infinitivo) + verbo principal no gerúndio.
2. têm sentido próprio: indicam um futuro não imediato e menos compromissado, diferente das outras
formas para expressar o futuro. Compare‑as:
vou estar retornando
vou retornar
retornarei
3. funcionam como formas “polidas”: são formas indiretas e supostamente mais “delicadas”, que podem
substituir um não incisivo ou deixar uma questão em aberto, ou seja, não indicam nem que alguma
providência será tomada nem que não será; nem que o problema será resolvido, nem que não será.
Vou tentar estar resolvendo o problema.

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O que deve ser condenado é o uso indiscri‑
minado e abusivo dessas locuções (o chamado
“gerundismo”). É importante notar, no entan‑
to, que essas estruturas fazem parte de textos
bem elaborados, como no exemplo a seguir:
Ao enviar uma mensagem de correio
eletrônico para a UFJF, o usuário pode estar
enviando informações pessoais, como, por
exemplo, nome, endereço postal, endereço
de e-mail, telefone, dentre outros. A UFJF
pode armazenar as informações do reme‑
tente, de forma a responder ao pedido, ou
solucionar o assunto em questão.
n Disponível em: <www.ufjf.edu.br/enviapagina.php?envia_pag=59>.
Acesso em: 10 ago. 2006.

Atividades
Texto para as questões 1 a 9.

OVNI
Album/Oronoz/Latinstock/Museu de Arte Moderna de Nova York, EUA.

Sou uma coisa entre coisas


O espelho me reflete
Eu (meus
olhos)
reflito o espelho
Se me afasto um passo
o espelho me esquece:
– reflete a parede
a janela aberta
Eu guardo o espelho
o espelho não me guarda
(eu guardo o espelho
a janela a parede
rosa
eu guardo a mim mesmo
refletido nele):
sou possivelmente
uma coisa onde o tempo
deu defeito n Moça diante do espelho (1932), de Pablo Picasso.
n GULLAR, Ferreira. Toda poesia. 9. ed. Rio de Janeiro:
José Olympio, 2000. p. 328.

1. Relacione o título com o conteúdo do poema.


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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

2. Apesar de o poema enfatizar a “coisificação”, aponte diferenças entre o “eu” e o espelho.


3. Existe um “jogo de imagens” no texto, propiciado pelo emprego de determinados verbos. É possível passar
a oração “O espelho me reflete” para a voz passiva? Em caso afirmativo, faça‑o e explique o processo. Em
caso negativo, justifique.

4. Faça o mesmo com o verso “Sou uma coisa entre coisas”.


5. Em “O espelho me esquece” o verbo é reflexivo ou apenas pronominal? Explique.
6. Explique o que um verbo reflexivo exprime. Justifique com um exemplo tirado do texto.
7. Em determinada passagem do poema, manifesta‑se um jogo de singular/plural, parte/todo. Aponte essa
passagem. Que função sintática exerce o termo em que se dá esse jogo?

8. No título do poema está subentendida uma forma nominal. Qual é ela?


9. E no corpo do poema, quais formas nominais aparecem? Explique por que são nominais.

CLASSIFICAÇÃO – EM FOCO: A REGULARIDADE


Ç
////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Conjugam‑se segundo o paradigma do verbo:


• amar, para a primeira conjugação;
regulares • beber, para a segunda;
• partir, para a terceira.

Não seguem os paradigmas, pois apresentam irregularidades:


• na desinência: primeira pessoa do presente do verbo dar: dou; compare com o
regular amar: amo;
irregulares • no radical: o verbo subir em formas como sobes, sobe, sobem apresenta altera‑
ção no seu radical (sub‑);
• na desinência e no radical: o verbo ser é irregular na desinência: sou (paradigma:
bebo), e também no radical: fui.

verbos Não apresentam todas as flexões, isto é, são verbos cuja conjugação não é comple‑
ta, por exemplo:
defectivos • verbos como abolir, banir, emergir, ungir não apresentam a primeira pessoa do
presente do indicativo e suas formas derivadas;
• verbos como falir, delinquir, empedernir só têm conjugadas as formas arrizotônicas.

Apresentam mais de uma forma para uma mesma flexão. Por exemplo: o verbo
haver apresenta duas formas para a primeira pessoa do plural do presente do
indicativo: havemos e hemos.
abundantes Entretanto, a abundância ocorre com frequência no particípio, pois, como já vimos,
vários verbos apresentam duplo particípio (uma forma regular, outra irregular),
como o verbo omitir, que apresenta os particípios omitido e omisso.

imPoRTANTE!
Os verbos que indicam fenômenos da natureza são defectivos quando empregados no sentido
denotativo, sendo conjugados apenas na 3ª pessoa do singular:
Choveu durante todo o final de semana!
Quando empregados em sentido conotativo, não são apontados como defectivos, podendo aparecer
conjugados em todas as pessoas:
Depois de formada, choveram‑lhe propostas de trabalho.

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OPS!
DEFECTIVOS?

O verbo computar, de largo uso em nosso cotidiano, ainda é considerado defectivo por muitos dicionários e gramáticas (não seria
conjugado nas três pessoas do singular do presente do indicativo por causa da cacofonia, ou seja, dos sons desagradáveis que essas três
pessoas do verbo teriam!). No entanto, o uso tem consagrado o verbo como regular, conjugado em todas as pessoas, tempos e modos.
Aqui/Agora
Eu me codifico e me computo.
Descubra-me e me interprete:
comunicação informação ruído...
Eu tenho uma loucura nos meus olhos que
às vezes querem ver mais do que podem.
Ilustrações: Ulhôa Cintra/Arquivo da editora

KURI. O negócio da pia. Rio de Janeiro: Cátedra, 1972. Disponível em:


n
<www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/jd0710200391.htm>. Acesso em: 19 mar. 2010.

O mesmo acontece com os verbos explodir e adequar.

imPoRTANTE!
Os verbos muito irregulares, que apresentam profundas altera‑
ções nos radicais, também são chamados de anômalos (anomalia =
anormalidade, irregularidade).

Atividades
Para as atividades 1 a 6, apresentamos uma coletânea de textos pertencentes a gêneros diversos
que estabelecem algumas relações entre si.

Texto­1
No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus. Ele estava no prin‑
cípio junto de Deus.
Tudo foi feito por ele, e sem ele nada foi feito. Nele havia vida e a vida era a luz dos homens. A luz
resplandece nas trevas e as trevas não a compreenderam.
E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos sua glória, a glória que um Filho único recebe
do seu Pai, cheio de graça e de verdade.
n João 1,1-5; 1,14.

Texto­2
No princípio era o verbo. Depois, veio
o sujeito e os outros predicados: os obje‑
tos, os adjuntos, os complementos, os
agentes, essas coisas. E Deus ficou
contente. Era a primeira oração.
n WANKE, Eno Teodoro. In: RÓNAI, Paulo. Dicionário universal Nova
Fronteira de citações. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. p. 973.

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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

Texto­3
No princípio era o Verbo. O verbo ser. Conjugava‑se apenas no infinito. Ser, e nada mais.
Intransitivo absoluto.
Isto foi no princípio. Depois, transigiu, e muito. Em vários modos, tempos e pessoas. Ah, nem
queiras saber o que são as pessoas: eu, tu, ele, nós, vós, eles...
Principalmente eles!
E, ante essa dispersão lamentável, essa verdadeira explosão do SER em seres, até hoje os anjos
ingenuamente se interrogam por que motivo as referidas pessoas chamam a isso de CRIAÇÃO...
n QUINTANA, Mário. Caderno H. 4. ed. Porto Alegre: Globo, 1983. p. 5.

Texto­4
A­criação­do­mundo
(Revista e diminuída)
e no princípio era o verbo
depois o advérbio e o composto
veio então a raiz quadrada
povoar de teoremas as águas do cérebro
com toda ciência — e muita, mas
muita paciência — criou
toda matéria que há
separando a geografia o mar da terra
lá pela hora do recreio
veio a arte e a história
dar seus palpites
e foi depois da sétima aula
que o Professor descansou
não sem antes passar dois
mil anos de lição de casa
para que todos aprendessem
um pouco de tudo que há no mundo
e não levassem bomba no fim do ano.
n TAVARES, Ulisses. Viva a poesia viva. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 48.

1. No texto 1, explique a passagem “... o Verbo se fez carne...”.


2. No texto 2, explique a ambiguidade da palavra oração.
3. Como Mário Quintana explora as palavras ser/seres? Qual é a relação com a criação?
4. No texto 4, a partir de que momento abre‑se uma segunda possibilidade de leitura do poema?
5. Comente a informação que está entre parênteses no texto 4.
6. A intertextualidade está presente nos quatro textos. O que os aproxima e o que os diferencia?
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A gRAmáTicA
DA FRAsE
O VERBO, O CENTRO DA ORAÇÃO
Ç
////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Na língua portuguesa, a oração se organiza em torno do verbo (existe oração sem sujeito, mas não existe
oração sem verbo). No livro Morfossintaxe, Flávia de Barros Carone assim reproduz a posição de alguns linguis‑
tas sobre o verbo:
A palavra que “amarra” outra(s) a si, como subordinada(s), forma, com ela(s), um “nó”; e o verbo, ao qual
todas se prendem, imediata ou mediatamente, constitui o “nó dos nós”. É o centro da oração, como o Sol é o
centro do Sistema Solar...
n CARONE, Flávia de Barros. Morfossintaxe. São Paulo: Ática, 1986. p. 61.

Como a oração se constitui a partir do verbo, a regra prática, para identificar o número de orações em um
período composto, nos ensina a contar os verbos ou locuções verbais; a cada verbo ou locução corresponderá
uma oração.
O professor Mattoso Câmara Jr. afirma:
A análise de uma oração põe em evidência o verbo. É ele a rigor o núcleo dessa pequena unidade lin‑
guística. Em volta dele, temos em regra geral um sujeito com que ele concorda em pessoa e número, e certos
complementos com ideias elementares, que se combinam à do verbo para formar outra mais complexa.
A boa formulação da oração depende da eficiência com que sentimos quase instintivamente estes seus
três elementos verbais. É uma capacidade que se torna particularmente importante numa língua como a
portuguesa, em que não há para eles uma ordem preestabelecida e fixa.
n CÂMARA JR., J. Mattoso. Manual de expressão oral & escrita. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 1983.

Esquematicamente, teríamos:

CONCORDÂNCIA
número (singular/plural)
sujeito pessoa (1ª, 2ª, 3ª) verbo

A lua nasceu.
Ela nasceu.
As meninas nasceram.
Nós nascemos.
Eu nasci.

Ao verbo podem‑se acrescentar circunstâncias que o modifiquem ou o intensifiquem: os adjuntos adverbiais.

não ainda

adjunto adverbial de negação comer adjunto adverbial de tempo

muito bem
verbo

adjunto adverbial de intensidade adjunto adverbial de modo


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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

Os objetos (direto e indireto), na voz ativa, e o agente da passiva, na voz passiva, complementam o sentido
do verbo:

Dei o recibo objeto direto

verbo transitivo
ao cliente objeto indireto

A conta foi paga pelo cliente agente da passiva

verbo auxiliar + particípio (voz passiva)

Ç
CLASSIFICAÇÃO – EM FOCO: A TRANSITIVIDADE

verbos

transitivos intransitivos

A significação do verbo não está integralmente contida nele, isto é, o verbo necessita de A significação do verbo está
outros elementos que completem seu sentido. Segundo o tipo de complemento que exige, o integralmente contida nele,
verbo pode ser: isto é, o verbo não necessita
de outros elementos para
• Transitivo direto: exige complemento que se liga a ele, geralmente, sem preposição. completar seu sentido:
Pagaram a conta.
Os preços subiram.
• Transitivo indireto: exige complemento que se liga a ele, geralmente, com preposição. A demanda caiu.
Precisamos do recibo.

• Transitivo direto e indireto: exige complementos que se ligam a ele, geralmente, sem
preposição (OD) e com preposição (OI).
Dei o recibo ao cliente.

OS VERBOS E OS TIPOS DE PREDICADO


////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Os verbos que indicam o estado do sujeito da oração são chamados verbos de ligação e vêm sempre acom‑
panhados de um predicativo. Essa estrutura caracteriza o predicado nominal. Nesses casos, o nome (predicativo)
é o núcleo do predicado.
Os verbos que não são de ligação formam o núcleo do predicado verbal ou um dos núcleos do predicado
verbo-nominal. Nesse último caso, além do verbo aparece também um predicativo como núcleo.
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Atividades
O texto a seguir vem marcado pelo ritmo da Timbalada. Observe qual classe de palavra
aparece nele reiteradamente para reforçar esse ritmo.

Beija­‑flor

Ulhôa Cintra/Arquivo da editora


Eu fui embora, meu amor chorou
Eu fui embora, meu amor chorou
Eu fui embora, meu amor chorou
Eu fui embora, meu amor chorou
Vou voltar
Eu vou nas asas de um passarinho
Eu vou nos beijos de um beija‑flor
Eu vou nas asas de um passarinho
Eu vou nos beijos de um beija‑flor
No tic tic tac do meu coração, renascerá
No tic tic tac do meu coração, renascerá
Timbalada é semente de um novo dia
Amor, é só me chamar que eu vou
Nordeste sofrimento povo lutador
Só me chamar,
Entre mares e montanhas com você eu vou
Me chama que eu vou
Yo quiero te namorar, amor Só me chamar que eu vou
Te namorar, amor Só me chamar
Te namorar, amor Me chama que eu vou
Te namorar, amor Estou sentindo a falta de você
Teu lábio é tão doce, doce feito mel Sonhando com seus beijos espero amanhecer
Toda azul sua beleza feita cor do céu Tu levas as palavras soltas pelo ar
Quero me aquecer sentir o seu calor Yo quiero te namorar, amor
Rolar pra lá na cama, te chamar de amor Te namorar, amor
Fazer mil poesias pra te conquistar Te namorar, amor
Deixá‑la simplesmente coberta de flor Te namorar, amor
Quero me aquecer sentir o seu sabor n Xexéu & Zé Raimundo. In: Marina Lima – Abrigo (CD). EMI/Odeon, 1995.

1. Na passagem da primeira para a segunda estrofe ocorre uma mudança no texto. Explique‑a, tendo em
vista o interlocutor do eu poético.

2. Você deve ter percebido a forte presença de verbos na letra da canção, principalmente a forma infinitiva. O
que teria motivado a opção por essa forma?

3. Em “Deixá‑la simplesmente coberta de flor”, a palavra destacada é, originariamente, uma forma verbal
nominal. Que forma nominal é? Ela desempenha a função típica de que classe de palavra?

4. Aponte dois gerúndios presentes no texto. Que tipo de ação exprime o gerúndio com relação ao tempo?
5. Observe:
“Eu fui embora” – fui: primeira pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo.
“Eu vou nas asas de um passarinho” – vou: primeira pessoa do singular do presente do indicativo.

Com base nas formas verbais acima, como você classifica o verbo ir?
111

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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

6. No texto, há um verbo tipicamente impessoal (embora possa ser empregado como pessoal em linguagem
figurada). Aponte‑o.

7. Explique o emprego da segunda e da terceira pessoas na interlocução com a mulher amada.


8. Transcreva um verso em que há emprego de uma onomatopeia.
9. A canção é marcadamente lírico‑amorosa. No entanto, há uma passagem que resvala no social. Transcreva‑a.

A gRAmáTicA
DO TExTo
O EMPREGO EXPRESSIVO DE TEMPOS E MODOS
///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Os tempos e modos verbais indicam acontecimentos específicos de acordo com suas características, mas
só fecham seu significado num determinado contexto. Dessa maneira, o presente pode indicar passado; o futu‑
ro, imperativo; o presente, futuro... Esses empregos provocam matizes de significado, tornando os enunciados
mais ricos e expressivos. Vamos ver alguns deles.

As formas alternativas para expressar o futuro


Leia um trecho da matéria da revista IstoÉ sobre a perda de intimidade entre casais.

Tão­perto,­tão­longe
Ulhôa Cintra/Arquivo da editora

[...]
Entre uma garfada e outra, Jay lê o jornal.
Susan, que sempre detestou vê‑lo distraído duran‑
te as refeições, nem nota a provocação. Liga a tevê
e põe os óculos para assistir à novela. Jay se sur‑
preende com a mulher tão impassível. Justamente
hoje, quando ele se preparava para iniciar uma
briga e anunciar que está indo embora de casa!
“Talvez seja melhor eu deixar um bilhete infor‑
mando: ‘Cara Susan, não vou voltar. Quem sabe
telefono amanhã à tarde. Ou faço uma visita num
fim de semana’”, elocubra.
n Disponível em: <www.terra.com.br/istoe/1618/comportamento/1618tao_perto.htm>. Acesso em: 13 fev. 2013.

No texto, observam‑se diferentes formas que indicam noções equivalentes ao futuro do presente:
• a locução ir no presente do indicativo + infinitivo:
“Cara Susan, não vou voltar.”

voltarei

• o presente do indicativo (geralmente acompanhado de um advérbio de tempo que indique futuro imediato):
“Quem sabe telefono amanhã à tarde. Ou faço uma visita num fim de semana.”

telefonarei farei

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o vERbo cAPÍTULo 5

As formas alternativas para expressar o imperativo


o da editora
ui v
rq
A
Repr dução/

Siga em frente ou à direita


o

Assinala ao condutor que os sentidos de circulação permitidos são à direita ou em frente.

do fotógrafo
vo
er
c
/A

Vire à esquerda
s Chaves

Assinala ao condutor a obrigatoriedade de virar à esquerda.


ben
Ru

n Disponível em: <www.detran.pe.gov.br/placas_regulamentacao.shtml>. Acesso em: 21 mar. 2010.

Além do imperativo afirmativo e negativo, a língua nos proporciona outras formas para expressar uma
noção injuntiva, de obrigatoriedade:
• o infinitivo (geralmente expressando • o gerúndio: • o presente do indicativo:
uma ordem não personalizada, isto é, Estacionando no local certo! Senta aqui.
direcionada a um interlocutor qualquer):
estacione/estacionem sente
Virar à esquerda

vire/virem

O emprego do presente do indicativo no lugar do imperativo, geralmente na terceira pessoa do singular,


suaviza o tom de ordem, dando lugar a um tom de pedido.
• o futuro do presente do indicativo, suavizando ou reforçando o caráter imperativo, segundo o contexto:
Você voltará imediatamente.

volte

• a locução querer no presente do indicativo + infinitivo:


Quer sair da sala?

saia

Essa locução pode também aparecer com a forma de cortesia “por favor”:
Quer fazer o favor de sair da sala?

• a locução ter no presente do indicativo + que + infinitivo, indicando obrigação:


Tem que sair imediatamente.

saia

• o futuro do pretérito em locuções, indicando uma cortesia irônica:


Daria para fazer silêncio?!

faça/façam
Ilustrações: Ulhôa Cintra/Arquivo da editora

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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

A expressão da incerteza com os futuros

Tao Debin/Xinhua/Agência France-Presse


As combinações do futuro
Por que os pneus são sempre pretos? Será que não seria pos‑
sível ter uns pneus coloridos, combinando com a cor da lataria?
n Disponível em: <www.flagpetroleo.com.br/mostra_noticias.php?codnoticias=135>.
Acesso em: 21 mar. 2010.

O futuro do presente indica um fato certo ou, pelo menos, provável num momento posterior ao da fala; no
entanto, quando a sua referência é o presente, expressa incerteza, suposição, dúvida:
Será possível ter uns pneus coloridos, combinando com a cor da lataria?

expressa uma dúvida, fazendo referência ao tempo presente

O futuro do pretérito, que indica um fato futuro em relação a outro fato passado, quando sua referência é
o passado, pode indicar algo duvidoso, incerto:
Anos atrás seria possível ter pneus coloridos, combinando com a cor da lataria?

expressa uma dúvida, fazendo referência ao tempo passado

Quando sua referência é o presente, pode expressar um fato futuro duvidoso, incerto:
Seria possível ter uns pneus coloridos, combinando com a cor da lataria?

expressa uma dúvida, fazendo referência ao tempo futuro

Já a combinação deles, muito comum no dia a dia, é a incerteza enfatizada sobre um fato presente ou que
está por vir, geralmente acompanhada do advérbio de negação não:
Será que não seria possível ter uns pneus coloridos, combinando com a cor da lataria?

A vivacidade do presente narrativo


Ao ler esta matéria, você se sente em 1922? Arquivo do jornal O Estado de S. Paulo/Agência Estado

Tomando 1922 como um marco, enquanto em São Paulo o modernista


dá seus gritos e Pixinguinha traz o choro de volta ao berço brasileiro,
Gilberto Freyre recebe o título de mestre e vai para a Europa. Visita França,
Bélgica, Inglaterra, Alemanha, Espanha e Portugal e conhece muita gente
de futuro, como os pintores Vicente do Rego Monteiro e Tarsila do Amaral.
n Disponível em: <http://historianovest.blogspot.com.br/2009/11/o-pensador-do-brasil.html>. Acesso em: 13 fev. 2013.

n  O escritor
Gilberto Freyre.

Ao narrar fatos já passados, emprega‑se o presente em lugar do pretérito para dar maior realce à
narrativa, trazendo mais vida aos acontecimentos de outrora. Observe que, no enunciado acima, os acon‑
tecimentos situam‑se no passado (1922), porém tudo está contado no presente: dá, traz, recebe, vai, visita
e conhece.
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o vERbo cAPÍTULo 5

Cabe destacar que é necessário manter a correlação temporal; assim, ao relatar um fato futuro em relação
aos fatos relatados no presente, deve‑se empregar o futuro do presente:
É na Universidade Baylor, Texas, que vai se graduar em Letras e Ciências Humanas, em 1920. Segue para
Nova Iorque onde, em 1922, obterá o título de mestre em ciências políticas, jurídicas e sociais, com tese inti‑
tulada Vida Social no Brasil de Meados de Século 19.
n Disponível em: <http://historianovest.blogspot.com.br/2009/11/o-pensador-do-brasil.html>. Acesso em: 13 fev. 2013.

As formas verbais da cortesia


Compare os seguintes enunciados:
a) Você poderia fechar a porta?
b) Você pode fechar a porta.
c) Feche a porta.
Essencialmente pede‑se a mesma coisa nas três opções, porém de maneiras distintas.
Um pedido, uma ordem, ou mesmo um fato podem ser suavizados em favor da polidez e da delicadeza com
o emprego de alguns tempos verbais:
• imperfeito do indicativo, geralmente em afirmações ou pedidos:
Eu queria um copo de água, por favor.

• futuro do presente, geralmente indicando o presente com verbos de elocução:


À sua pergunta eu responderei um não.

• futuro do pretérito, geralmente para expressar desejo ou interrogações:


Nós gostaríamos de saber o horário de funcionamento.

Verbo suporte
Pelas diferentes combinações possíveis na nossa língua, alguns verbos podem ser empregados como
suporte sem conteúdo semântico, transferindo toda carga significativa ao seu complemento:
Dei uma olhada nas vitrines da galeria comercial.

olhei (as vitrines da galeria comercial)

Nós não temos conhecimento do assunto.

conhecemos (o assunto)

Eles fizeram uma distinção entre titulados e não titulados.

distinguiram (titulados e não titulados)

Tal emprego permite criar novos efeitos por meio da modificação nominal e do emprego de afixos. Veja o
seguinte enunciado:
É verdade: a atriz disse que gostava do filme, mas deu uma risadinha depois de pronunciar o título.

• o emprego do verbo suporte dar seguido de complemento sugere um tom informal (pois está se fazendo um comentário
à maneira de fofoca)
• o substantivo risada vem acrescido do sufixo diminutivo ‑inha, que, entre outras coisas, pode revelar acanhamento,
ironia, menosprezo
• se, em vez de “deu uma risadinha”, se usasse a forma verbal riu, mesmo com advérbios que a modificassem e
intensificassem (riu ironicamente, riu de modo acanhado, etc.), não seriam possíveis as entrelinhas sutis de significação:
Aqui ela não riu. (indica que não efetuou a ação de rir)

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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

Verbos modais
Observe as formas verbais destacadas e os valores que adquirem:

O concurso para escolha do logotipo do PPG‑Agroecologia será regido pelo seguinte regulamento:
1. Poderão participar do concurso alunos, professores e pesquisadores do PPG‑Agroecologia/UEMA
e da comunidade acadêmica da UEMA e de outras IES do Estado do Maranhão.
2. O logotipo deverá representar a ideia e a natureza da agroecologia, atendendo às seguintes
características:
a) ser simples no seu design (layout);
b) ser claro na ideia que pretende reproduzir.
3. Em local apropriado dentro do logotipo ou no seu entorno, deverá constar a inscrição “agroecologia”.
n Disponível em: <www.uema.br/eventos/evento.php?id=80>. Acesso em: 14 fev. 2013.

Os verbos modais funcionam sintaticamente como verbos auxiliares, isto é, formam locuções unindo‑se a
verbos principais. Mas sua característica principal é o conteúdo valorativo que modifica o processo verbal:
Poderão participar do concurso alunos do PPG‑Agroecologia/UEMA.

verbo modal verbo principal

• o verbo poder acrescenta um valor de possibilidade ao processo verbal indicado pelo verbo participar; existe
a possibilidade de participação dos alunos do PPG‑Agrotecnologia/UEMA:
“O logotipo deverá representar a ideia e a natureza da agroecologia...”

verbo modal verbo principal

• o verbo dever acrescenta um valor de obrigatoriedade ao processo verbal indicado pelo verbo representar: é
obrigatório que o logotipo represente a ideia e a natureza da agroecologia.
Veja alguns verbos auxiliares e os valores modais que exprimem:

valor modal verbos exemplos


necessidade ter (de ou que); dever Tenho que ir ao banco hoje.
capacidade ou possibilidade poder; dever Ela não pôde estar na reunião.
probabilidade poder O evento pode ser em maio.
obrigatoriedade ter (de ou que); dever Os candidatos têm que apresentar currículo.
permissão poder Os convidados podem entrar.
desejo querer Eles querem ir amanhã.

Atividades
1. Justifique o emprego do tempo verbal que aparece nestas manchetes do dia 25 de junho de 2009.
a) Gripe suína fecha 1ª escola do Rio
  n O Globo (Rio de Janeiro)

b) Hospitais descumprem orientação sobre gripe


  n  Folha de S.Paulo (São Paulo)

c) Chile critica, mas Argentina aprova ação do Brasil na gripe


  n  O Estado de S. Paulo (São Paulo)

d) Estado tem primeiro caso da nova gripe


  n  Jornal do Commercio (Recife)

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o vERbo cAPÍTULo 5

2. Os tempos verbais destacados estão empregados no lugar de outros. Indique que outros tempos estão
substituindo.
a) Eu, no seu lugar, não fazia isso.
b) Poderia me dar uma informação?
c) Foi por pouco! Se não me apresso, perco o voo.

O emprego do infinitivo
A seu ver, a excelência em gestão é um dos pilares da competitividade, pois “temos de ser muito bons
para sermos competitivos”.
n Disponível em: <www.anj.org.br/webc/webs/anj/jornal_anj/detalhes.cfm?id_web=53&id_noticia=286>. Acesso em: 19 mar. 2010.

Já sabemos que o infinitivo exprime a ação verbal propriamente dita, o processo verbal em si, com valor
semelhante ao do substantivo – daí ser uma forma nominal. Distancia‑se das formas verbais por não exprimir
nem o tempo nem o modo.
As formas nominais (além do infinitivo, o gerúndio e o particípio), via de regra, não fazem referência às pessoas
do discurso. Na língua portuguesa, o infinitivo, no entanto, apresenta uma particularidade: por clareza, elegância ou
ênfase permite atribuir o processo verbal às pessoas do discurso – ocorrendo, assim, o infinitivo pessoal.
O professor Rocha Lima comenta:
Na língua portuguesa, desde os mais antigos tempos, pode o infinitivo referir‑se a determinado sujeito, graças
às desinências de número e pessoa: amar eu, amares tu, amar ele, amarmos nós, amardes vós, amarem eles. É um
idiotismo nosso, de alto valor estilístico, e cuja sistematização tem dado margem às maiores controvérsias.
n ROCHA LIMA. Gramática normativa da língua portuguesa. 10. ed. Rio de Janeiro: Briguiet, 1964. p. 424.

“[...] de alto valor estilístico”, repetimos. Esse é o nó da questão. Ou não! Porque não há propriamente regras,
e sim “tendências que se observam no emprego de uma e de outra forma do infinitivo”, como afirma o professor
Celso Cunha, para logo concluir: “Trata‑se, pois, de emprego seletivo, mais do terreno da estilística do que, pro‑
priamente, da gramática”.
Todos falam de valor estilístico, de emprego seletivo. Na verdade, a principal distinção entre o emprego de
um e outro infinitivo está na valorização do sujeito ou da ação: o infinitivo impessoal realça, enfatiza a ação
verbal; o infinitivo pessoal realça, enfatiza, valoriza, explicita o sujeito da ação.
Vamos retomar uma passagem do texto que abre este item, com uma variação:
“[...] temos de ser muito bons para sermos competitivos.”

verbo no infinitivo flexionado

Temos de ser muito bons para ser competitivos.

verbo no infinitivo não flexionado

O falante poderia ter optado pelo infinitivo impessoal para valorizar a noção do verbo e seu papel de ligar
um atributo (competitivos) ao sujeito (nós); no entanto, ele optou pela forma flexionada para reforçar o sujeito
(já expresso na forma verbal anterior – temos). Poderíamos dizer que se trata de uma construção redundante,
mas, considerando que o texto é de uma entidade classista (ANJ, Associação Nacional de Jornais), é compreen‑
sível o realce dado ao sujeito (ser competitivo torna‑se uma obrigatoriedade para essas pessoas).
Observe, a seguir, alguns empregos consagrados do infinitivo.

Emprego do infinitivo não flexionado


• quando tem valor de substantivo:
“E no entanto é preciso cantar
Mais que nunca é preciso cantar
É preciso cantar e alegrar a cidade...”
n Vinícius de Morais

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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

• quando faz parte de uma locução verbal; nesse caso, o verbo auxiliar apresenta as flexões de pessoa, número,
tempo e modo:
“Eu me pus a sonhar o poema da hora.” “Havemos de amanhecer.”
n Vinícius de Morais n Carlos Drummond de Andrade

• quando o infinitivo tem valor de imperativo:


“ ‘Trabalhar!’ brada na sombra
A voz imensa – de Deus”
n Castro Alves

• quando o sujeito da oração subordinada é igual ao sujeito da oração principal:


Temos de ser muito bons para ser competitivos.
oração principal oração subordinada
sujeito = nós sujeito = nós

Emprego do infinitivo flexionado


• quando tem sujeito claramente expresso:
É fundamental vocês beberem do mel da poesia.
É fundamental tu beberes do mel da poesia.
Empresta teu caderno pra eu estudar?
• quando o sujeito da oração subordinada é diferente do sujeito da oração principal:
Acho mais seguro sairmos de manhã cedinho.
oração principal oração subordinada
sujeito = eu sujeito = nós
Ulhôa Cintra/Arquivo da editora

• quando se quer enfatizar, pela desinência verbal, o sujeito da oração subordinada, mesmo sendo igual ao
sujeito da oração principal:
“[...] temos de ser muito bons para sermos competitivos.”
oração principal oração subordinada
sujeito = nós sujeito = nós

• quando se quer indeterminar o sujeito; nesse caso, emprega‑se a terceira pessoa do plural:
Senti tocarem na minha carteira!
• como recurso estilístico:
“Existirmos − a que será que se destina?”
n Caetano Veloso

Observe como o emprego do infinitivo flexionado ampliou a força expressiva do verso de Caetano Veloso. Além
da beleza, do “estranhamento” provocado pelo infinitivo que abre o verso (é a letra de “Cajuína”), observe ainda que o
uso do infinitivo impessoal daria ao verso um sentido mais geral, indefinido: existir = a existência. O infinitivo pessoal,
flexionado na primeira pessoa do plural, implica um sentido mais pessoal, particular e solidário: a nossa existência.
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o vERbo cAPÍTULo 5

O emprego do particípio
OPS!
ELE FOI EXPULSADO OU ELE FOI EXPULSO?
André Chaco/Fotoarena/Folhapress

Para eliminar essa dúvida, lembre-se de uma regrinha: em geral, os particípios regulares são
empregados com os verbos auxiliares ter e haver. Os particípios irregulares são empregados com
os verbos auxiliares ser e estar.
Observe:
O juiz tinha expulsado o jogador. O juiz havia expulsado o jogador.
mas
O jogador foi expulso pelo juiz. Não adianta reclamar: o jogador está expulso!

Atividades
Texto para as questões 1 a 6.

Seduzir Amar:
É perder o tom
Cantar: Nas comas da ilusão
É mover o dom Revelar
Do fundo de uma paixão Todo sentido
Seduzir Vou andar, vou voar Ulhôa Cintra/Arquivo da editora

As pedras, catedrais, coração Pra ver o mundo


Nem que eu bebesse o mar
Encheria o que eu tenho de fundo
n DJAVAN. “Seduzir”. Disponível em: <www.mpbnet.com.br/musicos/djavan/letras/
seduzir.htm>. Acesso em: 14 fev. 2013.

1. Nesta letra de canção também é marcante o emprego do infinitivo. O que essa forma imprime ao texto?
2. “Cantar / É mover o dom / Do fundo de uma paixão”
a) Os infinitivos em destaque estão flexionados ou não? Justifique sua resposta.
b) Qual é a função sintática que esses infinitivos exercem? São funções típicas do verbo ou do substantivo?
3. Em “Vou andar, vou voar” os infinitivos são pessoais ou impessoais? Justifique sua resposta.
4. “Pra ver o mundo”
O infinitivo, nesse caso, está flexionado ou não? Justifique sua resposta.
5. A que classe gramatical pertence o título da canção?
6. E para você, o que é cantar? E amar? Escreva quatro versos para definir cada um dos infinitivos.
Texto para as questões 7 a 10.
©(2009) Dik Browne/King Features Syndicate/Ipress

n BROWNE, Dik. O melhor de Hagar, o horrível. v. 5. Porto Alegre: L&PM, 2007. p. 116.

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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

7. Reescreva a fala de Helga, eliminando as duas ocorrências do que. Faça um comentário sobre o tempo
verbal empregado na substituição.

8. Na primeira fala de Hagar, aparece um verbo modal. Cite‑o e explique que sentido ele dá à locução.
9. Identifique e classifique as formas nominais presentes na segunda fala de Hagar.
10. Suponha que Hagar fosse procurar várias pessoas para auxiliá‑lo. Como ficaria o período? Reescreva‑o.
Texto para as questões 11 a 13.

Reprodução/Museu Histórico Lauro


da Escóssia, Mossoró, RN.
O­Brasil­em­abril
30 de abril – Dia Nacional da Mulher
Entrou para a História porque era casada
Por Mariana Proença

Em 25 de outubro de 1927, o governador potiguar José


Augusto Bezerra de Medeiros sanciona lei: no território do Rio
Grande do Norte podem eleger e ser eleitos todos os cidadãos,
sem diferença de sexo, desde que reúnam todas as condições
n  A professora Celina Guimarães Viana, à
estabelecidas por Lei. Em 25 de novembro, a professora Celina esquerda, votando, em 1927.
Guimarães Viana, em Mossoró, preenche as exigências e tor‑
na‑se a primeira eleitora da América Latina.
Nascida em 15 de novembro de 1890, em Natal, estudou na Escola Normal, onde conheceu Elyseu
de Oliveira Viana, com quem casou em 1911. Transferida para Mossoró, leciona para crianças e jovens
e recebe reconhecimento no Livro de Honra da Instrução Pública, pelos bons serviços prestados.
Mas Celina não foi a primeira. Um dia antes, a professora Júlia Alves Barbosa tinha igualmente
pedido título de eleitora. Por ser solteira, demorou a ser atendida. Beatriz Leite Morais e Elisa da Rocha
Gurgel também receberam direito de votar. Os primeiros votos, na eleição de 5 de abril de 1928, esco‑
lheram o novo senador do Estado do Rio Grande do Norte.
A pioneira Celina Guimarães Viana morreu em Belo Horizonte, em 11 de julho de 1972. Sua faça‑
nha produziu movimento nacional que levou mulheres de diversas cidades do Rio Grande do Norte e
de outros nove Estados a fazer o mesmo.
n Disponível em: <www.almanaquebrasil.com.br/curiosidades-politica/6000-entrou-para-a-historia-porque-era-casada.html>. Acesso em: 10 fev. 2013.

11. O artigo acima é um texto em que predominam as sequências narrativas.


a) Justifique a afirmação.
b) Comente o efeito do emprego do pretérito perfeito e do presente, relacionando‑os com o tipo textual.

1 2. Aponte no texto duas formas nominais que não constituem locuções e justifique seu emprego em
cada caso.

13. Compare os períodos de cada item e comente suas sutis diferenças de significação, ênfase e aspecto.
a) I. “... no território do Rio Grande do Norte II. Tiraram uma foto histórica do momento da
podem eleger e ser eleitos todos os cida‑ votação de Celina Guimarães Viana.
dãos, sem diferença de sexo...” c) I. A professora solteira foi discriminada.
II. No território do Rio Grande do Norte que‑ II. Discriminaram a professora solteira.
rem eleger e ser eleitos todos os cidadãos, d) I. Por ser solteira, demorou a ser atendida.
sem diferença de sexo. II. Solteira, demorou a ser atendida.
b) I. Fotografaram o momento da votação de e) I. Sua façanha produziu movimento nacional.
Celina Guimarães Viana. II. Sua façanha produzia movimento nacional.
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o vERbo cAPÍTULo 5

NO
Questões de exames FAÇARNO!
CAD
E

1. (Enem) custa de. 4. Zombar de; troçar, chacotear. T. i. 5. Fruir


(3): Desfruta de bom conceito no meio científico.
A substituição do haver por ter em construções Precisar. V. t. d. 1. Indicar com exatidão; parti‑
existenciais, no português do Brasil, corresponde a cularizar, distinguir, especializar: Não sabe preci-
um dos processos mais característicos da história sar a época de sua viagem. 2. Ter precisão ou
da língua portuguesa, paralelo ao que já ocorrera necessidade de; necessitar: [...] precisa espairecer.
em relação à ampliação do domínio de ter na área 3. Citar ou mencionar especialmente: A testemu-
semântica de “ posse”, no final da fase arcaica. Mat‑ nha precisou o criminoso. T. i. 4. Ter necessidade;
tos e Silva (2001:136) analisa as vitórias de ter sobre carecer, necessitar: Precisa de dinheiro. Int. 5. Ser
haver e discute a emergência de ter existencial, pobre, necessitado. Trabalha porque precisa.
tomando por base a obra pedagógica de João de Proceder. V. t. i. 1. Ter origem; originar‑se, derivar
Barros. Em textos escritos nos anos quarenta e cin‑ (‑se): O amor não procede do hábito. [...] 2. Provir por
quenta do século XVI, encontram‑se evidências, geração; descender: Segundo o cristianismo, todos os
embora raras, tanto de ter “existencial”, não men‑ homens são irmãos porque procedem de Adão e Eva.
cionado pelos clássicos estudos de sintaxe histórica, 3. Instaurar processo: O governo procederá contra os
quanto de haver como verbo existencial com con‑ agiotas. 4. Levar a efeito; executar, realizar: As juntas
cordância, lembrado por Ivo Castro, e anotado como
apuradoras procederam à contagem dos votos. [...]
“novidade” no século XVIII por Said Ali.
Revidar. V. t. d. 1. Responder ou compensar
Como se vê , nada é categórico e um purismo
(uma ofensa física ou moral) com outra maior: O
estreito só revela um conhecimento deficiente da
rapaz revidou os socos do agressor. 2. Responder,
língua. Há mais perguntas que respostas. Pode‑se
replicar, contestando: O deputado revidou o dis-
conceber uma norma única e prescritiva? É válido
curso que o incriminava. T. d. e i. e Int. 3. Vingar
confundir o bom uso e a norma da própria língua
uma ofensa com outra maior: Revidou a alusão
e dessa forma fazer uma avaliação crítica e hie‑
pérfida com as mais violentas injúrias.
rarquizante de outros usos e, através deles, dos
Visar. V. t. d. 1. Dirigir a vista fixamente para;
usuários? Substitui‑se uma norma por outra? mirar: visar um alvo. 2. Apontar arma de fogo con‑
n CALLOU, D. A propósito de norma, correção e preconceito linguístico:
tra: Visou o ladrão, imobilizando-o. 3. Pôr o sinal de
do presente para o passado. In: Cadernos de Letras da UFF, n. 36, 2008.
Disponível em: <www.uff.br>. Acesso em: 26 fev. 2012 (adaptado). visto em: visar um cheque. 4. Ter por fim ou objeti‑
vo; ter em vista: Ao escrever esta novela, visava um
Para a autora, a substituição de “haver” por “ter” em fim moral. T. i. 4. Ter por fim ou objetivo; ter em
diferentes contextos evidencia que vista: Estas medidas visavam ao bem público.
a) O estabelecimento de uma norma prescinde de Agora, considere os seguintes períodos:
uma pesquisa histórica. 1. O caçador, depois de visar ao lobo na floresta,
b) Os estudos clássicos de sintaxe histórica enfati‑ parou para revidar ao chamado dos companhei‑
zam a variação e a mudança na língua. ros de caça.
c) A avaliação crítica e hierarquizante dos usos da 2. Depois de precisar os detalhes do contrato, o ven‑
língua fundamenta a definição da norma. dedor pediu aos interessados que aguardassem,
d) A adoção de uma única norma revela uma atitu‑ pois teria de atender o chamado do escritório.
de adequada para os estudos linguísticos. 3. Para revidar as investidas dos clientes, o gerente
e) Os comportamentos puristas são prejudiciais à adiou o início da liquidação e procedeu a investiga‑
compreensão da constituição linguística. ção do percentual de aumento de preços praticado
pela loja, o que permitiu que os funcionários desfru‑
2. (UFPR) Leia como o dicionário Aurélio explica o sig‑ tassem de algumas horas extras de descanso.
nificado e o uso dos seguintes verbos. 4. Os representantes do povo demoram a atender
Atender. V. t. i. 1. Dar, prestar atenção: Não a demandas dos cidadãos, mas sabem desfrutar
atendeu à observação que lhe fizeram. 2. Tomar em as benesses do poder.
consideração; levar em conta; ter em vista; consi‑ Assumindo que as explicações sobre os verbos dispo‑
derar: Não atende a súplicas. 3. Atentar, observar, nibilizadas acima constituem a única possibilidade
notar: Atendia, de longe, aos acontecimentos. T. d. 4. de uso segundo a norma culta da língua portuguesa,
Acolher, receber com atenção ou cortesia: Sempre que períodos estariam adequados a essa norma?
atende aqueles que o procuram. Dar ou prestar
a) Somente o período 3.
atenção a. Tomar em consideração; considerar:
Atende antes de tudo as suas conveniências. b) Somente os períodos 2 e 4.
Desfrutar. V. t. d. 1. V. usufruir (2): Agora desfruta c) Somente os períodos 1 e 3.
benefícios prestados; 2. Deliciar‑se com; apreciar: d) Somente os períodos 1 e 4.
Sádico, desfrutou as cenas brutais do filme. 3. Viver à e) Somente os períodos 2, 3 e 4.

121

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6
PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

cAP Í T U L o 6

O advérbio
Com novo projeto em SP, cineasta
promove aproximação com público
Divulgação/Arquivo da editora

Entrevista: Fernando Meirelles

Como foi com Ensaio sobre a cegueira?


Tomou porrada pra caramba. Mas não li
nenhuma crítica, pois fui aconselhado a não
ler. Só lembro da primeira crítica, que encer-
rou o texto dizendo que o filme não deveria
ter sido feito. Ora! Um filme que fez 900 000
espectadores no Brasil certamente tem
algum interesse.
n Disponível em: <http://veja.abril.com.br/noticia/variedade/novo-projeto-sp-
ciineasta-promove-aproximacao-publico-420006.shtml>. Acesso em: 12 fev. 2013.

n Cartaz de lançamento do filme Ensaio sobre a


cegueira, dirigido por Fernando Meirelles.

Pensemos na expressão pra caramba no enunciado do cineasta Fernando Meirelles, diretor de Ensaio sobre a cegueira, filme
baseado no romance homônimo de José Saramago: a expressão é formada por uma preposição (pra) e uma interjeição (caramba),
mas isso nada esclarece; no entanto, ao analisar que tipo de relação ela estabelece com outras palavras do texto, percebemos que
se refere à forma verbal tomou, acrescentando-lhe uma noção de intensidade (podemos tomar porrada, ou tomar um pouco, ou
tomar muita, ou tomar porrada pra caramba). Esse mesmo tipo de relação pode se estabelecer com um adjetivo (legal pra
caramba), ou com um advérbio (bem pra caramba). Por seu significado e por suas relações sintáticas, podemos concluir que a
expressão apresenta características de advérbio.

gÊNERo TExTUAL
Cartaz
A integração entre texto e imagens é fundamental em um cartaz. No cartaz do filme Ensaio sobre a
cegueira, a imagem esmaecida, as letras desfocadas e seus diferentes tamanhos buscam despertar no
espectador curiosidade sobre o filme: que cegueira será essa?

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o AdVÉRBio cAPÍTULo 6

A gRAmáTicA
DA PALAVRA
Advérbio é, basicamente, a palavra que modifica o verbo, acrescentando‑lhe uma circunstância (ad – prefixo
que indica proximidade; advérbio, literalmente, é a palavra que acompanha, que modifica o verbo). É uma palavra
invariável, não apresentando, portanto, flexão de gênero e de número.
Em:

Eu me orgulhei muito desse filme.

Duas ou mais palavras podem ter o mesmo valor de


um advérbio – são as locuções adverbiais: de modo
Os atores trabalharam bem.
nenhum, de vez em quando, em breve, à beça, etc.

Faltaremos amanhã.

três formas verbais indicam ações (orgulhei, trabalharam, faltaremos) e três palavras modificam essas ações
(muito, bem, amanhã) por acrescentarem a elas uma circunstância: alguém pode se orgulhar muito ou pouco;
os atores podem trabalhar bem ou mal; posso faltar hoje ou amanhã ou sempre, ou nunca. Muito, bem e amanhã
são, portanto, advérbios e expressam, respectivamente, a intensidade do ato de orgulhar‑se, o modo como os
atores trabalharam, o tempo em que faltarei.
Os advérbios de intensidade apresentam uma característica particular: além do verbo, podem modificar o
adjetivo ou outro advérbio. Podemos alterar um dos enunciados acima:

muito bem

bem demais
Os atores trabalharam
bem pra caramba

tão bem

Os atores estavam bem preparados.

Outros advérbios podem modificar todo um enunciado:

Felizmente, o pesadelo acabou!

Isso leva a uma definição mais ampla do advérbio: palavra que modifica o verbo, o adjetivo, o próprio
advérbio ou todo um enunciado.
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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

CLASSIFICAÇÃO
Ç DOS ADVÉRBIOS
Os advérbios são agrupados de acordo com a circunstância que expressam, ou seja, por um critério semân‑
tico. Dessa forma, a Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) reconhece sete tipos:

advérbio
de lugar longe, perto, aqui, ali, lá, junto, acima, abaixo, atrás, adiante, etc.
de tempo hoje, ontem, amanhã, já, jamais, nunca, sempre, antes, breve, tarde, etc.
bem, mal, melhor, pior, assim; e a maioria dos advérbios terminados em -mente:
de modo
suavemente, fortemente, etc.
de negação não, tampouco, etc.
de dúvida talvez, quiçá, acaso, possivelmente, provavelmente, etc.
de intensidade muito, pouco, bastante, bem, mais, menos, demais, tanto, tão, etc.
de afirmação sim, certamente, realmente, etc.

imPoRTANTE!
As formas melhor e pior tanto podem ser adjetivas como adverbiais. Para distinguir uma da outra,
observe se elas se referem aos adjetivos bom e mau ou aos advérbios bem e mal.

Num bimestre, ele consegue a melhor nota; noutro, a pior [nota].


Nesse exemplo, aparecem dois adjetivos: a “mais boa” nota e a “mais má”; observe que os adjetivos
relacionam‑se ao substantivo nota. Como adjetivos, admitem flexão de número: as melhores notas, as
piores notas. Já em:

“– Não, falemos já, sobe; ela pode estar melhor. Se estiver pior, desces.”
dois advérbios (que se referem a mal e bem) modificam formas verbais. Observe ainda que esses advér‑
bios não admitem flexão:
Elas podem estar melhor.
Se elas estiverem pior, você nos avisa imediatamente.

Advérbios interrogativos
Além dos citados acima, a NGB reconhece ainda quatro advérbios empregados em frases interrogativas
diretas ou indiretas:
• de causa: por que
Por que não discutir a contribuição que os filmes nacionais estão dando à cultura do país?
Não sei por que não se discute a contribuição que os filmes nacionais estão dando à cultura do país.
• de lugar: onde
Onde estamos?
Se alguém souber, responda onde estamos.
• de modo: como
Como você vai?
Eu preciso saber como você está.
• de tempo: quando
Quando procurar um novo emprego?
Quero saber quando devo procurar um novo emprego.
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o AdVÉRBio cAPÍTULo 6

OPS!
DIMINUTIVO QUE AUMENTA?!

É interessante notar que, além das variações tradicionais de grau, criou-se mais uma variação para o advérbio: o diminutivo.
E mais interessante ainda: o diminutivo do advérbio tem, na realidade, o valor de um superlativo sintético. É o que ocorre, por
exemplo, quando falamos:

— Moro pertinho da escola.


querendo dizer: moro muito perto da escola.
Ulhôa Cintra/Arquivo da editora

O advérbio no diminutivo também indica


afetividade. É quando numa conversa mais
íntima e informal usamos, por exemplo,
nunquinha..., bastantinho..., tantinho...,
juntinho..., etc.
É a criatividade dos falantes em busca da
melhor expressão!

PALAVRAS DENOTATIVAS
Algumas palavras e locuções, por seu significado e função, assemelham‑se a advérbios, mas não se enqua‑
dram entre eles, e a NGB não as relaciona em nenhuma das dez classes de palavras. Ao longo das últimas déca‑
das, passaram a ser identificadas como palavras denotativas (como lembra o professor Celso Cunha, tal deno‑
minação é inadequada, já que “denotar” é próprio da quase totalidade das palavras). Essas palavras denotativas
desempenham papel fundamental nas enunciações e nos textos, já que constituem importantes elementos
coesivos e operadores argumentativos.
Dependendo do que significam, podem indicar, entre outros aspectos:

inclusão exclusão designação explicação retificação realce situação

até, inclusive, apenas, salvo, eis isto é, aliás, cá, lá, afinal, agora,
mesmo, senão, só, por exemplo, ou melhor, é que, etc. então, etc.
também, etc. somente, a saber, ou antes, etc.
exceto, etc. ou seja, etc.

Só jornais sérios analisam as notícias. Acho que até eu faria melhor.

Jornais sérios só analisam as notícias. O filme não é só bonito, é uma séria denúncia também.

Nos enunciados acima, observam‑se algumas ocorrências de palavras denotativas de exclusão (só) e
inclusão (até, também), ora modificando um substantivo (jornais), ora um verbo (analisam) – no típico papel de
advérbio –, ora um pronome (eu), ora todo um sintagma verbal (é uma séria denúncia).

A Nomenclatura Gramatical de Portugal equacionou, em parte, essa


questão, incluindo entre os advérbios as palavras que denotam inclusão,
exclusão e designação.

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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

A gRAmáTicA
DA FRAsE
O ADVÉRBIO NA ORAÇÃO
///////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Os advérbios e as locuções adverbiais exercem a função de adjunto adverbial, um termo acessório da ora‑
ção, segundo a nomeclatura tradicional. Assim como os advérbios, os adjuntos adverbiais são classificados de
acordo com a circunstância que exprimem. Observe os termos destacados:

Ontem, perto de meio-dia, fui ao centro da cidade e não a encontrei. Talvez tenha se cansado; com
certeza, se cansou.

Ontem e perto de meio-dia são adjuntos adverbiais de tempo; ao centro da cidade é adjunto adverbial de
lugar; não, adjunto adverbial de negação; talvez, adjunto adverbial de dúvida; com certeza é adjunto adverbial
de afirmação.

O ADVÉRBIO NO PERÍODO COMPOSTO


////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Os adjuntos adverbiais podem assumir a forma de oração. Nesses casos, é considerada uma oração subor-
dinada (é um termo da oração principal, à qual se subordina) adverbial (tem o valor de um advérbio).
A NGB reconhece nove circunstâncias expressas pelas orações subordinadas adverbiais: causa, consequência,
condição, concessão, comparação, conformidade, finalidade, proporção e tempo.

oração subordinada adverbial temporal


(funciona como adjunto adverbial
da oração principal "não a encontrei")

Quando cheguei,
não a encontrei. Talvez tenha se cansado; com certeza, se cansou.
Ao chegar,

OPS!
O ADVÉRBIO: UM COMPLEMENTO VERBAL?!

Alguns advérbios ou locuções adverbiais, em enunciados como:


O inimigo está perto!
O inimigo está nas proximidades!,
são chamados circunstanciais obrigatórios. Embora contrariando o caráter genérico de termo “acessório” da nomeclatura tradicional
do ponto de vista sintático, eles são indispensáveis na construção do sentido do enunciado em que aparecem.
Mas quando isso acontece? A ocorrência dos circunstanciais obrigatórios está diretamente ligada à de verbos de transitividade
circunstancial, isto é, verbos que exigem um complemento circunstancial.
No enunciado “O inimigo está perto!”, por exemplo, a forma verbal estar vem seguida do advérbio espacial perto; sem este
último, o verbo fica com o sentido incompleto: o inimigo está onde?; está aqui?; está longe?.
Além de advérbios de lugar, pode haver advérbios de tempo e de modo na função de circunstanciais obrigatórios:
O encontro com o inimigo será amanhã!
Nossas tropas estão mal!

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o AdVÉRBio cAPÍTULo 6

A gRAmáTicA
DO TExTo
O ADVÉRBIO E SEU REFERENTE
///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Ao utilizar os advérbios ou locuções adverbiais num enunciado, é possível dar coordenadas sobre a locali‑
zação no espaço e no tempo, tendo como referência elementos do próprio texto ou elementos extratextuais, ou
seja, de fora do texto. Sem a identificação dessas referências, são palavras vazias de conteúdo semântico. Por
isso, fala‑se do caráter dêitico dos advérbios.
Pensemos no enunciado:

Eu vou aí.

em que o advérbio de lugar aí é um dêitico que ganha significação quando identificado o seu referente. Se,
ao pronunciar tal enunciado, o falante estiver em sua casa e dirigir‑se a um amigo que está na escola, aí cor‑
responde à “escola”. O referente, nesse caso, é extratextual, ou seja, não está no texto; a informação está ligada
à situação específica dessa conversa.
Já em:

Todos estavam na chácara, por isso decidimos ir lá.

O advérbio de lugar lá é um dêitico que tem como referente “na chácara”; nesse caso, a referência é textual.
O mesmo acontece com os dêiticos de localização temporal. Analisemos os seguintes enunciados:

? Ontem fomos ao teatro.

Ontem, 17 de setembro de 2009, fomos ao teatro.

No primeiro caso, o advérbio de tempo ontem é um dêitico com referência extratextual: para interpretá‑lo,
temos de observar o contexto em que aconteceu o enunciado, já que ontem refere‑se ao dia imediatamente
anterior à enunciação. Por exemplo: se o enunciado foi dito hoje, ontem corresponde a “ontem”; se foi dito
ontem, ontem corresponde a anteontem; e assim por diante.
Entretanto, no segundo caso, ontem é igual a 17 de setembro de 2009. A referência é textual.

Sabendo do aspecto dêitico dos advérbios de tempo, vamos matar a charada?


Veja como Millôr Fernandes brinca com a referência dos advérbios:

Amanhã amanhã será hoje. Hoje ontem, era amanhã.


Ulhôa Cintra/Arquivo da editora

Ontem não é mais nada.


n Disponível em: <www.millor.com.br>. Acesso em: 30 jun. 2009.

Amanhã, amanhã será hoje. (daqui a 24 horas) (o amanhã virará


hoje)
Hoje, ontem era amanhã. (há 24 horas) (o que era amanhã virou
hoje)
Ontem não é mais nada. (não existe)
O tempo está sempre determinado pelo ponto de referência do
hoje, ou seja, do presente em que se encontra o enunciador.

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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

REFERENTES ENCADEADOS
////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Leia esta nota observando as expressões relativas à passagem do tempo.

l
mús ca + a TlTude
Só no ano passado 350 000 brasileiros fizeram cirurgia plástica. Resumindo, em cada grupo de
100 000 habitantes, 207 foram operados. Os Estados Unidos, tradicionais líderes do ranking, registraram
no mesmo período 185 operados por 100 000. Isso significa que o Brasil se tornou campeão mundial
da categoria.

n Disponível em: <http://veja.abril.com.br/170101/p_084.html>.


Acesso em: 12 fev. 2013.

Entre os advérbios presentes no texto acima estão as locuções de tempo “no ano passado” e “no mesmo
período”. É interessante destacar a falta de referência nos advérbios temporais, assim como nos espaciais,
quando fora de contexto. A segunda locução, “no mesmo período”, só pode ser entendida se desvendado o
referente da locução adverbial a que remete: “no ano passado”. Forma‑se, assim, uma verdadeira corrente de
referenciação!

A ADVERBIALIZAÇÃO DO ADJETIVO
////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Alguns adjetivos assumem a categoria de advérbio, neutralizando as flexões de gênero e número. São
empregados sempre no masculino singular e, via de regra, modificam as formas verbais, acrescentando cir‑
cunstância de modo.

A direção do clube jogou duro e conseguiu cumprir o planejamento.

Essa sopa também desce redondo.

O ADVÉRBIO DE ENUNCIAÇÃO
/////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Como já vimos, há advérbios que funcionam como modificadores de todo um enunciado; nessa função,
percebem‑se alguns casos em que eles introduzem uma apreciação ou comentário subjetivo sobre seu conteú‑
do total. É o falante se posicionando, ao empregar advérbios em sua força modalizadora.

Sinceramente, deviam ter vergonha!


Cá entre nós, não achei que eles fossem vir.

Ao observar esses exemplos, conclui‑se que a intencionalidade do enunciador fica evidenciada: no pri‑
meiro caso, ele reforça a carga emocional do enunciado, explicitando seu caráter de sinceridade; no segundo,
dá a ele um caráter intimista. Pense nesses enunciados sem as expressões adverbiais e verifique o efeito que
elas causam.

O ADVÉRBIO DE ENQUADRAMENTO
/////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Alguns advérbios e locuções adverbiais são considerados delimitadores (ou de enquadramento ou de


ponto de vista), já que delimitam ou identificam o campo, a área, o setor em que o enunciado é relevante ou
verdadeiro. São exemplos: geograficamente, moralmente, teoricamente, gramaticalmente, no campo da
comercialização, do ponto de vista filosófico, etc.
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o AdVÉRBio cAPÍTULo 6

Do ponto de vista econômico-ambiental, a atividade agropecuária sustentável é imprescindível para


o desenvolvimento mundial.
Musicalmente, o CD é uma viagem por estilos diferentes.
Os advérbios de enquadramento são muito importantes, pois cumprem a função de contextualizar o enunciado.

O “ENTÃO” NAS SEQUÊNCIAS NARRATIVA E ARGUMENTATIVA


///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////// ///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

As palavras denotativas podem assumir diversas funções no enunciado. Observe os exemplos a seguir:

O escritor era então um desconhecido; só anos depois se tornaria famoso.


Se a leitura é prazer, diria então que sou um ser que se lambuza no prazer.

No primeiro enunciado, o então está funcionando como um marcador temporal ou sequencial, equivalen‑
te a “naquele tempo”. Já no segundo, o então está exercendo a função de operador argumentativo; nesse caso
específico, equivale a portanto, ou seja, explicita uma relação de consequência entre a primeira parte do enun‑
ciado (Se a leitura é prazer) e a segunda (diria que sou um ser que se lambuza no prazer).

Atividades
Texto para as questões 1 a 5.
Atente para palavras ou expressões que transmitem noção de tempo nos balões de fala
a seguir.

©(2003) Mort Walker/King Features Syndicate/Ipress


n WALKER, Mort. Recruta Zero. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 10 ago. 2003. p. D10.

1. O humor desta tira está centrado no jogo realizado com o advérbio agora que aparece na conversa entre o
general Moleza e um de seus comandados. Releia atentamente os quadrinhos e responda:
a) A que tempo se refere o advérbio agora em cada uma das ocorrências?
b) O que permite a “brincadeira” na última fala do general Moleza?

2. Aponte todos os advérbios empregados nas falas dos quadrinhos (não considere as locuções) e indique a
circunstância expressa por eles.

3. A palavra bem, que inicia a primeira fala do general, é uma interjeição. Aproveitando as falas dos persona‑
gens, escreva duas frases com a palavra bem na função de advérbio: numa, modificando um verbo; noutra,
modificando um adjetivo.

4. Aponte na tirinha duas locuções desempenhando a função de adjunto adverbial.


5. Qual é o significado do verbo pronominal arranjar-se (segundo quadrinho)?
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PARTE 1 A gRAmáTicA dos TExTos

Texto para as questões 6 a 13.


Você vai ler o fragmento inicial de um poema intitulado “Carta”, do poeta lituano Czeslaw Milosz (1911‑2004),
ganhador do Prêmio Nobel de Literatura em 1980. Em um texto poético, a palavra é usada em sua totalidade. Cada
uma delas tem sua força específica. Observe o papel dos advérbios e locuções adverbiais na construção deste texto.

À cidade, às árvores, vozes humanas


Divulgação/Agência Estado

faltava o que chamamos de presença.


Vivia da esperança de ir embora.
Alhures havia uma cidade verdadeiramente presente,
uma cidade de verdadeiras árvores e vozes, amizades e
n Czeslaw Milosz [amores.
(1911‑2004), poeta Associa, se quiseres, esse meu caso
contemporâneo
lituano, recebeu o
no limite da esquizofrenia
Prêmio Nobel de ao sonho messiânico
Literatura em 1980. de minha civilização.
Sofrendo na tirania, sofrendo na república,
Carta ali queria salvar a liberdade, aqui dar cabo da podridão.
Erigindo na mente cidades eternas
Rajá, se eu soubesse
donde para sempre desapareceria a desatinada
a causa dessa doença.
[azáfama.
Por longos anos não me conformei ao [...]
lugar em que estava. Berkeley, 1969.
Tinha a impressão de que deveria n MILOSZ, Czeslaw. Não mais. Trad. Henryk Siewierski e Marcelo Paiva de Souza.
estar alhures. Brasília: UnB, 2003. p. 75.

6. O poema é construído utilizando o modelo de outro gênero textual – a carta pessoal. Que característica do
gênero carta se percebe nesse fragmento inicial?

7. Assinale os advérbios e as locuções adverbiais que o poeta utiliza ao longo do poema. Indique as circuns‑
tâncias que eles expressam.

8. Leia com atenção a quinta estrofe da poesia e comente a função da locução no limite da esquizofrenia,
observando seu comportamento no trecho.

9. Releia a quarta estrofe e, em seguida:


a) classifique as palavras verdadeiramente e verdadeiras, analisando que tipo de relação estabelecem com
outras palavras do texto;
b) comente se há algum tipo de mudança de sentido ao se alterar a ordem das palavras do enunciado:
Verdadeiramente, alhures havia uma cidade presente, / uma cidade de verdadeiras árvores e vozes,
amizades e amores.
10. Na poesia, o advérbio alhures aparece duas vezes. De que maneira se constrói a referência desse advérbio
de lugar? Que recurso o eu poético utiliza para determinar o sentido de alhures?

11. Identifique a referência textual dos advérbios ali e aqui (última estrofe). Mudaria o sentido do verso se a
ordem dos advérbios fosse alterada, primeiro aqui e depois ali?

12. O eu poético fala em “salvar a liberdade” e “dar cabo da podridão”, referindo‑se especificamente a quê?
13. Considerando que azáfama é um substantivo originário do árabe que significa “pressa”, “atrapalhação”, e
que o adjetivo desatinada deriva do particípio do verbo desatinar, significando “o que não tem tino, juízo;
desvairado, louco, doido”, reescreva os dois últimos versos, substituindo a expressão desatinada azáfama.

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o AdVÉRBio cAPÍTULo 6

NO
Questões de exames FAÇARNO!
CAD
E

1. (UFJF‑MG) d) Aonde circula o bonde, circula o progresso.


e) Aonde vai o bonde, vai o progresso.
Na última quarta-feira, dia 17, o Supremo Tribu-
nal Federal derrubou, por 8 votos a 1, a obrigatorieda-
de do diploma universitário para exercer a profissão
4. (Unicamp‑SP) Em transmissão de um jornal notur‑
no televisivo (RedeTV, 7/10/2008), um jornalista
de jornalista. [...] Aliás, por que não tirar a obrigatorie-
afirmou:
dade de diploma universitário de todos os cursos?
n <http://www.fechaaspas.net/index.php/2009/06/20/ “Não há uma só medida que o governo possa
estudar-pra-que-a-polemica-decisao-do-stf-sobre-o-curso-dejornalismo> tomar.”
Na frase, o emprego do termo “aliás” indica uma a) Considerando que há duas possibilidades de
modificação: interpretação do enunciado acima, construa
a) no tratamento dado ao tema pela autora. uma paráfrase para cada sentido possível de
b) no alcance da proposição apresentada anterior‑ modo a explicitá‑los.
mente. b) Compare o enunciado citado com: Não há uma
c) na orientação argumentativa da proposição. medida que só o governo possa tomar. O termo
d) no público a que se destina o texto. “só” tem papel fundamental na interpretação de
um e outro enunciado. Descreva como funciona
e) do significado da frase anterior.
o termo em cada um dos enunciados. Explique.
2. (Fuvest‑SP) Leia o seguinte texto, extraído de uma
5. (FGV‑SP) Observe a palavra destacada no seguinte
biografia do compositor Carlos Gomes.
período: “A implicação é que esses países talvez se
No ano seguinte [1860], com o objetivo de saíssem melhores economicamente se fossem
consolidar sua formação musical, [Carlos Gomes] mais parecidos entre si”. Essa palavra está sendo
mudou-se para o Rio de Janeiro, contra a vontade usada de acordo com a norma culta? Explique.
do pai, para iniciar os estudos no conservatório
da cidade. “Uma ideia fixa me acompanha como 6. (PUC‑PR) Considerando a ideia expressa pelos ter‑
o meu destino! Tenho culpa, porventura, por tal mos em destaque nas frases abaixo, numere a pri‑
cousa, se foi vossemecê que me deu o gosto pela meira coluna de acordo com a segunda.
arte a que me dediquei e se seus esforços e sacri-
1a coluna:
fícios fizeram-me ganhar ambição de glórias
(*) Para a partida decisiva, o ingresso, que custava
futuras?”, escreveu ao pai, aflito e cheio de remor-
so por tê-lo contrariado. “Não me culpe pelo passo 10 reais, foi para 20; daí a revolta da torcida.
( ) Muitos animais morrem com a seca
que dei hoje. [...] Nada mais lhe posso dizer nesta *
ocasião, mas afirmo que as minhas intenções são prolongada.
puras e espero desassossegado a sua bênção e o ( ) Mesmo com um jogador a menos, o time ven‑
*
seu perdão”, completou. ceu o adversário.
n <http://musicaclassica.folha.com.br> ( ) Sem dinheiro, não pude viajar nessas férias.
*
a) Sobre o advérbio “porventura”, presente na carta (*) Não entre sem permissão do chefe.
do compositor, o dicionário Houaiss informa: (*) Apesar do frio, iremos à praia amanhã.
usa-se em frases interrogativas, especialmente (*) Mãe e filha saíram para um passeio.
em perguntas delicadas ou retóricas.
2a coluna:
Aplica‑se ao texto da carta essa informação?
Justifique sua resposta. (1) causa
b) Cite duas palavras, também empregadas pelo (2) finalidade
compositor, que atestem, de maneira mais evi‑ (3) consequência
dente, que, daquela época para hoje, a língua (4) concessão
portuguesa sofreu modificações. (5) condição

3. (UFABC‑SP) Observe a frase – “Onde chega o bonde, Assinale a alternativa que apresenta a sequência
chega o progresso.” – e assinale a alternativa em correta.
que o emprego da palavra destacada está de acor‑ a) 4, 2, 1, 3, 2, 5, 3.
do com a norma padrão. b) 5, 3, 4, 1, 5, 2, 4.
a) Aonde para o bonde, para o progresso. c) 3, 1, 4, 1, 5, 4, 2.
b) Aonde se perde o bonde, perde‑se o progresso. d) 2, 4, 1, 3, 5, 2, 4.
c) Aonde há bonde, há progresso. e) 3, 3, 4, 1, 5, 5, 2.

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Capítulo 1
Realidade e ficção nos gêneros narrativos

Capítulo 2
Estrutura da narrativa

Capítulo 3
Leitura e interação

Capítulo 4
Textos descritivos: o “retrato verbal”

Capítulo 5
A linguagem figurada

Capítulo 6
O jornal e seus gêneros textuais: notícia e legenda

Capítulo 7
O jornal e seus gêneros textuais: editorial e crônica

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Parte 2
A CONSTRUÇÃO DOS TEXTOS

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1 CAP Í T U L O 1

Realidade e ficção
nos gêneros narrativos
©(2010) Bill Watterson/Dist. By Atlantic Syndication/Universal Uclick

n WATTERSON, Bill. Calvin e Haroldo. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 7 dez. 1996, p. D2.

Em sua imaginação infantil, Calvin instala um narrador em terceira pessoa que


passa, junto com Haroldo, a narrar suas ações dentro do carro. Todo o segmento
da ação aponta para um crescimento que tem seu clímax no momento em que
Haroldo toca a buzina e a mãe de Calvin chega, interrompendo a brincadeira.
Calvin assume o papel de “autor”, “narrador” e “personagem” de uma narrativa de
ficção, tema deste capítulo.

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REALidAdE E fiCÇÃO NOS gêNEROS NARRATivOS CAPÍTULO 1

////////////////////////////
A NARRATIVIDADE
//////////
///////////////////////////////////////////////////////

Em nosso dia a dia, deparamos com inúmeros textos narrativos: estamos o tempo todo contando algo ou
ouvindo o relato de alguém; o mesmo ocorre quando abrimos um jornal, ouvimos um noticiário ou assistimos
a um telejornal. São textos marcados pela temporalidade, ou seja, como seu material é o fato e a ação que
envolvem personagens, a progressão temporal é essencial para seu desenrolar; a sucessão de acontecimentos
leva a uma transformação, a uma mudança, que se desenvolve necessariamente em uma linha de tempo e em
um determinado espaço.
Em uma manchete de jornal que afirma “Fulano foi eleito presidente”, há narratividade. Havia uma situa‑
ção inicial A (Fulano era candidato), que uma sucessão de acontecimentos (a campanha, a votação, a contagem
de votos, a proclamação) levou a uma situação B, distinta da situação inicial (Fulano agora está eleito).
O tipo textual narrativo está presente nos mais variados gêneros textuais, seja em textos baseados em
acontecimentos reais, como uma notícia de jornal, a narração de um evento esportivo (lembre‑se de que o pro‑
fissional é chamado de “narrador”), seja em relatos cotidianos sobre como ocorreu um fato, uma anedota, uma
biografia, etc. E também está presente em gêneros baseados em acontecimentos imaginários, como os contos
de fadas, os romances, as lendas, um conto policial, um poema épico, uma fábula, um mito, etc.
Podemos dividir as narrativas em dois grandes grupos: as narrativas não ficcionais e as narrativas ficcionais;
em outras palavras, as que narram fatos acontecidos no mundo real e as que narram fatos de um mundo imaginário.
Neste capítulo, vamos focar nossa atenção na narrativa ficcional.

A ficção – do realismo ao fantástico

“E assim se passaram pelo menos seis ou seis anos e meio, direitinho deste jeito, sem tirar
nem pôr, sem mentira nenhuma, porque esta aqui é uma estória inventada, e não é um caso acon‑
tecido, não senhor.”
n Do narrador de “A hora e vez de Augusto Matraga”, conto de Guimarães Rosa que compõe o livro Sagarana.

Reprodução/Biblioteca da Universidade
de Sydney, Austrália.
Um dos textos mais antigos sobre o conceito de arte literária é o Poética, de
Aristóteles. Nesse texto clássico – até hoje lido, relido e discutido –, o filósofo grego
afirma que “arte é imitação”. E justifica: “o imitar é congênito no homem (e nisso difere
dos outros viventes, pois, de todos, é ele o mais imitador e, por imitação, apreende as
primeiras noções), e os homens se comprazem no imitado”. Ou seja, o imitar faz parte
da natureza humana e os homens sentem prazer nisso.
Mas voltemos ao conceito de arte como imitação. Aristóteles afirma que:

“não é ofício de poeta narrar o que aconteceu; é, sim, o de representar o que poderia acon‑
tecer, quer dizer: o que é possível segundo a verossimilhança e a necessidade. Com efeito, não
diferem o historiador e o poeta por escreverem verso ou prosa (pois que bem poderiam ser pos‑
tas em verso as obras de Heródoto, e nem por isso deixariam de ser história, se fossem em verso
o que eram em prosa) – diferem, sim, em que diz um as coisas que sucederam, e outro as que
poderiam suceder”.
n ARISTÓTELES. Poética. 4. ed. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1994. p.115.

Como você percebeu, o historiador (Heródoto é considerado o primeiro deles) escreve sobre o que aconte‑
ceu, sobre fatos e pessoas reais, num tempo datado e num espaço localizado. Já o artista (podemos entender, na
fala de Aristóteles, poeta como sinônimo de artista) recria a vida, mostrando‑nos não como ela é, e sim como
poderia ser. Daí o artista criar obras de ficção.
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PARTE 2 A CONSTRUÇÃO dOS TExTOS

A palavra ficção vem do latim fictio, que deriva do verbo fingere: modelar, criar, inventar. Ao se identificar
uma narrativa como ficcional, observa‑se nela uma realidade criada, imaginária, não real. Dessa forma, os acon‑
tecimentos numa narrativa ficcional simulam uma situação possível, inventada ou recriada pelo autor a partir
da realidade.
Na literatura, a ficção é uma das características da obra
Dom Quixote em sua biblioteca, de Gustave Doré, c. 1868. Gravura. Coleção particular/The Bridgeman/Keystone.

literária, pois ela sempre apresenta uma interpretação par‑


ticular, original e subjetiva da realidade. Toda narrativa fic‑
cional é construída a partir de elementos da realidade (uni‑
verso real onde o autor está inserido), algumas vezes re‑
cheada de elementos fantasiosos, muitas outras com alguns
elementos inusitados, outras, ainda, com situações e perso‑
nagens retratados com muita fidelidade; portanto, o univer‑
so imaginário pode ser mais ou menos “real”. Podemos dizer,
então, que o ficcionismo abrange narrativas que vão desde
o universo mais fantástico até o universo mais realista.

n Dom Quixote de la Mancha, de Miguel de Cervantes, publicado há


quatro séculos, é o fundador da moderna narrativa. E, curiosamente,
o engenhoso fidalgo tem sua imaginação alimentada (até a perda
total da razão) pela leitura incessante de antigas narrativas
medievais: as novelas de cavalaria. “Em suma, tanto naquelas
leituras se enfrascou, que as noites se lhe passavam a ler desde o
Sol ‑posto até a alvorada, e os dias, desde o amanhecer até o fim da
tarde. E assim, do pouco dormir e do muito ler, se lhe secou o
cérebro, de maneira que chegou a perder o juízo.” (Capítulo I).

Verossimilhança interna e externa


A narrativa ficcional, criação da imaginação inventiva de um autor, tem de apresentar verossimilhança.
A palavra verossimilhança deriva de verossímil, que vem do latim verisimilis: “provável”, ou seja, a narrativa ficcional
tem de apresentar um universo possível, passando a sensação de que pode existir e/ou acontecer.
Quanto à capacidade de parecer plausível, a narrativa ficcional pode apresentar:
• verossimilhança externa: pela identificação com a realidade, com aquilo que o senso comum aceita como
possível, provável;
• verossimilhança interna: pela coerência interna dos fatos ficcionais dentro da própria narrativa.
Dessa forma, uma narrativa ficcional pode ser considerada inverossímil se seu universo imaginário for impro‑
vável e/ou absurdo em relação à realidade ou se seu universo imaginário não apresentar coerência lógica interna.

Autor versus narrador


Assim como na poesia podemos distinguir o eu poético e o poeta – aquele, a voz da enunciação criada no
poema; este, o responsável pela criação e construção do poema –, reconhecemos na narrativa ficcional o narrador
e o autor – aquele, a voz que relata os acontecimentos; este, o responsável pela criação e construção da narrativa.
O narrador é, portanto, uma criação do autor, com o qual pode se assemelhar em menor ou maior escala,
ou mesmo não se assemelhar em nada. Como diz Salvatore D’Onofrio: “o autor pertence ao mundo da realidade
histórica, o narrador a um universo imaginário: entre os dois mundos há analogias e não identidades”.
O escritor (romancista, contista, novelista) é um ser real que se utiliza de um narrador (ser fictício), que, por
sua vez, vai nos relatar aquilo que o escritor cria, inventa, imagina. Pensemos, por exemplo, no personagem‑
‑narrador Brás Cubas (Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis), que narra suas memórias na
condição de morto, enterrado e... comido pelos vermes. Ou seja, o narrador é pura obra de ficção!
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REALidAdE E fiCÇÃO NOS gêNEROS NARRATivOS CAPÍTULO 1

O escritor e o narrador tanto não se confundem que, muitas vezes, o primeiro pode criar narradores com
caráter e pensamento completamente diferentes dos seus. Poderiam ser citados vários exemplos em que o
ponto de vista do narrador é diametralmente oposto ao do escritor. Um dos casos mais emblemáticos é o
romance São Bernardo, de Graciliano Ramos: o personagem‑narrador Paulo Honório “lê” o mundo à sua volta
segundo os valores de um capitalismo primitivo, exatamente o que o escritor Graciliano Ramos mais negava.
Finalmente, convém lembrar que o narrador pode viver em outro espaço e num outro tempo, em tudo diferentes
do tempo e do espaço do escritor.

O ciclo narrativo
Nos textos essencialmente narrativos, predominam as frases verbais, que indicam um processo, uma ação.
Ora, ao falar em processo, estamos nos referindo a uma sucessão de estados ou de mudanças. É exatamente
isso que acontece num texto narrativo: uma sequência de acontecimentos (portanto, há uma progressão tem‑
poral) que levam a uma transformação, a uma mudança.
Dessa forma, a narrativa tem como ponto de partida uma situação inicial, que se desenvolve para chegar
a uma situação final, diferente da inicial:
• situação inicial – o(s) personagem(ns) é (são) apresentado(s) numa determinada situação temporal
e espacial;
• desenvolvimento – apresenta‑se um conflito, e a ação se desenvolve até chegar ao clímax e, em seguida, a
um desfecho;
• situação final – passado o conflito, o(s) personagem(ns) é (são) apresentado(s) em uma nova situação – há
claros indícios de transformação, de mudança em relação ao início da narrativa.

iMPORTANTE!
O clímax é o ponto culminante da narrativa; é quando ela alcança seu ponto de tensão
máxima, a partir do qual se define o desfecho da trama. Etimologicamente, a palavra, de ori‑
gem grega (klîmaks), significa “escada, degrau, gradação”.

Graficamente:

CLÍMAX

SITUAÇÃO CONFLITO SITUAÇÃO


INICIAL FINAL

DESFECHO

PASSAGEM TEMPORAL

ando
oc
tr

ideias
Pense em alguns textos narrativos (lenda, conto de fadas, romance, etc.) que você tenha lido
e tente recuperar o ciclo narrativo deles. Anote a situação inicial, o conflito, o clímax, o desfecho.
Junte‑se a alguns colegas. Mostre suas anotações e peça que compartilhem as observações
deles com você. Levantem as observações que se repetem e que, por isso, podem ser entendidas
como características gerais dos textos narrativos.

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PARTE 2 A CONSTRUÇÃO dOS TExTOS

Técnicas de cinema?
O cinema nos proporciona o contato com narrativas, retratadas em uma linguagem singular baseada em
imagem e som. Na linguagem cinematográfica, o olhar da câmera equivale à fala do narrador (cabe destacar
que no cinema podemos conferir a imagem da câmera e a voz de um narrador ao mesmo tempo).
Muitos dos efeitos criados com a câmera podem ser identificados com recursos linguísticos usados pelo
narrador de um texto escrito. (Ou será que é ao contrário?)
Leia o seguinte fragmento:
O homem da caixa registradora estava olhando o movimento do bar, tomando conta de maneira meio
preguiçosa, sem fixar muito os olhos no que o rapaz do balcão já havia servido aos dois fregueses silenciosos,
demorando‑os mais no bêbado que balançava‑se à porta do botequim ameaçando entrar e afinal parando‑
‑os no recheio da blusinha preta sem mangas que estava à sua frente, o que o fez despertar completamente
com um e a senhora o que é?
n ÂNGELO, Ivan. Bar. In: Os cem melhores contos brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.

O narrador descreve o olhar do personagem “o homem da caixa registradora”, à maneira de passeio de


câmera, que vai do mais geral (“o movimento do bar”), passando gradativamente por duas cenas (“no que o
rapaz do balcão tinha servido...” e “no bêbado que balançava‑se à porta...”), até chegar a um ponto específico (“o
recheio da blusinha preta sem mangas...”). Destaca‑se, assim, uma imagem metonímica (o colo da moça pela
moça), que na linguagem de cinema poderia ser um close‑up.
Faça um teste: leia o fragmento acima novamente, tentando imaginar tudo o que o narrador está relatando,
como se estivesse assistindo à cena de um filme.
Conheça algumas técnicas cinematográficas:
Close­‑up – Plano que enfatiza um detalhe. Primeiro plano ou plano de pormenor. Tomando a figura
humana como base, este plano enquadra apenas os ombros e a cabeça de um ator, tornando bastante níti‑
das suas expressões faciais.
Dolly – Veículo que transporta a câmara e o operador, para facilitar a movimentação durante as tomadas.
Dolly­baCk – Câmara se afasta do objeto. Travelling ou grua de afastamento.
Dolly­in – Câmara se aproxima do objeto. Travelling ou grua de aproximação.
Dolly­out – Câmara recua, abandona a cena.
Dolly­shot – Movimento de câmara que se caracteriza por se aproximar e se afastar do objetivo, e também
por movimentos verticais.
FaDe­in – O surgir da imagem a partir de uma tela escura ou clara, que gradualmente atinge a sua inten‑
sidade normal de luz.
FaDe­out – Escurecimento ou clareamento gradual da imagem partindo da sua intensidade normal de luz.
Flash­‑baCk – Cena que revela algo do passado, para lembrá‑lo, situar ou revelar enigmas.
Flash­‑ForwarD – Cena que revela parcialmente algo que acontecerá após o tempo presente. O mesmo que
flash para frente.
QuiCk­motion – Câmara rápida. Movimento acelerado.
slow­motion – Câmara lenta. Movimento retardado.
Zoom – Efeito óptico de aproximação ou distanciamento repentino de personagens e detalhes. Serve
para dramatizar ou esclarecer lances do roteiro.
Zoom­‑in – Aumento na distância focal da lente da câmara durante uma tomada, o que dá ao espectador
a impressão de aproximação do elemento que está sendo filmado.
Zoom‑out – Diminuição da distância focal da lente durante uma tomada, o que dá ao espectador a
impressão de que está se afastando do elemento que está sendo filmado.
n Vocabulário do Roteirista. MACHADO, Jorge (Org.). Dicionário e glossário sobre roteiro e cinema.
Cedido gentilmente pelo autor. Disponível em: <www.roteirodecinema.com.br/manuais/vocabulario.htm>.
Acesso em: 29 jan. 2013.

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REALidAdE E fiCÇÃO NOS gêNEROS NARRATivOS CAPÍTULO 1

O texto: leitura e reflexão


A armadilha
Alexandre Saldanha Ribeiro. Desprezou o elevador e seguiu pela escada, apesar da volumosa mala que
carregava e do número de andares a serem vencidos. Dez.
Não demonstrava pressa, porém o seu rosto denunciava a segurança de uma resolução irrevogável. Já
no décimo pavimento, meteu‑se por um longo corredor, onde a poeira e detritos emprestavam desagradável
aspecto aos ladrilhos. Todas as salas encontravam‑se fechadas e delas não escapava qualquer ruído que
indicasse presença humana.
Parou diante do último escritório e perdeu algum tempo lendo uma frase, escrita a lápis, na parede. Em
seguida passou a mala para a mão esquerda e com a direita experimentou a maçaneta, que custou a girar,
como se há muito não fosse utilizada. Mesmo assim não conseguiu franquear a porta, cujo madeiramento
empenara. Teve que usar o ombro para forçá‑la. E o fez com tamanha violência que ela veio abaixo ruidosa‑
mente. Não se impressionou. Estava muito seguro de si para dar importância ao barulho que antecedera a
sua entrada numa saleta escura, recendendo a mofo. Percorreu com os olhos os móveis, as paredes.
Contrariado, deixou escapar uma praga. Quis voltar ao corredor, a fim de recomeçar a busca, quando deu
com um biombo. Afastou‑o para o lado e encontrou uma porta semicerrada. Empurrou‑a. Ia colocar a mala
no chão, mas um terror súbito imobilizou‑o: sentado diante de uma mesa empoeirada, um homem de cabe‑
los grisalhos, semblante sereno, apontava‑lhe um revólver. Conservando a arma na direção do intruso,
ordenou‑lhe que não se afastasse.
Também a Alexandre não interessava fugir, porque jamais perderia a oportunidade daquele encontro.
A sensação de medo fora passageira e logo substituída por outra mais intensa, ao fitar os olhos do velho.
Deles emergia uma penosa tonalidade azul.
Naquela sala tudo respirava bolor, denotava extremo desmazelo, inclusive as esgarçadas roupas do seu
solitário ocupante:
– Estava à sua espera – disse, com uma voz macia.
Alexandre não deu mostras de ter ouvido, fascinado com o olhar do seu interlocutor. Lembrava‑lhe a
viagem que fizera pelo mar, algumas palavras duras, num vão de escada.
O outro teve que insistir:
– Afinal, você veio.
Subtraído bruscamente às recordações, ele fez um esforço violento para não demonstrar espanto:
– Ah, esperava‑me? – Não aguardou resposta e prosseguiu exaltado, como se de repente viesse à tona
uma irritação antiga: – Impossível! Nunca você poderia calcular que eu chegaria hoje, se acabo de desem‑
barcar e ninguém está informado da minha presença na cidade! Você é um farsante, mau farsante.
Certamente aplicou sua velha técnica e pôs espias no meu encalço. De outro modo seria difícil descobrir,
pois vivo viajando, mudando de lugar e nome.
– Não sabia das suas viagens nem dos seus disfarces.
– Então, como fez para adivinhar a data da minha chegada?
– Nada adivinhei. Apenas esperava a sua vinda. Há dois anos, nesta cadeira, na mesma posição em que
me encontro, aguardava‑o certo de que você viria.
Por instantes, calaram‑se. Preparavam‑se para golpes mais fundos ou para desvendar o jogo em que se
empenhavam.
Alexandre pensou em tomar a iniciativa do ataque, convencido de que somente assim poderia desfazer
a placidez do adversário. Este, entretanto, percebeu‑lhe a intenção e antecipou‑se:
– Antes que me dirija outras perguntas – e sei que tem muitas a fazer‑me – quero saber o que aconteceu
com Ema.
– Nada – respondeu, procurando dar à voz um tom despreocupado.
– Nada?
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PARTE 2 A CONSTRUÇÃO dOS TExTOS

Alexandre percebeu a ironia e seus olhos encheram‑se de ódio e humilhação. Tentou revidar com um
palavrão. Todavia, a firmeza e a tranquilidade que iam no rosto do outro venceram‑no.
– Abandonou‑me – deixou escapar, constrangido pela vergonha. E numa tentativa inútil de demonstrar
um resto de altivez, acrescentou: – Disso você não sabia!
Um leve clarão passou pelo olhar do homem idoso:
– Calculava, porém desejava ter certeza.

Começava a escurecer. Um silêncio pesado separava‑os e ambos volveram para certas reminiscências
que, mesmo contra a vontade deles, sempre os ligariam.
O velho guardou a arma. Dos seus lábios desaparecera o sorriso irônico que conservara durante todo o
diálogo. Acendeu um cigarro e pensou em formular uma pergunta que, depois, ele julgaria desnecessária.
Alexandre impediu que a fizesse. Gesticulando nervoso, aproximara‑se da mesa:
– Seu caduco, não tem medo que eu aproveite a ocasião para matá‑lo? Quero ver sua coragem, agora,
sem o revólver.
– Não, além de desarmado, você não veio aqui para matar‑me.
– O que está esperando, então?! – gritou Alexandre. – Mate‑me logo!
– Não posso.
– Não pode ou não quer?
– Estou impedido de fazê‑lo. Para evitar essa tentação, após tão longa espera, descarreguei toda a carga
da arma no teto da sala.
Alexandre olhou para cima e viu o forro crivado de balas. Ficou confuso. Aos poucos, refazendo‑se da
surpresa, abandonou‑se ao desespero. Correu para uma das janelas e tentou atirar‑se através dela. Não a
atravessou. Bateu com a cabeça numa fina malha metálica e caiu desmaiado no chão.
Ao levantar‑se, viu que o velho acabara de fechar a porta e, por baixo dela, iria jogar a chave.
Lançou‑se na direção dele, disposto a impedi‑lo. Era tarde. O outro já concluíra seu intento e divertia‑se
com o pânico que se apossara do adversário:
– Eu esperava que você tentaria o suicídio e tomei precaução

Ulhôa Cintra/Arquivo da editora


de colocar telas de aço nas janelas.
A fúria de Alexandre chegara ao auge:
– Arrombarei a porta. Jamais me prenderão aqui!
– Inútil. Se tivesse reparado nela, saberia que também é de aço.
Troquei a antiga por esta
– Gritarei, berrarei!
– Não lhe acudirão. Ninguém mais vem a este prédio. Despedi
os empregados, despejei os inquilinos.
E concluiu, a voz baixa, como se falasse apenas para si mesmo:
– Aqui ficaremos: um ano, dez, cem ou mil anos.
n RUBIÃO, Murilo. A casa do girassol vermelho.
3. ed. São Paulo: Ática, 1980. p. 44‑48.

1. O processo narrativo centra‑se em uma dinâmica temporal, ou seja, ações que se sucedem no decorrer
do tempo.
a) Podemos afirmar que o conto “A armadilha” apresenta duas grandes cenas. Que recurso o autor utilizou
para marcar a passagem do tempo entre elas?
b) O próprio ato de contar se dá em um determinado espaço de tempo, que pode coincidir ou não com o
tempo das ações que são narradas. Por exemplo, o narrador pode contar, em dez minutos, fatos que se
sucederam em meses, ou anos; ou o ato de contar pode ter a mesma duração dos acontecimentos. Às
vezes, pode ocorrer uma mistura das duas situações. Releia o conto prestando atenção ao tempo do ato
de contar e ao tempo das ações e responda: em qual dos casos se enquadra o conto? Explique.
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REALidAdE E fiCÇÃO NOS gêNEROS NARRATivOS CAPÍTULO 1

2. Murilo Rubião (Minas Gerais, 1916‑1991) produziu alguns contos que se enquadram na literatura fantástica.
O autor afirmava: “sou um sujeito que acredita no que está além da rotina. Nunca me espanto com o sobre‑
natural, com o mágico. Quem não acredita no mistério não faz literatura fantástica”. Cite uma passagem
do conto que estaria “além da rotina”.

3. No início do conto, o narrador menciona alguns fatos que criam a ilusão de o prédio estar deserto. Que
fatos são esses?

4. Sobre o passado dos personagens, o narrador menciona apenas algumas informações, sem contudo deta‑
lhá‑las. Quais são essas informações?

5. A narrativa de ficção gira em torno de um conflito. Transcreva palavras ou expressões do texto que eviden‑
ciam o conflito.

O CONTO
///////////////////////////////
///////////
/////////////////////

O conto é a mais breve das narrativas, centrada em um episódio da vida. Por conta da brevidade caracterís‑
tica do conto, pode‑se chegar à concisão extrema, em que a narrativa se apresenta mínina, sem deixar de lado
os elementos necessários para sua construção. Veja como o escritor guatemalteco Augusto Monterroso cria um
microconto (considerado o “menor” conto até hoje escrito) que tem como principal característica uma concisão
narrativa que cresce (ou evolui) na imaginação do leitor:

O dinossauro

Reprodução/Agência France-Presse
Quando acordou, o dinossauro ainda
estava lá.
n Disponível em
<www.literaturaguatemalteca.org/monterroso.htm>.
Acesso em: 12 fev. 2013.

n Augusto Monterroso (1921 ‑2003).

O recorte na realidade ficcional desse conto nos permite saber que um personagem que estava adormecido
acorda e que o outro, o dinossauro, estava lá antes do adormecimento e ainda está. O que houve antes ou o que
haverá depois, isso é com o leitor. O que você imagina que aconteceu e/ou acontecerá?

BiBLiOTECA
Reprodução/Ed. Record

Augusto Monterroso, contista genial, conseguiu reciclar e recriar o gênero fábula,


acrescentando‑lhe pitadas de ironia e sarcasmo. Não deixe de ler o único livro dele publicado
no Brasil, com tradução de Millôr Fernandes. São pequenas fábulas que, no mínimo, irão
surpreendê‑lo: MONTERROSO, Augusto. A ovelha negra e outras fábulas. Rio de Janeiro:
Record, 1983.
Consulte estes sites: <www.literaturaguatemalteca.org/monterroso.htm>, em espa‑
nhol, e <www.releituras.com/amonterroso_menu.asp>, em português. Neles você encon‑
tra, respectivamente, textos, dados biográficos e entrevistas, e também alguns textos de
Monterroso. (Acessos em: 11 fev. 2013.)

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PARTE 2 A CONSTRUÇÃO dOS TExTOS

O curitibano Dalton Trevisan também produz contos extremamente concisos, como este:

De repente a mosca salta e pousa na toalha

Joel Rocha/Dedoc/Arquivo da editora


branca. Você a espanta, sem que voe – uma semente
negra de mamão.
n TREVISAN, Dalton. Dinorá: novos mistérios.
Rio de Janeiro: Record, 1994. p. 60.

n Dalton Jérson Trevisan.

Esse texto aparece em uma página, acompanhado de outros com a mesma concisão, sob o título Nove
haikais. Podemos observar nele, no entanto, todas as características do conto (um conto, claro, à maneira de
haikai: brevíssimo!).
Observe que o leitor é transformado em personagem que vive uma cena do cotidiano; com ligeira conota‑
ção surrealista, é surpreendido pela revelação: a mosca não passa de uma semente de mamão.
Em suma, como nos ensina o professor Afrânio Coutinho:

“[...] o contista oferece uma amostra, através de um episódio, um flagrante ou um instantâneo,


um momento singular e representativo. Procura obter a unidade de impressão rapidamente, à custa
da máxima concentração e economia de meios”.
n COUTINHO, Afrânio. Notas de teoria literária. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.

A unidade de impressão: o ponto-chave do conto


No conto, deparamos com uma narrativa condensada. Mas em que consiste essa condensação? Ao falar em
condensação, fazemos referência mais uma vez a seu caráter sintético, revelado por sua unidade dramática, isto
é, pelo fato de estar centrado em um único conflito.
O que norteia toda a construção narrativa do conto é, no entanto, a unidade de impressão. Um conto,
a priori, tenta criar um efeito no seu leitor: surpresa, encanto, medo, desconcerto, etc. Assim, podemos afirmar que
todos os elementos da narrativa, os recursos linguísticos e até o tipo de compactação estão a serviço desse efeito.
Leia o conto a seguir:

Porque Lulu Bergantim não atravessou o Rubicon


Lulu Bergantim veio de longe, fez dois discursos, explicou por que não atravessou o Rubicon, coisa
que ninguém entendeu, expediu dois socos na Tomada da Bastilha, o que também ninguém entendeu,
entrou na política e foi eleito na ponta dos votos de Curralzinho Novo. No dia da posse, depois dos dobra‑
dos da Banda Carlos Gomes e dos versos atirados no rosto de Lulu Bergantim pela professora Andrelina
Tupinambá, o novo prefeito de Curralzinho sacou do paletó na vista de todo mundo, arregaçou as mangas
e disse:
– Já falaram, já comeram biscoitinhos de araruta e licor de jenipapo. Agora é trabalhar!
E sem mais aquela, atravessou a sala da posse, ganhou a porta e caiu de enxada nos matos que
infestavam a Rua do Cais. O povo, de boca aberta, não lembrava em cem anos de ter acontecido um
prefeito desse porte. Cajuca Viana, presidente da Câmara de Vereadores, para não ficar por baixo, pegou
também no instrumento e foi concorrer com Lulu Bergantim nos trabalhos da limpeza. Com pouco
mais, toda a cidade de Curralzinho estava no pau da enxada. Era um enxadar de possessos! Até a pro‑
fessora Andrelina Tupinambá, de óculos, entrou no serviço da faxina. E assim, de limpeza em limpeza,
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REALidAdE E fiCÇÃO NOS gêNEROS NARRATivOS CAPÍTULO 1

as ruas de Curralzinho ficaram novinhas em folha, saltando na ponta das pedras. E uma tarde, de brocha
na mão, Lulu caiu no trabalho de caiação. Era assobiando “O teu‑cabelo‑não‑nega, mulata, porque‑és‑
‑mulata‑na‑cor” que o ilustre sujeito público comandava as brochas de sua jurisdição. Lambuzada de
cal, Curralzinho pulava nos sapatos, branquinha mais do que asa de anjo. E de melhoria em melhoria, a
cidade foi andando na frente dos safanões de Lulu Bergantim. Às vezes, na sacada do casarão da prefei‑
tura, Lulu ameaçava:
– Ou vai ou racha!
E uma noite, trepado no coreto da Praça das Acácias, gritou:
– Agora a gente vai fazer serviço de tatu!
O povo todo, uma picareta só, começou a esburacar as ruas e becos de modo a deixar passar o encana‑
mento de água. Em um quarto de ano Curralzinho já gozava, como dizia cheio de vírgulas e crases o
Sentinela Municipal, do “salutar benefício do chamado precioso líquido”. Por força de uma proposta de
Cazuza Militão, dentista prático e grão‑mestre da Loja Maçônica José Bonifácio, fizeram correr o pires da
subscrição de modo a montar Lulu Bergantim em forma de estátua, na Praça das Acácias. E andava o bronze
no meio do trabalho de fundição, quando Lulu Bergantim, de repente, resolveu deixar o ofício de prefeito.
Correu todo mundo com pedidos e apelações. O promotor
público Belinho Santos fez discurso. E discurso fez, com a faixa

Arquivo do jornal O Estado de S. Paulo/Agência Estado


de provedor‑mor da Santa Casa no peito, o Major Penelão de
Aguiar. E Lulu firme:
– Não abro mão! Vou embora para Ponte Nova. Já remeti
telegrama avisativo de minha chegada.
Em verdade Lulu Bergantim não foi por conta própria.
Vieram buscar Lulu em viagem especial, uma vez que era
fugido do hospício Santa Isabel de Inhangapi de Lavras. Na
despedida de Lulu Bergantim pingava tristeza dos olhos e dos
telhados de Curralzinho Novo. E ao dobrar a última rua da
cidade, estendeu o braço e afirmou:
– Por estas e por outras é que não atravessei o Rubicon!
Lulu foi embora embarcado em nunca‑mais. Sua estátua
ficou no melhor pedestal da praça das Acácias. Lulu em mangas
de camisa, de enxada na mão. Para sempre Lulu Bergantim!
n CARVALHO, José Cândido de. Os mágicos municipais:
contados, astuciados, sucedidos e acontecidos do povinho do Brasil.
Rio de Janeiro: José Olympio, 1984. p. 120‑122. n José Cândido de Carvalho (1914 ‑1989).

ando
oc
tr

ideias
Debata com seus colegas e professor:
• Qual é o efeito ou impressão do conto?
• O efeito ou impressão é construído ao longo da narrativa, mas só se revela no desfecho. Como
isso se dá no conto de José Cândido?
• O conto faz parte de um livro intitulado Os mágicos municipais: contados, astuciados, sucedidos
e acontecidos do povinho do Brasil. Segundo Gilberto Amado, em artigo publicado no livro de
José Cândido, “O primeiro requisito do burlesco – o absurdo, a surpresa espontaneamente
espoucando inesperados – revela no autor conhecimento do seu mister, capacidade de prever
e de medir o alcance de seus achados e desígnios”. De que maneira o escritor consegue mon‑
tar esse caráter burlesco, típico das farsas, no conto?

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PARTE 2 A CONSTRUÇÃO dOS TExTOS

O texto: leitura e reflexão


Solidariedade
Parei para olhá‑los.
Trabalhavam assim, de noite, naquela rua afastada, diante da grade metálica de uma loja.
Era uma grade pesada: usavam uma barra de ferro como alavanca, mas ela não se levantava.
Eu passeava por ali, sozinho e ao léu. Também peguei na barra, para fazer força. Eles abriram espaço
para mim.
Não acertavam o ritmo; falei “Ooh‑op!”. O companheiro da direita me deu uma cotovelada e me disse
baixinho: – Cale a boca! Você está maluco! Quer que nos ouçam?
Sacudi a cabeça como dizendo que tinha me escapado.
Atacamos de novo e suamos, mas no final tínhamos levantado tanto a grade metálica que já se podia
passar. Olhamo‑nos no rosto, contentes. Depois entramos. Mandaram‑me segurar um saco. Os outros levavam
umas coisas e botavam ali dentro.
– Tomara que esses velhacos da polícia não cheguem! – diziam.
– De fato – eu respondia. – Velhacos mesmo, é o que eles são!
– Silêncio. Não está ouvindo barulho de passos? – diziam de vez em quando. Eu ficava atento, com um
pouco de medo.
– Que nada, não são eles! – respondia.
– Eles sempre chegam quando menos se espera! – um me dizia.
Eu balançava a cabeça. – Matar todos eles, é o que se devia fazer – eu falava.
Depois me disseram para ir um pouco lá fora, até a esquina, e ver se estava chegando alguém. Eu fui.
– Uns ruídos lá longe, perto daquelas lojas – disse o meu vizinho.
Fiquei à espreita.
– Ponha a cabeça para dentro, imbecil, porque se nos virem vão escapar de novo – sussurrou.
– Eu estava olhando... – desculpei‑me e fiquei grudado no muro.
– Se a gente conseguir cercá‑los sem que eles percebam – disse o outro –, vamos pegá‑los numa arma‑
dilha, todos eles.
Nós nos mexíamos aos pulos, na ponta dos pés, prendendo a respiração: a toda hora olhávamos um
para o outro, com os olhos brilhando.
– Não vão mais escapar – disse eu.
– Finalmente vamos conseguir pegá‑los com a mão na massa – disse um.
Ulhôa Cintra/Arquivo da editora
– Já era hora – disse eu.
– Esses delinquentes canalhas, roubar assim as lojas! – disse o outro.
– Canalhas, canalhas! – repeti, com raiva.
Mandaram‑me um pouco para a frente, para ver. Fui parar dentro da loja.
– Agora – dizia um deles, pondo um saco no ombro – eles não nos pegam mais.
– Depressa – disse outro –, vamos dar no pé pelos fundos! Assim a gente
escapa, nas barbas deles.
Todos nós tínhamos um sorriso de triunfo nos lábios. – Vão ficar a ver navios
– disse. E escapuliu pelos fundos.
– Conseguimos tapeá‑los de novo, esses trouxas! – diziam. Nisso, ouviu‑se:
– Alto lá, quem está aí! – e as luzes se acenderam. Nós nos metemos num canto
escondido, pálidos, e nos seguramos pela mão. Eles entraram ali também, não
nos viram, voltaram para trás. Pulamos para fora, e pernas, para que te quero!
– Enganamos eles! – gritamos.
Tropecei duas ou três vezes e fiquei para trás. E me vi no meio dos outros que
também corriam.
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REALidAdE E fiCÇÃO NOS gêNEROS NARRATivOS CAPÍTULO 1

– Corra – me disseram –, que nós vamos pegá‑los.


E todos galopavam pelos becos, perseguindo‑os. – Corra por aqui, corte por ali – diziam, e agora os
outros só estavam um pouco na nossa frente, e eles gritavam: – Depressa, para que eles não escapem.
Consegui grudar nos calcanhares de um. Ele me disse: – Parabéns, você conseguiu escapar. Rápido, por aqui,
que eles vão perder a nossa pista! – e me encostei nele. Um pouco depois vi que eu estava sozinho, num beco.
Um deles passou pertinho de mim e disse, correndo: – Corra, por ali, eu os vi ali, não podem estar muito longe.
Corri um pouco, atrás dele. Depois parei, suando. Não havia mais ninguém, não se ouviam mais gritos.
Pus as mãos nos bolsos e recomecei a passear, sozinho e ao léu.
n CALVINO, Ítalo. Um general na biblioteca. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 28‑30.

1. O escritor Ítalo Calvino criou um personagem‑narrador, ou seja, optou por uma narrativa em primeira pessoa.
Justifique a opção feita pelo autor.

2. Ao longo do conto, observamos a presença de “outros” (“outros” em contraste com o protagonista). Quem
são eles?

3. Percebemos, no texto, marcas de primeira pessoa do plural (nós) e de terceira do plural (eles). No entanto,
podemos afirmar que há alternância quanto à referência dessas marcas de pessoa. Explique e exemplifique
com passagens do conto.

4. Dê uma explicação para a escolha do título.


5. As sequências descritivas não são recorrentes na narrativa de contos e, quando presentes, são curtas e
objetivas. Aponte uma passagem descritiva no conto e justifique‑a.

6. No conto, a marcação das falas é predominantemente em discurso direto tradicional: uso de travessão e
verbos de elocução. Em grande parte da narrativa, cada fala corresponde a um parágrafo; no final, nota‑se
que as falas se sucedem em um mesmo parágrafo, agrupadas. Comente o efeito provocado por isso.

7. Diz‑se que o conto é um recorte, um momento.


a) Em quanto tempo cronológico você acha que ocorre o conto?
b) O momento dramático desse conto está delimitado; podemos dizer que há uma situação inicial, a ação
propriamente dita e uma situação final. Explicite tal delimitação e comente o emprego de tempos verbais.

Mãos à
obra!
Atividade em dupla
Você leu textos em que ocorria a presença de um universo fantástico. Vamos sugerir a elabo‑
ração de uma narrativa, na qual esses elementos estejam fortemente presentes. Junte‑se a um
colega para criar o texto: libertem sua imaginação criadora.

gêNERO TExTUAL
Conto fantástico
Apresenta os mesmos elementos das narrativas: ações de personagens envolvidos em conflitos
que ocorrem em determinados tempo e espaço, relatadas por um narrador que pode ou não participar
dos acontecimentos. A diferença está na presença da magia, do absurdo, do inexplicável. Contradizem‑
‑se o natural e o sobrenatural, e os personagens, marcados pelas limitações humanas, em geral contam
com o auxílio de forças extraordinárias para poderem enfrentar e vencer os desafios que costumam
transcender nossa compreensão dos fenômenos da vida e da morte. Os contos fantásticos são textos
não restritos à esfera literária, circulando também nas esferas cinematográfica, teatral ou televisiva,
seja por suporte oral, impresso, digital ou midiático.

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PARTE 2 A CONSTRUÇÃO dOS TExTOS

Situação proposta → em um passado recente, um fato marcou a vida dos pescadores de uma pequena
aldeia no litoral brasileiro: quando saíam para a pesca, ao amanhecer, os homens do mar viram as ondas
trazerem um estranho e enorme objeto metálico até a praia.
Desafio → escrevam uma narrativa que busque desvendar o mistério: Que objeto é esse? Para que
serve? De onde ele veio? Como foi parar no mar? Quais são os desdobramentos do aparecimento desse objeto?
Em que ele vai interferir na vida dos habitantes do lugarejo? Como essa situação vai terminar? Como será a
vida dos pescadores após esse episódio?
Algumas dicas para a elaboração de seu relatório:
1. Tenham em mente que o leitor do texto de vocês será uma suposta autoridade que mais tarde terá
como tarefa investigar o ocorrido.
2. A partir do conflito instaurado, explorem toda a situação até chegar a um clímax que prenda total‑
mente a atenção de seu leitor, provocando nele efeitos amendrontadores. Deverá prevalecer no texto
um clima de apreensão, de tensão.
3. Narrem em terceira pessoa.
4. A trama deverá trabalhar entre os limites do real e do irreal; não definam as situações nem como
naturais nem como sobrenaturais, alimentando sempre certa ambiguidade, por meio de persona‑
gens e fatos enigmáticos.
5. Alternem os vários tipos de discurso para reproduzir as vozes dos personagens.
6. Usem na construção do texto sequências narrativas para relatar as ações e sequências descritivas
para compor o panorama do local da ação bem como descrever o estranho objeto. Vejam algumas
orientações na tabela a seguir.
7. Procurem revestir os fatos e as atitudes dos personagens de um significado simbólico.
8. Terminado o texto, releiam‑no e observem se ele tem verossimilhança interna. Corrijam possíveis
desvios.
9. Atribuam um título bastante interessante ao texto, de preferência que possa dar margem a várias
interpretações.
10. Empreguem uma das técnicas cinematográficas apresentadas anteriormente.
Relembrem as características linguísticas das sequências narrativa e descritiva:

sequência narrativa sequência descritiva


Foco no fato e na ação. Foco no ser.
Noção processual, de progressão temporal. Noção estática, de permanência temporal.
Predominância de verbos de estado (no presente
Predominância de verbos de ação (no pretérito
ou pretérito imperfeiro), adjetivos e circunstanciais
perfeito); circunstanciais espaço‑temporais.
espaciais.
Frases verbais; verbos de elocução.
Frases nominais, períodos curtos; coordenação.

Troquem o conto de vocês com o de outra dupla. Leiam o texto com atenção, colocando‑se no lugar do
leitor a que se destina: a autoridade que investigará o caso. Cada detalhe narrado terá grande importância.
Avaliem a lógica interna do texto e o emprego adequado dos discursos direto e indireto. Escrevam um
comentário para a dupla de colegas, tendo em vista, na avaliação de vocês, três pontos:
a) o desenvolvimento do ciclo narrativo na progressão das ações;
b) o cuidado com a linguagem (correção, fluência, expressividade);
c) o equilíbrio entre as sequências narrativas e descritivas e sua pertinência.
Verifiquem a possibilidade de montar uma antologia com os textos de todas as duplas.

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REALidAdE E fiCÇÃO NOS gêNEROS NARRATivOS CAPÍTULO 1

NO
Questões de exames FAÇARNO!
CAD
E

1. (Unesp‑SP) A questão toma por base um trecho do b) justifique o emprego de verbos no pretérito per‑
romance Mad Maria, do ficcionista contemporâneo feito, no quarto parágrafo, como parte das estra‑
Márcio Souza (1946). tégias narrativas escolhidas para a construção
do texto.
Mad Maria
Collier estava enfrentando os piores momen‑ 2. (Uerj)
tos de um trabalho tecnicamente simples. Mas Olhos de ressaca
são trinta milhas de pântanos e terrenos alagadi‑ Enfim, chegou a hora da encomendação e da
ços. Os homens estão passando por condições de
partida. Sancha quis despedir‑se do marido, e o
trabalho jamais imaginadas. Muitos morrerão,
desespero daquele lance consternou a todos.
porque o trabalho é duro, porque nunca estão
Muitos homens choravam também, as mulheres
suficientemente adaptados para enfrentar terre‑
todas. Só Capitu, amparando a viúva, parecia
no tão adverso. Collier gostaria de estar longe de
vencer‑se a si mesma. Consolava a outra, queria
tudo aquilo, não precisava mais se expor daquela
arrancá‑la dali. A confusão era geral. No meio
maneira. Ele sabia que poderia adoecer, e quem
dela, Capitu olhou alguns instantes para o cadá‑
caísse doente no Abunã estaria condenado. As
ver tão fixa, tão apaixonadamente fixa, que não
condições de trabalho não eram o forte daquele
admira lhe saltassem algumas lágrimas poucas e
projeto maluco.
caladas.
Collier pode ver um grupo de nove barbadia‑
As minhas cessaram logo. Fiquei a ver as dela;
nos carregando um trilho. O dia começa agora a
clarear e logo o sol estará forte e o céu sem nuvens. Capitu enxugou‑as depressa, olhando a furto
[...] para a gente que estava na sala. Redobrou de carí‑
Collier está com sede e tem uma ponta de dor cias para a amiga, e quis levá‑la; mas o cadáver
de cabeça, seu maior temor é de ficar doente no parece que a retinha também. Momento houve
Abunã, mas ninguém sabe que ele tem medo, é em que os olhos de Capitu fitaram o defunto,
um homem seco, fechado, quase sempre ríspido. quais os da viúva, sem o pranto nem palavras
Dentre as suas atribuições, ele chefia os cento e desta, mas grandes e abertos, como a vaga do mar
cinquenta trabalhadores, quarenta alemães tur‑ lá fora, como se quisesse tragar também o nada‑
bulentos, vinte espanhóis cretinos, quarenta bar‑ dor da manhã.
badianos idiotas, trinta chineses imbecis, além de n ASSIS, Machado de. Dom Casmurro.
São Paulo: Martin Claret, 2004.
portugueses, italianos e outras nacionalidades
exóticas, mais alguns poucos brasileiros, todos No texto, a descrição dos fatos não é objetiva, pois
estúpidos. Os mais graduados, embora minoritá‑ temos acesso aos traços e às ações dos demais
rios, são norte‑americanos. Os mandachuvas são personagens apenas por meio do olhar comprome‑
norte‑americanos e aquele é um projeto norte‑ tido do personagem‑narrador.
americano. Mas Collier é cidadão inglês, um A alternativa que indica uma estratégia utilizada
velho e obstinado engenheiro inglês. pelo personagem‑narrador para expressar um
n Márcio Souza, Mad Maria. 1ª‑ edição: 1980. ponto de vista individual dos fatos e a passagem
que a exemplifica é:
Em Mad Maria, os verbos estão flexionados em boa
a) enumeração de ações – “Consolava a outra, que‑
parte no presente do indicativo, como forma de
ria arrancá‑la dali.”
significar que os fatos estão ocorrendo no momen‑
to em que o enunciador os apresenta, simulando b) seleção de adjetivos e advérbios – “tão fixa, tão
maior proximidade e envolvimento. Tendo em vista apaixonadamente fixa”
essa ideia, c) narração em 1ª‑ pessoa – “As minhas cessaram
a) identifique, no segundo parágrafo do texto, um logo.”
advérbio que confirme linguisticamente essa d) imprecisão cronológica – “Momento houve em
tentativa de simulação de tempo presente; que os olhos de Capitu fitaram o defunto”.

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2 CAP Í T U L O 2

Estrutura da narrativa
Rocco/Arquivo da editora

Proponho-me a que não seja com-


plexo o que escreverei, embora seja
obrigado a usar as palavras que vos
sustentam. A história – determino
com falso livre-arbítrio – vai ter uns
sete personagens e eu sou um dos
mais importantes deles, é claro. Eu,
Rodrigo S. M. Relato antigo, este, pois
não quero ser modernoso e inventar
modismos à guisa de originalidade.
Assim é que experimentarei contra os
meus hábitos uma história com come-
ço, meio e “gran finale” seguido de
silêncio e de chuva caindo.
n Palavras do narrador do romance A hora da estrela, de Clarice Lispector.
6. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1981. p. 17.

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ESTRUTURA dA NARRATIVA CAPÍTULO 2

ELEMENTOS DA NARRATIVA
///////////////////////////////
///////////
//////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

E já que vamos contar, é melhor pôr um pouco de ordem, descer pela escada desta casa até o domingo
sete de novembro, exatamente há um mês. A gente desce cinco andares e já está no domingo, com um sol
inesperado para novembro em Paris, com muitíssima vontade de andar por aí, de ver coisas, de tirar fotos
(porque éramos fotógrafos, sou fotógrafo). Já sei que o mais difícil vai ser encontrar a maneira de contar, e
não tenho medo de me repetir. Vai ser difícil porque ninguém sabe direito quem é que verdadeiramente
está contando, se sou eu ou isso que aconteceu, ou o que estou vendo (nuvens, às vezes uma pomba) ou se
simplesmente conto uma verdade que é somente minha verdade, e então não é a verdade a não ser para
meu estômago, para esta vontade de sair correndo e acabar com aquilo de alguma forma, seja lá o que for.
n CORTÁZAR, Julio. As babas do diabo. In: As armas secretas. Rio de Janeiro: José Olympio, 2001. p. 61.

No fragmento acima, do escritor argentino Julio Cortázar (1914‑1984), o narrador explicita a montagem
da narrativa, ressaltando a necessidade de “pôr um pouco de ordem”, pois na hora de montar um texto nar‑
rativo, é necessário trabalhar com alguns elementos: foco narrativo (perspectiva do narrador), enredo, perso‑
nagens, espaço, tempo.
Antes de iniciarmos a teoria, vamos analisar alguns desses elementos presentes no conto abaixo, do escri‑
tor gaúcho Moacyr Scliar (1937‑2011).

O texto: leitura e reflexão


Nós, o pistoleiro, não devemos ter piedade
Nós somos um temível pistoleiro. Estamos num bar de uma pequena cidade do Texas. O ano é 1880.
Tomamos uísque a pequenos goles. Nós temos um olhar soturno. Em nosso passado há muitas mortes.
Temos remorsos. Por isto bebemos.
A porta se abre. Entra um mexicano chamado Alonso. Dirige‑se a nós com desrespeito. Chama‑nos de
gringo, ri alto, faz tilintar a espora. Nós fingimos ignorá‑lo. Continuamos bebendo nosso uísque a pequenos
goles. O mexicano aproxima‑se de nós. Insulta‑nos. Esbofeteia‑nos. Nosso coração se confrange. Não quería‑
mos matar mais ninguém. Mas teremos de abrir uma exceção para Alonso, cão mexicano.
Combinamos o duelo para o dia seguinte, ao nascer do sol. Alonso dá‑nos mais uma pequena bofeta‑
da e vai‑se. Ficamos pensativo, bebendo o uísque a pequenos goles. Finalmente atiramos uma moeda de
ouro sobre o balcão e saímos. Caminhamos lentamente em direção ao nosso hotel. A população nos olha.
Sabe que somos um temível pistoleiro. Pobre mexicano, pobre Alonso.
Entramos no hotel, subimos ao quarto, deitamo‑nos vestido, de botas. Ficamos olhando o teto, fuman‑
do. Suspiramos. Temos remorsos.
Já é manhã. Levantamo‑nos. Colocamos o cinturão. Fazemos a inspeção de rotina em nossos revólveres.
Descemos.
A rua está deserta, mas por trás das cortinas corridas adivinhamos os olhos da população fitos em nós.
O vento sopra, levantando pequenos redemoinhos de poeira. Ah, este vento! Este vento! Quantas vezes nos
viu caminhar lentamente, de costas para o sol nascente?
No fim da rua Alonso nos espera. Quer mesmo morrer, este mexicano.
Colocamo‑nos frente a ele. Vê um pistoleiro de olhar soturno, o mexicano. Seu riso se apaga. Vê muitas
mortes em nossos olhos. É o que ele vê.
Nós vemos um mexicano. Pobre diabo. Comia o pão de milho, já não comerá. A viúva e os cinco filhos
o enterrarão ao pé da colina. Fecharão a palhoça e seguirão para Vera Cruz. A filha mais velha se tornará
prostituta. O filho menor, ladrão.
Temos os olhos turvos. Pobre Alonso. Não devia nos ter dado duas bofetadas. Agora está aterrorizado.
Seus dentes estragados chocalham. Que coisa triste.
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PARTE 2 A CONSTRUÇÃO dOS TExTOS

Abê Fonseca/Arquivo da editora


Uma lágrima cai sobre o chão poeirento. É nossa. Levamos a mão
ao coldre. Mas não sacamos. É o mexicano que saca. Vemos a arma em
sua mão, ouvimos o disparo, a bala voa para o nosso peito, aninha‑se
em nosso coração. Sentimos muita dor e tombamos.
Morremos, diante do riso de Alonso, o mexicano.
Nós, o pistoleiro, não devíamos ter piedade.
n SCLIAR, Moacyr. In: Para gostar de ler – contos. São Paulo: Ática, 1984. v. 9. p. 57‑58.

1. O escritor gaúcho contemporâneo Moacyr Scliar realiza um interes‑


sante trabalho com o narrador, o que nos permite enquadrar o conto
na literatura fantástica. Comente esse trabalho.
2. A última frase do conto dialoga com o título.
a) Comente os tempos verbais empregados.
b) Reescreva a última frase, alterando o tempo verbal, mas sem alterar profundamente o sentido.
3. Caracterize o cenário, do geral para o particular.
4. Destaque uma sequência indicadora de passagem do tempo.
5. Analise a construção e a solução do conflito: pistas, desfecho.
6. Como você percebeu, o autor utiliza um estilo muito peculiar, com frases curtas, pouca subordinação. Qual
seria a intenção do autor? Que efeito esse estilo provoca?

Foco narrativo
Nunca se saberá como isto deve ser contado, se na primeira ou na segunda pessoa, usando a terceira do
plural ou inventando constantemente formas que não servirão para nada. Se fosse possível dizer: eu viram
subir a lua, ou: em mim nos dói o fundo dos olhos, e principalmente assim: tu mulher loura eram as nuvens
que continuavam correndo diante de meus teus seus nossos vossos seus rostos. Que diabo.
n CORTÁZAR, Julio. As babas do diabo. In: As armas secretas. Rio de Janeiro: José Olympio, 2001. p. 60.

Foco narrativo é a perspectiva através da qual o narrador relata os acontecimentos da narrativa. Pode‑se
afirmar que é, ao lado do enredo, a principal definição que o autor faz antes de iniciar a narração.
De modo geral, a narrativa é escrita em primeira ou em terceira pessoa. Daí, falar‑se em:
• foco narrativo de terceira pessoa: o narrador não participa ativamente dos acontecimentos; a narração ganha
maior objetividade. Nas narrativas em terceira pessoa, o narrador pode ser onisciente ou observador.
– o narrador onisciente conhece toda a história que relata e até os pensamentos dos personagens envolvidos nela;
– o narrador observador não conhece toda a história, apenas relata os fatos à medida que eles vão aconte‑
cendo; não pode, portanto, fazer antecipações, nem variações no relato da história.
Leia este pequeno fragmento do romance Quincas Borba, de Machado de Assis.
Um criado trouxe o café. Rubião pegou na xícara e, enquanto lhe deitava açúcar, ia disfarçadamente
mirando a bandeja, que era de prata lavrada. Prata, ouro, eram os metais que amava de coração; não gostava
de bronze, mas o amigo Palha disse‑lhe que era matéria de preço, e assim se explica este par de figuras que
aqui está na sala, um Mefistófeles e um Fausto. Tivesse, porém, de escolher, escolheria a bandeja – primor
de argentaria, execução fina e acabada.
Abê Fonseca/Arquivo da editora

n ASSIS, Machado de. Quincas Borba. São Paulo: Scipione, 2004. p. 5.

Esse é um caso de foco narrativo em terceira pessoa com narrador onisciente:


observe como ele, além de contar o acontecimento, retrata os sentimentos, os
desejos e mesmo o jogo de cena do personagem; sabemos, por exemplo, que Rubião
mirava disfarçadamente a bandeja, que amava de coração os metais nobres.
O narrador conhece até as prováveis opções de Rubião: a preferência pela bandeja
de prata em detrimento dos bustos de bronze.

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ESTRUTURA dA NARRATIVA CAPÍTULO 2

• foco narrativo de primeira pessoa: entra em cena o narrador‑protagonista ou o narrador‑coadjuvante; nas


narrativas em primeira pessoa, a narratividade ganha mais subjetividade, pois o narrador está envolvido na
ação relatada.
Perceba o envolvimento do personagem‑narrador com os fatos neste pequeno fragmento do romance
O Ateneu, de Raul Pompeia.

Uma hora mais tarde, na cama de ferro do salão azul, compenetrado da tristeza de hospital dos
dormitórios, fundos na sombra do gás mortiço, trincando a colcha branca, eu meditava o retrospecto do
meu dia.
Era assim o colégio. Que fazer da matalotagem dos meus planos?
Onde meter a máquina dos meus ideais naquele mundo de brutalidade, que me intimidava com os
obscuros detalhes e as perspectivas informes, escapando à investigação da minha inexperiência? Qual o
meu destino, naquela sociedade que o Rebelo descrevera horrorizado, com as meias frases de mistério,
suscitando temores indefinidos, recomendando energia, como se coleguismo fosse hostilidade? De que
modo alinhar a norma generosa e sobranceira de proceder com a obsessão pertinaz do
Barbalho? Inutilmente buscara reconhecer no rosto dos rapazes o nobre aspecto da

Reprodução/Arquivo da editora
solenidade dos prêmios, dando‑me ideia da legião dos soldados do trabalho, que frater‑
nizavam no empenho comum, unidos pelo coração e pela vantagem do coletivo esfor‑
ço. Individualizados na debandada do receio, com as observações ainda mais da
crítica do Rebelo, bem diverso sentimento inspiravam‑me. A reação do contraste
induzia‑me a um conceito de repugnância que o hábito havia de esmorecer, que
me tirava lágrimas àquela noite. Ao mesmo tempo oprimia‑
‑me o pressentimento da solidão moral, fazendo adivi‑
nhar que as preocupações mínimas e as concomitan‑
tes surpresas inconfessáveis dariam pouco para as
efusões de alívio, a que corresponde o conselho, a
consolação.
Nada de protetor, dissera Rebelo. Era o ermo. E,
na solidão, conspiradas, as adversidades de toda a
espécie, falsidade traiçoeira dos afetos, perseguição
da malevolência, espionagem da vigilância; por cima
de tudo, céu de trovões sobre os desalentos, a fúria
tonante de Júpiter‑diretor, o tremendo Aristarco dos
momentos graves.
n POMPEIA, Raul. O Ateneu. São Paulo: Scipione, 1995. n Alunos do Ateneu, em desenho de Raul Pompeia.

O fragmento acima exemplifica a subjetividade de um personagem-narrador: observe como ele, Sérgio, fala sobre
sua visão em relação ao colégio e à vida que leva nele, sempre valorizando seus sentimentos e emoções,
resultando numa narrativa de tom impressionista.

FILMOTECA

Blow-up – depois daquele beijo. Direção: Michelangelo Antonioni. Com Vanessa Redgrave, Sarah Miles, David Hemmings, John Castle.
Genial trabalho de Antonioni, um marco na linguagem cinematográfica dos anos de 1960; o filme é uma adaptação do conto “As babas
do diabo”, de Julio Cortázar.

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PARTE 2 A CONSTRUÇÃO dOS TExTOS

Enredo
O enredo é a própria trama da narrativa, ou seja, o desenrolar dos acontecimentos. A palavra enredo remete
ao campo lexical do ato de tecer, de entrelaçar os fatos. No Dicionário Aurélio encontram‑se os seguintes verbetes:
enredar [De en-2 + rede + -ar 2.] V. t. d. 1. Colher ou prender na rede. 2. Entrelaçar (os ramos) uns pelos
outros. 3. Prender, cativar, apanhar. 4. Armar intrigas, enredos; intrigar: A inveja enredou‑o. 5. Tecer, elaborar,
travar o enredo de (obra literária). 6. Emaranhar, enlear. 7. Complicar, embaraçar: Novos quesitos vinham
enredar o problema.
enredo (ê). [Dev. de enredar.] S. m. 1. Ato ou efeito de enredar(‑se). 2. Intriga, mexerico, confusão.
3. Manha, ardil, maquinação. 4. Mentira que ocasiona aborrecimentos, inimizades. 5. Conjunto dos fatos
encadeados que constituem a ação de uma obra de ficção (peça de teatro, romance, filme, novela, etc.); entre‑
cho, fábula, intriga, trama, urdidura.
n FERREIRA, Aurélio B. de Holanda. Dicionário Aurélio Eletrônico – século XXI. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

Enredo, ou trama, ou intriga, é, podemos dizer, o esqueleto da narrativa, aquilo que dá sustentação à história, o que
a estrutura, ou seja, é o desenrolar dos acontecimentos (é a linha se entrelaçando, formando a malha, a trama, a rede, o
tecido, o texto). Geralmente, o enredo está centrado em um conflito, responsável pelo nível de tensão da narrativa.
Segundo René Wellek e Austin Warren:

“É habitual dizer‑se que todos os enredos envolvem um conflito: o homem contra a natureza, ou o
homem contra os outros homens, ou o homem lutando contra si próprio. Por isso, poderíamos afirmar
que a ‘alma’ da narrativa é justamente esse conflito, que surge em meio ao enredo, à trama narrativa.”
n WELLEK, René; WARREN, Austin. Teoria da literatura. Lisboa: Europa‑América, 1976.

Personagens
A palavra personagem deriva do vocábulo latino persona, que significa “máscara” (no teatro greco‑latino os
atores utilizavam máscaras para representar os personagens que interpretavam).
O personagem na narrativa pode ser uma pessoa com características reais ou imaginárias, ou a personifi‑
cação de animais, ideias, forças da natureza. Quanto à sua importância na trama, os personagens podem ser
principais e secundários.
O personagem principal de uma narrativa é chamado de protagonista (o principal ator ou lutador) e, depen‑
dendo do escritor e do estilo de época, pode ser apresentado de maneira mais idealizada (como os heróis român‑
ticos) ou mais próxima do real. O protagonista, via de regra, vai se defrontar com o antagonista – o que luta contra
algo ou alguém. Observe que as palavras protagonista/antagonista já denunciam, em sua significação, o conflito.
Assim como podem representar um ser em particular, os personagens também podem representar um
determinado tipo humano, identificado por características sociais, econômicas, étnicas, profissionais, comporta‑
mentais, etc. Muitas vezes, esse tipo de personagem apresenta determinados traços ou comportamentos extre‑
mamente realçados, tornando‑se um personagem caricatural.

Os destroços de um bigode
Abê Fonseca/Arquivo da editora

“E quando Miguel Pereda, cantor de tango argentino, desceu a bigo‑


deira e o olhar de acordeão na Praça do Rosário, foi um rebuliço em tom
maior. O empresário do cantante, Juquinha de Andrade, arrendatário do
Parque Pequim, em conversa na Associação Comercial de Penedos, avisou:
– Quem tiver mulher duvidosa que mande para longe do olhar
arrancatramela de Miguel Pereda. É o maior abridor de quarto de moça
solteira e dama casada que já vi.”
n CARVALHO, José Cândido de. In: Os mágicos municipais. Rio de Janeiro: José Olympio, 1984.

A caracterização de Miguel Pereda nos permite classificá-lo como um personagem caricatural. A seleção vocabular empregada para
descrever o bigode, o olhar, o comportamento do personagem o colocam como caricatura do cantor de tango, pretenso sedutor, boêmio.

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ESTRUTURA dA NARRATIVA CAPÍTULO 2

Personagem e enredo
Veja como se dá a relação personagem/enredo, segundo o crítico Antonio Candido:
Geralmente, da leitura de um romance fica a impressão duma série de fatos, organizados em enredo, e
de personagens que vivem esses fatos. É uma impressão praticamente indissolúvel: quando pensamos no
enredo, pensamos simultaneamente nas personagens; quando pensamos nestas, pensamos simultanea‑
mente na vida em que se enredam, na linha do seu destino – traçada conforme uma certa duração temporal,
referida a determinadas condições de ambiente. O enredo existe através das personagens; as personagens
vivem no enredo. Enredo e personagem exprimem, ligados, os intuitos do romance, a visão da vida que
decorre dele, os significados e valores que o animam.
n A personagem de ficção. São Paulo: Perspectiva, 1987. p. 53‑54.

Espaço
Espaço da narrativa é o lugar onde decorre a ação do enredo, onde se movimentam os personagens.
Geralmente, a apresentação do espaço é marcada por sequências descritivas no meio da narrativa.
Em algumas narrativas, o espaço ganha importância por assumir o papel de personagem ou por se identi‑
ficar com um personagem específico, seja por suas características, seja por seu estado emocional.
No romance naturalista O cortiço, de Aluísio Azevedo, encontramos exemplos de como o espaço pode ter
destaque. Nessa narrativa, o enredo está ambientado num local específico, tão importante quanto os persona‑
gens que circulam nele – é como se o cortiço tivesse vida própria; há também um mimetismo entre o espaço e
os personagens, ou pelo menos com algumas de suas características comportamentais. Assim, é possível enten‑
der o espaço num sentido estrito (geográfico) ou num sentido conotativo, translato, que vai além do sentido
original, como afirmam Carlos Reis e Ana Cristina Lopes:

“Entendido como domínio específico da história, o espaço integra, em primeira instância, os


componentes físicos que servem de cenário ao desenrolar da ação e à movimentação das persona‑
gens: cenários geográficos, interiores, decorações, objetos, etc.; em segunda instância, o conceito
de espaço pode ser entendido em sentido translato, abarcando então tanto as atmosferas sociais
(espaço social) como até as psicológicas (espaço psicológico).”
n REIS, Carlos; LOPES, Ana C. M. Dicionário de teoria da narrativa. São Paulo: Ática, 1988. p. 204.

Werner Rudhart/kino.com.br
Desde a publicação de Os ser-
tões, de Euclides da Cunha, em
1902, e com grande destaque
nas décadas de 1930-1940,
com o romance regionalista, o
sertão nordestino transformou-
-se em elemento fundamental
de romances, peças de teatro,
poesias e letras de canções.

Tempo
Se a narrativa está baseada numa progressão temporal, sem dúvida o elemento tempo é de suma impor‑
tância para indicar a sucessão das horas, dos dias, dos anos, assim como a noção de presente, passado e futuro.
As narrativas podem basear‑se num tempo cronológico, ou seja, aquele medido ora pela natureza (a pas‑
sagem do dia para a noite), ora por mecanismos de medição temporal (como o relógio ou a divisão em anos,
meses, semanas, etc.). O tempo cronológico marca a noção temporal mensurável do enredo.
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PARTE 2 A CONSTRUÇÃO dOS TExTOS

Mas também podemos observar o tempo psicológico, que não é racionalmente mensurável, já que se trata
de um tempo que pertence ao mundo interior do personagem. O tempo psicológico é marcado pelas sensações
vivenciadas pelo personagem em relação a um determinado momento temporal: um minuto pode ter uma
duração de dez anos ou dez anos podem ter a duração de um minuto.
Observe o tempo psicológico numa passagem do fragmento de

PhotoDisc/Arquivo da editora
O cortiço que acabamos de ler:
Quis saber que horas eram e não pôde; afigurava‑se‑lhe
terem decorrido já três dias pelo menos durante aquela aflição.
Calculou que não tardaria a amanhecer, se é que ainda amanhe‑
ceria: se é que aquela noite infernal não se fosse prolongando
infinitamente, sem nunca mais aparecer o sol!

Na famosa cena do Jardim de Capuleto, de Romeu e Julieta, de Shakespeare,


temos, numa fala de Julieta, um excelente exemplo explícito de tempo psicológico:
Ama — A senhora vossa mãe está vindo para aqui. Já despontou o dia! Sede pru-
dente, atenção!
Julieta — Então, janela, deixa entrar o dia, deixa sair a vida!
Romeu — Adeus, adeus! Um beijo e descerei. (desce)
Julieta — Partes assim? Meu senhor, meu amor, meu amigo! Necessito saber
notícias tuas a todo dia e toda hora!... Porque num minuto há muitos dias! Oh!
segundo esta conta, terei envelhecido antes que torne a ver meu Romeu!

Dependendo da valorização ou do trabalho com o tempo na construção da narrativa, podemos encontrar


brincadeiras temporais. Mas, para comentar algumas delas, além de entender o que é o tempo cronológico e o
psicológico, temos que diferenciar duas noções:
história os acontecimentos em ordem cronológica, base do enredo
relato forma de apresentar os acontecimentos, base do enredo
Vejamos agora algumas brincadeiras temporais:
• Relato em ordem cronológica: história e relato coincidem, cria‑se a expectativa em relação ao final.
• Relato não cronológico: história e relato não coincidem, cria‑se a expectativa em relação às outras partes da
narrativa.
No dia em que o matariam, Santiago Nasar levantou‑se às 5h30m da manhã para esperar o navio em que
chegava o bispo. Tinha sonhado que atravessava um bosque de grandes figueiras onde caía uma chuva branda, e
por um instante foi feliz no sonho, mas ao acordar sentiu‑se completamente salpicado de cagada de pássaros.
“Sempre sonhava com árvores”, disse‑me sua mãe 27 anos depois, evocando pormenores daquela segunda‑feira
ingrata. “Na semana anterior tinha sonhado que ia sozinho em um avião de papel aluminizado que voava sem
tropeçar entre as amendoeiras”, disse‑me. Tinha uma reputação muito bem merecida de intérprete certeira dos
sonhos alheios, desde que fossem contados em jejum, mas não percebera
Ulhôa Cintra/Arquivo da editora

qualquer augúrio aziago nesses dois sonhos do filho, nem nos outros sonhos
com árvores que ele lhe contara nas manhãs que precederam sua morte.
n MÁRQUEZ, Gabriel García. Crônica de uma morte anunciada. 25. ed.
Rio de Janeiro: Record, 1999. p. 9.

Observe que, na construção da narrativa do escritor colombiano, o final está explícito:


Santiago Nasar foi assassinado. O trecho acima é o primeiro parágrafo do romance, em
que o final da história está escancarado. É interessante comentar que o narrador em
terceira pessoa é um jornalista que, 27 anos depois do assassinato, como está
explícito no fragmento, tenta reconstruir a história partindo de trás para frente. A
expectativa, então, fica por conta da descrição do próprio Nasar, da descrição do(s)
assassino(s), da motivação para o crime.

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ESTRUTURA dA NARRATIVA CAPÍTULO 2

• Retrospectivas ou antecipações: personagens ou o próprio narrador se remetem a momentos passados (flash-


back) ou a momentos futuros em relação ao momento presente do relato.
• Aceleração ou duração temporal: a manipulação do tempo cronológico no relato, segundo as impressões dos
personagens (tempo psicológico) ou as valorizações do narrador, que pode dar maior ou menor destaque a um
determinado momento da história.

O lugar todo, com a descida da trilha e com o seguimento de uma curva fechada disfarçada por rochas
e mato, parecia precipitar‑se para baixo e tornar‑se uma “vista” pura e simples, uma vista de grande exten‑
são e beleza, mas projetada e vertiginosa. Milly, diante da promessa daquilo lá de cima, descera direto, sem
parar, até tê‑la inteira diante de si: e ali, no que à amiga pareceu a estonteante borda, sentava‑se à vontade.
A trilha de algum modo cuidava de si mesma e de seu objetivo final, mas o assento da moça era uma laje ao
fim de um curto promontório ou excrescência que simplesmente apontava para abismos de ar à direita, e
colocada pela boa sorte, senão pela má, de modo a acabar sendo inteiramente visível. Pois a Sra. Stringham
abafou um grito ao perceber o que julgava ser o perigo de um tal posto para uma simples mocinha; o risco
de escorregar, resvalar, saltar, precipitar‑se com um único movimento em falso, uma virada de cabeça –
quem iria saber? – no que quer estivesse embaixo. Mil ideias, naquele minuto, rugiram nos ouvidos da pobre
senhora, mas sem chegar, na verdade, a Milly. [...] Observou por mais um instante, conteve a respiração, e
jamais soube depois quanto tempo se passara.
Não muitos minutos, provavelmente, mas não pareceram poucos, e tinham‑lhe dado tanto que pensar,
não apenas enquanto se esgueirava para casa, mas enquanto esperava depois na hospedaria, que ainda se
achava ocupada com isso quando, mais tarde, Milly reapareceu. [...]
Durante os minutos de respiração presa de sua observação, vira a companheira em nova luz: seu tipo,
aspecto, sinais, sua história, seu estado, sua beleza, seu mistério, tudo inconscientemente se traía ao ar
alpino, e tudo se juntara de novo para alimentar a chama da Sra. Stringham. São coisas que ficarão mais
claras para nós, e enquanto isso brevemente representadas pelo entusiasmo, mais forte na nossa amiga
que qualquer dúvida.
n JAMES, Henry. As asas da pomba. Rio de Janeiro: Ediouro, 1998. p. 114‑116.

No fragmento acima, do romance do escritor norte-americano, naturalizado inglês, Henry James, temos um narrador onisciente que
comenta o tempo psicológico do personagem Sra. Stringham ao deparar com uma situação que lhe provoca certo pavor: ver o
personagem Milly à beira de um precipício. Poucos minutos parecem se intensificar tanto que se perde a noção do tempo transcorrido.
Há ainda outra característica interessante desse narrador: além de envolver totalmente o leitor com o enredo (observe o emprego da
primeira pessoa do plural nos pronomes pessoais e possessivos referindo-se a ele, narrador, e ao leitor), provoca-o e instiga-o dizendo
“São coisas que ficarão mais claras”, ou seja, antecipa a sensação de “o que será que isso quer dizer?” do leitor e de que outros
acontecimentos estarão relacionados a essa passagem.

FILMOTECA
Divulgação/Arquivo da editora

As asas do amor. Direção de Iain Softley. Estados Unidos/Reino Unido, 1997. Com Helena
Bonham Carter, Linus Roache, Alison Eliot, Elizabeth McGovern.
Nesta adaptação do romance As asas da pomba, de Henry James, Kate Croy vive na
Londres de 1910, sob a proteção econômica da sua tia Maude, que gostaria de vê‑la casada
com Lord Mark. Kate, porém, mantém uma relação com o jornalista Merton Densher. Mas
contrariar a vontade da tia significaria ser deserdada. Kate conhece, então, uma americana
rica, Milly Theale, com quem inicia uma profunda amizade.

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PARTE 2 A CONSTRUÇÃO dOS TExTOS

Os elementos da narrativa no gênero HQ

GÊNERO TExTUAL
História em quadrinhos
As histórias em quadrinhos são uma micronarrativa cinematográfica, com personagens atuando em
um determinado espaço, em uma sequência temporal (cada quadrinho corresponde a um momento).
Articulando texto e imagem, revelam ações e reações dos personagens com recursos próprios: sucessão
dos quadrinhos, cenários, linhas de movimentação, expressões faciais, balões, onomatopeias (reproduzin‑
do sons), símbolos típicos, cores, tamanhos e formatos das letras. Essa expressão artística, que teve seu
auge na figura dos grandes heróis após a Segunda Guerra, no século passado, diversificou‑se em variados
estilos e ainda mantém público fiel, estabelecendo interlocução com outras formas de arte e circulando
em diversas esferas, com suporte impresso, midiático e virtual.

Adão Iturrusgarai. Aline. Folha de


S.Paulo, 10 out. 2003.
n ITURRUSGARAI, Adão. Aline. Folha de S.Paulo. Disponível em: <http://acervo.folha.com.br/fsp/2003/10/10/21/>. Acesso em: 11 fev. 2013.

Na tira acima há um narrador (a fala no canto superior do primeiro quadrinho),


a personagem Aline e o cenário (o cativeiro) desempenhando papel relevante.

ando
oc
tr

ideias
Para melhor análise dos elementos da narrativa, transcrevemos a seguir dois pequenos
contos – um de Rubem Fonseca, outro de Marina Colasanti – com características distintas quan‑
to a narrador, personagem, espaço, enredo.
Após a leitura dos textos, reúnam‑se em pequenos grupos e discutam o trabalho realizado
pelos autores com os elementos da narrativa.
Os grupos deverão ser formados por cinco integrantes, que irão se identificar com um
número, de 1 a 5.
Depois de um tempo previamente estabelecido para a realização da atividade, cada ele‑
mento sai de seu grupo inicial portando suas anotações para entrar em uma nova formação de
outros cinco grupos, um constituído apenas de alunos cujo número era 1, outro constituído de
alunos cujo número era 2 e assim por diante. Ouvindo cada elemento do novo grupo, você pode‑
rá tomar conhecimento das conclusões a que chegaram todos os grupos iniciais. Da mesma
maneira, faça para seus colegas o relato dos resultados das discussões de seu grupo anterior.
Seja rápido e eficiente nesse relato, uma vez que o tempo será cronometrado pelos colegas.
Cuide da dicção e da correção de sua fala para que seja bem sucedido em sua exposição.

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ESTRUTURA dA NARRATIVA CAPÍTULO 2

Corrente
Após meses de sofrimento e solidão chega o correio:
esta corrente veio da Venezuela escrita por Salomão Fuais
para correr mundo
faça vinte e quatro cópias e mande a amigos em lugares distantes:
antes de nove dias terá surpresa, graças a santo Antônio.
Tem vinte e quatro cópias, mas não tem amigos distantes.
José Edouard, Exército venezuelano, esqueceu de distribuir cópias
perdeu o emprego.
Lupin Gobery incendiou cópia, casa pegou fogo,
metade da família morreu.
Mandar então a amigos em lugares próximos.
Também não tem amigos em lugares próximos.
Fecha a casa.
Deitado na cama, espera surpresa.
n FONSECA, Rubem. Lúcia McCartney. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 131.

A honra passada a limpo


Sou compulsiva, eu sei. Limpeza e arrumação.
Todos os dias boto a mesa, tiro a mesa. Café, almoço, jantar. E pilhas de louça na pia, e espumas
redentoras.
Todos os dias entro nos quartos, desfaço camas, desarrumo berços, lençóis ao alto como velas.
Para tudo arrumar depois, alisando colchas de crochê.
Sou caprichosa, eu sei. Desce o pó sobre o móveis. Que eu colho na flanela. Escurecem‑se as pra‑
tas. Que eu esfrego com a camurça. A aranha tece. Que eu enxoto. A traça rói. Que eu esmago. O cupim
voa. Que eu afogo na água da tigela sob a luz.
E de vassoura em punho gasto tapetes persas.
Sou perseverante, eu sei. À mesa que ponho ninguém senta. Nas camas que arrumo ninguém
dorme. Não há ninguém nesta casa, vazia há tanto tempo.
Mas sem tarefas domésticas, como preencher de feminina honradez a minha vida?
n COLASANTI, Marina. Contos de amor rasgados. Rio de Janeiro: Rocco, 1986. p. 187.

Atividades
Texto 1
Você lerá agora a letra de uma canção composta por Renato Russo (1960‑1996), músi‑
co fundador da banda Legião urbana. A canção faz parte do álbum Dois, lançado em 1986,
que obteve enorme sucesso (mais de um milhão de cópias vendidas). Sempre surpreenden‑
te em suas composições, Renato cria um longo poema narrativo, sem muitas repetições
nem rimas regulares, mas que teve grande aceitação do público.
Em sua leitura, procure observar as características distintas dos dois personagens princi‑
pais da narrativa e a evolução no relacionamento (que inicialmente parecia improvável) dos dois.

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PARTE 2 A CONSTRUÇÃO dOS TExTOS

Ulhôa Cintra/Arquivo da editora


Eduardo e Mônica
Quem um dia irá dizer
Que existe razão
Nas coisas feitas pelo coração?
E quem irá dizer
Que não existe razão?
Eduardo abriu os olhos mas não quis se levantar:
Ficou deitado e viu que horas eram
Enquanto Mônica tomava um conhaque,
Noutro canto da cidade,
Como eles disseram.
Eduardo e Mônica um dia se encontraram sem querer
E conversaram muito mesmo pra tentar se conhecer.
Foi um carinha do cursinho do Eduardo que disse:
– Tem uma festa legal e a gente quer se divertir.
Festa estranha, com gente esquisita:
– Eu não estou legal. Não aguento mais birita.
E a Mônica riu e quis saber um pouco mais
Sobre o boyzinho que tentava impressionar
E o Eduardo, meio tonto, só pensava em ir pra casa:
– É quase duas, eu vou me ferrar.
Eduardo e Mônica trocaram telefone
Depois telefonaram e decidiram se encontrar.
O Eduardo sugeriu uma lanchonete
Mas a Mônica queria ver o filme do Godard.
Se encontraram então no parque da cidade
A Mônica de moto e o Eduardo de camelo.
O Eduardo achou estranho e melhor não comentar
Mas a menina tinha tinta no cabelo.
Eduardo e Mônica eram nada parecidos –
Ela era de Leão e ele tinha dezesseis.
Ela fazia Medicina e falava alemão
E ele ainda nas aulinhas de inglês.
Ela gostava do Bandeira e do Bauhaus,
De Van Gogh e dos Mutantes,
De Caetano e de Rimbaud
E o Eduardo gostava de novela
E jogava futebol de botão com seu avô.
Ela falava coisas sobre o Planalto Central,
Também magia e meditação.
E o Eduardo ainda estava
No esquema “escola, cinema, clube, televisão”.
E, mesmo com tudo diferente,
Veio mesmo, de repente,
Uma vontade de se ver
E os dois se encontravam todo dia
E a vontade crescia,
Como tinha de ser.

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ESTRUTURA dA NARRATIVA CAPÍTULO 2

Ulhôa Cintra/Arquivo da editora


Eduardo e Mônica fizeram natação,
fotografia,
Teatro e artesanato e foram viajar.
A Mônica explicava pro Eduardo
Coisas sobre o céu, a terra, a água e o ar:
Ele aprendeu a beber, deixou o cabelo
crescer
E decidiu trabalhar;
E ela se formou no mesmo mês
Em que ele passou no vestibular
E os dois comemoraram juntos
E também brigaram juntos, muitas vezes
depois.
E todo mundo diz que ele completa ela e
vice‑versa,
Que nem feijão com arroz.
Construíram uma casa uns dois anos atrás,
Mais ou menos quando os gêmeos vieram –
Batalharam grana e seguraram legal
A barra mais pesada que tiveram.
Eduardo e Mônica voltaram pra Brasília
E a nossa amizade dá saudade no verão.
Só que nessas férias não vão viajar
Porque o filhinho do Eduardo
Tá de recuperação.
E quem um dia irá dizer
Que existe razão
Nas coisas feitas pelo coração?
E quem irá dizer
Que não existe razão?
n RUSSO, Renato. Eduardo e Mônica. In: Legião Urbana, CD Emi/Odeon.

GÊNERO TExTUAL
Canção
Intrinsecamente ligadas à melodia, as letras da canção popular possuem características poéticas,
como versos, estrofes, ritmo, rimas, linguagem figurada, mas não podem ser consideradas isoladamente.
Trata‑se de um gênero híbrido, em que se aliam, em sua materialidade, linguagem verbal e linguagem
musical. Restrita inicialmente a meios populares – como no caso das modinhas e das serenatas –, a música
popular brasileira ganhou destaque no início do século passado com a ascensão do rádio, abriu‑se em um
leque de estilos variados e ampliou progressivamente seu público até se tornar um fenômeno de massas.
As canções são tocadas e cantadas não apenas em rádios, mas em programas de tevê, filmes, peças de
teatros, shows, espetáculos de dança e outros... As tecnologias digitais vieram trazer mudanças à forma de
comercialização da música popular.

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PARTE 2 A CONSTRUÇÃO dOS TExTOS

1. A estrofe que abre e fecha o texto dá o tom do enredo e nos coloca diante de duas interrogações.
a) Justifique a presença dessa estrofe, a partir dos personagens.
b) Dê sua resposta às interrogações.

2. O que sabemos sobre Eduardo e Mônica nos é contado por um narrador; ele é o responsável pela organi‑
zação dos fatos, pela seleção das informações que caracterizam os personagens, etc. Ou seja, há um
ponto de vista do narrador (foco narrativo). Caracterize o ponto de vista do narrador do texto.

3. Os fatos narrados obedecem a uma progressão temporal. Daquela festinha legal em que Mônica e
Eduardo se conheceram até o filhinho deles estar de recuperação, quantos anos você diria que se pas‑
saram?

4. Há na letra da canção algumas referências que o leitor deverá conhecer para que se dê o entendimento
completo do texto. A que campo das artes podem ser relacionados: Godard, Bandeira, Bauhaus, Van
Gogh, Mutantes, Caetano e Rimbaud? O que essas referências culturais revelam sobre Mônica? Por que
foram citadas?

Texto 2
Transcrevemos, a seguir, um fragmento do romance Frankenstein, da escritora inglesa Mary Shelley
(1797‑1851).

O inverno, a primavera e o verão se passaram enquanto eu trabalhava; não observei, porém, as


flores que desabrochavam ou as folhas que cresciam – visões que antes me enchiam de uma satisfa‑
ção suprema –, pois estava profundamente absorto em minhas ocupações. As folhas daquele ano
murcharam antes que meu trabalho se aproximasse da conclusão, e agora cada dia mostrava‑me
mais claramente o quão bem‑sucedido eu fora. [...] Às vezes, eu me alarmava ao perceber a ruína em
que me encontrava; a energia do meu propósito era tudo o que me sustentava: meus esforços termi‑
nariam em breve, e eu acreditava que o exercício e a diversão afastariam, então, a doença incipiente;
prometi a mim mesmo dedicar‑me a ambos quando minha criação se completasse.
Foi numa terrível noite de novembro que vi meu árduo trabalho chegar ao fim. Com uma ansie‑
dade que beirava a agonia, reuni ao meu redor os instrumentos necessários, de modo a poder infundir
uma centelha de vida ao ser inanimado que jazia a meus pés. Já era uma hora da manhã; a chuva
tamborilava lúgubre nas vidraças e minha vela já quase se havia extinguido quando, à sua luz bru‑
xuleante já meio consumida, vi os olhos amarelos e opacos da criatura se abrirem; inspirou com força,
e um movimento convulsivo agitou‑lhe os membros.
n SHELLEY, Mary. Frankenstein. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. p. 69‑70.

1. Caracterize o foco narrativo.


2. Como a autora do texto trabalha o elemento tempo no primeiro parágrafo transcrito?
3. No segundo parágrafo transcrito, há um interessante trabalho com os elementos tempo e espaço, para
caracterizar o clima da narrativa. Comente‑o.

4. No segundo parágrafo, nota‑se um interessante trabalho com a linguagem, em uma especial seleção e
combinação de palavras. Destaque as palavras e comente o efeito de sentido que elas produzem.
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ESTRUTURA dA NARRATIVA CAPÍTULO 2

Mãos à
obra!
Como você viu, a letra de “Eduardo e Mônica”, embora escrita em versos, apresenta todos os
elementos de uma narrativa em prosa. Vamos sugerir que você aproveite esses elementos para
se inspirar e elaborar um primeiro episódio do que poderia vir a se tornar uma novela.
O título deste primeiro episódio será a frase do pensador francês Pascal (1623‑1662): “o cora‑
ção tem suas razões, que a própria razão desconhece”. Use aspas.

GÊNERO TExTUAL
Novela
Assim como o conto e o romance, a novela apresenta os elementos da narrativa (personagens
atuando em tempo e espaço determinados, narrador revelando os fatos). Diferencia‑se do conto – que
é denso e apresenta um conflito marcante –, contudo, por se constituir de vários episódios que se reno‑
vam e se desdobram em uma longa sucessão de ações, com a participação de inúmeros personagens,
encarregados de realizar o entrelaçamento dos fatos nesses episódios. Com relação ao romance, a
novela perde em complexidade, pois seus personagens não têm profundidade psicológica. As primeiras
novelas relatavam feitos dos heróis de cavalaria; com a ampliação do público leitor de jornais, no sécu‑
lo XIX, fizeram sucesso as novelas de folhetins, publicadas em fascículos. Atualmente, as telenovelas
assumiram esse papel, correspondendo aos anseios de um telespectador que busca distração e não
reflexão nos capítulos apresentados diariamente.

Dicas para a produção de seu texto:


1. Considere como seu leitor um público de escolaridade média, que busca na leitura apenas entrete‑
nimento.
2. Nesse episódio inicial, você irá compor o cenário onde se conhecem os personagens: a “festa estra‑
nha, com gente esquisita”. Descreva o local em detalhes, caracterize os personagens, de modo que
o leitor perceba as diferenças existentes entre Eduardo e Mônica. Outros personagens poderão ser
citados e descritos, como o amigo do cursinho, mas eles servirão apenas como “paisagem humana”.
Para tanto, empregue sequências descritivas.
3. Crie alguns fatos que tornem sua narrativa interessante: as ações devem prevalecer e, se possível,
surpreender. Nessas passagens, prevalecerão sequências narrativas.
4. Termine o episódio no momento em que Eduardo e Mônica se despedem e trocam números de
telefone. O episódio deverá ter uma estrutura completa, com começo, meio e fim; ao mesmo tempo,
é preciso deixar um “gancho”, uma situação‑suspense que provoque no leitor a vontade de ler um
possível segundo episódio.
5. Use linguagem simples e ágil. Evite vocabulário sofisticado.
6. Caso queira dar prosseguimento à novela, escreva os demais episódios, dando ênfase às dificulda‑
des enfrentadas pelo casal: as brigas e a “barra pesada que tiveram” em sua trajetória.

Uma vez concluído o texto, faça uma última leitura, assumindo papel de revisor. O professor vai sortear
alguns alunos para que leiam os episódios produzidos. Se você for chamado, realize sua leitura em voz alta o
suficiente para que todos o ouçam. Imprima ritmo adequado a sua leitura para prender a atenção dos colegas.
Se for apenas ouvinte, avalie a capacidade de seus colegas de recriar uma história cujo elemento central
é o relacionamento amoroso. Eles terão obtido bons resultados se os ouvintes se sentirem envolvidos emo‑
cionalmente na trama.

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PARTE 2 A CONSTRUÇÃO dOS TExTOS

NO
Questões de exames FAÇARNO!
CAD
E

1. (Uerj) Esta história, com narrador observador em terceira


pessoa, apresenta os acontecimentos da perspecti‑
E foi descobrir, por si, que, umedecendo as va de Miguilim. O fato de o ponto de vista do narra‑
ventas com um tico de cuspe, aquela aflição um dor ter Miguilim como referência, inclusive espa‑
pouco aliviava. Daí, pedia ao Tio Terêz que cial, fica explicitado em:
molhasse para ele o lenço; e Tio Terêz, quando
a) “O homem trouxe o cavalo cá bem junto.”
davam com um riacho, um minadouro ou um
poço de grota, sem se apear do cavalo abaixava o b) “Ele era de óculos, corado, alto (...)”
copo de chifre, na ponta de uma correntinha, e c) “O homem esbarrava o avanço do cavalo, (...)”
subia um punhado d’água. Mas quase sempre d) “Miguilim queria ver se o homem estava mesmo
eram secos os caminhos, nas chapadas, então Tio sorrindo para ele, (...)”
Terêz tinha uma cabacinha que vinha cheia, essa e) “Estava Mãe, estava tio Terez, estavam todos”
dava para quatro sedes; uma cabacinha entrela‑
çada com cipós, que era tão formosa. 3. (Fuvest‑SP)
n GUIMARÃES ROSA. Manuelzão e Miguilim. História estranha
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
Um homem vem caminhando por um par‑
Identifique o foco narrativo do texto de Guimarães que quando de repente se vê com sete anos de
Rosa. Em seguida, indique três recursos linguísticos idade. Está com quarenta, quarenta e poucos.
empregados pelo narrador, nos fragmentos acima, De repente dá com ele mesmo chutando uma
para aproximar‑se do universo infantil. bola perto de um banco onde está a sua babá
2. (Enem) fazendo tricô. Não tem a menor dúvida de que
é ele mesmo. Reconhece a sua própria cara,
Miguilim reconhece o banco e a babá. Tem uma vaga
De repente lá vinha um homem a cavalo. lembrança daquela cena. Um dia ele estava
Eram dois. Um senhor de fora, o claro de roupa. jogando bola no parque quando de repente
Miguilim saudou, pedindo a bênção. O homem aproximou‑se um homem e... O homem aproxi‑
trouxe o cavalo cá bem junto. Ele era de óculos, ma‑se dele mesmo. Ajoelha‑se, põe as mãos
corado, alto, com um chapéu diferente, mesmo. nos seus ombros e olha nos seus olhos. Seus
– Deus te abençoe, pequenino. Como é teu olhos se enchem de lágrimas. Sente uma coisa
nome? no peito. Que coisa é a vida. Que coisa pior
– Miguilim. Eu sou irmão do Dito. ainda é o tempo. Como eu era inocente. Como
– E o seu irmão Dito é o dono daqui? os meus olhos eram limpos. O homem tenta
– Não, meu senhor. O Ditinho está em glória. dizer alguma coisa, mas não encontra o que
O homem esbarrava o avanço do cavalo, que dizer. Apenas abraça a si mesmo, longamente.
era zelado, manteúdo, formoso como nenhum Depois sai caminhando, chorando, sem olhar
outro. Redizia: para trás.
– Ah, não sabia, não. Deus o tenha em sua O garoto fica olhando para a sua figura que
guarda... Mas que é que há, Miguilim? se afasta. Também se reconheceu. E fica pen‑
Miguilim queria ver se o homem estava sando, aborrecido: quando eu tiver quarenta,
mesmo sorrindo para ele, por isso é que o quarenta e poucos anos, como eu vou ser
encarava. sentimental!
– Por que você aperta os olhos assim? Você n VERISSIMO, Luis Fernando.
Comédias para se ler na escola.
não é limpo de vista? Vamos até lá. Quem é que
está em tua casa? A estranheza dessa história deve‑se, basicamente,
– É Mãe, e os meninos... ao fato de que nela:
Estava Mãe, estava tio Terêz, estavam todos. O a) há superposição de espaços sem que haja super‑
senhor alto e claro se apeou. O outro, que vinha posição de tempos.
com ele, era um camarada. b) a memória afetiva faz um quarentão se lembrar
O senhor perguntava à Mãe muitas coisas do de uma cena da infância.
Miguilim. Depois perguntava a ele mesmo: –
c) a narrativa é conduzida por vários narradores.
Miguilim, espia daí: quantos dedos da minha
mão você está enxergando? E agora? d) o tempo é representado como irreversível.
n ROSA, João Guimarães. Manuelzão e Miguilim. 9. ed. e) tempos distintos convergem e tornam‑se
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. simultâneos.

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3 CAPÍTULO 3

Leitura e interação
Arquivo do jornal O Estado de S. Paulo/Agência Estado

É que a insatisfação faz parte do fascínio da leitura. Um


verdadeiro livro de um senhor autor não é um prato de
comida, para matar a fome. Trata‑se de um outro pão, mas
que nunca sacia... E ainda bem!
n QUINTANA, Mário. A vaca e o hipogrifo. Porto Alegre: L&PM, 1983.

Ler é sempre uma descoberta, o livro (o


texto) é um alimento fundamental que não
sacia, como diz Mário Quintana... Mas por
que não sacia? Os textos nos oferecem
ilimitadas possibilidades de leitura: ora mais
superficiais, ora mais profundas, ora mais
globais, ora mais específicas, ora mais
objetivas, ora mais subjetivas... Mas qual é a
leitura certa? Tudo vai depender de seu
objetivo, de suas necessidades, seus
conhecimentos e suas capacidades como
leitor. De qualquer maneira, uma coisa é
certa: temos de interagir com o texto para
chegar a sua essência, a seu conteúdo, a
sua mensagem (ou a parte dela... lembre-se:
sempre ficam novas possibilidades de
leitura; a insatisfação faz parte do fascínio
da leitura e faz parte das inquietações de um
leitor consciente e ativo).

n O poeta Mário Quintana.

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PArTe 2 A COnSTrUçãO DOS TeXTOS

A LEITURA COMO PROCESSO


///////////

O ato de ler é um processo em que não basta uma decodificação apática de um texto. Ler consiste em
interagir com o texto, ativando nosso conhecimento linguístico, nosso conhecimento de mundo, nossas leituras
prévias, nossa reflexão.
Pelo ato de ler, atribuímos sentido à mensagem de um texto.

Relembrando: o primeiro contato com o texto


No primeiro volume, vimos como abordar um texto:
• determinar um objetivo para a leitura (ler por prazer, ler para achar uma informação específica, ler para ter
uma noção geral, ler para entender um procedimento...);
• criar expectativas e hipóteses a partir da observação do tipo de texto (receita, bula, artigo de jornal, carta,
charge...), suas características “externas” (formato, veiculação, autor, época...) e seu título.
Relembremos na prática!

Atividade

Estreia
Campeão de indicações a Oscar, Lincoln traça retrato ambíguo e realista
Algumas coisas parecem óbvias antes mesmo que as primeiras imagens de Lincoln
batam na tela. Que outro diretor mais adequado poderia comandar a cinebiografia defi‑
nitiva de um dos maiores presidentes norte‑americanos senão o consagrado e grandilo‑
quente Steven Spielberg?
Que outro ator mais perfeccionista do que o, ironicamente, britânico Daniel Day‑
‑Lewis, para encarnar o personagem de Abraham Lincoln?
O público pode compartilhar também a fortíssima expectativa de que o filme,
campeão de indicações no Oscar (com 12), sairá de sua cerimônia de premiação, no dia
24 de fevereiro, de posse dos mais cobiçados troféus, como filme, diretor e ator (disputa
também fotografia, figurino, montagem, atriz coadjuvante, ator coadjuvante, trilha
sonora, desenho de produção, mixagem de som e roteiro adaptado).
A partir destas certezas, no entanto, a narrativa de
Lincoln toma alguns caminhos imprevistos. Se é uma
Touchstone Pictures/20th Century Fox

cinebiografia enraizada no culto ao mítico presidente


ligado à libertação dos escravos, não falta à história um
pragmatismo um tanto cínico que não se costuma espe‑
rar de Spielberg quando adentra um território sagrado da
nacionalidade norte‑americana como este.
É fato que Lincoln é pensado para o público interno e
que as plateias internacionais, naturalmente pouco fami‑
liarizadas com as minúcias da história dos EUA, terão
dificuldades em situar episódios e personagens nos devi‑
dos lugares. Pensando nisso, e também nos desatentos às
aulas na escola, Spielberg distribui, aqui e ali, letreiros
para identificar algumas figuras‑chave.

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LeiTUrA e inTerAçãO CAPÍTULO 3

O roteiro de Tony Kushner (Angels in America, Munique), baseado parcialmente em


livro da historiadora Doris Kearns Goodwin, focaliza o dramático ano de 1865, quando o
exaurimento do sul dos EUA prenunciava o fim da Guerra de Secessão.
Ao mesmo tempo, uma luta, por assim dizer, não menos selvagem, começava dentro
do Congresso dos EUA, pela aprovação da 13ª emenda, que definiria a libertação dos escra‑
vos, assunto que também estava por trás da guerra, já que a economia sulista baseava‑se
na agricultura dependente dessa mão de obra.
Reeleito para um segundo mandato, o republicano Abraham Lincoln (Daniel Day‑
‑Lewis) luta nos dois fronts. Quer terminar a guerra, que tantas vidas já custou, e elimi‑
nar a escravidão. Se há uma boa razão para assistir ao filme, certamente é a composição
perfeita que o ator inglês faz do presidente norte‑americano, aproximando‑o do público
ao retratá‑lo com autenticidade, a começar por uma impressionante semelhança física
na caracterização.
Uma esperteza do roteiro é contrapor as complicações entediantes da luta pela apro‑
vação da emenda no Congresso com diversas cenas em que se pode observar o homem
Lincoln, não só o presidente, em ação.
Mistura complexa de homem rude, de origem pobre, advogado interiorano e astuto
animal político com capacidade quase infinita para ouvir, esse Lincoln de carne e osso emerge
das conversas que ele mantém com soldados no front, que visita regularmente, e também
com as pessoas comuns que diariamente fazem fila nos corredores da Casa Branca.
Em busca de soluções para problemas corriqueiros, esses cidadãos são brindados
com um contato direto com o presidente que, em troca, consulta‑os sobre os assuntos
espinhosos da nação que tiram seu sono à noite.
A primeira‑dama, Mary (Sally Field), apresenta‑se como uma figura ambígua. Se por
um lado é uma mulher doentia e nervosa, que desafia a tendência do marido ao isola‑
mento doméstico, por outro funciona também como seus olhos e ouvidos na batalha que
se trava no Congresso.
É nesse front que, finalmente, o filme expõe sua tese mais delicada, ao retratar como
o presidente não hesitou em colocar secretamente três intermediários (James Spader,
Tim Blake Nelson e John Hawkes) na cola dos parlamentares democratas que não haviam
sido reeleitos, portanto, prestes a terminar seus mandatos, oferecendo‑lhes empregos em
troca de votos a favor da emenda.
Nesse jogo de ética tortuosa, mas indispensável à aprovação apertada da emenda,
Lincoln jogou tudo e venceu, ainda que não vivesse mais do que alguns meses para
desfrutar de sua vitória e seu legado, impedido, portanto, de reconstruir a nação,
como pretendia.
n Por Neusa Barbosa, do Cineweb. Disponível em: <www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,estreia‑campeao‑
de‑indicacoes‑a‑oscar‑lincoln‑traca‑retrato‑ambiguo‑e‑realista,988286,0.htm>. Acesso em: 30 jan. 2013.

Considerando a contextualização do texto e seu título:


a) identifique o gênero a que pertence o texto;
b) proponha‑se um objetivo de leitura que orientará suas estratégias na interação do ato de ler;
c) faça um levantamento das informações “externas”, ou seja, que não fazem parte da mensagem do texto
em si;
d) a partir dessas informações e da leitura do título, crie expectativas e hipóteses em relação à mensagem
contida no texto a ser lido;
e) explique que conhecimentos prévios permitiriam ao leitor desse texto uma leitura mais plena e como
esses conhecimentos poderiam favorecer as antecipações criadas em relação ao texto.
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PArTe 2 A COnSTrUçãO DOS TeXTOS

GÊnerO TeXTUAL
Resenha
As resenhas estão presentes nas seções ou cadernos de jornais e revistas (versão impressa ou on-line)
que fazem a cobertura da vida cultural de determinado lugar: lançamento de livros, filmes, jogos, CDs ou
DVDs, estreias de shows ou peças de teatro, abertura de exposições. A extensão da resenha é variável: pode
ser um comentário breve ou uma análise aprofundada, dependendo do veículo no qual circula e do perfil
do público a que se destina. Em geral apresenta dados objetivos, como título, autor, editora, número de
páginas nas publicações ou título, diretor, atores, duração e locais de exibição no caso de espetáculos.
Apresenta também um resumo não detalhado do assunto, sem revelar o desfecho ou elementos surpresa.
Além de apresentar a obra, o autor da resenha tece comentários avaliativos, expondo seu posicionamento
pessoal, o que é facilmente verificável pela seleção vocabular: emprego de adjetivos (elogiosos ou não),
advérbios ou expressões reveladoras de opiniões. Imagens, entrevistas, declarações, comparação com
outras obras também são recursos que costumam ser utilizados pelos autores para convencer os leitores
a prestigiarem (ou não) determinada obra.

////////////////////////
INTERAGINDO NO PROCESSO DE LEITURA
///////////
/////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Na hora da leitura, apenas percorrer com a vista o texto escrito não basta para chegar à compreensão
efetiva da mensagem contida nele. Temos de interagir com o texto, atuando sobre ele, para chegar ao seu
significado.
É importante destacar que não há um mínimo nem um máximo de leituras para a compreensão efetiva de
um texto; nem estratégias determinadas e exclusivas para uma leitura efetiva. Tudo depende das necessidades
do leitor e das características do texto.
No entanto, por uma questão didática, tentaremos sistematizar estratégias para interagirmos com o texto
ao lê‑lo. Na medida que o leitor vai adquirindo mais habilidades de leitura, essas estratégias e os passos do
procedimento de leitura vão se tornando simultâneos e “automáticos”. Para os leitores não experientes, a siste‑
matização é uma forma de treino.

Estratégias de leitura
Para alcançar nossos objetivos da leitura, podemos seguir este caminho:
• obter uma ideia geral do conteúdo do texto, confirmando ou não expectativas e hipóteses criadas em relação
a ele;
• destacar sua ideia central. No caso da matéria do jornal, perceber que o título (“Campeão de indicações a
Oscar, Lincoln traça retrato ambíguo e realista”) já antecipa a ideia central: o retrato que o filme mostra de
Abraham Lincoln, o 16º presidente dos Estados Unidos, e de sua atuação durante a Guerra Civil;
• verificar vocabulário e conceitos. Nessa hora, dicionários e enciclopédias são grandes aliados; no entanto,
nem sempre um verbete de dicionário ou enciclopédia basta para entender o sentido de uma palavra
contextualizada. É necessário observar a função da palavra no texto em que está inserida, para assim
compreendê‑la melhor.

Vejamos isso na prática. Voltemos ao nosso texto:


• A ideia geral: o filme faz um retrato ambíguo e realista do presidente Lincoln. As expectativas se confirmam se,
por exemplo, esperavam‑se comentários centrados na polêmica que o filme provocou; não se confirmam se, por
exemplo, esperavam‑se comentários mais técnicos sobre o filme.
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LeiTUrA e inTerAçãO CAPÍTULO 3

• O vocabulário

mandato
Substantivo masculino. (sXIV)
1. aquilo de que se está encarregado; incumbência, missão
2. concessão de poderes para desempenho de uma representação; delegação
3. m.q. 1mandado (‘prescrição’)
4. poder dado ou autorizado
5. no direito público, delegação conferida às pessoas, para que representem o povo nas instituições, que
se constituem pelos seus representantes
6. p.met. período de exercício de um cargo eleitoral
‹o presidente não chegou a completar o segundo m.›
7. jur contrato que designa duas vontades, uma que dá a outra uma incumbência, outra que a recebe
e aceita

“Reeleito para um segundo mandato, o republicano Abraham Lincoln […]”


Nesse contexto, mandato = acepção 6 do verbete de dicionário.

consagrado
adjetivo. (sXIII)
que se consagrou
1. dedicado, oferecido
‹um monumento c. a Zeus›
2. investido de funções sagradas
‹um bispo c.›
3. tornado sagrado
‹templo c.›
4. que se dedica muito a; devotado, dedicado
‹um pai c. aos filhos›
5. que serve a; reservado, destinado
‹edifício c. ao serviço público›
6. que teve, obteve sucesso na sua atividade; bem considerado, aplaudido
‹artista c.›
7. que obteve aprovação; sancionado
‹verdade c. pela opinião pública›
8. litur.cat que se transubstanciou
‹hóstia c.›
9. maçon que passou por rito de iniciação

“[…] senão o consagrado e grandiloquente Steven Spielberg?”


Nesse contexto, consagrado = acepção 6 do verbete de dicionário.
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PArTe 2 A COnSTrUçãO DOS TeXTOS

emenda
substantivo feminino (sXIII)
1. ato ou efeito de emendar(‑se), de retificar falta ou defeito; correção
‹e. a um projeto›
2. ato ou efeito de emendar‑se, de corrigir‑se moralmente; regeneração
‹depois da e., tornou-se uma pessoa confiável›
3. ato ou efeito de juntar uma peça a outra
‹com a e. da manga o casaco ficará pronto›
4. peça que se liga a outra, aumentando‑lhe o tamanho
‹a calça está curta, precisa de uma e. na bainha›
5. p.met. local em que se juntam duas peças ou duas partes
‹a e. do brinquedo quebrado ficou visível›
6. gráf ato de corrigir no texto os erros apontados na revisão
7. gráf cada uma das correções assinaladas num texto ou numa prova por um revisor
8. jur no sentido legislativo, proposta para alterar ou modificar o teor de um projeto de lei, no todo ou
em parte cf. substitutivo

“pela aprovação da 13ª emenda que definiria a libertação dos escravos”


Dentro do contexto do artigo, emenda = acepção 8 do verbete do dicionário.

pragmatismo
substantivo masculino (sXX)
1. fil ênfase do pensamento filosófico na aplicação das ideias e nas consequências práticas de conceitos
e conhecimentos; filosofia utilitária
2. fil corrente de ideias que prega que a validade de uma doutrina é determinada pelo seu bom êxito
prático [É esp. aplicado ao movimento filosófico norte‑americano baseado em ideias de Charles
Sanders Peirce (1839‑1914) e William James (1842‑1910).] cf. ativismo, humanismo e naturalismo
3. fil ling dentro do pensamento de Charles S. Peirce, afirmação de que o conceito que temos de um
objeto é a soma dos conceitos de todos os efeitos decorrentes das implicações práticas que podemos
conceber para o referido objeto; pragmaticismo
4. consideração das coisas de um ponto de vista prático; tratamento prático, não dogmático ou sumário
das coisas
5. tratamento dos fenômenos históricos com referência especial às suas causas, condições, anteceden‑
tes e resultados
6. método prático de tratar questões filosóficas, estéticas, literárias, científicas, etc.

“[…] não falta à história um pragmatismo um tanto cínico que não se costuma esperar de Spielberg.”
Dentro do contexto do artigo, pragmatismo = acepção 4 do verbete do dicionário.
No caso de textos mais complexos, uma segunda leitura é indispensável e deverá ser mais intensa, atenta
e pausada, com o intuito de estabelecer relações entre o tema geral do texto e os subtemas desenvolvidos nele.

Obs.: Verbetes extraídos do Grande Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, versão eletrônica.
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LeiTUrA e inTerAçãO CAPÍTULO 3

GÊnerO TeXTUAL
Verbete
Organizados em ordem alfabética, os verbetes têm como suporte dicionários e enciclopédias. Os verbe‑
tes são constituídos da palavra que os encabeça – em geral dividida em sílabas –, das definições (acepções ou
descrição dos significados das palavras, numeradas), sinônimos e exemplos ou abonações (citações) para
ilustrar o emprego da palavra. Outras informações podem ainda aparecer nos verbetes, como: imagens (no
caso de dicionários ilustrados), classe gramatical e o gênero a que pertence a palavra, língua de onde se origi‑
na, regência dos nomes ou verbos, expressões formadas a partir da palavra definida ou emprego com sentido
figurado, etc. Circula principalmente nas esferas escolar, acadêmica e universitária. Além do dicionário de lín‑
guas estrangeiras, atualmente existem dicionários específicos que abrangem determinado campo semântico,
como dicionário de informática, de filosofia, de pedagogia, de ruas, de nomes, de mulheres do Brasil, etc. Os
verbetes também têm aparecido na mídia escrita, às vezes exercendo a função de outros gêneros.

A (re)estruturação do texto
Após as leituras necessárias, é importante montar “virtualmente” ou por escrito o esqueleto do texto, para
testar a compreensão efetiva dele. Algumas formas que podem ser utilizadas em separado ou na sequência:
• destacar o tema/assunto geral e identificar com subtítulos os temas de cada fragmento ou parágrafo do texto;
• hierarquizar as ideias contidas no texto, destacando as “palavras‑chave”, as ideias principais e as secundárias;
• parafrasear o texto, ou seja, dizê‑lo com outras palavras e/ou de outra maneira: resumir; fazer perguntas e
responder; recontar; montar um esquema de conteúdos.
Vejamos isso tudo na prática. Voltemos ao nosso texto:
• Hierarquia de tema/assunto e subtemas do artigo:
1. A estreia polêmica do filme Lincoln.
1.1. O filme retrata a atuação do presidente Lincoln durante a Guerra Civil norte‑americana.
1.2. Estreia com críticas fortes:
1.2.1. os críticos discutem como é retratada a figura do presidente;
1.2.2. o tema da escravidão sempre gera polêmica;
1.2.3. o presidente teria corrompido alguns parlamentares para conseguir a aprovação da 13ª emenda.
1.3. Estreia com muitas salas lotadas.
1.4. A polêmica está só começando.
2. O filme deve ser conferido.
• Palavras-chave: filme, estreia, polêmica, Lincoln, escravidão, guerra civil, política.
• Perguntas a serem respondidas sobre o texto:
Qual é o sentido do título “Campeão de indicações a De que trata o filme?
Oscar, Lincoln traça retrato ambíguo e realista”? Há expectativas em relação a sua estreia?
Qual é a polêmica em volta do filme? O autor do texto manifesta opinião sobre o filme?

A inferência
A ativação da inferência, isto é, a leitura do que não está explícito (as entrelinhas, o tom e a intencionalidade
do texto), acontece ao longo de todo o processo de leitura.
Vejamos isso na prática. Voltemos ao nosso texto:
Podemos tentar ler algumas das entrelinhas do texto com a ajuda de perguntas como:
• Qual é a posição do autor do artigo em relação à polêmica e ao filme? Por quê?
• Qual é a intenção do artigo? Por quê?
• Quais são os argumentos utilizados para persuadir o leitor?
Após todo esse processo, seria interessante que você lesse o texto inteiro mais uma vez.
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PArTe 2 A COnSTrUçãO DOS TeXTOS

Dom Quixote Cavaleiro Andante

Atividades
Quixotes de Portinari voltam à luta
Cassiano Elek Machado
da reportagem local

De todas as mais de 5 000 obras que o prolífico Candido Portinari


espalhou em telas, papéis e até em murais no prédio das Nações Unidas,
em Nova York, um conjunto de 21 desenhinhos elaborados com lápis de
cor desses que se compra na esquina ficam em seu pedestal particular.
As ilustrações que o artista de Brodósqui fez em 1956 inspirado no Dom
Quixote, de Miguel de Cervantes, eram suas obras mais queridas. A “confi-
dência” foi feita à Folha pela viúva do artista, Maria Portinari, em 1997.
A partir de hoje, qualquer um pode ter o conjunto completo dos “pre-
diletos” do pintor modernista. Uma dobradinha da Fundação Memorial da
América Latina, que comemora 15 anos, e do Museu de Arte Contemporânea
da USP, em parceria com a Imprensa Oficial de São Paulo, resultou no
álbum D. Quixote – Portinari, que será lançado hoje.
Evento que fecha as comemorações do centenário de Portinari (1903-1962), coordenadas pela
fundação que leva o nome do artista, o lançamento será feito em um cenário especial: o Salão de Atos
Tiradentes do Memorial, espaço projetado por Oscar Niemeyer, amigo de Portinari, onde fica o gran-
dioso painel portinariano Tiradentes, de 18 metros.
Feita em 1948, essa obra é oito anos mais jovem do que a série de desenhos apresentada no catá-
logo. Feitos a pedido do editor José Olympio para ilustrar a segunda edição da primeira tradução
brasileira de Dom Quixote, os desenhos começaram a ser feitos em 1956 (motivo pelo qual Antonio
Callado dizia: “No ano de 1956 Candido Portinari sagrou cavaleiro o lápis de cor”).
Os rabiscos ágeis e coloridos de Portinari só ganharam as livrarias no final de 1972, após a morte
do artista. Foram lançados no álbum de luxo D. Quixote: Cervantes, Portinari, Drummond, acompa-
nhados de textos deste último, no dia em que o poeta mineiro completou 70 anos.
Como escreveu Drummond, sobre o “Quixote portinariano”, que “enche de felicidade os olhos que o
contemplam”, os desenhos foram feitos em um momento difícil do artista, quando ele não podia pintar.
“Os sais de chumbo das tintas envenenavam-no lentamente, e o médico lhe recomendou que parasse”,
escreveu Drummond em 73. “Portinari, que não fazia outra coisa senão pintar, refugiou-se no desenho.”
O Cavaleiro da Triste Figura, que o “pintor de lápis em riste” riscou, volta a sair do refúgio.
n Disponível em: <www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/lenoticia.php?id=49762&c=5>.
Acesso em: 30 jan. 2013.

1. Aponte a(s) alternativa(s) que apresenta(m) conhecimento de mundo que poderia ser útil para o leitor
montar hipóteses antecipadas sobre o conteúdo do texto a partir da leitura do título. Justifique.
a) Quixote é sinônimo de indivíduo ingênuo e sonhador.
b) Portinari é o nome de um pintor.
c) Existiu apenas um Quixote.
d) Portinari retratou passagens da maior obra de Cervantes.
e) Quixote é personagem que vive aventuras de novelas de cavalaria.

2. Destaque as palavras que não são palavras‑chave do texto.


ARTES CÊNICAS – LUTA – CANDIDO PORTINARI – LITERATURA – DOM QUIXOTE
EXPOSIÇÃO – DESENHO – CAVALARIA – LANÇAMENTO – NOVA YORK
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LeiTUrA e inTerAçãO CAPÍTULO 3

3. Prolífico é sinônimo de prolífero. De acordo


com o contexto em que a palavra está inserida prolífero
no artigo da página anterior, qual das acepções [De proli- + -fero.]
é a que melhor esclarece seu significado? Adj.
Justifique. 1. Que faz prole.
2. Que tem a faculdade de gerar; fecundante.
n FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda.
Dicionário eletrônico. Versão 5.0 Ed. rev. e atual. 3. Produtivo, fecundo (com relação a pessoas).
Parte integrante do Novo Dicionário Aurélio.
Curitiba: Positivo/Positivo Informática, 2004.

4. Qual é o intuito maior do artigo?


a) Comentar os problemas de saúde que levaram o pintor brasileiro a trocar a pintura pelo desenho.
b) Ressaltar que as ilustrações inspiradas em Dom Quixote eram as mais queridas do autor.
c) Evidenciar a multiface do artista que se destacou na pintura, nos murais e nos desenhos.
d) Salientar a comemoração do centenário de Portinari.
e) Divulgar o lançamento do álbum D. Quixote – Portinari.

5. Que outras vozes aparecem no texto, além da voz do autor da resenha? Como são introduzidas?
6. O autor da resenha recomenda ou não a obra apresentada? Cite alguns argumentos que justifiquem a
opinião dele.
Mãos à
obra!
Antes de realizar esta proposta, recomendamos que você busque outros exemplos de resenha
crítica, leia e analise esses textos, para se familiarizar com o gênero.

Reprodução/Arquivo da editora
Leia esta resenha sobre o filme No, tendo por objetivo saber:
• qual é o assunto principal do filme;
• o porquê desse título;
• quem é o diretor e o ator principal;
• se o filme está recomendado e por quais razões.
No – Adeus, Sr. Pinochet
Direção: Pablo Larraín
Duração: 110 minutos
Recomendação: 12 anos
País/Ano: Chile/França/EUA/2012

Resenha por Miguel Barbieri Jr.


Em 1988, o ditador chileno Augusto Pinochet convocou um plebiscito em razão de pressões
internacionais. O general, no poder desde 1973, queria saber se o povo estava de acordo em deixá-lo
governar o país por mais oito anos. Começaram, então, as campanhas na televisão. Pinochet e o
grupo dos partidos de oposição tinham quinze minutos cada um para convencer os eleitores. Para
liderar a propaganda política do “no” (não), os adversários contrataram um publicitário de ideias
avançadas, interpretado por Gael García Bernal. O diretor Pablo Larraín foi atrás dos registros reais e
conseguiu dar à fita o mesmo efeito das imagens televisivas da década de 80 – até o formato da tela
é mais quadrado. Com a câmera na mão em busca de um estilo documental, o cineasta retrata com
precisão um período crítico e expande seu roteiro ao abordar os bastidores das propagandas eleitorais.
No é o indicado do Chile a uma vaga no Oscar 2013. Estreou em 28/12/2012.
n Disponível em: <http://vejasp.abril.com.br/atracao/no‑pablo‑larrain>. Acesso em: 13 jan. 2013.

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PArTe 2 A COnSTrUçãO DOS TeXTOS

Propomos que você escolha uma obra que aprecie bastante para resenhar: pode ser um livro, um CD,
um DVD, um jogo. Seu leitor será um colega ou alguém com quem você gostaria de compartilhar essa obra
para comentários futuros.
Antes de redigir, anote todas as informações necessárias sobre a obra e estabeleça um plano para seu
texto. Sugerimos:
• iniciar informando os dados objetivos (título, autor, editora, diretor, roteirista, atores, etc.);
• expor o conteúdo, sem revelar lances surpreendentes nem o desfecho;
• finalmente, fazer sua avaliação (não se esqueça de que suas afirmações precisam ser fundamen‑
tadas: exalte as qualidades ou os defeitos, mas justifique‑se);
• podem entrar também algumas reflexões mais amplas, como: avaliação sobre a pertinência da obra
em relação às situações da vida real que ela desvela ou sobre a forma como a obra expõe determinada
realidade ou ainda sobre a ideologia do autor/diretor, relativamente à cultura e à epoca em questão.
O mais importante será persuadir seu leitor de que sua análise tem fundamento e não se baseia
apenas em uma atitude imatura de “adorei/detestei”. Apresente argumentos convincentes.
Dicas para a produção de seu texto:
1. Utilize uma linguagem acessível a seu leitor. Evite usar conceitos muito elaborados.
2. Apresente os dados (título, autoria, edição) com absoluta exatidão.
3. Narre em terceira pessoa.
4. Se possível, faça uma contextualização; revele curiosidades sobre autor ou diretor ou ator; situe a obra
em relação a outras do mesmo autor ou a outras de outros autores, mas de mesma temática.
5. Para convencer seu leitor, cite opiniões de especialistas de renome sobre a obra; apresente dados
estatísticos; selecione cuidadosamente os adjetivos e advérbios.
6. Proponha ao leitor uma reflexão a respeito do assunto tratado na obra.
7. Crie um título para o texto que já dê uma dica sobre seu conteúdo.
8. Empregue sequências argumentativas em seu texto. Se você for relatar algum episódio interessante
para ilustrar a resenha, use então as sequências narrativas e descritivas.
Relembre as características linguísticas da sequência argumentativa:

• Constroem‑se novos conceitos a partir do próprio desenvolvimento discursivo.

• Há uma organização da mensagem voltada para o encadeamento lógico dos argumentos.

• Introduzem‑se diferentes vozes no texto, de diferentes maneiras.

• Busca‑se persuadir o interlocutor.

• Usam‑se expressões valorativas positivas ou negativas (normalmente, adjetivos) e expressões


modalizadoras (em geral, advérbios de afirmação, de modo e intensidade: certamente, muito,
mais, mal, bem, etc.).
• Empregam‑se conectivos para estabelecer relações lógicas entre as orações (visto que, pois,
porque, tão ... que).

Faça uma releitura de seu texto desempenhando você mesmo o papel de revisor. Cuide de cada detalhe:
da fluência à correção gramatical. Observe principalmente a pontuação.
Entregue sua resenha para um provável apreciador da obra recomendada. Peça que ele lhe dê um
retorno sobre a qualidade de seu texto e sobre seu poder de convencimento.
Feitos os ajustes necessários, elabore uma cópia para que seja exposta em um mural na classe. Vocês
terão inúmeras resenhas para ler e muitas obras recomendadas para ler e comentar.

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LeiTUrA e inTerAçãO CAPÍTULO 3

NO
Questões de exames FAÇARNO!
CAD
E

1. (Enem) No poema “O sedutor médio”, é possível reconhecer


a presença de posições críticas
Com o texto eletrônico, enfim, parece estar ao
a) nos três primeiros versos, em que “juntar expec‑
alcance de nossos olhos e de nossas mãos um
tativas de vida” significa que, juntos, os cônjuges
sonho muito antigo da humanidade, que se pode-
poderiam viver mais, o que faz do casamento
ria resumir em duas palavras, universidade e uma convenção benéfica.
interatividade.
b) na mensagem veiculada pelo poema, em que os
As luzes, que pensavam que Gutenberg tinha
valores da sociedade são ironizados, o que é
propiciado aos homens uma promessa universal,
acentuado pelo uso do adjetivo “médio” no títu‑
cultivavam um modo de utopia. Elas imaginam lo e do advérbio “meio” no verso final.
poder, a partir das práticas privadas de cada um,
c) no verso “e ser meio felizes?”, em que “meio” é
construir um espaço de intercâmbio crítico das
sinônimo de metade, ou seja, no casamento,
ideias e opiniões. O sonho de Kant era que cada apenas um dos cônjuges se sentiria
um fosse ao mesmo tempo leitor e autor, que realizado.
emitisse juízos sobre as instituições de seu tempo,
d) no dois primeiros versos, em que “juntar rendas”
quaisquer que elas fossem e que, ao mesmo
indica que o sujeito poético passa por dificulda‑
tempo, pudesse refletir sobre o juízo emitido des financeiras e almeja os rendimentos da
pelos outros. Aquilo que outrora só era permitido mulher.
pela comunicação manuscrita ou a circulação dos
e) no título, em que o adjetivo “médio” qualifica o
impressos encontra hoje um suporte poderoso sujeito poético como desinteressante ao sexo
com o texto eletrônico. oposto e inábil em termos de conquistas
n CHARTIER, R. A aventura do livro: do leitor ao navegador. São Paulo: amorosas.
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo; Unesp, 1998.

No trecho apresentado, o sociólogo Roger Chartier 3. (Enem)


caracteriza o texto eletrônico como um poderoso Verbo ser
suporte que coloca ao alcance da humanidade o
antigo sonho de universidade e interatividade, uma QUE VAI SER quando crescer? Vivem per-
vez que cada um passa a ser, nesse espaço de inte‑ guntando em redor. Que é ser? É ter um corpo,
gração social, leitor e autor ao mesmo tempo. A um jeito, um nome? Tenho os três. E sou? Tenho
universalidade e a interatividade que o texto ele‑ de mudar quando crescer? Usar outro nome,
trônico possibilita estão diretamente relacionadas corpo ou jeito? Ou a gente só principia a ser
à função social da internet de quando cresce? É terrível, ser? Dói? É bom? É
a) Propiciar o livre e imediato acesso às informa‑ triste? Ser: pronunciado tão depressa, e cabe
ções e ao intercâmbio de julgamentos. tantas coisas? Repito: ser, ser, ser. Er. R. Que vou
b) Globalizar a rede de informações e democratizar ser quando crescer? Sou obrigado a? Posso esco-
o acesso aos saberes. lher? Não dá para entender. Não vou ser. Não
c) Expandir as relações interpessoais e dar visibili‑ quero ser. Vou crescer assim mesmo. Sem ser.
dade aos interesses pessoais. Esquecer.
d) Propiciar entretenimento e acesso a produtos e n ANDRADE, C. D. Poesia e prosa. Rio de Janeiro:
serviços. Nova Aguilar, 1992.

e) Expandir os canais de publicidade e o espaço A inquietação existencial do autor com a autoima‑


mercadológico. gem corporal e a sua corporeidade se desdobra em
questões existenciais que têm origem
2. (Enem)
a) no conflito do padrão corporal imposto contra
O sedutor médio as convicções de ser autêntico e singular.
Vamos juntar b) na aceitação das imposições da sociedade
Nossas rendas e seguindo a influência de outros.
expectativas de vida c) na confiança no futuro, ofuscada pelas tradições
querida, e culturas familiares.
o que me dizes? d) no anseio de divulgar hábitos enraizados, negli‑
Ter 2, 3 filhos genciados por seus antepassados.
e ser meio felizes? e) na certeza da exclusão, revelada pela indiferença
n VERISSIMO, L. F. Poesia numa hora dessas?! Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. de seus pares.

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4 CAP Í T U L O 4

Textos descritivos:
o “retrato verbal”
Autorretrato Falado

Manoel de Barros/Fundação Manoel de Barros


Venho de um Cuiabá de garimpos e de ruelas entortadas.
Meu pai teve uma venda no Beco da Marinha, onde nasci.
Me criei no Pantanal de Corumbá entre bichos do chão,
[pessoas humildes, aves, árvores e rios.
Aprecio viver em lugares decadentes por gosto de estar
[entre pedras e lagartos.
Fazer o desprezível ser prezado é coisa que me apraz.
Já publiquei 10 livros de poesia: ao publicá-los me sinto como que
[desonrado e fujo para o Pantanal onde sou abençoado a garças.
Me procurei a vida inteira e não me achei — pelo que fui salvo.
Descobri que todos os caminhos levam à ignorância.
Não fui para a sarjeta porque herdei uma fazenda de gado.
[Os bois me recriam.
Agora eu sou tão ocaso!
Estou na categoria de sofrer do moral, porque só faço coisas inúteis.
No meu morrer tem uma dor de árvore.
BARROS, Manoel de. O livro das ignorãças. 9. ed. Rio de Janeiro: Record, 2000. p. 103.

Percebemos o mundo pelos sentidos. Por meio deles, construímos as imagens que temos de pessoas,
objetos, lugares. Quando queremos transmitir a alguém uma imagem, recorremos de novo a nossos
sentidos para reconstruí-la e depois exteriorizá-la por meio da linguagem. Quando utilizamos a
linguagem verbal para expressar a imagem que temos de objetos, cenas ou pessoas, estamos
construindo um texto descritivo.

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TExTOS dESCRITIVOS: O “RETRATO VERBAL” CAPÍTULO 4

////////////////////////////
A DESCRIÇÃO
///////////
////////////////////////////////////

Descrição é a composição linguística que


nos permite montar um “retrato verbal” de descrição
seres (pessoas, objetos), paisagens ou situa‑ substantivo feminino
ções; trabalha com imagens, permitindo a ato ou efeito de descrever; reprodução, traçado, delimitação
visualização do que está sendo descrito. 1. representação fiel; imitação, cópia, retrato
Entretanto, descrever não significa apenas 2. representação oral ou escrita de; exposição
fazer um relato das partes que compõem um 3. Rubrica: estilística, literatura.
todo; descrever uma sala informando que ela tem desenvolvimento literário por meio do qual se repre‑
quatro paredes, um teto, uma porta e duas jane‑ senta o aspecto exterior de seres e coisas
las não acrescenta nada. São apontadas caracte‑ 4. Rubrica: termo jurídico.
rísticas genéricas, comuns à maioria das salas; num processo, a enumeração circunstanciada, detalha‑
não há, portanto, o essencial do texto descritivo: da dos caracteres de algo
o traço distintivo, individual, particular. É neces‑ 5. Rubrica: linguística.
sário caracterizar o ser descrito, distinguindo‑o de exposição escrita da fonética, da gramática e do léxico
seres semelhantes, individualizando‑o. de uma língua
Repare como os bons escritores, ao des‑ 6. Rubrica: linguística estrutural.
crever um personagem, valorizam detalhes, às ato ou efeito de analisar sincronicamente, despojando‑
vezes pequenos e aparentemente insignifi‑ ‑se de qualquer referencial preestabelecido ou juízo de
cantes, que justamente o individualizam: é o valor, dados linguísticos contidos num corpus, daí
tipo de bigode ou de sobrancelha, o tipo de deduzindo o sistema e/ou os subsistemas da língua, e
olho ou o modo de olhar, o vocabulário e o expô‑los de forma sistemática, objetiva e precisa, utili‑
modo de falar, algum tique nervoso, etc. zando as técnicas, a terminologia e a simbologia das
Outro detalhe importante é que não modernas escolas linguísticas.
n■Dicionário eletrônico Houaiss.
apreendemos a realidade apenas por meio da
visão; apesar de se falar em “retrato” verbal, um
bom texto descritivo não pode prescindir das outras sensações. Nossa percepção da realidade se dá por meio da
visão, da audição, do olfato, do tato, da gustação. Por isso, é comum encontrarmos sinestesias em textos descritivos.
Para exemplificar, transcrevemos o parágrafo inicial do romance Concerto barroco, do escritor cubano Alejo
Carpentier (1904‑1980). Antes, reproduzimos trecho de uma sinopse da obra:

Sinopse
Em inícios do século XVIII, um milionário da prata mexicana, neto de conquistador maltrapilho, aristo‑
crata há uma geração apenas, deixa a terra natal para uma temporada de luxos e prazeres em Veneza.
Chegando à cidade em pleno Carnaval, o Amo e seu criado Filomeno serão protagonistas de um concerto sem
igual, que reunirá os maiores prodígios da Europa barroca, mas também a música do Velho e do Novo Mundo.

De prata as delgadas facas, os finos garfos; de prata os pratos onde uma árvore de prata lavrada na con‑
cavidade de suas pratas juntava o suco dos assados; de prata as fruteiras, com três bandejas redondas, coroa‑
das por uma romã de prata; de prata as jarras de vinho marteladas pelos artesãos da prata; de prata as traves‑
sas de peixe com seu pargo de prata inflado sobre um entrelaçamento de algas; de prata os saleiros, de prata
os quebra‑nozes, de prata os covilhetes, de prata as colherinhas com iniciais lavradas… E tudo isso ia sendo
levado pausadamente, cadenciadamente, cuidando para que prata não esbarrasse em prata, rumo às surdas
penumbras de caixas de madeira, de engradados ao aguardo, de arcas com fortes ferrolhos, sob o olhar vigilan‑
te do Amo que, de roupão, só fazia a prata ressoar, vez por outra, ao urinar magistralmente, com jorro certeiro,
copioso e percuciente, num penico de prata, cujo fundo era adornado por um malicioso olho de prata, logo
ofuscado por uma espuma que, de tanto refletir a prata, acabava por parecer prateada… “Aqui, o que fica”, dizia
o Amo. “Ali, o que vai.” Naquilo que ia, também uma que outra prata – uma baixela menor, um jogo de taças,
e, claro, o penico do olho de prata –, mas, sobretudo, camisas de seda, calções de seda, meias de seda, sedas da
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PARTE 2 A CONSTRUÇÃO dOS TExTOS

China, porcelanas do Japão – as do café da manhã que talvez, quem sabe, fosse tomado em agradabilíssima
companhia –, e xales de Tonquim, viajados pelos vastíssimos mares do Poente. Francisquillo, com a cara amar‑
rada, feito uma trouxa de roupas, por uma mantilha azul que lhe colava à bochecha esquerda uma folha com
virtudes emolientes, pois a dor de dentes a deixava inchada, arremedando o Amo, e mijando no compasso da
mijada do Amo, mas não em penico de prata, e sim em pote de barro, também caminhava do pátio às arcadas,
do saguão às salas, fazendo coro com ele, como num ofício divino: “Aqui, o que fica… Ali, o que vai”.
n■ CARPENTIER, Alejo. Concerto barroco. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 7.

Bonito, não é? Há uma verdadeira orquestração caracterizando os objetos e o ambiente; e a palavra prata repetida
23 vezes no parágrafo, caracterizando tudo e todos, passando a ideia de quão rico é o Amo e a origem de sua riqueza.

O TEXTO DESCRITIVO:
////////////////////////
UM ARRANJO LINGUÍSTICO CARACTERÍSTICO
///////////
////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Os textos descritivos apresentam uma gramática muito particular com o predomínio de:
• frases nominais e/ou sintagmas nominais;
• orações centradas em predicados nominais (afinal, estamos descrevendo o “mundo das coisas”; falamos como
as coisas são);
• verbos de estado (ser, estar, parecer, virar, ter, etc.);
• verbos conjugados no presente ou no imperfeito do indicativo (pois a intenção é descrever um ser num deter‑
minado momento, passando uma noção estática de permanência);
• adjetivos na função de adjunto adnominal e/ou na de predi‑

Reprodução/Arquivo da editora
cativo (imprescindíveis numa descrição!);
• advérbios na função de adjuntos adverbiais de lugar, posicio‑
nando o ser retratado no espaço;
• períodos curtos e coordenação;
• quando há subordinação, orações adjetivas (adjuntos adno‑
minais de um substantivo).

P
Um recurso comum nas descrições é a comparação, pois
a analogia permite o cruzamento de imagens, tornando assim
mais fácil a montagem da imagem que se está tentando des‑ Ambientes
crever. Daí o emprego constante do conectivo como. de uma
Por ser o registro uma “fotografia” de um objeto, de uma Cidade Etérea
pessoa, de uma paisagem, o texto descritivo não trabalha com a
sucessão temporal (ao contrário da narração, por exemplo). Por
isso, os verbos aparecem ou no presente (como as coisas são no R A G A
momento da fala) ou no pretérito, com predomínio do imperfei‑ Flor de uma Primavera devorada pela História,
to (como as coisas eram no passado); quando há um marco a urbe silenciosa acordava com os ecos dos sons
temporal no passado, é possível o emprego do mais‑que‑ lançados pelos sinos dos campanários mais altos.
‑perfeito, como na construção: Ela chegou às dez da noite... O dia Centenas de cúpulas reluzentes lançavam pinácu-
los a um céu muitas vezes cinzento, e das flores-
fora quente e seco.
tas vizinhas chegava o primeiro chilrear dos
pássaros madrugadores. Do leste, restava a
memória de quem sempre viveu no centro da
Na descrição da cidade, ressalta-se a convivência entre o novo e o Europa, e de ocidente soprava um vento de
antigo; destacam-se os sinos, o céu cinzento, as florestas, os pássaros. mudança, que não embalava as árvores mas ves-
Os substantivos, os verbos e os adjetivos utilizados procuram transmitir tia de cores mais garridas a bela cidade milenar,
aspectos visuais e auditivos do lugar: “urbe silenciosa acordava com orgulho do povo tcheco. São memórias de
ecos dos sons lançados pelos sinos”, “cúpulas reluzentes”, “céu muitas ambientes etéreos de Praga, ainda guiadas, aqui e
vezes cinzento”, “chilrear dos pássaros madrugadores”... ali, por evocações de Milan Kundera.
Na organização do parágrafo, observa-se a predominância da
coordenação. TEXTO E FOTO DE JORGE ADN COSTA

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TExTOS dESCRITIVOS: O “RETRATO VERBAL” CAPÍTULO 4

Atividades
O resto é silêncio
Parte I, Capítulo 1
(Fragmento)
Há um tom de verde, que encontramos às vezes nos céus de certos quadros – um
verde aguado, duma pureza de cristal, transparente e frio como um lago nórdico –,
um verde tão remoto, sereno, perfeito, que parece nada ter de comum com as coisas ter‑
renas. Paramos, contemplamos a tela, atribuímos a cor impossível à fantasia do artista e
passamos adiante.
Entretanto havia na realidade um verde exatamente assim no horizonte daquele
anoitecer de Sexta‑feira da Paixão. O dia fora morno e sem vento. O outono andava a dar
novas tintas à cidade. As folhas das trepadeiras que cobriam as paredes de algumas
vivendas dos Moinhos de Vento, faziam‑se dum vermelho de ferrugem. Os plátanos do
Parque começavam a perder as

Ulhôa Cintra/Arquivo da editora


primeiras folhas. A luz do sol tinha
a cor e a doçura do mel. Os hori‑
zontes fugiam. Por toda a parte as
paineiras estavam rebentando em
flores. Os contornos das coisas
amaciavam‑se à claridade de abril.
Andava no ar uma calma ador‑
mentadora. A paisagem como que
ia adquirindo aos poucos uma
certa maturidade, e as criaturas
humanas pareciam finalmente
em paz com o céu e a terra. Havia
entre elas e a natureza um acordo
espontâneo, uma repousada har‑
monia, uma aceitação mútua e
sem reservas.
n VERÍSSIMO, Érico. O resto é silêncio. São Paulo: Globo, 1995.

1. Comente os recursos descritivos do texto, destacando alguns indicadores gramaticais que caracterizam
esse tipo textual.

2. Em “[…] um verde aguado duma pureza de cristal, transparente e frio como um lago nórdico […] ”, temos
um apelo a mais de um dos nossos sentidos. Quais são as percepções a que se apelou? Como se chama a
figura de linguagem que resulta desse trabalho?

3. Qual é o tema do primeiro parágrafo? Que relação se estabelece entre o primeiro parágrafo e o primeiro
período do segundo parágrafo?

4. Qual é o tema do segundo parágrafo?


5. Que tipo de relação se estabelece entre a natureza e as criaturas humanas?
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PARTE 2 A CONSTRUÇÃO dOS TExTOS

Foco descritivo
Na hora de produzir um texto descritivo, o autor tem de definir o foco descritivo (ou foco de percepção)
pelo qual o elemento a ser descrito será observado. E temos duas situações: um foco externo, que é o ângulo
pelo qual o ser será descrito (de um detalhe para o todo ou do todo para os detalhes; de cima para baixo ou de
baixo para cima; de lado ou de frente ou detrás; de fora para dentro, de dentro para fora, etc.); um foco interno,
que é a postura assumida pelo autor em relação ao elemento a ser descrito (um maior envolvimento, um maior
distanciamento).
Nas descrições, no entanto, além das características físicas, é fundamental a atitude, ou seja, a predisposi‑
ção psicológica assumida com relação ao ser, objeto ou paisagem que se deseja representar. O ponto de vista
(físico e psicológico) adotado acabará determinando os recursos expressivos (vocabulário, figuras, tipo de frase)
que serão utilizados na descrição. O mesmo ocorre com a pintura ou com a fotografia: ao se definir o ângulo em
que a cena será mostrada, além do ponto de vista do artista, define‑se o ponto de vista do espectador.
O ponto de vista físico vai determinar a ordem da apresentação dos detalhes, que deve se dar progressiva‑
mente. Observe o que diz Othon Garcia:

Nunca é, por exemplo, boa norma apresentar todos os detalhes acumulados em um só período.
Deve‑se, ao contrário, oferecê‑los ao leitor pouco a pouco, variando as partes focalizadas e
associando‑as ou interligando‑as.
n Comunicação em prosa moderna. 7. ed. Rio de Janeiro: Ed. da FGV, 1978. p. 217.

Na descrição de uma pessoa, por exemplo, pode‑se, inicialmente, passar ao leitor uma visão geral e depois
ir apresentando a visão dos detalhes: de como são seus olhos, seu nariz, sua boca, seu sorriso, o que esse sorriso
revela (inquietação, ironia, desprezo, desespero...), o tom de sua voz, etc.
Na descrição de objetos, é importante que, além da imagem, sejam transmitidas ao leitor outras referên‑
cias sensoriais, como as táteis (o objeto é liso ou áspero?), as auditivas (o som que ele provoca é agudo ou grave?)
e as olfativas (o objeto exala algum cheiro?).
A descrição de paisagens (uma planície, uma praia, por exemplo) ou de ambientes (uma sala, um escritório,
uma fábrica) – as cenas – também não deve se limitar a uma visão geral. É preciso ressaltar seus detalhes, e isso
não é percebido apenas pela visão. Certamente, em uma paisagem ou ambiente haverá ruídos, sensações tér‑
micas, cheiros, que deverão ser transmitidos ao leitor, evitando que a descrição se transforme em uma fria e
pouco expressiva fotografia. Também poderão integrar a cena pessoas, vultos, animais ou coisas, que lhe dão
vida. É, portanto, fundamental destacar esses elementos.

Descrição objetiva e descrição subjetiva


Para melhor caracterizar o texto descritivo, apresentamos duas sequências: a primeira, de Raul Pompeia; a
segunda, de Aluísio Azevedo.

“Aristarco todo era um anúncio. Os gestos, calmos, soberanos, eram de um rei [...]; o olhar fulgu‑
rante, sob a crispação áspera dos supercílios de monstro japonês, penetrando de luz as almas cir‑
cunstantes; o queixo, severamente escanhoado, de orelha a orelha, lembrava a lisura das consciên‑
cias limpas. A própria estatura, na imobilidade do gesto, na mudez do vulto, a simples estatura dizia
dele: aqui está um grande homem...”
n POMPEIA, Raul. O Ateneu. São Paulo: Scipione, 2004. p. 5.

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TExTOS dESCRITIVOS: O “RETRATO VERBAL” CAPÍTULO 4

Você deve ter observado, nesse trecho do romance, que o narrador descreve o personagem a partir de um
ponto de vista pessoal, ou seja, ele procura nos apresentar a impressão que tem dele. Trata‑se, portanto, de uma
descrição subjetiva ou impressionista.
O fato de o narrador apresentar sua visão pessoal do personagem, emitindo juízos de valor (daí o caráter
subjetivo da descrição), não é um defeito, já que a descrição não deve apenas fornecer ao leitor um retrato frio
e sem vida daquilo que é descrito.
Portanto, salvo as técnicas ou científicas, toda descrição revela, em maior ou menor grau, a impressão que
o autor tem daquilo que descreve.
Leia, agora, a descrição do protagonista do romance O mulato, de Aluísio Azevedo:

“Raimundo tinha vinte e seis anos e seria um tipo acabado de brasileiro se não foram os gran‑
des olhos azuis, que puxara do pai. Cabelos muito pretos lustrosos e crespos; tez morena e amulata‑
da, mas fina; dentes claros que reluziam sob a negrura do bigode; estatura alta e elegante; pescoço
largo, nariz direito e fronte espaçosa.”
n AZEVEDO, Aluísio. O mulato. Disponível em: <www.dominiopublico.gov.br>.
Acesso em: 11 fev. 2013.

O narrador desse trecho descritivo também retrata um personagem. Mas há uma diferença entre
esse texto e o de Raul Pompeia: o narrador não emite juízos de valor, nem estabelece comparações de
caráter subjetivo; ao contrário, procura transmitir uma imagem concreta e precisa, bastante próxima da
realidade, destacando nitidamente os detalhes que caracterizam o personagem. Trata‑se, pois, de uma
descrição objetiva.
Convém lembrar sempre: com exceção das descrições técnicas ou científicas, é rara a descrição absolu‑
tamente objetiva, já que sempre haverá alguma interferência do autor naquilo que está sendo descrito. O que
vai distinguir uma descrição objetiva de uma descrição subjetiva é o grau dessa interferência.

Atividades
Texto para as questões 1 a 4.

A metamorfose
Certa manhã, ao despertar de sonhos intranquilos, Gregor Samsa viu‑se em sua
cama metamorfoseado num inseto monstruoso. Estava deitado sobre suas costas duras
como couraça, e ao erguer um pouco a cabeça viu o seu ventre marrom, abaulado, divi‑
dido em saliências arqueadas, em cima do qual o cobertor, quase escorregando, mal se
mantinha. As suas muitas pernas, lastimavelmente finas em comparação com a largura
do seu corpo, tremulavam desamparadas diante de seus olhos.
“O que aconteceu comigo?”, pensou. Não era um sonho. O seu quarto, um verdadeiro
quarto humano, só que um pouco pequeno demais, estava quieto entre as quatro paredes
bem conhecidas. Sobre a mesa, onde um mostruário de tecidos, desempacotado, estava
espalhado – Samsa era caixeiro‑viajante – pendia o retrato que ele recentemente tinha
recortado de uma revista ilustrada e colocado numa linda moldura dourada. Representava
uma senhora sentada ereta com um chapéu e um boá de pele, estendendo em direção ao
observador um pesado regalo de pele, que ocultava todo o seu antebraço.
n KAFKA, Franz. A metamorfose. São Paulo: Estação Liberdade, 1989. p. 5-6.

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PARTE 2 A CONSTRUÇÃO dOS TExTOS

1. Considerando os tipos textuais (argumentativo, injuntivo/instrucional, narrativo, descritivo, expositivo/


explicativo) como você classificaria as duas primeiras sequências (ou seja, as duas primeiras frases) do
texto?

2. Kafka construiu os dois parágrafos da página anterior como se fosse um cineasta com uma câmera na mão,
focando ora uma coisa, ora outra.
a) O que é focado no primeiro parágrafo? E no segundo?
b) Considerando apenas o segundo parágrafo, pode‑se afirmar que o narrador explora o efeito de zoom,
aproximando determinado objeto. Explique esse efeito produzido pelo narrador.

3. Boá é um tipo de estola usada pelas mulheres em volta do pescoço. Regalo é assim definido no Dicionário
Aurélio – século XXI:

regalo
[Dev. de regalar.]
S.m. 1. Prazer causado pelo bom tratamento. 2. Prazer, gosto, contentamento, alegria. 3. V. presente (8)
4. Vida tranquila. 5. Agasalho para as mãos, em geral feito de pele, muito usado nos países frios. 6. Pesc.
Certo tipo de rede puxada a braços.

Em que acepção foi usado o termo no segundo parágrafo do texto?

4. O ponto de vista é a posição que o narrador escolhe para observar o ser ou objeto que será descrito.
a) De que ponto de vista é descrito o corpo de Gregor Samsa no primeiro parágrafo?
b) Gregor Samsa assumiu a forma de um inseto monstruoso, desengonçado. Que palavras selecionadas
pelo narrador comprovam isso?

Texto para as questões 5 e 6.


Começo declarando que me chamo Paulo

Divulgação/Embrafilme
Honório, peso oitenta e nove quilos e completei cin‑
quenta anos pelo São Pedro. A idade, o peso, as
sobrancelhas cerradas e grisalhas, este rosto verme‑
lho e cabeludo têm‑me rendido muita consideração.
Quando me faltavam estas qualidades, a considera‑
ção era menor.
[...]
Hoje não canto nem rio. Se me vejo ao espe‑
lho, a dureza da boca e a dureza dos olhos me des‑
contentam.
[...]
Foi este modo de vida que me inutilizou. Sou
um aleijado. Devo ter um coração miúdo, lacunas no
cérebro, nervos diferentes dos nervos dos outros
homens. E um nariz enorme, uma boca enorme,
dedos enormes.
n RAMOS, Graciliano. São Bernardo. São Paulo: Martins, 1973. n Os atores Isabel Ribeiro e Othon Bastos, como Madalena
(fragmentos de vários momentos da obra) e Paulo Honório, em cena do filme São Bernardo.

5. Assinale as características descritivas, considerando estruturas gramaticais empregadas e foco descritivo.


6. Aponte quais seriam os benefícios do emprego de sequências descritivas no texto, observando o gênero
textual e a função/intenção do produtor do texto.
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TExTOS dESCRITIVOS: O “RETRATO VERBAL” CAPÍTULO 4

Mãos à
obra!
Você viu neste capítulo exemplos de descrição objetiva e subjetiva. Para treinar essas duas for‑
mas de descrever, vamos lhe propor a elaboração de um relato sobre uma experiência vivida em um
determinado espaço que, de alguma forma, tenha marcado sua existência. Pode ser uma lembrança
de uma casa onde você morou na infância, a visão de uma paisagem arrebatadora, a sensação de ver
o mar pela primeira vez, um bairro que tenha sido muito importante em sua vida, uma experiência escolar, uma
viagem empolgante, enfim, algo que realmente o tenha impressionado. Seu relato poderá ter como título: “Um
lugar para não esquecer”. Seu leitor será um amigo especial, com quem você gostaria de dividir essa experiência.
No início de seu texto você vai elaborar uma espécie de verbete (se necessário, consulte o boxe verbete
no capítulo anterior) para descrever objetivamente esse lugar, empregando a sequência habitual de uma
definição: o nome a ser definido, um verbo (ser, consistir, significar), uma classificação genérica (a classe a que
pertence o termo) e, finalmente, as características particulares. Por exemplo, se você escolher rua:

Rua (nome a ser definido) é (verbo) uma via pública (classificação genérica), ladeada
total ou parcialmente de casas, prédios ou jardins, destinada à circulação de pessoas ou
veículos (particularização).

Em seguida, para contrastar com essa definição que se caracteriza pela objetividade, apresentará sua
descrição, a partir do envolvimento emocional que você teve com esse lugar especial. Nesse caso, você deve‑
rá acrescentar suas sensações (visuais, olfativas, táteis, auditivas) e as emoções daquele momento.

GÊNERO TExTUAL
Relato de experiência
Relatar é fazer um registro, é fixar no tempo um acontecimento, uma experiência. Pessoas que
passaram por determinadas experiências, sejam inéditas, exclusivas, extraordinárias ou ainda trágicas,
acabam por querer compartilhá‑las com aqueles que não a viveram. O registro é feito em primeira
pessoa e vem marcado pelas sensações ou pelos sentimentos vividos no momento da experiência. É
comum a narração dos fatos já ocorridos ser feita com uma visão do momento do relato. Os relatos,
orais ou escritos, circulam em esferas jornalísticas, literárias e na esfera cotidiana.

Dicas para a elaboração de seu texto:


1. Insira o “verbete” em seu texto de forma natural, explicando que você vai apresentar o conceito de
acordo com o que está nos dicionários; em seguida, afirme que, para você, aquele conceito tem outros
significados. E então inicie a descrição subjetiva do espaço, mostrando suas preferências, relatando a
realidade de acordo com determinada predisposição afetiva.
2. As sequências descritivas irão predominar em seu texto, entremeadas das sequências narrativas.
Capriche nos adjetivos, empregando aqueles que reproduzam traços significativos do lugar descrito.
3. Já que é praticamente impossível enumerar todos os aspectos do que você pretende descrever, selecio‑
ne aqueles que possibilitem ao leitor formar uma imagem aproximada de sua lembrança.
4. Use comparações para enriquecer seu texto. Formas, cores, sons, movimentos, cheiros vão apresentan‑
do progressivamente impressões que constituirão uma única imagem para seu leitor.
5. Releia as características do texto descritivo que estão no início deste capítulo; isso o auxiliará na produ‑
ção do texto.
Terminado o relato, faça uma revisão e verifique se há uma lógica na progressão descritiva. Depois, entre‑
gue o texto a seu amigo e peça‑lhe uma avaliação.

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PARTE 2 A CONSTRUÇÃO dOS TExTOS

////////////////////////
A DESCRIÇÃO NOS TEXTOS
///////////
////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Como você pôde perceber, a descrição aparece ora como sequência predominante de um gênero, ora como
sequência coadjuvante.
Por conta disso, vamos tentar observar as sequências descritivas no contexto em que aparecem, des‑
tacando sua participação em alguns gêneros textuais: poema, romance, manual de instrução, anúncio
publicitário.

Poemas descritivos
Na poesia, a descrição está marcada pela função poética, apresentando imagens inusitadas que recriam
seres e/ou ambientes. Dificilmente encontraremos objetividade nas descrições poéticas, pois, como sabemos, a
poesia está marcada pelo subjetivismo.
No entanto, alguns estilos poéticos pregavam a objetividade, como foi o caso do Parnasianismo. A
poética parnasiana tinha dois postulados básicos: a formalidade na estrutura e o racionalismo temático,
dado pelo distanciamento que se tentava estabelecer entre o eu poético e o tema do poema. Daí um tema
recorrente: os poemas descritivos centrados em ambientes, situações e seres que não o eu poético.
Analisemos um exemplo.

Anoitecer
Esbraseia o Ocidente na agonia Um mundo de vapores no ar flutua...
O Sol... Aves em bandos destacados, Como uma informe nódoa, avulta e cresce
Por céus de oiro e de púrpura raiados, A sombra à proporção que a luz recua...
Fogem... Fecha‑se a pálpebra do dia...
A natureza apática esmaece...
Delineiam‑se, além, da serrania Pouco a pouco, entre as árvores, a lua
Os vértices de chama aureolados, Surge trêmula, trêmula ... Anoitece.
E em tudo, em torno, esbatem derramados n CORREIA, Raimundo. Raimundo Correia: poesia.
Rio de Janeiro: Agir, 1958.
Uns tons suaves de melancolia...

O poeta captura em sua poesia um momento do dia: o anoitecer. E mais: podemos dizer que temos quatro
momentos do dia à maneira de slides fotográficos (três momentos do pôr do sol e o próprio anoitecer), compon‑
do o poema descritivo.
Na construção do poema, destaque para a imagem criada a partir da sequência gradativa de cores, que
vai do dourado, passando pelos tons avermelhados, até chegar aos tons escuros da sombra. Além disso, a
quantidade de adjetivos e locuções adjetivas na função de adjuntos adnominais (destacados, de oiro, de púr-
pura raiados, do dia, de chama aureolados, derramados, suaves, de melancolia, de vapores, informe, apática,
trêmula) e os predicados verbo‑nominais (Os vértices de chama delineiam-se aureolados; [os vértices] esbatem
derramados […]; Um mundo de vapores no ar flutua como uma informe nódoa; A natureza esmaece apática; a
lua surge trêmula) configuram a sequência descritiva do poema.
Você percebeu que o eu poemático não se evidencia (não há marcas de primeira pessoa no texto!),
distanciando‑se assim do tema do poema?
Assim como a descrição acima tenta a objetividade pelo distanciamento entre o eu poemático e o tema
do poema, uma descrição poética atinge a subjetividade no seu ponto máximo quando o eu poemático é o
tema da poesia. E mais ainda quando esse eu poemático, voz e tema do poema, tem alta identificação com o
próprio poeta.
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TExTOS dESCRITIVOS: O “RETRATO VERBAL” CAPÍTULO 4

Leia a seguir os dois poemas descritivos:

Retrato Cogito
Eu não tinha este rosto de hoje, eu sou como eu sou
assim calmo, assim triste, assim magro, pronome
nem estes olhos tão vazios, pessoal intransferível
nem o lábio amargo. do homem que iniciei
na medida do impossível
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas; eu sou como eu sou
eu não tinha este coração agora
que nem se mostra. sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
Eu não dei por esta mudança,
nesta hora
tão simples, tão certa, tão fácil:
– Em que espelho ficou perdida eu sou como eu sou
a minha face? presente
n MEIRELES, Cecília. Cecília Meireles: obra poética. Rio de Janeiro: desferrolhado indecente
Nova Aguilar, 1985.
feito um pedaço de mim
Reprodução/Arquivo da editora

eu sou como eu sou


vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim.
n NETO, Torquato. Torquatália: obra reunida
de Torquato Neto – volume 1 {do lado de dentro}. Rio de Janeiro: Rocco, 2004.

Arquivo do jornal O Estado


de S. Paulo/Agência Estado

n A poetisa Cecília Meireles.

WEBTECA
Visite o site <www.mpbnet.com.br/musicos/torquato.
neto/index.html> e saiba mais sobre Torquato Neto. Acesso
n O músico
em: 11 fev. 2013. Torquato Neto.

ando
oc
tr

ideias
Os dois poemas que você leu acima são exemplos da maior subjetividade descritiva em
textos poéticos: eu poético, tema do poema e poeta se confundem.
Em pequenos grupos:
a) levantem as características linguísticas que caracterizam os poemas acima como descritivos;
b) comentem os dois retratos que podemos montar a partir do poema de Cecília Meireles;
c) levantem as características evidenciadas no poema de Cecília Meireles. Em que se dife‑
rencia tematicamente do poema de Torquato?
d) escolham o poema que vocês consideram o mais subjetivo e deem uma justificativa.
Em seguida, apresentem suas conclusões para os demais colegas e professor.

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PARTE 2 A CONSTRUÇÃO dOS TExTOS

O papel da descrição nos textos narrativos


Quando falamos em textos narrativos, as sequências descritivas desempenham papel fundamental na
caracterização de personagens e espaços.
Via de regra, a apresentação dos personagens, que envolve a caracterização física e psicológica, e do espaço,
que envolve a realidade visual e ambiental, acontece no início da narrativa.
Leia as passagens de um clássico de José de Alencar:

Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba;
Verdes mares, que brilhais como líquida esmeralda aos raios do sol nascente, perlongando as alvas
praias ensombradas de coqueiros;
Serenai, verdes mares, e alisai docemente a vaga impetuosa, para que o barco aventureiro manso res‑
vale à flor das águas.
Onde vai a afouta jangada, que deixa rápida a costa cearense, aberta ao fresco terral a grande vela?
Onde vai como branca alcíone buscando o rochedo pátrio nas solidões do oceano?
Três entes respiram sobre o frágil lenho que vai singrando veloce, mar em fora.
Um jovem guerreiro cuja tez branca não cora o sangue americano; uma criança e um rafeiro que viram
a luz no berço das florestas, e brincam irmãos, filhos ambos da mesma terra selvagem.
***
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e mais
longos que seu talhe de palmeira.
O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito
perfumado.
Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava
sua guerreira tribo da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando alisava apenas a verde pelúcia
que vestia a terra com as primeiras águas.
n ALENCAR, José de. Iracema. São Paulo: Scipione, 2004.
Reprodução/Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, São Paulo, SP.

n Iracema (1909),
de Antônio Parreiras.

Esses pequenos fragmentos apresentam sequências descritivas que nos permitem montar e visualizar o
espaço (personificado e invocado pelo narrador ao mesmo tempo que o descreve), onde a narrativa será desen‑
rolada, e do qual farão parte alguns dos personagens, especialmente Iracema.
É interessante notar que, na descrição da personagem principal, podemos não só visualizar sua imagem e
montar sua personalidade, como também entender a concepção romântica: trata‑se da idealização de uma
índia, representante de toda uma nação autóctone.
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TExTOS dESCRITIVOS: O “RETRATO VERBAL” CAPÍTULO 4

A descrição nos textos instrucionais


O gênero textual manual de instruções é o texto que acompanha a maioria dos produtos e tem como
função passar orientações sobre seu uso, o que o caracteriza como um texto injuntivo. No entanto, comumente
encontramos sequências descritivas nesse tipo de texto.
Leia e observe com atenção dois fragmentos de manuais de instruções com sequências descritivas.

Reprodução/Arquivo da editora
1. Lâmpada piloto (Vermelha) – Luz vermelha indica que a
sanduicheira está conectada e ligada. Permanecerá ligada
enquanto a unidade estiver em funcionando.

2. Lâmpada piloto (Verde) – Luz indica que a temperatura


ideal já foi alcançada (aproximadamente 4 minutos). Esta
lâmpada se acenderá e desligará durante a operação quando a
temperatura for atingida.

3. Alças térmicas

4. Base para o cabo elétrico e para armazenamento vertical

5. Trava de segurança

Reprodução/Arquivo da editora

ando
oc
tr

ideias

Comente com seus colegas qual seria a utilidade desses trechos descritivos na composição
do manual de instruções do produto.

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PARTE 2 A CONSTRUÇÃO dOS TExTOS

Mãos à
obra!
A revista Superinteressante costuma apresentar, em sua última página, orientações variadas a
seus leitores, indo desde “como tirar manchas difíceis de sua roupa” a “como doar seu corpo para
a ciência”. Nessa seção, chamada de “Manual”, consta, na edição de agosto de 2011, o texto “Como
meditar”, que você lerá a seguir, tendo em vista as seguintes expectativas:
• Qualquer um consegue praticar a meditação?
• Como posso aprender a meditar?
• Como serão dadas as orientações? Conseguirei memorizá‑las?
• Após a leitura, serei capaz de realizar a meditação?

Observe, durante a leitura, o modo verbal em que estão conjugados os verbos (principalmente os
dos subtítulos) e a informalidade no trato com o leitor.

Como meditar
É como se o cérebro ignorasse tudo à sua volta e a cabeça ficasse vazia, sem se prender a nenhum
pensamento. Em alguns meses, a prática pode reduzir a ansiedade, segundo estudos. Mas tudo depende
de disciplina e muita concentração. Ah, e de algum conforto.
1. Procure sossego
Um local livre de interrupções é essencial. Vale seu quarto, uma praça, o parquinho do prédio.
Para iniciantes, o latido de um cachorro pode tirar o foco da meditação. Com o tempo e a prática,
vai ficar mais fácil ignorar esses ruídos.
2. Foque na respiração
Preste atenção no ar que entra e sai do seu corpo. É uma distração para o cérebro. Assim, ele foca
no seu organismo, e não nos problemas da vida ou no que acontece ao redor.
3. Liberte os pensamentos
É impossível não pensar em nada – só de pensar nisso você já estará pensando em algo. Mas não
se apegue a nenhum pensamento para que o cérebro não comece a trabalhar nem te tire do rela‑
xamento.
4. Tenha um mantra
Mais um truque para prender a atenção do cérebro. É um som repetido em alguns tipos de medi‑
tação. Cada pessoa tem seu mantra, que é definido por um instrutor.
5. Ajeite-se
Fique confortável. Pode ser do jeito que você achar mais cômodo, sentado ou deitado. O importan‑
te é evitar algo como dor nas costas ou nas pernas, que poderia afetar sua concentração.
6. Repita
Nos primeiros meses de prática, fique na posição por entre 5 e 10 minutos. Quando sentir que já
ficou fácil se concentrar, aumente para até 30 minutos por dia. Assim, o cérebro vai se acostumar
a focar no seu corpo.
Fontes: Alcio Braz Eido Soho, psiquiatra do Hospital Federal da Lagoa, no Rio de Janeiro;
Gildo Angelotti, diretor do Instituto de Neurociência e Comportamento de São Paulo;
Juliana Brescovicci, do Instituto Nacional de Meditação; Leonardo Mascaro, psicólogo e especialista em meditação;
Saulo Fong, do Instituto União de Meditação; Mindfulness Practice Leads to Increases in
Regional Brain Gray Matter Densitsy, Britta K. Hölzel e outros.
n PINHEIRO, Nathália. Como meditar. Superinteressante. São Paulo: Abril, n. 294, ago. 2011. p. 98.

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TExTOS dESCRITIVOS: O “RETRATO VERBAL” CAPÍTULO 4

GÊNERO TExTUAL
Manual
O manual é um gênero cuja finalidade é instruir, orientar seus leitores. Apresenta um conjunto de
recomendações a serem seguidas para que certo objetivo seja alcançado ou determinado comportamen‑
to seja modificado. Os manuais costumam prescrever ações, emitir ordens que devem ser seguidas passo
a passo. Para tanto, são empregados verbos no modo imperativo ou em suas formas infinitivas, em frases
curtas, didáticas e objetivas. As esferas de circulação variam (cotidiana, comercial, escolar, jornalística, etc.)
em função da especificidade dos manuais: de instrução para uso de produtos, para aprendizado de algu‑
ma técnica, para orientação a candidatos a determinadas vagas, de redação de jornais.

• Pense em uma atividade que você domine muito bem.


• Pense em um interlocutor a quem você gostaria de transmitir esse saber.
• Em seguida, planeje um manual por meio do qual você poderia, passo a passo, orientar esse inter‑
locutor a conseguir realizar essa atividade.
• Descreva detalhadamente os procedimentos a serem executados para a consecução dos objetivos,
tendo muito cuidado com a ordem (sequência dos passos) em que serão apresentadas as orientações.
Dicas para a elaboração de seu texto:
1. Dê um título a seu manual.
2. Empregue os verbos no modo imperativo; dirija‑se diretamente a seu leitor.
3. Empregue linguagem adequada a seu público‑alvo: é feminino, infantil, jovem ou adulto? Possui que
nível de escolaridade?
4. As sequências injuntivas e descritivas irão predominar em seu texto.
Após leitura minuciosa, passe seu texto para um colega a fim de que ele possa ler e elaborar comen‑
tários. Feitos os ajustes, providencie para que seu manual seja encadernado no formato de um livreto.
Depois é só entregá‑lo ao leitor que você idealizou. Peça que ele “teste” a eficácia de seu manual, executan‑
do as tarefas propostas e observando os resultados.

NO
Questões de exames FAÇARNO!
CAD
E

1. (PUC‑RS) Nordeste brasileiro entre os homens liderados por


Antônio Conselheiro e as tropas militares republicanas.
A travessia foi penosamente feita. O terreno
Neste trecho da obra,
inconsistente e móvel fugia sob os passos aos
I. alternam‑se a linguagem coloquial e a inconformi‑
caminhantes; remorava a tração das carretas
dade com a exploração do homem pelo homem.
absorvendo as rodas até ao meio dos raios; opu‑
nha, salteadamente, flexíveis barreiras de espi‑ II. a complexidade vocabular e o predomínio da
nheirais, que era forçoso destramar a facão; e descrição constituem características marcantes.
reduplicava, no reverberar intenso das areias, a III. a reiteração de expressões regionais e a preocu‑
adustão da canícula. De sorte que ao chegar à pação com a condição humana permeiam o
tarde, à “Serra Branca”, a tropa estava exausta. ponto de vista do narrador.
Exausta e sequiosa. Caminhara oito horas A(s) afirmativa(s) correta(s) é/são
sem parar, em pleno arder do sol bravio do verão. a) I, apenas. d) I e III, apenas.
O fragmento pertence ao livro Os sertões, de Euclides b) II, apenas. e) I, II e III.
da Cunha, que relata a Guerra de Canudos, travada no c) III, apenas.

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PARTE 2 A CONSTRUÇÃO dOS TExTOS

2. (Uerj) d) “só o violão é capaz de ouvir e de entender a


Lua.” (l. 40‑41)
Uma mulher chamada Guitarra
Um dia, casualmente, eu disse a um amigo que a 3. (FGV‑SP) Leia atentamente os dois fragmentos
guitarra, ou violão, era “a música em forma de abaixo extraídos de Vidas secas, de Graciliano
mulher”. A frase o encantou e ele a andou espalhando Ramos, e desenvolva a questão que segue:
como se ela constituísse o que os franceses chamam Texto 1: “Alcançou o pátio, enxergou a casa
um mot d’esprit1. Pesa‑me ponderar que ela não quer baixa e escura, de telhas pretas, deixou atrás os
ser nada disso; é, melhor, a pura verdade dos fatos. juazeiros, as pedras onde jogavam cobras mortas,
O violão é não só a música (com todas as suas o carro de bois. As alpercatas dos pequenos
possibilidades orquestrais latentes) em forma de batiam no chão branco e liso. A cachorra Baleia
mulher, como, de todos os instrumentos musicais trotava arquejando, a boca aberta.”
que se inspiram na forma feminina ‑ viola, violi‑ n■“Fabiano” em: RAMOS, G. Vidas secas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1947.
no, bandolim, violoncelo, contrabaixo ‑, o único Texto 2: “Baleia queria dormir. Acordaria feliz,
que representa a mulher ideal: nem grande, nem num mundo cheio de preás. E lamberia as mãos
pequena; de pescoço alongado, ombros redondos de Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se
e suaves, cintura fina e ancas plenas; cultivada, espojariam com ela, rolariam com ela num pátio
mas sem jactância2; relutante em exibir‑se, a não enorme, num chiqueiro enorme. O mundo ficaria
ser pela mão daquele a quem ama; atenta e obe‑ cheio de preás, gordos, enormes.”
diente ao seu amado, mas sem perda de caráter e
n■“Baleia” em: RAMOS, G. Vidas secas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1947.
dignidade; e, na intimidade, terna, sábia e apaixo‑
nada. Há mulheres‑violino, mulheres‑violoncelo A expressividade do discurso de Vidas secas ocorre
e até mulheres‑contrabaixo. por meio da forma singular com que são trabalha‑
(...) Divino, delicioso instrumento que se casa tão dos todos os níveis gramaticais, mas encontra nos
bem com o amor e tudo o que, nos instantes mais nomes (substantivos e adjetivos) e nos tempos
belos da natureza, induz ao maravilhoso abandono! verbais, lugar especial na construção dos sentidos.
E não é à toa que um dos seus mais antigos ascen‑ Analise essa afirmação relacionando comparativa‑
dentes se chama viola d’amore3, como a prenunciar mente os dois fragmentos selecionados.
o doce fenômeno de tantos corações diariamente
feridos pelo melodioso acento de suas cordas... Até 4. (PUC‑SP)
na maneira de ser tocado ‑ contra o peito ‑ lembra a
mulher que se aninha nos braços do seu amado e, Pensão familiar
sem dizer‑lhe nada, parece suplicar com beijos e Jardim da pensãozinha burguesa.
carinhos que ele a tome toda, faça‑a vibrar no mais Gatos espapaçados ao sol.
fundo de si mesma, e a ame acima de tudo, pois do A tiririca sitia os canteiros chatos.
contrário ela não poderá ser nunca totalmente sua. O sol acaba de crestar as boninas que
Ponha‑se num céu alto uma Lua tranquila. Pede murcharam.
ela um contrabaixo? Nunca! Um violoncelo? Talvez, Os girassóis
mas só se por trás dele houvesse um Casals4. Um amarelo!
bandolim? Nem por sombra! Um bandolim, com resistem.
seus tremolos5, lhe perturbaria o luminoso êxtase. E o E as dálias, rechonchudas, plebeias, dominicais.
que pede então (direis) uma Lua tranquila num céu Um gatinho faz pipi.
alto? E eu vos responderei: um violão. Pois dentre os Com gestos de garçom de restaurante – Palace
instrumentos musicais criados pela mão do homem, Encobre cuidadosamente a mijadinha.
só o violão é capaz de ouvir e de entender a Lua. Sai vibrando com elegância a patinha direita:
n■Vinicius de Moraes. Para viver um grande amor. Rio de Janeiro: José Olympio, 1984. – É a única criatura fina na pensãozinha
1
mot d’esprit – dito espirituoso
burguesa.
2
jactância – arrogância, orgulho, vaidade O poema acima é de Manuel Bandeira e integra a
3
viola d’amore – viola de amor, antigo instrumento musical obra Libertinagem. Do ponto de vista de sua cons‑
4
Casals – Pablo Casals, famoso violoncelista do século passado
5
trução, não se pode afirmar que:
tremolos – repetições rápidas de uma ou duas notas musicais
a) é enfaticamente descritivo na primeira parte e
No texto, fragmentos narrativos associam‑se a caracteriza o cenário natural, valendo‑se, princi‑
sequências descritivas, originárias de um processo palmente de frases nominais.
subjetivo de observação. b) sugere atmosfera afetuosa e terna caracteriza‑
A alternativa que apresenta uma dessas sequên‑ da pelo uso expressivo do diminutivo.
cias descritivas é: c) opera o procedimento narrativo de tal forma a
a) “atenta e obediente ao seu amado, mas sem conciliá‑lo com o descritivo, sem, no entanto,
perda de caráter e dignidade;” reduzi‑lo a um mero pano de fundo.
b) “E não é à toa que um dos seus mais antigos d) carece de exploração visual e perde poeticidade
ascendentes se chama viola d’amore,” em deslizes semânticos e sintáticos.
c) “Ponha‑se num céu alto uma Lua tranquila. Pede e) ilumina e colore o poema e a página, que se
ela um contrabaixo?” contaminam pela força invasora do amarelo.

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5 CAPÍTULO 5

A linguagem figurada
Num mundo como o de hoje, de raciocínios algébricos, e onde os valores
supremos são a máquina e a automação; e onde o pensamento ameaça
converter-se em atividade cibernética de robô, é preciso saudar tudo aquilo
que contribua para destruir as unidades ideológicas, para manter o
homem no mundo passional do homem, no espaço dos saberes problemá-
ticos, da dialética, da argumentação e do debate, da intuição e do senti-
mento, das probabilidades e das crenças, da ficção, do mito e do sonho;
esse é o mundo humano; e esse ainda é – felizmente – o mundo das figuras,
um mundo metafórico.
n LOPES, Edward. Metáfora: da retórica à semiótica. São Paulo: Atual, 1987.

©Bob Thaves/United Media/Ipress

O mundo humano é o mundo das figuras, o mundo


metafórico... É interessante pensar que esse universo
metafórico, complexo pelas relações e associações de
significado e característico da linguagem poética, está
presente nas realizações humanas mais triviais da
interação por meio da linguagem: “Trabalhei feito um
cavalo!”, “Ela é um docinho.”, “Ele é um gato.”, “O Bola faltou
hoje.”, e por aí vai...

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FIGURAS DE LINGUAGEM
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Leia, com toda sua sensibilidade, os textos seguintes; eles são belos exemplos de linguagem poética:

Poema perto do fim


Fine Art Photographic Library/Corbis/Latinstock

A morte é indolor.
O que dói nela é o nada
que a vida faz do amor.
Sopro a flauta encantada
e não dá nenhum som.
Levo uma pena leve
de não ter sido bom.
E no coração, neve.
n MELLO, Thiago de. Faz escuro mas eu canto.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. p. 77.

Uma ideia

Digital Art/Corbis/Latinstock
palavras não matam
nem provocam inverno atômico
e na voz do poeta
(abelhas na colmeia)
podem até conter uma ideia
n BONVICINO, Régis. Más companhias. São Paulo: Olavobrás, 1987. p. 15.

eu
Images.com/Corbis/Latinstock

quando olho nos olhos


sei quando uma pessoa
está por dentro
ou está por fora
quem está por fora
não segura
um olhar que demora
de dentro do meu centro
este poema me olha
n LEMINSKI, Paulo. Caprichos & relaxos.
São Paulo: Brasiliense, 1983. p. 15.

No primeiro poema, Thiago de Mello faz uso de uma construção sintética, deixando alguns termos suben-
tendidos: o sujeito (no caso, o pronome de primeira pessoa eu) dos verbos soprar (quarto verso) e levar (sexto
verso); o sujeito (a flauta) do verbo dar (quinto verso); e a forma verbal levo no último verso (“E no coração,
[levo] neve.”).
No segundo poema, há um belo exemplo de palavras que adquirem, em certo contexto, um novo significa-
do, uma nova dimensão. É o que ocorre no verso “(abelhas na colmeia)”: abelhas significa, no contexto da poesia
(e só nele), palavras e colmeia significa poeta; “abelhas na colmeia” é uma forma figurada de se referir às pala-
vras que ficam “zunindo” (e produzindo algo doce) no íntimo do poeta.
No terceiro poema, a ideia central reside em um jogo conceitual entre o “estar por dentro” e o “estar por
fora”, palavras de significados opostos.
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A LingUAgem figUrAdA CAPÍTULO 5

Você deve estar se perguntando por que incluir o estudo das figuras de linguagem em um livro dedicado
à leitura e produção de textos... Ora, produzir um texto é, literalmente, trabalhar a linguagem. Quanto mais nos
inteiramos dos usos da linguagem, mais rica é nossa interpretação de um texto e mais competente é o texto
produzido por nós. Francis Vanoye faz uma importante observação sobre isso:

“[…] é preciso que se considere que as técnicas de expressão não constituem


receitas ou rol de ornamentos que visam ao “falar bonito”, mas, sim, uma maneira
de aperfeiçoar o comportamento intelectual (reflexão, compreensão, análise) e uso
mais eficaz da linguagem”.
n VANOYE, Francis. Usos da linguagem: problemas e técnicas na produção oral e escrita. 7. ed.
São Paulo: Martins Fontes, 1987. p. 50.

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oc

tr
ideias
Ao construir um enunciado, podemos fazer uso da criatividade, manifestando novas e
inusitadas relações entre palavras e significados e, ainda, compondo algumas “brincadeiras”
na estrutura gramatical. Tudo isso para atingir efeitos estilísticos que chamamos de figuras
de linguagem.
Distinguem-se três tipos de figuras de linguagem. Leia os verbetes do Dicionário Houaiss:
• figura de palavra
Rubrica: estilística, retórica.
a que está relacionada com a mudança de sentido das palavras (p. ex.: a metáfora, a metoní-
mia, a sinédoque, a hipérbole); figura de significação.

• figura de pensamento
Rubrica: estilística, retórica.
figura que se posiciona no plano das ideias; faz-se por imaginação (p. ex.: a prosopopeia), por
raciocínio (p. ex.: a deliberação ou a concessão), por desenvolvimento (p. ex.: a descrição), por
significação simbólica (p. ex.: a alegoria, a lítotes, a ironia).

• figura de sintaxe
Rubrica: estilística, retórica.
figura pela qual a construção da frase se afasta, de algum modo, do modelo de uma estrutura
gramatical, para dar destaque significativo, como processo estilístico, a algum membro da
frase (p. ex.: a elipse, o zeugma, o anacoluto, o pleonasmo, o hipérbato, a silepse, o assíndeto, o
polissíndeto); figura de construção.
A partir das definições acima, identifique a que tipo pertencem as figuras de linguagem
destacadas nos poemas da página anterior. Justifique sua resposta.

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FIGURAS DE PALAVRAS
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A figura de palavra consiste no emprego figurado, simbólico, de uma palavra por outra, quer por uma rela-
ção de proximidade (contiguidade), quer por uma associação, uma comparação, uma similaridade. Esses dois
conceitos básicos – contiguidade e similaridade – permitem-nos reconhecer dois tipos de figuras de palavras: a
metonímia e a metáfora. É para essas duas principais figuras de palavras que nossa atenção estará voltada
neste capítulo.
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PArTe 2 A COnSTrUÇÃO dOS TeXTOS

ando
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tr

ideias

Reprodução/ANJ

Reprodução/ANJ
Considerando que metáfora é uma figura de linguagem que se fundamenta numa relação
de semelhança subentendida entre o sentido próprio e o figurado e que a metonímia se funda-
menta numa relação de contiguidade, ou seja, de proximidade, de pertinência, discutam em
pequenos grupos:
a) No anúncio 1, que relação há entre o lápis e a comemoração do Dia Mundial da
Liberdade de Expressão?
b) A que nos remete a imagem do lápis sangrando?
c) Que imagem você consideraria metafórica e que imagem você consideraria metonímica no
anúncio 2?
Na voz de um representante, apresentem suas conclusões para a sala e comparem-nas
com as de seus colegas.

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A METÁFORA
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Para iniciarmos o trabalho de conceituação de metáfora, vamos ler um fragmento de uma excelente novela
intitulada Ardente paciência, escrita pelo chileno Antonio Skármeta (o cinema fez uma bela adaptação dessa
novela, embora tivesse alterado algumas situações e o título: O carteiro e o poeta). Numa mistura de ficção e
realidade, fala dos últimos anos do poeta Pablo Neruda, recolhido em uma ilha chilena, a partir de um imaginário
contato do poeta com um jovem carteiro.
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A LingUAgem figUrAdA CAPÍTULO 5

– É que fiquei pensando...


Neruda apertou os dedos no cotovelo do carteiro e o foi conduzindo até o poste onde havia estacionado
a bicicleta.
– E você fica sentado para pensar? Se quer ser poeta, começa por pensar caminhando. Ou você é como
John Wayne, que não podia caminhar e mascar chicletes ao mesmo tempo? Agora vai para a enseada pela
praia e, enquanto você observa o movimento do mar, pode ir inventando metáforas.
– Me dê um exemplo!...
– Olha este poema: “Aqui na Ilha, o mar, e quanto mar. Sai de si mesmo a cada momento. Diz que sim, que
não, que não. Diz que sim, em azul, em espuma, em galope. Diz que não, que não. Não pode sossegar. Me chamo
mar, repete se atirando contra uma pedra sem convencê‑la. E então, com sete línguas verdes, de sete tigres
verdes, de sete cães verdes, percorre‑a, beija‑a, umedece‑a e golpeia‑se o peito repetindo o seu nome”.
Fez uma pausa satisfeita.

Ulhõa Cintra/Arquivo da editora


– O que você acha?
– Estranho.
– “Estranho.” Mas que crítico mais severo!
– Não, dom Pablo. Estranho não é o poema. Estranho é como
eu me sentia quando o senhor recitava o poema.
– Querido Mário, vamos ver se te desenredas um pouco por‑
que eu não posso passar toda a manhã desfrutando o papo.
– Como se explica? Quando o senhor dizia o poema, as pala‑
vras iam daqui pr’ali.
– Como o mar, ora!
– Pois é, moviam‑se exatamente como o mar.
– Isso é ritmo.
– Eu me senti estranho, porque com tanto movimento,
fiquei enjoado.
– Você ficou enjoado...
– Claro! Eu ia como um barco tremendo em suas palavras.
As pálpebras do poeta se despregaram lentamente.
– “Como um barco tremendo em minhas palavras.”
– Claro!
– Sabe o que você fez, Mário?
– O quê?
– Uma metáfora.
– Mas não vale porque saiu só por um puro acaso.
– Não há imagem que não seja casual, filho.
n SKÁRMETA, Antonio. Ardente paciência. São Paulo: Brasiliense, 1987.
(Atualmente publicado com o título de O carteiro e o poeta, pela Editora Record.)

fiLmOTeCA
Divulgação/Arquivo da editora

O carteiro e o poeta (1994). Direção de Michael Radford. Com: Massimo Troisi, Philippe
Noiret, Maria Grazia Cucinotta, Renato Scarpa, Linda Moretti.
Por razões políticas, o poeta Pablo Neruda (Philippe Noiret) se exila em uma ilha na Itália. Lá,
um desempregado (Massimo Troisi) quase analfabeto é contratado como carteiro, encarregado de
cuidar da correspondência do poeta, e gradativamente se forma uma sólida amizade entre os dois.

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PArTe 2 A COnSTrUÇÃO dOS TeXTOS

Segundo o professor Mattoso Camara, metáfora “é a figura de linguagem que consiste na transferência de
um termo para um âmbito de significação que não é o seu e fundamenta-se numa relação toda subjetiva, cria-
da no trabalho mental de apreensão”.
No exemplo do texto temos:

eu barco
transferência

navego tremendo em que navega tremendo em


um mar de palavras um mar de palavras

É importante perceber que a metáfora tem um caráter subjetivo e momentâneo (daí a afirmação de que
“toda imagem é casual”); se a metáfora se cristalizar, deixará de ser metáfora e passará a ser catacrese (é o que
ocorre, por exemplo, quando falamos em “pernas da mesa”, “pé de café”, “braços da cadeira”). Uma das ocorrên-
cias mais comuns de catacrese é a do verbo embarcar: o radical já indica que embarcar significa “pôr ou entrar
num barco”; no entanto, hoje embarca-se num ônibus, num avião, num táxi...
Voltemos ao texto. Em:
“Eu ia como um barco tremendo em suas palavras.”
temos, na verdade, o primeiro passo de uma metáfora, que nada mais é do que uma comparação. Num segundo
passo, dispensa-se a partícula comparativa como:
Eu sou um barco tremendo em suas palavras.
(eu) Barco tremendo em suas palavras.
Uma metáfora sempre dá outra dimensão a um texto, seja ao exigir do leitor todas as possíveis transferên-
cias, seja ao propor uma leitura metafórica ao texto todo. O fragmento apresentado, por exemplo, gira em torno
da metáfora, sua definição, seu emprego, mas vai além: sugere uma leitura metafórica integral, ou seja, o frag-
mento apresentado é uma grande metáfora da sensibilidade do poeta forjando (ou despertando) a sensibilidade
do ouvinte-leitor, a ponto de transformá-lo (ele, ouvinte-leitor) em criador de uma metáfora.

Atividade
Leia a tira abaixo e responda às questões propostas.
Fernando Gonsales/Acervo do cartunista

n Níquel Náusea, de Fernando Gonsales. Folha de S.Paulo. Disponível em: <http://acervo.folha.com.br/fsp/2005/03/23/21/>. Acesso em: 11 fev. 2013.

a) Por que o personagem diz que as metáforas são “perigosas”?


b) Considerando a sutil diferença entre comparação e metáfora, na tirinha temos exemplo
de quê?
c) Na sua opinião, um texto se enriquece com o emprego de metáforas? Por quê?
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A LingUAgem figUrAdA CAPÍTULO 5

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A METONÍMIA
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A palavra metonímia vem do grego e significa “além do nome”, “mudança de nome”. Observe que a etimo-
logia já nos passa a essência de uma figura de palavra, ou seja, a nova dimensão adquirida por uma palavra
quando seu significado vai “além do nome, além do significado cristalizado pelo dicionário”.
O professor Mattoso Câmara assim define metonímia:

[...] figura de linguagem que consiste na ampliação do âmbito de significação de uma palavra
ou expressão, partindo de uma relação objetiva entre a significação própria e a figurada. Com esta
definição, a metonímia abrange a sinédoque. [...]
A metonímia destaca o elemento que, no momento, é essencial no conceito designado. Dizer,
por exemplo, vela ou vapor, em vez de navio, é frisar logo o tipo de embarcação a que me refiro.
Para ver, exemplificadamente, as suas vantagens, basta atentar na famosa enumeração –
“suor, sangue e lágrimas” – com que Winston Churchill sintetizou a situação crítica de seu povo,
na guerra de 39, depois da queda da França. A frase decorre de três metonímias, em que três tipos
de acontecimentos são expressos pelos nomes das manifestações físicas que eles, respectivamen‑
te, provocam no corpo humano.
n CÂMARA JR., J. Mattoso. Dicionário de linguística e gramática. Petrópolis: Vozes, 1985.

Em linguagem não figurada teríamos: suor = luta, esforço físico; sangue = mortos e feridos; lágrimas =
sofrimento decorrente da guerra.

Luis Fernando Verissimo. As cobras.


In: O Estado de S. Paulo, 14 jan. 1992.
n VERISSIMO, Luis Fernando. As cobras. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 14 jan. 1992.

O humor da tirinha reside no jogo denotativo/conotativo do sentido da fala do treinador: este emprega metonímias, ou seja,
uma linguagem figurada, simbólica (portanto conotativa), mas um dos jogadores interpreta a fala do treinador em sentido
literal, não figurado (portanto, denotativo).

São exemplos de metonímia:


O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
(pernas = mulheres: foi empregada a parte pelo todo)

n ANDRADE, Carlos Drummond de. Poema de sete faces. In: Reunião: 10 livros de poesia. Rio de Janeiro: José Olympio, 1977, p. 3.

Mas ser planta, ser rosa, nau vistosa


De que importa, se aguarda sem defesa
Penha a nau, ferro a planta, tarde a rosa?
(ferro = machado: foi empregada a matéria pelo objeto.)

n MATOS, Gregório de. Poemas escolhidos. Coletânea e notas de José Miguel Wisnik. São Paulo: Cultrix, 1976. p. 321.

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PArTe 2 A COnSTrUÇÃO dOS TeXTOS

Aliás
Aceite uma ajuda do seu futuro amor
Pro aluguel
Devolva o Neruda que você me tomou
E nunca leu
Eu bato o portão sem fazer alarde
Eu levo a carteira de identidade
Uma saideira, muita saudade
E a leve impressão de que já vou tarde.
(Neruda = Pablo Neruda: foi empregado o autor pela obra)

n HOLLANDA, Chico Buarque de; HIME, Francis. Trocando em miúdos. In: Chico Buarque, letra e música.
São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 173.

Atividade
Faça uma breve descrição de uma pessoa notável e conhecida, que poderia ser publicada
na edição especial de uma revista semanal sobre “Personalidades do ano”. Importante: em
nenhum momento do texto será mencionado o nome da personalidade. Seu texto deverá ser
composto de um parágrafo predominantemente metonímico e de um parágrafo predominan-
temente metafórico. As metonímias devem passar ao leitor indicações da profissão dessa pes-
soa, e as metáforas, indicações de seu aspecto físico. Quanto à personalidade, você decide: ora
uma descrição metonímica, ora uma descrição metafórica. Pense em um título atraente, mas
que não revele o nome da personalidade. Troque sua descrição com um colega; tentem identi-
ficar a personalidade descrita. Depois, montem um mural com os textos acompanhados das
fotos das personalidades!

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CONTRAPONDO METÁFORA E METONÍMIA
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Numa comparação entre a metáfora e a metonímia, vamos perceber que a metáfora fundamenta-se em
uma relação subjetiva (“eu sou um barco“) ao passo que a metonímia fundamenta-se em uma relação objetiva
(“vela” por “barco a vela”).
O linguista Roman Jakobson analisou a relação entre o emprego da metáfora e da metonímia e as escolas
literárias:

O primado do processo metafórico nas escolas romântica e simbolista foi sublinhado várias
vezes, mas ainda não se compreendeu suficientemente que é a predominância da metonímia que
governa e define efetivamente a corrente literária chamada de “realista”, que pertence a um perío‑
do intermediário entre o declínio do Romantismo e o aparecimento do Simbolismo, e que se opõe
a ambos. Seguindo a linha de relações de contiguidade, o autor realista realiza digressões metoní‑
micas, indo da intriga à atmosfera e das personagens ao quadro espaço‑temporal.
n JAKOBSON, Roman. Linguística e comunicação. São Paulo: Cultrix, s.d. p. 57.

Para exemplificar as afirmações de Jakobson, reproduzimos um fragmento memorável do romance Dom


Casmurro, de Machado de Assis.
Trata-se do capítulo em que brota em Bentinho a semente da desconfiança de sua mulher, Capitu; esta
chora diante do cadáver de Escobar, amigo do casal, e Bentinho interpreta aquelas lágrimas como se fossem as
da viúva. Preste atenção na brilhante narrativa: Machado de Assis parte do choro coletivo para o choro individua-
lizado (o de Capitu); do choro para as lágrimas.
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A LingUAgem figUrAdA CAPÍTULO 5

Rafael Fonseca/Arquivo da editora

Olhos de ressaca
Enfim chegou a hora da encomendação e da partida. Sancha quis despedir‑se
do marido, e o desespero daquele lance consternou a todos. Muitos homens cho‑
ravam também, as mulheres todas. Só Capitu, amparando a viúva, parecia vencer‑
‑se a si mesma. Consolava a outra, queria arrancá‑la dali. A confusão era geral. No
meio dela, Capitu olhou alguns instantes para o cadáver tão fixa, tão apaixonada‑
mente fixa, que não admira lhe saltassem algumas lágrimas poucas e caladas...
As minhas cessaram logo. Fiquei a ver as dela; Capitu enxugou‑as depres‑
sa, olhando a furto para a gente que estava na sala. Redobrou de carícias para
a amiga, e quis levá‑la; mas o cadáver parece que a retinha também. Momento
houve em que os olhos de Capitu fitaram o defunto, quais os da viúva, sem o pranto
e nem palavras desta, mas grandes e abertos, como a vaga do mar lá fora, como se se
quisesse tragar também o nadador da manhã.
Você percebeu como a mudança de parágrafo foi determinada pela narração metonímica? O início do
segundo parágrafo está todo centrado nas lágrimas (“As minhas [lágrimas] cessaram logo. Fiquei a ver as [lágri-
mas] dela; Capitu enxugou-as [lágrimas] depressa […]”). Num segundo momento, a narração está centrada nos
olhos (de ressaca de mar; foi o mar agitado que tragou o marido de Sancha).

Atividades
Leia atentamente o fragmento abaixo, do escritor Rubem Fonseca (nascido em Juiz de Fora,
MG, em 1925).

A grande arte
Camilo Fuentes, nas mãos uma lata de ervilhas e uma de palmito, virava a cabeça para ler, com o olho
bom, o que estava escrito nos rótulos. Em São Paulo não tivera dificuldade para ver bem e matar os dois
assassinos de Benito, o jornaleiro, mas aqueles rótulos, com suas letras miudinhas, estavam dando trabalho.
“Você acha que pode existir, como eles dizem aqui, ervilha fresca em conserva?” Pausa. A letra
pequena. “Você acha que eu devo comprar uma córnea?”
“São uns vigaristas. Ingredientes: ervilha e sal. É mentira, não é?”, disse Míriam. “Tem mais um
monte de porcarias que eles escondem.”
“Este outro é pelo menos mais decente.” A lata de palmito. Fuentes leu: “Contém acidulante H II.
Essas conservas têm uma porção de preservativos químicos, mas a indústria de alimentos não diz isso”.
Fuentes virou a cabeça. “As ervilhas Swift são as únicas do tipo coração com manteiga. Enlatadas fres‑
quinhas no local da colheita, conservam todo sabor alimentício das ervilhas frescas. Estão sempre
saborosas, suculentas, tenrinhas como se tivessem sido debulhadas e preparadas em sua própria casa.
São uns canalhas. Debulhadas em sua própria casa. E a córnea? Devo ou não devo comprar uma?”
Fuentes e Míriam estavam num supermercado Freeway, na Barra da Tijuca. De manhã, bem cedo,
haviam saído do apartamento, descido a pé pela rua do Riachuelo até aonde a rua se encontra com a
avenida Mem de Sá, na altura do largo dos Pracinhas. Dali haviam chegado à igreja do Carmo da Lapa,
pois Míriam queria rezar. Depois pegaram um ônibus para a Barra, na avenida Augusto Severo. Fora
uma longa viagem até o Freeway, mas ambos gostavam de ver a cidade da janela dos ônibus. Era
assim que costumavam ir aos supermercados distantes, da Barra, pegando às vezes três ônibus.
“Devo ou não?”, perguntou Fuentes.
“Está tudo escrito em inglês”, disse Míriam mostrando a lata de palmito.
“É para dizer que o palmito é tão bom que até os americanos comem ele. Você não respondeu.”
“Não sei.”

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PArTe 2 A COnSTrUÇÃO dOS TeXTOS

“Não sabe? Você quer que eu fique cego para o resto da vida?”
“Você tem o dinheiro?”
“Tenho.”
“Então compra.”
“Eu fico pensando na moça.”
“Que moça? Que moça?”
“A moça que está vendendo a córnea. Não sei se é justo ela ficar cega de um olho para um sujeito
com dinheiro ficar com dois.”
“Não é ela que quer vender?”
“Forçada. Pela miséria.”
n FONSECA, Rubem. A grande arte. 12. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. p. 226-227.

1. Explique a metáfora que caracteriza o segundo parágrafo.


2. Qual é a figura de palavra que se pode identificar em “A moça está vendendo a córnea forçada pela miséria.”?
3. “É para dizer que o palmito é tão bom que até os americanos comem ele.”
A frase acima apresenta uma construção típica do português falado, considerada incorreta pelas gramáticas
normativas da língua portuguesa.
a) Aponte qual a construção típica da oralidade e comente-a.
b) Reescreva a frase corrigindo-a segundo os padrões da norma culta.
4. A partir das informações fornecidas pelo texto, caracterize os personagens Camilo Fuentes e Míriam.
5. Aponte dois recursos de manipulação da linguagem utilizados pelo marketing da indústria alimentícia
para vender seus produtos.

6. “A miséria e o consumismo criados pela sociedade capitalista industrial levam as pessoas a vender seus
próprios corpos como se fossem produtos expostos nas prateleiras de supermercados.”
Escreva um parágrafo comentando a frase acima.

Mãos à
obra!

Atividade em dupla
No início deste capítulo, você teve a oportunidade de analisar com seus colegas dois anúncios
da Associação Nacional de Jornais (ANJ) nos quais se empregavam os recursos da metáfora e da meto-
nímia. Os anúncios não tinham fins comerciais, tendo sido elaborados para comemorar o Dia Mundial
da Liberdade de Expressão. Anúncios como esse configuram um gênero denominado propaganda
institucional. Veja estes dois outros exemplos. Tente associar a imagem ao texto de cada uma delas.
A oferta de cursos técnicos e de qualificação profissio‑
Reprodução/<www.brasil.gov.br/noticias/
arquivos/2012/09/24/bolsa-formacao-pelo-
pronatec-chegou-a-816-mil-vagas-este-ano>

nal pelo Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e


Emprego (Pronatec) chegou a 816 mil vagas este ano. Por
meio da Bolsa‑Formação, são oferecidas vagas gratuitas em
cursos técnicos e de formação inicial e continuada na Rede
Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e
no Sistema S (Senai, Senat, Senar, Senac).
n Disponível em: <www.brasil.gov.br/noticias/arquivos/2012/09/24/bolsa-formacao-
pelo-pronatec-chegou-a-816-mil-vagas-este-ano>. Acesso em: 30 jan. 2013.

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A LingUAgem figUrAdA CAPÍTULO 5

Reprodução/Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino


Diga Sim aos Sistema Nacional de Educação
e garanta o limite de estudantes por turma

A Confederação Nacional dos Trabalhadores Entre as principais bandeiras políticas da


em Estabelecimentos de Ensino – CONTEE é uma CONTEE está a defesa da educação como direi‑
entidade sindical de terceiro grau que congrega to e bem público, de responsabilidade do
73 sindicatos e 8 federações de professores e téc‑ Estado. A entidade defende que o fortaleci‑
nicos e administrativos do setor privado de ensi‑ mento da educação pública também se dará
no, da educação infantil à superior – represen‑ por meio da regulamentação do setor privado,
tando atualmente cerca de 500 mil trabalhado‑ com a exigência do cumprimento do papel do
res brasileiros. Em 2011, a entidade completa 20 Estado no controle, regulação, credenciamento
anos de história, atuando fundamentalmente e avaliação da educação, com as devidas refe‑
na articulação da luta política e sindical com a rências sociais.
luta por um projeto educacional para o País e
pela valorização dos profissionais da educação. Saiba mais em: <www.contee.org.br>.

n Caros Amigos. São Paulo: Casa Amarela, n. 53, junho 201, contracapa.

Como você percebeu, para reforçar as ideias que se pretendem defender com as propagandas empre-
garam-se imagens sugestivas.
No caso da Contee, a relação é metafórica, pois a sala de aula é vista como uma lata de sardinhas. O
texto reafirma que as salas estão demasiadamente lotadas e os alunos, apertados: a única coisa que não
tem limite é o número de estudantes por sala.
No caso do Pronatec, a relação é metonímica, a imagem é de um livro aberto. Um livro aberto sugere
leitura, aquisição de conhecimentos. É é isso que o programa quer oferecer.

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PArTe 2 A COnSTrUÇÃO dOS TeXTOS

Junte-se a um colega. Vamos lhes propor a criação de uma propaganda que inclua uma imagem – seja
por meio da metáfora ou da metonímia – e um texto, para fazer parte de uma campanha mais ampla contra
a violência em sua comunidade.
Se preferirem, vocês podem fazer um “recorte” do tema e optar por subtemas como: violência
doméstica contra crianças, adolescentes ou mulheres; violência no trânsito; violência urbana; violência
nas escolas (bullying); violência provocada por armas de fogo ou pelo tráfico de drogas... A escolha poderá
ser feita em função das características de sua comunidade. Outra possibilidade seria cada dupla escolher
um tipo de violência.
A propaganda poderá ser exposta nos corredores da escola, no comércio local ou outros estabeleci-
mentos próximos da escola, como postos de saúde, ONGs e outros nos quais haja circulação de pessoas.

gÊnerO TeXTUAL
Propaganda institucional
Diferentemente do anúncio publicitário, que quer vender produtos, a propaganda institucional
busca moldar a opinião pública, divulgando ideias ou ações, propondo campanhas que beneficiem
determinadas comunidades, convencendo o público-alvo, tornando conhecidas certas instituições, etc.
Em geral, a propaganda apresenta uma mensagem ratificada por imagens, um título ou slogan e a iden-
tificação da instituição. Pode empregar também sons e imagens quando circula em rádios, televisão,
cinema ou internet. O objetivo é persuadir o público-alvo, fazendo-o aderir a determinadas ideias, para
que comportamentos sejam modificados.

Dicas para a elaboração da proposta:


1. Procurem ler material estatístico sobre a violência em nossos dias. Há algumas ONGs especializadas
no assunto, como a “Sou da paz”, por exemplo.
2. Discutam inicialmente que ideia vocês querem representar. As sugestões que forem surgindo devem
ser anotadas aleatoriamente. Depois vocês farão uma seleção.
3. O texto precisa ser breve: os leitores terão níveis de escolaridade variados e estarão em trânsito.
As imagens deverão provocar impacto nesse leitor. Elas não precisam ter detalhes, e sim ser
expressivas. Vejam que o símbolo do Plano de Desenvolvimento da Educação, do MEC, é simples
e direto.
4. Deverá haver uma articulação clara e perfeita entre imagem e texto. Podem ser criadas frases de
efeito ou slogans (frases breves, de fácil memorização, que apresentem combinação sonora e veicu-
lem conceitos associados à ideia que está sendo divulgada).
5. Seu texto deverá apresentar argumentos que convençam o leitor a praticar ações que possam contri-
buir para a diminuição da violência.
6. Alguns recursos de persuasão: usar verbos no modo imperativo; dirigir-se diretamente ao leitor; usar
dados estatíticos ou opiniões de autoridades; usar recursos como a metáfora e a metonímia.
7. Não poderá haver incorreção gramatical: sua propaganda vai se tornar pública.
8. Para identificação do “anunciante”, usem o nome de vocês, da classe e da escola.
9. Usem papel sem pauta para o rascunho; depois, poderão ampliar a criação de vocês, reproduzindo-a
em formatos maiores.
Antes de dar por concluída a tarefa, troquem ideias e sugestões com as demais duplas. Marquem um
dia para a exposição das propagandas.

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A LingUAgem figUrAdA CAPÍTULO 5

NO
Questões de exames FAÇARNO!
CAD
E

1. (Enem) Na construção de textos literários, os autores recor-


rem com frequência a expressões metafóricas. Ao
Aquele bêbado empregar o enunciado metafórico “Muito peixe foi
– Juro nunca mais beber – e fez o sinal da cruz embrulhado pelas folhas de jornal”, pretendeu-se
com os indicadores. Acrescentou: – Álcool. estabelecer, entre dois fragmentos do texto em
O mais ele achou que podia beber. Bebia pai‑ questão, uma relação semântica de
sagens, músicas de Tom Jobim, versos de Mário a) Causalidade, segundo a qual se relacionam as
Quintana. Tomou um pileque de Segall. Nos fins partes de um texto, em que uma contém a
de semana, embebedava‑se de Índia Reclinada, causa e a outra, a consequência.
de Celso Antônio. b) Temporalidade, segundo a qual se articulam as
– Curou‑se 100% do vício – comentavam os partes de um texto, situando no tempo o que é
amigos. relatado nas partes em questão.
Só ele sabia que andava mais bêbado que um
c) Condicionalidade, segundo a qual se combinam
gambá. Morreu de etilismo abstrato no meio de
duas partes de um texto, em que uma resulta ou
uma carraspana de pôr do sol no Leblon, e seu
depende de circunstâncias apresentadas à outra.
féretro ostentava inúmeras coroas de ex‑alcoóla‑
tras anônimos. d) Adversidade, segundo a qual se articulam duas
n ANDRADE, C. D. de. Contos plausíveis. Rio de Janeiro: Record, 1991.
partes de um texto em que uma apresenta uma
orientação argumentativa distinta e oposta à outra.
A causa mortis do personagem, expressa no último e) Finalidade, segundo a qual se articulam duas
parágrafo, adquire um efeito irônico no texto por- partes de um texto em que uma apresenta o
que, ao longo da narrativa, ocorre uma meio, por exemplo, para uma ação e a outra, o
a) Metaforização do sentido literal do verbo “beber”. desfecho da mesma.
b) Aproximação exagerada da estética abstracionista.
c) Apresentação gradativa da coloquialidade da 3. (Enem)
linguagem. Logia e mitologia
d) Exploração hiperbólica da expressão “inúmeras Meu coração
coroas”. de mil e novecentos e setenta e dois
e) Citação aleatória de nomes de diferentes artistas. Já não palpita fagueiro
sabe que há morcegos de pesadas olheiras
2. (Enem) que há cabras malignas que há
Labaredas nas trevas cardumes de hienas infiltradas
no vão da unha da alma
Fragmentos do diário secreto de Teodor Konrad
um porco belicoso de radar
Nalecz Korzeniowski
e que sangra e ri
20 DE JULHO [1912] e que sangra e ri
Peter Sumerville pede‑me que escreva um arti‑ a vida anoitece provisória
go sobre Crane. Envio‑lhe uma carta: “Acredite‑me, centuriões sentinelas
prezado senhor, nenhum jornal ou revista se inte‑ do Oiapoque ao Chuí.
ressaria por qualquer coisa que eu, ou outra pes‑ n CACASO. Lero-lero. Rio de Janeiro: 7letras; São Paulo: Cosac & Naify, 2002.
soa, escrevesse sobre Stephen Crane. Ririam da
sugestão. [...] Dificilmente encontro alguém, agora, O título do poema explora a expressividade de ter-
que saiba quem é Stephen Crane ou lembre‑se de mos que representam o conflito do momento his-
algo dele. Para os jovens escritores que estão sur‑ tórico vivido pelo poeta na década de 1970. Nesse
gindo ele simplesmente não existe.” contexto, é correto afirmar que
20 DE DEZEMBRO [1919] a) o poeta utiliza uma série de metáforas zoológi-
Muito peixe foi embrulhado pelas folhas de jor‑ cas com significado impreciso.
nal. Sou reconhecido como o maior escritor vivo da b) “morcegos”, “cabras”, e “hienas” metaforizam as
língua inglesa. Já se passaram dezenove anos desde vítimas do regime militar vigente.
que Crane morreu, mas eu não o esqueço. E parece
c) O “porco”, animal difícil de domesticar, representa
que outros também não. The London Mercury resol‑
os movimentos de resistência.
veu celebrar os vinte e cinco anos de publicação de
um livro que, segundo eles, foi “um fenômeno hoje d) O poeta caracteriza o momento de opressão
esquecido” e me pediram um artigo. através de alegorias de forte poder de impacto.
n FONSECA, R. Romance negro e outras histórias. e) “centuriões” e “sentinelas” simbolizam os agen-
São Paulo: Companhia das Letras, 1992 (fragmentado). tes que garantem a paz social experimentada.

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6 CAP Í T U L O 6

O jornal e seus gêneros


textuais: notícia e
legenda

© Bob Thaves/United Media/Ipress


n THAVES, Bob. Frank & Ernest. O Estado de S. Paulo, 22 abr. 2005.

Para entender melhor esse veículo de comunicação, vamos, em


primeiro lugar, conhecer a etimologia da palavra jornal: ela vem do
latim diurnale (“diário”), passando pelo italiano giornale (de giorno
= dia). Como o próprio nome indica, é o relato das coisas do dia a
dia, dos fatos cotidianos. Por isso, costuma-se dizer que nada é
mais velho que o jornal de ontem. Daí também a afirmação de
Oswald de Andrade:
No jornal anda todo o presente.
Ou então, como diz Carlos Drummond de Andrade, preocupado com
um mundo cada dia mais caótico que anuncia um futuro incerto:
Pelas notícias de ontem, o jornal de hoje faz temer as de
amanhã.

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O jORNAL E SEUS gêNEROS TExTUAiS: NOTÍCiA E LEgENdA CAPÍTULO 6

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O JORNAL
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///////////////////////////

Ao iniciarmos nossas reflexões sobre o jornal como veículo de comunicação de massa, sua importância
como espaço por onde circulam os mais variados gêneros textuais, reproduzimos o início de um artigo do jor‑
nalista TT Catalão, publicado originariamente no jornal Correio Braziliense:

Para que serve um jornal mesmo?


Umjornalserveparaservir.Servirprincipalmenteaumacidade.Umjornal,seforsópapel,serve
paracobrirochãoquandopintamosacasaouembrulharpeixenomercado.Umjornal,seforsónegó‑
cio, serve apenas para crescer em lucros, máquinas e construções. Um jornal, se for mero símbolo,
tradiçãoehistória,serveparadiscursospompososmasocosdecompromissocomavida.Umjornal‑
‑grifefuncionasóparaomarketingoupropagandadeempresalíderdemercados.Masoquefazum
jornalserviréalgoalémdamercadoriaoudaimagemqueprojeta.Umjornalnãotemsenhores,domí‑
nios,possesoupossessões.Umjornalservequandonãoéescravoatédoprópriosucesso.
n Disponível em: <http://observatoriodaimprensa.com.br/news/showNews/asp1903200392.htm>. Acesso em: 4 fev. 2013.

Quando pensamos no jornal e em sua importância na era da informação em que vivemos, não podemos
nos esquecer de que ele é um produto de consumo e de que, por trás de cada notícia, está um jornalista com
opiniões próprias, ou seja, a favor de algumas coisas e contra outras.
Por mais objetiva que tente ser a linguagem jornalística, o leitor atento sempre poderá perceber o posicio‑
namento do jornalista por meio de alguns detalhes linguísticos: como foi estruturada a notícia, a ordem sintá‑
tica usada, a ênfase dada à ação, ao agente, ao objeto, ao local, à data, etc.
Veja o que diz o Manual da Folha de S.Paulo:

“objetividade – Não existe objetividade em jornalismo. Ao escolher um assunto, redigir um
textoeeditá‑lo,ojornalistatomadecisõesemlargamedidasubjetivas,influenciadasporsuasposi‑
çõespessoais,hábitoseemoções.
Issonãooexime,porém,daobrigaçãodeseromaisobjetivopossível.Pararelatarumfatocom
fidelidade,reproduziraforma,ascircunstânciaseasrepercussões,ojornalistaprecisaencararofato
comdistanciamentoefrieza,oquenãosignificaapatianemdesinteresse.Consultaroutrosjorna‑
listasepesquisarfatosanálogosocorridosnopassadosãoprocedimentosqueampliamaobjetivi‑
dadepossível.”
n Disponível em: <www1.folha.uol.com.br/folha/circulo/manual_projeto_o.htm>. Acesso em: 23 jan. 2013.

Atividades
A composição gráfica tem várias funções dentro de um jornal; dentre elas podemos desta‑
car duas:
• apresentar as informações de forma organizada e clara;

• atrair os leitores.
Em busca de uma apresentação funcional e atrativa, os jornais têm evoluído ao longo do
tempo, aprimorando suas configurações por meio das novas tecnologias disponíveis.
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PARTE 2 A CONSTRUÇÃO dOS TExTOS

1. Observe e compare capas antigas e recentes dos jornais Gazeta do Oeste, de Mossoró (RN), e Folha de
S.Paulo, de São Paulo (SP), para em seguida comentar com seus colegas:

Reprodução/Jornal Gazeta do Oeste

Reprodução/Jornal Folha da Noite/Folhapress


n Gazeta do Oeste, Mossoró (RN), n. 12, n Folha da Noite, São Paulo, 19 fev. 1921.
10‑16 dez. 1977.
Reprodução/Jornal Folha da Manhã/Folhapress

Reprodução/Jornal Folha de S. Paulo/Folhapress

n Folha da Manhã, São Paulo, 2 set. 1939. n Folha de S.Paulo, São Paulo, 22 jun. 1970.
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O jORNAL E SEUS gêNEROS TExTUAiS: NOTÍCiA E LEgENdA CAPÍTULO 6

Reprodução/Jornal Folha de S.Paulo/Folhapress

2013 Gazeta do Oeste, Mossoró, RN/Associação Nacional de Jornais


n Folha de S.Paulo, São Paulo, 26 jan. 1984. n Gazeta do Oeste, Mossoró (RN), 2 fev. 2013.

Reprodução/Jornal Folha de S.Paulo/Folhapress


Reprodução/Jornal Folha de S.Paulo/Folhapress

n Folha de S.Paulo, 12 fev. 2013. Edição São Paulo. n Folha de S.Paulo, São Paulo, 30 set. 1992.

a) O que mudou? c) Quanto à atratividade, houve melhoras? Quais?


b) Quanto à funcionalidade, houve melhoras? Quais? d) Por que você acha que houve tais mudanças?
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PARTE 2 A CONSTRUÇÃO dOS TExTOS

2. Em pequenos grupos, façam uma pesquisa:


a) Procurem o jornal de sua cidade e tentem se informar sobre sua configuração gráfica; se possível, ten‑
tem comparar a forma atual com exemplares antigos.
b) Tentem fazer uma pequena entrevista com o responsável pela composição gráfica e peçam‑lhe informa‑
ções sobre os critérios para a atual configuração.
c) Apresentem um relatório oral para a sala sobre o assunto.

3. Hoje, mais do que nunca, a informação é uma necessidade. Vivemos em um momento histórico em que
estar informado faz a diferença. E, com os avanços da tecnologia, é possível romper as barreiras de tempo
e espaço: aqui no Brasil, por volta das 22 horas de um dia, graças à internet, podemos ler alguns jornais
europeus e asiáticos do dia seguinte!!!
Mas será que basta apenas ter acesso à informação para estar bem informado?
Discuta com seus colegas de sala:
• Qual é o maior problema da atualidade: ter acesso à informação, selecionar a informação ou saber o que
fazer com a informação?

////////////////////////
A NOTÍCIA
///////////
//////////////////////////////

Por ser um produto de consumo que disputa um determinado mercado (representado pelos leitores), o
jornal tenta satisfazer às necessidades de seus consumidores trabalhando tanto conteúdo como forma (sua
apresentação gráfica, formal). Entretanto, o elemento fundamental de um jornal, em torno do qual tudo gira,
continua sendo a notícia.

////////////////////////
O TEXTO INFORMATIVO – A GRAMÁTICA DA NOTÍCIA
///////////
/////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

• Há uma velha fórmula para a notícia: Q – Q – Q – O – C – PQ. Ou seja, o quê, quem, quando, onde, como, por
quê. Não existe uma ordem predeterminada; ela é estabelecida pelas circunstâncias que envolvem cada
notícia. Para um determinado fato, o mais importante é quem; para outro, quando, e assim por diante.

• A notícia trabalha fundamentalmente com informações e apresenta quase exclusivamente a função refe-
rencial (ou informativa) da linguagem. A intenção é transmitir ao leitor dados da realidade de uma forma
direta e objetiva. Por isso, as notícias são escritas em terceira pessoa e o produtor do texto não se revela,
procurando não emitir – embora já tenhamos visto que isso é quase impossível de acontecer – juízos de valor.
Predominam os verbos no modo indicativo.

• Retomando o conceito de sequências textuais (composições com determinadas características linguísticas)


do volume anterior, percebemos que há o predomínio de um tipo em especial, dependendo do caráter da
informação:

– sequência narrativa, quando a informação está centrada numa mininarrativa (narra‑se um fato, em que
há sucessão de ações, localizando‑o no tempo e no espaço), na qual o narrador (o jornalista produtor do
texto noticiário) tenta passar despercebido (não há posicionamento, nem comentários por parte dele, só
a narração);

– sequência descritiva, quando a informação está centrada na apresentação do estado do fato, seja um ser,
uma coisa, um lugar, etc.;

– sequência explicativa, quando a informação está centrada na passagem de um conhecimento específico.


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O jORNAL E SEUS gêNEROS TExTUAiS: NOTÍCiA E LEgENdA CAPÍTULO 6

gêNERO TExTUAL
Notícia
O professor de jornalismo Nilson Lage, em seu livro Estrutura da notícia, discute o conceito moderno
de notícia:
“Dopontodevistadaestrutura,anotíciasedefine,nojornalismomoderno,comoorelatodeuma
sériedefatosapartirdofatomaisimportanteouinteressante;edecadafato,apartirdoaspectomais
importanteouinteressante.Essadefiniçãopodeserconsideradaporumasériedeaspectos.Empri‑
meirolugar,indicaquenãosetrataexatamentedenarrarosacontecimentos,masdeexpô‑los.”
n LAGE, Nilson. Estrutura da notícia. São Paulo: Ática, 2006.

O Novo Manual de Redação, editado pela Folha de S.Paulo, traz a seguinte definição de notícia:

notícia–Puroregistrodosfatos,semopinião.Aexatidãoéoelemento‑chavedanotícia,
mas vários fatos descritos com exatidão podem ser justapostos de maneira tendenciosa.
Suprimir ou inserir uma informação no texto pode alterar o significado da notícia. Não use
dessesexpedientes.
n Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/circulo/manual_producao_n.htm>. Acesso em: 4 fev. 2013.

Para nós, leitores comuns, acostumados a uma rápida passagem de olhos nas notícias do dia, uma expres‑
são do verbete acima chama a atenção: “maneira tendenciosa”. Apesar de a empresa jornalística responsável
pelo Manual afirmar que seus jornalistas não devem usar tais expedientes, verdadeiras armadilhas, fica para
nós, leitores, a incumbência de descobri‑las e desmontá‑las.
Sobre isso, transcrevemos um fragmento do livro O que é comunicação, de Juan E. Díaz Bordenave, editado
pela Brasiliense:
Ulhôa Cintra/Arquivo da editora

A reconstrução da realidade
As diversas formas de manipulação da linguagem parecem
indicarqueexistemduasrealidadesbastantediferentes:arealidade
objetivaearealidadereconstruídapelodiscursodacomunicação.
Acomunicaçãosupostamentemaisobjetiva,comoanotícia
jornalística, não é mais que a “reconstrução” da realidade pelo
repórter.Oseventos,comefeito,sãopercebidospelorepórterque,
alémdeselecionarapenasosaspectosquelheparecemrelevan‑
tes,deixandodeforaoutros,aindaprojetaseusprópriossignifica‑
dosconotativossobreoevento.Aoescrever,aestruturadodiscur‑
so–istoé,asequênciadosfatosreportados–introduzsuaprópria
paralinguagem.Eaposiçãodamatérianojornal–primeirapágina,últimapágina,ângulosupe‑
riordireito,ânguloinferioresquerdo,etc.–agregaseuquinhãodevalorizaçãodoevento.Oresul‑
tadoéumprodutoparcialmentedenotativoeparcialmenteconotativo,masreconstruído.
NainformaçãosobreoataquedaInglaterraaosargentinosquedefendiamasilhasGeórgia
doSul,aversãoinglesaeraqueosargentinos“serenderam”,enquantoaversãoargentinadizia
quese“haviamretiradotaticamente”paracontinuararesistência.
Osmeiosquemanejamsignosvisuaiseauditivos,taiscomoocinemaeatelevisão,possuem
aindamaiormargemdereconstruçãodarealidadedoqueosmeiosescritos.Elespodemchegara
criaruma“atmosfera”(romântica,deterror,decomicidade)quepredispõeopúblicoapercebera
realidadedamaneiradesejadapelodiretor.

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PARTE 2 A CONSTRUÇÃO dOS TExTOS

A leitura crítica
Apossibilidadedemanipulaçãodetodosostiposdelinguagemtemprovocadoaintensifica‑
çãodeummovimentoorientadoparaacapacitaçãodopúblicoemgeralna“leituracrítica”das
mensagens.Estahabilidadeconsisteemidentificarograudedenotação‑conotaçãonasmensa‑
gens,unidaaodesenvolvimentodeumaatitudededesconfiançasobreasintençõeseosconteú‑
dosideológicosinseridosnostextos.
n BORDENAVE, Juan E. Díaz. O que é comunicação?. São Paulo: Brasiliense, 1993.

Agora, leia as duas notícias a seguir, publicadas no mesmo dia (4 fev. 2013):

Polícia europeia desvenda megaesquema de manipulação de resultados


Investigações realizadas desde 2011 revelam que mais de 700 jogos,
em todo mundo, têm seus resultados sob suspeita.
JamilChade–O Estado de S. Paulo

HAIA–Nomaiorescândalodahistóriarecentedofuteboleuropeu,aEuropol,políciasde13paí‑
ses edezenasde investigadores, revela nestasegunda‑feira, em coletiva deimprensarealizada em
Haia (Holanda), o envolvimento de 425 cartolas, juízes e jogadores com o crime organizado para a
manipulaçãoderesultadosdemaisde700partidasemtodoomundo,inclusivealgumasválidaspela
CopadosCampeõeseEliminatóriasparaaCopadoMundo.
OsdadosreveladospelaEuropolapontamqueocrimefoiidentificadoem15paíseseuropeuse
tambémnaAméricaLatina,ÁfricaeÁsia.AoEstado,asagênciaspoliciaisserecusaramaconfirmar
aparticipaçãodoBrasilnoesquema.“Asinvestigaçõesaindaestãoocorrendoenãoqueremospreju‑
dicar nada”, insistiu um porta‑voz da Europol. Uma das partidas sob suspeita é o amistoso entre
equipesSub‑20daArgentinaedaBolívia,comumtriodearbitragemdaHungria,realizadoem2010.
Na manhã desta segunda‑feira, cerca de 50 pessoas já estavam sendo detidas em uma vasta
operaçãoportodoocontinenteeuropeu.Segundoasinvestigações,ocrimeenvolvialucrosdemais
de 8 milhões de euros (R$ 22,2 milhões) em apostas, além da distribuição de 2 milhões de euros
(R$5,5milhões)empropinaspagasaosjogadores,juízesecartolas.Algunsdosjogadoreschegarama
receber100mileuros(R$278mil)paragarantirum
determinadoresultadoemcampo.

Nikolay Doychinov/Agência France-Presse


Segundo a investigação, apostadores principal‑
mentenaÁsiacolocavamseudinheiroemumdeter‑
minado resultado e, depois, pagavam a jogadores,
árbitrosecartolasparaquesuasapostasestivessem
corretas.Assim,lavavamdinheirodedrogaseoutros
crimes. Só na Alemanha já são 14 os detidos que
podem pegar até 39 anos de prisão.“Esse é um dia
tristeparaofutebol”,afirmouRobWainwright,dire‑
tordaEuropol.
Ainvestigaçãovemsendoconduzidadesde2011
eenvolveupaísescomoaAlemanha,Hungria,Áustria
e Eslovênia. Para chegar à constatação, as polícias
obtiveramcópiasdemaisde13mile-mailsquecon‑
firmaramosesquemasdecomprasderesultado.
n Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/esportes,policia-europeia-desvenda-
megaesquema-de-manipulacao-de-resultados,992802,0.htm>. n Rob Wainwright, diretor da Europol: “Um dia triste
Acesso em: 12 fev. 2013. para o futebol”.

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O jORNAL E SEUS gêNEROS TExTUAiS: NOTÍCiA E LEgENdA CAPÍTULO 6

Polícia descobre rede de corrupção no futebol em mais de 15 países


DaEFE
A Europol, organização europeia de polícia, informou nesta segunda‑feira que descobriu uma
rededecorrupçãointernacionalnofutebolprofissionalnaqualestãoenvolvidosmaisde15paísesno
mundotodoequejárealizou50detenções.EstãosobsuspeitasinclusivejogosdaCopadosCampeões
daEuropaedaseliminatóriasdaCopadoMundo.
OdiretordaEuropol,RobWainwright,informouque“foramidentificadosmaisde380partidas
defutebolprofissionalnosquaishouvepráticasdeapostasilegais”,eque“essaamplaredecrimino‑
saécontroladadesdeaÁsia”.
Entreessaspartidas“ficouprovadaapráticadecombinaçãoderesultadosem150casos”,acres‑
centouumdospoliciaisqueparticiparamdainvestigação.
“Realizamos a maior investigação sobre partidas suspeitas no futebol”, disse o diretor da
Europol,aomesmotempoqueacrescentouqueessessupostosdelitosenvolvem“enormesquanti‑
dadesdedinheiro”.
Entreospaísesinvestigados
figuramAlemanha,Áustria,Eslo‑
Robin Van Lonkhuijsen/ANP/Agência France-Press

vênia, Reino Unido, Hungria,


HolandaeTurquia,alémdepaí‑
ses africanos e sul‑americanos.
Wainwright informou também
queaEuropol“emitiu28ordens
internacionaisdeprisão”eoutras
50pessoasjáforamdetidas.
OsespecialistasdaEuropol
investigaram durante 18 meses
umtotalde425jogosdefutebol
n O diretor da Europol, Rob Wainwright (o segundo a partir
da esquerda), dá entrevista coletiva nesta segunda‑feira.
oficiais, assim como represen‑
tantesdeclubes,jogadoresecri‑
minososquesãosuspeitosdeenvolvimentocomoscasosdecorrupção.
SegundoasinformaçõesdaorganizaçãodoServiçoEuropeudePolícia,essasoperaçõesteriam
dadolucrode8milhõesdeeuros(cercadeR$21,5milhões)eessaredeteriaefetuadopagamentosno
valorde2milhõesdeeuros(R$5,4milhões)emsubornos,sendo140mileuros(R$380mil)omaior
realizadoaumapessoa.
OdiretordaEuropolacrescentouqueosresultadosdainvestigaçãoapontam“emdireçãoaum
grandeproblemadeintegridadenofuteboleuropeu”.
n Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/esporte/1225462-policia-descobre-rede-de-corrupcao-no-futebol-em-mais-de-15-paises.shtml>.
Acesso em: 12 fev. 2013.

Uma leitura desatenta e ingênua poderia nos levar à conclusão de que a notícia foi dada pelos dois jor‑
nais de maneira muito semelhante. Uma leitura mais atenta, entretanto, nos permitirá concluir que isso não
ocorreu de fato.
No jornal Folha de S.Paulo, a notícia teve um tratamento mais objetivo, parecendo ter havido a preocu‑
pação em passar a informação sem emitir juízos de valor; o texto se sustenta em citações, marcadas com
aspas (ou seja, o jornalista abre espaço para a voz do representante da Europol, em discurso direto); nessas
citações, é possível identificar as únicas passagens em que são emitidos juízos de valor, com o emprego de
adjetivos (“ampla rede criminosa”; “enormes quantidades de dinheiro”).
No jornal O Estado de S. Paulo, percebe‑se uma certa carga de subjetividade: procura‑se valorizar certos aspectos
da notícia. Por exemplo: o jornalista optou pelo discurso indireto (pela sua voz temos o repasse das informações colhi‑
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PARTE 2 A CONSTRUÇÃO dOS TExTOS

das na entrevista coletiva); apenas duas passagens estão marcadas com aspas (discurso direto); temos passagens que
explicitam juízos de valor (“megaesquema”, “maior escândalo da história recente do futebol”). Por outro lado, a notícia
é mais rica em detalhes, com mais informações quantitativas sobre dinheiro, número de jogos e de pessoas investiga‑
das; descreve a estratégia dos apostadores e fala em “lavagem de dinheiro” oriundo de drogas e outros crimes.
Se de um lado é possível perceber várias coincidências entre os dois textos (o número de detidos, os valores
em euros, o número de países e de continentes envolvidos, etc.), por outro é possível perceber certas discrepân‑
cias. A mais evidente delas refere‑se ao número de partidas sob suspeita: a notícia veiculada pelo jornal O Estado
de S. Paulo cita “mais de 700 partidas”, ao passo que a notícia do jornal Folha de S.Paulo fala que foram investi‑
gados 425 jogos oficiais; numa citação temos “mais de 380 partidas de futebol profissional nas quais houve
prática de apostas ilegais” (evidentemente, se uma autoridade faz essa afirmação, deve ter provas!); finalmente,
em outra citação temos que “150 casos ficaram provados”. E o leitor fica sem saber se foram 700 ou 425 jogos
investigados; se houve práticas ilegais em 150 ou 380 partidas.
Como se percebe, a seleção vocabular, a forma de organizar o texto, a redação, enfim, permitem afirmar que
as duas notícias foram elaboradas de forma bem diferente.

ando
oc
tr

ideias
Agora, nosso trabalho será analisar notícias veiculadas por jornais. Para a realização desta
atividade serão necessários dois jornais do mesmo dia, publicados por empresas diferentes (a
pesquisa pode ser feita em jornais impressos ou em suas versões on-line):
a) a classe deve se dividir em dois grupos, para que cada um analise dois jornais de um
mesmo dia (provavelmente, a maior parte do conteúdo será semelhante);
b) nessa análise, deverão ser observados o espaço ocupado por uma mesma notícia em cada
jornal, a estrutura de cada texto, as possíveis manipulações da notícia por meio da lingua‑
gem, etc.;
c) cada grupo deverá escolher duas notícias e analisar a ordem em que os elementos da
fórmula Q–Q–Q–O–C–PQ aparecem.
d) na voz de um representante, os grupos devem apresentar para a sala suas análises, desta‑
cando que elemento ganhou ênfase nas notícias e por quê.

Atividades
Uma boa manchete pode salvar uma edição, vender milhares de exemplares (o que chama‑
mos de manchete é o título principal de um texto, que aparece na primeira página de um jornal).
No Novo Manual de Redação, editado pela Folha de S.Paulo em 1996, temos a seguinte definição:

título – Amaioriadosleitoresdeumjornallêapenasotítulodamaiorpartedostextoseditados.
Porisso,eleédealtaimportância.Ouotítuloétudoqueoleitorvailersobreoassuntoouéofator
quevaimotivá‑loounãoaenfrentarotexto.Compareestesexemploscomcontraexemplos,todos
tiradosdaFolha:

Exemplos:
Ingleses invadem Malvinas Argentina dolariza economia
Acabou a União Soviética Nave espacial explode no ar
Descoberto 1º planeta fora do Sistema Solar 60% querem pena de morte no país

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O jORNAL E SEUS gêNEROS TExTUAiS: NOTÍCiA E LEgENdA CAPÍTULO 6

Contraexemplos:
Jarman metaforiza paranoia homofóbica
BC permite compra de CP com título “podre”
Começa hoje o Festival de Cannes
Dia será bom com chuvas e trovoadas em SP
Crise nos EUA alavanca crise
Corinthians empata com Goiás em 0 a 0 no início do jogo
Recessão causa aumento no desemprego
Litoral capixaba oferece mais que radiatividade
O título deve ser uma síntese precisa da informação mais importante do texto. Sempre deve
procuraroaspectomaisespecíficodoassunto,nãoomaisgeral:Banco Mundial propõe ensino
pago emvezdeBanco Mundial discute problemas educacionais.
Emseustítulos,aFolha:
a) nãousaponto,dois‑pontos,pontodeinterrogação,pontodeexclamação,reticências,travessão
ouparênteses;
b) evitapontoevírgula;
c) jamaisdividesílabasemduaslinhaseevitafazeromesmocomnomesprópriosdemaisde
umapalavra;
d) preenchetodooespaçodestinadoaotítulonodiagrama;
e) evitaareproduçãoliteraldaspalavrasiniciaisdotexto.
 Nostextosnoticiosos,otítulodeve,emgeral:
a) conterverbo,depreferêncianavozativa;
b) estarnotempopresente,excetoquandootextosereferirafatosdistantesnofuturoouno
passado;
c) empregarsiglascomcomedimento.
 Paraeditoriaisetextosopinativos,aFolhapodeusarfrasesnominaisemtítulos:Rombo na
Previdência.
n Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/circulo/manual_edicao_t.htm>. Acesso em: 12 fev. 2013.

Já o Manual de redação e estilo, do jornal O Estado de S. Paulo, nos dá a seguinte orientação:

Títulos
Instruções gerais
1. Otítulodeve,empoucaspalavras,anunciarainformaçãoprincipaldotextooudescrevercom
precisãoumfato:Governo desiste de aumentar impostos / Assaltantes roubam 500 mil e prendem
12 reféns.
2. Procuresempreusarverbonostítulos:elesganhamemimpactoeexpressividade.
3. Paradarmaiorforçaaotítulo,recorranormalmenteaopresentedoindicativo,enãoaopretérito:
Israelenses e palestinos assinam (e não assinaram) acordo de paz / Reitor chama (e não chamou)
polícia para poder trabalhar.
4. Nostextosnoticiosos,otítulodeveráobrigatoriamenteserextraídodolead;seissonãoforpossí‑
vel,refaçao lead,porqueelenãoestaráincluindoasinformaçõesmaisimportantesdamatéria.
5. Useinicialmaiúsculaapenasnaprimeirapalavradotítuloenosnomespróprios:Ministro pode
ser indiciado / Pacifistas fazem protesto diante da Casa Branca.

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PARTE 2 A CONSTRUÇÃO dOS TExTOS

6. OstítulosnoEstadovãosempreemletrasminúsculas(caixa‑baixa).Sófaçatítulosinteiramente
emmaiúsculas(caixa‑alta)emcasosmuitoespeciais.Porexemplo,emmanchetesqueexijam
maiordestaquequeasnormais.
7. Nenhumapalavradotítulopoderáserseparadanofimdalinha(nemmesmoasligadasporhífen).
8. Eviteigualmentepartirnomesprópriosconstituídosdedoisoumaisvocábulos.Exemplos:
Protesto diante da Casa Novo LP de Roberto
Branca termina em tumulto Carlos bate recorde
9. Nãorepitapalavrasnamesmapágina(àexceçãodeartigos,preposiçõesecontraçõescurtas).
10. Evitefórmulassemelhantesdetítulosnamesmapágina(anãoserintencionalmente,parafazerjogo
detítulos):O Brasil vai bem, afirma o presidente / Os Estados precisam de recursos, diz o governador.
11. Estejaatentoparaqueotítulodachamadadeprimeirapáginaeodamesmanotíciacolocada
nointeriordojornalnãosejamrigorosamenteiguais.
12. OEstadonãousatítuloscomponto.Assim,estãovetadosexemploscomoestes:OMetrô reconhece
que errou. E pune seus funcionários / O Brasil joga. Para buscar a classificação.
13. A não ser que você faça um título propositadamente centrado, evite deixar muito branco nas
linhas(nomáximoumoudoissinais).Damesmaforma,procuretornaroconjuntodaslinhas
harmônicoeagradável.
14. Importante:respeitecomrigorolimitedesinaisestabelecidoparacadatítulo.Casocontrário,ele
terádeserreduzido,tornandoapáginaumverdadeirocatálogodetipos.
n Disponível em: <http://www.estadao.com.br/manualredacao/esclareca/t.shtm>. Acesso em: 12 fev. 2013.

OBSERVAÇÕES:
O lide (lead) é o primeiro parágrafo da notícia que contém as informações principais e
fundamentais do fato a ser relatado. Vamos vê‑lo com mais detalhes no próximo capítulo.

Leia atentamente a notícia abaixo, publicada na revista IstoÉ Dinheiro.

Viúva alegre na mira da Previdência


Governo lança a caça ao “efeito Viagra”, que aumentou o número de homens idosos casados
com mulheres mais jovens e está abalando os cofres do INSS.
Por Cristiano Zaia

Ofimdobônusdemográficodentrodeduasdécadas,quandoapopulaçãojovemeeconomica‑
menteativaserámenorqueadeidosos,jáestáfazendoogovernoacelerarocontroledascontasda
Previdência.Apósaprovar,emmarço,acriaçãodoregimedeprevidênciacomplementarparaosser‑
vidorespúblicos,oFunpresp,ogovernojáelegeusuapróximabandeiraparaevitarosburacosque
“drenam”osrecursosdapasta:combateropolêmicosistemadepensõespormortenoPaís.Obenefí‑
ciocorrespondeaumafatiade23,4%detodososconcedidospeloInstitutoNacionaldoSeguroSocial,
oterceiromaioritemdedesembolsodoministério,atrásapenasdasaposentadoriasporidadeecon‑
tribuiçãodetempodeserviço.Oqueintrigaogovernonaspensõesporviuvezéafrequênciacadavez
maiordecasamentosdehomensmaisvelhoscommulheresjovens.
n Disponível em: <http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/82414_VIUVA+ALEGRE+NA+MIRA+DA+PREVIDENCIA>. Acesso em: 4 fev. 2013.

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O jORNAL E SEUS gêNEROS TExTUAiS: NOTÍCiA E LEgENdA CAPÍTULO 6

1. O título está de acordo com as instruções dos manuais? Justifique sua resposta.
2. Crie um título para a seguinte notícia:
“RelatóriodaOrganizaçãoMundialdaSaúdeprevêcrescimentonasdoençasmentaiseneuroló‑
gicasnospróximosanos,causadoporhábitoscomoconsumodedrogaseálcoolesituaçõesde
solidãoeestresse.
As doenças infecciosas, parasitárias e cardiovasculares foram as que mais mataram no ano
passado.Somadas,astrêscausaram32,6milhõesdemortes.”

3. Chegou a sua vez de manipular a linguagem; a brincadeira é a seguinte:


Fato – O time A derrotou o time B por 1 × 0.

Antônio Galdério/Folhapress
O gol foi assinalado na cobrança de um pênalti, fruto de
uma jogada rápida de contra‑ataque; o juiz não estava bem
posicionado. Os repórteres de campo, que estavam atrás da
meta, ficaram divididos: para uns, pênalti escandaloso;
para outros, não houve falta, o lance foi limpo.
Como seria o título da notícia de jornal sobre o jogo escrito
por um jornalista torcedor do time A?
Como seria o título da notícia escrito por um jornalista
torcedor do time B?
Como seria o título da notícia escrito por um jornalista que
não torce por nenhum dos times?

4. Como exercício de concisão, você redigirá legendas para algumas fotos jornalísticas. Antes, porém, leia
atentamente o que diz o verbete legenda do Novo Manual de Redação editado pela Folha de S.Paulo.
“legenda–Recursoessencialdeedição.Alegendanãoécolocadasobafotoapenasparadescrevê‑la,
emboranãopossadeixardecumpriressafunção.Porserumdosprimeiroselementosdapáginaque
atraioleitor,merecetantocuidadoquantoostítulos.Deveseratraenteeconquistaraatenção.
Aboalegendatambémesclarecequalquerdúvidaqueafotopossasuscitar.Devesalientartodoaspec‑
torelevanteedarinformaçãoadicionalsobreocontextoemqueelafoitirada.Nãodevesimplesmente
descreveraquiloquequalquerleitorpodeverporsisó.
Alegendafotográficadeveatenderàcuriosidadedoleitor,quedesejasaberoqueouquemaparecena
foto,oqueestáfazendo,ondeestá.Semprequeforcabível,deveusarverbonopresente(opresentedo
momentoemqueafotofoitirada).Recomendações:
a) jamaisescrevaumalegendasemteremmãosafotoretrancada,ouseja,comaindicaçãodocorte
pedidopelodiagramadoredaposiçãoquevaiocuparnapágina.Éaúnicamaneiradetercertezade
quealegendafeitasereferedefatoàfotoquevaiserpublicadaedequenãoidentificapessoasou
objetosausentesdaimagem;
b) legendadebonecofotográficodeveconternomeecondiçãooucargodapessoa;
c) quando aparecerem até cinco pessoas numa foto, a legenda deve procurar identificar todas elas,
aindaqueporumúniconome;
d) emfotodegrupo,conformeanecessidade,esclareçaaposiçãoquecadapessoaocupa:àdir.,àesq.,
aofundo,nocentro,atrás,nafrente,dechapéu,deóculos,sentado,etc.Masnãoinsulteainteligên‑
ciadoleitor.NumafotoemqueapareçamPeléeXuxa,porexemplo,éridículoindicarquemestáà
esquerdaouàdireita;
e) em foto de ação (competição esportiva, por exemplo), a legenda deve contextualizar o momento
(JoséchutaagoldepoisdereceberaboladeJoão).
Nocasodefotosagrupadas,admite‑seumalegendaconjunta,emumaoumaislinhas.Alegendacon‑
junta pode valer‑se de indicações como: ao alto (para indicar foto mais distante); acima (para foto
imediatamenteacimadalegenda);abaixo,etc.”
n Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/circulo/manual_edicao_l.htm>. Acesso em: 4 fev. 2013.

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PARTE 2 A CONSTRUÇÃO dOS TExTOS

Sérgio Neves/Agência Estado

Lunae Parracho/LatinContent/Getty Images


Wesley Santos/Folhapress

5. O artigo que você vai ler a seguir, escrito por Ricardo Westin, foi publicado na Folha de S.Paulo. Leia também
o texto cujo título é “Vestibular” e responda às questões:

USP e Unicamp terão lista única de livros no vestibular


AUSP(UniversidadedeSãoPaulo)eaUnicamp(UniversidadeEstadualdeCampinas)anunciamque
apartirdoanoquevemseusvestibulandosnãoterãomaisquesepreocuparcomduaslistasdelivros.
Haveráumaúnicarelaçãodeobrasobrigatórias,com9livros,emvezdos17cobradoshoje(8da
USPe9daUnicamp).[…]
AmedidanãoincluiaUnesp(UniversidadeEstadualPaulista)porqueelanãoexigealeiturade
obrasliterárias.
n Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1203200525.htm>.
Acesso em: 12 fev. 2013.

PaineldoLeitor,7abrilde2005

Vestibular
Em relação à nota “USP e Unicamp terão sa, em seus diversos períodos, como orienta o
listaúnicadelivrosnovestibular”,[…],emque ManualdoCandidato.Considera‑sequeovesti‑
se afirma que a Unesp (Universidade Estadual bulando,alémdeconhecerosmomentosmais
Paulista) “não exige a leitura de obras literá‑ importantes da história da literatura e seus
rias”,esclarecemosqueasquestõesdeliteratu‑ principais autores, tenha competência para a
radovestibulardaUnesp,emboranãopressu‑ leituradotextoliterário,respeitando‑seaauto‑
ponhamaleituradeumalistadelivrosobriga‑ nomia dos professores do ensino médio para
tórios,baseiam‑seemexcertosdeobrasrepre‑ trabalharcomasobrasquejulgaremmaisade‑
sentativasdasliteraturasbrasileiraeportugue‑ quadasparaaformaçãodoaluno.
n Benedito Antunes, diretor-presidente da Vunesp – Fundação para o Vestibular da Unesp (São Paulo, SP)
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0704200511.htm>.
Acesso em: 12 fev. 2013.

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O jORNAL E SEUS gêNEROS TExTUAiS: NOTÍCiA E LEgENdA CAPÍTULO 6

a) Que relação existe entre os dois textos?


b) “Vestibular” é uma notícia? Explique.
c) Aponte a que parte do texto a carta faz referência.
d) Explicite qual foi a motivação da carta.
e) Redija a parte do artigo a que a carta se refere, tentando adequar sua informação aos dados que o
diretor‑presidente da Unesp apresenta.
f) Você já enviou cartas a algum veículo de comunicação? Qual era o assunto?

Mãos à
obra!
Nosso mundo cultural está intimamente ligado à imprensa, seja por meio dos notíciários
de rádio ou televisão, seja pelo jornal impresso, seja pela versão on-line dos periódicos. Por essa
razão, e por ser necessário um aprofundamento dos assuntos relacionados a esse setor, propo‑
mos a realização de um seminário, por meio do qual poderão ser estudados vários aspectos
desse assunto.
A curiosidade é inerente ao ser humano e, como nossa experiência diária é limitada, não há quem não
queira saber o que acontece pelo mundo: daí o forte interesse pelas notícias. Não se deve esquecer, no
entanto, de que há intermediários entre o fato e o relato do fato. Analisar essa intermediação será o obje‑
tivo do seminário que ora propomos.
Um seminário é um evento comunicativo no qual vários expositores apresentam assunto amplo visto
sob vários aspectos. Os objetivos das atividades são, entre outros, incentivar a pesquisa, trocar conhecimento,
colocar em prática habilidades, analisar situações e propor soluções, debater problemas, enfim, promover a
interlocução entre pessoas interessadas nos mesmos assuntos.
A atividade será realizada em grupos. Sugerimos alguns temas, que poderão ser distribuídos ou sorteados
entre vocês.
• Das origens à internet: trajetória da imprensa.
(o tema privilegia as mudanças e a revolução nas tecnologias)
• As empresas de comunicação e as concessões governamentais.
(o tema trata dos oligopólios versus o desejável pluralismo das fontes)
• Ética e imprensa.
(mostra as frágeis relações entre a imparcialidade e os interesses)
• A notícia pode virar mercadoria?
(mostra relação da imprensa com anunciantes e verbas governamentais)
• Informar, formar ou manipular?
(trata do papel da imprensa na formação cultural do leitor)
• O quarto poder: do que ele é capaz?
(mostra o sensacionalismo derrubando reputações)
• Diferentes leitores, diferentes jornais.
(mostra a variedade de linhas editoriais e as diferenças no tratamento dos mesmos fatos pelos diferen‑
tes veículos)
• A regulação da mídia vista como censura: por que no Brasil ela não sai?
(discute se um novo marco regulatório significa controle social da mídia)
Os itens acima são apenas sugestões. Vocês podem optar por outros temas que julgarem interessantes.
Para a realização do seminário serão necessárias várias etapas de preparação:

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PARTE 2 A CONSTRUÇÃO dOS TExTOS

1. Leiam muito: procurem em jornais, revistas, livros e internet textos relacionados ao tema escolhido
por seu grupo. Consultem pessoas que conheçam o assunto.
2. Distribuam funções entre os integrantes do grupo: um coordena as atribuições; outro anota as deci‑
sões, cobra o cumprimento dos prazos; outro avalia o material pesquisado e se encarrega de redigir o
texto final.
3. Anotem tudo que julgarem importante; analisem, classifiquem e organizem os dados obtidos.
Tragam esses dados para a elaboração coletiva do texto.
4. Sintetizem o conteúdo, transformando várias informações sobre o mesmo assunto em um único
texto. As citações devem ser marcadas com aspas. Não se esqueçam da indicação das fontes.
5. Elaborem o roteiro da apresentação, que deverá ter minimamente: a) uma apresentação, na qual o
grupo define o tema e revela suas principais implicações; b) a exposição de informações e argumen‑
tos; c) a conclusão do grupo (demonstrem atitude crítica nesse momento). Associem a esse roteiro a
apresentação de material de apoio (vídeos, transparências, cartazes, dados na lousa), nos momentos
adequados.
A apresentação do trabalho exigirá outros cuidados. Conheça o gênero exposição oral:

gêNERO TExTUAL
Exposição oral
Em uma exposição oral, apresenta‑se um assunto sobre o qual um expositor tem domínio
e os ouvintes têm interesse. A exposição pode ocorrer em vários âmbitos além do escolar, tanto
na esfera pública (instituições) como na particular (empresas), e exige certo grau de formali‑
dade. Há fases a serem seguidas: uma abertura, na qual o expositor se apresenta, introduz o
assunto e explicita o plano de sua exposição; o desenvolvimento, fase em que se expõe deta‑
lhadamente o conteúdo conforme o plano apresentado e se recapitulam os pontos fundamen‑
tais do assunto; e, finalmente, a conclusão, com as observações finais e os agradecimentos. O
expositor deve ser objetivo e se manter atento à reação dos ouvintes. Pode falar de memória,
ler em voz alta ou elaborar sua fala baseado em seu planejamento. Recursos visuais, audiovi‑
suais ou multimídia costumam ser empregados para tornar a exposição mais atraente.

Dicas para o momento da apresentação:


1. Ensaiem a apresentação, cronometrando o tempo. Distribuam as tarefas para cada elemento, mas
não corram riscos: todos deverão dominar o roteiro completo. Caso alguém falte ou se esqueça de
algum dado, todos estarão bem preparados.
2. Na apresentação, sigam o planejamento, mas não o leiam. Usem sequências explicativas. Expressões
como: “isto é”, “ou seja”, “por exemplo”, “primeiramente”, etc. são bem‑vindas, mas “então, né?”; “daí”,
devem ser evitadas. O nível da linguagem é formal.
3. Falem espontaneamente, com clareza, objetividade, boa altura de voz, boa dicção e postura adequada.
Se for necessário interferir na fala do colega, façam isso respeitosamente.
4. Abram a exposição para perguntas dos demais colegas. A finalidade desta atividade é a troca de
conhecimento, o aprendizado por meio da interlocução. Caso não saibam responder a alguma ques‑
tão, não fiquem constrangidos – comprometam‑se a buscar respostas posteriormente.
5. Todos os grupos deverão ser avaliados pelos próprios colegas. Levem em conta o domínio do con‑
teúdo, a clareza na exposição, o entrosamento das partes, o material de apoio adequado e o cumpri‑
mento do tempo determinado.

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O jORNAL E SEUS gêNEROS TExTUAiS: NOTÍCiA E LEgENdA CAPÍTULO 6

NO
Questões de exames FAÇARNO!
CAD
E

1. (PUC‑PR) (ITA‑SP) Texto para as questões 3 e 4.


A manchete abaixo apresenta ambiguidade sintá‑
Estímulo elétrico contra a depressão
tica, que é desfeita pelo conteúdo do texto que lhe
Um estímulo elétrico numa área precisa do segue.
cérebro de quem sofre de obsessões compulsi‑
vasedepressõespodeajudaraconseguiracura, Reino Unido pode taxar
segundotestesfeitosporneurocirurgiõesfran‑ fast food contra obesidade
ceses. Uma equipe do Centro Nacional de Pes‑ OReinoUnidoestudacobrartaxadeempre‑
quisas Científicas da França acaba de aplicar sasdefast foodparafinanciarinstalaçõesespor‑
comsucessoatécnica,queconsisteeminstalar tivaseocombateàobesidade.Segundoumrela‑
eletrodos ao nível“da cabeça do núcleo cauda‑ tório,aobesidadenopaíscresceuquase400%em
do, situado na metade do cérebro”. A operação, 25anos,e,secontinuaraumentando,podesupe‑
quedura12horasérelatadanaediçãodeoutu‑ rarocigarrocomomaiorcausademortesprema‑
bro da revista Journal of Neurosurgery. O estí‑ turas.Governoeempresaslocaistêmsidocritica‑
mulo elétrico, já usado para aliviar pacientes dospornãocombateremoproblema.
quesofremdemaldeParkinson,ajudaareduzir n Folha de S.Paulo.
a ansiedade de quem sofre de transtornos
neurológicos. 3. Inspirados no texto Reino Unido pode taxar fast
n Folha de S.Paulo.
food contra obesidade, poderíamos construir as
manchetes abaixo. Aponte a opção em que a man‑
Indique o que for falso: chete expressa uma relação causal entre os ele‑
a) As palavras ajudar, aliviar e ajuda permitem mentos envolvidos. Tenha em mente que nem
inferir que o uso de estímulos elétricos não é todas as cinco manchetes refletem a ideia central
suficiente para a cura da depressão ou do mal de do texto.
Parkinson. a) Governo combate a obesidade
b) A intenção do texto é manifestar uma crítica à b) Governo financia instalações esportivas
técnica utilizada pelos médicos franceses. c) Governo cobra taxas de empresas de fast food
c) O texto traz informações básicas sobre um novo d) Obesidade provoca morte
tratamento para depressão.
e) Obesidade cresce 400% em 25 anos
d) O uso de estímulos elétricos não é uma novidade
na área médica. 4. a)Quais as interpretações sugeridas pela manchete?
e) Foi a primeira vez que o uso de estímulos elétri‑ b) Qual dessas interpretações prevalece na
cos apresentou resultados positivos no trata‑ notícia?
mento da depressão.
5. (PUC‑PR)
2. (Unicamp‑SP) A notícia e o comentário transcritos
a seguir deixam claro que nem sempre podemos Texto
nos limitar à interpretação literal (isto é, “ao pé da Chat, para quem não sabe, é um lugar onde
letra”) das palavras: ficaumaporçãodechatos,todoscompseudôni‑
Demora mos (homem diz que é mulher e mulher vira
homem)ateperguntar:vocêestáaí?
OMinistériodaSaúdecalculaqueemjaneiro
n PRATA, Mario. Chats e chatos pela Internet. O Estado de S. Paulo.
já poderá deflagrar o programa emergencial de
saúdeparaosianomamis,emRondônia.Atéláos Leia o texto e assinale a alternativa que melhor o
mosquitos transmissores da malária estão proi‑ resume.
bidosdepicarosíndios. a) O autor define o chat de forma humorística e
n Folha de S.Paulo, Painel. irônica.
a) Identifique e transcreva a passagem que, no b) Para Mario Prata, chat é um meio de comunica‑
texto, não deve ser interpretada literalmente. ção eficiente.
b) Explique por que a inclusão dessa passagem c) Chat é o lugar onde ficam muitos chatos.
deixa clara a posição crítica e irônica do jornal d) Chat é o lugar onde ficam homens e mulheres
com relação aos prazos propostos pelo Ministé‑ chatas que fazem uso de pseudônimo para con‑
rio da Saúde para começar a resolver o problema versar com você.
da malária entre os índios ianomamis. e) O autor explica o que é um chat.

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7 • C A P Í T U L O 7

O jornal e seus gêneros


textuais: editorial e crônica
Poema tirado de uma notícia de jornal
João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia
[num barracão sem número.
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.
n BANDEIRA, Manuel. In: Antologia poética. 17. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1986. p. 73.

Ulhôa Cintra/Arquivo da editora

De modo geral, uma notícia de jornal é uma mininarrativa com passagens descritivas. E o poeta, ao criar um poema a partir de uma notícia
de jornal, conserva composições linguísticas que caracterizam as sequências descritivas e as sequências narrativas:
• no primeiro verso, observamos uma sequência descritiva, pois temos um período em que a conjunção aditiva e une duas orações que
não expõem uma sucessão temporal, mas sim a apresentação do estado de um ser num determinado momento do tempo;
• nos versos seguintes, observamos uma sequência narrativa, pois temos o quando (uma noite), o onde (o bar Vinte de
Novembro) e “um encadeamento de sequências constituídas de eventos temporalmente relacionados (evento temporal 1,
evento temporal 2, etc.), unidos pela conjunção aditiva, de modo que e = e depois”, como comenta o jornalista Nilson Lage:
primeiro ele chegou no bar, depois bebeu, depois cantou, depois dançou, depois se atirou na Lagoa e depois morreu afogado. A
sequência do poema não apresenta a conjunção aditiva (subentendida, claro), lançando mão de orações assindéticas, o que
resulta num texto mais conciso; apenas o último evento aparece introduzido pela conjunção aditiva. Destaque para a
expressividade do advérbio depois introduzindo o último verso.
Mais um detalhe: outra característica da narrativa é o clímax e o anticlímax; o primeiro é o instante decisivo da ação e da
intensidade emocional de uma narrativa; o segundo acontece quando o final contraria a expectativa criada, como no poema.

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O jORNAL E SEUS gêNEROS TExTUAiS: EdiTORiAL E CRôNiCA CAPÍTULO 7

////////////////////////////
OS TEXTOS JORNALÍSTICOS
///////////
//////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

No capítulo anterior, vimos alguns aspectos do jornal como meio de comunicação: um produto de consumo, um
órgão informativo. Também observamos sua apresentação gráfica, o espaço ocupado por uma notícia, sua influência na
formação da opinião pública, a notícia como seu gênero textual mais característico, a possível manipulação da notícia, etc.
Neste capítulo, vamos continuar falando sobre o jornal, mas focalizando dois gêneros clássicos do jornalis-
mo moderno: o editorial e a crônica.

////////////////////////////
O TEXTO ARGUMENTATIVO – A ESTRUTURA DO EDITORIAL
///////////
////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

gêNERO TExTUAL
Editorial
Editorial é o texto que reflete a opinião do jornal. Por isso, não vem assinado por um jornalista (todo
texto não assinado é de responsabilidade da Redação do jornal). Caracteriza-se por ser um texto argumen-
tativo (tem, portanto, sua força nos argumentos), no qual predomina a função referencial da linguagem.

No Novo Manual de Redação, publicado pela Folha de S.Paulo, encontramos as seguintes orientações:
editorial – Texto que expressa a opinião de um jornal. Na Folha, seu estilo deve ser ao mesmo tempo
enfático e equilibrado. Deve evitar a ironia exagerada, a interrogação e a exclamação. Deve apresentar com
concisão a questão de que vai tratar, desenvolver os argumentos que o jornal defende, refutar as opiniões
opostas e concluir condensando a posição adotada pela Folha.
Nada impede que o jornal mude de opinião sobre determinado assunto. Neste caso, deve dizê-lo
com clareza.
Os editoriais são publicados na segunda página do jornal e, em casos excepcionais, na primeira. Não
são assinados.
Os editoriais não dirigem o noticiário, mas temas que neles aparecem com frequência devem ser explorados
pela reportagem. A Folha procura publicar artigos assinados que discordem das posições dos seus editoriais.
n Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/circulo/manual_texto_e.htm>. Acesso em: 5 fev. 2013.

No Manual de Redação e Estilo, publicado pelo jornal O Globo, observamos as seguintes considerações
sobre os textos de opinião:
Deve-se evitar, com exceção de momentos muito especiais, o comentário que apenas registra pasmo,
admiração ou indignação. Esses sentimentos, principalmente a indignação ante o interesse público ofendi-
do, são importantes, mas não bastam: precisam estar apoiados em fatos e acompanhados de argumentos
lógicos que conduzam a uma conclusão concreta. [...] O editorial realmente útil suplementa a notícia com
pesquisa e informação adicional. Sem isso, será difícil escapar de observações superficiais e conclusões
padronizadas. A opinião pode ser manifestada de forma leve, irônica ou séria, seca, mas lhe é proibido ser
pomposa ou solene. Alguns textos do jornal parecem usar roupa esporte, outros vestem terno e gravata. O
editorial está quase sempre no segundo caso, mas não usa fraque, beca ou toga.
n Disponível em: <http://observatoriodaimprensa.com.br/artigos/da010520026.htm>. Acesso em: 5 fev. 2013.

Como você pode observar, as orientações para a redação de um editorial são as mesmas que para a redação de
um texto argumentativo. Ao apresentar sucintamente uma questão, você estará redigindo a introdução; ao desen-
volver seus argumentos e refutar possíveis argumentos contrários, estará estruturando a argumentação; ao finalizar,
expondo de modo condensado a sua posição, você montará a conclusão. A linguagem deve ser sóbria e objetiva; a
conotação, a linguagem figurada, a ironia, os eufemismos devem ser usados com parcimônia. Como bem ilustra a
metáfora de O Globo: o editorial não pode vestir roupa esporte, tampouco fraque; deve vestir terno e gravata.
Considerando as sequências textuais, podemos dizer que o editorial tem a predominância de sequências 
argumentativas, já que temos a apresentação de um posicionamento, na tentativa de conseguir a adesão por
parte do leitor: não se trata apenas de passar uma informação, mas de manifestar uma opinião a respeito de
um assunto de maneira persuasiva e convincente.
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PARTE 2 A CONSTRUÇÃO dOS TExTOS

Arquivo/Agência Estado
Atividades
Reproduzimos, a seguir, o editorial do jornal O Estado de
S. Paulo, edição de 31 de outubro de 2012. Para um melhor enten-
dimento, o editorial comenta o fim do Jornal da Tarde, publicado
pelo Grupo Estado. O Jornal da Tarde foi criado em 1966 e, sob
alguns aspectos, revolucionou o jornalismo impresso.

O ‘JT’ sai de cena


O Jornal da Tarde (JT) sai de cena hoje para entrar para
a história do jornalismo brasileiro na muito rarefeita
categoria das utopias realizadas.
[...]
O mais importante insumo da revolução estética, de comunicação e jornalística que foi o Jornal
da Tarde foi o tempo de processamento, luxo que pouquíssimos jornalistas da presente geração algu-
ma vez puderam desfrutar no exercício da profissão.
Desenhado para chegar às bancas no início da tarde, o JT pôde, na primeira metade de sua vida,
dar-se ao luxo de funcionar na velocidade das ideias e concentrar-se com o necessário vagar no trata-
mento dos fatos, na avaliação do seu significado e na sua apresentação em imagens e palavras nunca
antes tão cuidadosa e competentemente trabalhadas na história da imprensa brasileira.
E o efeito foi brilhante. Enquanto reformava o passado, o JT pôs também um pé no futuro ao
reinterpretar a essência do jornalismo, que é a função de captar os pleitos difusos da sociedade,
interpretá-los, dar-lhes forma legível e, assim, precipitar reformas, ao saltar da fronteira então esta-
belecida da mera crítica e da sugestão para o território ainda virgem da mobilização direta do públi-
co e da interferência física sobre o aparelho de decisão política nas suas memoráveis campanhas.
No momento em que não só o jornalismo, ferramenta essencial da democracia, mas o pensa-
mento escrito como um todo se debatem novamente numa crise que é, essencialmente, uma crise
universal de desajuste de velocidades, vale a pena nos determos mais uma vez nesse aspecto que,
para o bem e para o mal (quando a vantagem do tempo de processamento lhe foi suprimida), definiu
a história e a trajetória do Jornal da Tarde.
A inteligência humana e a civilização só puderam se desenvolver quando o sucessor do macaco
se organizou o bastante para não ter mais de dedicar 100% do seu tempo a correr atrás de comida ou
fugir dos predadores. Era este o mundo que lhe tinha sido dado.
Passados 200 mil anos de luta, vamos, de certa forma, recriando, agora voluntariamente, aquela
mesma situação. E as modernas ferramentas de comunicação estão no centro desse estranho proces-
so de regressão.
A submissão acrítica ao fascínio da velocidade sem rumo devolve a humanidade a uma crescen-
te incapacidade de pensar e vai reduzindo a vida a uma sucessão de reações automatizadas de sobre-
vivência onde somos nós que, em bando, servimos às máquinas e não elas que nos acrescentam à
individualidade, à segurança e ao conforto material ou espiritual.
Superar a barbárie e dar a cada homem as rédeas do seu próprio destino é o objetivo da demo-
cracia. O jornalismo está a serviço dela e esta, há 137 anos, tem sido a casa do jornalismo.
É nossa a responsabilidade, agora discutindo o papel central que nós próprios temos tido na
construção dessa nova Babel, de contribuir para deter essa voragem e devolver aos homens o grau
possível de controle sobre suas vidas.
O JT fez parte desta obra ao abrir novos caminhos. Cabe-nos continuar a percorrê-los.
n Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,o-jt-sai-de-cena-,953753,0.htm>. Acesso em: 5 fev. 2013.

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O JORNAL E SEUS GÊNEROS TExTUAIS: EdITORIAL E CRÔNICA CAPÍTULO 7

1. Releia as indicações dos manuais para a redação de um editorial e comente o texto anterior, considerando
suas características principais como gênero textual.

  2. Segundo o editorial, qual foi o mais importante elemento que permitiu ao JT realizar inovações no jorna-
lismo?

3. O que você entende por “crise universal de desajustes de velocidade”? Essa afirmação abre espaço para
qual argumentação?

4. Qual é a função da expressão “No momento em que...”, que abre o 5º parágrafo?


5. A expressão “aquela mesma situação” (7º parágrafo) refere-se a uma situação no passado e a outra no
presente. Que situações são essas?

6. Explique como você entende a afirmação aparentemente paradoxal: “as modernas ferramentas de comu-
nicação estão no centro desse estranho processo de regressão”.

7. O produtor do texto alterna sua posição, falando ora em terceira pessoa, ora em primeira do plural. Que
efeito de sentido isso produz? Comente.

LLPT - Vol. 2 Mãos à


obra!
Proposta 1
Analise os dados e os textos a seguir, reflita sobre eles e escreva um editorial a ser publicado
no jornal de sua cidade.

a) b)

Allmaps/Arquivo da editora
dados: ibge / taxa de analfabetismo das pessoas
Parte2_Cap.7f01A_2LLPT_PTxt
trabalho infantil no brasil com 15 anos ou mais idade
% ocupação 50º O
Allmaps/Arquivo da editora

5 a 17 anos
2009 2011 OCEANO
RR ATLÂNTICO
Norte 10,1 10,8 Equador
AP

Nordeste 11,7 9,7
Sudeste 7,5 6,6 AM PA
MA CE
RN
Sul 11,6 10,6 PI PB
PE
Centro-Oeste 10,2 7,4 AC
AL
RO TO SE
Brasil 9,8 8,6 MT BA
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2011. Pesquisa com DF
358 919 pessoas em 146 207 domicílios. População residente em 2011 no GO
país: 195,2 milhões. Crianças e adolescentes de 5 a 17 anos trabalhando em
2011: 3,7 milhões; em 2009: 4,2 milhões; em 2004: 5,3 milhões. MG
MS ES
n Fonte: Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho SP
e Rendimento, Pnad 2009/2011. Trópico de Capricórnio RJ
PR
n Disponível em: <http://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/09/
Proporção de SC
trabalho-infantil-cai-14-no-pais-mas-regiao-norte-tem-
pessoas (em %)
aumento-diz-ibge.html>. Acesso em: 23 jan. 2013. RS
3,1-4,3
4,4 -10,6
10,7-17,2 ESCALA
0 565 1130 km
17,3-21,8

n Estudo realizado pelo IBGE em 2011; publicado em 21/9/2012.


n Disponível em: <http://g1.globo.com/educacao/noticia/2012/09/nordeste-concentra-mais-da-
metade-dos-analfabetos-do-pais-diz-ibge.html>. Acesso em: 23 jan. 2013.
Adaptado de: IBGE. Atlas geográfico escolar. Rio de Janeiro, 2009.
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PARTE 2 A CONSTRUÇÃO dOS TExTOS

c)
uma nação armada até os dentes
s
rio
isf
eit
os
s nt
rá 69% “Desde que cheguei à Casa Branca, esta é
sat feito co
ati
s 53% favor
50% ins a 45% a quarta vez que me reúno com parentes
42% 43%
de vítimas de assassinatos em massa.
Não podemos mais tolerar isso. Para que
essas tragédias acabem, precisamos
Satisfação Proibição
mudar. Não é possível encarar o que
dos cidadãos de produção,
com a legislação venda ou
vivemos em Newtown como rotina.”
de controle e porte de fuzil
porte de armas semiauto- Americanos com
(Declaração de Barack Obama, presidente
mático armas em casa
(GALLUP,
JAN./2012) (GALLUP,
Americanos
(GALLUP,
dos Estados Unidos, em 16 de dezembro
que já
OUT./2011)
usaram
OUT./2007)
de 2012, no estado de Connecticut, após
População: 330 milhões armas de
Número de armas: 300 milhões fogo massacre em escola de Newtown.)
(estimativa da nra) (GALLUP,
Atentados em massa, em 2012: 8 OUT./2007) n GRAÇA, Eduardo. Onde os insanos brincam de Deus. Carta Capital.
(8 com 70 mortes) São Paulo: Confiança, n. 729, 26 dez. 2012. p. 55.
NRA – Nacional Rifle Association

Proposta 2
Conheça agora um outro tipo de editorial que é publicado em revistas. Ele apresenta configuração dife-
rente, como se fosse uma “carta ao leitor”, mas, assim como nos jornais, também aparece nas primeiras
páginas (em geral nas pares) do periódico, logo após o índice. Este que você vai ler, denominado {Escuta},
apresenta a edição 314 da Superinteressante. Antes, saiba que:
• esta edição saiu imediatamente após 21 de dezembro de 2012, data para a qual havia grande expectativa
por parte de algumas pessoas de que o mundo iria terminar em uma grande catástrofe;
• considerada revista de divulgação científica, a Superinteressante busca atingir um público jovem e antenado
com as descobertas da ciência e da tecnologia; daí o nível coloquial de linguagem adotado pelo editor.

  O mundo não acabou


Como você já deve ter notado, o mundo não acabou. Continuamos
Reprodução/Revista Superinteressante
tocando a vida, sobre essas mesmas placas de pedra que há milhões de
anos flutuam na rocha líquida que preenche o centro desta esfera azul.
Por outro lado, o mundo acabou sim. Vivemos um período de
transformações brutais. As mudanças no clima. As crises econômicas. O
colapso das cidades. A falência da política. A revolução da internet. O
fim das ideologias. A crise do trabalho. Tudo está mudando, com uma
rapidez assustadora. Não é de estranhar que tanta gente acredite em
histórias apocalípticas – elas parecem fazer sentido em meio a tantas e
tão profundas incertezas. Não está mesmo fácil entender este mundão.
Pois é para isso que esta SUPER existe. Nosso papel é, todos os dias
– por meio desta revista, das nossas edições especiais e eletrônicas, do
site, das redes sociais – olhar para esta confusão e encontrar sentido. É
contextualizar o caos. O mundo está mudando mais rápido que nunca.
A SUPER é para quem quer entender as mudanças, em vez de se agar-
rar a profecias místicas.
[...]
n BURGIERMAN, Denis Russo. O mundo não acabou. Superinteressante. São Paulo: Abril, n. 314, jan. 2013. p. 8.

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O jORNAL E SEUS gêNEROS TExTUAiS: EdiTORiAL E CRôNiCA CAPÍTULO 7

Observe como esse texto foi construído:


Título → antecipa o conteúdo.
Introdução → no primeiro parágrafo, o jornalista apresenta o assunto do texto afirmando (de forma
irônica) que o mundo não acabou (e o leitor “já” percebeu isso). A forma usada para definir a Terra:
“placas de pedra que há milhões de anos flutuam na rocha que preenche o centro desta esfera azul”
poderia até causar estranheza no leitor, mas, considerando que o texto está em uma revista de divul-
gação científica, é justificável – sem contar o recurso metafórico (esfera azul).
  rgumentação → espera-se, em seguida, a argumentação, mas o segundo parágrafo começa
A
com o organizador textual “por outro lado”, que introduz uma ideia totalmente contrária à apre-
sentada no primeiro parágrafo: “o mundo acabou sim”. Esse recurso surpreende o leitor, torna o
texto dinâmico. E, só quando lemos os argumentos apresentados, entendemos que o mundo a que
se refere o jornalista é aquele anterior às grandes transformações de nossa época. Vale destacar
que os argumentos aparecem materializados em uma interessante sequência de sete frases
nominais, revelando um estilo bastante particular e conferindo um tom solene ao texto. O assun-
to exigiria solenidade, mas o emprego da palavra “mundão”, em seguida, faz o jornalista aproxi-
mar-se do leitor.
  onclusão → o pronome “isso” retoma as incertezas e as dificuldades de entender o mundo citadas no
C
parágrafo anterior. Assim, o autor do editorial encerra seu texto mostrando a função da revista: “contex-
tualizar o caos” nesse mundo novo. E ainda elogia o leitor da Super ao afirmar que este não se apega a
“profecias místicas” porque é bem informado.
Veja que, diferentemente do editorial do jornal, este é identificado (aparece inclusive a foto do jorna-
lista Denis Russo). Tem coesão, coerência, fluência e originalidade. Como deveriam ser todos os editoriais.
Em algumas revistas, o editorial faz um apanhado das matérias daquela edição, como se oferecesse
ao leitor um cardápio do que ele terá a sua disposição para apreciar.
Suponha agora que você é um editorialista – o jornalista responsável pelo editorial de uma revista
semanal de informação. Durante a semana, você ouviu e leu notícias sobre um assunto polêmico que
mobilizou a opinião pública, especialistas e autoridades. Haverá uma matéria de capa sobre o assunto na
revista e será preciso escrever o editorial. Inicialmente, você precisará saber qual é o posicionamento do
veículo sobre o fato para enumerar seus argumentos.
Citamos um exemplo: é polêmica a realização de internação compulsória de dependentes quími-
cos que vivem nas ruas. Alguns se colocam a favor da decisão, alegando que o dependente chega a
um ponto em que não consegue mais tomar nenhuma decisão e pode até morrer; outros a criticam,
afirmando que um tratamento desse tipo só surte efeito se partir do próprio dependente a decisão
de largar a droga e que ele incidirá no vício novamente quando terminar o tratamento. Qual seria sua
posição? Que argumentos você reuniria para defender seu ponto de vista? Citaria estudos?
Estatísticas? Declarações de autoridades, de psiquiatras? Depoimentos de dependentes? Resultados
de tratamentos?
Escolha um assunto relacionado a sua cidade que esteja em discussão, tenha uma posição clara sobre
ele e escreva seu editorial.
Dicas para a realização de seu texto:
1. Não perca de vista o perfil de seu leitor: adulto, escolarizado, exigente.
2. Antes de redigir, elabore um plano de texto: o que será escrito em cada parte? E em cada parágrafo?
3. Cuide da linguagem; use comparações, metáforas, outros recursos.
4. Para dar fluidez ao texto, recorra aos elementos de coesão: pronomes, conectores (porque, pois, já
que, portanto), organizadores textuais (inicialmente, em resumo, por um lado ... por outro lado);
modalizadores (sem dúvida, infelizmente, certamente).

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PARTE 2 A CONSTRUÇÃO dOS TExTOS

5. Relembre as características das sequências argumentativas:

Conceitos são produzidos a partir do próprio desenvolvimento discursivo.

O falante se manifesta e confronta sua opinião com a dos outros.

Introduzem-se diferentes vozes no texto, de diferentes maneiras.

A intenção é persuadir o interlocutor, conseguir sua adesão.

A organização da mensagem volta-se para o encadeamento lógico dos argumentos, a coerência textual.

Junte-se a um colega e troquem seus textos. Cada um se coloca no lugar do leitor da revista para avaliar
o editorial. Foi convincente? O texto apresenta qualidades jornalísticas? O que poderia ser alterado para
aperfeiçoá-lo? Façam anotações para o colega.

////////////////////////
O TEXTO NARRATIVO – A COMPOSIÇÃO DA CRÔNICA
///////////
/////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

gêNERO TExTUAL
Crônica
O que é uma crônica? A palavra crônica deriva do radical grego crono, que significa “tempo”. Daí seu
caráter contemporâneo: relato de acontecimentos do tempo de hoje, ou seja, relato de fatos do cotidiano.
Nos primórdios da literatura portuguesa e no Brasil colônia, “crônica” designava a narração de fatos histó-
ricos segundo a ordem cronológica ou relatos de viagens (já vimos no primeiro volume desta coleção, por
exemplo, as crônicas de Fernão Lopes).
Desde o Romantismo (início do século XIX), com a consolidação da imprensa, a crônica se caracteri-
zou por ser uma seção de jornal ou revista, escrita sempre em uma linguagem leve, em que se comentam
acontecimentos do dia a dia.

Na definição do jornalista Nilson Lage:

Crônica é um texto desenvolvido de forma livre e pessoal, a partir de acontecimentos de atua-


lidade ou situações de permanente interesse humano. É gênero literário que busca ultrapassar,
pelo tratamento artístico, o que é racionalmente deduzido dos fatos.
n LAGE, Nilson. Estrutura da notícia. São Paulo: Ática, 2006.

Segundo Antonio Candido, a crônica:

“ […] é filha do jornal e da era da máquina, onde tudo acaba tão depressa. Ela não foi feita origina-
riamente para o livro, mas para essa publicação efêmera que se compra num dia e no dia seguinte
é usada para embrulhar um par de sapatos ou forrar o chão da cozinha.”
n CANDIDO, Antonio. A vida ao rés do chão (prefácio). In: ANDRADE, Carlos Drummond de et al. Para gostar de ler. São Paulo: Ática, 1979, v. 5. p. 6.

Por essas características, a crônica foi considerada por alguns como um “gênero menor”, e muito se discute
sobre a tênue fronteira que separa o jornalismo da literatura (ou vice-versa).
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O jORNAL E SEUS gêNEROS TExTUAiS: EdiTORiAL E CRôNiCA CAPÍTULO 7

Na estrutura da crônica, destacamos a predominância de sequências narrativas, como no caso das notí-


cias. A montagem textual, porém, é muito diferente: a narrativa da crônica não tenta ser objetiva nem forjar
um distanciamento entre o fato narrado e o produtor do texto; ao contrário, na crônica, o fato narrado traz
marcas subjetivas do produtor do texto: no trabalho com a linguagem, na introdução de comentários, na evi-
dência do leitor em perguntas retóricas, no acréscimo de pitadas de ficção.
No Brasil, desde meados do século XIX, tivemos cronistas importantes, como José de Alencar, Machado de
Assis e Olavo Bilac. Na segunda metade do século XX, a crônica conheceu o seu boom com a adesão de escri-
tores de primeira linha, como Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino, Rubem Braga, Paulo Mendes
Campos, Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto), Rachel de Queiroz, Luis Fernando Verissimo e Lourenço Diaféria,
entre outros.

Atividades
Para entender melhor o que é crônica, você vai ler agora o que Drummond, Fernando Sabino, Paulo
Mendes Campos e Rubem Braga escreveram na abertura do primeiro volume da coleção Para gos-
tar de ler (uma coletânea de crônicas). Observe que nesse “bate-papo despretensioso” os autores
dão dicas valiosas sobre o gênero em questão.
Texto para as questões 1 a 3.
Ulhôa Cintra/Arquivo da editora

Experimente abrir este livro em qualquer página onde começa


uma crônica. Crônica é um escrito de jornal que procura contar ou
comentar histórias da vida de hoje. Histórias que podem ter acontecido
com todo mundo: até com você mesmo, com pessoas de sua família ou
com seus amigos. Mas uma coisa é acontecer, outra coisa é escrever
aquilo que aconteceu. Então você notará, ao ler a narração do fato, como
ele ganha um interesse especial, produzido pela escolha e arrumação
das palavras. E aí começa a alegria da leitura, que vai longe. Ela nos faz
conferir, pensar, entender melhor o que se passa dentro e fora da gente.
Daí por diante a leitura ficará sendo um hábito, e esse hábito leva a
novas descobertas. Uma curtição.
As crônicas serão apenas um começo. Há um infinito de coisas
deliciosas que só a leitura oferece, e que você irá encontrando sozinho,
pela vida afora, na leitura dos bons livros.
n ANDRADE, Carlos Drummond de; BRAGA, Rubem; CAMPOS, Paulo Mendes; SABINO, Fernando.
Para gostar de ler. São Paulo: Ática, 1991. v. 1.

1. Como os cronistas definem crônica?


2. “Mas uma coisa é acontecer, outra coisa é escrever aquilo que aconteceu.” Segundo os cronistas, o que dá
à narrativa um colorido especial?

3. Poderíamos dividir esse texto em três partes: 1ª) definição de crônica; 2ª) características da narrativa; 3ª) a
leitura e suas consequências. Aceitando-se essa divisão, indique o início e o fim de cada parte.

Consagrado como um dos maiores cronistas brasileiros de todos os tempos, Rubem Braga (1913-1990)
escreveu mais de quinze mil crônicas, inclusive esta, que você vai ler a seguir. Durante a leitura, tenha em mente
esta questão: por que razão o recado vai ao “senhor 903” , ou seja, por que o destinatário do recado é um núme-
ro e não um nome?
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PARTE 2 A CONSTRUÇÃO dOS TExTOS

Texto para as questões 4 a 7.

Recado ao senhor 903


Vizinho –
Quem fala aqui é o homem do 1003. Recebi outro dia, consternado, a visita do zelador, que me
mostrou a carta em que o senhor reclamava contra o barulho em meu apartamento. Recebi depois
a sua própria visita pessoal – devia ser meia-noite – e a sua veemente reclamação verbal. Devo dizer
que estou desolado com tudo isso, e lhe dou inteira razão. O regulamento do prédio é explícito e, se
não o fosse, o senhor ainda teria ao seu lado a Lei e a Polícia. Quem trabalha o dia inteiro tem direi-
to ao repouso noturno e é impossível repousar no 903 quando há vozes, passos e músicas no 1003.
Ou melhor: é impossível ao 903 dormir quando o 1003 se agita; pois como não sei o seu nome nem
o senhor sabe o meu, ficamos reduzidos a ser dois números, dois números empilhados entre deze-
nas de outros. Eu, 1003, me limito a Leste pelo 1005, a Oeste pelo 1001, ao Sul pelo Oceano Atlântico,
ao Norte pelo 1004, ao alto pelo 1103 e embaixo pelo 903 – que é o senhor. Todos esses números são
comportados e silenciosos; apenas eu e o Oceano Atlântico fazemos algum ruído e funcionamos
fora dos horários civis; nós dois apenas nos agitamos e bramimos ao sabor da maré, dos ventos e da
lua. Prometo sinceramente adotar, depois das 22 horas, de hoje em diante, um comportamento de
manso lago azul. Prometo. Quem vier à minha casa (perdão; ao meu número) será convidado a se
retirar às 21:45, e explicarei: o 903 precisa repousar das 22 às 7 pois às 8:15 deve deixar o 783 para
tomar o 109 que o levará até o 527 de outra rua, onde ele trabalha na sala 305. Nossa vida, vizinho,
está toda numerada; e reconheço que ela só pode ser tolerável quando um número não incomoda
outro número, mas o respeita, ficando dentro dos limites de seus algarismos. Peço-lhe desculpas – e
prometo silêncio.
Mas que me seja permitido sonhar com outra vida e outro mundo, em que um homem batesse
à porta do outro e dissesse: “Vizinho, são três horas da manhã e ouvi música em tua casa. Aqui estou”.
E o outro respondesse: “Entra. vizinho, e come de meu pão e bebe de meu vinho. Aqui estamos todos
a bailar e cantar, pois descobrimos que a vida é curta e a lua é bela”.
E o homem trouxesse sua mulher, e os dois ficassem entre os amigos e amigas do vizinho
entoando canções para agradecer a Deus o brilho das estrelas e o murmúrio da brisa nas árvores, e o
dom da vida, e a amizade entre os humanos, e o amor e a paz.
n BRAGA, Rubem. Recado ao senhor 903. In: Para gostar de ler. São Paulo: Ática, 1991. v. 1.

WEBTECA
Para conhecer algumas obras de Rubem Braga, acesse o site: <www.releituras.com/rubembraga_bio.asp>.
Acesso em: 12 fev. 2013.

4. Como você percebeu, o “homem do 1003” conversa com seu vizinho “de número para número”. Qual teria
sido a intenção do autor ao inserir esses e outros (muitos) números no primeiro parágrafo do texto?

5. A oposição entre o Oceano Atlântico e o “manso lago azul” reproduz metaforicamente quais comporta-
mentos? Por que o cronista se vale desse recurso?

  6. Em que momento do texto ocorre uma drástica mudança? Explique o sentido que tem essa mudança e crie
uma hipótese para justificar o estilo que passa a ser adotado pelo autor, a partir dessa mudança (observe,
particularmente, a repetição da conjunção aditiva e).

7. O que provocaria, no leitor de um jornal, um texto como esse?


226

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O jORNAL E SEUS gêNEROS TExTUAiS: EdiTORiAL E CRôNiCA CAPÍTULO 7

ando
oc

tr
ideias
Em duplas, façam uma pesquisa em jornais e:
a) selecionem dois textos jornalísticos sobre acontecimentos da atualidade com predominân-
cia de sequências narrativas, sendo uma notícia e uma crônica;
b) façam uma análise, comparando a estrutura de cada texto e os aspectos que os identificam
ora como notícia, ora como crônica;
c) produzam uma crônica a partir da notícia, e uma notícia a partir da crônica;
d) na voz de um representante, apresentem suas conclusões sobre a composição textual de um
e outro gênero textual, exemplificando com os textos extraídos de jornal e as produções que
vocês fizeram a partir deles.

Mãos à
obra!
Como você viu, os assuntos da crônica são as coisas banais do cotidiano. A forma de relatar
esse cotidiano não é, contudo, nem um pouquinho banal. Na crônica a seguir, escrita há mais de
dez anos, Rachel de Queiroz retrata de forma magistral situações prosaicas provocadas pelo auto-
móvel e, em uma quase profecia, faz conjecturas sobre o futuro do “ser urbano”.
Em sua leitura, observe principalmente como a autora:
• descreve o automóvel;
• justifica a inutilidade desse meio de transporte;
• sugere formas de substituí-lo;
• aponta soluções para os problemas dos grandes ajuntamentos urbanos;
• prevê o futuro do homem das cidades.
Assim caminha a humanidade
Há muito que penso nisso e muitas pessoas devem ter pensado a mesma coisa. Mas ninguém fala,
ninguém diz nada. Porque, não o sei. Trata-se do automóvel. Essa maravilha mecânica, o veículo revolu-
cionário que acabou com os carros de tração animal e expulsou o trem urbano para os longos percursos.
E agora esse totem da nossa era, o automóvel, também chega ao seu fim, transforma-se num veículo
obsoleto. Não serve mais. A finalidade a que se destinava, nas áreas urbanas, transporte individual, rápi-
do, seletivo, perdeu o sentido. Você, hoje, para transpor alguns poucos mil metros, da sua casa para o
centro, leva o mesmo tempo que gastaria se fosse caminhando. As ruas de todas as cidades do mundo –
pequenas, médias, grandes (ou imensas, como São Paulo e Nova Iorque) – vivem atravancadas por essas
tartarugas ninjas, andando a passo, sim, de tartaruga mesmo, cada uma ocupando um espaço que vai de
10 a 12 metros quadrados, e transportando, na sua grande maioria, só uma ou duas pessoas, no máximo
três, se houver o motorista. Arrogante. Nas suas janelas de cristal, na pintura luzidia, nos metais polidos,
o automóvel é, acima de tudo, um monstro de egoísmo. A área que ele exige para si, na via pública, em
vez de dois personagens lhe ocupando os assentos, daria para, no mínimo, três bancos de três pessoas,
folgadamente instaladas. Quem vem, aqui no Rio, da Barra da Tijuca ao Centro, tem que se inserir logo
na Avenida das Américas, num imenso, compacto cortejo, andando em velocidade de enterro (qual
enterro, já vi enterro marchando em muito maior velocidade!) e carregando todos juntos, um contingen-
te de pessoas que caberia folgadamente dentro de um trem suburbano. E em meio de buzinadas, pala-
vrões, batidas de para-choques ou outros incidentes mais graves, só vai alcançar o seu destino – se der
sorte – dentro de, no mínimo, hora e meia. É, temos de livrar as ruas disso que Macunaíma chamava ‘a
máquina veículo automóvel’. O carro puxado a cavalos também não desapareceu, por obsoleto? Hoje
nem a rainha da Inglaterra o emprega, prefere os seus reluzentes Rolls-Royces. Tal como não se podia
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PARTE 2 A CONSTRUÇÃO dOS TExTOS

mais suportar o atropelo e a sujeira dos cavalos, das ler-


das carruagens do fim do século XIX, assim também o
automóvel acabou. Há que substituí-lo por um trans-
porte coletivo de qualidade, rápido, limpo, confortável.
Metrôs, ou mesmo grandes veículos de superfície, sei lá.
A cabeça dos técnicos já deve estar trabalhando, a dos
urbanistas, a dos chamados cientistas sociais.
Ulhôa Cintra/Arquivo da editora

Hoje em dia, leva-se mais tempo viajando de casa


para o trabalho do que no trabalho propriamente dito. E,
como os patrões exigem as suas oito horas, tem-se que
sair de casa em plena madrugada, chegar em casa depois
das dez da noite. Quem mora em subúrbio conhece essa
tragédia. Os ônibus mesmo, que poderiam ser um grande
recurso, têm os seus espaços disputados furiosamente pelos carros e se embaralham, retardam e engarra-
fam na confusão geral. Quem sabe vai-se recorrer ao transporte aéreo, grandes helicópteros que seriam
como ônibus voadores, pousando em heliportos arranjados nos tetos dos grandes edifícios? Não sei... por-
que logo apareceriam helicópteros particulares, cada executivo teria o seu, de luxo, importado. O que, aliás,
já está acontecendo. Eu mesma já viajei num desses, a convite de um amigo. Ou será que os engarrafamen-
tos vão continuar por mais anos e anos, como os assaltos, os sequestros, os meninos de rua, as favelas e as
demais desgraças dos grandes ajuntamentos urbanos? Então a solução seria mesmo acabar com os pró-
prios grandes ajuntamentos urbanos. Voltar todo mundo a se espalhar pelo campo, só procurando os cen-
tros quando a natureza do seu trabalho o exigisse. Até que o campo se deteriorasse também – já que esse
é o destino do homem sobre a terra: acabar com tudo de bom e bonito que a natureza para ele criou.
n QUEIROZ, Rachel de. Assim caminha a humanidade. In: Correio do Povo. Vitrine. Disponível em:
<www.correiodopovo.com.br/jornal/vitrine/N75/html/esportes.htm>. Acesso em: 23 jan. 2013.

Você deve ter percebido que a crônica é um texto jornalístico, mas apresenta qualidades literárias. Pode ter
sequências narrativas, mas também propõe reflexões, argumenta, expõe problemas. É datada, está ligada a um
acontecimento real, mas pode perfeitamente transcendê-lo por meio do lirismo, da poesia, que lhe dá validade
permanente. É circunstancial, precisa ser escrita diariamente e tem extensão delimitada pelo espaço que ocupa na
página de jornal, mas reflete, involuntariamente, a dimensão humana de quem a escreve, sob o filtro da emoção.
Sendo assim, são muitas as opções para você escrever seu texto. Você pode imprimir a ele um tom irônico,
crítico ou humorístico. Pode traduzir sentimentos ou emoções diante de acontecimentos corriqueiros ou ainda
tecer comentários sobre situações que o incomodem, por julgá-las injustas.

Proposta 1
Pense em seu cotidiano, desde o momento em que acorda até o momento em que se recolhe. São incontá-
veis as situações que propiciam a produção de uma crônica: o simples contemplar-se de manhã no espelho do
banheiro pode trazer alguma lembrança (boa ou ruim). Outras ações podem servir de pretexto para se realizarem
reflexões: cozinhar; lavar a louça; tomar um coletivo; ficar na fila do banco; ir ao restaurante almoçar e observar as
pessoas; passar por ruas mal iluminadas; levar um susto; levar um tombo; ficar parado no congestionamento; ser
confundido com alguém; encontrar um amigo que há muito não via; ganhar um bichinho de estimação; assistir
a uma cena de provocação no supermercado; saber do nascimento de uma criança; saber de uma chacina; estar
num estádio na final de um campeonato; discordar do resultado de um jogo; ter uma noite de insônia; etc.

Proposta 2
Procure nos jornais alguma notícia que julgue interessante. Transforme essa notícia em uma crônica, a
partir das características do gênero.
Dicas para a elaboração de seu texto:
1. Escolha uma das propostas. Decida se o tom de sua crônica será irônico, sarcástico, humorístico,
crítico, lírico. Use linguagem simples, descontraída.
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O jORNAL E SEUS gêNEROS TExTUAiS: EdiTORiAL E CRôNiCA CAPÍTULO 7

2. Narre em primeira pessoa.


3. Espaço e tempo são elementos sempre condicionados à existência/presença do narrador.
4. Empregue recursos poéticos e figuras de linguagem.
5. O fato narrado em si não é o mais importante – importantes são as reflexões sobre os fatos.
6. Procure, com sua crônica, dar uma dimensão muito mais ampla aos acontecimentos, transcenden-
do-os, despertando o humano que pode estar escondido no leitor.
7. Surpreenda o leitor no final.
Revise seu texto, faça os ajustes necessários e, em dia previamente combinado, leia sua crônica em voz
alta para os demais colegas da classe. Depois de digitados, os textos podem ser reunidos em uma antologia
e reproduzidos, para que cada aluno fique com seu exemplar.

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OUTRAS CARACTERÍSTICAS DO TEXTO JORNALÍSTICO
///////////
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Até aqui tratamos de vários aspectos do jornalismo, incluindo a análise de edições de jornais, da estrutura
da notícia, do editorial, da crônica. Complementando as informações apresentadas nos capítulos anteriores,
transcrevemos mais alguns verbetes do Manual editado pela Folha de S.Paulo.
diagramação – tarefa que envolve arte e técnica. Consiste em dispor plasticamente na página o mate-
rial de edição: textos, títulos, fotos, ilustrações, gráficos, legendas, etc. Cabe ao diagramador verificar o tama-
nho dos textos e ilustrações e compô-los espacialmente de acordo com os padrões gráficos do jornal. A
diagramação de uma notícia tanto pode escondê-la como exacerbar seu significado. Cabe ao editor, em
conjunto com o diagramador, a elaboração de cada diagrama (projeto detalhado da página, feito em
impresso próprio) no sentido de hierarquizar os textos e as fotos, sempre buscando uma página equilibrada,
bonita, que convide à leitura.
n Novo Manual de redação.

manchete – É a principal notícia do dia e deve receber o título mais importante da primeira página.
n Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/circulo/manual_texto_m.htm>.
Acesso em: 12 fev. 2013.

Na linguagem jornalística, a abertura de uma notícia ou de uma reportagem chama-se lide (lead). O lide
deve ser sintético, conciso e extremamente objetivo, destacando os aspectos mais importantes da notícia ou da
reportagem; necessariamente, deve ser atrativo para despertar, no leitor, o interesse pela leitura. O jornalista
Nilson Lage, em seu livro Estrutura da notícia, define lide e analisa sua gramática:
O lide é o primeiro parágrafo da notícia em jornalismo impresso, embora possa haver outros lides em
seu corpo. Corresponde à primeira proposição de uma notícia radiofônica, ao texto lido pelo apresentador
ou à chamada do repórter no início de uma notícia em televisão.
O lide é o relato do fato principal de uma série, o que é mais importante ou mais interessante. Em sua
forma clássica e impressa, é uma proposição completa no sentido aristotélico; ou seja, contém:
a) o sujeito, que pode conter um substantivo acompanhado ou não de artigo, adjetivo, locução adjetiva,
oração adjetiva;
b) o predicado, verbo ou locução verbal, acompanhado ou não de seu complemento, um objeto direto
ou indireto;
c) as circunstâncias de tempo, lugar, modo/instrumento, causa/consequência.
n LAGE, Nilson. Estrutura da notícia. São Paulo: Ática, 1993.
Essas informações procuram chamar sua atenção para a eficiente redação de uma notícia de jornal.
Observe que a técnica para se produzir um bom texto jornalístico pode ser muito útil também no momento em
que você estiver produzindo qualquer outro tipo de texto.
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PARTE 2 A CONSTRUÇÃO dOS TExTOS

Mãos à
obra!
A proposta final deste capítulo é fazer um jornal, o nosso jornal.
Para tanto, sugerimos a divisão da sala em grupos para que cada grupo monte um jornal.
Considerações gerais:
•  O público-alvo do jornal será sua comunidade escolar.
•  A periodicidade será trimestral.
•  O periódico contará com, no mínimo, quatro páginas.
•  Os textos publicados têm de observar o interesse do leitor-alvo.
•  Não se esqueça de:
•  escolher um título para seu jornal;
•  dividir o jornal em pequenas seções (notícias, crônicas, editorial...);
•  observar as características de configuração de um jornal, assim como as características dos seus textos.
Agora, mãos à obra. Vamos ao nosso jornal.

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CONCLUINDO...
///////////
///////////////////////////////////////////

Como você observou, dedicamos dois capítulos deste volume à discussão do jornal e seus textos, e mesmo
a sua confecção.
Na realidade, procuramos atingir alguns objetivos que julgamos extremamente importantes:
• Envolvê-lo com o jornalismo e tentar despertar seu senso crítico como leitor, isto é, receptor de mensagens.
O Novo Manual de redação da Folha de S.Paulo, no verbete formação de opinião, afirma:
Um jornal é, por excelência, um órgão formador de opinião pública. Sua força mede-se pela capacida-
de que ele tem de interferir nas opiniões em debate na sociedade e, apoiado em fatos e dados objetivos,
mudar convicções e hábitos, influir no rumo das instituições públicas ou privadas. Assim como o jornal
forma a opinião pública, ele é formado por ela, que tem meios e os utiliza para influenciá-lo e pressioná-lo.
Para a Folha, a opinião pública não é o conjunto da sociedade, mas sim aqueles setores que interferem
ativamente nos movimentos sociais, econômicos, culturais e políticos, conservando ou modificando rumos.

Retomemos algumas passagens: “interferir nas opiniões”, “mudar convicções”, “influir no rumo”. Ora,
mesmo que o jornal esteja “apoiado em fatos e dados objetivos”, há muitas possibilidades de manipular os
fatos; basta analisar a mesma notícia em dois jornais distintos. Nosso senso crítico é fundamental para que
possamos distinguir o que está por trás de uma notícia.
• A proposta de fazer um jornal nos remete à intimidade do jornalismo. Colocando-se na situação de jornalista,
você percebe as várias ênfases que podem ser dadas a um mesmo fato; ao diagramar o jornal, você percebe a
importância do espaço ocupado pela notícia, etc.
• Ao fazer um jornal dentro de um universo restrito (sua escola, sua sala de aula, alguns de seus colegas como com-
panheiros de serviço, outros como objeto da notícia), há uma maior integração da comunidade que forma esse
universo, com o consequente aumento da percepção da importância e dos efeitos da veiculação de informações.
• Você deve ter observado que vários aspectos fundamentais relativos à redação de uma notícia de jornal que
foram discutidos nestes capítulos se aplicam a qualquer tipo de texto. Destaquemos alguns deles:
a) o primeiro parágrafo de um texto argumentativo deve ser uma síntese da ideia a ser defendida (seme-
lhante ao lide do jornalismo); deve ser necessariamente atrativo para interessar o leitor;
b) ao escrever um texto, é importante hierarquizar a apresentação dos fatos;
c) dependendo do tema e do tipo de composição (especialmente no texto argumentativo), um certo dis-
tanciamento é importante para evitar que o texto seja parcial, acrítico e, às vezes, até ingênuo;
d) para chamar a atenção do leitor, um texto deve apresentar um aspecto visual atrativo, “limpo”, agradável;
e) escrever uma crônica é mergulhar na essência de um texto narrativo.
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O jORNAL E SEUS gêNEROS TExTUAiS: EdiTORiAL E CRôNiCA CAPÍTULO 7

NO
Questões de exames FAÇARNO!
CAD
E

1. (Unicamp-SP) Numa primeira página da Folha de melhor do que um sentimento usado. A cabeça
S.Paulo, encontramos uma sequência de fotos pode gostar de novidade, mas o coração adora
acompanhada de uma legenda cujo título é: A repetir o já provado. Se as ideias vivem da origi-
queda de Fidel. No texto da legenda, o jornal nalidade, os sentimentos gostam da redundân-
explica: O ditador cubano, Fidel Castro, 78, se cia. Não é por acaso que o prazer procura
desequilibra e cai após discursar em praça de repetição.
Santa Clara (Cuba), em evento transmitido ao n VENTURA, Zuenir. Crônicas de fim de século.
vivo pela TV; logo depois, ele disse achar que a) Substitua a expressão “Que seja assim” por
havia quebrado o joelho e talvez um braço, mas outra de sentido equivalente, tendo em vista o
que estava “inteiro”; mais tarde, o governo divul- contexto.
gou que Fidel fraturou o joelho esquerdo e teve
b) Explique por que o autor considera que tanto a
fissura do braço direito. novidade quanto a redundância podem ser
a) O que a leitura desse título provoca? Por quê? desejáveis.
b) Proponha um outro título para a legenda.
Justifique. 5. (PUC-RS)
Viagens são importantes: o mundo mudou
2. (ESPM-SP) Os títulos de jornais, por economia lin- por causa dos grandes navegadores. Descobri-
guística ou por falta de espaço, invariavelmente
mos muitas coisas, em nossas aventuras, mas
apresentam ambiguidade ou efeitos  estranhos (os
uma das descobertas, a mais importante, só aos
quais acabam desfeitos por aquilo que se denomina
poucos vai aparecendo; com a maturidade,
“conhecimento de mundo” por parte do leitor). Das
constatamos que a grande aventura ainda é a
frases extraídas do jornal Folha de S.Paulo, assinale o
item em que ocorra essa situação: aventura interior, é visitar os estranhos lugares
que temos dentro de nós, conhecer as estranhas
a) “Mundo cresce, mas Brasil está vulnerável, diz
pessoas que somos. É possível fazer essa via-
FMI”.
gem na companhia de um psicanalista, na com-
b) “Espanha ordena a retirada do Iraque”.
panhia de livros; mas é possível fazê-la por
c) “Desemprego em SP volta a nível recorde”. conta própria. Como toda aventura, esta envol-
d) “Lula faz maior aperto fiscal da história”. ve riscos e frustrações, mas, como toda aventu-
e) “Arafat diz que ajudou Israel a ser aceito”. ra, envolve um componente glorioso. É a glória
de estar vivo, a glória de sobreviver. É a grande
3. (ESPM-SP) A disposição das palavras numa frase aventura.
não é evidentemente aleatória. No entanto, frases
n SCLIAR, Moacyr. Zero Hora.
de jornais acabam apresentando, vez ou outra, sen-
tido estranho ou ambíguo por conta da ordem dos Instrução: Para responder à questão, analise as
termos. Assinale o item que não se enquadre em alterações propostas.
nenhum desses aspectos semânticos. I. Substituir as vírgulas após descobertas e impor-
a) Jogadores fogem pelos fundos de nove tante por travessões.
torcedores. II. Substituir os pontos e vírgulas (antes de “com a
b) Lula é cobrado por violações na China. maturidade” e “mas é possível”) por dois
c) Estudo de cientista português com DNA de pontos.
jumentos de 52 países indica origens. III. Colocar vírgula após lugares.
d) Fiscais vão percorrer estacionamentos pagos IV. Colocar um ponto seguido de letra maiúscula
diariamente. antes do mas.
e) Polícia diz ter suspeitos de ataque em série. As propostas de alteração que mantêm a correção
e o sentido são:
4. (Fuvest-SP)
a) a I e a II.
Costuma-se exaltar a cabeça como fonte da
b) a I e a III.
razão e denunciar o coração como sede da
insensatez, como músculo incapaz de ter auto- c) a I e a IV.
crítica e de ser original. Que seja assim. E daí? d) a II e a III.
Nada pior do que uma ideia feita, mas nada e) a III e a IV.

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PARTe 3 TexTOs, ARTe e CULTURA

Capítulo 1
Os estilos de época da Revolução Industrial
à Primeira Guerra: a poesia do Romantismo

Capítulo 2
A poética do Romantismo: amores,
índios e condores

Capítulo 3
A prosa do Romantismo: a literatura se populariza

Capítulo 4
Os estilos de época da Revolução Industrial
à Primeira Guerra: Realismo/Naturalismo

Capítulo 5
A narrativa realista/naturalista no Brasil

Capítulo 6
O teatro no século XIX: abrem-se as portas do teatro nacional

Capítulo 7
Os estilos de época da Revolução Industrial
à Primeira Guerra: o Parnasianismo

Capítulo 8
Os estilos de época da Revolução Industrial
à Primeira Guerra: o Simbolismo

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Os esTiLOs de éPOCA dA RevOLUçãO indUsTRiAL à PRimeiRA GUeRRA: A POesiA dO ROmAnTismO CAPÍTULO 1

Parte 3
Formando o leitor e o produtor
TEXTOS, de textos:
ARTE E CULTURA
Os textos artísticos

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1
PARTe 3 TexTOs, ARTe e CULTURA

CAPÍTULO 1

Os estilos de época da
Revolução Industrial à
Primeira Guerra: a
poesia do Romantismo
Hoje o Brasil é filho da Civilização francesa, e como
A jangada do Medusa, de Géricault,
Nação é filho dessa revolução famosa que abalou todos os pintada em 1819, é considerada um
tronos da Europa, e repartiu com os homens a púrpura e o marco inicial da pintura romântica.
A tela retrata um acontecimento
cetro dos reis...
contemporâneo trágico: o naufrá-
n Gonçalves de Magalhães, em discurso sobre a história da literatura do Brasil.
gio do navio francês Medusa,
Manifesto publicado na Revista Niterói, 1836, considerado o marco inicial do Romantismo brasileiro.
Disponível em: <www.nead.unama.br/site/bibdigital/pdf/oliteraria/124.pdf>. Acesso em: 22 jan. 2013. comandado por um incompetente
capitão monarquista; no naufrágio,
o capitão e a tripulação abandona-
ram o barco e deixaram 150 pesso-
as numa jangada por vários dias.
Em incrível luta pela sobrevivência,
que incluiu atos de canibalismo,
apenas 15 sobreviveram.

• Que sentimentos essa


pintura é capaz de des-
pertar em você?
• Em sua opinião, qual foi
a intenção do artista ao
pintar essa tela?

Erich Lessing/Album/Latinstock/Museu do Louvre, Paris, França.

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Os esTiLOs de éPOCA dA RevOLUçãO indUsTRiAL à PRimeiRA GUeRRA: A POesiA dO ROmAnTismO CAPÍTULO 1

A ARQUiTeTURA

A retomada dos valores e da estética


medievais ocorre não apenas na lite-
ratura, mas em praticamente todas as
manifestações artísticas. No final do
século XVIII e início do século XIX pro-
liferam as construções que recupe-
Craig Lovell/Corbis/Latinstock

ram o estilo das catedrais góticas da


Idade Média. O conjunto do Parlamento
Inglês, no estilo neogótico, data de
1835, quando o edifício foi reconstruí-
do. Um incêndio destruíra o antigo
edifício, em 1834, e no ano seguinte o
projeto de Sir Charles Barry fora eleito
por uma comissão. Segundo Gombrich
(A história da arte), Barry era um
especialista em estilo renascentista,
mas a comissão entendia “que as
liberdades civis da Inglaterra se
assentavam nas realizações da Idade
Média, pelo que seria correto e ade-
quado erigir o santuário da Liberdade
Britânica no estilo gótico”. Foi então
n Parlamento Inglês. contratado A. W. N. Pugin, um dos
mais intransigentes defensores da
ressurreição gótica. Barry cuidou do
formato do edifício e Pugin, da decora-
ção da fachada e do interior.

A mÚsiCA
Reprodução/Casa de Beethoven, Viena, Áustria.

O compositor alemão Ludwig van Beethoven (1770-1827) foi


um dos principais concertistas de seu tempo e considerado
um dos gênios do Romantismo. Criou muitas inovações na
técnica clássica, exprimindo-se com liberdade e vigor, num
estilo vibrante e incisivo, e utilizando sequências harmôni-
cas inusitadas, que causaram grande impacto no público.
Segundo Arnold Hauser, em História social da literatura e da
arte, “o Romantismo é a culminação da evolução que teve
o seu início na segunda metade do século XVIII: a música
passa agora a ser propriedade exclusiva da classe média.
Não só as orquestras passam dos salões de banquetes,
dos castelos e palácios para as salas de concertos, cheias
de membros da classe média, mas também a música de
câmara passa a ser acolhida, não nos salões aristocráticos,
mas nas salas de recepção burguesas. As massas mais
vastas, que professam pelas distrações musicais um
interesse crescente, procuram, porém, uma música mais
ligeira, mais atraente e popular, menos complicada”.

n Alegoriado gênio de Beethoven,


pastel de Sigmund Walter Hampel.

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PARTe 3 TexTOs, ARTe e CULTURA

A PinTURA
Reprodução/Museu do Louvre, Paris, França.

• Levando em conta os
aspectos formais e sim-
bólicos, como você des-
creveria essa imagem?

• Quais são as semelhan-


ças entre essa pintura e
A jangada do Medusa, na
p. 234?

• Em sua opinião, essas


pinturas possuem finali-
dades didáticas e/ou
políticas, além de estéti-
n A
liberdade guiando o povo (1831), óleo sobre tela
de Eugène Delacroix. cas e artísticas? Explique.

A tela A Liberdade guiando o povo, de Eugène Delacroix (1798-1863), foi pintada em 1831, no início do governo de Luís Felipe, na
França. É considerada uma das telas mais emblemáticas do movimento romântico, tanto na defesa de ideias revolucionárias como
na composição do quadro. Delacroix não é um pintor “descritivo” e sim prioritariamente “narrativo”; como outros românticos, retrata
episódios históricos contemporâneos, carregados de dramaticidade e um certo caráter épico. Em termos formais, carrega nas cores
intensas, na composição piramidal dos elementos e nos gestos largos e heroicos dos personagens (merecem especial atenção a
figura que personifica a Liberdade – uma bela e robusta mulher, com perfil clássico, seios à mostra, carregando em uma das mãos
um fuzil com baioneta calada e na outra, no vértice da pirâmide, a bandeira francesa – e a base da pirâmide, formada por anônimos
heróis que tombaram em defesa dos ideais revolucionários).

////////////////////////
DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL À PRIMEIRA GUERRA
//////////

////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

O período que se estende da Revolução Industrial (e da posterior Revolução Francesa), no final do século
XVIII, à Primeira Guerra Mundial, em 1914, corresponde a uma nova ordem socioeconômica, com profundos
reflexos nos campos da arte, que se manifestam não só no papel dos produtores, ou seja, dos artistas, mas tam-
bém na nova dimensão dos receptores, ou seja, do público.
Na segunda metade do século XVIII, o
processo de industrialização havia modifi-
akg-images/Ipress

cado as antigas relações econômicas, crian-


do na Europa uma nova forma de organiza-
ção política e social, que muito influenciaria
os tempos modernos. O grande marco des-
sas mudanças foi a Revolução Francesa, tão
exaltada pelos românticos de primeira hora.

n A pintura mostra a decapitação de Luís XVI,


guilhotinado em 21 de janeiro de 1793. Era o fim
do direito divino dos reis na França, que até
então concentravam todo o poder, e a ascensão
de uma nova classe social, a burguesia.

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Os esTiLOs de éPOCA dA RevOLUçãO indUsTRiAL à PRimeiRA GUeRRA: A POesiA dO ROmAnTismO CAPÍTULO 1

Almeida Garrett, romântico português de primeira hora, entendeu claramente o papel do escritor nesses
novos tempos:

“Este é um século democrático; tudo o que se fizer há-de ser pelo povo e com o povo... ou não se
faz. Os príncipes deixaram de ser, nem podem ser, Augustos. Os poetas fizeram-se cidadãos, toma-
ram parte na coisa pública como sua; querem ir, como Eurípedes e Sófocles, solicitar na praça os
sufrágios populares, não, como Horácio e Virgílio, cortejar no paço as simpatias de reais corações. As
cortes deixaram de ter Mecenas; os Médicis, Leão X, D. Manuel e Luís XIV já não são possíveis; não
tinham favores que dar nem tesouros que abrir ao poeta e ao artista.”
n Disponível em: <www.ipv.pt/millenium/ect8_vaness.htm>. Acesso em: 23 jan. 2013.

Estabelece-se, assim, a nítida distinção entre um conceito de arte, de artista e de público, segundo os valo-
res clássicos, que marcou os séculos XVI, XVII e parte do XVIII, e um novo conceito burguês, romântico, marcado
pelo individualismo, pelo apelo à imaginação, pelo nacionalismo, por uma liberdade formal e temática.
No período compreendido entre a Revolução Industrial e a Primeira Guerra, destacamos quatro grandes
estilos de época:
• Romantismo, que caracteriza a primeira metade do século XIX;
• Realismo/Naturalismo, que caracteriza a segunda metade do século XIX;
• Parnasianismo, que caracteriza a virada do século XIX para o século XX;
• Simbolismo, que também caracteriza a virada do século XIX para o século XX, desenvolvendo-se paralelamente
ao Parnasianismo.
A Primeira Guerra Mundial, a Revolução Russa (1917) e um intenso e multifacetado movimento artístico que
buscava a renovação das artes abrem as portas para a modernidade do século XX.

UMA NOVA SOCIEDADE, UM NOVO GOSTO, UM NOVO PÚBLICO


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///////////
ADE, ,
///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Reprodução/Arquivo da editora The Bridgeman Art Library/Keystone/Galeria Cristopher Wood, Londres, Inglaterra.

À esquerda, Bancas de livros às margens do Sena em 1843, tela de


William Parrot, que destaca a popularização da literatura, agora • Essa pintura permite inferir algumas
vendida em praça pública. À direita, Senhora lendo um livro num informações acerca de certos hábi-
jardim, de Frank Dicey, que exalta o livro como elemento do tos de leitura do século XIX. Quais
cotidiano, companheiro de todas as horas, e evidencia a mulher
informações você consegue obter?
como parcela importante de um novo público leitor.

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PARTe 3 TexTOs, ARTe e CULTURA

Bruno de Nogues/Stone/Getty Images

n A criação do Museu do Louvre, em Paris, foi proposta da Convenção de 1792 para incentivar as artes no período
pós-Revolução Francesa.

No primeiro quartel do século XIX esboçaram-se no Brasil condições para definir tanto o público
quanto o papel social do escritor em conexão estreita com o nacionalismo.
Decorre que os escritores, pela primeira vez, conscientes da sua realidade como grupo graças ao
papel desempenhado no processo da Independência e ao reconhecimento da sua liderança no setor
espiritual, vão procurar, como tarefa patriótica, definir conscientemente uma literatura mais ajustada às
aspirações da jovem pátria, favorecendo entre criador e público relações vivas e adequadas à nova fase.
A posição do escritor e a receptividade do público serão decisivamente influenciadas pelo fato da
[sic] literatura ser então encarada como algo a criar-se voluntariamente para exprimir a sensibilidade
nacional, manifestando-se como ato de brasilidade. [...] Se as edições dos livros eram parcas, e lentamente
esgotadas, a revista, o jornal, a tribuna, o recitativo, a cópia volante, conduziam as suas ideias ao público de
homens livres, dispostos a vibrar na grande emoção do tempo.
n CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1965. p. 95.

////////////////////////
O ROMANTISMO
///////////
///////////////////////////////////////////////

Ecos da Revolução Francesa em Portugal e no Brasil


A produção cultural e científica da segunda metade do século XVIII foi tão importante que ele ficou
conhecido como o Século das Luzes, numa referência ao conhecimento desenvolvido pelos intelectuais ilumi-
nistas. Os filósofos e artistas passaram a atacar o modelo monárquico feudal e a defender a liberdade e a
igualdade civil. Foi nesse ambiente que se preparou o terreno para a Revolução Francesa, ocorrida no final
desse mesmo século.
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Os esTiLOs de éPOCA dA RevOLUçãO indUsTRiAL à PRimeiRA GUeRRA: A POesiA dO ROmAnTismO CAPÍTULO 1

O liberalismo europeu ecoou por toda a Europa, balançando os governos absolutistas, e pela América,
influenciando os processos de independência ocorridos entre 1776 e 1825.
Reprodução/Acervo da Biblioteca do Congresso, Washington, EUA.

n Em 9 de julho de 1776, depois


de ouvir a primeira leitura
pública da Declaração de
Independência, nova -iorquinos
exaltados correm para o
Bowling Green e derrubam a
estátua do rei inglês, Jorge III,
para depois fundi -la e
transformá -la em 1800 quilos
de balas de chumbo.

No caso de Portugal e Brasil, o momento histórico que antecede a introdução do Romantismo é determi-
nado pelos valores da Revolução Francesa e pela expansão napoleônica, decisiva para a história dos dois países:
as tropas francesas invadem Portugal em novembro de 1807, o que levou a Família Real a transferir-se para o
Brasil, aqui chegando no início de 1808. Os anos que seguem, em Portugal, são de crise monitorada ora pelos
franceses invasores, ora pelos aliados ingleses, ora pela realeza instalada no Rio de Janeiro. Com a derrocada do
império napoleônico, em 1815, os liberais portugueses se organizam em busca de uma nova ordem e promovem
a Revolução Liberal do Porto, em 1820. Nas eleições que se seguiram, a burguesia obtém maioria e exige a volta
da Família Real, o que de fato ocorre em 1821. Os acontecimentos entre 1808 e 1820 foram acompanhados de
longe pelos principais artistas e pensadores portugueses que optaram por viver em Londres e Paris (ficaram
conhecidos como “os exilados”, entre eles, os escritores românticos do primeiro momento).

FiLmOTeCA
Divulgação/Arquivo da editora

Carlota Joaquina, A Princesa do Brazil (1995). Direção: Carla Camurati. Com Marieta
Severo e Marco Nanini.
Narrativa bastante caricatural sobre a instalação da corte portuguesa no Brasil, em 1808,
após a entrada das tropas de Napoleão em Portugal. Boas interpretações de Nanini, como
D.óJoão VI, e de Marieta, como sua mulher, Carlota Joaquina.
Filme interessante como contraponto a Memórias de um sargento de milícias, romance
que mostra a vida cotidiana do “povão” na mesma época.

Os marcos
Em Portugal
Considera-se o marco inicial do Romantismo português a publicação, em 1825, do poema Camões, escrito
por Almeida Garrett durante seu exílio em Paris; portanto, sob o impacto da vitória do liberalismo, do regresso
de D. João VI e da perda do Brasil, a maior e mais produtiva colônia portuguesa. O Romantismo se estende até
1865, quando eclode a famosa Questão Coimbrã, iniciando o Realismo.
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PARTe 3 TexTOs, ARTe e CULTURA

No Brasil
O Romantismo inicia-se no Brasil em 1836, quando Gonçalves de Magalhães publica, na França, a Niterói –
Revista Brasiliense e lança, no mesmo ano, um livro de poemas românticos intitulado Suspiros poéticos e saudades.
Portanto, os novos conceitos românticos são introduzidos no Brasil por um exilado quando o país vivia um
período regencial, ainda sob o impacto da abdicação de D. Pedro I.
O ano de 1881 é considerado marco final do Romantismo, quando são lançados os primeiros romances de
tendência naturalista e realista (O mulato, de Aluísio Azevedo, e Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado
de Assis), embora desde 1870 já ocorressem manifestações do pensamento realista na Escola de Recife, em
movimento liderado por Tobias Barreto.

As influências

Goethe (1749-1832)

Reprodução/Museu de Goethe, Frankfurt,


Alemanha.
Johann Wolfgang Goethe publicou, em 1774, o romance Os sofrimentos do jovem
Werther, verdadeiro marco do romance moderno. Narrado em primeira pessoa, como
um monólogo, trata-se de um romance epistolar, ou seja, é um romance estruturado
na troca de cartas entre o protagonista, Werther, e seu amigo, Guilherme (Wilhelm, no
alemão). O amor não correspondido por Carlota, a amada do jovem protagonista, e
que a rigor não mostrou em nenhum momento alimentar as expectativas
apaixonadas de Werther, provoca o suicídio do amante. Segundo Manuel Bandeira,
esse é um “romance passional, de cor violentamente romântica”.

Lord Byron (1788-1824)

Hulton Archive/Getty Images


Lord George Gordon Noel Byron, poeta inglês, cuja obra serviu como modelo
de ultrarromantismo. Daí falar-se em inspiração byroniana, geração byroniana.
Filho de família aristocrata em ruínas, sua curta vida (morreu aos 36 anos) cheia de
sobressaltos, turbulências e contradições é refletida na sua obra, que vai de um
lirismo delicado a um cinismo mordaz.

Victor Hugo (1802-1885)


Time Life Pictures/
Mansell/Getty Images

Victor Hugo, poeta, romancista e escritor francês, cuja obra, voltada para as
questões políticas e sociais de seu tempo, inspirou a última geração de românticos.
Daí falar-se em geração hugoana. Republicano convicto, defensor da liberdade e
das massas oprimidas, escreveu Notre-Dame de Paris (O corcunda de Notre-Dame) e
Os miseráveis.

BiBLiOTeCA

É muito difícil encontrar a obra de Lord Byron em português. Para informações biográficas e leitura de alguns poemas e contos, suge-
rimos o site <www.spectrumgothic.com.br/literatura/autores/byron.htm>. Acesso em: 22 jan. 2013.

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Os esTiLOs de éPOCA dA RevOLUçãO indUsTRiAL à PRimeiRA GUeRRA: A POesiA dO ROmAnTismO CAPÍTULO 1

ando
oc

tr
ideias
Vamos ler fragmentos teóricos dos dois poetas que marcaram o início do estilo no Brasil.

Lede
É um livro de poesias escritas segundo as impressões dos lugares; ora sentado entre as ruínas
da antiga Roma, meditando sobre a sorte dos impérios; ora no cimo dos Alpes, a imaginação vagan-
do no infinito como um átomo no espaço; ora na gótica catedral, admirando a grandeza de Deus e
os prodígios do cristianismo; ora entre os ciprestes que espalham sua sombra sobre túmulos; ora,
enfim, refletindo sobre a sorte da pátria, sobre as paixões dos homens, sobre o nada da vida. São
poesias de um peregrino, variadas como as cenas da natureza, diversas como as fases da vida, mas
que se harmonizam pela unidade do pensamento e se ligam como os anéis de uma cadeia; poesias
d’alma e do coração, e que só pela alma e o coração devem ser julgadas.
Quanto à forma, isto é, à construção, por assim dizer, material das estrofes e de cada cântico
em particular, nenhuma ordem seguimos, exprimindo as ideias como elas se apresentaram, para
não destruir o acento da inspiração; além de que a igualdade dos versos, a regularidade das rimas
e a simetria das estâncias produzem uma tal monotonia e dão certa feição de concertado artifício
que jamais podem agradar. Ora, não se compõe uma orquestra só com sons doces e frautados;
cada paixão requer sua linguagem própria, seus sons imitativos, e períodos explicativos.
Algumas palavras acharão neste livro que nos dicionários portugueses se não deparam;
mas as línguas vivas se enriquecem com o progresso da civilização e das ciências, e uma nova
ideia pede um novo termo.
Tu vais, ó livro, ao meio do turbilhão em que se debate nossa pátria; onde a trombeta da
mediocridade abala todos os ossos, e desperta todas as ambições; onde tudo está gelado, exce-
to o egoísmo: tu vais, como uma folha no meio da floresta batida pelos ventos do inverno, e
talvez tenhas de perder-te antes de ser ouvido, como um grito no meio da tempestade.
Vai; nós te enviamos cheios de amor pela pátria, de entusiasmo por tudo o que é grande e
de esperanças em Deus e no futuro.
Adeus!
Paris, julho de 1836
n MAGALHÃES, Gonçalves de. Lede (prefácio do livro de poesias Suspiros poéticos e saudades).
Disponível em: <http://objdigital.bn.br/Acervo_Digital/Livros_eletronicos/suspiros_poeticos.pdf>. Acesso em: 5 mar. 2010.

Prólogo
Dei o nome de Primeiros Cantos às poesias que agora publico, porque espero que não
serão as últimas.
Muitas delas não têm uniformidade nas estrofes, porque menosprezo regras de mera con-
venção; adotei todos os ritmos da metrificação portuguesa, e usei deles como me pareceram
quadrar melhor com o que eu pretendia exprimir.
Não têm unidade de pensamento entre si, porque foram compostas em épocas diversas
– debaixo de céu diverso – e sob a influência de impressões momentâneas.
Com a vida isolada que vivo, gosto de afastar os olhos de sobre a nossa arena política para ler
em minha alma, reduzindo à linguagem harmoniosa e cadente o pensamento que me vem de
improviso, e as ideias que em mim desperta a vista de uma paisagem ou do oceano – o aspecto
enfim da natureza. Casar assim o pensamento com o sentimento – o coração com o entendimento
– a ideia com a paixão – cobrir tudo isto com a imaginação, fundir tudo isto com a vida e com a
natureza, purificar tudo com o sentimento da religião e da divindade, eis a Poesia – a Poesia grande
e santa – a Poesia como eu a compreendo sem a poder definir, como eu a sinto sem a poder traduzir.
n DIAS, Gonçalves. Prólogo aos Primeiros Cantos. Disponível em: <http://virtualbooks.terra.com.br/freebook/port/primeiros_cantos.htm>. Acesso em: 5 mar. 2010.

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PARTe 3 TexTOs, ARTe e CULTURA

Em pequenos grupos, releiam atentamente os textos de Gonçalves de Magalhães e Gonçalves Dias,


mas agora com a postura de um historiador e crítico literário que se debruça sobre documentos e obras.
A tarefa é a seguinte: buscar, na concepção dos dois poetas, as principais características temáticas e
formais das primeiras gerações românticas. Por exemplo: “sentado entre as ruínas da antiga Roma, medi-
tando sobre a sorte dos impérios” pode ser interpretado como a negação do modelo clássico de cultura e
de dominação imperial (note o peso da palavra ruínas); “na gótica catedral, admirando a grandeza de Deus e
os prodígios do cristianismo” aponta para duas características: a religiosidade (observe a seleção vocabular:
grandeza, prodígios) e o medievalismo (note o valor do adjetivo gótica, que remete à Idade Média).
Apresentem para os colegas e professor(a) suas conclusões e comparem-nas com as características
encontradas pelos demais grupos.
Depois, quando chegarem a um consenso, relacionem as características no quadro e anotem-nas
no caderno.

As características românticas
O primeiro passo para tentar estabelecer as características românticas é entender o Romantismo como um
estilo de época delimitado no tempo, ou seja, como o período que se inicia nos últimos anos do século XVIII e se
estende até meados do século XIX. Nesse espaço de tempo, percebe-se nitidamente uma evolução no compor-
tamento dos autores românticos; a comparação entre os primeiros e os últimos representantes dessa escola
revela traços peculiares a cada fase, mas discrepantes entre si, como veremos nos textos reproduzidos adiante.
Inicialmente, romântico era tudo aquilo que se opunha a clássico. Os modelos da Antiguidade Clássica são
então substituídos pelos da Idade Média (notadamente de seus últimos séculos, que coincidem com o surgi-
mento da burguesia); a uma arte de caráter erudito e nobre opõe-se uma arte de caráter popular, que valoriza
o folclórico e o nacional; o indivíduo passa a ser o centro das atenções, voltando-se para a imaginação e para os
sentimentos, do que resulta uma interpretação subjetiva da realidade.
A arte romântica, ao romper as muralhas da corte e ganhar as ruas, liberta-se das exigências dos nobres que
financiavam a produção artística. As obras deixam de ter o caráter prático dos trabalhos de encomenda; o público
agora é amplo e anônimo, o que leva a uma nova linguagem na literatura, na pintura, na música, na arquitetura.
Um dos acontecimentos mais importantes relacionados ao Romantismo foi o surgimento de um novo
público consumidor, representado pelas mulheres e pelos estudantes; com isso, a literatura tornou-se mais
popular, o que não havia acontecido nos períodos anteriores. Surge o romance, forma mais acessível de expres-
são literária; o teatro ganha novo impulso, abandonando as formas clássicas e se inspirando em temas nacio-
nais (o teatro de Almeida Garrett, em Portugal, e o de Martins Pena, no Brasil, são bons exemplos). A prosa
artística ganha um espaço que sempre lhe fora negado nas manifestações clássicas.
Quanto ao aspecto formal, a literatura romântica se desvincula dos padrões e normas estéticas do
Classicismo; prevalece o “acento da inspiração”, como afirma Gonçalves de Magalhães. Repare como o “acento
da inspiração” pregado pelo poeta casa-se perfeitamente ao ideal romântico do individualismo, da expressão
subjetiva, do primado da emoção.
Quanto ao conteúdo, os românticos cultivavam o nacionalismo, que se manifestava na exaltação da natu-
reza pátria, no retorno ao passado histórico e na criação do herói nacional. Da exaltação do passado histórico
nasce o culto à Idade Média, que, além de representar as glórias e tradições do passado, assume o papel de
negar os valores da Antiguidade Clássica, como o paganismo. Os heróis nacionais das literaturas europeias são
belos e valentes cavaleiros medievais, que lutam por uma donzela, por Deus e pela pátria. Na literatura brasilei-
ra, os heróis são os índios, não menos belos, valentes e civilizados, como se pode observar em poemas de
Gonçalves Dias e nos romances de José de Alencar.
A natureza assume múltiplos significados: ora é uma extensão da pátria, ora é um refúgio à vida atribulada
dos centros urbanos do século XIX, ora é um prolongamento do próprio poeta e de seu estado emocional.
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Os esTiLOs de éPOCA dA RevOLUçãO indUsTRiAL à PRimeiRA GUeRRA: A POesiA dO ROmAnTismO CAPÍTULO 1

Outra característica marcante do Romantismo, e verdadeiro “cartão de visita” de todo o movimento, é o


sentimentalismo, a supervalorização das emoções pessoais: é o mundo interior que conta, o subjetivismo. E à
medida que essa busca dos valores pessoais se intensifica, com o culto do individualismo, perde-se a consciência
do todo, do coletivo, do social. A excessiva valorização do “eu” gera o egocentrismo: o ego como centro do uni-
verso. Evidentemente, surge aí um choque entre a realidade objetiva e o mundo interior do poeta. A derrota
inevitável do ego produz um estado de frustração e tédio, que leva à evasão romântica. Seguem constantes e
múltiplas fugas da realidade: o álcool, o ópio, as “casas de aluguel” (os prostíbulos), a saudade da infância, as
constantes idealizações da sociedade, do amor, da mulher. O romântico, enfim, foge no tempo e no espaço. Essas
fugas têm, no entanto, ida e volta, exceção feita à maior de todas as fugas românticas: a morte.
Já no final do Romantismo, desenvolve-se uma literatura de caráter mais social, a partir das transformações
econômicas, políticas e sociais que atingem toda a Europa (Segunda Revolução Industrial, publicação do
Manifesto do Partido Comunista, movimentos populares), como bem atesta o romance Os miseráveis, de Victor
Hugo, publicado em 1862. A literatura passa a refletir as grandes agitações, que, em Portugal, explodem na
famosa Questão Coimbrã; no Brasil, a luta abolicionista, a Guerra do Paraguai e o ideal republicano resultam na
poesia social de Castro Alves e em agitações nos centros acadêmicos (Faculdades de Direito de Recife e de São
Paulo). No fundo, era uma transição para o Realismo.

Texto e Intertexto
Texto 1

Ilustrações: Vera Basile/Arquivo da editora


Amar!
Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...
Amar! Amar! E não amar ninguém!
Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Texto 2
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente! Eu sei que vou te amar

Há uma Primavera em cada vida: Eu sei que vou te amar


É preciso cantá-la assim florida, Por toda a minha vida, eu vou te amar
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar! Em cada despedida, eu vou te amar
Desesperadamente
E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada Eu sei que vou te amar
Que seja a minha noite uma alvorada, E cada verso meu será
Que me saiba perder... pra me encontrar.... Pra te dizer que eu sei que vou te amar
n ESPANCA, Florbela. In: Obras completas de Florbela Espanca − v. II − Por toda a minha vida
Poesia (1918-1930). Lisboa: Dom Quixote, 1985. p. 189.
Eu sei que vou chorar
A cada ausência tua eu vou chorar
Mas cada volta tua há de apagar
O que esta ausência tua me causou
Eu sei que vou sofrer
A eterna desventura de viver
À espera de viver ao lado teu
Por toda a minha vida
n JOBIM, Tom; MORAIS, Vinícius de. In: Tom canta Vinícius (CD).
Biscoito Fino, 2000.

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PARTe 3 TexTOs, ARTe e CULTURA

Texto 3
Confronto
Bateu Amor à porta da Loucura. E exclama: “Entra correndo, o pouso é teu.
“Deixa-me entrar – pediu – sou teu irmão. Mais que ninguém mereces habitar
Só tu me limparás da lama escura minha casa infernal, feita de breu,
a que me conduziu minha paixão.”
enquanto me retiro, sem destino,
A Loucura desdenha recebê-lo, pois não sei de mais triste desatino
sabendo quanto Amor vive de engano, que este mal sem perdão, o mal de amar.”
mas estarrece de surpresa ao vê-lo, n ANDRADE, Carlos Drummond de. A paixão medida. 2. ed.
de humano que era, assim tão inumano. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1980. p. 43.

Sobre “Amar!”, responda em seu caderno:


1. Florbela de Alma da Conceição Espanca, considerada o maior nome feminino da poesia portuguesa, viveu entre
1894 e 1930. Portanto, cronologicamente, pertenceu ao movimento modernista português. Considerando as ideias
expostas no poema “Amar!”, como o eu poético se relaciona com o sentimento amoroso? Justifique sua resposta.
2. Observe o interessante trabalho que a poeta realiza com os pronomes nos dois últimos versos da primeira estrofe.
a) Como você classificaria os pronomes este, aquele e outro no contexto do poema? Justifique o emprego
das iniciais maiúsculas.
b) Que pronomes se opõem aos pronomes citados no item a?
3. O eu poético universaliza seu sentimento. Que palavras expressam isso?
4. Aponte três antíteses presentes no texto.
5. Assinale o verso em que a autora utiliza o recurso da gradação. Trata-se de uma gradação crescente ou decrescente?
6. Observe atentamente a pontuação do texto de Florbela Espanca. O que chama sua atenção? O que a pon-
tuação revela?

Sobre “Eu sei que vou te amar”:


7. Como se dá a interlocução em “Eu sei que vou te amar”? Quem são os interlocutores?
8. Qual é a diferença entre a situação apresentada na primeira estrofe para a situação da segunda estrofe?
Que verbo domina a primeira estrofe? E a segunda?
9. O ato de amar vem marcado por adjuntos adverbiais. Quais são? Que circunstâncias eles ressaltam?
10. Comparando a postura dos falantes dos textos 1 e 2 em relação ao ato de amar:
a) destaque uma passagem do texto 1 que se coloca em nítida oposição ao que é falado no texto 2;
b) diga de que maneira os dois textos se aproximam.

Sobre “Confronto”:
11. Faça uma descrição do trabalho formal dos três textos (tipo de poesia, estrofação, métrica, rima, etc.).
12. Explique o título “Confronto”.
13. Destaque um verso caracterizado por uma antítese.
14. Justifique o emprego de iniciais maiúsculas para o Amor e para a Loucura.
15. Comente a interlocução no poema de Drummond.
16. No segundo verso, o Amor afirma que é irmão da Loucura. Você concorda com essa afirmação? Justifique.
17. A Loucura, muito compreensiva, abandona sua própria casa para que nela viva o Amor. O que levou a
Loucura a esse procedimento?
18. Como você definiria o ato de amar em cada um dos textos?
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Os esTiLOs de éPOCA dA RevOLUçãO indUsTRiAL à PRimeiRA GUeRRA: A POesiA dO ROmAnTismO CAPÍTULO 1

veLHOs TemAs, nOvAs LeiTURAs

VICTOR HUGO E O ÚLTIMO DIA DE UM CONDENADO


Com o Romantismo, emerge o questionamento do conformismo e da imparcialidade; o artista
romântico ideal, regido pela sensibilidade e criatividade, é um sujeito crítico e indignado, que se
envolve em conflitos, manifestações políticas e lutas sociais; é um inadaptado ao mundo que o
cerca e visa transformá-lo. Lord Byron, por exemplo, morreu em 1824, enquanto lutava pela inde-
pendência da Grécia. Dessa forma, muitos literatos passaram a ser homens de ação pública, o que,
se por um lado, é motivo de admiração para muitos, por outro vai lhes valer perseguições e puni-
ções, normalmente por questões políticas ou por conduta considerada imprópria em relação à
moral vigente. Victor Hugo é um notório caso de artista envolvido com questões políticas e sociais
de seu tempo. Uma de suas primeiras lutas, quando ainda era um jovem escritor, foi contra a pena
de morte, por conta da qual escreveu, em 1829, o inovador romance O último dia de um condenado.
No prefácio à edição de 1832 desse romance, o escritor assume uma faceta de polemista para defen-
der suas ideias. A seguir, reproduzimos um trecho do texto.
“Os que julgam e condenam dizem que a pena de morte é necessária. Primeiro porque é impor-
tante subtrair da comunidade social um membro que já a lesou e poderia lesá-la novamente. Se se
tratasse apenas disso, a prisão perpétua bastaria. Para que a morte? Objetarão que se pode escapar
de uma prisão. Façam melhor a sentinela. Se não acreditam na solidez das grades de ferros, como
ousam ter zoológicos?
Nada de carrasco onde basta o carcereiro.
Mas, retorquirão, é preciso que a sociedade se vingue, que a sociedade puna. Nem uma coisa nem
outra. Se vingar é próprio do indivíduo, punir é de Deus.
A sociedade está entre os dois. O castigo está acima dela, e a vingança, abaixo. Nada de tão gran-
de ou de tão pequeno lhe convém. Ela não deve ‘punir para se vingar’; ela deve corrigir para melhorar.
Transformem dessa maneira a fórmula dos criminalistas, nós a compreenderemos e a ela aderiremos.
Resta a terceira e última razão, a teoria do exemplo. É preciso dar o exemplo! É preciso assustar
por meio do espetáculo do fim reservado aos criminosos, os que seriam tentados a imitá-los!
Eis aí quase textualmente a frase eterna de que todos os requisitórios dos quinhentos tribunais
da França são apenas variações mais ou menos sonoras. Pois bem! Negamos primeirameente que
haja aí exemplo. Negamos que o espetáculo dos suplícios produza o efeito esperado. Longe de edificar
o povo, ele o desmoraliza, e destrói toda sua sensibilidade, despedaçando qualquer virtude”.
n HUGO, Victor. O último dia de um condenado. Trad. Joana Canêdo.
São Paulo: Estação Liberdade, 2002. p. 177-178.

O texto de Victor Hugo deixa claro como a arte, em vez de um exercício diletante, está diretamente
ligada ao mundo que a cerca; mais interessante ainda é perceber, quase dois séculos depois, a atualidade
das ideias do escritor francês.
A partir dos argumentos de Victor Hugo, organizem, na sala de aula, um debate sobre a pena de
morte no mundo atual. Para esclarecer melhor as ideias, pesquisem novos argumentos – a favor e contra
– nos meios de comunicação, peçam a opinião de pessoas conhecidas e busquem informações acerca de
países onde ainda existe a pena de morte.

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PARTe 3 TexTOs, ARTe e CULTURA

NO
Questões de exames FAÇARNO!
CAD
E

1. (Uepa) Nas expressões artísticas brasileiras, há c) Gosto pela expressão dos sentimentos, sonhos e
marcas evidentes da estética do período Romântico, emoções que agitam o mundo interior do poeta;
quando, mesmo influenciados ainda pela Europa, abandono gradual da linguagem lusitana em
buscava-se uma identidade nacional, como pode- favor da brasileira, tanto no vocabulário quanto
mos ver na tela de Johann Moritz Rugendas e nos nas construções sintáticas.
fragmentos de poemas de Gonçalves Dias, transcri- d) Representação objetiva da sociedade como meio
tos abaixo: de crítica às instituições sociais decadentes

Reprodução/Uepa
(igreja, casamento); linguagem narrativa minu-
“Da tribo pujante, ciosa, acúmulo de detalhes para criar impressão
Que agora anda errante de realidade.
Por fado inconstante,
e) Necessidade de romper com velhas formas na
Guerreiros, nasci;
primeira fase do movimento, chocar o público
Sou bravo, sou forte,
com novas idéias; liberdade de criação como
Sou filho do Norte;
princípio fundamental, privilégio dado à
Meu canto de morte,
inspiração.
Guerreiros, ouvi.”
“Pelas ondas do mar sem limites 3. (UFV-MG) Assinale a alternativa falsa.
Basta selva, sem folhas, aí vem; a) O Romantismo, como estilo, não é modelado
Hartos troncos, robustos, gigantes; pela individualidade do autor; a forma predomi-
Vossas matas tais monstros contêm. na sempre sobre o conteúdo.
Traz embira dos cimos pendente b) O Romantismo é um movimento de expressão
– Brenha espessa de vário cipó – universal, inspirado nos modelos medievais e
Dessas brenhas contêm vossas matas, unificado pela prevalência de características
Tais e quais, mas com folhas; e só!” comuns a todos os escritores da época.
As marcas românticas, evidentes tanto na pintura c) O Romantismo, como Estilo de Época, consistiu,
de Johann Moritz Rugendas como nos fragmentos basicamente, num fenômeno estético-literá-
da poesia de Gonçalves Dias, são as seguintes: rio, desenvolvido em oposição ao intelectualis-
a) A idealização da figura do índio, o nacionalismo mo e à tradição racionalista e clássica do sé-
na valorização da paisagem tropical. culo XVIII.
b) A valorização de cenas típicas da vida rural, o d) O Romantismo, ou melhor, o espírito romântico,
registro da vida simples do povo, a busca do pode ser sintetizado numa única qualidade: a
modelo clássico greco-romano. imaginação. Pode-se creditar à imaginação a
capacidade extraordinária dos românticos de
c) O indianismo como influência neoclássica, a
criarem mundos imaginários.
valorização da paisagem exuberante, a presença
da religiosidade. e) O Romantismo caracterizou-se por um comple-
xo de características como o subjetivismo, o ilo-
d) Os costumes urbanos da corte, a sensualidade, o
gismo, o senso de mistério, o exagero, o culto da
sentimentalismo associado à busca da
natureza e o escapismo.
nacionalidade.
e) A presença de valores clássicos do Renascimen- 4. (UEL-PR) O Romantismo, graças à ideologia domi-
to, a busca do equilíbrio e da simplicidade na nante e a um complexo conteúdo artístico, social
valorização do tema social. e político, caracteriza-se como uma época propí-
2. (UFMT) Assinale a alternativa cujo enunciado
cia ao aparecimento de naturezas humanas mar-
cadas por:
caracteriza o Romantismo enquanto desenvolvi-
a) teocentrismo, hipersensibilidade, alegria, otimis-
mento temático e tratamento estilístico.
mo e crença na sociedade.
a) Observação da realidade marcada pelo senso
quase fatalista das forças naturais e sociais b) etnocentrismo, insensibilidade, descontração,
pesando sobre o homem; estilo nervoso, capaz otimismo e crença na sociedade.
de reproduzir o relevo das coisas e sublinhar c) egocentrismo, hipersensibilidade, melancolia,
com firmeza a ação dos homens. pessimismo, angústia e desespero.
b) Criação de uma realidade abstrata e intangível, d) teocentrismo, insensibilidade, descontração,
presa aos temas da morte e das paisagens vagas, angústia e desesperança.
impregnadas de misticismo e espiritualidade; e) egocentrismo, hipersensibilidade, alegria, des-
ritmos musicais, aliterativos e sinestésicos. contração e crença no futuro.

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2
A PoéTicA do RomAnTismo: AmoREs, Índios E condoREs cAPÍTulo 2

cAP Í T u l o 2

A poética do
Romantismo: amores,
índios e condores
Tudo pelo Brasil, e para o Brasil.
n Epígrafe da revista Niterói, publicada por Gonçalves de Magalhães.

Uma senhora brasileira em seu lar, de Jean-Baptiste Debret, 1834-1839. Litografia colorida à mão, 49 cm x 34 cm. Coleção particular.

n O cotidiano da aristocracia brasileira numa sociedade escravocrata foi um dos temas de Debret em sua
passagem pelo Brasil.

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PARTE 3 TExTos, ARTE E culTuRA

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//////////
ÀS VÉSPERAS DA INDEPENDÊNCIA, UM OLHAR EUROPEU
DÊNCIA,
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Em 1816, com o Brasil já formando o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve, D. João VI resolveu trazer para o
Rio de Janeiro um grupo de artistas estrangeiros para lecionar na recém‑criada Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios
(mais tarde transformada em Academia de Belas‑Artes e, com a proclamação da República, na Escola Nacional de
Belas‑Artes). Tal grupo recebeu a denominação Missão Artística Francesa e dele faziam parte Jean‑Baptiste Debret,
Nicolas‑Antoine Taunay (avô do escritor Afonso de Taunay, autor de Inocência) e o arquiteto Grandjean de Montigny,
entre outros. A Missão Artística Francesa abriu as portas do Brasil para outros europeus, que, à semelhança dos via‑
jantes do século XVI, ficavam fascinados com a flora, a fauna e as gentes do mundo tropical.

• O que mais chama sua atenção no quadro da abertura deste capítulo e na tela abaixo? Por quê?

A PinTuRA
Coleção particular

Jean-Baptiste Debret (1768-1848)


retratou, em desenhos e aqua-
relas, a vida cotidiana das várias
camadas da população brasileira,
notadamente do Rio de Janeiro.
Dizem que Debret, andando pelas
ruas da antiga capital, anotava
tudo que via: a vida comercial, a
vida doméstica das famílias bran-
cas, as relações entre senhores e
escravos, o trabalho escravo, os
castigos sofridos pelos negros −
como é o caso da obra repro-
duzida.
Johann Moritz Rugendas/Coleção particular

A partir de 1821, o pintor e desenhis-


ta alemão Johann Moritz Rugendas
(1802-1858) viajou por várias regiões
do Brasil, fixando aspectos da paisa-
gem, tipos humanos, usos e costu-
mes e atividades econômicas, como
bem exemplifica a imagem ao lado,
em que se vê um engenho de cana-de-
-açúcar, com destaque para a moenda
(notar a quantidade de detalhes: os
negros manipulando a cana, a escra-
va puxando o burro, três vacas e uma
cabra atravancando o espaço, o casal
branco num patamar mais alto – o ho-
mem dando as ordens. No canto supe-
rior direito, equilibrando a compo-
sição, uma árvore típica da Mata
Atlântica).

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A PoéTicA do RomAnTismo: AmoREs, Índios E condoREs cAPÍTulo 2

O Morro de Santo Antônio no Rio de Janeiro, de Nicolas-Antoine Taunay, óleo sobre tela (45 x 56,5 cm).
Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro.

Nicolas-Antoine Taunay (1755-


-1830) nasceu em Paris e veio
para o Brasil liderando a Missão
Francesa, em 1816, numa situa-
ção ambígua: o artista era segui-
dor de Napoleão e, com a queda
do imperador, teve de partir para
o exílio; curiosamente, pediu em-
prego à Coroa portuguesa, que
estava no Rio de Janeiro fugida
da invasão napoleônica. Profun-
damente impressionado com a
paisagem carioca, produziu telas
de delicado cromatismo, como é o
caso dessa obra, em que há uma
nítida oposição entre a metade
superior, de tons claros, e a meta-
de inferior, de tons mais escuros.
O Rio de Janeiro representado por
Taunay é europeizado, com raros
escravos circulando pelas ruas.
Floresta Virgem, de Charles Othon Frédéric Jean-Baptiste, Conde de Clarac,
óleo sobre tela (53 x 75 cm), Coleção Aluizio de Rebelo Araujo e Ana Helena Americano Araujo.

Charles Othon Frédéric Jean-Baptiste, Conde de Clarac (1777-1847) esteve no Brasil em 1816 e
retratou algumas paisagens tropicais que o impressionaram pela riqueza da flora e da fauna, como é
o caso dessa floresta, de intenso cromatismo. O naturalista alemão Alexander von Humboldt
considerava esse trabalho do Conde de Clarac como a mais fiel representação da natureza tropical.

• Em sua opinião, como a natureza é caracterizada em cada uma dessas telas? Como os pintores a
representaram?

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PARTE 3 TExTos, ARTE E culTuRA

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//////////
AS GERAÇÕES POÉTICAS DO ROMANTISMO BRASILEIRO
AS Ç
/////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

As características do início do Romantismo são, em alguns casos, bastante distintas daquelas encontradas
no final do movimento, pois no decorrer do período houve uma nítida mudança no comportamento dos autores:
há semelhanças entre aqueles de uma mesma fase, mas a comparação entre os primeiros e os últimos
representantes do período revela profundas diferenças. No caso brasileiro, por exemplo, há uma distância
considerável entre a poesia de Gonçalves Dias e a de Castro Alves. Por isso, podemos reconhecer três gera‑
ções poéticas no Romantismo brasileiro: a geração nacionalista ou indianista, a geração “mal do século” e a
geração condoreira.
Museu Hermitage, São Petersburgo, Rússia

n A tela Duelo após um baile de


máscaras (óleo sobre tela), 1857,
do francês Jean Léon Gérome
(1824 ‑1904), retrata uma cena
bem ao gosto do imaginário
romântico, carregada de
dramaticidade: como o título da
obra indica, temos o desfecho de
um duelo após um baile de
máscaras (o Pierrô mortalmente
ferido compõe uma trágica pietá;
o Arlequim, também ferido, é
carregado por seus padrinhos.
EíaíColombina, onde estará?).
Observe a íntima relação entre
aícena e a paisagem circundante,
a natureza que serve de cenário
eías emoções dos personagens.

Primeira geração – geração nacionalista ou indianista


Foi marcada pela exaltação da natureza, a volta ao passado histórico, o medievalismo e a criação do herói
nacional na figura do indígena, de onde surgiu a denominação "geração indianista". O sentimentalismo e a
religiosidade são outras características presentes. Entre os principais autores destacam‑se Gonçalves Dias,
Gonçalves de Magalhães e Araújo Porto Alegre.

Segunda geração – geração do mal do século


Fortemente influenciada pela poesia de Lord Byron e de Musset, é também chamada de "geração byro‑
niana". Impregnada de egocentrismo, negativismo boêmio, pessimismo, dúvida, desilusão adolescente e
tédio constante – características do ultrarromantismo, o verdadeiro mal do século –, seu tema preferido é a
fuga da realidade, que se manifesta na idealização da infância, nas virgens sonhadas e na exaltação da
morte. Os principais poetas dessa geração foram Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Junqueira Freire e
Fagundes Varela.

Terceira geração – geração condoreira


Caracterizada pela poesia social e libertária, reflete as lutas internas da segunda metade do reinado de
D. Pedro II. Essa geração sofreu intensamente a influência de Victor Hugo e de sua poesia político‑social, daí
ser conhecida como "geração hugoana". O termo condoreirismo deriva do símbolo de liberdade adotado pelos
jovens românticos: o condor, águia que habita o alto da cordilheira dos Andes. Seu principal representante foi
Castro Alves, seguido por Sousândrade.
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A PoéTicA do RomAnTismo: AmoREs, Índios E condoREs cAPÍTulo 2

Lendo os textos
Texto 1 Texto 3
Crioula! o teu seio escuro Pálida à luz da lâmpada sombria,
Nunca deste ao beijo impuro! Sobre o leito de flores reclinada,
Luzidio, firme, duro, Como a lua por noite embalsamada,
Guardaste p’ra um nobre amor. Entre as nuvens do amor ela dormia!
Negra Diana selvagem,
Era a virgem do mar, na escuma fria
Que escutas sob a ramagem
Pela maré das águas embalada!
As vozes – que traz a aragem
Era um anjo entre nuvens d’alvorada
Do teu rijo caçador!...
Que em sonhos se banhava e se esquecia!
Salve, Amazona guerreira!
Era mais bela! o seio palpitando...
Que nas rochas da clareira,
Negros olhos as pálpebras abrindo...
– Aos urros da cachoeira
Formas nuas no leito resvalando...
Sabes bater e lutar...
Salve! – nos cerros erguido Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Ninho, onde em sono atrevido, Por ti – as noites eu velei chorando,
Dorme o condor... e o bandido! Por ti – nos sonhos morrerei sorrindo!
A liberdade... e o jaguar!
1. Que contexto social revela o texto 1? A que gera‑
ção romântica pertence? Justifique a resposta
com elementos tirados do próprio texto.
Texto 2
Ó Guerreiros da Taba sagrada,
2. Os versos do texto 2 caracterizam qual geração
romântica? Justifique a resposta.
Ó Guerreiros da Tribo Tupi,
Falam Deuses nos cantos do Piaga, 3. O texto 3 pertence a qual geração romântica?
Ó Guerreiros, meus cantos ouvi. Justifique, apontando com palavras ou frases do
próprio texto características que comprovem a
resposta.

//////////////////////
A PRODUÇÃO POÉTICA DO ROMANTISMO BRASILEIRO
///////////
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A poesia multifacetada de Gonçalves Dias

Gonçalves Dias
Reprodução/Coleção particular

Antônio Gonçalves Dias (1823 ‑1864) é o mais importante poeta da primeira


geração romântica. Considerando ‑se uma espécie de síntese do brasileiro (seu pai
era português e sua mãe era uma maranhense filha de negro e índio), em sua obra
há poemas que exaltam os negros, o homem medieval português e, com especial
destaque, os índios.

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PARTE 3 TExTos, ARTE E culTuRA

“Meu canto de morte, Guerreiros ouvi”


Gonçalves Dias foi o responsável pela consolidação do Romantismo no Brasil. De fato, o poeta mara‑
nhense trabalhou de forma brilhante todos os temas iniciais do Romantismo, como o indianismo, a nature‑
za pátria (“Minha terra tem palmeiras / onde canta o sabiá”), a religiosidade, o medievalismo (deixou‑nos as
Sextilhas do frei Antão, poemas escritos em português arcaico), o sentimentalismo (“Casar o pensamento
com o sentimento, a ideia com a paixão”, pregava ele), o espírito de brasilidade. Merece destaque a perfeição
formal e rítmica de seus poemas, com a utilização dos vários recursos da métrica, da rima, da musicalidade,
como se percebe nos versos seguintes de “I‑Juca Pirama”, escritos em redondilha menor:
Da tribo pujante,
Meu canto de morte, Que agora anda errante
Guerreiros, ouvi: Por todo inconstante,
Sou filho das selvas, Guerreiros, nasci:
Nas selvas cresci; Sou bravo, sou forte,
Guerreiros, descendo Sou filho do Norte;
Da tribo tupi. Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.
Além de I‑Juca Pirama, destacam‑se os poemas indianistas Marabá, Canção do tamoio, O canto do
piaga, Leito de folhas verdes e o poema épico inacabado Os timbiras.

A representação romântica do índio


Durante o período colonial, a relação com os colonizadores portugueses foi desastrosa para os povos
indígenas. Na época da independência do Brasil, a população nativa já caíra drasticamente em número.
Muitas tribos haviam se acabado, as doenças tinham varrido grupos inteiros, outros foram exterminados
por serem “bravios”; a escravidão dos nativos, contida desde o século XVI e proibida em meados do XVIII,
era uma mácula difícil de apagar. Para grande parte da população brasileira que vivia nas regiões litorâ‑
neas no século XIX, os indígenas eram espectros que pairavam distantes, embrenhados no sertão alto. No
campo literário, apesar disso, ou exatamente por
isso, foi a imagem do indígena – após passar por
Marabá, de Rodolfo Amoedo, 1882. Óleo sobre tela,120,8 cm x 171,5 cm.
Museu de Belas Artes. Rio de Janeiro, RJ.
um trato civilizatório, ser enobrecido e aproxi‑
mado da figura do branco e da cultura europeia
– que passou a simbolizar a nacionalidade brasi‑
leira. Além de ser marca da originalidade nacio‑
nal, representação das raízes exóticas e da
pujança da natureza do Brasil, esse indígena
fictício e transformado em herói era uma alter‑
nativa de identidade nacional para as elites
luso‑brasileiras; afinal, em um país independen‑
te e estruturado sob o regime de trabalho escra‑
vocrata, era preciso se diferenciar do português n Os versos de Gonçalves Dias inspiraram Rodolfo Amoedo
colonizador e, ao mesmo tempo, do negro cativo. na composição da tela Marabá (em tupi, marabá é o
O indígena romântico, a alegoria do Império nome dado aos mestiços de índios com brancos). A bela
mestiça, imaginada pelo poeta branca como os lírios,
brasileiro, a memória inventada, vêm à frente de
com olhos cor de safira, e, pelo pintor, morena de
todo um conjunto de representações acadêmicas cabelos e olhos negros, expressa melancolia e solidão
que vão marcar o Brasil independente. por ser rejeitada por seus irmãos índios.

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A PoéTicA do RomAnTismo: AmoREs, Índios E condoREs cAPÍTulo 2

Lendo os textos
Texto 1

Leito de folhas verdes

Por que tardas, Jatir, que tanto a custo


À voz do meu amor moves teus passos?
Da noite a viração1, movendo as folhas,
Já nos cimos do bosque rumoreja. Sejam vales ou montes, lago ou terra,
Onde quer que tu vás, ou dia ou noite,
Eu sob a copa da mangueira altiva
Vai seguindo após ti meu pensamento;
Nosso leito gentil cobri zelosa
Outro amor nunca tive: és meu, sou tua!
Com mimoso tapiz2 de folhas brandas,
Onde o frouxo luar brinca entre flores. Meus olhos outros olhos nunca viram,
Não sentiram meus lábios outros lábios,
Do tamarindo a flor abriu‑se, há pouco,
Nem outras mãos, Jatir, que não as tuas
Já solta o bogari3 mais doce aroma!
A arazoia5 na cinta me apertaram.
Como prece de amor, como estas preces,
No silêncio da noite o bosque exala. Do tamarindo a flor jaz entreaberta,
Já solta o bogari mais doce aroma
Brilha a lua no céu, brilham estrelas,
Também meu coração, como estas flores,
Correm perfumes no correr da brisa,
Melhor perfume ao pé da noite exala!
A cujo influxo mágico respira‑se
Um quebranto4 de amor, melhor que a vida! Não me escutas, Jatir! nem tardo acodes
À voz do meu amor, que em vão te chama!
A flor que desabrocha ao romper d’alva
Tupã6! lá rompe o sol! do leito inútil
Um só giro do sol, não mais, vegeta:
A brisa da manhã sacuda as folhas!
Eu sou aquela flor que espero ainda
n DIAS, Gonçalves. Obras poéticas de Antônio Gonçalves Dias.
Doce raio do sol que me dê vida. São Paulo: Nacional, 1944. v. 2. p. 16.

1 viração: vento fresco e suave, brisa marinha. 4 quebranto: feitiço; estado de relaxamento, de calma.

2 tapiz: tapete. 5 arazoia: saiote de penas usado pelas mulheres indígenas.

3 bogari: arbusto da família dos jasmins; produz flores brancas e 6 Tupã: divindade suprema na mitologia dos índios tupis.
muito perfumadas.

1. Comente o aspecto formal do poema.


2. Caracterize o eu poético e seu interlocutor.
3. Comente como os elementos tempo e espaço são trabalhados no poema.
4. A natureza desempenha papel fundamental na poética romântica: o eu poético ora vê a paisagem
como extensão de seu estado emocional, ora deixa‑se influenciar pelo aspecto do ambiente. São
comuns as metáforas com elementos da natureza, como ocorre no poema de Gonçalves Dias.
Identifique a principal metáfora relacionando personagem e natureza.

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PARTE 3 TExTos, ARTE E culTuRA

Texto 2
Se se morre de amor
(fragmento)

Se se morre de amor! – Não, não se morre,


Quando é fascinação que nos surpreende
De ruidoso sarau1 entre os festejos; Amor é vida; é ter constantemente
Quando luzes, calor, orquestra e flores Alma, sentidos, coração – abertos
Assomos de prazer nos raiam n’alma, Ao grande, ao belo; é ser capaz d’extremos,
Que embelezada e solta em tal ambiente D’altas virtudes, té capaz de crimes!
No que ouve, e no que vê prazer alcança! Compreender o infinito, a imensidade,
E a natureza e Deus; gostar dos campos,
Simpáticas feições, cintura breve,
D’aves, flores, murmúrios solitários;
Graciosa postura, porte airoso2,
Buscar tristeza, a soledade4, o ermo5,
Uma fita, uma flor entre os cabelos,
E ter o coração em riso e festa;
Um quê mal definido, acaso podem
E à branda festa, ao riso da nossa alma
Num engano d’amor arrebatar‑nos.
Fontes de pranto intercalar sem custo;
Mas isso amor não é; isso é delírio
Conhecer o prazer e a desventura
Devaneio, ilusão, que se esvaece3
No mesmo tempo, e ser no mesmo ponto
Ao som final da orquestra, ao derradeiro
O ditoso, o misérrimo6 dos entes:
Clarão, que as luzes no morrer despedem:
Isso é amor, e desse amor se morre!
Se outro nome lhe dão, se amor o chamam,
n DIAS, Gonçalves. Obras poéticas de Antônio Gonçalves Dias.
D’amor igual ninguém sucumbe à perda. São Paulo: Nacional, 1944. v. 1. p. 358.

1 sarau: festa noturna. 4 soledade: solidão.

2 airoso: esbelto, elegante, delicado. 5 ermo: lugar deserto.

3 esvaece: do verbo esvaecer; apaga, dissipa. 6 misérrimo: superlativo absoluto sintético de mísero.

1. Pode‑se separar o texto em duas partes distintas: de um lado, as duas primeiras estrofes; de outro,
a terceira. Que tipo de sentimento distingue cada parte? Como o poeta as caracteriza? Utilize o texto
para comprovar sua resposta.

2. Considerando que antítese é a figura pela qual se evidencia a oposição entre duas ou mais palavras
ou ideias, aponte no texto três exemplos de antíteses.

3. Em um dos famosos sonetos de Camões é dito que o Amor “é um contentamento descontente”.


Destaque os versos do poema em que se faz colocação semelhante.

4. O comportamento contraditório caracteriza a fascinação ou o amor? O que justifica esse comporta‑


mento evidenciado em vários poemas românticos?

5. Você concorda com a ideia contida na expressão “buscar tristeza”? Vale a pena?
(Pena – do grego poiné: “castigo”, “punição”, “sofrimento”, “padecimento”.)

6. Afinal, segundo o poeta, o que mata e o que não mata? Morre‑se ou não de amor?

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A PoéTicA do RomAnTismo: AmoREs, Índios E condoREs cAPÍTulo 2

Texto e Intertexto
Canção do exílio Sabiá
Minha terra tem palmeiras, Vou voltar
Onde canta o Sabiá; Sei que ainda vou voltar
As aves que aqui gorjeiam, Para o meu lugar
Não gorjeiam como lá. Foi lá e é ainda lá
Nosso céu tem mais estrelas, Que eu hei de ouvir cantar
Nossas várzeas têm mais flores, Uma sabiá
Nossas flores têm mais vida, Vou voltar
Nossa vida mais amores. Sei que ainda vou voltar
Em cismar sozinho, à noite, Vou deitar à sombra
Mais prazer encontro eu lá; De uma palmeira
Minha terra tem palmeiras, Que já não há
Onde canta o Sabiá. Colher a flor
Que já não dá
Minha terra tem primores,
E algum amor
Que tais não encontro eu cá;
Talvez possa espantar
Em cismar – sozinho, à noite –
As noites que eu não queria
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras, E anunciar o dia
Onde canta o Sabiá. Vou voltar
Não permita Deus que eu morra Sei que ainda vou voltar
Sem que eu volte para lá; Não vai ser em vão
Sem que desfrute os primores Que fiz tantos planos
Que não encontro por cá; De me enganar
Sem qu’inda aviste as palmeiras, Como fiz enganos
Onde canta o Sabiá. De me encontrar
Coimbra, julho, 1843 Como fiz estradas
n DIAS, Gonçalves. Obras poéticas de Antônio Gonçalves Dias. De me perder
São Paulo: Nacional, 1944. t. I. p. 21‑22.
Fiz de tudo e nada
De te esquecer
Uma canção
Vou voltar
Minha terra não tem palmeiras...
Sei que ainda vou voltar
E em vez de um mero sabiá,
Para o meu lugar
Cantam aves invisíveis
Foi lá e é ainda lá
Nas palmeiras que não há.
Que eu hei de ouvir cantar
Minha terra tem relógios, Uma sabiá
Cada qual com a sua hora n JOBIM, Antônio Carlos; HOLLANDA, Chico Buarque de.
Disponível em: <www.chicobuarque.com.br/
Nos mais diversos instantes... construcao/index.html>. Acesso em: 26 jan. 2013.
Mas onde o instante de agora?

Mas onde a palavra “onde”?


Terra ingrata, ingrato filho,
Sob os céus da minha terra
Eu canto a Canção do Exílio! Vera Basile/Arquivo da editora

n QUINTANA, Mário. Apontamentos de história sobrenatural.


Porto Alegre: Globo; IEL/SEC: Rio Grande do Sul, 1976. p. 117.

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PARTE 3 TExTos, ARTE E culTuRA

1. Faça a escansão dos seguintes versos: “Minha terra tem palmeiras” e “Cantam aves invisíveis”. Que relação
pode ser estabelecida entre a métrica utilizada e o título dos poemas?

2. Sobre a “Canção do exílio”:


a) Aponte um aspecto temático da poesia lírica de Gonçalves Dias que se destaca no texto.
b) Onde é lá? E cá?

3. Sobre “Uma canção”:


a) Onde se encontra o eu poético?
b) O que está sendo relativizado nas duas interrogações introduzidas pela conjunção adversativa mas?

4. Anáfora é uma figura de construção que consiste na repetição integral ou parcial de um verso. Aponte
ocorrências de anáfora no texto “Sabiá”. Que ideia está sendo reiterada?

5. Nos versos “Fiz de tudo e nada / De te esquecer”, da canção “Sabiá”, identifique o referente do pronome te.
6. Os poemas apresentam duas noções de exílio distintas. Relacione‑as às acepções encontradas no Dicionário
Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa:

“Exílio /z/ s.m. 1. ato ou efeito de exilar 2. expatriação forçada ou por livre escolha; degredo 3. por
metonímia lugar em que vive o exilado 4. sentido figurado lugar longínquo, afastado, remoto
5. sentido figurado isolamento do convívio social; solidão”

7. Poderíamos afirmar que os textos românticos são mais nacionalistas do que os modernistas? Justifique.

A dupla face da poesia de Álvares de Azevedo

Álvares de Azevedo

Spleen et idéal, 1896, de Carlos Schwabe


Manuel Antônio Álvares de Azevedo (1831 ‑1852)
representa o ponto alto da segunda geração romântica
no Brasil, produzindo uma obra influenciada por Byron –
de quem foi leitor assíduo –
e por Musset – de quem
Reprodução/Coleção particular

herdou as características do
spleen (o sarcasmo, a
autoironia). Desenvolveu
intensa produção literária;
em razão de sua morte
prematura, aos 20 anos, a
maior parte dessa produção
foi publicada postumamente.

n Spleen et idéal (1896), tela do pintor alemão Carlos Schwabe.


A origem da aplicação do termo spleen na literatura é curiosa. Essa
palavra inglesa significa “baço”, órgão ao qual era atribuída, no
século XIX, a propriedade de determinar o estado melancólico ou
depressivo de um indivíduo. Por extensão, passou a significar
ainda “mau humor”, “melancolia”, tornando ‑se depois o nome de
um comportamento típico dos jovens seguidores da vertente
ultrarromântica, também conhecida como mal do século.
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A PoéTicA do RomAnTismo: AmoREs, Índios E condoREs cAPÍTulo 2

“Foi poeta – sonhou – e amou na vida.”


Álvares de Azevedo foi responsável pelos contornos definitivos do mal do século em nossa literatura;
seus poemas falam de morte e de amor, este sempre idealizado, irreal, impregnado de imagens de donzelas
ingênuas, filhas do céu, mulheres misteriosas, vultos que habitam seus sonhos adolescentes, mas nunca se
materializam. Daí a frustração, o sofrimento e a dor, só acalmada pela lembrança da mãe e da irmã.
A morte foi presença constante: o falecimento prematuro de seu irmão, a morte de colegas de faculda‑
de, a “dor no peito” que cedo o levaria. E é essa presença da morte, numa contradição compreensível, que
mais lhe atiça a vontade de viver. Cumpre salientar, entretanto, que na poesia de Álvares de Azevedo a morte
também assume a conotação de fuga, pela sensação de impotência diante de um mundo conturbado.
O livro de poemas Lira dos vinte anos revela‑nos uma duplicidade do jovem Álvares de Azevedo: de um lado,
o poeta meigo, dócil, angelical; de outro, o satânico, corrosivo, que tanto ironiza os outros como a si mesmo. Ele
próprio o dividiu em três partes, abrindo a segunda com um prefácio ao mesmo tempo didático e revolucionário:
“Cuidado, leitor, ao voltar esta página!
Aqui dissipa‑se o mundo visionário e platônico. Vamos 1 Em sua última produção, A tempestade, William
entrar num mundo novo, terra fantástica, verdadeira ilha Shakespeare explora a oposição entre Ariel e
Baratária de D. Quixote, onde Sancho é rei [...]. Caliban. Na peça do dramaturgo inglês, Ariel é
apresentado como “gênio aéreo” e representa o
Quase que depois de Ariel esbarramos em Caliban1. bem, o sagrado, a beleza; Caliban, apresentado
A razão é simples. É que a unidade deste livro funda‑se como “ser disforme e selvagem” representa o
numa binomia. Duas almas que moram nas cavernas de um mal, o profano, a escuridão (o nome Caliban
seria um anagrama de “canibal”). Álvares de
cérebro pouco mais ou menos de poeta escreveram este livro, Azevedo retirou daí suas referências para
verdadeira medalha de duas faces.” explicar a dupla face de seus escritos.

Noite na taverna, livro de contos fantásticos, constitui um dos mais significativos exemplos da lite‑
ratura mal do século. É um livro em prosa, em que seis estudantes, bêbados, narram suas aventuras mais
estranhas: são histórias marcadas por sexo, bacanais, incestos, assassinatos, traições, mistérios e morte.
O poeta fez uma “tentativa para o teatro” com um drama intitulado Macário, obra confusa, como afirma
o próprio autor: “esse drama é apenas uma inspiração confusa, rápida, que realizei à pressa, como um pintor
febril e trêmulo”. O texto nos apresenta um jovem chamado Macário, estudante de Direito, poeta, que vive uma
dualidade: ora irônico e macabro, ora meigo e sentimental – ou seja, o próprio Álvares, anjo e demônio.

Lendo os textos
Ideias íntimas
(fragmento)

Oh! ter vinte anos sem gozar de leve Seminua, abatida, a mão no seio,
A ventura de uma alma de donzela! Perfumada visão romper a nuvem,
E sem na vida ter sentido nunca Sentar‑se junto a mim, nas minhas pálpebras
Na suave atração de um róseo corpo O alento fresco e leve como a vida
Meus olhos turvos se fechar de gozo! Passar delicioso... Que delírios!
Oh! nos meus sonhos, pelas noites minhas Acordo palpitante... inda a procuro;
Passam tantas visões sobre meu peito! Embalde3 a chamo, embalde as minhas lágrimas
Palor1 de febre meu semblante cobre, Banham meus olhos, e suspiro e gemo...
Bate meu coração com tanto fogo!
Um doce nome os lábios meus suspiram, 1 palor: palidez.
Um nome de mulher... e vejo lânguida2 2 lânguida: sem força, sem energia, fraca.

No véu suave de amorosas sombras 3 embalde: inutilmente, em vão.

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PARTE 3 TExTos, ARTE E culTuRA

Imploro uma ilusão... tudo é silêncio! Eu sou tão infeliz, eu sofro tanto!
Só o leito deserto, a sala muda! Nunca virás iluminar meu peito
Amorosa visão, mulher dos sonhos, Com um raio de luz desses teus olhos?
n AZEVEDO, Álvares de. Disponível em: <www.bibvirt.futuro.usp.br>.
Acesso em: 25 jan. 2013.

1. O texto apresenta basicamente três partes: a realidade, o sonho e novamente a realidade.


Aponte o início e o fim de cada uma das partes.

2. Assinale todas as palavras que têm sentido de negação. Elas caracterizam quais partes?
3. Compare as duas partes relativas à realidade com a parte relacionada ao sonho.
4. Caracterize a mulher com que sonha o poeta.
5. A partir do texto “Ideias íntimas”, comente a trajetória típica do autor byroniano, da idealização
à frustração.

Lembrança de morrer

ra
ito
ed
(fragmentos)

da
vo
ui
rq
/A
Quando em meu peito rebentar‑se a fibra

ile
as
aB
Que o espírito enlaça à dor vivente,

r
Ve
[…]
Não derramem por mim nem uma lágrima
Em pálpebra demente. Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Se um suspiro nos seios treme ainda
E nem desfolhem na matéria impura É pela virgem que sonhei... que nunca
A flor do vale que adormece ao vento: Aos lábios me encostou a face linda!
Não quero que uma nota de alegria
Se cale por meu triste passamento. […]

Eu deixo a vida como deixa o tédio Beijarei a verdade santa e nua,


Do deserto, o poento caminheiro Verei cristalizar‑se o sonho amigo...
– Como as horas de um longo pesadelo Ó minha virgem dos errantes sonhos,
Que se desfaz ao dobre de um sineiro. Filha do céu, eu vou amar contigo!

[…] Descansem o meu leito solitário


Na floresta dos homens esquecida,
Só levo uma saudade – é dessas sombras À sombra de uma cruz, e escrevam nela
Que eu sentia velar nas noites minhas... Foi poeta – sonhou – e amou na vida.
De ti, ó minha mãe, pobre coitada
n AZEVEDO, Álvares de. Disponível em: <www.bibvirt.futuro.usp.br>.
Que por minha tristeza te definhas! Acesso em: 25 jan. 2013.

1. Quais são os indicadores gramaticais do pessoalismo do texto?


2. Aponte três características da segunda geração romântica presentes no poema apresentado.
3. Releia a terceira estrofe e responda: com que sensação o eu lírico deixa a vida?
4. Em “Lembrança de morrer”, como se concretiza o sonho do poeta?
5. Você concorda com o epitáfio (inscrição fúnebre) sugerido pelo poeta para ele mesmo? Justifique
sua resposta.

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A PoéTicA do RomAnTismo: AmoREs, Índios E condoREs cAPÍTulo 2

É ela! É ela!
É ela! é ela! – murmurei tremendo, Oh! De certo ... (pensei) é doce página
E o eco ao longe murmurou – é ela!... Onde a alma derramou gentis amores!...
Eu a vi... minha fada aérea e pura, São versos dela... que amanhã decerto
A minha lavadeira na janela!. Ela me enviará cheios de flores...

Dessas águas‑furtadas onde eu moro Tremo de febre! Venturosa folha!


Eu a vejo estendendo no telhado Quem pousasse contigo neste seio!
Os vestidos de chita, as saias brancas... Como Otelo beijando a sua esposa,
Eu a vejo e suspiro enamorado! Eu beijei‑a a tremer de devaneio...

Esta noite eu ousei mais atrevido É ela! é ela! – repeti tremendo,


Nas telhas que estalavam nos meus passos Mas cantou nesse instante uma coruja...
Ir espiar seu venturoso sono, Abri cioso a página secreta...
Vê‑la mais bela de Morfeu nos braços! Oh! meu Deus! era um rol de roupa suja!

Como dormia! que profundo sono!... Mas se Werther morreu por ver Carlota
Tinha na mão o ferro do engomado... Dando pão com manteiga às criancinhas,
Como roncava maviosa e pura! Se achou‑a assim mais bela... eu mais te adoro
Quase caí na rua desmaiado! Sonhando‑te a lavar as camisinhas!

Afastei a janela, entrei medroso: É ela! é ela! meu amor, minh’alma,


Palpitava‑lhe o seio adormecido... A Laura, a Beatriz que o céu revela...
Fui beijá‑la... roubei do seio dela É ela! é ela! – murmurei tremendo,
Um bilhete que estava ali metido... E o eco ao longe suspirou – é ela!
n AZEVEDO, Álvares de. Disponível em: <www.bibvirt.futuro.usp.br>.
Acesso em: 25 jan. 2013.

1. Carlota é o grande amor de Werther, personagens do romance de Goethe; Laura é a musa idealiza‑
da de Petrarca, poeta humanista tido como o criador do soneto; Beatriz é a insuperável musa do eu
poético da Divina Comédia, de Dante Alighieri; Otelo, personagem de Shakespeare, é apaixonadís‑
simo pela esposa Desdêmona, símbolo de fidelidade. Como você definiria a musa do poema “É ela!
é ela!”?

2. Qual é a principal característica desse poema?

Casimiro de Abreu e a volta ao passado

Casimiro de Abreu
Reprodução/Arquivo da editora

Casimiro José Marques de Abreu (1839 ‑1860) alcançou grande popularidade


graças a seus versos de ritmo fácil e linguagem simples. Foi em Lisboa que iniciou sua
carreira literária, também precocemente encerrada pela tuberculose. O afastamento da
família fez prevalecer em seus poemas os temas saudosistas: da pátria, da infância, das
cenas familiares. A forte musicalidade e a melancolia de seus versos agradaram à
sensibilidade do público, tornando ‑o um dos românticos mais conhecidos.

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PARTE 3 TExTos, ARTE E culTuRA

“Oh! Que saudades que tenho!”


A poesia de Casimiro de Abreu é caracterizada pelo ritmo fácil, rima pobre e repetitiva, linguagem
simples e emprego abusivo de pleonasmos, abordando temas comuns ao Romantismo. Cantou o
saudosismo em diferentes situações: o saudosismo nacionalista, em que segue os passos de
Gonçalves Dias, e a saudade nostálgica da infância pura, acrescida da fixação sentimental na mãe e
na irmã, características marcantes da poesia de Álvares de Azevedo. Como se vê, abordou os mesmos
temas que os maiores expoentes da época, mas faltou‑lhe fôlego para obter os mesmos resultados.
Justamente pelas características apontadas, entretanto, é um dos mais populares poetas da litera‑
tura brasileira.
De toda sua produção poética, reunida em um volume intitulado As primaveras (1859), indiscutivel‑
mente a poesia mais popular e a mais revisitada pelos autores do Modernismo é “Meus oito anos”.

Lendo o texto
Meus oito anos
(fragmento)

Vera Basile/Arquivo da editora


Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores, Oh! dias da minha infância!
Naquelas tardes fagueiras Oh! meu céu de primavera!
À sombra das bananeiras, Que doce a vida não era
Debaixo dos laranjais! Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Como são belos os dias Eu tinha nessas delícias
Do despontar da existência! De minha mãe as carícias
– Respira a alma inocência E beijos de minha irmã!
Como perfumes a flor;
O mar é – lago sereno, […]
O céu – um manto azulado,
Oh! que saudades que tenho
O mundo – um sonho dourado,
Da aurora da minha vida,
A vida – um hino d’amor!
Da minha infância querida
Que auroras, que sol, que vida, Que os anos não trazem mais!
Que noites de melodia Que amor, que sonhos, que flores,
Naquela doce alegria, Naquelas tardes fagueiras
Naquele ingênuo folgar! À sombra das bananeiras,
O céu bordado d’estrelas, Debaixo dos laranjais!
A terra de aromas cheia, (Lisboa, 1857)
n ABREU, Casimiro de. Disponível em:
As ondas beijando a areia
<www.bibvirt.futuro.usp.br/index.html?principal.html&2>.
E a lua beijando o mar! Acesso em: 25 jan. 2013.

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A PoéTicA do RomAnTismo: AmoREs, Índios E condoREs cAPÍTulo 2

1. Das dez classes de palavras, qual o poeta usa com mais insistência e ênfase? Por quê?
2. No livro Cancioneiro, Fernando Pessoa, poeta moderno, faz algumas reflexões sobre a infância e o
passado:

Pobre velha música! Recordo outro ouvir‑te. Com que ânsia tão raiva
Não sei por que agrado, Não sei se te ouvi Quero aquele outrora!
Enche‑se de lágrimas Nessa minha infância E eu era feliz? Não sei:
Meu olhar parado. Que me lembra em ti. Fui‑o outrora agora.
n PESSOA, Fernando. Fernando Pessoa – obra poética. 3. ed.
Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2005. p. 140.

Explique os dois últimos versos.

3. Compare o texto de Casimiro de Abreu (“Meus oito anos”) com o de Fernando Pessoa. Qual é a
visão de cada um sobre o passado e a infância? Como cada poeta constrói seus versos?

O lirismo amoroso e a poesia social na obra de Castro Alves

Castro Alves
Reprodução/Arquivo
Nacional, Rio de Janeiro, RJ.

Antônio Frederico de Castro Alves (1847 ‑1871) é o mais representativo poeta


da terceira geração romântica. Fortemente influenciado por Victor Hugo, cultiva
a poesia social; republicano de primeira hora, combateu a escravidão, um dos
pilares em que se sustentava a Monarquia brasileira. O condor, ave que plana no
alto dos Andes, foi metáfora marcante da liberdade a ser alcançada (daí falar ‑se
em “poesia condoreira”, “condoreirismo”).

“A praça é do povo”
Castro Alves, poeta da última geração, educado pela literatura de Victor Hugo, interessava‑se não
apenas pelos sentimentos e emoções pessoais (como bom romântico, Castro Alves cultivou o egocentris‑
mo), mas também pela realidade que o rodeava. Cantou o amor, a mulher, a morte, o sonho, cantou a
República, o abolicionismo, a igualdade, as lutas de classe, os oprimidos. Teve muitos amores, amou e foi
amado por várias mulheres, mas, como bem lembra Jorge Amado em seu ABC de Castro Alves, a maior de
todas as suas noivas foi a Liberdade.
Castro Alves já apresentava em sua temática tendências do Realismo, a escola literária que negaria
o Romantismo; no entanto, foi perfeitamente romântico na forma, entregando‑se a alguns exageros nas
metáforas, comparações grandiosas, antíteses e hipérboles, típicos do condoreirismo.
A poesia lírico‑amorosa de Castro Alves evolui de um campo de idealização para uma concretização
das virgens sonhadas pelos românticos: agora existe uma mulher de carne e osso, sensual, individualiza‑
da em sua amante Eugênia Câmara. Essa paixão, às vezes, o torna irreverente:
amar‑te é melhor que ser Deus
ou desesperadamente eufórico, arrebatado pela realidade material:
Mulher! Mulher! Aqui tudo é volúpia.

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PARTE 3 TExTos, ARTE E culTuRA

Convivendo com esse sensualismo adulto, entretanto, encontramos o adolescente meigo, terno, de
metáforas líricas:
Tua boca era um pássaro escarlate.
O tempo de Castro Alves foi ponteado de grandes transformações sociais no plano interno: a deca‑
dência da Monarquia, a luta abolicionista, a Guerra do Paraguai e o pensamento republicano.
Esse é o momento histórico vivido pelos jovens acadêmicos de Direito do Recife e de São Paulo, e que se
reflete em suas manifestações:
A praça! A praça é do povo
como o céu é do condor
É o antro onde a liberdade
Cria águias em seu calor.
É essa liberdade, o condor voando nos picos andinos, o povo na praça, que vai marcar a poesia social de
Castro Alves, denunciadora das grandes desigualdades:
Quebre‑se o cetro do papa,
Faça‑se dele uma cruz!
A púrpura sirva ao povo
p’ra cobrir os ombros nus.
A luta abolicionista de Castro Alves faz parte de um contexto mais amplo. Na realidade, o poeta
buscava um grande ideal democrático, a solução de todos os problemas vividos pelo país: a República.
Portanto, importante era a derrubada da Monarquia e de suas instituições, como o trabalho escravo. Mas
foi justamente com os versos acerca dos escravos que o poeta alcançou maior sucesso, pois aí se encon‑
tram admiravelmente fundidas a efusão lírica e a eloquência condoreira, como bem atestam as poesias
“Vozes d’África”, “Canção do africano”, “Saudação a Palmares”, “Tragédia no lar” (de grande carga dramática
e emotiva) e “O navio negreiro”.

Fernando Vivas/Arquivo da editora

n Praça Castro Alves em Salvador. “A praça Castro Alves é do povo / como o céu é do avião.” (Caetano Veloso)

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A PoéTicA do RomAnTismo: AmoREs, Índios E condoREs cAPÍTulo 2

Lendo os textos

Boa-noite

Veux -tu donc partir? Le jour est encore éloigné; A frouxa luz da alabastrina5 lâmpada
C’était le rossignol et non pas l’alouette, Lambe voluptuosa os teus contornos...
Dont le chant a frappé ton oreille inquiète: Oh! Deixa‑me aquecer teus pés divinos
Il chante la nuit sur les branches de ce grenadier, Ao doudo afago de meus lábios mornos.
Crois -moi, cher ami, c’était le rossignol. Mulher do meu amor! Quando aos meus beijos
n SHAKESPEARE Treme tua alma, como a lira ao vento,
Das teclas de teu seio que harmonias,
Boa‑noite, Maria! Eu vou‑me embora. Que escalas de suspiros, bebo atento!
A lua nas janelas bate em cheio.
Boa‑noite, Maria! É tarde... é tarde... Ai! Canta a cavatina6 do delírio,
Não me apertes assim contra teu seio. Ri, suspira, soluça, anseia e chora...
Marion! Marion!... É noite ainda.
Boa‑noite!... E tu dizes – Boa‑noite. Que importa os raios de uma nova aurora?!...
Mas não digas assim por entre beijos...
Mas não mo digas descobrindo o peito Como um negro e sombrio firmamento,
– Mar de amor onde vagam meus desejos. Sobre mim desenrola teu cabelo...
E deixa‑me dormir balbuciando:
Julieta do céu! Ouve... a calhandra1 – Boa‑noite! –, formosa Consuelo!...
Já rumoreja o canto da matina. n ALVES, Castro. Castro Alves – obra completa. 4. ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002. p. 123.
Tu dizes que eu menti?... pois foi mentira...
... Quem cantou foi teu hálito, divina! Castro Alves usa como epígrafe a fonte de sua inspira‑
ção: a cena V de Romeu e Julieta, em que os amantes passam
Se a estrela‑d’alva os derradeiros raios a primeira noite juntos.
“JULIETA: Quereis ir embora?... O dia ainda não está
Derrama nos jardins do Capuleto2,
próximo... Era do rouxinol e não da cotovia a voz que feriu o
Eu direi, me esquecendo d’alvorada: fundo receoso de teu ouvido... Todas as noites canta naquela
“É noite ainda em teu cabelo preto...” romãzeira. Acredita, meu amor, era o rouxinol.”
n SHAKESPEARE, William. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1995.
É noite ainda! Brilha na cambraia3
– Desmanchado o roupão, a espádua nua – 1 calhandra: cotovia.
O globo de teu peito entre os arminhos4 2 Capuleto: nome de família de Julieta; os Capuleto eram inimigos

Como entre as névoas se balouça a lua... dos Montecchio, família de Romeu.


3 cambraia: fino tecido com que se faz roupa de cama.
É noite, pois! Durmamos, Julieta! 4 arminho: pelo macio, fino e muito alvo com que se enfeitam peças
de vestuário.
Recende a alcova ao trescalar das flores, 5 alabastrina: adjetivo derivado de alabastro, rocha translúcida usada
Fechemos sobre nós estas cortinas... em luminárias e em peças ornamentais.
– São as asas do arcanjo dos amores. 6 cavatina: pequena peça musical para um só instrumento ou uma só voz.

1. Comente o trabalho formal realizado por Castro Alves.


2. Nesse poema, ocorre um caso de intertextualidade explícita. Como ela se dá e como o poeta a explora?
3. A noite e o amanhecer desempenham papel fundamental no poema; daí o poeta empregar palavras
e expressões que pertencem ao campo semântico de um e outro momento, construindo o clima,
dando as cores do cenário. Outras vezes, relaciona partes do corpo da mulher a elementos naturais.
Destaque todas essas palavras e expressões.

4. Os poemas de Castro Alves são marcados mais pelos verbos de ação que pelos verbos de estado.
“Boa‑noite” é um belo exemplo disso, com o poeta obtendo interessantes curvas melódicas.
Transcreva um verso que comprove o que foi dito.
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PARTE 3 TExTos, ARTE E culTuRA

5. Como se pode explicar a presença de quatro nomes femininos no poema?


6. Castro Alves pertence à última geração de românticos brasileiros. Gonçalves Dias e Álvares de Azevedo
são românticos de primeira hora. Você percebe diferenças entre eles no modo de cantar o amor?
Feitores castigando negros. Debret, 1834-1839. Litografia colorida a mão. Coleção particular.

Vozes d’África
(fragmento)

Deus! ó Deus! onde estás que não respondes?


Em que mundo, em qu’estrela tu t’escondes
Embuçado nos céus?
Há dois mil anos te mandei meu grito,
Que embalde desde então corre o infinito...
Onde estás, Senhor Deus?...

Qual Prometeu1 tu me amarraste um dia


Do deserto na rubra penedia2 n As condições desumanas a que eram submetidos os

– Infinito: galé3!... negros levaram pessoas como Castro Alves a se


Por abutre – me deste o sol candente, engajar na causa abolicionista.
E a terra de Suez4 – foi a corrente
Basta, Senhor! De teu potente braço
Que me ligaste ao pé...
Role através dos astros e do espaço
[…] Perdão p’ra os crimes meus!...
Há dois mil anos... eu soluço um grito...
Cristo! embalde morreste sobre um monte... Escuta o brado meu lá no infinito,
Teu sangue não lavou de minha fronte Meu Deus! Senhor, meu Deus!!...
A mancha original. n ALVES, Castro. Castro Alves – obra completa. 4. ed.
Ainda hoje são, por fado adverso, Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002. p. 255.
Meus filhos – alimária5 do universo,
1 Prometeu: personagem mitológico ao qual coube a incumbência
Eu – pasto universal... de criar o homem; por dar ao homem o domínio do fogo, foi
castigado: por ordem de Zeus, foi acorrentado e levado ao Monte
Hoje em meu sangue a América se nutre Cáucaso. Uma águia deveria bicar‑lhe o fígado eternamente;
– Condor que transformara‑se em abutre, devorado durante o dia, à noite o fígado se reconstituiria.
2 penedia: rocha, penedo.
Ave da escravidão,
3 galé: no contexto, indivíduo sentenciado a trabalhos forçados.
Ela juntou‑se às mais... irmã traidora 4 Suez: região a nordeste do Egito, que une o continente africano ao
Qual de José os vis irmãos outrora Oriente Próximo (local onde, hoje, existe o canal de Suez).
Venderam seu irmão. 5 alimária: animal de carga, besta.

1. Os versos de “Vozes d’África” apresentam uma interessante regularidade formal. Comente‑a.


2. O poema é construído a partir de uma estrutura de diálogo: de quem é a voz enunciadora? Quem é
o interlocutor? Ouve‑se a voz desse interlocutor?

3. O grito lançado pela voz enunciadora foi ouvido? Que palavra do texto justifica sua resposta?
4. “Há dois mil anos” remonta à época do nascimento de Cristo. Que passagem do texto faz referência
a essa época?

5. Justifique a referência a Prometeu. Que tipo de relação se estabelece?


6. Como se pode entender o verso “Meus filhos – alimária do universo”?
7. Que tipo de relação se estabelece entre abutre e condor? Que figura de linguagem se constitui?
8. Explique o verso “Hoje em meu sangue a América se nutre”.

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A PoéTicA do RomAnTismo: AmoREs, Índios E condoREs cAPÍTulo 2

O navio negreiro
Por fazer a exaltação do povo africano e narrar um episódio de sua história, “Navio negreiro” é con‑
siderado um poemeto épico, forma de composição muito em moda no Romantismo. Mais particularmen‑
te, um poemeto épico condoreiro, segundo o modelo de Victor Hugo. Eloquente, verborrágico, marcado
por imagens grandiosas, o poema foi escrito em 18 de abril de 1868, mas tornado público apenas (e não
por acaso) no dia 7 de setembro daquele ano, quando foi declamado durante a sessão magna comemo‑
rativa da Independência, no auditório da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo.
Se o tema do tráfico negreiro já estava superado (afinal, o último desembarque de escravos negros data‑
va de 1855), o mesmo não se pode afirmar da campanha abolicionista e do clima nacionalista: em 1868, o
Brasil vivia o auge da Guerra do Paraguai.
O poema divide‑se em seis partes, ou cantos, na linguagem épica.
1ª parte: O poeta faz uma descrição do cenário, exaltando o belo natural: “Stamos em pleno mar...
Doudo no espaço / Brinca o luar”.
2ª parte: O poeta faz um elogio aos marinheiros, identificados pela nacionalidade; é a exaltação
do belo humano: “... Nautas de todas as plagas! / Vós sabeis achar nas vagas / As melodias
do céu...”.
3ª parte: Em franca oposição às estrofes anteriores, temos a visão do navio negreiro; ao belo do
cenário e das figuras humanas dos marinheiros opõe‑se um quadro de horror: “Que cena infame e vil!...
Meu Deus! meu Deus! Que horror!”.
4ª parte: Aqui o poeta faz a descrição do navio negreiro e do sofrimento dos escravos: “Era um sonho
dantesco...”.
5ª parte: Em oposição à desgraça dos negros aprisionados, a imagem desse povo livre em sua
terra: “Ontem plena liberdade, / A vontade por poder... / Hoje... cúmulo de maldade / Nem são livres
p’ra... morrer...”.
6ª parte: Aqui o poeta trabalha mais uma vez com a antítese: em oposição à África livre, a imagem
de um país que se beneficia com a escravidão.

Negros no fundo do porão, de Johann Moritz Rugendas. Litografia colorida a mão (35,5 x 51 cm). Coleção particular.

n Os africanos eram transportados em condições subumanas nos navios negreiros.

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PARTE 3 TExTos, ARTE E culTuRA

A seguir, a transcrição, na íntegra, da sexta parte do poema.

E existe um povo que a bandeira empresta


P’ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa‑a transformar‑se nessa festa
Em manto impuro de bacante1 fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente2 na gávea3 tripudia4?!...
1 bacante: sacerdotisa de Baco (deus do vinho, na
Silêncio!... Musa! chora, chora tanto
mitologia romana); mulher devassa, libertina.
Que o pavilhão se lave no teu pranto... 2 impudente: cínico, sem pudor.

3 gávea: o ponto mais alto do mastro principal do navio.


Auriverde pendão5 de minha terra,
4 tripudia: diverte‑se; humilha.
Que a brisa do Brasil beija e balança, 5 pendão: bandeira.
Estandarte que a luz do sol encerra, 6 mortalha: manto em que se envolve o cadáver.
E as promessas divinas da esperança... 7 brigue: antigo navio à vela; brigue imundo: navio

Tu, que da liberdade após a guerra, negreiro.


8 pélago: mar alto, oceano, profundezas.
Foste hasteado dos heróis na lança,
9 etérea: celeste, sublime, pura, elevada.
Antes te houvessem roto na batalha,
10 plaga: região, país, extensão de
terra; etérea plaga é
Que servires a um povo de mortalha6!...
uma referência à região onde vivem os heróis mortos.
11 Andrada: referência a José Bonifácio de Andrada e Silva
Fatalidade atroz que a mente esmaga! (1763‑1838), o “Patriarca da Independência”.
Extingue nesta hora o brigue7 imundo 12 Colombo: referência a Cristóvão Colombo (1451‑1506),
O trilho que Colombo abriu na vaga, descobridor da América.
Como um íris no pélago8 profundo!...
... Mas é infâmia de mais... Da etérea9 plaga10
Levantai‑vos, heróis do Novo Mundo...
Andrada11! arranca este pendão dos ares!
Colombo12! fecha a porta de teus mares!
n ALVES, Castro. Disponível em: <www.bibvirt.futuro.usp.br>. Acesso em: 26 jan. 2013.

1. Em “O navio negreiro”, o poeta baiano, consciente do caráter épico de seu poema, presta uma homenagem
a Os Lusíadas, de Camões. Essa homenagem se concretiza no plano formal (releia estrofes de Os Lusíadas
reproduzidas no capítulo 5). Aponte as semelhanças formais entre o fragmento apresentado e a epopeia
lusitana.

2. O que sugere a sonoridade do verso “Que a brisa do Brasil beija e balança”?


3. A bandeira auriverde é peça fundamental no poema. Por quais outros nomes o poeta faz referência à bandeira?
4. A que povo o estandarte serve de mortalha?
5. Os dois últimos versos, de extremo vigor poético, são iniciados por vocativos: Andrada e Colombo. Explique
a referência a essas figuras históricas.

6. Você afirmaria que esse texto é nacionalista? Justifique a resposta.


7. Qual é a relação com o abolicionismo nos versos “Extingue nesta hora o brigue imundo / O trilho que
Colombo abriu na vaga”?

8. Após ler poemas de Gonçalves Dias (primeira geração), Álvares de Azevedo (segunda geração) e Castro
Alves (terceira geração), escreva um breve texto comentando a linguagem de cada um (seleção vocabular,
estrutura sintática, ritmo poético, figuras de linguagem, pontuação, etc.) e as sensações que provocaram
em você.
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A PoéTicA do RomAnTismo: AmoREs, Índios E condoREs cAPÍTulo 2

A original poesia de Sousândrade


Sousândrade
Joaquim de Sousa Andrade (1833 ‑1902) nasceu no Maranhão, filho de grandes proprietários rurais, o que não o impediu de,
desde jovem, questionar a aristocracia rural, abraçando as causas abolicionista e republicana. Abandona a terra natal em constantes
viagens: vai para a Amazônia e, depois, para França (onde se formou em Letras, pela Universidade de Sorbonne), Inglaterra, países
latino ‑americanos e Estados Unidos, fixando residência em Nova Iorque por algum tempo. Sua poesia é, em grande parte, fruto das
experiências vividas em suas viagens, que lhe permitiram um contato direto não só com o indígena amazônico mas também com
uma realidade bastante diversa da brasileira, como a crescente industrialização europeia e norte ‑americana e os avanços do
capitalismo. Com a proclamação da República, volta a fixar residência no Maranhão, onde morre na miséria e completamente isolado.

Ousadia redescoberta
Na obra de Sousândrade, o primeiro aspecto a destacar é a originalidade de sua poesia, revolucionária
para o padrão romântico, sendo por isso difícil enquadrá‑lo dentro desse movimento. Sousândrade iniciou
sua produção artística no período romântico, mas atravessou toda a segunda metade do século XIX; por
suas preocupações sociais, aproxima‑se da terceira geração.
Sua obra foi esquecida até a década de 1960, quando parte da crítica literária se dedicou a uma revi‑
são de sua poesia, destacando o valor de seu estilo e a originalidade de seus versos. De fato, em seus
poemas percebe‑se uma ousadia de vocabulário – termos indígenas, palavras inglesas, neologismos – e
também uma exploração de sonoridade que rompe com a métrica e o ritmo tradicionais.
Merece destaque seu longo poema narrativo “Guesa errante”, construído a partir de uma lenda dos indí‑
genas andinos: Guesa era o adolescente sacrificado pelos sacerdotes em oferenda aos deuses. No poema,
Guesa (com o qual Sousândrade se identifica) escapa dos sacerdotes e foge para Wall Street; agora, os sacer‑
dotes são os capitalistas de Nova Iorque, os quais querem o sangue de Guesa. No dizer de Augusto e Haroldo
de Campos, “Sousândrade identifica o seu destino pessoal de poeta com o fadário de um novo ‘Guesa’ no plano
histórico‑social, assimila a esse destino o do selvagem americano, sacrificado pelo conquistador branco”.

Lendo o texto
Guesa errante
(fragmento inicial do poema)
Eia, imaginação divina! Da tempestade o raio; onde deserto,
Os Andes O azul sertão, formoso e deslumbrante,
Vulcânicos elevam cumes calvos, Arde do sol o incêndio, delirante
Circundados de gelos, mudos, alvos, Coração vivo em céu profundo aberto!
Nuvens flutuando – que espetác’los grandes! Nos áureos tempos, nos jardins da América
Lá, onde o ponto do condor negreja, Infante adoração dobrando a crença
Cintilando no espaço como brilhos Ante o belo sinal, nuvem ibérica
D’olhos, e cai a prumo sobre os filhos Em sua noite a envolveu ruidosa e densa.
Do lhama descuidado; onde lampeja n SOUSÂNDRADE. Sousândrade – poesia. 2. ed.
Rio de Janeiro: Agir, 1979. p. 30.

1. No fragmento inicial do poema “Guesa errante”, Sousândrade identifica a origem do personagem


Guesa. Qual é ela? O que representa esse personagem?
2. No trecho apresentado, há um símbolo característico da terceira geração romântica; aponte‑o.
3. Observe que o poeta caracteriza a América como a terra ensolarada; essa imagem é modificada
com a chegada dos conquistadores europeus. Destaque os versos em que há referência à chegada dos
estrangeiros. Que expressão marca a oposição à América ensolarada?

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PARTE 3 TExTos, ARTE E culTuRA

O Romantismo hoje
Não tenho nada com isso nem vem falar e a seus ouvidos parecer exótica […]
eu não consigo entender sua lógica canto somente o que não pode mais se calar
minha palavra cantada pode espantar noutras palavras sou muito romântico.
n Disponível em: <www.vagalume.com.br/caetano‑veloso/muito‑romantico.html>.
Acesso em: 26 jan. 2013.

Nesses versos de Caetano Veloso, da música “Muito romântico”, observa‑se um exemplo do uso
que hoje se faz dos termos “romantismo”/“romântico”. Distanciados 200 anos do estilo artístico que
se convencionou chamar de romantismo, utilizamos aqueles termos para designar comportamentos
e reações que nos parecem de alguma forma associados àquela época: o predomínio da imaginação,
dos sentimentos e das paixões humanas sobre a razão; a liberdade individual; a ruptura das tradições;
o exotismo.
Permanecem, assim, as acepções que os termos “romantismo”/“romântico” ganham nos séculos XVII
e XVIII: quimérico, ridículo, absurdo, pitoresco; o que agrada à imaginação, o que desperta o sonho e a como‑
ção da alma; a melancolia, a languidez, a morbidez.

VElHos TEmAs, noVAs lEiTuRAs

LITERATURA E CIÊNCIA
Segundo o mito grego, Prometeu, um dos titãs, amigo e

Reprodução/Wikipedia/Wikimedia Foundation
protegido de Zeus, despertou a fúria dos deuses após roubar
o fogo do Olimpo e levá‑lo aos homens. Por conta de seu
crime, foi condenado a uma pena terrível: acorrentado a um
monte, todos os dias uma águia devoraria seu fígado, que se
regeneraria à noite – já que Prometeu era imortal –, renovan‑
do assim a punição. Esse mito – cuja versão mais conhecida
é a da peça de Ésquilo, dramaturgo grego que viveu entre os
século VI e V a.C. – versa, acima de tudo, sobre a relação do
homem com o conhecimento; Prometeu foi punido por ter
dado ao conhecimento dos homens algo que, antes, era de
domínio exclusivo dos deuses. Foi baseada nesse mito que a
escritora inglesa Mary Wollstonecraft Shelley (1797‑1851)
escreveu, em 1816, uma das mais famosas obras da literatura
universal: Frankenstein. Romance símbolo das primeiras
manifestações românticas, o livro conta a história do dr.
Victor Frankenstein, um médico obcecado pela ideia de criar
vida humana em seu laboratório. Para realizar seu feito, ele
junta parte de cadáveres e realiza experimentos com energia
elétrica. Ao fim, quando consegue realizar sua obra máxima, n Prometeu acorrentado, de Heinrich
o cientista se vê insatisfeito com o resultado e abandona sua Fueger, 1817.

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A PoéTicA do RomAnTismo: AmoREs, Índios E condoREs cAPÍTulo 2

criação à própria sorte, esperando que ela morra. Aquele que se

Reprodução/ National Portrait Gallery, Londres, Inglaterra.


julga capaz de se igualar aos deuses precisa, no entanto, pagar o
preço de sua ousadia: abandonada, a criatura passa a perseguir o
médico e sua família. Ao cientista, resta o martírio fatal de tentar
destruir sua criação. Não sem motivo o título completo do roman‑
ce é Frankenstein ou o Prometeu moderno. A história criada por
Mary Shelley retoma o tema da relação entre o homem e o conhe‑
cimento, agora pelo viés de um romantismo desiludido com os
avanços tecnológicos da Revolução Industrial.
Segundo a autora, Frankenstein foi escrito a partir de uma
proposta feita pelo poeta Lord Byron a ela e seu marido, o também
poeta Percy Bysshe Shelley: ver quem era capaz de elaborar a mais
assustadora história de terror. Para criar seu assombroso Prometeu
moderno, Mary instigou sua imaginação com os avanços científi‑
n Retratode Mary Shelley, de Richard
cos da época; o cientificismo que esteve na base da criação do Rothwell (pintura contemporânea ao
romance é identificado no prefácio da edição de 1831: livro de Mary Shelley).

Foram muitas e longas as conversas entre Lord Byron e Shelley das quais eu era uma ouvinte
devota, mas, praticamente, silenciosa. Ao longo de uma dessas conversas, várias doutrinas filosóficas
foram discutidas – entre outras, o princípio da vida e se havia alguma probabilidade de se chegar à
sua descoberta e divulgação. Falaram das experiências do dr. Darwin (refiro‑me não ao que o doutor
de fato fez ou disse ter feito, mas ao que então se dizia que ele havia feito, o que era mais próximo de
meus objetivos), que guardou um pedaço de aletria num estojo de vidro até que a massa começou, por
algum meio extraordinário, a movimentar‑se com vontade própria. Não era assim, afinal de contas,
que a vida seria criada. Talvez um cadáver pudesse ser reanimado – o galvanismo já dera indícios de
tais coisas: talvez se pudessem manufaturar as partes componentes de uma criatura, juntá‑las e
prover‑lhes o calor vital.
n SHELLEY, Mary. Frankenstein ou o Prometeu moderno. In: SHELLEY, Mary; STOKER, Bram; STEVENSON, Robert Louis.
Frankenstein, Drácula & O médico e o monstro. Trad. Adriana Lisboa.
Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. p. 25‑26.
Reprodução/Museu do Prado, Madri, Espanha.

Burstein Collection/Corbis/Latinstock

Na pintura, um notório exem-


plo de pessimismo com o
mundo moderno, surgido a
partir da Revolução Indus-
trial, está nas pinturas de
Francisco de Goya (1746-
-1828). Como poucos, o artis-
ta espanhol soube represen-
tar a violência das guerras e
da ciência, o lado obscuro da
humanidade e do progresso.

n Las chincillas, 1799. n Asta su muelo, 1797.

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PARTE 3 TExTos, ARTE E culTuRA

Fica claro, então, como a escritora utilizou‑se do mito clássico para pensar os dilemas do conheci‑
mento de seu tempo. A desconfiança romântica de Mary Shelley com a ciência deixou, portanto, marcas
profundas na literatura, que ficaram evidentes no século XX, tempo de intensos avanços tecnológicos e
de usos destrutivos do conhecimento. Desde as impressionantes narrativas de Franz Kafka, nas quais o
absurdo obedece a uma lógica sistêmica e burocrática, até as grandes obras de ficção científica escritas
por Aldous Huxley, George Orwell e Ray Bradbury, todos repercutem as preocupações e reflexões român‑
ticas do início do século XIX, questões que devem ser sempre renovadas, ainda mais em tempos de
meios de comunicação e tecnologias digitais. Para compreender melhor a relação entre literatura e ciên‑
cia, leia os dois textos a seguir. O primeiro é um poema de Fernando Pessoa (1888‑1935); o segundo, um
pequeno conto do escritor austríaco Thomas Bernhard (1931‑1989).

Texto 1
A ciência, a ciência, a ciência...
Ah, como tudo é nulo e vão!
A pobreza da inteligência
Ante a riqueza da emoção!
Aquela mulher que trabalha
Como uma santa em sacrifício,
Com quanto esforço dado ralha!
Contra o pensar, que é o meu vício!

A ciência! Como é pobre e nada!


Rico é o que alma dá e tem.
n PESSOA, Fernando. Fernando Pessoa – obra poética.
Rio de Janeiro: Nova Aguilar. p. 580.

Texto 2
Sagaz e incapaz
O filósofo francês de renome internacional que durante décadas foi considerado o mais importante
de seu tempo voltava de Moscou, onde estivera a convite da Academia de Ciências, para Viena, em cuja
Academia de Ciências proferiria a mesma palestra feita em Moscou. Terminado o evento, fui convidado à
casa de dois catedráticos e membros da Academia de Ciências de Viena que, como eu, haviam assistido à
palestra do filósofo francês. Um deles caracterizou a exposição, e portanto também o filósofo francês,
como sagaz, ao passo que o outro o considerou incapaz, e ambos lograram fundamentar efetiva e inequi-
vocamente suas afirmações.
n BERNHARD, Thomas. O imitador de vozes. Trad. Sergio Tellaroli.
São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 49.

1. Para a voz poética, a ciência e os esforços da inteligência são nulos e vãos. Qual é a razão dessa opinião
tão enfática?

2. Na segunda estrofe do poema, surge um conflito de ideias. Qual é o sentido dessa contraposição?
3. O conto de Thomas Bernhard tem finalidades sarcásticas. Aponte uma característica formal do texto
que indique isso. Explique.

4. No fim da narrativa, fica evidente uma contradição entre os catedráticos da Academia de Ciências de
Viena. Para você, qual é o sentido desse conflito de opiniões?

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A PoéTicA do RomAnTismo: AmoREs, Índios E condoREs cAPÍTulo 2

NO
Questões de exames FAÇARNO!
CAD
E

1. (Enem) A imagem feminina, conforme está predominante‑


mente representada na primeira parte da obra Lira
Soneto dos vinte anos, de Álvares de Azevedo, está bem
Já da morte o palor me cobre o rosto, exemplificada no soneto citado.
Nos lábios meus o alento desfalece, Considerando essa imagem, é CORRETO afirmar
Surda agonia o coração fenece, que a possibilidade de o poeta e a mulher amada
E devora meu ser mortal desgosto! constituírem família é:
a) nenhuma, pois a mulher está morta.
Do leito embalde no macio encosto
Tento o sono reter!... já esmorece b) parcial, pois depende da submissão do poeta ao
O corpo exausto que o repouso esquece... desejo da amada.
Eis o estado em que a mágoa me tem posto! c) total, pois, segundo as convenções românticas, o
amor sempre prevalece.
O adeus, o teu adeus, minha saudade, d) parcial, desde que o amor platônico seja realizado.
Fazem que insano do viver me prive
e) nenhuma, pois o poeta apenas representa seu
E tenha os olhos meus na escuridade.
desejo.
Dá‑me a esperança com que o ser mantive!
Volve ao amante os olhos por piedade, 3. (Unifesp)
Olhos por quem viveu quem já não vive! Ontem a Serra Leoa,
n AZEVEDO, A. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2000. A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
O núcleo temático do soneto citado é típico da
Sob as tendas d’amplidão!
segunda geração romântica, porém configura um
Hoje... o porão negro, fundo,
lirismo que o projeta para além desse momento
especifico. O fundamento desse lirismo é Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar...
a) a angústia alimentada pela constatação da irre‑
E o sono sempre cortado
versibilidade da morte.
Pelo arranco de um finado,
b) a melancolia que frustra a possibilidade de rea‑ E o baque de um corpo ao mar...
ção diante da perda. Ontem plena liberdade,
c) o descontrole das emoções provocado pela A vontade por poder...
autopiedade. Hoje... cúm’lo de maldade,
d) o desejo de morrer como alívio para a desilusão Nem são livres p’ra morrer...
amorosa. Prende‑os a mesma corrente
e) o gosto pela escuridão como solução para o – Férrea, lúgubre serpente –
sofrimento. Nas roscas da escravidão.
E assim roubados à morte,
2. (UFJF‑MG) Leia o poema de Álvares de Azevedo, Dança a lúgubre coorte
abaixo, para responder à questão. Ao som do açoite... Irrisão!...
Pálida, à luz da lâmpada sombria. n (Castro Alves. Fragmento de O navio negreiro – tragédia no mar.)
Sobre o leito de flores reclinada, Considere as seguintes afirmações.
Como a lua por noite embalsamada,
I. O texto é um exemplo de poesia carregada de dra‑
Entre as nuvens do amor ela dormia!
maticidade, própria de um poeta‑condor, que mos‑
Era a virgem do mar! Na escuma fria tra conhecer bem as lições do “mestre”Victor Hugo.
Pela maré das águas embalada! II. Trata‑se de um poema típico da terceira fase
Era um anjo entre nuvens d’alvorada romântica, voltado para auditórios numerosos,
Que em sonhos se banhava e se esquecia! em que se destacam a preocupação social e o
tom hiperbólico.
Era mais bela! O seio palpitando...
Negros olhos as pálpebras abrindo... III. É possível reconhecer nesse fragmento de um
Formas nuas no leito resvalando... longo poema de teor abolicionista o gosto
romântico por uma poesia de recursos sonoros.
Não te rias de mim, meu anjo lindo! Está correto o que se afirma em
Por ti – as noites eu velei chorando,
a) I, apenas. d) I e II, apenas.
Por ti – nos sonhos morrerei sorrindo.
n AZEVEDO, Álvares de. Poesias completas de Álvares de Azevedo.
b) II, apenas. e) I, II e III.
Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1985, p. 22. c) III, apenas.

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3
PArTe 3 TexTOs, ArTe e CULTUrA

CAPÍTULO 3

A prosa do Romantismo:
a literatura se
populariza
O romance foi, a partir do Romantismo, um excelente índice dos interesses da
sociedade culta e semiculta do Ocidente. A sua relevância no século XIX se com-
pararia, hoje, à do cinema e da televisão.
n BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1999. p. 106.

A tela Arrufos, de Belmiro


Barbosa de Almeida, retrata
uma cena tipicamente român-
tica (arrufos são pequenos
desentendimentos entre pes-
soas que se amam). Merecem
destaque o ambiente burguês
da sala e as poses, que refle-
tem a estrutura patriarcal da
sociedade.

Reprodução/Museu Nacional de Belas Artes – Iphan/MinC, Rio de Janeiro, RJ.

• Como a estrutura patriarcal da sociedade brasileira do século XIX está representada na tela de Belmiro
Barbosa de Almeida?

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A PrOsA dO rOmAnTismO: A LiTerATUrA se POPULArizA CAPÍTULO 3

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O ROMANCE ROMÂNTICO EM PORTUGAL
///////////
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O romance histórico de Herculano:


a defesa da Pátria, do Cristianismo e do Amor

Alexandre Herculano
Reprodução/Coleção particular

Alexandre Herculano (1810‑1877) participou ativamente das lutas liberais ao lado de


Almeida Garrett durante a Guerra Civil portuguesa; entre 1831 e 1832 esteve exilado na
Inglaterra e na França. Com a posterior vitória dos liberais, fundou, em 1836, a revista
Panorama e publicou suas primeiras narrativas históricas, consolidando o Romantismo em
Portugal. A partir de então, dedicou‑se, com igual fervor, à literatura e à história.

Lendo o texto

Eurico, o presbítero1
O romance “relata a história de Eurico, nobre visigodo2, que, enamorado de Hermengarda, não
pudera desposá‑la, pois os preconceitos aristocráticos do pai dela tinham impedido essa união.
Eurico professa, e na humilde e solitária paróquia de Carteia sublima o desespero amoroso [...].
Instruído por uma visão, Eurico pressente que está próximo o dia em que Deus enviará contra o
‘povo criminoso’ um ‘anjo de extermínio’. As profecias do presbítero tornam‑se terríveis realida‑
des: os árabes desbarataram os exércitos visigóticos junto do Críssus, apesar dos esforços sobre‑
‑humanos dum misterioso guerreiro, o Cavaleiro Negro. Enquanto Pelágio (irmão de Hermengarda)
organiza a resistência cristã nas Astúrias, o Cavaleiro Negro, que é o presbítero Eurico, decide liber‑
tar Hermengarda, aprisionada pelos invasores árabes; ela, fortuitamente, descobre a identidade do
seu libertador, é salva e conduzida a uma gruta de Covadonga. Nesse cenário selvagem, ambos
recordam o passado e sentem renascer com violência o amor. Mas essa situação sacrílega não
pode manter‑se: a dignidade augusta do sacerdócio exige que os dois amantes se separem.”
n COELHO, Jacinto do Prado (Org.). Dicionário de literatura. Porto: Figueirinhas, 1978. v. 1. p. 317.

1 presbítero: sacerdote, padre.


2 visigodo: godo (antigo povo da Germânia) do Oeste.

Transcrevemos, a seguir, o “Prólogo do Autor”, que abre a narrativa, e o final do romance


(“Conclusão”).

Eurico, o presbítero
Prólogo do Autor
Para as almas, não sei se diga demasiadamente positivas, se demasiadamente grosseiras, o celi‑
bato do sacerdócio não passa de uma condição, de uma fórmula social aplicada a certa classe de indi‑
víduos cuja existência ela modifica vantajosamente por um lado e desfavoravelmente por outro. A
filosofia do celibato para os espíritos vulgares acaba aqui. Aos olhos dos que avaliam as coisas e os
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PArTe 3 TexTOs, ArTe e CULTUrA

homens só pela sua utilidade social, essa espécie de insulação doméstica do sacerdote, essa indireta
abjuração dos afetos mais puros e santos, os da família, é condenada por uns como contrária ao inte‑
resse das nações, como danosa em moral e em política, e defendida por outros como útil e moral. Deus
me livre de debater matéria tantas vezes disputada, tantas vezes exaurida pelos que sabem a ciência
do mundo e pelos que sabem a ciência do céu! Eu, por minha parte, fraco argumentador, só tenho
pensado no celibato à luz do sentimento e sob a influência da impressão singular que desde verdes
anos fez em mim a ideia da irremediável solidão da alma a que a igreja condenou os seus ministros,
espécie de amputação espiritual, em que para o sacerdote morre a esperança de completar a sua
existência na terra. Suponde todos os contentamentos, todas as consolações que as imagens celestiais
e a crença viva podem gerar, e achareis que estas não suprem o triste vácuo da soledade do coração.
Dai às paixões todo o ardor que puderdes, aos prazeres mil vezes mais intensidade, aos sentidos a
máxima energia e convertei o mundo em paraíso, mas tirai dele a mulher, e o mundo será um ermo
melancólico, os deleites serão apenas o prelúdio do tédio. [...]

Conclusão
Em frente da tosca ponte de pedras brutas lançadas sobre o rio, uma senda estreita e tortuosa
atravessava a selva e, passando pela clareira, continuava por meio dos outeiros vizinhos, dirigindo‑se,
nas suas mil voltas, para as bandas da Galécia1. Quatro cavaleiros, a pé e em fio, caminhavam por
aquele apertado carreiro. Pelos trajos e armas, conhecia‑se que eram três cristãos e um sarraceno.
Chegados à clareira, este parou de repente e, voltando‑se com aspecto carregado para um dos três,
disse‑lhe:
– Nazareno, ofereceste‑nos a salvação, se te seguíssemos: fiamo‑nos em ti, porque não precisavas
de trair‑nos. Estávamos nas mãos dos soldados de Pelágio2, e foi a um aceno teu que eles cessaram de
perseguir‑nos. Porém o silêncio tenaz que tens guardado gera em mim graves suspeitas. – Quem és
tu? Cumpre que sejas sincero, como nós. Sabes que tens diante de ti Muguite3, o amir da cavalaria
árabe, Juliano4, o conde de Septum, e Opas5, o bispo de Híspalis.
– Sabia‑o – respondeu o cavaleiro: – por isso vos trouxe aqui. Queres saber quem sou? Um soldado
e um sacerdote de Cristo!
– Aqui!?... – atalhou o amir, levando a mão ao punho da espada e lançando os olhos em roda. –
Para que fim?
– A ti, que não eras nosso irmão pelo berço; que tens combatido lealmente conosco, inimigos da
tua fé; a ti, que nos oprimes, porque nos venceste com esforço e à luz do dia, foi para te ensinar um
caminho que te conduza em salvo às tendas dos teus soldados. É por ali!... A estes, que venderam a
terra da pátria, que cuspiram no altar do seu Deus, sem ousarem francamente renegá‑lo, que ganha‑
ram nas trevas a vitória maldita da sua perfídia, é para lhes ensinar o caminho do inferno... Ide, mise‑
ráveis, segui‑o!
E quase a um tempo dois pesados golpes de franquisque6 assinalaram profundamente os elmos7
de Opas e Juliano. No mesmo momento mais três ferros reluziram.
Um contra três! – Era um combate calado e temeroso. O cavaleiro da Cruz parecia desprezar
Muguite: os seus golpes retiniam só nas armaduras dos dois godos. Primeiro o velho Opas, depois
Juliano caíram.
Então, recuando, o guerreiro cristão exclamou:
– Meu Deus! Meu Deus! – Possa o sangue do mártir remir8 o crime do presbítero!
E, largando o franquisque, levou as mãos ao capacete de bronze e arrojou‑o para longe de si.
Muguite, cego de cólera, vibrara a espada: o crânio do seu adversário rangeu, e um jorro de san‑
gue salpicou as faces do sarraceno.
Como tomba o abeto9 solitário da encosta ao passar do furacão, assim o guerreiro misterioso do
Críssus10 caía para não mais se erguer!...
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A PrOsA dO rOmAnTismO: A LiTerATUrA se POPULArizA CAPÍTULO 3

Nessa noite, quando Pelágio voltou à caverna, Hermengarda, deitada sobre o seu leito, parecia
dormir. Cansado do combate e vendo‑a tranquila, o mancebo adormeceu, também, perto dela, sobre
o duro pavimento da gruta. Ao romper da manhã, acordou ao som de cântico suavíssimo.
Era sua irmã que cantava um dos hinos sagrados que muitas vezes ele ouvira entoar na catedral
de Tárraco11. Dizia‑se que seu autor fora um presbítero da diocese de Híspalis, chamado Eurico.
Quando Hermengarda acabou de cantar, ficou um momento pensando. Depois, repentinamente,
soltou uma destas risadas que fazem eriçar os cabelos, tão tristes, soturnas e dolorosas são elas: tão
completamente exprimem irremediável alienação de espírito.
A desgraçada tinha, de feito, enlouquecido.
n Disponível em: <www.ebooksbrasil.org/eLibris/eurico.html>. Acesso em: 26 jan. 2013.

1 Galécia: embora Herculano afirme que não há rigor cronológico, a ação se passa no momento das primeiras incursões árabes abalando o
Reino Visigótico em terras da Península Ibérica; portanto, em época anterior à formação de Portugal como Estado independente, daí as
referências à Lusitânia e Galécia (Galícia, ao norte do atual território português).
2 Pelágio: na realidade, governou entre 718 e 737 e participou da Batalha de Covadonga, região das Astúrias, ao lado da Galícia. Na narrativa, é
filho de Fávila e irmão de Hermengarda.
3 Muguite: em árabe, Mugueiz, chefe muçulmano (amir) a quem Eurico se entrega para o supremo sacrifício.

4 Juliano: foi Governador de Ceuta, norte da África; ficou marcado por seus atos de traição.
5 Opas: foi arcebispo de Sevilha (Híspalis); na narrativa, é considerado traidor, assim como Juliano.
6 franquisque: arma que se assemelha a um machado.

7 elmo: nas armaduras, a parte que protegia a cabeça.

8 remir: salvar, livrar das penas do inferno.

9 abeto: árvore, espécie de pinheiro.

10 Críssus: antigo nome do atual Rio Guadalete, que corta a Andaluzia (sul da Espanha).

11 Tárraco: hoje, Tarragona, cidade na Catalunha, ao sul de Barcelona.

1. Como é analisado o problema do celibato clerical? Justifique com palavras do próprio texto.
2. Para o autor, como se completa a existência na terra?
3. Aponte e comente três características românticas presentes no Prólogo.
4. Depois de narrar a morte de Eurico, Herculano, à maneira dos românticos, explora uma metáfora e
um eufemismo. Identifique ‑0s e comente a expressividade das duas figuras de linguagem.

A novela passional

Camilo Castelo Branco


Reprodução/Coleção particular

Camilo Castelo Branco (1825‑1890) consolidou um gênero narrativo na


literatura de língua portuguesa: a novela passional, que, nas palavras de António
José Saraiva, promove “o amor à categoria do sagrado, do incomensurável com a
razão e com as normas morais correntes. [...] Há sempre uma grandeza trágica de
paixões e situações, os personagens são penitentes do amor”.
Muitas das situações vividas pelos personagens refletem experiências
efetivamente vividas pelo escritor, a ponto de um crítico literário, José ‑Augusto
França, afirmar que o autor “Camilo e os seus heróis vivem no mesmo universo
dramático, de cores intensas, ao mesmo tempo sublime e sórdido”.

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PArTe 3 TexTOs, ArTe e CULTUrA

Lendo o texto

Amor de perdição
Amor de perdição, publicado em 1862, tem como subtítulo Memórias duma família. De fato,
Camilo narra episódios da família Correia Botelho, ou seja, da própria família. O protagonista é
Simão Botelho, apresentado como tio do autor. A novela foi escrita durante quinze dias, em uma
das celas da cadeia da cidade do Porto (Camilo e sua amante, Ana Plácido, estavam presos sob a
acusação de adultério). A ação pode ser assim resumida: os jovens Simão Botelho e Teresa
Albuquerque, ambos com quinze anos, apaixonam ‑se, mas as famílias são inimigas. Teresa está
prometida para um primo seu, Baltasar Coutinho. Este, acompanhado de dois criados, arma uma
tocaia para Simão, que mata os criados e fere Baltasar. O pai de Teresa a interna num convento
da cidade do Porto; Simão refugia ‑se na casa de um ferreiro, João da Cruz, pai de Mariana, que
se apaixona perdidamente por Simão. Num encontro, Simão mata Baltasar e é preso; Mariana,
agora órfã, passa a viver em função de Simão. Teresa, interna e muito doente, e Simão, preso,
trocam cartas. Simão é condenado ao degredo na Índia, Mariana o acompanha; na partida,
Simão observa Teresa no mirante do convento. No meio da viagem, após ler a última carta de
Teresa, Simão morre e seu corpo é lançado ao mar; Mariana também se joga e morre abraçada
ao cadáver de Simão.

Transcrevemos, a seguir, a Introdução, em que o narrador se posiciona em relação aos fatos que serão
narrados.

Introdução
Folheando os livros de antigos assentamentos, no cartório das cadeias da Relação do Porto, li, no
das entradas dos presos desde 1803 a 1805, a folhas 232, o seguinte:
Simão Antônio Botelho, que assim disse chamar-se, ser solteiro, e estudante na Universidade de
Coimbra, natural da cidade de Lisboa, e assistente na ocasião de sua prisão na cidade de Viseu, idade de
dezoito anos, filho de Domingos José Correia Botelho e de D. Rita Preciosa Caldeirão Castelo Branco; esta-
tura ordinária, cara redonda, olhos castanhos, cabelo e barba preta, vestido com jaqueta de baetão azul,
colete de fustão pintado e calça de pano pedrês. E fiz este assento, que assinei – Filipe Moreira Dias.
À margem esquerda deste assento está escrito:
Foi para a Índia em 17 de março de 1807.
Não seria fiar demasiadamente na sensibilidade do leitor, se cuido que o degredo de um moço
de dezoito anos lhe há de fazer dó.
Dezoito anos! O arrebol dourado e escarlate da manhã da vida! As louçanias do coração que ainda
não sonha em frutos, e todo se embalsama no perfume das flores! Dezoito anos! O amor daquela idade!
A passagem do seio da família, dos braços de mãe, dos beijos das irmãs para as carícias mais doces da
virgem, que se lhe abre ao lado como flor da mesma sazão e dos mesmos aromas, e à mesma hora da
vida! Dezoito anos!... E degredado da pátria, do amor e da família! Nunca mais o céu de Portugal, nem
liberdade, nem irmãos, nem mãe, nem reabilitação, nem dignidade, nem um amigo!... É triste!
O leitor decerto se compungiria; e a leitora, se lhe dissessem em menos de uma linha a história
daqueles dezoito anos, choraria!
Amou, perdeu‑se, e morreu amando.
É a história. E história assim poderá ouvi‑la a olhos enxutos a mulher, a criatura mais bem formada
das branduras da piedade, a que por vezes traz consigo do céu um reflexo da divina misericórdia?! Essa,

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A PrOsA dO rOmAnTismO: A LiTerATUrA se POPULArizA CAPÍTULO 3

a minha leitora, a carinhosa amiga de todos os infelizes, não choraria se lhe dissessem que o pobre moço
perdera honra, reabilitação, pátria, liberdade, irmãs, mãe, vida, tudo, por amor da primeira mulher que
o despertou do seu dormir de inocentes desejos?!
Chorava, chorava! Assim eu lhe soubesse dizer o doloroso sobressalto que me causaram aquelas
linhas, de propósito procuradas, e lidas com amargura e respeito e, ao mesmo tempo, ódio. Ódio, sim...
A tempo verão se é perdoável o ódio, ou se antes me não fora melhor abrir mão desde já de uma his‑
tória que me pode acarear enojos dos frios julgadores do coração, e das sentenças que eu aqui lavrar
contra a falsa virtude de homens, feitos bárbaros, em nome da sua honra.
n CASTELO BRANCO, Camilo. Amor de perdição. São Paulo: Scipione, 2004. p. 9.

1. Como se posiciona o narrador da novela?


2. Quem é o interlocutor preferencial do narrador?
3. Podemos dizer que os personagens de Camilo vivem sob as leis da “religião do amor” e se transfor‑
mam em “mártires do amor”. Que frase do texto sintetiza isso?

4. Por trás das palavras do narrador, temos valores defendidos por Camilo Castelo Branco. Cite ao
menos dois.

5. Com certeza, você conhece a história de Romeu e Julieta. Que pontos em comum você percebe entre
o texto de Shakespeare e as narrativas de Eurico, o presbítero e Amor de perdição?

O último capítulo de Amor de perdição é um típico exemplo do “grande final romântico” camiliano:
em poucas páginas, assiste ‑se à morte dos três personagens que formam o triângulo amoroso – Simão,
Teresa e Mariana. No trecho a seguir, Mariana acompanha os últimos momentos de seu amado,
suicidando ‑se logo depois.

Ao romper da manhã apagara‑se a lâmpada. Mariana saíra a pedir luz e ouvira um gemido ester‑
toroso. Voltando às escuras, com os braços estendidos para tatear a face do agonizante, encontrou a
mão convulsa, que lhe apertou uma das suas, e relaxou de súbito a pressão dos dedos.
Entrou o comandante com uma lâmpada, e aproximou‑lhe da respiração, que não embaciou
levemente o vidro.
– Está morto! – disse ele.
Mariana curvou‑se sobre o cadáver, e beijou‑lhe a face. Era o primeiro beijo. Ajoelhou depois ao
pé do beliche com as mãos erguidas, e não orava nem chorava.
Algumas horas volvidas, o comandante disse a Mariana:
– Agora é tempo de dar sepultura ao nosso venturoso amigo... É ventura morrer quando se vem
a este mundo com tal estrela. Passe a senhora Mariana ali para a câmara, que vai ser levado daqui o
defunto.
Mariana tirou o maço das cartas debaixo do travesseiro, e foi a uma caixa buscar os papéis de
Simão. Atou o rolo no avental, que ele tinha daquelas lágrimas dela, choradas no dia da sua demência,
e cingiu o embrulho à cintura.
Foi o cadáver envolto num lençol, e transportado ao convés.
Mariana seguiu‑o.
Do porão da nau foi trazida uma pedra, que um marujo lhe atou às pernas com um pedaço de
cabo. O comandante contemplava a cena triste com os olhos úmidos, e os soldados que guarneciam a
nau, tão funeral respeito os impressionara, que insensivelmente se descobriram.
Mariana estava, no entanto, encostada ao flanco da nau, e parecia estupidamente encarar aqueles
empuxões que o marujo dava ao cadáver, para segurar a pedra na cintura.
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PArTe 3 TexTOs, ArTe e CULTUrA

Dois homens ergueram o morto ao alto sobre a amurada. Deram‑lhe o balanço para o arremessa‑
rem longe. E, antes que o baque do cadáver se fizesse ouvir na água, todos viram, e ninguém já pôde
segurar Mariana, que se atirara ao mar.
À voz do comandante desamarraram rapidamente o bote e saltaram homens para salvar Mariana.
Salvá‑la!...
Viram‑na, um momento, bracejar, não para resistir à morte, mas para abraçar‑se ao cadáver de
Simão, que uma onda lhe atirou aos braços. O comandante olhou para o sítio donde Mariana se atira‑
ra, e viu, enleado no cordame, o avental, e à flor da água, um rolo de papéis, que os marujos recolheram
na lancha. Eram, como sabem, a correspondência de Teresa e Simão.
n CASTELO BRANCO, Camilo. Amor de perdição. 2. ed. São Paulo: Scipione, 2004. p. 111-112.

1. Aponte, no texto, duas características típicas do ultrarromantismo.


2. É interessante notar que, no último parágrafo, temos a representação plena dos amores de Teresa/
Simão e Mariana/Simão. Que recursos Camilo Castelo Branco utiliza para demonstrar isso?

3. Para um romântico, é possível viver sem a pessoa amada? E você, também acredita que “se morre
de amor”?

ando
oc
tr

ideias
Em pequenos grupos, releiam atentamente o texto do professor Alfredo Bosi na epígrafe
deste capítulo. Em seguida:
a) Montem um quadro comparativo entre as características do romance romântico e as
das atuais telenovelas. Qual era o público dos romances do século XIX? Qual é o público
das atuais telenovelas? Em geral, em que se centra o conflito? Como são trabalhadas as
questões sociais nos romances românticos e nas telenovelas? Apresentem suas conclu‑
sões aos colegas e professor.
b) Individualmente, escreva um parágrafo argumentativo expondo sua opinião sobre as
atuais telenovelas e sua influência junto ao público espectador.

O romance burguês

Júlio Dinis
Reprodução/Coleção particular

Júlio Dinis é o pseudônimo do médico Joaquim Guilherme Gomes


Coelho, descendente de uma família burguesa da cidade do Porto. Nascido
em 1839, morreu tuberculoso em 1871, aos 32 anos de idade.
Reagindo ao modismo dos romances históricos do Romantismo, Júlio Dinis
retratou, em seus romances, cenas da vida portuguesa da segunda metade do
século XIX. Surgiu, assim, o “romance contemporâneo”, tendência que vingou
no período realista (notadamente, na produção de Eça de Queirós). No entanto,
um forte traço romântico ainda esteve presente nos romances de Júlio Dinis: a
otimista visão de mundo da burguesia liberal portuguesa.

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A PrOsA dO rOmAnTismO: A LiTerATUrA se POPULArizA CAPÍTULO 3

Lendo o texto

Cenas da vida do Porto


Uma família inglesa, publicado em 1868, tem como subtítulo Cenas da vida do Porto. A partir
do mundo dos negócios de Mr. Richard Whitestone, abastado negociante inglês residente na cida‑
de do Porto, o autor constrói interessante retrato da cidade que absorvia o ritmo capitalista da
segunda metade do século XIX. António José Saraiva e Óscar Lopes comentam que “Júlio Dinis,
utilizando os processos do romance realista inglês e balzaquiano, é quem, pela primeira vez, des‑
crevendo interiores ou cenas ao ar livre, cria entre nós ambientes integrados com as personagens,
verdadeiras atmosferas que fazem corpo com elas”. Nesse mundo dos negócios há espaço para a
realização amorosa: Carlos, filho de Mr. Whitestone, apaixona ‑se por Cecília, filha do guarda ‑livros
do pai; as marchas e contramarchas do amor, as desigualdades sociais são superadas com a inter‑
venção de Jenny, irmã de Carlos, definida como “o anjo bom da família”. No final, superadas todas
as dificuldades, Carlos e Cecília casam‑se (“Preciso acrescentar que Carlos e Cecília viveram felizes?”
pergunta o narrador nas últimas linhas do romance) e o pai de Cecília passa a ter participação nos
negócios do antigo patrão. Um final feliz que revela o otimismo burguês de Júlio Dinis.

Uma família inglesa


Esta nossa cidade – seja dito para aquelas pessoas, que porventura a conhecem menos – divide‑
‑se naturalmente em três regiões, distintas por fisionomias particulares.
A região oriental, a central e a ocidental.
O bairro central é o portuense propriamente dito; o oriental, o brasileiro; o ocidental, o inglês.
No primeiro predominam a loja, o balcão, o escritório, a casa de muitas janelas e de extensas
varandas, as crueldades arquitetônicas, a que se sujeitam velhos casarões, com o intento de os moder‑
nizar; o saguão, a viela independente das posturas municipais e à absoluta disposição dos moradores
das vizinhanças; a rua estreita muito vigiada de polícias; as ruas, em cujas esquinas estacionam gale‑
gos armados de pau e corda e os cadeirinhas com o capote clássico; as ruas ameaçadas de procissões,
e as mais propensas a lama; aquelas onde mais se compra e vende; onde mais se trabalha de dia, onde
mais se dorme de noite. Há ainda neste bairro muitos ares do velho burgo do Bispo, não obstante as
aparências modernas que revestiu.
O bairro oriental é principalmente brasileiro, por mais procurado pelos capitalistas que recolhem
da América. Predominam neste umas enormes moles graníticas, a que chamam palacetes; o portal
largo, as paredes de azulejo – azul, verde ou amarelo, liso ou de relevo; o telhado de beira azul; as
varandas azuis e douradas; os jardins, cuja planta se descreve com termos geométricos e se mede a
compasso e escala, adornados de estatuetas de louça, representando as quatro estações; portões de
ferro, com o nome do proprietário e a era da edificação em letras também douradas; abunda a casa
com janelas góticas e portas retangulares, e as janelas retangulares e portas góticas, algumas com
ameias, e o mirante chinês. As ruas são mais sujeitas à poeira. Pelas janelas quase sempre algum
capitalista ocioso.
O bairro ocidental é o inglês, por ser especialmente aí o habitat destes nossos hóspedes.
Predomina a casa pintada de verde‑escuro, de roxo‑terra, de cor de café, de cinzento, de preto... até de
preto! – Arquitetura despretensiosa, mas elegante, janelas retangulares; o peitoril mais usado do que
a sacada. – Já uma manifestação de um viver mais recolhido, mais íntimo, porque o peitoril tem muito
menos de indiscreto do que a varanda. Algumas casas ao fundo dos jardins, jardins assombrados de

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PArTe 3 TexTOs, ArTe e CULTUrA

acácias, tílias e magnólias e cortados de avenidas tortuosas; as portas da rua sempre fechadas.
Chaminés fumegando quase constantemente. Persianas e transparentes de fazerem desesperar
curiosidades. Ninguém pelas janelas. Nas ruas encontra‑se com frequência uma inglesa de cachos e
um bando de crianças de cabelos loiros e de babeiros brancos.
Tais são nos seus principais caracteres as três regiões do Porto, sendo desnecessário acrescentar
que nesta, como em qualquer outra classificação, nada há de absoluto. Desenhando o tipo específico,
nem estabelecemos demarcações bem definidas, nem recusamos admitir algumas, e até numerosas
exceções, hoje mais numerosas ainda do que então, em 1855.
n DINIS, Júlio. Uma família inglesa. Disponível em: <http://bibliblogue.files.wordpress.com/2010/09/uma-famc3adlia-inglesa.pdf>.
Acesso em: 26 jan. 2013.

1. A partir das informações do texto, tente caracterizar cada um dos bairros, descrevendo seus aspectos
arquitetônicos, o tipo de uso (comercial, residencial, etc.) e o tipo de usuário ou habitante.

2. Explique por que o bairro oriental é chamado de brasileiro.

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O ROMANCE ROMÂNTICO NO BRASIL
///////////
////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Rio de Janeiro, o palco ideal


A urbanização da cidade do Rio de Janeiro, transformada em Corte, gerava uma sociedade consumidora
representada pela aristocracia rural, pelos profissionais liberais e jovens estudantes, todos em busca de “entre‑
tenimento”; o espírito nacionalista exigia uma “cor local” para os romances, e não a mera importação ou tradu‑
ção de obras estrangeiras; o jornalismo vivia seu primeiro grande impulso e crescia a divulgação em massa de
folhetins; o teatro nacional avançava: esses foram alguns dos fatores que explicaram o aparecimento e o desen‑
volvimento do romance no Brasil.
Respondendo às exigências do público leitor, surgiram romances cujo enredo girava em torno da descrição
dos costumes urbanos e de amenidades do campo, ou que apresentavam imponentes selvagens, personagens
concebidos pela imaginação e ideologia românticas, com os quais o leitor se identificava, pois retratavam uma
“realidade” que lhe convinha. Apenas poucas obras fugiram desse esquema, como Memórias de um sargento de
milícias, de Manuel Antônio de Almeida, e mesmo de Inocência, do Visconde de Taunay.
José de Alencar, ao comentar seus roman‑
ces urbanos, afirmava que seus personagens
Jean-Baptiste Debret, Coleção particular

eram talhados “no tamanho da sociedade flu‑


minense” e reconhecer isso era “o maior elogio”
que lhe poderia ser feito. É importante obser‑
var, no entanto, que a sociedade fluminense
vivia em estado de ebulição, matéria ‑prima
dos romancistas do século XIX.

n A gravura de Debret, com negros escravos


transportando o produto a ser comercializado,
registra a transição por que passava a cidade
do Rio de Janeiro em meados do século XIX:
uma sociedade estruturada a partir das
grandes propriedades rurais e do regime
escravocrata passa a conviver com o modelo
capitalista mercantil.

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A PrOsA dO rOmAnTismO: A LiTerATUrA se POPULArizA CAPÍTULO 3

Reminiscências/Acervo Iconographia

A rua do Ouvidor, símbolo maior do comércio do Rio de Janeiro, tornou ‑se o cenário
ideal das narrativas do século XIX; da mesma forma, percebe ‑se a preo cu pação em citar o
nome da modista, do alfaiate, do restaurante da moda. Machado de Assis afirmava que a
rua do Ouvidor era o rosto do Rio de Janeiro. Em seus cafés e confeitarias praticava ‑se tam‑
bém outro tipo de comércio: o mercado matrimonial, cujo endereço comercial estendia ‑se
a todos os salões e a todas as residências ricas. Para um filho da classe média, com diploma
na mão, o casamento era, na maioria das vezes, o único caminho de ascensão social e, com
certeza, o mais curto para uma promissora carreira política.

• Agora analise a imagem da página 280 e a apresentada ao lado: apesar de diferentes,


elas possuem importantes características documentais. Quais são as diferenças e
semelhanças entre elas? O que nos informam acerca da sociedade que representam?
n Rua do Ouvidor
em 1890.

O romance urbano

Joaquim Manuel de Macedo


Arquivo do jornal O Estado
de S. Paulo/Agência Estado

Joaquim Manuel de Macedo (1820‑1882) foi o primeiro romancista brasileiro a alcançar


sucesso junto ao novo público romântico formado por jovens senhoras e estudantes. Em
1844, ano em que se forma em Medicina pela Faculdade do Rio de Janeiro, publica seu
primeiro romance – A Moreninha –, ambientado na Corte carioca e tendo por personagens
jovens estudantes de Medicina.

A vitória do amor
A obra de Macedo apresenta todo o esquema e desenvolvimento dos romances românticos iniciais:
descrição de costumes da sociedade carioca, suas festas e tradições, estilo fluente e leve, linguagem sim‑
ples, que beira o desleixo, tramas fáceis, pequenas intrigas de amor e mistério, final feliz, com a vitória do
amor. Com essa receita, Macedo consegue ser o autor mais lido do Brasil no final da década de 1840 e início
dos anos 1850, até sofrer a concorrência de Alencar e seu O guarani (1857).
Macedo foi, por excelência, o escritor da classe média carioca, em oposição à aristocracia rural. Sua
pena tinha o “gosto burguês”; seus romances eram povoados de jovens estudantes idealizados, moçoilas
casadoiras ingênuas e puras e outros tipos que perambulavam pela agitada cidade do Rio de Janeiro.

Lendo o texto

O enredo de A Moreninha
“Um grupo de rapazes combina um fim de semana festivo, na casa da avó de um deles. Augusto,
considerado pelos colegas extremamente volúvel em questões de amor, aposta que não se apaixonará por
nenhuma das belas jovens que, certamente, encontraria na festa. Apesar de seus firmes propósitos, não
resiste à graça feiticeira de Carolina, a inteligente e brejeira Moreninha. Justificando seu comportamento
leviano, Augusto confessa a D. Ana, avó de Carolina, ser apenas uma atitude de defesa o juramento de
amor eterno, feito na infância a uma menina, que, desde então, perdera de vista. Depois de muitas peri‑
pécias, algumas até cômicas, Augusto descobre ser a Moreninha o seu primeiro amor. Cumpria‑se o des‑
tino e o protagonista, muito feliz, perdia a aposta, cujo prêmio era escrever seu próprio romance.”
n PAES, José Paulo; MOISÉS, Massaud (Org.). Pequeno dicionário de Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 1969. p. 168.

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PArTe 3 TexTOs, ArTe e CULTUrA

Transcrevemos, a seguir, um fragmento do primeiro capítulo e o epílogo.

A Moreninha
Capítulo I – Aposta imprudente
[...]
– Que vaidoso! ... te digo eu, exclamou Filipe.
– Ora, esta não é má!... Então vocês querem
governar meu coração?...
– Não; porém, eu torno a afirmar que tu ama‑
rás uma de minhas primas durante todo o tempo
que for da vontade dela.
– Que mimos de amor que são as primas
deste senhor!...
– Eu te mostrarei.
– Juro que não.
– Aposto que sim.
– Aposto que não.
– Papel e tinta, escreva‑se a aposta.
– Mas tu me dás muita vantagem e eu rejei‑
taria a menor. Tens apenas duas primas; é um
número de feiticeiras muito limitado. Não sejam
só elas as únicas magas que em teu favor invo‑
quem para me encantar. Meus sentimentos ofen‑
dem, talvez, a vaidade de todas as belas e todas as
belas, pois, tenham o direito de te fazer ganhar a
aposta, meu valente campeão do amor constante!
Ulhôa Cintra/Arquivo da editora
– Como quiseres, mas escreve.
– E quem perder?...
– Pagarás a todos nós um almoço no Pharoux, disse Fabrício.
– Qual almoço! acudiu Leopoldo. Pagará um camarote no primeiro drama novo que representar
o nosso João Caetano.
– Nem almoço, nem camarote, concluiu Filipe; se perderes, escreverás a história da tua derrota, e
se ganhares, escreverei o triunfo da tua inconstância.
– Bem, escrever‑se‑á um romance, e um de nós dois, o infeliz, será o autor.
Augusto escreveu primeira, segunda e terceira vez o termo da aposta, mas depois de longa e
vigorosa discussão, em que qualquer dos quatro falou duas vezes sobre a matéria, uma para res‑
ponder e dez ou doze pela ordem; depois de se oferecerem quinze emendas e vinte artigos aditivos,
caiu tudo por grande maioria, e entre bravos, apoiados e aplausos, foi aprovado, salva a redação, o
seguinte termo:
“No dia 20 de julho de 18... na sala parlamentar da casa no.... da rua de..., sendo testemunhas os
seguintes estudantes Fabrício e Leopoldo, acordaram Filipe e Augusto, também estudantes, que, se
até o dia 20 de agosto do corrente ano, o segundo acordante tiver amado a uma só mulher durante
quinze dias ou mais, será obrigado a escrever um romance em que tal acontecimento confesse; e,
no caso contrário, igual pena sofrerá o primeiro acordante. Sala parlamentar, 20 de julho de 18...
Salva a redação.”
Como testemunhas: Fabrício e Leopoldo.
Acordantes: Filipe e Augusto.
E eram oito horas da noite quando se levantou a sessão.
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A PrOsA dO rOmAnTismO: A LiTerATUrA se POPULArizA CAPÍTULO 3

Epílogo
A chegada de Filipe, Fabrício e Leopoldo veio dar ainda mais viveza ao prazer que reinava na
gruta. O projeto de casamento de Augusto e D. Carolina não podia ser um mistério para eles, tendo
sido, como foi, elaborado por Filipe, de acordo com o pai do noivo, que fizera a proposta, e com o velho
amigo, que ainda no dia antecedente viera concluir os ajustes com a senhora D. Ana; e, portanto, o
tempo que se gastaria em explicações, passou‑se em abraços.
– Muito bem! muito bem! disse por fim Filipe; quem pôs o fogo ao pé da pólvora fui eu, eu que
obriguei Augusto a vir passar o dia de Sant’Ana conosco.
– Então estás arrependido?...
– Não, por certo, apesar de me roubares minha irmã. Finalmente para este tesouro sempre teria
de haver um ladrão; ainda bem que foste tu que o ganhaste.
– Mas, meu maninho, ele perdeu ganhando...
– Como?...
– Estamos no dia 20 de agosto: um mês!
– É verdade! um mês!... exclamou Filipe.
– Um mês!... gritaram Fabrício e Leopoldo.
– Eu não entendo isto! disse a senhora D. Ana.
– Minha boa avó, acudiu a noiva, isto quer dizer que, finalmente, está presa a borboleta.
– Minha boa avó, exclamou Filipe, isto quer dizer que Augusto deve‑me um romance.
– Já está pronto, respondeu o noivo.
– Como se intitula?
– “A Moreninha”.
n MACEDO, Joaquim Manuel de. A Moreninha.
Disponível em: <www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000008.pdf>. Acesso em: 27 jan. 2013.

1. A Moreninha apresenta uma descrição dos costumes do Rio de Janeiro imperial (à semelhança da
maioria dos romances românticos urbanos, é o Rio de D. Pedro II). Aponte duas passagens do texto
em que isso ocorre.

2. Observe que, entre o primeiro capítulo e o epílogo, o tempo transcorrido foi de apenas um mês (20
de julho a 20 de agosto de 18...); nesse curto espaço de tempo, o par romântico se conheceu,
apaixonou ‑se e marcou o casamento. Você diria que A Moreninha está perfeitamente dentro dos
valores românticos? Justifique a resposta.

FiLmOTeCA
Divulgação/Arquivo da editora

A Moreninha (1971). Direção: Glauco Mirko Laurelli. Com Sonia Braga, David Cardoso,
Carlos Alberto Riccelli.
Fraca transposição do livro homônimo de Joaquim Manuel de Macedo para musical.
Sonia Braga, em seu primeiro filme, interpreta Carolina e é dublada nas canções. Vale a
pena assistir pela beleza do local onde se passa a história, a linda ilha de Paquetá.

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PArTe 3 TexTOs, ArTe e CULTUrA

José de Alencar e seu projeto de literatura nacional

José Martiniano de Alencar


José Martiniano de Alencar (1829‑1877), em seus romances indianistas, defende o “consórcio”
entre o nativo e o europeu colonizador como uma troca de favores: uns ofereciam a natureza virgem,
o solo esplêndido; outros, a cultura. Da soma desses fatores resultaria um Brasil independente. Isto se
percebe claramente no romance O guarani, na relação entre Peri e a família de D. Antônio de Mariz, e
no romance Iracema, na relação da índia com o português Martim: Moacir, filho de Iracema e Martim,
é o primeiro brasileiro, fruto desse casamento de colonizadores e colonizados.
Reprodução/Museu Histórico
Nacional, Rio de Janeiro, RJ.

Um grande painel do Brasil


Ao publicar Sonhos d’ouro, em 1872, Alencar escreveu um prólogo, sob o título de “Bênção paterna”
que se tornaria célebre; nele, o romancista traça o que seria o grande plano de sua obra romanesca. Vale
a pena a reprodução de alguns trechos:
“A literatura nacional que outra cousa é senão a alma da pátria, que transmigrou para este solo vir‑
gem com uma raça ilustre, aqui impregnou‑se da seiva americana desta terra que lhe serviu de regaço.
O período orgânico desta literatura conta já três fases.
A primitiva, que se pode chamar aborígine, são as lendas e mitos da terra selvagem e conquista‑
da; são as tradições que embalaram a infância do povo, e ele escutava como o filho a quem a mãe
acalenta no berço com as canções da pátria, que abandonou.
Iracema pertence a essa literatura primitiva [...].
O segundo período é histórico: representa o consórcio do povo invasor com a terra americana, que
dele recebia a cultura, e lhe retribuía nos eflúvios de sua natureza virgem e nas reverberações de um
solo esplêndido.
É a gestação lenta do povo americano, que devia sair da estirpe lusa, para continuar no novo
mundo as gloriosas tradições de seu progenitor. Esse período colonial terminou com a independência.
A ele pertencem O guarani e As minas de prata.
A terceira fase, a infância de nossa literatura, começada com a independência política, ainda não termi‑
nou; espera escritores que lhe deem os últimos traços e formem o verdadeiro gosto nacional, fazendo calar
as pretensões hoje tão acesas, de nos recolonizarem pela alma e pelo coração, já que não o podem pelo braço.”
Hoje, ao analisar a obra de Alencar, percebe ‑se nitidamente a intenção do autor em traçar um grande
painel do Brasil, cobrindo ‑o por inteiro: o período colonial, com os romances Ubirajara, Iracema, O guarani,
As minas de prata; a sociedade rural, com os romances Til e O tronco do ipê; o Norte, com O sertanejo; o Sul,
com O gaúcho; o Rio de Janeiro urbano do século XIX, com Cinco minutos, A viuvinha, A pata da gazela,
Sonhos d’ouro, Encarnação, Lucíola, Diva e Senhora.

Lendo o texto
Iracema é um livro cearense; aliás, seu título completo é Iracema – lenda do Ceará. A
dedicatória é coerente: “À Terra Natal – um filho ausente”. No prólogo da primeira edição,
o autor afirma: “O livro é cearense. Foi imaginado aí, na limpidez desse céu de cristalino
azul, e depois vazado no coração cheio de recordações vivazes de uma imaginação virgem.
Escrevi ‑o para ser lido lá, na varanda da casa rústica ou na fresca sombra do pomar, ao
doce embalo da rede, entre os murmúrios do vento que crepita na areia ou farfalha nas
palmas dos coqueiros”.

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A PrOsA dO rOmAnTismO: A LiTerATUrA se POPULArizA CAPÍTULO 3

Iracema
Capítulo II
Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema1.
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e
mais longos que seu talhe de palmeira.
O favo da jati2 não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu háli‑
to perfumado.
Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu3, onde cam‑
peava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara4. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a
verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas.
Um dia, ao pino do sol, ela repousava em um claro da floresta. Banhava‑lhe o corpo a sombra da
oiticica5, mais fresca do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre esparziam6 flores sobre
os úmidos cabelos. Escondidos na folhagem, os pássaros ameigavam o canto.
Iracema saiu do banho; o aljôfar7 d’água ainda a roreja8, como à doce mangaba9 que corou em
manhã de chuva. Enquanto repousa, empluma das penas do gará10 as flechas de seu arco; e concerta
com o sabiá da mata, pousado no galho próximo, o canto agreste.
A graciosa ará11, sua companheira e amiga, brinca junto dela. Às vezes sobe aos ramos da árvore
e de lá chama a virgem pelo nome; outras, remexe o uru12 de palha matizada, onde traz a selvagem
seus perfumes, os alvos fios de crautá13, as agulhas da juçara14 com que tece a renda, e as tintas de que
matiza o algodão.
Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta15. Ergue a virgem os olhos, que o sol não des‑
lumbra; sua vista perturba‑se.
Diante dela e todo a contemplá‑la, está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau
espírito da floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar, nos olhos o azul triste das
águas profundas. Ignotas16 armas e tecidos ignotos cobrem‑lhe o corpo.
Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema. A flecha embebida no arco partiu. Gotas de sangue
borbulham na face do desconhecido.

Reprodução/Museu Nacional de Belas Artes – Iphan/MinC, Rio de Janeiro, RJ.

n José Maria de
Medeiros. Iracema,
1881. Óleo sobre
tela, Museu
Nacional de Belas
Artes, RJ.

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PArTe 3 TexTOs, ArTe e CULTUrA

De primeiro ímpeto, a mão lesta17 caiu sobre a cruz da espada; mas logo sorriu. O moço guerreiro
aprendeu na religião de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e amor. Sofreu mais d’alma que
da ferida.
O sentimento que ele pôs nos olhos e no rosto, não o sei eu. Porém a virgem lançou de si o arco e
a uiraçaba18, e correu para o guerreiro, sentida da mágoa que causara. A mão que rápida ferira, estan‑
cou mais rápida e compassiva o sangue que gotejava. Depois Iracema quebrou a flecha19 homicida;
deu a haste ao desconhecido, guardando consigo a ponta farpada.
O guerreiro falou:
– Quebras comigo a flecha da paz?
– Quem te ensinou, guerreiro branco, a linguagem de meus irmãos? Donde vieste a estas matas,
que nunca viram outro guerreiro como tu?
– Venho de bem longe, filha das florestas. Venho das terras que teus irmãos já possuíram, e hoje
têm os meus.
– Bem‑vindo seja o estrangeiro aos campos dos tabajaras, senhores das aldeias, e à cabana de
Araquém, pai de Iracema.
n ALENCAR, José de. Iracema. São Paulo:
Scipione, 2004. p. 10-11.

1 Iracema: em guarani significa “lábios de mel” – de ira, “mel”, e 12 uru: cestinho que servia de cofre às selvagens para guardar seus
tembe, “lábios”. Tembe na composição altera‑se em ceme. objetos de mais preço e valor.
Iracema é também anagrama da palavra América (notar que 13 crautá: bromélia vulgar de que se tiram fibras tão ou mais finas
Iracema é a personificação do Novo Mundo americano; Martim, o que as de linho.
guerreiro branco, é a personificação do conquistador europeu).
14 juçara: palmeira de grandes espinhos, dos quais se servem ainda
2 jati: pequena abelha que fabrica delicioso mel.
hoje para dividir os fios da renda.
3 Ipu: assim chamam ainda hoje no Ceará a certa qualidade de terra 15 sesta: hora em que se descansa ou dorme após o almoço.
muito fértil, que forma grandes coroas ou ilhas no meio dos
16 ignotas: desconhecidas, ignoradas.
tabuleiros e sertões, e é de preferência procurada para a cultura.
4 tabajara: senhor das aldeias; de taba, “aldeia”, e jara, “senhor”. 17 lesta: rápida, ligeira, ágil.

5 oiticica: árvore frondosa, apreciada pela deliciosa frescura que 18 uiraçaba: o mesmo que aljava; pequeno estojo para guardar

derrama sua sombra. as flechas.


6 esparziam: espalhavam, derramavam, difundiam. 19 quebrar a flecha: era entre os indígenas a maneira simbólica de

7 aljôfar: orvalho da manhã; gotas de água; pérola miúda.


estabelecerem a paz entre as diversas tribos, ou mesmo entre dois
guerreiros inimigos. Desde já advertimos que não se estranhe a
8 roreja: molha com pequenas gotas.
maneira por que o estrangeiro se exprime falando com os
9 mangaba: o fruto da mangabeira. selvagens; ao seu perfeito conhecimento dos usos e língua dos
10 gará: ave aquática, de penas avermelhadas, mais conhecida pelo indígenas, e sobretudo a ter‑se conformado com eles a ponto de
nome de guará. deixar os trajes europeus e pintar‑se, deveu Martins Soares
Moreno a influência que adquiriu entre os índios do Ceará.
11 ará: periquito; os indígenas, como aumentativo, usavam repetir a
última sílaba da palavra e às vezes toda a palavra, como murémuré.
Muré, “frauta”, murémuré, “frauta grande”. Arara vinha a ser, pois, o Nota: Os verbetes sublinhados são do próprio José de Alencar, nas
aumentativo de ará, e significaria a espécie maior do gênero. Notas ao romance Iracema.

1. A descrição de Iracema caracteriza um personagem romântico? Por quê?


2. Que tipo de relação Alencar estabelece entre Iracema e a natureza?
3. Comente a linguagem utilizada pelo autor no fragmento apresentado.
4. Destaque do texto uma passagem caracterizada pela exaltação da natureza pátria.
5. O ato de quebrar a flecha, além de simbolizar a paz entre Iracema e o guerreiro, adquire outro
significado. Qual?

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A PrOsA dO rOmAnTismO: A LiTerATUrA se POPULArizA CAPÍTULO 3

Um perfil de mulher na obra de Alencar

O enredo de Senhora
Aurélia Camargo, moça pobre e órfã de pai, fica noiva de Fernando Seixas, rapaz de boa índo‑
le, mas desfibrado pelo desejo de carreira fácil e brilhante. Em parte pelo fato de ser pobre, em
parte pela esperança de conseguir um bom partido, Fernando abandona a noiva, que se desilude
dos homens.
Inesperadamente, morre o avô de Aurélia, deixando ‑a milionária. Movida por vários impul‑
sos e motivos, a moça, mantendo segredo sobre seu nome, manda propor casamento a Fernando
mediante o dote de cem contos, quantia avultadíssima na época. Envolvido em dificuldades
financeiras, o rapaz aceita e só mais tarde descobre quem é a noiva. Na noite do casamento,
Aurélia, manifestando profundo desprezo, comunica ‑lhe que viverão um casamento de aparên‑
cia apenas. Fernando compreende o sentido da compra a que se sujeitara e toma consciência de
sua leviandade.
Numa espécie de longo duelo, marido e mulher se põem à prova, até que Fernando consegue
a soma necessária para devolver o que recebera e propõe a separação. Nesse meio ‑tempo, seu
caráter se forjara, enquanto se abrandava a dureza de Aurélia. O desenlace é a reconciliação de
ambos, cujo amor havia crescido com a experiência.

O texto a seguir é um fragmento do capítulo IV de Senhora, em que Alencar descreve a “revolução” que
se opera no espírito de Aurélia Camargo ao tratar de negócios. Observe que a jovem heroína assume com‑
portamentos “masculinos” ao realizar tarefas que só competiam aos homens. Esse trecho nos oferece uma
amostra do conceito de sociedade de José de Alencar.

Quem observasse Aurélia naquele momento, não deixaria de


notar a nova fisionomia que tomara o seu belo semblante e que
influía em toda a sua pessoa.
Era uma expressão fria, pausada, inflexível, que jaspeava
sua beleza, dando‑lhe quase a gelidez da estátua. Mas no
lampejo de seus grandes olhos pardos brilhavam as irradia‑
ções da inteligência. Operava‑se nela uma revolução. O princípio
vital da mulher abandonava seu foco natural, o coração, para
concentrar‑se no cérebro, onde residem as faculdades
especulativas do homem.
Nessas ocasiões seu espírito adquiria tal lucidez
que fazia correr um calafrio pela medula do Lemos, ape‑
Ulhôa Cintra/Arquivo da editora

sar do lombo maciço de que a natureza havia forrado no


roliço velhinho o tronco do sistema nervoso.
Era realmente de causar pasmo aos estranhos e
susto a um tutor, a perspicácia com que essa moça de
dezoito anos apreciava as questões mais complicadas;
o perfeito conhecimento que mostrava dos negócios, e
a facilidade com que fazia, muitas vezes de memória,
qualquer operação aritmética por muito difícil e
intrincada que fosse.

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PArTe 3 TexTOs, ArTe e CULTUrA

Não havia porém em Aurélia nem sombra do ridículo pedantismo de certas moças que, tendo
colhido em leituras superficiais algumas noções vagas, se metem a tagarelar de tudo.
Bem ao contrário, ela recatava sua experiência, de que só fazia uso, quando o exigiam seus pró‑
prios interesses. Fora daí ninguém lhe ouvia falar de negócios e emitir opinião acerca de coisas que
não pertencessem à sua especialidade de moça solteira.
n ALENCAR, José de. Senhora. São Paulo: Scipione, 2004. p. 15.

1. Comente a “revolução” que se operou em Aurélia.


2. Releia o penúltimo parágrafo e, a partir da expressividade dos adjetivos, estabeleça um paralelo
entre Aurélia e “certas moças” da sociedade.

3. Em outro trecho do mesmo romance, assim se manifesta o narrador:


“Aurélia era órfã; tinha em sua companhia uma velha parenta, viúva, D. Firmina Mascarenhas,
que sempre a acompanhava na sociedade.
Mas essa parenta não passava de mãe de encomenda, para condescender com os escrúpu-
los da sociedade brasileira, que naquele tempo não tinha admitido ainda certa emancipação
feminina”.
a) Pelos trechos lidos, como o narrador vê a emancipação da mulher?
b) E como o narrador vê a sociedade brasileira?

4. Em um exercício de imaginação, cite três assuntos que pertençam à “especialidade de moça


solteira”.

Texto e Intertexto

A democracia racial de Martius


No século XIX, uma das principais preocupações que atormentavam as elites brasileiras era a questão
da delimitação de uma identidade nacional. Essa identidade estaria invariavelmente ligada à escrita da
história e da literatura do Brasil, elementos fundamentais para a formação de uma cultura do Estado agora
independente. Durante aproximadamente três séculos, o Brasil havia sido colônia de Portugal, terreno de
uma exploração econômica voltada à exportação de gêneros tropicais para o mercado europeu, e onde
portugueses, índios e negros, dispostos em torno de um sistema econômico e social dominado pelo ele‑
mento branco, misturaram ‑se dando origem a uma população mestiça e heterogênea. Durante o Império,
as elites luso ‑brasileiras precisavam elaborar uma cultura para a jovem nação brasileira, que mostrasse um
passado do qual pudessem se orgulhar. Carl F. P. von Martius – botânico bávaro, integrante de uma missão
científica que percorreu o Brasil do Rio de Janeiro ao Amazonas durante os anos de 1817 e 1820, realizando
pesquisas e coletando informações – foi o vencedor de um concurso realizado pelo Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, cujo tema era desenvolver uma tese sobre como se deveria escrever a história do
Brasil. Em sua tese, Martius lançou as bases do que seria o mito da “democracia racial” brasileira. Para ele,
a identidade brasileira deveria ser buscada no que mais singularizava o Brasil: a mescla de raças, mas com
o detalhe de que essa mescla teria sempre o elemento branco como o principal fator. A metáfora a seguir
é clara e apela à pujança da natureza brasileira: “O sangue português, em um poderoso rio, deverá absorver
os pequenos confluentes das raças índias e etiópicas [...]”. O texto de Martius, na maioria de suas propostas,
atendia bem aos interesses das elites luso ‑brasileiras: propunha uma nação de padrão europeu, civilizada
e sob o domínio dissimulado do branco.
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A PrOsA dO rOmAnTismO: A LiTerATUrA se POPULArizA CAPÍTULO 3

Caçada
Quando a cavalgata1 chegou à margem da clareira, ai se passava uma cena curiosa.
Em pé, no meio do espaço que formava a grande abóbada de árvores, encostado a um velho tronco
decepado pelo raio, via‑se um índio na flor da idade.
Uma simples túnica de algodão, a que os indígenas chamavam aimará, apertada à cintura por uma
faixa de penas escarlates, caía‑lhe dos ombros até ao meio da perna, e desenhava o talhe delgado e esbelto
como um junco selvagem.
Sobre a alvura diáfana do algodão, a sua pele, cor do cobre, brilhava com reflexos dourados; os cabelos
pretos cortados rentes, a tez lisa, os olhos grandes com os cantos exteriores erguidos para a fronte; a pupila
negra, móbil, cintilante; a boca forte mas bem modelada e guarnecida de dentes alvos, davam ao rosto
pouco oval a beleza inculta da graça, da força e da inteligência.
Tinha a cabeça cingida por uma fita de couro, à qual se prendiam do lado esquerdo duas plumas matiza‑
das, que descrevendo uma longa espiral, vinham rogar com as pontas negras o pescoço flexível.
Era de alta estatura; tinha as mãos delicadas; a perna ágil e nervosa, ornada com uma axorca2 de frutos
amarelos, apoiava‑se sobre um pé pequeno, mas firme no andar e veloz na corrida. Segurava o arco e as
flechas com a mão direita caída, e com a esquerda mantinha verticalmente diante de si um longo forcado
de pau enegrecido pelo fogo.
n ALENCAR, José de. O guarani. Disponível em: <www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/2010/literatura/
obras_completas_literatura_brasileira_e_portuguesa/JOSE_ALENCAR/GUARANI/04.HTML>. Acesso em: 27 jan. 2013.

1 cavalgata: o mesmo que cavalgada; reunião de pessoas a cavalo.


2 axorca: argola usada como adorno nos braços e pernas.

Macunaíma

Capítulo I
No fundo do mato‑virgem nasceu Macunaíma1, herói de nossa gente. Era preto retinto e filho do
medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão grande escutando o murmurejo do
Uraricoera2, que a índia tapanhumas3 pariu uma criança feia. Essa criança é que chamaram de Macunaíma.
Já na meninice fez coisas de sarapantar4. De primeiro
passou mais de seis anos não falando. Si o incitavam a falar

Reprodução/Arquivo da editora
exclamava:
– Ai! que preguiça!...
e não dizia mais nada. Ficava no canto da maloca, tre‑
pado no jirau de paxiúba5, espiando o trabalho dos outros e
principalmente os dois manos que tinha, Maanape já velhi‑
nho e Jiguê na força de homem. O divertimento dele era
decepar cabeça de saúva. Vivia deitado mas si punha os
olhos em dinheiro, Macunaíma dandava pra ganhar vin‑
tém. E também espertava quando a família ia tomar banho
no rio, todos juntos e nus. Passava o tempo do banho dando
mergulho, e as mulheres soltavam gritos gozados por causa
dos guaimuns6 diz‑que habitando a água‑doce por lá. No
mucambo si alguma cunhatã7 se aproximava dele pra fazer
festinha, Macunaíma punha a mão nas graças dela, cunha‑
tã se afastava. Nos machos guspia na cara. Porém respeita‑
va os velhos e frequentava com aplicação a murua a poracê
o torê o bacorocô a cucuicogue, todas essas danças religio‑ n Água‑forte de Carybé para edição especial
sas da tribo. de Macunaíma.
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PArTe 3 TexTOs, ArTe e CULTUrA

Quando era pra dormir trepava no macuru8 pequeninho sempre se esquecendo de mijar. Como a
rede da mãe estava por debaixo do berço, o herói mijava quente na velha, espantando os mosquitos
bem. Então adormecia sonhando palavras‑feias, imoralidades estrambólicas e dava patadas no ar.
Nas conversas das mulheres no pino do dia o assunto eram sempre as peraltagens do herói. As mulhe‑
res se riam muito simpatizadas, falando que “espinho que pinica, de pequeno já traz ponta”, e numa paje‑
lança Rei Nagô fez um discurso e avisou que o herói era inteligente.
ANDRADE, Mário de. Macunaíma, o herói sem nenhum caráter. 16. ed.
São Paulo: Martins, 1973. p. 9-10.

1 Macunaíma: figura da mitologia indígena, recolhida por Mário de 3 tapanhumas: tribo lendária de índios do Brasil, com características
Andrade no livro Vom Roraima zum Orinoco, do etnólogo alemão físicas de negros.
Theodor Koch‑Grünberg, que, entre 1911 e 1913, fez pesquisas junto às 4 sarapantar: o mesmo que espantar.
tribos do extremo norte do Brasil. Segundo o alemão, “o nome do 5 jirau de paxiúba: estrado de varas ( jirau) feito com fibras de palmeira
mais elevado herói da tribo, Macunaíma, contém como partes (paxiúba).
componentes a palavra macku, ‘mau’ e o sufixo aumentativo -ima, 6 guaimuns: (ou guaiamuns) espécie de caranguejo.
‘grande’”.
7 cunhatã: moça, adolescente.
2 Uraricoera: rio localizado no norte de Roraima, tem sua nascente na
8 macuru: na Amazônia, balanço feito de pano e cipó, usado como
serra de Pacaraima, fronteira com a Venezuela. É um dos formadores
berço.
do rio Branco.

1. O primeiro fragmento apresentado, em que aparece o herói Peri, pertence ao romance romântico O guara-
ni, de José de Alencar, publicado em 1857. O segundo, em que também se descreve um herói, é o início do
romance modernista Macunaíma, de Mário de Andrade, publicado em 1928. Comente a concepção de herói
de cada um.

2. É muito comum, no Romantismo, os autores se esforçarem para integrar os protagonistas à natureza.


Destaque uma passagem do texto de Alencar em que isso ocorre.

3. Tanto os autores românticos como os modernistas procuravam se expressar em uma “língua brasileira”,
embora com concepções distintas. Para Mário de Andrade, quais são as características dessa “língua brasi‑
leira”? Dê um exemplo de construção de frase, um de vocabulário e outro de ortografia.

4. Mário de Andrade mistura os mais diferentes traços culturais que influenciaram o homem brasileiro. Na
frase “numa pajelança Rei Nagô...”, temos um exemplo de qual tipo de “mistura”?

O romance picaresco de Manuel Antônio de Almeida

Manuel Antônio de Almeida


Reprodução/Arquivo da editora

Manuel Antônio de Almeida (1831‑1861) é autor de um único romance:


Memórias de um sargento de milícias, uma das narrativas mais interessantes da
literatura brasileira, publicada em folhetins semanais do suplemento Pacotilha,
do jornal Correio Mercantil. Segundo Mário de Andrade, “um dos grandes
méritos das Memórias de um sargento de milícias é serem um tesouro muito rico
das coisas e costumes das vésperas da Independência”.

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A PrOsA dO rOmAnTismO: A LiTerATUrA se POPULArizA CAPÍTULO 3

Um verdadeiro romance de costumes


Memórias de um sargento de milícias é uma obra totalmente inovadora para sua época e pode ser
considerada o verdadeiro romance de costumes do Romantismo brasileiro, pois abandona a visão da
burguesia urbana para retratar o povo em toda a sua simplicidade. O romance é o documento de uma
época, descrita com malícia, humor e sátira: o período de D. João VI no Brasil, justamente o momento das
maiores transformações, da mudança da mentalidade colonial para a vida da corte.
As Memórias ferem a “sensibilidade romântica” já na figura de seu herói. Comparado aos modelos
românticos, Leonardinho é um anti ‑herói; melhor seria dizer um herói picaresco, aquele que está à mar‑
gem da sociedade, que a vê sob outro ângulo, de baixo para cima.

Lendo o texto
Divirta ‑se lendo estes dois trechos da obra de Manuel Antônio de Almeida.

Memórias de um sargento de milícias

Capítulo I – Origem, nascimento e batizado


(fragmento)

Sua história tem pouca cousa de notável. Fora Leonardo algibebe1 em Lisboa, sua pátria; aborrecera‑
‑se porém do negócio, e viera ao Brasil. Aqui chegando, não se sabe por proteção de quem, alcançou o
emprego de que o vemos empossado, e que exercia, como dissemos, desde tempos remotos. Mas viera
com ele no mesmo navio, não sei fazer o que, uma certa Maria‑da‑Hortaliça, quitandeira das praças de
Lisboa, saloia2 rechonchuda e bonitona. O
Leonardo, fazendo‑se‑lhe justiça, não era nesse

Reprodução/Coleção particular
tempo de sua mocidade mal apessoado, e sobre‑
tudo era maganão3. Ao sair do Tejo, estando a
Maria encostada à borda do navio, o Leonardo
fingiu que passava distraído por junto dela, e com
o ferrado sapatão assentou‑lhe uma valente pisa‑
dela no pé direito. A Maria, como se já esperasse
por aquilo, sorriu‑se como envergonhada do gra‑
cejo, e deu‑lhe também em ar de disfarce um
tremendo beliscão nas costas da mão esquerda.
Era isto uma declaração em forma, segundo os
usos da terra; levaram o resto do dia de namoro
cerrado; ao anoitecer passou‑se a mesma cena de
pisadela e beliscão, com diferença de serem desta
vez um pouco mais fortes; e no dia seguinte esta‑
vam os dois amantes tão extremosos e familiares,
que pareciam sê‑lo de muitos anos.

n Montagem do livro Memórias de um sargento


de milícias sobre a caricatura de Belmonte.

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PArTe 3 TexTOs, ArTe e CULTUrA

Quando saltaram em terra começou a Maria a sentir certos enojos4; foram os dois morar juntos;
e daí a um mês manifestaram‑se claramente os efeitos da pisadela e do beliscão; sete meses depois
teve Maria um filho, formidável menino de quase três palmos de comprido, gordo e vermelho, cabe‑
ludo, esperneador e chorão; o qual, logo depois que nasceu, mamou duas horas seguidas sem largar o
peito. E este nascimento é certamente de tudo o que temos dito o que mais nos interessa, porque o
menino de quem falamos é o herói desta história.

1 algibebe: aquele que vende roupas baratas. O autor nos dá, assim, algumas informações sobre o passado de Leonardo.

2 saloia: empregada como substantivo, saloia é a camponesa dos arredores de Lisboa, mulher rústica; como adjetivo, significa “mulher

ardilosa”, “finória”, “velhaca”. Manuel A. de Almeida trabalha a palavra saloia nos seus dois sentidos: “saloia (camponesa) rechonchuda e
bonitona”; “Afinal de contas a Maria sempre era saloia (ardilosa)”.
3 maganão: espertalhão, malicioso, conquistador.

4 enojos: náusea, enjoo. O autor inicia, assim, a sequência de fatos que indicam os “efeitos da pisadela e do beliscão” – a gravidez de Maria e o

nascimento do herói.

Capítulo II – Primeiros infortúnios


(fragmento)
Logo que pôde andar e falar tornou‑se um flagelo5; quebrava e rasgava tudo que lhe vinha à mão.
Tinha uma paixão decidida pelo chapéu armado do Leonardo; se este o deixava por esquecimento em
algum lugar ao seu alcance, tomava‑o imediatamente, espanava com ele todos os móveis, punha‑lhe
dentro tudo que encontrava, esfregava‑o em uma parede, e acabava por varrer com ele a casa; até que
a Maria, exasperada pelo que aquilo lhe havia de custar aos ouvidos, e talvez às costas, arrancava‑lhe
das mãos a vítima infeliz. Era, além de traquinas6, guloso; quando não traquinava, comia. A Maria não
lhe perdoava; trazia‑lhe bem maltratada uma região do corpo; porém ele não se emendava, que era
também teimoso, e as travessuras recomeçavam mal acabava a dor das palmadas.
Assim chegou aos sete anos.
Afinal de contas a Maria sempre era saloia, e o Leonardo começava a arrepender‑se seriamen‑
te de tudo que tinha feito por ela e com ela. E tinha razão, porque, digamos depressa e sem mais
cerimônia, havia ele desde certo tempo concebido fundadas suspeitas de que era atraiçoado. Havia
alguns meses atrás tinha notado que um certo sargento passava‑lhe muitas vezes pela porta, e
enfiava olhares curiosos através das rótulas7: uma ocasião, recolhendo‑se, parecera‑lhe que o vira
encostado à janela. Isto porém passou sem mais novidade.
Depois começou a estranhar que um certo colega seu o procurasse em casa, para tratar de
negócios do ofício, sempre em horas desencontradas: porém isto também passou breve. Finalmente
aconteceu por três ou quatro vezes esbarrar‑se junto de casa com o capitão do navio em que tinha
vindo de Lisboa, e isto causou‑lhe sérios cuidados. Um dia de manhã entrou sem ser esperado pela
porta adentro; alguém que estava na sala abriu precipitadamente a janela, saltou por ela para a rua,
e desapareceu.
À vista disso nada a duvidar: o pobre homem perdeu, como se costumava dizer, as estribeiras8;
ficou cego de ciúme. Largou apressado sobre um banco uns autos9 que trazia embaixo do braço, e
endireitou para Maria com os punhos cerrados.
– Grandessíssima!...
E a injúria que ia soltar era tão grande que o engasgou... e pôs‑se a tremer com todo o corpo.
A Maria recuou dous passos e pôs‑se em guarda, pois também não era das que se receava com
qualquer cousa.
– Tira‑te lá, ó Leonardo!
– Não chames mais pelo meu nome, não chames... que tranco‑te esta boca a socos...
– Safe‑se daí10! quem lhe mandou pôr‑se aos namoricos comigo a bordo?
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A PrOsA dO rOmAnTismO: A LiTerATUrA se POPULArizA CAPÍTULO 3

Isto exasperou o Leonardo; a lembrança do amor aumentou‑lhe a dor da traição e o ciúme e a


raiva de que se achava possuído transbordaram em socos sobre a Maria, que depois de uma tenta‑
tiva inútil de resistência, desatou a correr, a chorar e a gritar:
– Ai... ai... acuda, Senhor Compadre... Senhor Compadre!...
Porém o compadre ensaboava nesse momento a cara de um freguês e não podia largá‑lo.
Portanto a Maria pagou caro e por junto todas as contas. Encolheu‑se a choramingar em um canto.
O menino assistira a toda essa cena com imperturbável sangue‑frio: enquanto a Maria apa‑
nhava e o Leonardo esbravejava, ele ocupava‑se tranquilamente em rasgar as folhas dos autos que
este tinha largado ao entrar, e em fazer delas uma grande coleção de cartuchos.
Quando, esmorecida a raiva, o Leonardo pôde ver alguma cousa mais do que ciúme, reparou
então na obra meritória em que se ocupava o pequeno. Enfureceu‑se de novo: suspendeu o menino
pelas orelhas, fê‑lo dar no ar uma meia‑volta, ergue o pé direito, assenta‑lhe em cheio sobre os glú‑
teos, atirando‑o sentado a quatro braças11 de distância.
– És filho de uma pisadela e de um beliscão; mereces que um pontapé te acabe a casta12.
n ALMEIDA, Manuel Antônio de. Memórias de um sargento de milícias.
Disponível em: <www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000022.pdf>.
Acesso em: 27 jan. 2013.

5 flagelo: pessoa que provoca desastres, que causa calamidades.

6 traquinas: travesso, irrequieto.

7 rótulas: grades feitas com sarrafos de madeira cruzados, que se colocavam nas aberturas das janelas (modernamente seriam as venezianas).

8 perder as estribeiras: expressão popular que significa “perder o controle da situação”, ou seja, perder a paciência, cometer despropósitos.

9 autos: papéis, documentos, peças de um processo. Aqui cabe uma explicação: Leonardo, o pai, era meirinho, isto é, oficial de Justiça, responsável pela

entrega de documentos.
10 safe ‑se daí: essa expressão tem valor de interjeição; normalmente exprime repugnância; safar ‑se de significa “livrar‑se de um perigo”; “escapar”.

11 quatro braças: cerca de oito metros; braça é uma antiga unidade de medida, equivalente a aproximadamente dois metros.

12 casta: raça.

1. A partir da leitura dos fragmentos apresentados, comente o papel do narrador em Memórias de um


sargento de milícias. Transcreva uma passagem da narrativa para justificar a resposta.

2. “... o menino de quem falamos é o herói desta história”. A partir dos fragmentos apresentados, carac‑
terize o herói Leonardinho.

3. Você observou que Manuel A. de Almeida coloca Leonardinho, literalmente, como filho de uma brin‑
cadeira (pisadela e beliscão) e filho de uma... senhora de hábitos extraconjugais pouco ortodoxos.
Nosso herói se relaciona com gente que vivia à margem da sociedade bem ‑posta do Rio de Janeiro
que acabava de receber D. João VI e a Corte lusitana, aproximando ‑se de um tipo de personagem que
fez sucesso na novelística espanhola: o herói picaresco.
Você diria que essa caracterização está perfeitamente de acordo com os valores românticos?
Justifique sua resposta.

4. “... arrancava ‑lhe das mãos a vítima infeliz.” (primeiro parágrafo do capítulo II)
Esta passagem nos oferece um bom exemplo do estilo leve do autor. Quem é a “vítima infeliz” da
passagem acima?

5. Cite outros momentos hilariantes do texto.


6. Destaque uma passagem do texto que comprove ser a narrativa uma crônica de costumes.

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PArTe 3 TexTOs, ArTe e CULTUrA

VeLHOs TemAs, nOVAs LeiTUrAs

O ROMANCE GANHA AS PÁGINAS DOS JORNAIS


Com as transformações surgidas a partir da Revolução Industrial, mudaram as formas de produção
de mercadorias, o que estava baseado nos avanços tecnológicos, na descoberta de novas fontes de energia
e no aprimoramento dos meios de transporte. Como não poderia deixar de ser, tais mudanças interferiam
também na criação, circulação e usufruto de obras artísticas. No campo literário, tornaram‑se mais moder‑
nos e dinâmicos os meios de impressão e circulação de livros; além do mais, a consolidação da imprensa
diária teve um efeito de grande repercussão para os literatos, que agora podiam atuar, como cronistas e
redatores, nos meios jornalísticos. Surgia, assim, a figura do escritor profissional, capaz de viver com os
rendimentos obtidos através do trabalho com as letras.
No século XIX, a narrativa romântica encontrou dois principais meios de difusão: o livro e o folhetim. O
romance transformou‑se, por excelência, na forma burguesa de literatura. Isso porque, em primeiro lugar,
condizia plenamente com o ideal individualista da sociedade capitalista industrial. O romance é uma mer‑
cadoria completa, é um objeto a ser comprado e que, além de um aspecto material, possui também um
conteúdo abstrato; mais ainda, o romance deve ser usufruído de forma solitária, calmamente, no momento
de lazer e envolvido pelo conforto do espaço burguês. Há, na própria concepção de leitura de um romance,
uma forma de distinção de classe. Em segundo lugar, o romance tornou‑se gênero ideal para perscrutar a
intimidade e o mundo privado; os personagens passaram, mais do que nunca, a ser criados a partir de seu
imaginário particular. Não é sem motivo, portanto, que as narrativas românticas veiculadas na forma de
romance encontraram público constante entre as mulheres e demais grupos oprimidos socialmente; a lei‑
tura transformou‑se em um exercício de libertação, mas, em alguns casos, também de alienação.
Os folhetins, por sua vez, surgiram na França, como uma forma de aumentar as vendas dos jornais; o
esquema era simples: as edições diárias traziam – a princípio no rodapé, depois com textos de página
inteira –, um capítulo de uma narrativa qualquer. O texto era interrompido em algum momento‑chave e,
para conhecer o resto da história, o leitor deveria comprar a próxima edição. Os folhetins baseavam‑se, em
grande parte, no dramalhão ou na ironia, explorando clichês românticos e as situações humorísticas, sem‑
pre tentando trazer a história para perto do cotidiano do leitor. Forma característica da modernidade, que
transita entre a cultura e o mercado, o folhetim deveria estar plenamente antenado com o leitor e atento
a suas características e condições de leitura. De acordo com o sociólogo Renato Ortiz, no século XIX não se
tratava mais de escrever uma literatura voltada para um leitor abstrato e universal – a literatura passava,
agora, a ter uma função muito mais ideológica do que política e formativa (Cultura e modernidade. São
Paulo: Brasiliense, 1991, p. 65). Dessa forma, a produção literária, ao mesmo tempo que ganha autonomia
artística, também se transforma em mercadoria a ser consumida pelas pessoas letradas. Estes são dois
processos que caminham em paralelo: é o escritor reconhecido como tal que, rompendo qualquer ideia de
isolamento intelectual, vai passar a atuar na imprensa; é o literato profissional que, por dominar um recur‑
so técnico, sabe o momento de fazer os cortes, a forma de criar os ganchos narrativos e acentuar as cargas
dramáticas ou irônicas ao gosto do público leitor.
Como fica claro, pensar as condições materiais de produção e circulação da literatura é algo funda‑
mental para realizar a própria interpretação dos textos. O romance e o folhetim criaram novas formas de
relacionamento do escritor com o público, algo que permanece até os dias atuais – se pensarmos, por
exemplo, no enorme sucesso alcançado pelas telenovelas. Para entender melhor essa nova forma de rela‑
ção entre escritor e público, leia os dois textos a seguir. O primeiro é o prólogo do romance O guarani, de
José de Alencar, que começou a ser publicado, em 1857, na forma de folhetim pelo Diário do Rio de Janeiro;
o segundo, a sinopse do romance A mentira, de Nelson Rodrigues (1912‑1980), que foi também publicado
na forma de folhetim, em 1953, nas páginas do diário carioca Jornal da Semana.

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A PrOsA dO rOmAnTismO: A LiTerATUrA se POPULArizA CAPÍTULO 3

Texto 1
Prólogo
Minha prima. – Gostou da minha história, e pede‑me um romance; acha que posso fazer alguma
coisa neste ramo de literatura.
Engana‑se; quando se conta aquilo que nos impressionou profundamente, o coração é que fala;
quando se exprime aquilo que outros sentiram ou podem sentir, fala a memória ou a imaginação.
Esta pode errar, pode exagerar‑se; o coração é sempre verdadeiro, não diz senão o que sentiu; e
o sentimento, qualquer que seja, tem a sua beleza.
Assim, não me julgo habilitado a escrever um romance, apenas de já ter feito um com a minha vida.
Entretanto, para satisfazê‑la, quero aproveitar as minhas horas de trabalho em copiar e remoçar
um velho manuscrito que encontrei em um armário desta casa, quando a comprei.
Estava abandonado e quase todo estragado pela umidade e pelo cupim, esse reodor eterno, que
antes do dilúvio já se havia agarrado à arca de Noé, e pôde assim escapar ao cataclismo.
Previno‑lhe que encontrará cenas que não são comuns atualmente; não as condene à primeira
leitura, antes de ver as outras que as explicam.
[...]
Adeus.
Minas, 12 de dezembro.
n ALENCAR, José de. O guarani. Apresentação e notas de Eduardo Vieira Martins. São Paulo: Ateliê, 1999. p. 45.

Texto 2
Sinopse do romance (por Nelson Rodrigues)
Miúda e linda, nos seus quatorze anos, Lúcia vem descendo a escada, quando experimenta uma verti‑
gem. O pai, doutor Maciel, manda a pequena ao médico. Sabe‑se, então, da verdade: Lúcia vai ser mãe! Doutor
Maciel interpela a garota: “Quem é o pai?”. Resposta: “Ninguém!”. Mas o doutor Maciel está convicto de que
um dos culpados mora em casa e deve ser um dos genros. Lúcia foge e impõe, para o retorno, que a família
reconheça seu direito à maternidade. Doutor Maciel concorda. Ninguém sabe, porém, que um vizinho para‑
lítico, Nonô, ama a menina. Dona Ana, mãe de Lúcia, revela ao Doutor Maciel que a pequena não é filha dele.
Doutor Maciel exclama: “Graças, oh graças!”. Dona Ana quer afastar Lúcia do doutor Maciel. É, então, que ele
propõe levar Lúcia para uma fazenda no interior, onde ela poderia ser mãe em paz e sem escândalo. Dona Ana
protesta. Doutor Maciel resolve afastá‑la do seu caminho. Diz para a família que a esposa sofre de um dese‑
quilíbrio mental. Desesperada, dona Ana, à queima‑roupa, dá quatro tiros no marido. Só uma das balas o
atinge e, ainda assim, de raspão. O atentado parece confirmar a “loucura” que o velho descobrira. Dona Ana
é internada. De novo interrogada, Lúcia conta que, numa festa recente, em casa do vizinho, bebera demais e
adormecera num dos cantos da casa. Admite que, durante o sono, tenha conhecido tudo. Seu cunhado,
Aparício, que ouve a história, apresenta‑se à menina como o “culpado”. Mais tarde, o mesmo Aparício enfren‑
ta o doutor Maciel e declara que admite a viagem do velho com a pequena. Enquanto isso, e sem que a famí‑
lia o saiba, descobre‑se que o doutor Godofredo, médico que examinara Lúcia, enlouquecera. Na sua insani‑
dade, julgava ver por toda parte mulheres em estado interessante. No seu consultório dizia para as clientes
de qualquer idade: “Você vai ter neném”. Doutor Maciel e Aparício têm uma conversa de vida ou morte.
Rio de Janeiro, 21 de junho a 31 de outubro de 1953.
n RODRIGUES, Nelson. A mentira. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 135-136.

1. Tanto o prólogo quanto a sinopse acompanham os romances de folhetim. No caso de José de Alencar,
o prólogo só apareceu na versão veiculada no jornal e na primeira edição impressa. Qual é a função
desses breves textos?

2. No prólogo do romance O guarani, estão presentes algumas características da narrativa romântica.


Quais são elas?

3. Quais são os temas abordados por Nelson Rodrigues em seu romance? Qual é a relação que existe
entre a forma de publicação do folhetim e o conteúdo da narrativa?

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PArTe 3 TexTOs, ArTe e CULTUrA

NO
Questões de exames FAÇARNO!
CAD
E

1. (Unicamp‑SP) Leia, abaixo, a letra de uma canção de Aurélia estava lívida, e a sua beleza, radiante
Chico Buarque inspirada no romance de José de há pouco, se marmorizara.
Alencar, Iracema – uma lenda do Ceará: – Ou para outra mais rica!... disse ela retrain‑
do‑se para fugir ao beijo do marido, e afastando‑o
Iracema voou
com a ponta dos dedos.
Iracema voou A voz da moça tomara o timbre cristalino, eco
Para a América da rispidez e aspereza do sentimento que lhe
Leva roupa de lã sublevava o seio, e que parecia ringir‑lhe nos
E anda lépida lábios como aço.
Vê um filme de quando em vez – Aurélia! Que significa isto?
Não domina o idioma inglês – Representamos uma comédia, na qual
Lava chão numa casa de chá ambos desempenhamos o nosso papel com
Tem saído ao luar perícia consumada. Podemos ter este orgulho,
Com um mímico que os melhores atores não nos excederiam.
Ambiciona estudar Mas é tempo de pôr termo a esta cruel mistifi‑
Canto lírico cação, com que nos estamos escarnecendo
Não dá mole pra polícia mutuamente, senhor. Entremos na realidade
Se puder, vai ficando por lá por mais triste que ela seja; e resigne‑se cada
Tem saudade do Ceará um ao que é, eu, uma mulher traída; o senhor,
Mas não muita um homem vendido.
Uns dias, afoita – Vendido! Exclamou Seixas ferido dentro
Me liga a cobrar: d’alma.
n ALENCAR, J. de. Senhora. In: José de Alencar:
– É Iracema da América ficção completa e outros escritos. 3.ed. Rio de Janeiro:
n (Chico Buarque, As Cidades. Rio de Janeiro: Aguilar, 1965, v. 1, p. 714.
Marola Edições Musicais Ltda.,1998.)
Constitui uma afirmativa verdadeira sobre esse
a) Que papel desempenha Iracema no romance de
fragmento destacado do romance:
José de Alencar? E na canção de Chico Buarque?
b) Uma das interpretações para o nome da heroína (01) A
urélia e Seixas são caracterizados como seres
do romance de José de Alencar é de que seja um movidos pela razão.
anagrama de América. Isto é, o nome da heroína (02) Os termos “ti” e “esposa”, em “O meu primeiro
possui as mesmas letras de América dispostas beijo de amor, guardei‑o para minha esposa,
em outra ordem. para ti...” (l. 3‑4), equivalem‑se semanticamente.
Partindo dessa interpretação, explique o que (04) A expressão “com a ponta dos dedos” (l. 9)
distingue a referência à América no romance acentua a delicadeza de Aurélia em relação ao
daquela que é feita na canção. marido.
2. (UFBA) (08) Aurélia, ao referir‑se à sua relação matrimo‑
– Então nunca amou a outra? nial como “comédia” (l. 13), nega o drama por
ela vivenciado.
– Eu lhe juro, Aurélia. Estes lábios nunca toca‑
ram a face de outra mulher, que não fosse minha (16) C
onstata‑se, no fragmento, que Aurélia consi‑
mãe. O meu primeiro beijo de amor, guardei‑o dera Seixas um marido interesseiro, um objeto
para minha esposa, para ti... de comércio.
Soerguendo‑se para alcançar‑lhe a face, não (32) O
fragmento reproduzido põe em cena as duas
viu Seixas a súbita mutação que se havia operado personagens como se vivessem numa repre‑
na fisionomia de sua noiva. sentação, segundo avaliação da protagonista.

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4
os EsTilos dE éPocA dA REvolução indusTRiAl à PRimEiRA GuERRA: REAlismo/nATuRAlismo cAPÍTulo 4

cAP Í T u l o 4

Os estilos de época da
Revolução Industrial à
Primeira Guerra:
Realismo/Naturalismo
O Realismo é uma reação contra o Romantismo: o Romantismo era a apoteose do
sentimento; — o Realismo é a anatomia do caráter. É a crítica do homem. É a arte
que nos pinta a nossos próprios olhos — para condenar o que houver de mau na
nossa sociedade.
n Eça de Queirós, na Conferência “O Realismo como nova expressão da arte”.

n Madame Bovary, de
Gustave Flaubert,
publicado em 1857,
é considerado o
primeiro romance
realista da literatura
universal. A
personagem que dá
nome ao romance
tornou-se símbolo
trágico do confronto
entre as ilusões
românticas e a
crueza da realidade.
O leito de morte de Madame Bovary, de Albert-Auguste Fourier. Óleo sobre tela. Museu de Belas Artes, Rouen, The Bridgman/Keystone.

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PARTE 3 TExTos, ARTE E culTuRA

A PinTuRA

Reprodução/Coleção particular, Milão, Itália.

Gustave Courbet (1819-1877) não só


1 foi o principal representante francês
do Realismo na pintura como também
o artista que deu nome ao movimento:
em 1855 realizou uma exposição indi-
vidual em Paris e a intitulou Le
Réalisme. O quebra-pedras (1849),
reproduzida ao lado, foi uma de suas
primeiras telas realistas.
Numa época em que o avanço tecnoló-
gico resultou na invenção da máquina
fotográfica e deu novas características
às tintas, os pintores realistas precisa-
ram aprimorar suas técnicas e buscar,
longe dos estúdios, motivação no con-
tato direto com os temas.
Segundo Lionello Venturi, “Courbet
proclamou-se inimigo do ideal, da poe-
sia e da religião. Não que ele não tives-
Reprodução/Museu Histórico de Berlim, Alemanha.
se um ideal, mas esse ideal era o oposto
do que os seus contemporâneos consi-
2 deravam como ideal. Contra a beleza
total, contra a escolha na natureza,
com uma fé absoluta na sua ciência de
reproduzir os objetos físicos como ele
os via, contra as classes elevadas da
sociedade, o esnobismo e a pretensão à
cultura que as caracterizavam, Courbet
apega-se à terra, à gente do povo e à
sua verdadeira maneira de viver. [...]”

A greve (1886), de Robert Koehler, traduz a atmosfera criada pela agressiva industrialização por que passaram os Estados
Unidos no final do século XIX. A tela reproduz uma das inúmeras manifestações de trabalhadores ocorridas em Chicago
durante o ano de 1886 e que culminaram na criação do Dia do Trabalho, comemorado mundialmente em 1º de maio. Os
reflexos provocados pela Segunda Revolução Industrial e pelos movimentos de inspiração marxista estão evidentes no
quadro do pintor alemão. O que imediatamente salta ao olhar é o confronto entre patrão e operários. Em um cenário
envolvido por um mar de chaminés fumegantes (ao fundo), avizinha-se um conflito iminente. Em primeiro plano, vemos
uma mulher com dois filhos, simbolizando a pobreza e a exploração a que eram submetidos os trabalhadores; ao lado, ainda
em primeiro plano, um homem recolhe pedras do chão, sugerindo que o conflito pode ganhar contornos violentos.

• Essas duas pinturas, cada uma com sua particularidade, apresentam dois aspectos de um mesmo tema.
Que tema é esse e como os artistas o enfocam?

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os EsTilos dE éPocA dA REvolução indusTRiAl à PRimEiRA GuERRA: REAlismo/nATuRAlismo cAPÍTulo 4

As telas 3, 4 e 5 exemplificam a mudança de foco ocorrida na


3 concepção estética em meados do século XIX, tanto na temática – no
objeto retratado – como na forma – os enquadramentos, os planos, as
Reprodução/Museu D’Orsay, Paris, França.

cores. Se, na primeira metade do século, a pintura valorizou as figuras


idealizadas, ditadas pelo imaginário romântico, na segunda metade os
artistas vão para as ruas, para o campo, e retratam trabalhadores em
plena atividade. Saem de cena as figuras mitológicas personificando a
Liberdade, as jovens burguesas, o ambiente cortês, a natureza
idealizada; entram os operários urbanos, os estivadores, os ceifeiros,
os mineiros, homens e mulheres explorados, trabalhando como
animais ou viajando como carga em vagões de terceira classe.
n O pagamento dos ceifeiros (1882), de Léon Lhermitte.

4 • As três pinturas, feitas a partir de diferentes concep‑


The Bridgeman Art Library/Keystone/
Museu Victoria Albert, Londres, Inglaterra.

ções estéticas, representam cenas fortes. Quais ideias


e sentimentos essas pinturas transmitem a você?

A EsculTuRA

O ceifeiro, de Constantin Emile Meunier, 1895.

O forjador, de Constantin Emile Meunier, 1886. Bronze,


n Os lenhadores (1848), de Jean-François Millet.

Catalunha, Barcelona/Oronoz/Album/Latinstock.
Bronze. Instituto de Arte de Chicago.

117,5 x 60 x 44 cm. Museu Nacional de Arte da


5
The Bridgeman Art Library/Keystone/
Museu de Arte Metropolitano, Nova York, EUA.

O belga Constant Meunier (1831-1905) pode ser considerado o


grande mestre do Realismo social na escultura. Seguindo a
mesma orientação dos pintores realistas, Meunier transforma
n Carro de terceira classe (1864), de Honoré Daumier. a classe trabalhadora em protagonista de sua obra, destacan-
do a força física e moral de seus personagens.
Na escultura, a revolução realista se dá muito mais na sele-
ção temática que na inovação formal.
A FilosoFiA

n Marx e Engels
Reprodução/Arquivo da editora

acompanham a impressão • Que imagem da


do Manifesto do Partido classe trabalhadora o
Comunista. O Manifesto escultor quis trans‑
conclamava os operários
mitir com suas obras?
industriais a lutar contra o
modo de produção Qual é o sentido
capitalista burguês, político‑social dessas
considerado pelos representações?
filósofos altamente
explorador e causador de
pobreza e desigualdade
irreversíveis.

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PARTE 3 TExTos, ARTE E culTuRA

///////////////////////
A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E O CIENTIFICISMO
///////////
//////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

A Revolução Industrial, iniciada no século XVIII, entra numa nova fase em meados do século XIX (a chama‑
da Segunda Revolução Industrial), caracterizada pela utilização do aço, do petróleo e da eletricidade; ao mesmo
tempo, o avanço científico leva a novas descobertas no campo da Física e da Química. O capitalismo se estrutu‑
ra em moldes modernos, com o surgimento de grandes complexos industriais; por outro lado, a massa operária
urbana avoluma‑se, formando uma população marginalizada que não partilha os benefícios gerados pelo pro‑
gresso industrial, mas, ao contrário, é explorada e sujeita a condições subumanas de trabalho.
Esse momento histórico contamina a leitura de mundo realizada pelos artistas e resulta em novas lingua‑
gens, novas formas de expressão.
Em 1865, as cidades de Coimbra e Lisboa, em Portugal, foram abaladas por uma polêmica literária conheci‑
da como “Questão Coimbrã”, que extrapolava os temas artísticos, como se percebe nas palavras pronunciadas
por Antero de Quental, um dos líderes dos jovens realistas:

“Todavia, quem pensa e sabe hoje na Europa,


não é Portugal, não é Lisboa, cuido eu: é Paris, é
Londres, é Berlim. Não é a nossa divertida
Academia de Ciências que resolve, decompõe,
classifica e explica o mundo dos fatos e das
ideias. É o Instituto de França, é a Academia
Científica de Berlim, são as escolas de Filosofia,
de História, de Matemática, de Física, de Biologia,
de todas as ciências e de todas as artes, em
França, Inglaterra, em Alemanha.”

Nota‑se que, para o poeta português, o que importava era “resolver, decompor, classificar e explicar o
mundo dos fatos e das ideias”. Em outras palavras, ele defendia o pensamento científico. Essa postura intelec‑
tual é chamada de cientificismo.

Os variados “ismos”
O contexto histórico de meados do século XIX serve de pano de fundo para
uma reinterpretação da realidade, que gera teorias de variadas posturas ideológi‑
cas. Numa sequência cronológica, surgem:
• o positivismo de Augusto Comte, preocupado com o real‑sensível, com o fato,
defendendo o cientificismo no pensamento filosófico e a conciliação entre
“ordem e progresso” (a expressão, utilizada na bandeira republicana do Brasil, é
de inspiração positivista);

• o socialismo científico de Karl Marx e Friedrich Engels, a partir da publicação do


Manifesto comunista, em 1848, que define o materialismo histórico e a luta de
classes (“O modo de produção da vida material condiciona o processo de vida
social, político e intelectual em geral”, K. Marx);

• o evolucionismo de Charles Darwin, a partir da publicação, em 1859, de A origem


das espécies, livro em que são expostos os estudos sobre a evolução das espé‑
cies pelo processo de seleção natural, negando, portanto, a origem divina defen‑
dida pelo Cristianismo.

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os EsTilos dE éPocA dA REvolução indusTRiAl à PRimEiRA GuERRA: REAlismo/nATuRAlismo cAPÍTulo 4

As influências

Karl Marx (1818-1883) • Friedrich Engels (1820-1895)


Fotos: akg-images/Ipress

“Por burguesia compreende-se a classe dos capitalistas moder-


nos, proprietários dos meios de produção social, que empregam o
trabalho assalariado. Por proletariado compreende-se a classe dos
trabalhadores assalariados modernos que, privados de meios de
produção próprios, se veem obrigados a vender sua força de traba-
lho para poder existir.”
n Nota de F. Engels à edição inglesa de 1888 do Manifesto do Partido Comunista.

As ideias dominantes de uma época sempre foram as ideias da


n Karl Marx e Friedrich Engels. classe dominante.

Charles Darwin (1809-1882)


“A evolução é a ideia mais profunda e abrangente dos últimos dois séculos. Esse
Dr. Jeremy Burgess/SPL/Latinstock

evento talvez represente a maior revolução intelectual experimentada pela humanida-


de. Foi descrita em detalhes pela primeira vez em 1859, no livro A origem das espécies, de
Charles Darwin. Ele questionou não só a crença na constância do mundo, mas também a
causa da notável adaptação dos organismos e, de forma ainda mais chocante, a posição
única do homem no mundo dos seres vivos. Ele também propôs uma explicação para a
evolução que não se apoiava em poderes ou forças sobrenaturais. O pensamento evolu-
cionista se disseminou durante a segunda metade do século XVIII e a primeira metade
do século XIX, não apenas na Biologia, mas na Linguística, na Filosofia, na Sociologia, na
Economia e em outros ramos do pensamento. Mesmo assim, permaneceu por longo
tempo como um ponto de vista minoritário.”
n Ernst Mayr. O que é a evolução. Rio de Janeiro: Rocco, 2009.

Lendo os textos
Texto 1

A corrente naturalista
(fragmento de O mundo de Sofia)

– [...] Vamos falar agora de Marx, Darwin ou Freud?


– Em termos bem gerais, podemos falar de uma corrente naturalista, que se estende de meados do
século XIX até bem recentemente. Por “naturalismo” entende‑se uma concepção de realidade que não
aceita qualquer outra realidade a não ser a natureza e o mundo fenomenológico. Consequentemente, o
naturalista considera o homem parte da natureza e o pesquisador natural parte exclusivamente de dados
concretos da natureza, e não de especulações racionalistas ou de alguma outra forma de revelação divina.
– E isto vale tanto para Marx quanto Darwin e Freud?
– Exatamente. As palavras‑chave da filosofia e da ciência em meados do século XIX eram “natu‑
reza”, “meio ambiente”, “história”, “evolução” e “crescimento”. Marx havia dito que a consciência
humana era um produto da base material de uma sociedade. Darwin mostrou que o homem era o
produto de uma longa evolução biológica e o estudo de Freud sobre o inconsciente deixou claro que
as ações dos homens frequentemente são devidas a certos impulsos ou instintos “animais”, próprios
de sua natureza.
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PARTE 3 TExTos, ARTE E culTuRA

– Acho que estou entendendo mais ou menos o que você está chamando de Naturalismo. [...]
– Vamos falar agora sobre Darwin. [...]
– Mas ele foi realmente um filósofo?
– Darwin era biólogo e pesquisador natural. Mas ele foi o cientista que, mais do que qualquer
outro em tempos mais modernos, questionou e colocou em dúvida a visão bíblica sobre o lugar do
homem na criação.
– Então seria bom você falar um pouco sobre a teoria da evolução de Darwin.
– [...] Em A origem das espécies, Darwin defendia duas teorias ou teses principais: em primeiro
lugar, ele dizia que todas as espécies de plantas e animais que vivem hoje descendem de formas mais
primitivas, que viveram em tempos passados. Ele pressupõe, portanto, uma evolução biológica. Em
segundo, Darwin explica que esta evolução se deve à “seleção natural”.
– Só os mais fortes sobrevivem, não é isto?
n GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 432-435.

Texto 2

O crime do padre Amaro


Reproduzimos, a seguir, uma passagem do romance de Eça de Queirós, considerado o primeiro
romance realista de Portugal, publicado em 1875. Neste trecho, o jovem João Eduardo, ex‑noivo de Amélia,
vai ao consultório do Dr. Gouveia, médico afinado com as mais recentes conquistas das ciências, queixar‑
‑se do comportamento do padre Amaro.

– Olá! és tu, rapaz! Há novidade na Rua da Misericórdia? João Eduardo corou.


– Não senhor, senhor doutor, queria falar‑lhe em particular.
Seguiu‑o ao gabinete – o conhecido gabinete do doutor Gouveia que, com o seu caos de livros, o
seu tom poeirento, uma panóplia de flechas selvagens e duas cegonhas empalhadas, tinha na cidade
a reputação duma “Cela de Alquimista”.
O doutor puxou o seu cebolão.
///////
– Um quarto para as duas. Sê breve.
A face do escrevente exprimiu o embaraço de condensar uma narração tão complicada.
– Está bom, disse o doutor, explica‑te como puderes. Não há nada mais difícil que ser claro e
breve; é necessário ter gênio. Que é?
João Eduardo então tartamudeou a sua história, insistindo sobretudo na perfídia do padre, exa‑
gerando a inocência de Amélia...
O doutor escutava‑o, cofiando a barba.
– Vejo o que é. Tu e o padre, disse ele, quereis ambos a rapariga. Como ele é o mais esperto e o
mais decidido, apanhou‑a ele. É lei natural: o mais forte despoja, elimina o mais fraco; a fêmea e a
presa pertencem‑lhe.
Aquilo pareceu a João Eduardo um gracejo. Disse, com a voz perturbada:
– Vossa excelência está a caçoar, senhor doutor, mas a mim retalhasse‑me o coração!
– Homem, acudiu o doutor com bondade, estou a filosofar, não estou a caçoar...
n QUEIRÓS, Eça de. O crime do padre Amaro. Disponível em: <www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000082.pdf>.
Acesso em: 28 jan. 2013.

1. Marx, Darwin e Freud, diferentes “elos” de uma corrente naturalista, apresentam concepções que
revelam o campo de atuação de cada um. Quais são esses campos? Releia o quarto parágrafo do
texto 1 e cite uma palavra ou expressão que pertença ao campo lexical dessas áreas de atuação.

2. Segundo o texto 1, qual é a atitude básica do pesquisador natural? Ela se opõe radicalmente às ati‑
tudes típicas dos românticos? Por quê?
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3. Sofia, a personagem destinatária do curso de Filosofia do livro O mundo de Sofia, acha que está
“entendendo mais ou menos” o que se chama de Naturalismo. E você? Escreva com as próprias pala‑
vras uma definição de Naturalismo.

4. Pode‑se afirmar que o Dr. Gouveia, do texto 2, é naturalista? Justifique sua resposta.
5. O romance O crime do padre Amaro apresenta como cenário a provinciana, conservadora e clerical
cidade de Leiria. Segundo o povo da cidade, o consultório do Dr. Gouveia era uma “Cela de Alquimista”.
Considerando que alquimia é definida nos dicionários como a química da Idade Média, que procu‑
rava descobrir a panaceia universal, ou remédio contra todos os males físicos e morais, e a pedra
filosofal, que deveria transformar os metais em ouro, responda: é justo esse rótulo que a população
colava no Dr. Gouveia?

FilmoTEcA
Divulgação/Arquivo da editora

O crime do padre Amaro (2002). Direção: Carlos Carrera. Com Gael García Bernal, Ana
Claudia Talancón. Vicente Leñero fez uma adaptação livre do romance de Eça, situando a
ação no México de 2002.
O jovem padre Amaro acaba de ser ordenado e vai para Roma continuar seus estudos
graças a seu bom relacionamento com o bispo. Antes, porém, deverá trabalhar em uma
paróquia no próprio país, o México. É enviado para Los Reyes para atuar sob as ordens do
padre Benito, e lá depara com uma realidade corrupta e contraditória.

/////////////////////
O REALISMO/NATURALISMO
///////////
///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Os marcos
Em Portugal
O início do Realismo português está ligado à Questão Coimbrã, de
1865, às Conferências Democráticas do Casino Lisbonense, em 1871, e à Reprodução/Biblioteca José Mindlin, São Paulo, SP.

publicação do romance O crime do padre Amaro, em 1875.


O fim da chamada Escola Realista em Portugal está relacionado
ao ano de 1890, data em que Eugênio de Castro publica Oaristos, um
livro de poesias inspiradas no Simbolismo francês.

No Brasil
Considera‑se 1881 o ano inaugural do Realismo no Brasil. De fato,
esse foi um ano fértil para a literatura brasileira, com a publicação de
três narrativas fundamentais, que modificaram o curso de nossas
letras: O mulato, de Aluísio Azevedo, considerado o primeiro romance
naturalista brasileiro; Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado
de Assis, o primeiro romance realista de nossa literatura, e O alienista,
também de Machado de Assis, uma novela exemplar, publicada em
capítulos na revista A Estação, de outubro de 1881 a março de 1882.
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PARTE 3 TExTos, ARTE E culTuRA

A velha ordem portuguesa em debate:


a Questão Coimbrã e as Conferências Democráticas
A Questão Coimbrã
Desde o início da década de 1860, os jovens estudantes de Coimbra já estavam atentos a tudo o que acon‑
tecia de novo nos principais centros culturais da Europa. O acesso a essas informações tornou‑os mais críticos
em relação à literatura da chamada Escola de Lisboa, cuja romântica visão de mundo consideravam ultrapassada.
A partir de 1864, aprofundam‑se as divergências entre os velhos mestres românticos de Lisboa e os estu‑
dantes de Coimbra. Nesse ano, Teófilo Braga publica Visão dos tempos e Tempestades sonoras, e Antero de
Quental, Odes modernas. São poesias revolucionárias, preocupadas com o momento histórico, com nítida função
social, como afirma o próprio Antero em Nota às Odes modernas:

“A Poesia Moderna é a voz da Revolução – porque Revolução é o nome que o sacerdote da


história, o tempo, deixou cair sobre a fronte fatídica do nosso século. A Poesia que quiser corres‑
ponder ao sentimento mais fundo de seu tempo, hoje, tem forçosamente de ser uma poesia
revolucionária. Que importa que a palavra não pareça poética às vestais literárias do culto da
arte pela arte?”
n MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa. 3. ed. São Paulo: Cultrix, 1965. p. 262.

A palavra vestais é empregada, ironicamente, para designar pessoas que se consideram muito puras, no
caso, os consagrados autores românticos, que acusam o golpe: em 1865, o romântico Pinheiro Chagas publica
Poema da mocidade, obra dedicada a Antônio Feliciano de Castilho, velho professor e mentor da Escola de Lisboa.
Numa carta ao editor, inserida nesse livro, Castilho critica duramente a poesia de Teófilo Braga e de Antero de
Quental. A partir de então, tem início a série de discussões literárias que ficou conhecida como Questão
Coimbrã.
Antero responde imediatamente com um opúsculo intitulado Bom senso e bom gosto, em que defende o
papel revolucionário da nova poesia realista e a independência dos realistas em relação aos velhos mestres.
As polêmicas prosseguem. Teófilo Braga lança seu folheto Teocracias literárias, em que critica a influência
dos velhos românticos. Mais tarde, Camilo Castelo Branco defende a posição de Castilho no folheto Vaidades
irritadas e irritantes. Inúmeros folhetos circulam em Portugal, ora defendendo as novas ideias realistas, ora
defendendo o passadismo.

As Conferências Democráticas
A polêmica iniciada em 1865 só terminaria, de fato, em 1871, com o ciclo das Conferências Democráticas,
realizado no Casino Lisbonense. O programa dessas conferências foi publicado na edição de 18 de maio de 1871
do jornal Revolução de Setembro:

“Abrir uma tribuna onde tenham voz as ideias e os trabalhos que caracterizam esse movimento
do século, preocupando‑nos sobretudo com a transformação social, moral e política dos povos;
Ligar Portugal com o movimento moderno, fazendo‑o assim nutrir‑se dos elementos vitais de
que vive a humanidade civilizada;
Procurar adquirir a consciência dos fatos que nos rodeiam na Europa;
Agitar na opinião pública as grandes questões da Filosofia e da Ciência moderna;
Estudar as condições da transformação política, econômica e religiosa da sociedade portuguesa;
Tal é o fim das Conferências Democráticas.”
n Disponível em: <www.citi.pt/cultura/literatura/romance/eca_queiroz/manifesto.html>.
Acesso em: 28 jan. 2013.

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Das dez conferências previstas inicialmente, apenas cinco foram pronunciadas; por abordarem temas
como “Os Historiadores Críticos de Jesus”, “O Socialismo”, “A República”, “A Instrução Primária”, “Dedução Positiva
da Ideia Democrática”, cinco delas foram proibidas pelo governo; segundo as autoridades, “atacavam a religião
e as instituições políticas do Estado”.
A quarta conferência, intitulada “O Realismo como Nova Expressão da Arte”, foi pronunciada por Eça de
Queirós. Nela, o escritor atacava o Romantismo e expunha os valores realistas, ressaltando o caráter social da
literatura e seu valor como agente de transformação de uma sociedade obsoleta.

Machado de Assis e Eça de Queirós, críticos do Romantismo


Machado de Assis
Memórias póstumas de Brás Cubas, ao lado de inúmeras outras qualidades, apresenta uma narrativa abso‑
lutamente inovadora, além de uma interessante revisão crítica do Romantismo.
Uma das críticas mais eficazes, e que nos interessa particularmente por opor o Realismo nascente à escola
anterior, está no capítulo XIV, em que Brás Cubas, o personagem‑narrador, se descreve aos 17 anos de idade:

“Ao cabo, era um lindo garção, lindo e audaz, que entrava na vida de botas e esporas, chicote
na mão e sangue nas veias, cavalgando um corcel nervoso, rijo, veloz, como o corcel das antigas
baladas, que o romantismo foi buscar ao castelo medieval, para dar com ele nas ruas do nosso
século. O pior é que o estafaram a tal ponto, que foi preciso deitá‑lo à margem, onde o realismo o
veio achar, comido de lazeira e vermes e, por compaixão, o transportou para os seus livros.”
n ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Scipione, 2004. p. 27.

Em outro momento, o narrador descreve Virgília, sua amante:

“Era isto Virgília, e era clara, muito clara, faceira, ignorante, pueril, cheia de uns ímpetos mis‑
teriosos; muita preguiça e alguma devoção, – devoção, ou talvez medo; creio que medo.” (cap. XXVII )
n ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Scipione, 2004. p. 45.

Para não chocar os leitores, o narrador já advertira que “isto não é romance em que o autor sobredoura a
realidade e fecha os olhos às sardas e espinhas”.
Outra passagem desse romance ainda merece destaque. No capí‑

Reprodução/Casa Imperial, Rio de Janeiro, RJ.


tulo CXIV, Virgília se despede de Brás e parte para o Norte; no capítulo
seguinte, o narrador confessa que não sentiu grandes emoções e apro‑
veita para desferir outra estocada no cambaleante romantismo e seus
seguidores:

“Estás sempre aí, bruxo alusivo e zombeteiro, que revolves em mim


tantos enigmas.” Carlos Drummond de Andrade no poema “A um bruxo,
com amor”, sobre Machado de Assis e sua obra.

“Não se irrite o leitor com esta confissão. Eu bem sei


que, para titilar‑lhe os nervos da fantasia, devia padecer
um grande desespero, derramar algumas lágrimas, e não
almoçar. Seria romanesco; mas não seria biográfico. A rea‑
lidade pura é que almocei, como nos demais dias...”
n ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Scipione, 2004. p. 114.

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PARTE 3 TExTos, ARTE E culTuRA

Eça de Queirós
Maior nome da narrativa realista portuguesa, Eça de Queirós também se posicionou em relação à passa‑
gem do espírito romântico para os novos ventos realistas. Em cartas e comentários sobre seus romances, assim
escreve:

Reprodução/Coleção particular
“O que queremos nós com o Realismo? Fazer o qua‑
dro do mundo moderno, nas feições em que ele é mau,
por persistir em se educar segundo o passado; queremos
fazer a fotografia, ia quase a dizer a caricatura do velho
mundo burguês, sentimental, devoto, católico, explora‑
dor, aristocrático, etc.
A minha ambição seria pintar a sociedade portu‑
guesa, e mostrar‑lhe, como num espelho, que triste país
eles formam – eles e elas. É necessário acutilar o mundo
oficial, o mundo sentimental, o mundo literário, o
mundo agrícola, o mundo supersticioso – e, com todo
respeito pelas instituições de origem eterna, destruir as
falsas interpretações e falsas realizações que lhe dá uma Desenho de João Abel Manta, retratando
Eça de Queirós e seus personagens; em
sociedade podre. Não lhe parece você que um tal traba‑
primeiro plano, os protagonistas de O
lho é justo?” crime do padre Amaro, com destaque para
n QUEIRÓS, Eça de. O primo Basílio. São Paulo: Scipione, 2004. p. 290. a gravidez de Amélia.

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ideias
Em pequenos grupos, releiam atentamente os fragmentos de Memórias póstumas de Brás
Cubas, mais uma vez com a postura de um historiador e crítico da literatura que se debruça
sobre documentos e obras.
A tarefa é a seguinte: buscar, nas passagens transcritas, as oposições entre a narrativa
romântica e a nova narrativa realista proposta por Machado de Assis.
Compartilhem os resultados, para que cada um complete suas anotações.

Texto e Intertexto
Texto 1

Não é possível idear nada mais puro e harmonioso do que o perfil dessa estátua de moça.
Era alta e esbelta. Tinha um desses talhes flexíveis e lançados, que são hastes de lírio para o rosto gen‑
til; porém na mesma delicadeza do porte esculpiam‑se os contornos mais graciosos com firme nitidez das
linhas e uma deliciosa suavidade nos relevos.
Não era alva, também não era morena. Tinha sua tez a cor das pétalas da magnólia, quando vão desfa‑
lecendo ao beijo do sol. Mimosa cor de mulher, se a aveluda a pubescência juvenil, e a luz côa pelo fino
tecido, e um sangue puro a escumilha de róseo matiz. A dela era assim.
Uma altivez de rainha cingia‑lhe a fronte, como diadema cintilando na cabeça de um anjo. Havia em
toda a sua pessoa um quer que fosse de sublime e excelso que abstraía da terra. Contemplando‑a naquele
instante de enlevo, dir‑se‑ia que ela se preparava para sua celeste ascensão.
n ALENCAR, José de. Diva. Disponível em: <www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000131.pdf>. Acesso em: 28 jan. 2013.

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Texto 2
Era muito bem feita de quadris e de ombros. Espartilhada, como estava naquele momento, a volta enér‑
gica da cintura e a suave protuberância, produziam nos sentidos de quem a contemplava de perto uma
deliciosa impressão artística.
Sentia‑se‑lhe dentro das mangas do vestido a trêmula carnadura dos braços; e os pulsos apareciam nus,
muito brancos, chamalotados de veiazinhas sutis, que se prolongavam serpeando. Tinha as mãos finas e
bem tratadas, os dedos longos e roliços, a palma cor‑de‑rosa e as unhas curvas como o bico de um papagaio.
Sem ser verdadeiramente bonita de rosto, era muito simpática e graciosa. Tez macia, de uma palidez
fresca de camélia; olhos escuros, um pouco preguiçosos, bem guarnecidos e penetrantes; nariz curto, um
nadinha arrebitado, beiços polpudos e viçosos, à maneira de uma fruta que provoca o apetite e dá vontade
de morder. Usava o cabelo cofiado em franjas sobre a testa, e, quando queria ver ao longe, tinha de costume
apertar as pálpebras e abrir ligeiramente a boca.
n AZEVEDO, Aluísio. Casa de pensão. São Paulo: Scipione, 1995.

Os textos 1 e 2 têm em comum o fato de descreverem personagens femininas. Um confronto entre as duas
descrições permite detectar o modo como cada uma é concebida pelo respectivo narrador, segundo os princípios
estéticos do Romantismo e do Realismo/Naturalismo. Levando em conta isso, procure relacionar semelhanças e
diferenças entre os dois textos com os princípios estéticos do Romantismo e do Realismo/Naturalismo.

Os temas recorrentes da poesia realista


A poesia social de Antero de Quental
Antero de Quental (1842-1891)
Reprodução/
Enciclopédia Britânica

Antero Tarquínio de Quental, principal participante da Questão Coimbrã, teve vida atribulada
em razão do conflito entre os valores de uma educação tradicional, profundamente arraigados
em seu espírito, e os novos valores, assimilados nos anos agitados de Coimbra (essa crise teve
desfecho trágico: Antero se suicidou). Seus sonetos refletem ora seu posicionamento político-
-social, ora as crises pessoais, resultando em poesia de caráter metafísico.

Lendo o texto
A um poeta
Tu que dormes, espírito sereno, Escuta! é a grande voz das multidões!
Posto à sombra dos cedros seculares, São teus irmãos, que se erguem! são canções...
Como um levita à sombra dos altares, Mas de guerra... e são vozes de rebate!
Longe da luta e do fragor terreno,
Ergue‑te, pois, soldado do Futuro,
Acorda! é tempo! O sol, já alto e pleno, E dos raios de luz do sonho puro,
Afugentou as larvas tumulares... Sonhador, faze espada de combate!
Para surgir do seio desses mares, n QUENTAL, Antero de. Sonetos.
Lisboa: Sá da Costa, 1979. p. 52.
Um mundo novo espera só um aceno...

1. O soneto está centrado na segunda pessoa do discurso (tu). Como essa pessoa é caracterizada?
2. Há no soneto um jogo de claro/escuro. Destaque do texto as palavras que indicam esse jogo. O que
representa o claro? E o escuro?

3. Segundo o soneto “A um poeta”, como deve ser a poesia? Qual o papel desempenhado pelo poeta?

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PARTE 3 TExTos, ARTE E culTuRA

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ideias
Discuta com seus colegas e professor a seguinte questão:
Qual deve ser a função do poeta na sociedade em que vive?

A poesia do cotidiano de Cesário Verde

Reprodução/Coleção particular
Cesário Verde (1855-1886)
José Joaquim Cesário Verde, poeta que ao longo do século XX teve seu valor reconhecido,
cantou o cotidiano das ruas de Lisboa. Fernando Pessoa o reconhecia como um de seus mestres.

Lendo os textos
O sentimento dum ocidental
III
Ao gás
E saio. A noite pesa, esmaga. Nos E a vossa palidez romântica e lunar!
Passeios de lajedo1 arrastam‑se as impuras. Que grande cobra, a lúbrica8 pessoa
Ó moles hospitais! Sai das embocaduras Que espartilhada9 escolhe uns xales com debuxo10!
Um sopro que arrepia os ombros quase nus. Sua excelência atrai, magnética, entre luxo
Que ao longo dos balcões de mogno se amontoa
Cercam‑me as lojas, tépidas2. Eu penso
Ver círios3 laterais, ver filas de capelas, E aquela velha, de bandós11! Por vezes,
Com santos e fiéis, andores, ramos, velas, A sua traîne12 imita um leque antigo, aberto,
Em uma catedral de um comprimento imenso. Nas barras verticais, a duas tintas13. Perto,
Escarvam14, à vitória, os seus meclemburgueses15.
As burguesinhas do Catolicismo
Resvalam pelo chão minado pelos canos;
E lembram‑me, ao chorar doente dos pianos, 1 passeios de lajedo: calçadas.
2 tépidas: que têm pouco calor, mornas; fracas.
As freiras que os jejuns matavam de histerismo.  3círios: velas (particularmente aquelas usadas nas procissões).

Num cuteleiro4, de avental, ao torno, 4 cuteleiro: local onde se fabricam cutelos, facas.
 5ratoneiro: ladrão que comete pequenos furtos.
Um forjador maneja um malho, rubramente; 6 imberbe: sem barba; jovem.
E de uma padaria exala‑se, inda quente, 7 reverberos: reflexos.
Um cheiro salutar e honesto a pão no forno. 8 lúbrica: sensual.
9espartilhada: apertada por espartilho, colete que era usado por
E eu que medito um livro que exacerbe, mulheres para comprimir a região do tórax e a cintura.
10 debuxo: desenho; esboço.
Quisera que o real e análise mo dessem;
11 bandós: duas mechas de cabelo que, em certos penteados,
Casas de confecções e modas resplandecem; assentam cada uma de um lado da testa.
Pelas vitrines olha um ratoneiro5 imberbe6. 12 traîne: do francês, designa a cauda do vestido.
13 tintas: cores.
Longas descidas! Não poder pintar 14 escarvam: cavam, procuram, catam.
15 meclemburgueses: palavra provavelmente derivada de
Com versos magistrais, salubres e sinceros, Mecklemburg, dinastia que governou a Suécia no século XIII.
A esguia difusão dos vossos reverberos7, No texto, seriam cães pertencentes a essa raça.

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Desdobram‑se tecidos estrangeiros; “Dó da miséria!... Compaixão de mim!...”


Plantas ornamentais secam nos mostradores; E, nas esquinas, calvo, eterno, sem repouso,
Flocos de pós de arroz pairam sufocadores, Pede‑me sempre esmola um homenzinho idoso,
E em nuvens de cetins requebram‑se os caixeiros. Meu velho, professor nas aulas de latim!
n VERDE, Cesário. O livro de Cesário Verde. 14. ed.
Mas tudo cansa! Apagam‑se nas frentes Lisboa: Minerva, [s.d.].
Os candelabros, como estrelas, pouco a pouco;
Da solidão regouga16 um cauteleiro17 rouco; 16 regouga: fala ou grita com voz áspera.

Tornam‑se mausoléus as armações fulgentes. 17 cauteleiro: vendedor de bilhetes de loteria.

1. O texto de Cesário Verde está escrito na primeira pessoa do singular. O enunciador da poesia participa
das ações ou é mero espectador? Justifique sua resposta.

2. Sobre a poesia de Cesário Verde, assim se manifesta o crítico António José Saraiva:
“Como ninguém, conseguiu dar expressão poética à realidade objetiva e cotidiana. Na sua obra
ganham beleza e sentido as ruas de Lisboa, as vitrinas das lojas, as manhãs de trabalho e as noites
alumiadas a candeeiros a gás. Tudo isto é dado de forma impressionantemente exata, sem véus de
retórica, com aparente impassibilidade, numa linguagem que consegue ser corrente e comum. O
poeta detesta as abstrações e sente‑se feliz quando encontra ‘materiais’, formas que os seus olhos,
o seu olfato ou as suas mãos apalpam, que tangem os seus sentidos”.
n SARAIVA, António José. Iniciação na literatura portuguesa.
Sintra: Publicações Europa-América, 1984. p. 118.

a) Aponte uma passagem em que o poeta torna explícita a sua procura de “materiais”.
b) Aponte passagens em que o poeta percebe o mundo pela visão, pelo olfato, pela audição.
c) Explique o título “Ao gás”.

3. O poeta nos apresenta diferentes tipos humanos. Aponte‑os e agrupe‑os segundo suas condições sociais.
A poesia filosófica de Machado de Assis

Círculo vicioso
Bailando no ar, gemia inquieto vaga‑lume:
– “Quem me dera que fosse aquela loura estrela, 1 lume: brilho.

Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!” 2 gótica: designação de um tipo de arte (a arte dos godos),

Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme: que marcou a arquitetura essencialmente religiosa da
Idade Média. “Da grega coluna à gótica janela” nos leva a
entender que a Lua contemplou rostos apaixonados de
– “Pudesse eu copiar o transparente lume1, pagãos (Grécia clássica) e cristãos (gótico medieval).
Que, da grega coluna à gótica2 janela, 3
rútila: muito brilhante.
Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela!” 4 capela: aqui empregada em seu sentido original, ou seja,
“pequena capa” (na forma masculina, capelo, nomeia o
Mas a Lua, fitando o Sol, com azedume: capuz de certos frades ou qualquer tipo de envoltório para
a cabeça).
– “Mísera! tivesse eu aquela enorme, aquela 5 auréola: qualquer círculo luminoso que rodeia um objeto.
Claridade imortal, que toda a luz resume!” 6 nume: relativo aos deuses, às divindades; auréola de
Mas o Sol, inclinando a rútila3 capela4: nume: auréola divina.
7 enfara -me: aborrece ‑me, enfada ‑me.
– “Pesa‑me esta brilhante auréola5 de nume6... 8 umbela: qualquer objeto com a forma semelhante à de
um guarda ‑chuva; no caso, trata ‑se de uma referência à
Enfara‑me7 esta azul e desmedida umbela8... “azul e desmedida” abóbada celeste.
Por que não nasci eu um simples vaga‑lume?”
n ASSIS, Machado de. Disponível em: <www.machado.mec.gov.br>.
Acesso em: 28 jan. 2013.

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PARTE 3 TExTos, ARTE E culTuRA

1. Faça a contagem de sílabas poéticas do segundo e do terceiro verso do soneto (lembre‑se de que
contamos as emissões de sons, desprezando as sílabas pós‑tônicas da última palavra de cada verso).

2. Qual é o esquema de rima do soneto?


3. Quais são os quatro momentos do “círculo vicioso”?
4. Esse soneto é citado como exemplo do pessimismo machadiano. Você concorda com isso? Por quê?
5. Esse soneto apresenta características de uma fábula. Nesse caso, qual seria a moral?
6. Pense nos seres humanos e responda: você concorda com esse círculo vicioso?

A crítica corrosiva de Eça de Queirós

Eça de Queirós (1845-1900)

Reprodução/Coleção particular
José Maria Eça de Queirós, na sua fase realista, pinta o mais cruel retrato da
sociedade portuguesa da segunda metade do século XIX ao escrever as cenas da vida
portuguesa, formadas por suas três grandes obras: O crime do padre Amaro – cenas da
vida devota; O primo Basílio – episódios da vida doméstica; Os Maias – episódios da vida
romântica. Em sua famosa conferência sobre o Realismo, Eça sintetizava: “A norma
agora são as narrativas a frio, deslizando como as imagens na superfície de um
espelho, sem intromissão do narrador. O romance tem de nos transmitir a natureza
em quadros exatíssimos, flagrantes, reais”.

Lendo os textos
Fragmento do capítulo I do romance O primo Basílio, em que se delineia o perfil da
protagonista Luísa, casada com o engenheiro Jorge.

Luísa
Luísa espreguiçou‑se. Que seca1 ter de se ir vestir! Desejaria estar numa banheira de mármore cor‑de‑
‑rosa, em água tépida, perfumada, e adormecer! Ou numa rede de seda, com as janelas cerradas, embalar‑
‑se, ouvindo música! Sacudiu a chinelinha; esteve a olhar muito amorosamente o seu pé pequeno, branco
como leite, com veias azuis, pensando numa infinidade de coisinhas: – em meias de seda que queria com‑
prar, no farnel2 que faria a Jorge para a jornada, em três guardanapos que a lavadeira perdera...
Tornou a espreguiçar‑se. E saltando na ponta do pé descalço, foi buscar ao aparador por detrás
de uma compota um livro um pouco enxovalhado, veio estender‑se na voltaire3, quase deitada, e, com
o gesto acariciador e amoroso dos dedos sobre a orelha, começou a ler, toda interessada.
Era A dama das camélias4. Lia muitos romances; tinha uma assinatura, na Baixa5, ao mês. Em sol‑
teira, aos dezoito anos entusiasmara‑se por Walter Scott e pela Escócia; desejara então viver num
daqueles castelos escoceses, que têm sobre as ogivas os brasões do clã, mobilados com arcas góticas e
troféus de armas, forrados de largas tapeçarias, onde estão bordadas legendas heroicas, que o vento do
lago agita e faz viver; e amara Ervandalo, Morton e lvanhoé,6 ternos e graves, tendo sobre o gorro a pena
de águia, presa ao lado pelo cardo de Escócia de esmeraldas e diamantes. Mas agora era o moderno que
a cativava: Paris, as suas mobílias, as suas sentimentalidades. Ria‑se dos trovadores, exaltara‑se por Mr.
de Camors7; e os homens ideais apareciam‑lhe de gravata branca, nas ombreiras das salas de baile, com
um magnetismo no olhar, devorados de paixão, tendo palavras sublimes. Havia uma semana que se
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os EsTilos dE éPocA dA REvolução indusTRiAl à PRimEiRA GuERRA: REAlismo/nATuRAlismo cAPÍTulo 4

interessava por Margarida Gautier8; o seu amor infeliz dava‑lhe uma melancolia enevoada; via‑a alta e
magra, com o seu longo xale de caxemira, os olhos negros cheios de avidez da paixão e dos ardores da
tísica9; nos nomes mesmo do livro – Júlia Duprat, Armando, Prudência,10 achava o sabor poético de uma
vida intensamente amorosa; e todo aquele destino se agitava, como numa música triste, com ceias,
noites delirantes, aflições de dinheiro, e dias de melancolia no fundo de um cupê quando nas avenidas
do Bois, sob um céu pardo e elegante, silenciosamente caem as primeiras neves.
– Até logo, Zizi – gritou Jorge do corredor, ao sair.

Divulgação/Rede Globo
– Olha!
Ele veio com a bengala debaixo do braço, apertando as
luvas.
– Não apareças muito tarde, hem? Escuta, traze‑me uns
bolos do Baltresqui11 para a D. Felicidade. Ouve. Vê se passas
pela M.me François que me mande o chapéu. Escuta.
– Que mais, bom Deus?
– Ah! Não! Era para ires pelo livreiro que me mande mais
romances... Mas está fechado!
Foi com duas lágrimas a tremer‑lhe nas pálpebras que
n Giulia Gam (Luísa) e Marcos Paulo (Basílio)
acabou as páginas da Dama das camélias. em cena da minissérie O primo Basílio,
n QUEIRÓS, Eça de. O primo Basílio. São Paulo: Scipione, 1994. p. 5. exibida na TV.

1 seca: na expressão “que seca (ê)” significa chateação, amolação.  7 Mr. de Camors: protagonista do romance Monsieur de Camors, do

2 farnel: saco para provisões (o marido, Jorge, preparava ‑se para uma francês Octave Feuillet (1821 ‑1890); Camors representa um
viagem). aristocrata inteligente, poderoso e muito sedutor.
3 voltaire: palavra francesa que designa um tipo de poltrona, de 8 Margarida Gautier: protagonista do romance A dama das camélias.
assento baixo. 9 tísica: tuberculose.
4 Adamadascamélias: romance do francês Alexandre Dumas Filho 10Júlia Duprat, Armando, Prudência: personagens do romance
(1824 ‑1895). A dama das camélias; Júlia e Prudência são amigas de Margarida;
5 Baixa: centro comercial de Lisboa, onde os elegantes passeavam e Armando, seu amante.
faziam compras. 11 Baltresqui: famosa e finíssima confeitaria de Lisboa.
6 Ervandalo, Morton e lvanhoé: personagens de romances históricos
de Walter Scott.

1. Eça de Queirós era um artista das palavras e, como tal, selecionava‑as e combinava‑as brilhantemen‑
te, segundo suas intenções. Releia os dois primeiros parágrafos e responda:
a) No primeiro parágrafo, Eça explora a força expressiva dos diminutivos para caracterizar o perso‑
nagem e seu mundinho, mesquinho, sem perspectivas. Aponte esses diminutivos e comente‑os.
b) A ironia é um recurso expressivo muito utilizado pelos escritores realistas. Há uma passagem
muito irônica no primeiro parágrafo. Comente‑a.
c) Ainda no primeiro parágrafo, Luísa imagina‑se vivendo uma situação ideal. Aponte alguns adjeti‑
vos ou locuções adjetivas empregadas pelo autor para realçar o clima de idealização.
d) No segundo parágrafo, qual adjetivo é atribuído ao livro que Luísa lê? O que ele significa?

2. Eça, em uma carta em que comenta o romance, afirma que o enredo gira em torno “do encontro de
uma mulher educada sentimentalmente com um maganão [conquistador] educado libertinamen‑
te: toda a desgraça provém dessas duas educações falsas”.
Pela leitura do fragmento apresentado, em que se sustenta a educação de Luísa?

3. Em certa passagem do romance, o narrador afirma que Luísa “sentira essa felicidade, que dão os
amores ilegítimos, de que tanto se fala nos romances e nas óperas”. Em que condição é colocada
Luísa nessa passagem?

4. As heroínas românticas são descritas como pessoas muito ternas, delicadas, lânguidas, sentimentais.
a) Destaque passagens do texto em que Luísa é descrita com essas qualidades.
b) Qual é o modelo de homem com que sonha Luísa? Quem a desperta do sonho?
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PARTE 3 TExTos, ARTE E culTuRA

5. Eça afirma que O primo Basílio é um quadro doméstico da burguesia de Lisboa e que Luísa tem seu
temperamento marcado pela ociosidade. Eça emprega duas vezes um verbo para realçar a ociosida‑
de em que vive Luísa. Destaque‑o.

6. Em certo momento da narrativa, há o seguinte diálogo:


“Sebastião chamou‑a, aplacou‑a:
– Mas quem fala, tia Joana?
– Quem? – E muito enfaticamente: – Toda a rua! Toda a rua! Toda a rua!”
Na passagem acima fica exposta uma das maiores preocupações da burguesia, tão criticada por Eça
de Queirós. Comente‑a.

Leia agora um trecho de outro romance de Eça.

Amaro e o celibato
Mas na sua paixão havia às vezes grandes impaciências. Quando tinha estado, durante três
horas da noite, recebendo o seu olhar, absorvendo a voluptuosidade que se exalava de todos os seus
movimentos, – ficava tão carregado de desejos que necessitava conter‑se “para não fazer um dispara‑
te ali mesmo na sala, ao pé da mãe”. Mas depois, em casa, só torcia os braços de desespero: queria‑a
ali de repente, oferecendo‑se ao seu desejo; fazia então combinações – escrever‑lhe‑ia, arranjariam
uma casinha discreta para se amarem, planeariam um passeio a alguma quinta1! Mas todos aqueles
meios lhe pareciam incompletos e perigosos, ao recordar o olho finório da irmã do cônego, as
Gansosos tão mexeriqueiras! E diante daquelas dificuldades que se erguiam como as muralhas suces‑
sivas duma cidadela, voltavam as antigas lamentações: não ser livre! não poder entrar claramente
naquela casa, pedi‑la à mãe, possuí‑la sem pecado, comodamente! Por que o tinham feito padre? Fora
“a velha pega” da Marquesa de Alegros2! Ele não abdicava voluntariamente a virilidade do seu peito!
Tinham‑no impelido para o sacerdócio como um boi para o curral!
Então, passeando excitado pelo quarto, levava as suas acusações mais longe, contra o celibato3 e
a Igreja: por que proibia ela aos seus sacerdotes, homens vivendo entre homens, a satisfação mais
natural, que até têm os animais? Quem imagina que desde que um velho bispo diz – serás casto – a
um homem novo e forte, o seu sangue vai subitamente esfriar‑se? e que uma palavra latina – accedo4
– dita a tremer pelo seminarista assustado, será o bastante para conter para sempre a rebelião formi‑
dável do corpo? E quem inventou isto? Um concílio de bispos decrépitos, vindos do fundo dos seus
claustros, da paz das suas escolas, mirrados como pergaminhos, inúteis como eunucos5! Que sabiam
eles da Natureza e das suas tentações? Que viessem ali duas, três horas para o pé da Ameliazinha, e
veriam, sob a sua capa de santidade, começar a revoltar‑se‑lhe o desejo! Tudo se ilude e se evita,
menos o amor! E se ele é fatal, por que impediram então que o padre o sinta, o realize com pureza e
com dignidade? É melhor talvez que o vá procurar pelas vielas obscenas! – Porque a carne é fraca!
A carne! Punha‑se então a pensar nos três inimigos da alma – MUNDO, DIABO E CARNE. E apareciam à
sua imaginação em três figuras vivas: uma mulher muito formosa; uma figura negra de olho de brasa
e pé de cabra; e o mundo, coisa vaga e maravilhosa (riquezas, cavalos, palacetes) – de que lhe parecia
uma personificação suficiente o Sr. Conde de Ribamar6!
n Disponível em: <www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000082.pdf>. Acesso em: 28 jan. 2013.

1 quinta: propriedade rústica; no Brasil, seria equivalente a sítio.

2 Marquesa de Alegros: personagem na casa da qual serviam os pais de Amaro; quando este fica órfão, é a marquesa que decide colocar
Amaro no seminário.
3 celibato: é o estado de uma pessoa que se mantém solteira, sem vida sexual.
4 accedo: palavra latina que os jovens seminaristas deveriam pronunciar, aceitando as imposições da Igreja; o mesmo que “aprovo, concordo”.
 5eunuco: homem castrado que, no Oriente, era guarda de harém.

6 Conde de Ribamar: caracterizado como “o homem do Governo, estadista ilustre”, símbolo do poder, é um nacionalista conservador, reacionário.

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1. A partir da leitura do texto, é possível saber qual o conceito de amor defendido por Eça de Queirós?
2. “Não ser livre!”, lamenta‑se Amaro. A que se opõe a ideia de liberdade?
3. Numa determinada passagem, estabelece‑se uma verdadeira antítese entre os bispos e a Natureza.
Identifique o trecho e comente a seleção vocabular feita por Eça para caracterizar os bispos. Como
essa seleção vocabular se opõe à Natureza?

4. Releia o penúltimo parágrafo e perceba em que situação o autor faz referência a Ameliazinha. Nesse
contexto, o que ela personifica?

5. Em Portugal, tendências realistas aparecem ao lado de tendências naturalistas. Aponte, no fragmento


apresentado, algumas passagens que você considera naturalistas e comente‑as.

6. A crítica ao materialismo da velha aristocracia ou da emergente burguesia é uma característica


típica do Realismo. Em que passagem podemos percebê‑la?

vElHos TEmAs, novAs lEiTuRAs

O SURGIMENTO DE UM GÊNERO: O ROMANCE POLICIAL


As narrativas realistas e naturalistas mudaram, profundamente, a forma de entendimento da litera‑
tura: questões sociais e cotidianas passaram a fazer parte do repertório literário, na tentativa de incorporar
ao texto toda a complexidade do mundo moderno; as desigualdades sociais, a paisagem urbana, as mul‑
tidões, os conflitos políticos, as teorias científicas, a posição da mulher na sociedade, a moral burguesa,
dentre outros temas, foram abordados sem idealizações nas obras literárias da segunda metade do século.
Uma característica marcante desse fazer literário realista era a atenção ao detalhe; nas descrições de
personagens e paisagens, não era mais suficiente fazer generalizações e criar tipos comuns: era preciso dar
conta de tudo aquilo que se apresentava aos olhos do escritor. Para representar o mundo real, era necessá‑
rio captar o detalhe habitual e o detalhe dinâmico, identificar as coisas importantes e, ao mesmo tempo,
as excessivas e desconsideradas. Segundo o crítico literário James Wood:

A literatura é diferente da vida real porque a vida é cheia de detalhes, mas de maneira amorfa, e
raramente ela nos conduz a eles, enquanto a literatura nos ensina a notar – a notar como a minha mãe,
por exemplo, costuma enxugar a boca antes de me beijar; o som de britadeira que faz um táxi londrino
quando o motor a diesel está em ponto morto; os riscos esbranquiçados numa jaqueta velha de couro
que parecem estrias de gordura num pedaço de carne; como a neve fresca “range” sob os pés; como os
bracinhos de um bebê são tão rechonchudos que parecem amarrados com linha (ah, os outros são
meus, mas o último exemplo é de Tolstói).
n WOOD, James. Como funciona a ficção. Trad. Denise Bottman.
São Paulo: Cosac & Naify, 2012. p. 63.

A arte, portanto, é capaz de detectar e representar aquilo que escapa ao olhar distraído do cotidiano,
assim como faz um detetive ou um crítico de arte. Dessa combinação entre percepção crítica, atenção ao
detalhe e modernidade surgiu um gênero literário que se tornou verdadeiro fenômeno entre o público, a

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PARTE 3 TExTos, ARTE E culTuRA

narrativa policial (vale lembrar que, da mesma forma, ganharam corpo as obras de ficção científica e terror).
A primeira experiência de sucesso nesse tipo de literatura de Edgar Allan Poe (1809 ‑1849), que, a partir
de notícias veiculadas na imprensa, criou misteriosos casos investigativos. Seu personagem, Auguste
Dupin, um jovem cavalheiro nascido em excelente família, mas reduzido à pobreza por fatores diversos,
e com uma imensa capacidade analítica, é o protagonista de “Os crimes da rua Morgue”, conto publica‑
do em 1841.
A capacidade de Dupin era tão grande que ele conseguia resolver mistérios que ocorriam muito dis‑
tantes de Paris, cidade onde morava. O espantoso talento analítico do personagem de Edgar Allan Poe fez
escola e foi elevado ao máximo por meio dos detetives Sherlock Holmes, criado por Sir Arthur Conan Doyle
(1859‑1930), e Hercule Poirot, de Agatha Christie (1890‑1976). Nas histórias desses investigadores, o objeti‑
vo é sempre a busca pela solução do mistério, na maior parte dos casos um assassinato; ou seja, uma
investigação progressiva, cujo fim é estabelecer a verdade e realizar a justiça.
Para conhecer melhor as características do gênero policial, assim como as narrativas desse tipo que
são escritas no Brasil, leia atentamente os textos a seguir. O primeiro é um comentário do crítico literário
James Wood acerca da narrativa de Gustave Flaubert (1821‑1880). O segundo, um trecho do livro O silêncio
da chuva (1996), do escritor carioca Luiz Alfredo Garcia‑Roza (1936‑), que descreve uma caminhada do dele‑
gado Espinosa, personagem da obra, pelas ruas do centro do Rio de Janeiro.

Texto 1
É claro que naquela rua de Paris o tempo que a balconista passa bocejando não pode ser igual ao
tempo que a roupa tremula ou que os jornais ficam nas mesas. Os detalhes de Flaubert são de marca‑
ções temporais diferentes, alguns instantâneos e outros recorrentes, mas todos se combinam no
mesmo plano como se acontecessem simultaneamente.
Parece a vida real – de um modo belamente artificial. Flaubert sugere que esses detalhes, de
certa forma, são ao mesmo tempo importantes e insignificantes: importantes porque estão todos
misturados, como que vistos de relance; parecem chegar a nós como “a vida real”. Daí deriva grande
parte do relato moderno, como a reportagem de guerra. O escritor de livros policiais e o repórter de
guerra apenas intensificam o contraste entre o detalhe importante e o insignificante, transforman‑
do‑o numa tensão entre o pavoroso e o comum: um soldado morre e ao lado um menino vai para
a escola.
n WOOD, James. Como funciona a ficção. Trad. Denise Bottman.
São Paulo: Cosac & Naify, 2012. p. 45.

Texto 2
Retomou a caminhada, invadido pelo cheiro de tabaco que emanava da Charutaria Syria. Como se
tivesse fumado um cigarro depois do almoço, coisa de que ainda sentia falta. Dobrou à esquerda na
avenida Passos, atravessou a Presidente Vargas desembocando na Marechal Floriano, bem em frente
ao Colégio Pedro II. Chegou a sentir na mão a pasta de couro cuja alça era mudada a cada ano para
resistir ao peso dos novos livros e cadernos escolares. “Não carrego mais pasta, carrego cadáveres.”
Procurou afastar a imagem dos dedos da mãe de Rose espalhados pela mesa da sala. Deteve‑se em
frente à fachada de pedra e alvenaria do antigo colégio, com suas portas de madeira e ferro, belas esca‑
darias de ferro fundido e mármore. Quantas vezes subira correndo aqueles degraus, atrasado para o
início da aula. Rose não voltara a telefonar, ou melhor, o sequestrador não voltara a se utilizar de Rose
para telefonar. Por que não telefonava ele próprio? [...] Continuava a andar pela Marechal Floriano em
direção à rua Acre. E se estivessem telefonando agora para o apartamento ou para a delegacia? Se isso
estivesse acontecendo, o inspetor estaria passeando pelo centro da cidade numa rememoração fora de
momento e de propósito. Ao passar pela esquina da rua dos Andradas, ohou para a esquerda e

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esqueceu‑se momentaneamente do que estava pensando. A rua formava um corredor de pequenos


sobrados de meados do século passado, com seus minúsculos balcões em ferro batido, as calçadas
quase se tocando na rua estreita, tendo ao fundo o morro do Santo Cristo iluminado pelo sol. A beleza
do local era comovente. Dobrando à direita, na rua Leandro Martins, o espírito era o mesmo. “Naquele
tempo os crimes eram notícia extraordinária, hoje são cometidos em série.” Sem perceber, viu‑se na rua
Acre, estava praticamente na delegacia.
n GARCIA-ROZA, Luiz Alfredo. O silêncio da chuva.
São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 228-229.

1. Para James Wood, tanto o texto de Gustave Flaubert quanto a literatura policial são exemplos de
narrativa moderna. Quais elementos do trecho do romance de Luiz Alfredo Garcia‑Roza podem ser
relacionados com os comentários do crítico?

2. No texto 2 percebem‑se, simultaneamente, acontecimentos que ocorrem no momento em que o


delegado caminha pelas ruas e o fluxo da memória. Explique que efeito isso produz.

Hoje em dia, é possível encontrar inúmeros exemplos de narrativas de cunho policial, principal‑
mente em seriados de televisão. Assista a um episódio de qualquer um desses seriados e pense nos
aspectos formais da construção narrativa moderna. Como os detalhes são abordados nesses progra‑
mas televisivos? Como os personagens e os cenários são caracterizados? Qual é o grau de relação
com a realidade que as situações representadas possuem? Compartilhe suas conclusões com seus
colegas de classe.

NO
Questões de exames FAÇARNO!
CAD
E

1. (UFBA) lá, ninguém sabia por quê, uma dúzia de bolos, e


o pobre‑diabo jurou então, entre lágrimas e
Fechava a fila das primeiras lavadeiras, o
soluços, que nunca mais se incumbiria de rece‑
Albino, um sujeito afeminado, fraco, cor de
ber os róis.
espargo cozido e com um cabelinho castanho,
E daí em diante, com efeito, não arredava os
deslavado e pobre, que lhe caía, numa só linha,
pezinhos do cortiço, a não ser nos dias de carna‑
até ao pescocinho mole e fino. Era lavadeiro e
vivia sempre entre as mulheres, com quem já val, em que ia, vestido de dançarina, passear à
estava tão familiarizado que elas o tratavam tarde pelas ruas e à noite dançar nos bailes dos
como a uma pessoa do mesmo sexo; em presen‑ teatros. [...]
ça dele falavam de coisas que não exporiam em Naquela manhã levantara‑se ainda um pouco
presença de outro homem; faziam‑no até confi‑ mais lânguido que do costume, porque passara
dente dos seus amores e das suas infidelidades, mal a noite. A velha Isabel, que lhe ficava ao lado
com uma franqueza que o não revoltava, nem esquerdo, ouvindo‑o suspirar com insistência,
comovia. Quando um casal brigava ou duas ami‑ perguntou‑lhe o que tinha.
gas se disputavam, era sempre Albino quem Ah! muita moleza de corpo e uma pontada do
tratava de reconciliá‑los, exortando as mulheres vazio que o não deixava!
à concórdia. Dantes encarregava‑se de cobrar o A velha receitou diversos remédios, e ficaram
rol das colegas, por amabilidade; mas uma vez, os dois, no meio de toda aquela vida, a falar tris‑
indo a uma república de estudantes, deram‑lhe temente sobre moléstias.

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PARTE 3 TExTos, ARTE E culTuRA

E, enquanto, no resto da fileira, a Machona, a mulheres conscientes dos seus instintos em


Augusta, a Leocádia, a Bruxa, a Marciana e sua função do meio em que vivem e, sobretudo,
filha conversavam de tina a tina, berrando e capazes de controlá‑los.
quase sem se ouvirem, a voz um tanto cansada já c) trazem uma crítica aos aspectos animalescos
pelo serviço, defronte delas, separado pelos jiraus, próprios do homem, mas, por outro lado, reve‑
formava‑se um novo renque de lavadeiras, que lam uma forma de Pombinha submeter a mui‑
acudiam de fora, carregadas de trouxas, e iam tos deles para obter vantagens: eis aí um princí‑
ruidosamente tomando lugar ao lado umas das pio do Realismo rechaçado no Naturalismo.
outras, entre uma agitação sem tréguas, onde se d) constroem uma visão de mundo e do homem
não distinguia o que era galhofa e o que era briga. idealizada, o que, em certa medida, afronta o
Uma a uma ocupavam‑se todas as tinas. E de referencial em que se baseia a prosa naturalista,
todos os casulos do cortiço saíam homens para as que define o homem como fruto do meio, mar‑
suas obrigações. [...] cado pelo apelo dos seus sentidos.
n■AZEVEDO, A. O cortiço. São Paulo: Ática, 1999.
e) consubstanciam a concepção naturalista de que
p. 40-41. Edição Especial.
o homem é um animal, preso aos instintos e, no
Considerando o fragmento transcrito e a obra de que dizem respeito à sexualidade, vê‑se que
onde foi retirado, Pombinha considera a mulher superior ao
• identifique os efeitos de sentido que a repetição homem, e esse conhecimento é uma forma de
do sufixo “inho” – cabelinho; pescocinho; pezinhos se obterem vantagens.
– produz no entendimento da caracterização de
Albino; 3. (Fuvest‑SP) Costuma‑se reconhecer que tanto O
primo Basílio quanto as Memórias póstumas de
• justifique, do ponto de vista da escolha do voca‑
Brás Cubas possuem notável conteúdo de crítica
bulário, a utilização do substantivo “casulos” no
social. Apesar das muitas diferenças que separam
texto.
os dois romances, em ambos essa crítica
2. (Unifesp) Considere o trecho de O cortiço, de Aluísio a) fundamenta‑se em minuciosa análise das rela‑
Azevedo. ções sociais e tem como finalidade propor solu‑
Uma aluvião de cenas, que ela [Pombinha] ções construtivas para os problemas detectados.
jamais tentara explicar e que até ali jaziam b) dá a ver um conjunto de personagens que, com
esquecidas nos meandros do seu passado, apre‑ raras exceções, têm como traços mais mar‑
sentavam‑se agora nítidas e transparentes. Com‑ cantes a inconsistência, a pretensão, a velei‑
preendeu como era que certos velhos respeitá‑ dade e outras características semelhantes,
veis, cuja fotografia Léonie lhe mostrou no dia figurando assim uma sociedade globalmente
que passaram juntas, deixavam‑se vilmente medíocre.
cavalgar pela loureira, cativos e submissos, c) assume a forma do romance de tese, próprio da
pagando a escravidão com a honra, os bens, e até estética realista, no qual se procura validar um
com a própria vida, se a prostituta, depois de os conjunto de hipóteses científicas, verificando‑se
ter esgotado, fechava‑lhes o corpo. E continuou a sua pertinência na vida social das personagens.
sorrir, desvanecida na sua superioridade sobre d) visa a demonstrar o prejuízo que o excesso de
esse outro sexo, vaidoso e fanfarrão, que se julga‑ leituras romanescas pode trazer à formação
va senhor e que, no entanto, fora posto no mundo moral dos indivíduos, em particular quando
simplesmente para servir ao feminino; escravo interfere na educação das mulheres, matrizes
ridículo que, para gozar um pouco, precisava tirar da família.
da sua mesma ilusão a substância do seu gozo; ao e) incide principalmente sobre as mazelas sociais
passo que a mulher, a senhora, a dona dele, ia derivadas da persistência da escravidão em um
tranquilamente desfrutando o seu império, contexto já moderno, no qual ela não mais se
endeusada e querida, prodigalizando martírios, justifica.
que os miseráveis aceitavam contritos, a beijar os
pés que os deprimiam e as implacáveis mãos que 4. (PUC‑PR) Uma das características do Naturalismo é
os estrangulavam. o determinismo. Assinale a alternativa que contém
– Ah! homens! homens! ... sussurrou ela de o exemplo correto para essa característica.
envolta com um suspiro. a) Determinismo é apresentar a vida como ela é.
No texto, os pensamentos da personagem b) Determinismo é a tendência de imitar a
a) recuperam o princípio da prosa naturalista, que realidade.
condena os assuntos repulsivos e bestiais, sem c) O destino das personagens está subordinado às
amparo nas teorias científicas, ligados ao condições de raça, meio e momento histórico.
homem que põe em primeiro plano seus instin‑ d) O narrador determina qual é o conflito que vive‑
tos animalescos. rão as personagens.
b) elucidam o princípio do determinismo presente e) A paisagem e as personagens obedecem a uma
na prosa naturalista, revelando os homens e as ordem científica.

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5
A nArrATivA reALisTA/nATUrALisTA nO BrAsiL CAPÍTULO 5

CAP Í T U L O 5

A narrativa realista/
naturalista no Brasil
“A vida é uma ópera”, dizia-me um velho tenor italiano que aqui viveu e morreu...
E explicou-me um dia a definição, em tal maneira que me fez crer nela.
n Machado de Assis, no romance Dom Casmurro.

Cada estação da vida é uma edição, que corrige a anterior, e que será corrigida
também, até a edição definitiva, que o editor dá de graça aos vermes.
n Machado de Assis, no romance Memórias póstumas de Brás Cubas.
Reprodução/Coleção da Pinacoteca Municipal, São Paulo, SP.

n O final do século XIX, no Brasil, foi marcado por três acontecimentos fundamentais: a abolição da escravatura, a
proclamação da República – retratada na tela de Benedito Calixto – e o início do ciclo econômico do café.

• Que aspecto do episódio da proclamação da República fica muito evidenciado na tela de


Benedito Calixto?

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PArTe 3 TexTOs, ArTe e CULTUrA

O REALISMO NA PINTURA BRASILEIRA

Reprodução/Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo, SP.


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A PinTUrA

Caipira picando fumo, de Almeida Júnior, revela o traço mais realista do pintor (a
tela é de 1893, quando o artista fica mais afeito à vida do interior de São Paulo).
No entanto, é importante notar que essa tela ajudou a construir uma imagem
idealizada do caipira, o que provocou ácidos comentários de Monteiro Lobato,
por volta de 1915-1920. Lobato, que também refletiu sobre a condição do
homem do interior de São Paulo (representado na figura de Jeca Tatu), criticava
o “caboclismo”, que ele via como uma reedição do indianismo romântico.
Reprodução/Coleção particular

A vida e os costumes dos imigrantes


italianos fez parte da temática de • Em sua opinião, qual foi
Henrique Bernardelli. Na tela Interior a intenção do artista ao
italiano, merece destaque o jogo de realizar essa pintura?
claro-escuro e o realismo com que
são retratadas as figuras humanas.

• Essa pintura representa uma situação bastante corriqueira;


apesar dessa primeira impressão, é possível dizer que as três
figuras humanas transmitem uma ideia mais complexa. Que
ideia é essa?
Reprodução/Museu Antônio Parreiras, Niterói, RJ.

Antônio Parreiras trabalhou, principalmente, três temáticas: as pinturas


históricas, as paisagens e os nus femininos, como as telas Dolorida (abaixo) e
Flor brasileira (ao lado) . Segundo Teixeira Leite, os nus de Parreiras foram mal
recebidos no Brasil, mas valeram-lhe, na Europa, sólida reputação.

Reprodução/Museu Antônio Parreiras, Niterói, RJ.

• Por que você acha que os nus femininos pintados por Antônio Parreiras não foram bem recebidos no
Brasil? Nos dias de hoje, essa pintura ainda seria mal recebida pelo público?

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A nArrATivA reALisTA/nATUrALisTA nO BrAsiL CAPÍTULO 5

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O CONTEXTO HISTÓRICO NO BRASIL
//////////
///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Acompanhando as transformações econômicas, políticas e sociais por que passa a Europa, o Brasil, embora
com profundas diferenças materiais – enquanto lá se vivia o capitalismo industrial, aqui a sociedade se organi‑
zava em torno da produção agrícola e do binômio aristocracia/mão de obra escrava –, também passa por mudan‑
ças radicais nesses setores no período que corresponde ao início da prosa realista/naturalista (década de 1880):
• a campanha abolicionista intensifica‑se a partir de 1850;
• a Guerra do Paraguai (1864‑1870) tem como consequência o pensamento republicano – o Partido Republicano
foi fundado no ano em que essa guerra acabou;
• a Monarquia, representada por D. Pedro II, que já estava no poder havia quarenta anos, vive uma vertiginosa
decadência;
• a Lei Áurea, de 1888, não põe termo ao problema dos negros, mas cria uma nova realidade: o fim da mão de
obra escrava e a sua substituição pela mão de obra assalariada (então representada pelas levas de imigrantes
europeus que vinham trabalhar na lavoura cafeeira) originam uma economia voltada para o mercado externo,
mas sem a estrutura colonialista.

///////////////////////////
O ROMANCE REALISTA NO BRASIL
///////////
///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Psicologia, ironia e crítica na obra de Machado de Assis

Machado de Assis (1839-1908)


Reprodução/Academia Brasileira de Letras, Rio de Janeiro, RJ.

Joaquim Maria Machado de Assis foi, sem dúvida, a figura mais importante de
nossas letras na virada do século XIX para o século XX: escritor respeitado por seus
contemporâneos, primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras, sua figura
pairava acima dos acontecimentos. Assistiu à passagem da Monarquia para a
República, ora manifestando um ligeiro saudosismo dos tempos do Império, ora
ironizando a República, ora exaltando os novos tempos. Romancista, contista,
poeta, cronista, publicou seus primeiros textos ainda seguindo o modelo
romântico e, a partir de 1881, filiou-se ao Realismo e passou a escrever com “a
pena da galhofa e a tinta da melancolia”.
Não deixe de visitar o sítio organizado pela ABL para homenagear Machado
de Assis: <www.machadodeassis.org.br>, acesso em: 28 jan. 2013.

A obra de Machado de Assis


Costuma‑se distinguir na obra de Machado de Assis duas fases: a primeira apresenta o autor ainda
preso a alguns princípios da escola romântica, sendo, por isso, chamada de fase romântica ou de amadu‑
recimento; a segunda apresenta o autor completamente definido dentro das ideias realistas, sendo, por‑
tanto, chamada de fase realista ou de maturidade. Machado foi romancista, contista e poeta, além de
deixar algumas peças de teatro e inúmeras críticas, crônicas e correspondências.

Primeira fase
Pertencem a essa fase os romances Ressurreição, A mão e a luva, Helena e Iaiá Garcia.
Machado de Assis foi um ótimo crítico literário, principalmente de sua própria obra. Portanto, nin‑
guém melhor do que ele próprio para nos informar acerca da evolução de seus romances e contos, da fase
romântica para a fase realista. Transcrevemos, a seguir, um trecho da apresentação que Machado fez a
uma reedição do romance Helena:

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PArTe 3 TexTOs, ArTe e CULTUrA

Advertência
Esta nova edição de Helena sai com várias emendas de linguagem e outras, que não alteram a feição do livro. Ele é o
mesmo da data em que o compus e imprimi, diverso do que o tempo me foi depois, correspondendo assim ao capítulo da his‑
tória do meu espírito, naquele ano de 1876.
Não me culpeis pelo que lhe achardes romanesco. Dos que então fiz, este me era particularmente prezado. Agora mesmo,
que há tanto me fui a outras e diferentes páginas, ouço um eco remoto ao reler estas, eco de mocidade e fé ingênua. É claro que,
em nenhum caso, lhes tiraria a feição passada; cada obra pertence ao seu tempo.

Observa‑se, portanto, que o próprio autor nos dá a dimensão exata das fases de sua obra, assumindo
uma posição paternal ao comentar e se desculpar pelas obras da primeira fase, nostalgicamente relem‑
bradas como uma época de fé ingênua, ingenuidade esta perdida ao trilhar novos caminhos: “me fui a
outras e diferentes páginas”, ou seja, páginas realistas.
Apesar de romanescos, no entanto, os romances e contos dessa época já indicavam algumas carac‑
terísticas que mais tarde se consolidariam na obra de Machado: o amor contrariado, o casamento por
interesse, uma ligeira preocupação psicológica e uma leve ironia. Afrânio Coutinho assim comenta as
fases do autor:

Biblioteca do Senado
“É uma noção corrente da crítica machadiana a de que a vida e a obra do
escritor ofereciam uma divisão nítida, situada em torno de 1880, quando atraves‑
sara a crise dos 40 anos, inaugurando uma nova fase de sua carreira artística. [...]
Não há como negar a existência de diferenças na estética do escritor antes e
depois das Memórias póstumas de Brás Cubas. [...] Todavia, deve‑se afastar, no
exame do problema, a ideia de mutação repentina. Não há ruptura brusca entre
as duas fases [...] E, se existe diferença, não há oposição, mas sim desabrochamen‑
to, amadurecimento.”
n■COUTINHO, Afrânio. “Machado de Assis na literatura brasileira”.
In: Machado de Assis – obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986. v. 1.

Segunda fase
A essa fase pertencem as obras‑primas de Machado de Assis, como Memórias póstumas de Brás
Cubas, Quincas Borba e Dom Casmurro. A análise psicológica dos personagens, o pessimismo, o negati‑
vismo, a linguagem correta, clássica, as frases curtas, a técnica dos capítulos curtos e da conversa com
o leitor são as principais características dos textos realistas, ao lado da análise da sociedade e da crítica
aos valores românticos.
Coleção Brasiliana da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro (RJ).

• Memórias póstumas de Brás Cubas – além de ser nosso primeiro romance rea‑
lista, é uma obra inovadora, com uma série de características que distinguiriam
as obras‑primas machadianas. O livro é revolucionário a partir de sua própria
estrutura: são memórias, mas póstumas! Ou seja, o narrador rememora sua
vida após a morte, constituindo‑se, dessa forma, um defunto‑autor – a narra‑
ção é feita em primeira pessoa. Qual é o objetivo de Machado ao criar um nar‑
rador que já está morto? Ora, para narrar sua vida com total isenção, Brás
Cubas teria de estar totalmente desvinculado de qualquer relação com a socie‑
dade, com a própria vida. A morte propicia um total descomprometimento,
uma total sinceridade. Brás Cubas, ao iniciar a narração, já está morto, enterra‑
do e... comido pelos vermes. Observe a dedicatória do livro:
n Primeira edição de
“Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico Memórias póstumas de
Brás Cubas, de Machado
com saudosa lembrança estas Memórias Póstumas”. de Assis.

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A nArrATivA reALisTA/nATUrALisTA nO BrAsiL CAPÍTULO 5

Com o verbo no passado: roeu. O que significa que Brás Cubas não é mais nada, não existe, não
deve satisfações a ninguém, é livre, soberano absoluto para pintar a vida, as pessoas, a si próprio:

“... estas são as memórias de um finado, que pintou a si e a outros, conforme lhe pareceu melhor
e mais certo”.

E carregou nas tintas do pessimismo, como afirma Machado/Brás Cubas no prólogo “Ao leitor”:

“... não sei se lhe meti algumas rabugens de pessimismo. Pode ser. Obra de finado. Escrevi‑a
com a pena da galhofa e a tinta da melancolia, e não é difícil antever o que poderá sair desse
conúbio”.

• Quincas Borba – romance narrado em terceira pessoa, é uma análise da desagregação psicológica e
financeira de Rubião, humilde professor do interior de Minas Gerais, que recebe a herança de
Quincas Borba, criador de um sistema filosófico chamado Humanitismo. A desagregação de Rubião
– uma das raras personagens machadianas boas, honestas e decentes – até a loucura total e a misé‑
ria absoluta é, na prática, o Humanitismo em toda a sua essência (a teoria do Humanitismo está
revelada em Memórias póstumas de Brás Cubas). Rubião morre pobre e louco, acreditando ser
Napoleão. No auge da loucura, também conhece a plena lucidez: sua última frase encerra toda a
sociedade e o Humanitismo – “Ao vencedor, as batatas...”. Ou seja, numa sociedade composta de
indivíduos egoístas e gananciosos, a ascensão de um se faz a partir da anulação do outro; ou, como
explica o filósofo Quincas Borba: “a supressão de uma forma é a condição da sobrevivência da outra”.
Se duas tribos famintas disputam uma única plantação de batatas, só a tribo vitoriosa sobreviverá.
Ao vencedor, as batatas...
• Dom Casmurro – é um retorno de Machado de Assis à narração em primeira pessoa; Bentinho/
D. Casmurro é o personagem‑narrador que tenta “atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice
a adolescência”. À primeira vista, o romance parece girar em torno de um provável adultério:
Bentinho é casado com Capitu; desconfia que Ezequiel, o filho, seja de Escobar, amigo do casal; o
ciúme doentio de Bentinho leva à dissolução do casamento (eles se separam de fato, mas não social‑
mente – Capitu e o filho vivem na Europa a pretexto de um tratamento de saúde da mulher). Isso
serve, entretanto, apenas de pano de fundo para a confecção de brilhantes perfis psicológicos e
análises de comportamento.

Coleção particular

n Capitu, tela de J. da
Rocha Ferreira.

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PArTe 3 TexTOs, ArTe e CULTUrA

Lendo os textos

Memórias póstumas de Brás Cubas


A franqueza de um narrador-defunto
Para se ter uma ideia das posições e características de Machado de Assis, nada melhor que selecionar
alguns trechos das Memórias póstumas de Brás Cubas, aproveitando as palavras do próprio autor:

A vida
“Talvez espante ao leitor a franqueza com que lhe exponho e realço a minha mediocridade;
advirto que a franqueza é a primeira virtude de um defunto. Na vida, o olhar da opinião, o contraste
dos interesses, a luta das cobiças obrigam a gente a calar os trapos velhos, a disfarçar os rasgões e os
remendos, a não estender ao mundo as revelações que faz à consciência; e o melhor da obrigação é
quando, à força de embaçar os outros, embaça‑se um homem a si mesmo. Porque em tal caso poupa‑
‑se o vexame, que é uma sensação penosa, e a hipocrisia, que é um vício hediondo. Mas, na morte, que
diferença! que desabafo! que liberdade! Como a gente pode sacudir fora a capa, deitar ao fosso as
lantejoulas, despregar‑se, despintar‑se, desafeitar‑se, confessar lisamente o que foi e o que deixou de
ser! Porque, em suma, já não há vizinhos, nem amigos, nem inimigos, nem conhecidos, nem estra‑
nhos; não há plateia. O olhar da opinião, esse olhar agudo e judicial, perde a virtude, logo que pisamos
o território da morte; não digo que ele se não estenda para cá, e nos não examine e julgue; mas a nós
é que não se nos dá do exame nem do julgamento. Senhores vivos, não há nada tão incomensurável
como o desdém dos finados.” [Capítulo XXIV]

O amor
“Marcela amou‑me durante quinze meses e onze contos de réis, nada menos.” [Capítulo XVII]
“Esse foi, cuido eu, o ponto máximo do nosso amor, o cimo da montanha, donde por algum
tempo divisamos os vales de leste a oeste, e por cima de nós, o céu tranquilo e azul. Repousado esse
tempo, começamos a descer a encosta, com as mãos presas ou soltas, mas a descer, a descer...”
[Capítulo LXXXV]

O Humanitismo
O Humanitismo é um sistema filosófico elaborado pelo ex‑mendigo
Quincas Borba (personagem que aparece em Memórias póstumas de Brás
Cubas e que dará título a outro romance de Machado). Para tentar com‑
preender a visão de mundo do filósofo‑louco, transcrevemos uma de
Vera Basile/Arquivo da editora

suas curiosas argumentações, cujo tema é o frango que Brás Cubas e


Quincas Borba filosoficamente almoçavam. Diz o ex‑mendigo:

[... este mesmo frango...] “Nutriu‑se de milho, que foi planta‑


do por um africano, suponhamos, importado de Angola. Nasceu
esse africano, cresceu, foi vendido; um navio o trouxe, um navio
construído de madeira cortada no mato por dez ou doze
homens, levado por velas, que oito ou dez homens tece‑
ram, sem contar a cordoalha e outras partes do aparelho
náutico. Assim, este frango, que eu almocei agora mesmo,
é o resultado de uma multidão de esforços e lutas, execu‑
tados com o único fim de dar mate ao meu apetite.”
[Capítulo CXVII]
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A nArrATivA reALisTA/nATUrALisTA nO BrAsiL CAPÍTULO 5

Leia, a seguir, o último parágrafo do romance, significativamente intitulado “das negativas”.

Das negativas
Este último capítulo é todo de negativas. Não alcancei a celebridade do emplastro, não fui
ministro, não fui califa, não conheci o casamento. Verdade é que, ao lado dessas faltas, coube‑me a
boa fortuna de não comprar o pão com o suor do meu rosto. Mais; não padeci a morte de D. Plácida,
nem a semidemência do Quincas Borba. Somadas umas cousas e outras, qualquer pessoa imagina‑
rá que não houve míngua nem sobra, e conseguintemente que saí quite com a vida. E imaginará
mal; porque ao chegar a este outro lado do mistério, achei‑me com um pequeno saldo, que é a der‑
radeira negativa deste capítulo de negativas: – Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o
legado da nossa miséria.
n ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas.
São Paulo: Scipione, 2004. p. 142‑143.

Considerando que o personagem Quincas Borba e seu Humanitismo aparecem nas Memórias
póstumas, como pode ser relacionado o “saldo” de Brás Cubas – a derradeira negativa – à filosofia de
Quincas Borba?

Quincas Borba
Quincas Borba, personagem de dois romances
O romance Quincas Borba ganhou versão definitiva, em forma de livro, em 1891, dez anos após a
publicação das Memórias póstumas de Brás Cubas, de onde provêm alguns de seus principais elementos:
o bizarro filósofo Quincas Borba, a sua filosofia do Humanitismo e um certo capital herdado por ele. O
narrador do romance Quincas Borba estabelece a intertextualidade logo no início da narrativa:

“Este Quincas Borba, se acaso me fizeste o favor de ler as Memórias póstumas de Brás Cubas, é
aquele mesmo náufrago da existência, que ali aparece, mendigo, herdeiro inopinado, e inventor de
uma filosofia. Aqui o tens agora em Barbacena.”

Vale lembrar que Joaquim Borba dos Santos, o Quincas, fora colega de escola de Brás Cubas; aliás,
um brilhante aluno. E que anos mais tarde os dois se encontram vivendo situações diversas: Brás Cubas
é um capitalista; Quincas Borba, um mendigo. Tempos depois, Quincas reaparece rico: havia herdado,
inesperadamente, uma fabulosa quantia de um parente que vivia em Minas Gerais.
Pois é exatamente em Minas Gerais, mais precisamente em Barbacena, que vamos encontrá‑lo
agora, no romance que leva seu nome. Rico, filósofo e demente.
Reproduzimos, a seguir, o trecho do capítulo VI do romance Quincas Borba, justamente aquele em
que o filósofo explica a seu discípulo Rubião o que é o Humanitismo.

– E que Humanitas é esse?


– Humanitas é o princípio. Mas não, não digo nada, tu não és capaz de entender isto, meu caro
Rubião; falemos de outra cousa.
– Diga sempre.
Quincas Borba, que não deixara de andar, parou alguns instantes.
– Queres ser meu discípulo?
– Quero.
– Bem, irás entendendo aos poucos a minha filosofia; no dia em que a houveres penetrado
inteiramente, ah! nesse dia terás o maior prazer da vida, porque não há vinho que embriague como
a verdade. Crê‑me, o Humanitismo é o remate das cousas; e eu que o formulei, sou o maior homem
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PArTe 3 TexTOs, ArTe e CULTUrA

do mundo. Olha, vês como o meu bom Quincas Borba1 está olhando para mim?
Não é ele, é Humanitas...
– Mas que Humanitas é esse?
– Humanitas é o princípio. Há nas cousas todas certa substância
recôndita e idêntica, um princípio único, universal, eterno, comum,
indivisível e indestrutível – ou, para usar a linguagem do grande
Camões:
Uma verdade que nas cousas anda
Que mora no visíbil e invisíbil.
Pois essa substância ou verdade, esse princípio indes‑
trutível é que é Humanitas. Assim lhe chamo, porque resu‑
me o universo, e o universo é o homem. Vais entendendo?
– Pouco, mas, ainda assim, como é que a morte de sua avó...
– Não há morte. O encontro de duas expansões, ou a
expansão de duas formas, pode determinar a supressão de uma
delas; mas, rigorosamente, não há morte, há vida, porque a
supressão de uma é princípio universal e comum. Daí o caráter
conservador e benéfico da guerra. Supõe tu um campo de batatas e
duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentar ito
ra
ed
da
uma das tribos, que assim adquire forças para transpor a montanha ui
vo
rq
/A
e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas Ba
s ile
ra
Ve
tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir‑se
suficientemente e morrem de inanição. A paz, nesse caso, é a destrui‑
ção; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e reco‑
lhe os despojos.
Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos os demais efeitos das
ações bélicas. Se a guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar‑se, pelo motivo real de
que o homem só comemora e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, e pelo motivo racional de que
nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou compaixão; ao
vencedor, as batatas.
– Mas a opinião do exterminado?
– Não há exterminado. Desaparece o fenômeno; a substância é a mesma. Nunca viste ferver
água? Hás de lembrar‑te que as bolhas fazem‑se e desfazem‑se de contínuo, e tudo fica na mesma
água. Os indivíduos são essas bolhas transitórias.
– Bem; a opinião da bolha...
– Bolha não tem opinião. Aparentemente, há nada mais contristador2 que uma dessas terríveis
pestes que devastam um ponto do globo? E, todavia, esse suposto mal é um benefício, não só
porque elimina os organismos fracos, incapazes de resistência, como porque dá lugar à obser‑
vação, à descoberta da droga curativa. A higiene é filha de podridões seculares; devêmo‑la a
milhões de corrompidos e infectos. Nada se perde, tudo é ganho. Repito, as bolhas ficam na
água. Vês este livro? É D. Quixote. Se eu destruir o meu exemplar, não elimino a obra que conti‑
nua eterna nos exemplares subsistentes e nas edições posteriores. Eterna e bela, belamente
eterna, como este mundo divino e supradivino.
n ASSIS, Machado de. Quincas Borba.
São Paulo: Scipione, 1994. p. 9‑11.

1 Quincas Borba: nessa passagem, o filósofo faz referência a seu cão, também nomeado Quincas Borba. O filósofo assim se justifica: “se eu
morrer antes, como presumo, sobreviverei no nome do meu bom cachorro” (o que, de fato, acontece, com o cão assumindo “o mesmo olhar
meditativo do filósofo, quando examinava negócios humanos”).
2 contristador: que causa tristeza, compaixão.

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A nArrATivA reALisTA/nATUrALisTA nO BrAsiL CAPÍTULO 5

1. Humanitas é palavra latina (pronuncia‑se Humânitas) que dá origem à palavra humanidade. Leia, a
seguir, a transcrição do verbete:

Humanidade
n Substantivo feminino

1. conjunto de características específicas à natureza humana.


Ex.: a animalidade e a h. residem igualmente no homem.
2. sentimento de bondade, benevolência, em relação aos semelhantes, ou de com‑
paixão, piedade, em relação aos desfavorecidos.
3. o conjunto dos seres humanos.
4. qualidade de quem realiza plenamente a natureza humana.
Ex.: adquiriu mais h. ao tornar‑se mãe.

n HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico. Versão 1.0.5a. Parte integrante do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002.

A ironia machadiana se mostra mais ferina se considerarmos qual das acepções listadas pelo dicionário?

2. Para o professor Antonio Candido, o mais atraente nos livros de Machado de Assis é “a transforma‑
ção do homem em objeto do homem, que é uma das maldições ligadas à falta de liberdade verda‑
deira, econômica e espiritual”. Como essa afirmação aparece na teoria de Quincas Borba?

FiLMOTeCA
Divulgação/Arquivo da editora

Memórias póstumas de Brás Cubas (2000). Direção: André Klotzel. Com Reginaldo Faria.
Uma bela adaptação do romance Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de
Assis. Brás Cubas morto relata suas memórias e aventuras. Seu amigo Quincas Borba é perso‑
nagem importante. Um filme irreverente e surpreendente. Vale a pena assistir.

O romance de formação de Raul Pompeia

Raul Pompeia (1863-1895)


Reprodução/Coleção particular

Raul d’Ávila Pompeia, aos 10 anos de idade, muda-se com a família para a cidade
do Rio de Janeiro, sendo matriculado como interno no Colégio Abílio, dirigido pelo
Dr. Abílio César Borges, Barão de Macaúbas. Mais tarde, cursando Direito em São Paulo,
participa ativamente da campanha abolicionista e engaja-se na causa republicana.
Tem uma vida agitada, envolve-se em várias polêmicas, cria inimizades e atravessa
crises depressivas. Abandonado pelos amigos, caluniado nos meios jornalísticos e
intelectuais, suicida-se aos 32 anos, no dia do Natal.
Raul Pompeia, a exemplo de Manuel Antônio de Almeida, pertence a um grupo de
autores que entraram para a história da literatura graças a um único livro: O Ateneu.

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PArTe 3 TexTOs, ArTe e CULTUrA

“Vais encontrar o mundo – disse-me meu pai, à porta do Ateneu.


Coragem para a luta!”
O Ateneu consiste, inegavelmente, em uma narrativa de caráter autobiográfico: impossível não esta‑
belecer paralelismos entre Sérgio, o personagem/narrador, e Raul Pompeia; entre o internato Ateneu e o
Colégio Abílio; entre o diretor Aristarco Argolo de Ramos e Abílio César Borges, o renomado pedagogo
responsável pela educação dos filhos homens de boa parte da elite brasileira do Segundo Império.
No entanto, em sua dimensão de obra‑prima, a narrativa de Raul Pompeia vai além dos limites de
um texto personalista. Trata‑se de um profundo corte no pernicioso modelo pedagógico do internato,
agravado pela figura onipotente de seu diretor, que assume múltiplas facetas: ora autoritário, ora manso;
ora pai, ora carrasco; ora professor, ora comerciante.
Mais ainda: trata‑se de um corte na decadente sociedade monárquica brasileira. Em várias passa‑
gens da narrativa, Raul Pompeia se refere ao internato como um microcosmo, ou seja, um pequeno espa‑
ço onde se reproduzem comportamentos, regras, atitudes que são característicos de uma sociedade mais
ampla ou, como se dizia no Ateneu, “o grande mundo lá fora”.

A “lei da selva” prevalece no internato


Num colégio interno, onde só estudam meninos, prevalece a “lei da selva”, o homossexualismo e
a “proteção” dos meninos mais fortes aos mais fracos. Eis algumas palavras do veterano Rebelo ao
calouro Sérgio:
“[...] Este que passou por nós, olhando muito, é o Cândido, com aqueles modos de mulher... ali vem
o Ribas, está vendo? Primeira voz no orfeão, uma vozinha de moça...
Um tropel de rapazes atravessou‑nos a frente, provocando‑me com surriadas.
Viu aquele da frente, que gritou ‘calouro’? Se eu dissesse o que se conta dele... aqueles olhinhos úmi‑
dos de Senhora das Dores... Olhe; um conselho; faça‑se forte aqui, faça‑se homem. Os fracos perdem‑se.
Isto é uma multidão; é preciso força de cotovelos para romper. Não sou criança, nem idiota;
vivo só e vejo de longe; mas vejo. Não pode imaginar. Os gênios fazem aqui dois sexos como se
fosse uma escola mista. Os rapazes tímidos, ingênuos, sem sangue, são brandamente impelidos
para o sexo da fraqueza; são dominados, festejados, pervertidos como meninas ao desamparo.
Quando, em segredo dos pais, pensam que o colégio é a melhor das vidas, com o acolhimento dos
mais velhos, entre brejeiro e afetuoso, estão perdidos... Faça‑se homem, meu amigo! Comece por
não admitir protetores.”
Para os meninos submetidos à “lei da selva”, o Ateneu é “um mundo de brutalidades”; Sérgio, levado
pela necessidade, acaba aceitando as regras do microcosmo; os avisos de Rebelo não são suficientes:
“Perdeu‑se a lição viril de Rebelo: prescindir de protetores. Eu desejei um protetor, alguém que
me valesse, naquele meio hostil e desconhecido, e um valimento direto mais forte do que palavras.
[...] eu notaria talvez que pouco a pouco me ia invadindo, como ele observara, a efeminação mór‑
bida das escolas.”
Sérgio encontra o mundo no microcosmo do Ateneu, como lhe dissera o pai. Um mundo com regras
e leis próprias: o normal, no Ateneu, é ser frustrado, complexado, homossexual. Se os meninos vivessem
eternamente naquele mundo, não teriam consciência de seus problemas. Mas um dia abandonam o
colégio e sentem o choque com o macrocosmo, o grande mundo, e aí percebem o mundo sórdido, degra‑
dante, que é o regime de internato. Raul Pompeia, depois do Colégio Abílio, estudou na Faculdade de
Direito do Largo São Francisco: da sociedade mais fechada à sociedade mais aberta da época.

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A nArrATivA reALisTA/nATUrALisTA nO BrAsiL CAPÍTULO 5

Para os internos só há uma solução: a eternidade do Ateneu, nunca abandonar aquele mundo e
sua “normalidade”. No entanto, ao final do livro, Raul Pompeia destrói o Ateneu: um dos meninos,
Américo, provoca um incêndio; é a “vingança” de Raul Pompeia, a destruição daquele mundo e de seu
criador, Aristarco.

Lendo o texto
A seguir, transcrevemos os primeiros parágrafos da narrativa.

O Ateneu
A

Capítulo I
“Vais encontrar o mundo”, disse‑me meu pai, à porta do Ateneu. “Coragem para a luta!”
Bastante experimentei depois a verdade deste aviso, que me despia, num gesto, das ilusões de
criança educada exoticamente na estufa de carinho que é o regime do amor doméstico, diferente do que
se encontra fora, tão diferente, que parece o poema dos cuidados maternos um artifício sentimental,
com a vantagem única de fazer mais sensível a criatura à impressão rude do primeiro ensinamento,
têmpera brusca da vitalidade na influência de um novo clima rigoroso. Lembramo‑nos, entretanto, com
saudade hipócrita, dos felizes tempos; como se a mesma incerteza de hoje, sob outro aspecto, não nos
houvesse perseguido outrora e não viesse de longe a enfiada das decepções que nos ultrajam.
Eufemismo, os felizes tempos, eufemismo apenas, igual aos outros que nos alimentam a sauda‑
de dos dias que correram como melhores. Bem considerando, a atualidade é a mesma em todas as
datas. Feita a compensação dos desejos que variam, das aspirações que se transformam, alentadas
perpetuamente do mesmo ardor, sobre a mesma base fantástica de esperanças, a atualidade é uma.
Sob a coloração cambiante das horas, um pouco de ouro mais pela manhã, um pouco mais de púrpura
ao crepúsculo – a paisagem é a mesma de cada lado beirando a estrada da vida.
Eu tinha onze anos.
n POMPEIA, Raul. O Ateneu : crônica de saudades. São Paulo: Scipione, 1995. p. 3.

1. Este início de romance traz uma atmosfera carregada de prenúncios de fatos que vão balizar a vida
do personagem.
a) Qual ou quais os aspectos dominantes desses prenúncios?
b) O narrador está dentro dos acontecimentos e no mesmo tempo da narração? Explique.

2. De acordo com o texto, pode‑se concluir que a “atualidade” não se modifica nunca, permanecendo
a mesma em todas as épocas.
a) Mostre com o texto que a atualidade não se altera.
b) O que é que se altera, então?

3. Como o narrador vê o amor materno? Como você encara a educação recebida pelo personagem?
4. Justifique o emprego das aspas no primeiro parágrafo.
5. “... lembramo‑nos, entretanto, com saudade hipócrita, dos felizes tempos...”
a) Qual o sentido de hipócrita?
b) O que leva o narrador a dizer que a saudade é hipócrita?

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PArTe 3 TexTOs, ArTe e CULTUrA

Transcrevemos, a seguir, duas passagens em que estão frente a frente


o menino Sérgio e Ema, esposa de Aristarco.

Sérgio e Ema
Capítulo I
– Como se chama o amiguinho? – perguntou‑me o diretor.
– Sérgio... dei o nome todo, baixando os olhos e sem esquecer o
“seu criado” da estrita cortesia.
– Pois, meu caro Sr. Sérgio, o amigo há de ter a bondade de ir ao
cabeleireiro deitar fora estes cachinhos...
Eu tinha ainda os cabelos compridos, por um capricho amoroso de
minha mãe. O conselho era visivelmente salgado de censura. O diretor,
explicando a meu pai, acrescentou com o risinho nasal que sabia fazer:
– Sim, senhor, os meninos bonitos não provam bem no meu colégio...
– Peço licença para defender os meninos bonitos...
Surpreendendo‑nos com esta frase, untuosamente escoada por um sorriso, chegou a senhora do
diretor, D. Ema. Bela mulher em plena prosperidade dos trinta anos de Balzac1, formas alongadas por
graciosa magreza, erigindo, porém, o tronco sobre quadris amplos, fortes como a maternidade; olhos
negros, pupilas retintas, de uma cor só, que pareciam encher o talho folgado das pálpebras; de um more‑
no rosa que algumas formosuras possuem, e que seria também a cor do jambo, se jambo fosse rigoro‑
samente o fruto proibido. Adiantava‑se por movimentos oscilados, cadência de minueto harmonioso e
mole que o corpo alternava. Vestia cetim preto justo sobre as formas, reluzente como pano molhado; e
o cetim vivia com ousada transparência a vida oculta da carne. Esta aparição maravilhou‑me.
Houve as apresentações de cerimônia, e a senhora com um nadinha de excessivo desembaraço
sentou‑se no divã perto de mim.
– Quantos anos tem? perguntou‑me.
– Onze anos...
– Parece ter seis, com estes lindos cabelos.

Ilustrações: Raul Pompeia/O Ateneu


Eu não era realmente desenvolvido. A senhora colhia‑me o cabelo nos dedos:
– Corte e ofereça à mamãe, aconselhou com uma carícia –; é a infância que
ali fica, nos cabelos louros... Depois, os filhos nada mais têm para as mães.
O poemeto de amor materno deliciou‑me como uma divina
música. Olhei furtivamente para a senhora. Ela conservava sobre
mim as grandes pupilas negras, lúcidas, numa expressão de
infinda bondade! Que boa mãe para os meninos, pensava
eu. Depois, voltada para meu pai, formulou sentida‑
mente observações a respeito da solidão das crianças
no internato.
– Mas o Sérgio é dos fortes – disse Aristarco, apode‑
rando‑se da palavra– Demais, o meu colégio é apenas
maior que o lar doméstico. O amor não é precisamente
o mesmo, mas os cuidados de vigilância são mais ativos.
São as crianças os meus prediletos. Os meus esforços
mais desvelados são para os pequenos. Se adoecem e a
família está fora, não os confio a um correspondente...
Trato‑os aqui, em minha casa. Minha senhora é a enfer‑ n Alunos do Ateneu, em desenho de Raul Pompeia.
meira. Queria que o vissem os detratores...
Enveredando pelo tema querido do elogio pró‑ 1 Balzac: Honoré de Balzac (1799‑1850), escritor francês de
muito sucesso, é autor de A mulher de trinta anos, a que faz
prio e do Ateneu, ninguém mais pôde falar... referência a passagem.

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A nArrATivA reALisTA/nATUrALisTA nO BrAsiL CAPÍTULO 5

Ilustrações: Raul Pompeia/O Ateneu


Capítulo IX
Uma atenção absorveu‑me exclusiva e única. D. Ema reconheceu‑
‑me: era aquele pequeno das madeixas compridas! Conversou muito
comigo. Um fiapo branco pousava‑me ao ombro do uniforme; a boa
senhora tomou‑o finamente entre os dedos, soltou‑o e mostrou‑
‑me, sorrindo, o fio levíssimo a cair lentamente no ar calmo...
Estava desenvolvido! Que diferença do que era há dois anos.
Tinha ideia de haver estado comigo rapidamente, no dia da expo‑
sição artística...
– Um peraltinha! interrompeu Aristarco, entre mordaz e con‑
descendente, de uma janela a cujo vão conversava com o Professor
Crisóstomo.
Eu quis inventar uma boa réplica sem grosseria, mas a senhora me
prendia a mão nas dela, maternalmente, suavemente, de tal modo que me
prendia a vivacidade também, prendia‑me todo, como se eu existisse
n Aristarco, o diretor do Colégio
apenas naquela mão retida. Ateneu, em desenho de Raul
Depois da interrupção de Aristarco, não sei mais nada precisa‑ Pompeia.
mente do que se passou na tarde.
Miragem sedutora de branco, fartos cabelos negros colhidos para o
alto com infinita graça, uma rosa nos cabelos, vermelha como são verme‑
lhos os lábios e os corações, vermelha como um grito de triunfo. Nada
mais. Ramalhetes à mesa, um caldo ardente, e sempre a obsessão
adorável do branco e a rosa vermelha.
Estava a meu lado, pertinho, deslumbrante, o vestuário de neve.
Serviam‑me alguns pratos, muitas carícias; eu devorava as carícias;
Não ousava erguer a vista. Uma vez ensaiei. Havia sobre mim dois
olhos perturbadores, vertendo a noite.
n POMPEIA, Raul. O Ateneu: crônica de saudades. São Paulo: Scipione, 1995. p. 12 e 103.

1. Anagrama é a transposição de letras de uma palavra para formar


outra palavra (já vimos que Iracema é anagrama de América). Que
anagramas podemos formar com a palavra Ema?

2. Que tipo de impressão causa D. Ema no menino de 11 anos? E no


menino de 13?

3. “Bela mulher em plena prosperidade dos trinta anos de Balzac.”


Essa reflexão é feita pelo menino Sérgio de 11 anos? Justifique sua n Ema, mulher de Aristarco, em
resposta. desenho de Raul Pompeia.

4. O internato é um mundo à parte, com as


próprias regras. E um mundo homossexu‑
• Além de escritor, Raul Pompeia foi um bom
al: só estudavam meninos. Mas, nas pala‑
desenhista. As ilustrações que ele fez para O
vras de um interno, “os gênios fazem aqui
Ateneu não são meras ilustrações, elas são com‑
dois sexos, como se fosse uma escola
mista”. No primeiro capítulo do livro, ao ponentes do romance. Por que você acha que o
receber o menino Sérgio, Aristarco torna escritor fez das ilustrações uma parte impor‑
explícita essa situação. Destaque a passa‑ tante de seu livro?
gem em que isso ocorre.

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O ROMANCE NATURALISTA NO BRASIL
O
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O evolucionismo social de Aluísio Azevedo

Aluísio Azevedo (1857-1913)

Reprodução/Coleção particular
Aluísio Tancredo Gonçalves de Azevedo chocou a tradicional sociedade de
São Luís do Maranhão, sua terra natal, ao escrever seus primeiros artigos de
jornal criticando os conservadores, o clero. Após publicar O mulato, ambientado
em São Luís, com personagens preconceituosos e padres libertinos e assassinos,
mudou-se para o Rio de Janeiro, cenário de seus dois melhores romances:
O cortiço e Casa de pensão.

O mulato, marco inicial do Naturalismo brasileiro, teve relativa aceitação no Sul, mas foi violenta‑
mente combatido no Nordeste. Vejamos uma crítica publicada em São Luís, transcrita por Aluísio na
segunda edição do romance:

“[...] a Civilização no seu número de 23 de julho de 1881 publicou um longo artigo de um dos seus
redatores mais ilustres, o sr. Euclides Faria, no qual, entre muitas coisas, há o seguinte: ‘Eis aí um
romance realista, o primeiro pepino que brota no Brasil. É muita audácia, ou muita ignorância, ou
ambas as coisas ao mesmo tempo!... melhor seria fechar os livros, ir plantar batatas... Vá para a foice
e o machado! Ele, que tanto ama a natureza, que não crê na metafísica, nem respeita a religião, que
só tem entusiasmo pela saúde do corpo e pelo real sensível e material, devia abandonar essa vidinha
de vadio escrivinhador e ir cultivar as nossas ubérrimas terras. À lavoura, meu estúpido! à lavoura!
precisamos de braços e não de prosas em romances!’ ”

Apesar de todo o conservadorismo do autor do artigo, não se pode negar sua capacidade de crítica.
Ele capta, logo no romance de estreia da nova tendência, suas principais características: o amor pela
natureza, a negação da metafísica, o “desrespeito” pela religião, o entusiasmo pela saúde do corpo, o real‑
‑sensível e o materialismo.

Romances “comerciais” e romances “artísticos”


Tentando profissionalizar‑se como escritor, Aluísio Azevedo produziu uma obra propositalmente
diversificada: de um lado, os romances românticos, que o próprio autor chamava de “comerciais”; de
outro, os romances naturalistas, chamados de “artísticos”.
Ao primeiro grupo pertencem Memórias de um condenado, Mistérios da Tijuca, Filomena Borges, O
esqueleto, A mortalha de Alzira e o romance de estreia, Uma lágrima de mulher. São romances de consu‑
mo, que seguem perfeitamente a melhor receita folhetinesca.
Ao segundo grupo, entre outros, pertencem os três romances maiores do escritor: O mulato, Casa de
pensão e O cortiço. Importante é notar que essa divisão não constitui fases, como no caso de Machado de
Assis; os romances românticos se alternavam com os naturalistas.
É como naturalista que Aluísio Azevedo deve ser estudado. Seguindo as lições de Émile Zola e de
Eça de Queirós, o autor escreve romances de tese, com clara conotação social; ou seja, parte de algumas
proposições – existência de preconceito racial e corrupção clerical, em O mulato – que serão demonstra‑
das ao longo da narrativa. Percebe‑se nítida preocupação com as classes marginalizadas pela sociedade,

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A nArrATivA reALisTA/nATUrALisTA nO BrAsiL CAPÍTULO 5

criticando o conservadorismo e o clero, aliado à classe dominante. Destaque‑se também a defesa do


ideal republicano assumida pelo autor: em O cortiço, a República é proclamada em pleno decurso da
narrativa, explicitando a posição do autor a respeito.
E, na melhor postura materialista positivista, Aluísio valoriza sobremaneira os instintos naturais,
comparando constantemente seus personagens a animais. Assim, uma mulher tem “ancas de vaca do
campo”; um homem morre “estrompado como uma besta”, puxando uma carroça; outro tem uma “ver‑
dadeira satisfação de animal no cio”; os trabalhadores produziam um rumor como “uma exalação de
animais cansados”. Por outro lado, os papagaios, “à semelhança dos donos, cumprimentavam‑se ruidosa‑
mente”, para citar alguns exemplos de O cortiço.

Reprodução/Museu D’Orsay, Paris, França.


Ao compararem seus personagens a animais, os autores
naturalistas são bem diferentes dos românticos. O romântico
José de Alencar, por exemplo, escrevia que Iracema tinha “os
cabelos mais negros que a asa da graúna...” e era “mais
rápida que a ema selvagem...”. Como se nota, os animais são
invocados para realçar a beleza da heroína. Já os naturalistas,
em suas comparações, enfatizam a animalidade do homem:
“satisfação de animal no cio...”; “... estorceu-se toda,
rangendo os dentes, grunhindo...” (trechos de O cortiço, de
Aluísio Azevedo).
Na tela Os ladrões e o asno, de Honoré Daumier, os homens
também lembram animais, pela postura dos corpos e pela
expressão facial.

n Os ladrões e o asno, de Honoré Daumier.

Lendo o texto
Apresentamos a seguir alguns trechos de O cortiço, com a recomendação de que se
faça a leitura integral da obra. Vera Basile/Arquivo da editora

O cortiço
Capítulo I
João Romão não saía nunca a passeio, nem ia à
missa aos domingos; tudo que rendia a sua venda e
mais a quitanda seguia direitinho para a caixa eco‑
nômica e daí então para o banco. Tanto assim que,
um ano depois da aquisição da crioula, indo em
hasta pública algumas braças de terra situadas ao
fundo da taverna, arrematou‑as logo e tratou, sem
perda de tempo, de construir três casinhas de porta
e janela.

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Que milagres de esperteza e de economia não realizou ele nessa construção! Servia de pedreiro,
amassava e carregava barro, quebrava pedra; pedra, que o velhaco, fora de horas, junto com a amiga,
furtavam à pedreira do fundo, da mesma forma que subtraíam o material das casas em obra que
havia por ali perto.
[...]
“Estalagem de São Romão. Alugam‑se casinhas e tinas para lavadeiras”.
As casinhas eram alugadas por mês e as tinas por dia; tudo pago adiantado. O preço de cada tina,
metendo a água, quinhentos réis; sabão à parte. As moradoras do cortiço tinham preferência e não
pagavam nada para lavar.
Graças à abundância da água que lá havia, como em nenhuma outra parte, e graças ao muito
espaço de que se dispunha no cortiço para estender a roupa, a concorrência às tinas não se fez esperar;
acudiram lavadeiras de todos os pontos da cidade, entre elas algumas vindas de bem longe. E, mal
vagava uma das casinhas, ou um quarto, um canto onde coubesse um colchão, surgia uma nuvem de
pretendentes a disputá‑los.
E naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa, começou a minho‑
car, a esfervilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva, uma geração, que parecia brotar espontânea,
ali mesmo, daquele lameiro, e multiplicar‑se como larvas no esterco.

Capítulo XIX

Vera Basile/Arquivo da editora


Daí a dias, com efeito, a estalagem metia‑se em obras. À desordem do
desentulho do incêndio sucedia a do trabalho dos pedreiros; martelava‑se ali
de pela manhã até à noite, o que aliás não impedia que as lavadeiras conti‑
nuassem a bater roupa e as engomadeiras reunissem ao barulho das ferra‑
mentas o choroso falsete das suas eternas cantigas.
[...]
João Romão, agora sempre de paletó, engravatado, calças brancas, colete
e corrente de relógio, já não parava na venda, e só acompanhava as obras na
folga das ocupações da rua. Principiava a tomar tino no jogo da Bolsa; comia
em hotéis caros e bebia cerveja em larga camaradagem com capitalistas nos
cafés do comércio.

Capítulo XX
Logo adiante era o quarto de um empregado do correio, pessoa muito calada, bem‑vestida e
pontual no pagamento; saía todas as manhãs e voltava às dez da noite invariavelmente; aos
domingos só ia à rua para comer, e depois fechava‑se em casa e, houvesse o que houvesse no cor‑
tiço, não punha mais o nariz de fora. E, assim como este, notavam‑se por último na estalagem
muitos inquilinos novos, que já não eram gente sem gravata e sem meias. A feroz engrenagem
daquela máquina terrível, que nunca parava, ia já lançando os dentes a uma nova camada social
que, pouco a pouco, se deixaria arrastar inteira lá para dentro. Começavam a vir estudantes
pobres, com os seus chapéus desabados, uma pontinha de cigarro a queimar‑lhes a penugem do
buço, e as algibeiras muito cheias, mas só de versos e jornais; surgiram contínuos de repartições
públicas, caixeiros de botequim, artistas de teatro, condutores de bondes, e vendedores de bilhetes
de loteria. Do lado esquerdo, toda a parte em que havia varanda foi monopolizada pelos italianos;
habitavam cinco a cinco, seis a seis no mesmo quarto, e notava‑se que nesse ponto a estalagem
estava já muito mais suja que nos outros. Por melhor que João Romão reclamasse, formava‑se aí
todos os dias uma esterqueira de cascas de melancia e laranja. Era uma comuna ruidosa e porca a
dos demônios dos mascates!
[...]

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A nArrATivA reALisTA/nATUrALisTA nO BrAsiL CAPÍTULO 5

João Romão conseguira meter o sobrado do vizinho no chinelo; o seu era mais alto e mais
nobre, e então com as cortinas e com a mobília nova impunha respeito. Foi abaixo aquele grosso e
velho muro da frente com o seu largo portão de cocheira, e a entrada da estalagem era agora dez
braças mais para dentro, tendo entre ela e a rua um pequeno jardim com bancos e um modesto
repuxo ao meio, de cimento, imitando pedra. Fora‑se a pitoresca lanterna de vidros vermelhos;
foram‑se as iscas de fígado e as sardinhas preparadas ali mesmo à porta da venda sobre as brasas;
e na tabuleta nova, muito maior que a primeira, em vez de “Estalagem de São Romão” lia‑se em
letras caprichosas:
“AvenidA São Romão”
Capítulo XXII
E, como a casa comercial de João Romão, prosperava igualmente

Reprodução/Ed. Martins Fontes


a sua avenida. Já lá se não admitia assim qualquer pé‑rapado: para
entrar era preciso carta de fiança e uma recomendação especial. Os
preços dos cômodos subiam, e muitos dos antigos hóspedes, italia‑
nos principalmente, iam, por economia, desertando para o “Cabeça
de Gato” e sendo substituídos por gente mais limpa. Decrescia tam‑
bém o número das lavadeiras, e a maior parte das casinhas eram
ocupadas agora por pequenas famílias de operários, artistas e prati‑
cantes de secretaria. O cortiço aristocratizava‑se.
n AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. São Paulo: Scipione, 2004. p. 5, 11‑2, 130‑1, 139‑40, 152‑3.

1. Destaque uma passagem em que a caracterização do ambiente


fornece ao leitor elementos para a caracterização das figuras
humanas.

2. O narrador não interfere nos acontecimentos, mas se dá o direito


de emitir juízos de valores e mostrar ao leitor de que lado está. n Capa do artista plástico Clóvis
Destaque uma passagem em que isso ocorre. Graciano para O cortiço.

3. Em O cortiço, percebe‑se nitidamente que Aluísio Azevedo rende‑se aos princípios que nortearam
a segunda metade do século XIX: o positivismo de Augusto Comte, o determinismo de Hypolite
Taine, o evolucionismo biológico de Charles Darwin, do qual derivou o evolucionismo social de
Herbert Spencer. Para Spencer, a sociedade assemelha‑se a um organismo biológico em constante
processo de evolução, de estágios mais primitivos para estágios mais complexos. O grande motor
dessa evolução seria o conflito originado na luta pela sobrevivência. As leis são as mesmas da
teoria da evolução: seleção natural; a lei do mais forte, do mais apto, do mais capaz. Como isso se
dá nos trechos lidos?

4. Que frase sintetiza a voracidade social do cortiço?

Capítulo III
Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de
portas e janelas alinhadas.
Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma assentada, sete horas de chumbo. Como
que se sentiam ainda na indolência de neblina as derradeiras notas da última guitarra da noite
antecedente, dissolvendo‑se à luz loura e tenra da aurora, que nem um suspiro de saudade perdido
em terra alheia.
A roupa lavada, que ficara de véspera nos coradouros, umedecia o ar e punha‑lhe um fartum1
acre de sabão ordinário. As pedras do chão, esbranquiçadas no lugar da lavagem e em alguns pontos
azuladas pelo anil, mostravam uma palidez grisalha e triste, feita de acumulações de espumas secas.

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Entretanto, das portas surgiam cabeças congestionadas de sono; ouviam‑se amplos bocejos,
fortes como o marulhar das ondas; pigarreava‑se grosso por toda a parte; começavam as xícaras a
tilintar; o cheiro quente do café aquecia, suplantando todos os outros; trocavam‑se de janela para
janela as primeiras palavras, os bons dias; reatavam‑se conversas interrompidas à noite; a peque‑
nada cá fora traquinava2 já, e lá dentro das casas vinham choros abafados de crianças que ainda
não andam. No confuso rumor que se formava, destacavam‑se risos, sons de vozes que altercavam3,
sem se saber onde, grasnar de marrecos, cantar de galos, cacarejar de galinhas. De alguns quartos
saíam mulheres que vinham pendurar cá fora, na parede, a gaiola do papagaio, e os louros, à seme‑
lhança dos donos, cumprimentavam‑se ruidosamente, espanejando‑se4 à luz nova do dia.
Daí a pouco, em volta das bicas era um zum‑zum crescente; uma

Vera Basile/Arquivo da editora


aglomeração tumultuosa de machos e fêmeas. Uns, após outros, lava‑
vam a cara, incomodamente, debaixo do fio de água que escorria da
altura de uns cinco palmos. O chão inundava‑se. As mulheres pre‑
cisavam já prender as saias entre as coxas para não as molhar; via‑
‑se‑lhes a tostada nudez dos braços e do pescoço, que elas despiam,
suspendendo o cabelo todo para o alto do casco; os homens, esses
não se preocupavam em molhar o pelo, ao contrário metiam a
cabeça bem debaixo da água e esfregavam com força as ventas e
as barbas, fossando e fungando contra as palmas da mão. As
portas das latrinas não descansavam, era um abrir e fechar de
cada instante, um entrar e sair sem tréguas. Não se demoravam
lá dentro e vinham ainda amarrando as calças ou as saias; as
crianças não se davam ao trabalho de lá ir, despachavam‑se ali
mesmo, no capinzal dos fundos, por detrás da estalagem ou no
recanto das hortas.
O rumor crescia, condensando‑se; o zum‑zum de todos os dias
acentuava‑se: já não se destacavam vozes dispersas, mas um só
ruído compacto que enchia todo o cortiço. Começavam a fazer com‑
pras na venda; ensarilhavam‑se5 discussões e resingas6; ouviam‑
‑se gargalhadas e pragas; já se não falava, gritava‑se. Sentia‑se
naquela fermentação sanguínea, naquela gula viçosa de plantas
rasteiras que mergulham os pés vigorosos na lama preta e
nutriente da vida, o prazer animal de existir, a satisfação de
respirar sobre a terra.
n AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. São Paulo: Scipione, 2004. p. 19‑20.

1 fartum: mau cheiro.

2 traquinava: do verbo traquinar, “fazer travessuras”.


3 altercavam: do verbo altercar, “discutir”; “provocar polêmica”.

4 espanejando‑se: do verbo espanejar, “sacudir (as aves) o pó das asas, batendo‑as”.

5 ensarilhavam‑se: do verbo ensarilhar, aqui empregado com o sentido de “enredar”, “embaraçar”, “misturar”.

6 resingas: (nessa acepção, atualmente no dicionário como rezinga): disputas, resmungos.

1. “O cortiço, como aglomerado habitacional, é alvo de antropomorfismo constante.” (Sonia Brayner,


em A metáfora do corpo no romance naturalista).
Você concorda com a afirmação acima? Justifique sua resposta.

2. Ao lado de descrições tipicamente naturalistas, temos uma passagem que poderia figurar nos
romances de Joaquim M. de Macedo ou de José de Alencar. Transcreva essa passagem.

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A nArrATivA reALisTA/nATUrALisTA nO BrAsiL CAPÍTULO 5

3. Nos romances naturalistas, são comuns personagens dominados pelos instintos, “desertando a razão
ao rebate dos sentidos”. Aluísio Azevedo, porém, vai mais longe: não só os personagens são seres sen‑
sitivos; o autor transforma também o leitor em um ser sensitivo. Leia mais uma vez o quarto parágra‑
fo do capítulo III do texto apresentado e aponte passagens em que nós, leitores, percebemos o cortiço:
a) pela visão; c) pelo tato;
b) pela audição; d) pelo olfato.

4. Sinestesia é uma figura que se caracteriza por estabelecer relações entre os sentidos (apelando‑se,
por exemplo, para a audição e a visão, simultaneamente). Aponte um caso de sinestesia no quarto
parágrafo do texto.

5. Posicione geograficamente o narrador no espaço do cortiço.


6. Destaque a passagem em que o autor “humaniza os animais”.
7. “... o cabelo todo para o alto do casco;...”
“... não se preocupavam em molhar o pelo,...”
“... fossando e fungando contra as palmas da mão.”
A que animais podemos relacionar os termos destacados?

8. Os naturalistas foram acusados de explorar “os aspectos mais sórdidos da sociedade, os ambientes
viciosos em que as classes baixas aparecem na consumação de seus delitos instintivos”. Você concorda
com essa crítica? Por quê?

FiLMOTeCA
Divulgação/Arquivo da editora

O cortiço (1977). Direção: Francisco Ramalho. Com Betty Faria, Armando Bógus, Mário Gomes.
Adaptação do romance naturalista de Aluísio Azevedo. Em um cortiço do Rio de Janeiro, no
século XIX, um português e uma jovem brasileira se envolvem, tendo como pano de fundo a luta
de classes e suas duras consequências: a ganância, a exploração, a sordidez.

Texto e Intertexto
Texto 1
Virgília?
Virgília? Mas então era a mesma senhora que alguns anos depois?... A mesma; era justamente a senhora,
que em 1869 devia assistir aos meus últimos dias, e que antes, muito antes, teve larga parte nas minhas mais
íntimas sensações. Naquele tempo contava apenas uns quinze ou dezesseis anos; era talvez a mais atrevida
criatura da nossa raça, e, com certeza, a mais voluntariosa. Não digo que já lhe coubesse a primazia da beleza,
entre as mocinhas do tempo, porque isto não é romance em que o autor sobredoura a realidade e fecha os olhos
às sardas e espinhas; mas também não digo que lhe maculasse o rosto nenhuma sarda ou espinha, não. Era
bonita, fresca, saía das mãos da natureza, cheia daquele feitiço, precário e eterno, que o indivíduo passa a outro
indivíduo, para os fins secretos da criação. Era isto Virgília, e era clara, muito clara, faceira, ignorante, pueril,
cheia de uns ímpetos misteriosos; muita preguiça e alguma devoção – devoção, ou talvez medo; creio que medo.
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PArTe 3 TexTOs, ArTe e CULTUrA

Aí tem o leitor, em poucas linhas, o retrato físico e moral da pessoa que devia influir mais tarde na
minha vida; era aquilo com dezesseis anos. Tu que me lês, se ainda fores viva, quando estas páginas vie‑
rem à luz – tu que me lês, Virgília amada, não reparas na diferença entre a linguagem de hoje e a que
primeiro empreguei quando te vi? Crê que era tão sincero então como agora; a morte não me tornou
rabugento, nem injusto.
– Mas – dirás tu –, como é que podes assim discernir a verdade daquele tempo, e exprimi‑la depois de
tantos anos?
Ah! indiscreta! ah! ignorantona! Mas é isso mesmo que nos faz senhores da terra, é esse poder de res‑
taurar o passado, para tocar a instabilidade das nossas impressões e a vaidade dos nossos afetos.
n ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Scipione, 2004.

Texto 2
Rita Baiana

Ilustrações: Vera Basile/Arquivo da editora


E viu a Rita Baiana, que fora trocar o vestido por uma saia, surgir de
ombros e braços nus, para dançar. A lua destoldara‑se nesse momento, envol‑
vendo‑a na sua coma de prata, a cujo refulgir os meneios da mestiça melhor
se acentuavam, cheios de uma graça irresistível, simples, primitiva, feita toda
de pecado, toda de paraíso, com muito de serpente e muito de mulher.
Ela saltou em meio da roda, com os braços na cintura, rebolando as ilhar‑
gas e bamboleando a cabeça, ora para a esquerda, ora para a direita, como
numa sofreguidão de gozo carnal, num requebrado luxurioso que a punha
ofegante; já correndo de barriga empinada; já recuando de braços estendidos,
a tremer toda, como se se fosse afundando num prazer grosso que nem azeite,
em que se não toma pé e nunca se encontra o fundo. Depois, como se voltasse
à vida, soltava um gemido prolongado, estalando os dedos no ar e vergando as
pernas, descendo, subindo, sem nunca parar os quadris, e em seguida sapa‑
teava, miúdo e cerrado, freneticamente, erguendo e abaixando os braços, que
dobrava, ora um, ora outro, sobre a nuca, enquanto a carne lhe fervia toda,
fibra por fibra, titilando.
Em torno o entusiasmo tocava ao delírio; um grito de aplausos explodia
de vez em quando, rubro e quente como deve ser um grito saído do sangue. E
as palmas insistiam, cadentes, certas, num ritmo nervoso, numa persistência
de loucura.
n AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. São Paulo: Scipione, 1995. p. 48‑49.

1. Segundo o crítico Massaud Moisés, o romance da segunda metade do século XIX tomou, entre outras, duas
direções fundamentais: 1. realismo exterior, que defendia o aproveitamento das conquistas da Ciência, de
molde a buscar o máximo de objetividade na fotografação da realidade concreta e que, na sua forma mais
extrema, originou o Naturalismo; 2. realismo interior, que preconizava como realidade objetiva não a aparên‑
cia, mas a essência, dos seres e das coisas, de onde procurasse vasculhar a psicologia íntima das personagens.
Com base nessas colocações, como você classificaria os textos 1 e 2?

2. Sobre os textos de Machado de Assis:


a) Brás Cubas, o narrador, é “defunto‑autor”, ou seja, só escreveu após a morte. Transcreva uma passagem
do texto que comprove a sua condição de defunto.
b) Transcreva uma passagem em que se percebe uma crítica à educação religiosa recebida pelos jovens do
século XIX.
c) Ao descrever Virgília, o autor trabalha alguns adjetivos e imagens típicos da idealização romântica para,
em seguida, produzir um anticlímax. Qual é a sequência responsável pelo anticlímax?
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A nArrATivA reALisTA/nATUrALisTA nO BrAsiL CAPÍTULO 5

3. Em certa passagem do texto “Virgília”, o narrador afirma: “... isto não é romance em que o autor sobredoura a
realidade e fecha os olhos às sardas e espinhas...”.
a) Que tipo de romance está sendo criticado?
b) Como é o romance que o autor se propõe escrever?

4. Sobre o texto de Aluísio Azevedo:


a) O narrador diz que Rita Baiana tinha “uma graça irresistível, simples, primitiva, feita toda de pecado,
toda de paraíso, com muito de serpente e muito de mulher.”
Nessa passagem percebe‑se uma postura contrária aos ensinamentos da educação religiosa.
Comente‑a.
b) Aponte um caso de sinestesia no texto.
c) Destaque uma passagem em que personagens se rendem aos instintos, às emoções, anestesiando a
racionalidade.

veLHOs TeMAs, nOvAs LeiTUrAs

QUE REI SOU EU? D. PEDRO II E A LITERATURA


No dia 18 de março de 1882, a corte foi sacudida por uma notícia no mínimo surpreendente;
ainda não se sabia nada com certeza, mas, ao que tudo indicava, as joias da família real haviam sido
roubadas de dentro da própria Quinta da Boa Vista, também chamada de palácio de São Cristóvão,
uma das moradas oficiais do imperador. A Gazeta de Notícias assim relatou o evento, em sua edição
de 19 de março:

No dia 14 do corrente Sua Majestade a Imperatriz, depois de terminado o cortejo no Paço da


Cidade, tirou as joias com que assistira a ele e mandou‑as por um criado para o Paço de S. Cristóvão,
dentro de uma pequena caixa. Suas Majestades, como é sabido, seguiram para Petrópolis. O criado,
não tendo a chave do cofre destinado às joias, colocou a caixa em um armário que se acha numa
das salas dos aposentos de Sua Majestade o Imperador. Ontem pela manhã pelo arrombamento da
porta da sala se verificou que o armário havia sido arrombado com uma pua e subtraída a caixa.
[...] A notícia deste acontecimento, apesar do interesse que havia em conservá‑la em silêncio,
espalhou‑se pela cidade e institui‑se o grande fato do dia. Nem era para menos. A autoridade pro‑
cede com grande empenho às suas diligências. A colocação da sala em que se deu o roubo e as
circunstâncias que o acompanham dão um certo cunho de realidade à percepção de que o gatuno
conhecia perfeitamente a zona em que devia operar.
n Apud Sergio Goes de Paula. Um monarca da fuzarca: três versões para um escândalo na Corte.
Rio de Janeiro: Relume‑Dumará, 1993. p. 10.

A notícia acabava de forma irônica e provocativa, apontando que, por trás do roubo, havia algo de
escândalo: era gente de dentro da Quinta que perpetrara o crime. O desenrolar da história foi ainda mais
confuso do que os primeiros indícios podiam apontar: alguns funcionários da Quinta chegaram a ser deti‑
dos pela polícia, mas, rapidamente, foram libertados; por fim, as joias, através de informações anônimas,
foram recuperadas – estavam enterradas na casa de Manuel Paiva, mordomo do palácio, dentro de latas de
manteiga – e o caso foi prontamente abafado.

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PArTe 3 TexTOs, ArTe e CULTUrA

Para um jovem estudante de direito, republicano convicto, com pendores de literato e atitudes radi‑
cais, a história do roubo das joias era um prato cheio. Raul Pompeia acerta a publicação de uma breve
novela na Gazeta de Notícias, jornal abolicionista e republicano; assim, entre 30 de março e 1º de maio de
1882, os leitores do jornal depararam, alguns chocados, outros bem divertidos, com o impactante folhetim
As joias da Coroa.
As descrições dos personagens, assim como seus nomes, não deixam dúvidas: foram inspirados nos
envolvidos com o caso do roubo das joias; o escritor, ao tomar a realidade cotidiana como material para a
ficção, transmuta a hierarquia e os símbolos em algo irônico e corrosivo, daí a força de sua novela. O Conde
D’Eu, marido da princesa Isabel, por exemplo, de forma hilária é apresentado aos leitores do folhetim como
o Marquês D’Etu.
A descrição do Duque de Bragantina é ainda mais explícita; a referência, obviamente, é d. Pedro II:

Na idade de quatorze anos, tendo perdido o pai aos cinco, depois de uma educação viciada pela
flexibilidade bajulatória de alguns dos seus educadores e pela violência ofensiva de outros, que deram
ao menino uma duplicidade de gênio, ora arrogante para uns, ora humilde para outros, começou a
imiscuir‑se o jovem fidalgo na gerência da sua vida e dos seus haveres.
n POMPEIA, Raul. As joias da Coroa. Introdução e comentários José De Nicola.
São Paulo: Scipione, 2005. p. 58.

Pompeia tece um jogo de claro e escuro com sua narrativa; ao mesmo tempo que preserva a real
identidade dos seus personagens, ele não faz questão de ser muito discreto. No que se refere ao Duque de
Bragantina, o escritor preocupou‑se em caricaturar as impressões correntes sobre o imperador:

Por alguns momentos de observação pode‑se saber quem é o Duque de Bragantina. A roda de ami‑
gos que o envolve diz‑nos que ele é rico e poderoso; o cumprimento galante à rapariguinha da janela
indica‑nos que ele é inclinado ao sexo das belas; a sua conversa mostra‑nos, pelo objeto, que ele gosta da
ciência; pela dissertação, que ele a não cultiva; pelo ar de imposição com que fala, conhece‑se que ele não
admite obstáculos adiante de si.
n POMPEIA, Raul. As joias da Coroa. Introdução e comentários José De Nicola.
São Paulo: Scipione, 2005. p. 58.

Apesar de o folhetim poder ser encarado como um meio de cultura literária menor e propício a nar‑
rativas mais leves e fantasiosas, a novela As joias da Coroa utiliza‑se desse espaço para mostrar como a
degeneração atingia as esferas mais altas do poder; era na figura do próprio monarca que medrava a cana‑
lhice, imoralidade, corrupção e arbitrariedade. Esse texto de Raul Pompeia está na base de uma efetiva
tradição de crítica e interpretação da figura de d. Pedro II nos meios literários, algo que foi muito comum
na primeira metade do século XX. Para conhecer exemplos dessa prática, leia os dois poemas a seguir. O
primeiro foi escrito por Oswald de Andrade e publicado no livro Pau Brasil (1924); o segundo, por Murilo
Mendes, publicado em 1932, no livro História do Brasil.

Texto 1
Senhor feudal
Se Pedro Segundo
Vier aqui
Com história
Eu boto ele na cadeia
n ANDRADE, Oswald de. Pau Brasil.
São Paulo: Globo, 1991. p. 88.

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A nArrATivA reALisTA/nATUrALisTA nO BrAsiL CAPÍTULO 5

Texto 2
O brasileiro d. Pedro II
ou
No Brasil não há pressa
Uma vasta sonolência
Invade toda a fazenda.
Sucedem‑se os ministérios,
As guerrilhas se sucedem
Pro povo se divertir.
A Corte faz pic‑nics,
Ou organiza quadrilhas
Nos bailarecos reais.
A Inglaterra intervém
No mercado das finanças,
Todos acham muito bom.
Houve entrudos famosíssimos...
O imperador, de pijama,
Lê o Larousse na rede.
O fato é que com essa calma
Cinquenta anos se aguentou.
n MENDES, Murilo. História do Brasil. Organização, introdução e notas de Luciana Stegagno Picchio.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991. p. 48.

1. Qual é o significado do título do poema de Oswald de Andrade, “Senhor feudal”?


2. Levando em conta a conjugação verbal e o uso do pronome, qual é o sentido da imagem presente no
último verso do poema de Oswald de Andrade?

3. Como o imperador e o Brasil são caracterizados no poema de Murilo Mendes?


4. Que significados podem ser atribuídos aos títulos do poema de Murilo Mendes?

NO
Questões de exames FAÇARNO!
CAD
E

1. (Enem) urtigas bravas. E seguiram‑se outra notas, e


outras, cada vez mais ardentes e mais delirantes.
Abatidos pelo fadinho harmonioso e nostálgi‑
Já não eram dois instrumentos que soavam, eram
co dos desterrados, iam todos, até mesmo os bra‑
lúbricos gemidos e suspiros soltos em torrente, a
sileiros, se concentrando e caindo em tristeza;
correrem serpenteando, como cobras numa flo‑
mas, de repente, o cavaquinho de Porfiro, acom‑
resta incendiada; eram ais convulsos, chorados
panhado pelo violão do Firmo, romperam vibran‑
em frenesi de amor: música feita de beijos e solu‑
temente com um chorado baiano. Nada mais que
ços gostosos; carícia de fera, carícia de doer,
os primeiros acordes da música crioula para que
fazendo estalar de gozo.
o sangue de toda aquela gente despertasse logo, n■AZEVEDO, A. O cortiço. São Paulo:
como se alguém lhe fustigasse o corpo com Ática, 1983 (fragmento).

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PArTe 3 TexTOs, ArTe e CULTUrA

No romance O cortiço (1890), de Aluísio Azevedo, as III. Raul Pompeia utiliza‑se das avaliações apaixo‑
personagens são observadas como elementos cole‑ nadas de Sérgio na infância para fazer um
tivos caracterizados por condicionantes de origem romance com fortes traços impressionistas e
social, sexo e etnia. Na passagem transcrita, o con‑ simbolistas, romance que também antecipa
fronto entre brasileiros e portugueses revela preva‑ certos aspectos da vanguarda expressionista,
lência do elemento brasileiro, pois sobretudo nas descrições de Aristarco e dos
a) destaca o nome de personagens brasileiras e personagens alinhados com ele.
omite o de personagens portuguesas. a) Apenas III é correta
b) exalta a força do cenário natural brasileiro e b) Apenas I é correta
considera o do português inexpressivo. c) Apenas II é correta
c) mostra o poder envolvente da música brasileira,
d) Todas são corretas
que cala o fado português.
e) Nenhuma é correta
d) destaca o sentimentalismo brasileiro, contrário
à tristeza dos portugueses. 4. (Unicamp‑SP) Leia o seguinte capítulo do romance
e) atribui aos brasileiros uma habilidade maior Dom Casmurro, de Machado de Assis:
com instrumentos musicais.
Capítulo XL – Uma égua
2. (Fuvest‑SP) Considere as seguintes afirmações, Ficando só, refleti algum tempo, e tive uma
relacionadas ao excerto de O cortiço: fantasia. Já conheceis as minhas fantasias.
I. O sol, que, no texto, se associa fortemente ao Contei‑vos a da visita imperial; disse‑vos a
Brasil e à “pátria”, é um símbolo que percorre o desta casa do Engenho Novo, reproduzindo a
livro como manifestação da natureza tropical e, de Matacavalos... A imaginação foi a compa‑
em certas passagens, representa o princípio nheira de toda a minha existência, viva, rápida,
masculino da fertilidade. inquieta, alguma vez tímida e amiga de empa‑
II. A visão do Brasil expressa no texto manifesta a car, as mais delas capaz de engolir campanhas
ambiguidade do intelectual brasileiro da época e campanhas, correndo. Creio haver lido em
em que a obra foi escrita, o qual acatava e rejei‑ Tácito que as éguas iberas concebiam pelo
tava a sua terra, dela se orgulhava e envergo‑ vento; se não foi nele, foi noutro autor antigo,
nhava, nela confiava e dela desesperava.
que entendeu guardar essa crendice nos seus
III. O narrador aceita a visão exótico‑romântica de livros. Neste particular, a minha imaginação
uma natureza (brasileira) poderosa e transfor‑ era uma grande égua ibera; a menor brisa lhe
madora, reinterpretando‑a em chave dava um potro, que saía logo cavalo de Alexan‑
naturalista.
dre; mas deixemos de metáforas atrevidas e
Aplica‑se ao texto o que se afirma em impróprias dos meus quinze anos. Digamos o
a) I, somente. caso simplesmente. A fantasia daquela hora
b) II, somente. foi confessar a minha mãe os meus amores
c) II e III, somente. para lhe dizer que não tinha vocação eclesiás‑
d) I e III, somente. tica. A conversa sobre vocação tornava‑me
agora toda inteira, e, ao passo que me assusta‑
e) I, II e III.
va, abria‑me uma porta de saída. «Sim, é isto,
3. (UEPB) Leia as assertivas abaixo a respeito de O pensei; vou dizer a mamãe que não tenho
Ateneu: vocação, e confesso o nosso namoro; se ela
I. O Ateneu é uma crítica ao romantismo, na medi‑ duvidar, conto‑lhe o que se passou outro dia, o
da em que estabelece uma crítica à ingenuida‑ penteado e o resto...»
de da infância enquanto espaço idílico e impor‑ n■(Dom Casmurro, em Machado de Assis,
Obra Completa em quatro volumes. Rio de Janeiro:
tante para a construção imaginária dos Nova Aguilar, 2008. p. 975.)
românticos, o que o transforma num precursor
do romance psicológico. a) Explique a metáfora empregada pelo narrador,
II. O Ateneu é ao mesmo tempo uma crítica ao neste capítulo, para caracterizar sua
modelo de educação posto em prática no imaginação.
internato e uma crítica ao autoritarismo das b) De que maneira a imaginação de Bentinho,
elites brasileiras sustentadas pelo modelo polí‑ assim caracterizada, se relaciona com a
tico monárquico. Em certo sentido, o internato temática amorosa neste capítulo? E no
é uma metonímia da monarquia brasileira. romance?

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6
o TEATRo no século xIx: AbREm‑sE As PoRTAs do TEATRo nAcIonAl cAPÍTulo 6

cAP Í T u l o 6

O teatro no século XIX:


abrem-se as portas do
teatro nacional
Gravura representando o Teatro São João, de Jacques Etienne Victor Arago e
LeRouge e Bernard, 1817 (192 mm × 272 mm). Coleção particular.

Sou um homem de teatro.


Sempre fui e serei um homem
de teatro. Quem é capaz de dedi‑
car toda a sua vida à humanida‑
de e à paixão existentes nestes
metros de tablado, esse é um
homem de teatro.
n Millôr Fernandes e Flávio Rangel, na abertura
da peça Liberdade, Liberdade.
Coleção particular

• A partir dessa gravura, é possível tentar definir a importância que o


Real Teatro São João tinha para o Rio de Janeiro do começo do século
XIX? Além do teatro, o que mais chama a atenção na gravura?
n O ator João Caetano.

O Real Theatro de São João, no Rio de Janeiro, foi inaugurado em 13 de outubro de 1813. A praça chamava-se, naquela ocasião, Campo
n O Santana,
de depois
ator João Campo da Aclamação (a partir de 1822) e Largo do Rossio, até receber a atual denominação: Praça Tiradentes.
Caetano.
O Teatro São João pegou fogo em 1824, no momento em que ali estava sendo promulgada a Primeira Constituição Brasileira. D.
Pedro I reconstruiu-o e em 1826 o reinaugurou, dando-lhe o nome de Teatro São Pedro de Alcântara. João Caetano, um dos
grandes artistas do século XIX, arrendou-o em 1838 e teve de reconstruí-lo em 1857, por causa de dois outros incêndios. Esse
prédio, entretanto, foi demolido e reconstruído em estilo art déco em 1929. A partir de 1930, passou a se chamar Teatro João
Caetano, mantendo esse nome até hoje. Ganhou sua fachada atual em 1986, depois de uma nova reforma. Para mais
informações, consulte <www.ctac.gov.br/centrohistorico/TEMAHistorico.asp?cod=14>. Acesso em: 25 jan. 2013.

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PARTE 3 TExTos, ARTE E culTuRA

O TEATRO ROMÂNTICO EM PORTUGAL


///////////////////////
///////////
/////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

Almeida Garrett e o teatro nacional português


A Almeida Garrett, introdutor da poesia romântica em Portugal, deve‑se outro fato pioneiro: foi ele quem
iniciou o teatro nacional português, escrito em prosa e voltado ao passado histórico, exaltando, redimindo, mitifi‑
cando figuras que ajudaram a construir a pátria lusitana. A partir de 1836, com os liberais no poder, Garrett parti‑
cipa de um programa para a criação e o desenvolvimento de um teatro renovado, de caráter nacional, e da criação
do Conservatório Nacional de Teatro – por conta disso, escreve a peça Um auto de Gil Vicente, encenada em 1838,
não por acaso uma homenagem ao dramaturgo humanista (lembramos que Gil Vicente inaugurou o teatro popu-
lar; Garrett inicia o teatro nacional) e uma volta ao período áureo do início do século XVI. No palco, entre outros
personagens, encontramos o dramaturgo Gil Vicente, o rei D. Manuel e o poeta Bernardim Ribeiro.

Lendo o texto

Frei Luiz de Sousa


Drama em três atos

Reprodução/Arquivo da editora
Frei Luiz de Sousa é considerada a melhor FREI LUIZ DE SOUZA
produção do teatro romântico português. Garrett, DRAMA
Represetado, a primeira vez, em Lisboa, por uma
dando continuidade a seu projeto de teatro nacio‑ sociedade particular, no theatro da quinta do Pinheiro
em quatro de Julho de
nal, volta‑se ao período do desaparecimento de
D. Sebastião em Alcácer‑Quibir e ao posterior MDCCCXIIII
––––––
domínio espanhol. Centrado em figuras reais –
PESSOAS.
D. Madalena de Vilhena, esposa de D. João de
Portugal, e Manuel de Sousa Coutinho –, o drama MANUEL (FREI LUIZ) DE SOUZA.
DONA MAGDALENA DE VILHENA.
DONA MARIA DE NORONHA
defende o mito sebastianista, exalta a luta dos FREI JORGE-COUTINHO.
O ROMEIRO.
portugueses ante a dominação espanhola, fala‑ TELMO-PAES.
O PRIOR DE BEMFICA.
‑nos de honra, amor e religiosidade. O IRMÃO CONVERSO.
MIRANDA.
O ARCECBISPO DE LISBOA.
Os fatos verídicos: D. João de Portugal acom‑ DOROTHEA.
panhou D. Sebastião na empreitada de Alcácer‑ CÔRO DE FRADES DE SAN'DOMINGOS.
‑Quibir e foi dado como morto, deixando viúva Clerigos do arcebispo, frades, criados, etc.
D. Madalena de Vilhena, que nutria secreto amor Logar da scena – Almada.

por Manuel de Sousa Coutinho (1555‑1632). Após


sete anos de viuvez, Madalena e Manuel casam‑se;
Aquarela do pintor português Alberto de Sousa/Biblioteca Nacional, Lisboa

do matrimônio nascem um filho e duas filhas. Em


1604, com o falecimento de uma filha e boatos que
diziam estar D. João vivo, Manuel e Madalena
resolvem entrar para a vida religiosa: ele, com o
nome de Frei Luiz de Sousa; ela, como Sóror
Madalena das Chagas.

Obra retratando a batalha de Alcácer-


-Quibir, norte de Marrocos, travada em 4
de agosto de 1578 e que resultou na
morte de D. Sebastião, rei de Portugal, e
de toda a nobreza que o acompanhava.

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o TEATRo no século xIx: AbREm‑sE As PoRTAs do TEATRo nAcIonAl cAPÍTulo 6

A passagem que reproduzimos a seguir ocorreu um pouco antes, em 1599. Com Lisboa tomada pela
peste, os governantes que representavam Filipe III, da Espanha, resolvem se abrigar no castelo de
Manuel, localizado em Almada (proximidades de Lisboa); para Manuel, abrigar os espanhóis seria uma
ofensa e ele resolveu incendiar seu próprio castelo.

Primeiro ato
Cena IX
Manuel De SouSa, MaDalena, TelMo, MiranDa e outros criados entrando apressadamente
telmo – Senhor, desembarcaram agora grande comitiva de fidalgos, escudeiros e soldados, que
vêm de Lisboa e sobem a encosta para a vila. O arcebispo não é decerto, que já está há
muito no convento; diz‑se por aí...
manuel – Que são os governadores? (TeImo faz um sinal afirmativo.) Quiseram‑me enganar, e apressam‑
‑se a vir hoje... parece que adivinharam... Mas não me colheram desapercebido. (Chama à
porta da esquerda.) Jorge, Maria! (Volta para a cena.) Madalena, já, já, sem mais demora.
Cena X
Manuel De SouSa, MaDalena, TelMo, MiranDa e outros criados; JorGe e Maria, entrando
manuel – Jorge, acompanha estas damas. TeImo, ide, ide com elas. (Para os outros criados.) Partiu
já tudo, as arcas, os meus cavalos, armas e tudo o mais?
miranDa – Quase tudo foi já; o pouco que falta está pronto e sairá num instante... pela porta de trás,
se quereis.
manuel – Bom; que saia. (A um sinal de Miranda saem dois criados.) Madalena, Maria: não vos
quero ver aqui mais. Já, ide; serei convosco em pouco tempo.
Cena XI
Manuel De SouSa, MiranDa e os outros criados
manuel – Meu pai morreu desastrosamente caindo sobre a sua própria espada. Quem sabe se eu
morrerei nas chamas ateadas por minhas mãos? Seja. Mas fique‑se aprendendo em
Portugal como um homem de honra e coração, por mais poderosa que seja a tirania,
sempre lhe pode resistir, em perdendo o amor a coisas tão vis e precárias como são esses
haveres que duas faíscas destroem num momento... como é esta vida miserável que um
sopro pode apagar em menos tempo ainda! (Arrebata duas tochas das mãos dos criados,
corre à porta da esquerda, atira com uma para dentro; e vê‑se atear logo uma labareda
imensa. Vai ao fundo, atira a outra tocha, e sucede o mesmo. Ouve‑se alarido de fora.)
Cena XII
Manuel De SouSa e criados; MaDalena, Maria, JorGe e TelMo, acudindo
MADAleNA – Que fazes? Que fizeste? Que é isto, oh meu Deus!
manuel (tranquilamente) – Ilumino a minha casa para receber os muito poderosos e excelentes
senhores governadores destes reinos. Suas Excelências podem vir, quando quiserem.
maDalena – Meu Deus, meu Deus!... Ai, e o retrato de meu marido!... Salvem‑me aquele retrato!
(Miranda e outro criado vão para tirar o painel: uma coluna de fogo salta nas tapeçarias
e os afugenta.)
manuel – Parti! parti! As matérias inflamáveis que eu tinha disposto vão‑se ateando com espanto‑
sa velocidade. Fugi!
maDalena (cingindo‑se ao braço do marido) – Sim, sim, fujamos.
maria (tomando‑o do outro braço) – Meu pai, nós não fugimos sem vós.
toDos – Fujamos! Fujamos!
(Redobram os gritos de fora. Ouve-se rebate de sinos: cai o pano. Fim do primeiro ato.)
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PARTE 3 TExTos, ARTE E culTuRA

Segundo ato
Cena I
Maria e TelMo
maria – Há oito dias que aqui estamos nesta casa, e é a primeira noite que dorme com sossego.
Aquele palácio a arder, aquele povo a gritar, o rebate dos sinos, aquela cena toda... oh! tão
grandiosa e sublime, que a mim me encheu de maravilha, que foi um espetáculo como
nunca vi outro de igual majestade!... A minha pobre mãe aterrou‑a, não se lhe tira dos olhos;
vai a fechá‑los para dormir e diz que vê aquelas chamas enoveladas em fumo a rodear‑lhe a
casa, a crescer para o ar e a devorar tudo com fúria infernal. O retrato de meu pai, aquele do
quarto de lavor, tão seu favorito, em que ele estava tão gentil homem, vestido de cavaleiro de
Malta com a sua cruz branca no peito, aquele retrato não se pode consolar de que lho não
salvassem, que se queimasse ali. Vês tu? Ela, que não cria em agouros, que sempre me estava
a repreender pelas minhas cismas, agora não lhe sai da cabeça que a perda do retrato é prog‑
nóstico fatal de outra perda maior, que está perto, de alguma desgraça inesperada, mas certa,
que a tem de separar de meu pai. E eu agora é que faço de forte e assisada, que zombo de
agouros e de sinas... para a animar, coitada!... que aqui entre nós, Telmo, nunca tive tanta fé
neles. Creio, oh, se creio! que são avisos que Deus nos manda para nos preparar. E há... oh! há
grande desgraça a cair sobre meu pai... decerto! e sobre minha mãe também, que é o mesmo.
telmo – (disfarçando o terror de que está tomado) – Não digais isso... Deus há‑de fazê‑lo por melhor, que
lho merecem ambos (cobrando ânimo e exaltando‑se). Vosso pai, D. Maria, é um português às
direitas. Eu sempre o tive em boa conta; mas agora, depois que lhe vi fazer aquela ação, que o
vi, com aquela alma de português velho, deitar as mãos às tochas e lançar ele mesmo o fogo
à sua própria casa; queimar e destruir numa hora tanto de seu haver, tanta coisa de seu gosto,
para dar um exemplo de liberdade, uma lição tremenda a estes nossos tiranos... Oh, minha
querida filha, aquilo é um homem! A minha vida, que ele queira, é sua. E a minha pena, toda
a minha pena é que o não conheci, que o não estimei sempre no que ele valia.
maria – (com as lágrimas nos olhos, e tomando‑lhe as mãos) – Meu Telmo, meu bom Telmo, é uma
glória ser filha de tal pai, não é? Dize!
telmo – Sim, é; Deus o defenda!
n GARRETT, Almeida. Frei Luiz de Sousa. Extraído de: <www.eca.usp.br/miroel/4888B.pdf>. Acesso em: 27 jan. 2011.

1. O crítico português Vitor Manuel de Aguiar e Silva assim comenta o texto de teatro: “No texto dra‑
mático fala um eu sempre em discurso direto, dialogando com um tu (com múltiplos tus).”
Considerando apenas a cena XII do primeiro ato, transcreva passagens em que um eu dialoga com
um tu, e passagens em que um eu dialoga com vários tus.
2. Segundo o Dicionário Aurélio, uma das acepções de rubrica é “indicação escrita de como deve ser executado
um trecho musical, uma mudança de cenário, um movimento cênico, uma fala, um gesto do ator, etc.”. Nos
trechos apresentados, há rubricas para indicar basicamente duas situações da representação. Quais?

3. Releia atentamente a primeira frase da fala de Maria na cena I do segundo ato. Qual é a importância
dessa frase para a encenação?

4. Pela voz de Manuel de Sousa Coutinho apresenta‑se um conceito de comportamento e atitude que
deveria prevalecer em Portugal, notadamente após a dominação francesa e, em meados do
século XIX, sob influência econômica da Inglaterra. Quais são esses conceitos?

5. No fragmento reproduzido, há uma fala marcada por extrema ironia. Transcreva‑a.


6. Telmo é personagem destacado na peça (na primeira apresentação pública, em 1844, o próprio
Garrett o representou): fora fiel escudeiro de D. João e agora servia a Manuel de Sousa Coutinho.
Transcreva falas de Telmo que simbolizam um resgate do passado e suas estruturas sociais.

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o TEATRo no século xIx: AbREm‑sE As PoRTAs do TEATRo nAcIonAl cAPÍTulo 6

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O TEA
TEATRO ROMÂNTICO NO BRASIL
///////////
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Martins Pena e a comédia de costumes


Também no Brasil, na época romântica, define‑se o teatro nacional, e deve‑se a Gonçalves de
Magalhães, mais uma vez, o papel de pioneiro: em 1838 era representado seu drama Antônio José ou
O poeta e a Inquisição, considerado o marco inicial do teatro brasileiro. E, mais uma vez, repete‑se o fenôme‑
no: a Magalhães resta a glória de ter iniciado o teatro, mas a consolidação (como acontecera com Gonçalves
Dias na poesia) se atribui a Martins Pena e suas comédias de costumes, bem como ao importante trabalho
do ator João Caetano.

Martins Pena (1815-1848)


Reprodução/Arquivo da editora

Luís Carlos Martins Pena foi o primeiro autor de teatro no Brasil a alcançar
popularidade, graças a suas comédias de costumes. Segundo Décio de Almeida Prado
(“A evolução da literatura dramática”, em A literatura no Brasil, Rio de Janeiro: Editorial
Sul Americana, 1971. v. 6), “Não se sabe em que modelos se inspirou, onde foi buscar
os seus processos cômicos. Mas o problema da filiação estética não tem maior
significação, porque a sua obra, pela natureza e intenções, é por assim dizer a literária,
desenvolvendo-se à margem das discussões teóricas [...] Nas pecinhas em um ato de
Martins Pena sobressai o realismo ingênuo, natural, alterado aqui e ali pelo dom da
sátira, pelo gosto da deformação cômica”.

Lendo o texto

Os dois
ou
O inglês maquinista
Comédia em 1 ato
PERSONAGENS
Alberto Henschel/Coleção particular

ClemênCia
mariquinha, sua filha
Júlia, irmã de Mariquinha (10 anos)
FelíCio, sobrinho de Clemência
gainer, inglês
negreiro, negociante de negros novos

n Paisagem do bairro de
Botafogo, no Rio de Janeiro,
com o Pão de Açúcar ao
fundo, em foto do século XIX.

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PARTE 3 TExTos, ARTE E culTuRA

A cena passa‑se no Rio de Janeiro, no ano de 1842.

TRAJOS PARA AS PERSONAGENS


ClemênCia – Vestido de chita rosa, lenço de seda preto,
sapatos pretos e penteado de tranças.
mariquinha – estido branco de escócia, de mangas
V
justas, sapatos pretos, penteado de
bandó e uma rosa natural no cabelo.
Júlia – Vestido branco de mangas compridas e
afogado, avental verde e os cabelos caí‑
dos em cachos pelas costas.

Vera Basile/Arquivo da editora


negreiro – Calças brancas sem presilhas, um pouco
curtas, colete preto, casaca azul com
botões amarelos lisos, chapéu de castor
branco, guarda‑sol encarnado, cabelos
arrepiados e suíças pelas faces até junto
dos olhos.
FelíCio – Calças de casimira cor de flor de alecrim, colete branco, sobrecasaca, botins enverni‑
zados, chapéu preto, luvas brancas, gravata de seda de cor, alfinete de peito, cabelos
compridos e suíças inteiras.
gainer – Calças de casimira de cor, casaca, colete, gravata preta, chapéu branco de copa baixa
e abas largas, luvas brancas, cabelos louros e suíças até o meio das faces.

Ato único
O teatro representa uma sala. No fundo, porta de entrada; à esquerda, duas janelas de sacadas, e à
direita, duas portas que dão para o interior. Todas as portas e janelas terão cortinas de cassa branca.
À direita, entre as duas portas, um sofá, cadeiras, uma mesa redonda com um candeeiro francês aceso,
duas jarras com flores naturais, alguns bonecos de porcelana; à esquerda, entre as janelas, mesas
pequenas com castiçais de mangas de vidro e jarras com flores. Cadeiras pelos vazios das paredes.
Todos estes móveis devem ser ricos.

Cena I
ClemênCia, negreiro, mariquinha, FelíCio. Ao levantar o pano, ver‑se‑á ClemênCia e mariquinha sentadas no
sofá; em uma cadeira junto destas negreiro, e recostado sobre a mesa FelíCio, que lê o Jornal do
Comércio1 e levanta às vezes os olhos, como observando a negreiro.
ClemênCia – Muito custa viver‑se no Rio de Janeiro! É tudo tão caro!
negreiro – Mas o que quer a senhora em suma? Os direitos são tão sobrecarregados! Veja só os
gêneros de primeira necessidade. Quanto pagam? O vinho, por exemplo, cinquenta
por cento!
ClemênCia – Boto as mãos na cabeça todas as vezes que recebo as contas do armazém e da loja de
fazendas2.
negreiro – Porém as mais puxadinhas são as das modistas, não é assim?
ClemênCia – Nisto não se fala! Na última que recebi vieram dois vestidos que já tinha pago, um que
não tinha mandado fazer, e uma quantidade tal de linhas, colchetes, cadarços e retroses,
que fazia horror.
FelíCio (largando o jornal sobre a mesa com impaciência)
– Irra, já aborrece!
ClemênCia – O que é?
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o TEATRo no século xIx: AbREm‑sE As PoRTAs do TEATRo nAcIonAl cAPÍTulo 6

FelíCio – Todas as vezes que pego neste jornal, a primeira coisa que vejo é: “Chapas medicinais
e Unguento3 Durand”. Que embirração4!
negreiro (rindo‑se) – Oh, oh, oh!
ClemênCia – Tens razão, eu mesmo já fiz este reparo.
negreiro – As pílulas vegetais não ficam atrás, oh, oh, oh!
ClemênCia – Por mim, se não fossem os folhetins, não lia o Jornal. O último era bem bonito; o
senhor não leu?
negreiro – Eu? Nada. Não gasto o meu tempo com essas ninharias, que são só boas para as moças.
Voz na rua – Manuê5 quentinho! (Entra Júlia pela direita, correndo.)
ClemênCia – Aonde vai, aonde vai?
Júlia (parando no meio da sala ) – Vou chamar o preto dos manuês.
ClemênCia – E pra isso precisa correr? Vá, mas não caia. (Júlia vai para janela e chama para rua
dando psius.)
negreiro – A pecurrucha gosta dos doces.
Júlia (da janela) – Sim, aí mesmo. (Sai da janela e vai para a porta, aonde momentos depois chega um
preto com um tabuleiro com manuês, e descansando‑o no chão, vende‑os a Júlia. Os
demais continuam a conversar.)
FelíCio – Sr. Negreiro, a quem pertence o
brigue Veloz Espadarte, aprisio‑
nado ontem junto quase da
Fortaleza de Santa Cruz pelo cru‑
zeiro inglês, por ter a seu bordo
trezentos africanos?
negreiro – A um pobre diabo que está
quase maluco... Mas é bem feito,

Vera Basile/Arquivo da editora


para não ser tolo. Quem é que
neste tempo manda entrar pela
barra um navio com semelhan‑
te carregação? Só um pedaço de
asno. Há por aí além uma costa
tão longa e algumas autorida‑
des tão condescendentes!...
FelíCio – Condescendentes porque se esquecem de seu dever!
negreiro – Dever? Perdoe que lhe diga: ainda está muito moço... Ora, suponha que chega um
navio carregado de africanos e deriva em uma dessas praias, e que o capitão vai dar
disso parte ao juiz do lugar. O que há de este fazer, se for homem cordato e de juízo?
Responder do modo seguinte: Sim senhor, sr. capitão, pode contar com a minha
proteção, contanto que V. S.ª... Não sei se me entende? Suponha agora que este juiz
é um homem esturrado6, destes que não sabem aonde têm a cara e que vivem no
mundo por ver os outros viverem, e que ouvindo o capitão, responda‑lhe com qua‑
tro pedras na mão: Não senhor, não consinto! Isto é uma infame infração da lei e o
senhor insulta‑me fazendo semelhante proposta! – E que depois deste aranzel7 de
asneiras pega na pena e oficie ao Governo. O que lhe acontece? Responda.
FelíCio – Acontece o ficar na conta de íntegro juiz e homem de bem.
negreiro – Engana‑se; fica na conta de pobre, que é menos que pouca coisa. E no entanto vão
os negrinhos para um depósito, a fim de serem ao depois distribuídos por aqueles
de quem mais se depende, ou que têm maiores empenhos. Calemo‑nos, porém, que
isto vai longe.
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PARTE 3 TExTos, ARTE E culTuRA

FelíCio – Tem razão! (Passeia pela sala.)


negreiro (para Clemência) – Daqui a alguns anos mais falará de outro modo.
ClemênCia – Deixe‑o falar. A propósito, já lhe mostrei o meu meia‑cara8, que recebi ontem na Casa
da Correção?
negreiro – Pois recebeu um?
ClemênCia – Recebi, sim. Empenhei‑me com minha comadre, minha comadre empenhou‑se com
a mulher do desembargador, a mulher do desembargador pediu ao marido, este pediu
a um deputado, o deputado ao ministro e fui servida.
negreiro – Oh, oh, chama‑se isto transação! Oh, oh!
ClemênCia – Seja lá o que for; agora que tenho em casa, ninguém mo arrancará. Morrendo‑me
algum outro escravo, digo que foi ele.
FelíCio – E minha tia precisava deste escravo, tendo já tantos?
ClemênCia – Tantos? Quanto mais, melhor. Ainda eu tomei um só. E os que tomam aos vinte e aos
trinta? Deixa‑te disso, rapaz. Venha vê‑lo, sr. Negreiro. (Saem.)

Cena II
Felício e Mariquinha
Felício – Ouviste, prima, como pensa este homem com quem tua mãe pretende casar ‑te?
mariqunha – Casar‑me com ele? Oh, não, morrerei antes!
FelíCio – No entanto é um casamento vantajoso. Ele é imensamente rico... Atropelando as leis,
é verdade; mas que importa? Quando fores sua mulher...
mariquinha – E é você quem me diz isto? Quem me faz essa injustiça? Assim são os homens, sempre
ingratos!
FelíCio – Meu amor, perdoa. O temor de perder‑te faz‑me injusto. Bem sabes quanto eu te
adoro; mas tu és rica, e eu um pobre empregado público; e tua mãe jamais consentirá
em nosso casamento, pois supõe fazer‑te feliz dando‑te um marido rico.
mariquinha – Meu Deus!
FelíCio – Tão bela e tão sensível como és, seres a esposa de um homem para quem o dinheiro
é tudo! Ah, não, ele terá ainda que lutar comigo! Se supõe que a fortuna que tem
adquirido com o contrabando de africanos há de tudo vencer, engana‑se! A inteligên‑
cia e o ardil às vezes podem mais que a riqueza.
mariquinha – O que pode você fazer? Seremos sempre infelizes.
FelíCio – Talvez que não. Sei que a empresa é difícil. Se ele te amasse, ser‑me‑ia mais fácil
afastá‑lo de ti; porém ele ama o teu dote, e desta qualidade de gente arrancar um
vintém é o mesmo que arrancar a alma do corpo... Mas não importa.
mariquinha – Não vá você fazer alguma coisa com que mamã se zangue e fique mal com você...
FelíCio – Não, descansa. A luta há de ser longa, pois que não é este o único inimigo. As assidui‑
dades daquele maldito Gainer já também inquietam‑me. Veremos... E se for preciso...
Mas não; eles se entredestruirão; o meu plano não pode falhar.
mariquinha – Veja o que faz. Eu lhe amo, não me envergonho de o dizer; porém se for preciso para
nossa união que você faça alguma ação que... (Hesita.)
FelíCio – Compreendo o que queres dizer... Tranquiliza‑te.
Júlia (entrando) – Mana, mamã chama.
mariquinha – Já vou. Tuas palavras animaram‑me.
Júlia – Ande, mana.
mariquinha – Que impertinência! (Para Felício, à parte:) Logo conversaremos...
FelíCio – Sim, e não te aflijas mais, que tudo se arranjará. (Saem Mariquinha e Júlia.)
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o TEATRo no século xIx: AbREm‑sE As PoRTAs do TEATRo nAcIonAl cAPÍTulo 6

Cena VII
Felício e Gainer
FelíCio – Estou admirado! Excelente ideia! Bela e admirável máquina!
gainer (contente) – Admirável, sim.
FelíCio – Deve dar muito interesse.
gainer – Muita interesse o fabricante. Quando este máquina tiver acabada, não precisa mais
de cuzinheiro, de sapateira e de outras muitas ofícias.
FelíCio – Então a máquina supre todos estes ofícios?
gainer – Oh, sim! Eu bota a máquina aqui no meio da sala, manda vir um boi, bota a boi na
buraco da maquine e depois de meia hora sai por outra banda da maquine tudo já
feita.
FelíCio – Mas explique‑me bem isto.
gainer – Olha. A carne do boi sai feita em beef, em roast‑beef, em fricandó e outras muitas;
do couro sai sapatas, botas...
FelíCio (com muita seriedade) – Envernizadas?
gainer – Sim, também pode ser. Das chifres sai bocetas, pentes e cabo de faca; das ossas sai
marcas...
FelíCio (no mesmo) – Boa ocasião para aproveitar os ossos para o seu açúcar.
gainer – Sim, sim, também sai açúcar, balas da Porto e amêndoas.
FelíCio – Que prodígio! Estou maravilhado! Quando pretende fazer trabalhar a máquina?
gainer – Conforme; falta ainda alguma dinheira. Eu queria fazer uma empréstima. Se o
senhor quer fazer seu capital render cinquenta por cento dá a mim para acabar a
maquine, que trabalha depois por nossa conta.
FelíCio (à parte) – Assim era eu tolo... (Para Gainer:) Não sabe quanto sinto não ter dinheiro disponí‑
vel. Que bela ocasião de triplicar, quadruplicar, quintuplicar, que digo, centuplicar o
meu capital em pouco! Ah!
gainer (à parte) – Destes tolas eu quero muito.
FelíCio – Mas veja como os homens são maus. Chamarem ao senhor, que é o homem o mais
filantrópico e desinteressado e amicíssimo do Brasil, especulador de dinheiros
alheios e outros nomes mais.
gainer – A mim chama especuladora? A mim? By God! Quem é a atrevido que me dá esta
nome?
FelíCio – É preciso, na verdade, muita paciência. Dizerem que o senhor está rico com espertezas!
gainer – Eu rica! Que calúnia! Eu rica? Eu está pobre com minhas projetos pra bem do Brasil.
FelíCio (à parte) – O bem do brasileiro é o estribilho destes malandros... (Para Gainer:) Pois não é isto
que dizem. Muitos creem que o senhor tem um grosso capital no Banco de Londres;
e além disto, chamam‑lhe de velhaco.
gainer (desesperado) – Velhaca, velhaca! Eu quero mete uma bala nas miolos deste patifa. Quem é
estes que me chama velhaca?
FelíCio – Quem? Eu lho digo: ainda não há muito que o Negreiro assim disse.
gainer – Negreira disse? Oh, que patifa de meia‑cara... Vai ensina ele... Ele me paga. Goddam!
FelíCio – Se lhe dissesse tudo quanto ele tem dito...
gainer – Não precisa dize; basta chama velhaca a mim pra eu mata ele. Oh, que patifa de
meia‑cara! Eu vai dize a commander do brigue Wizart que este patifa é meia‑cara;
pra segura nos navios dele. Velhaca! Velhaca! Goddam! Eu vai mata ele! Oh! (Sai
desesperado.)
n PENA, Martins. Comédias de Martins Pena. Rio de Janeiro: Ediouro, s.d. p. 106‑116.

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PARTE 3 TExTos, ARTE E culTuRA

1 Jornal do Comércio: o Jornal do Commercio é um diário tradicional 5 manuê: doce da culinária afro-brasileira feito à base de fubá de
do Rio de Janeiro, fundado em 1827, pelo francês Pierre Plancher. milho e mel.
2 loja de fazendas: loja de tecidos. 6 esturrado: intransigente.
3 unguento: medicamento pastoso que se usa sobre a pele; 7 aranzel: discurso enfadonho, palavrório.
também usado para perfumar. 8 meia-cara: escravo que, depois de proibido o tráfico, era
4 embirração: tanto pode significar “antipatia, aversão”, como importado por contrabando, sem se pagarem direitos aduaneiros.
“insistência, teimosia”.

1. Leia um levantamento feito pelo historiador Pedro Calmon, “A Rua do Ouvidor renova‑se, engalana‑
‑se, resplandece. Havia naquele ano [1850], 23 casas de modistas, 4 de floristas, 77 de ourives, 33 de
relojoeiros, 66 de sapateiros, 25 de tipógrafos, 8 de retratistas, 24 de fabricantes de carruagens... a
aparelhagem de uma cidade grande, de hábitos complicados e nobres.”. Como esse aburguesamen‑
to do Rio de Janeiro se manifesta na peça?

2. Pela caracterização de Clemência, podemos dizer que ela representa a mentalidade gananciosa de
uma burguesia nascente do Rio de Janeiro. Que elementos do texto comprovam isso?

3. Sobre o papel da mulher na época romântica, comenta Nelson Werneck Sodré: “Começava a receber
a mulher uma educação em que apareciam certas prendas que predispunham a demonstração, a
apresentação às visitas. Começava a figurar nos salões, a receber e a tratar com os convidados, a
conviver com estranhos, a frequentar modistas, a visitar, a ler figurinos e, também, a ler romances.”.
Como isso está retratado na peça?

4. O conflito entre Negreiro e Felício não se estabelece apenas no campo amoroso; ele se dá também
na visão de mundo de cada um. Caracterize os dois personagens.

5. Qual é a estratégia de Felício para afastar os pretendentes de Mariquinha?


6. Na cena VII percebemos, em algumas passagens, que os personagens interrompem o diálogo e pare‑
cem se dirigir ao público. Reproduza ao menos duas dessas passagens.

7. Você acredita que uma peça de teatro, especialmente uma comédia, ajude a transformar a realidade?
Argumente a favor ou contra.

ando
oc
tr

ideias
Vamos realizar, em peque‑
nos grupos, duas atividades:
1. Pesquisar, em livros de
História, o estágio do pro‑
cesso abolicionista no
Brasil em 1842. Relacionar
as informações com a
conversa entre Negreiro e
Felício sobre o tráfico
negreiro.
Mercado de negros da rua do Valongo, de Jean-Baptiste Debret, litografia
colorida à mão (49 cm × 34 cm). Museus Castro Maya – IPHAN/MinC.

2. Martins Pena faz um retrato dos costumes da sociedade brasileira de meados do século XIX.
Vocês diriam que as peças dele são muito datadas, isto é, devem ser lidas (e vistas) levando‑se
em conta a época em que foram escritas?
Apresentem para os colegas e professor suas conclusões.

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o TEATRo no século xIx: AbREm‑sE As PoRTAs do TEATRo nAcIonAl cAPÍTulo 6

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O TEA
TEATRO REALISTA
///////////
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Artur Azevedo e os costumes da Capital Federal

Artur Azevedo (1855-1908)


Arquivo do jornal O Estado de S. Paulo/
Agência Estado

Artur Azevedo e seu irmão Aluísio participaram da fundação da Academia


Brasileira de Letras; Artur ocupou a cadeira 29 e escolheu como patrono Martins
Pena. Jornalista (ferrenho abolicionista), contista, frequentador das rodas literárias
dos poetas parnasianos, foi, contudo, no teatro que Artur Azevedo ganhou maior
notoriedade, seguindo a trilha aberta por Martins Pena. O Rio de Janeiro imperial,
transformado depois em Capital Federal da jovem República, sua sociedade, seus
costumes aparecem retratados em suas principais peças.

Lendo o texto

A capital federal
Comédia-opereta de costumes brasileiros, em 3 atos e 12 quadros
Ação: no Rio de Janeiro, no fim do século XIX
A capital federal é uma comédia‑opereta – peça de teatro de caráter burlesco que apresenta trechos em
verso para serem cantados – que retrata a capital da República no final do século XIX (a primeira encenação
data de 1897), uma sociedade urbana em ascensão política, adequando‑se a novos hábitos, costumes.
Entre os personagens que desfilam pelos

Bia Parreiras/Arquivo da editora


ambientes cariocas (notadamente pelo Grande
Hotel), destacam‑se uma família do interior de
Minas Gerais (a típica mentalidade rural) que vem
para o Rio de Janeiro atrás do noivo que prometeu
casamento à filha do fazendeiro, cocotes (prostitu‑
tas), pseudopoetas, jogadores, os mais diversos ser‑
viçais. Décio de Almeida Prado afirma que “A capital
federal é o fecho de um período do nosso teatro – o
fecho do século dezenove, para falar a verdade”. Até
porque, a partir do século XX, o teatro enfrentaria a
concorrência do cinema.
Reproduzimos, na página seguinte, a visita de
Reminiscências/Acervo Iconographia

um jovem com pretensões poéticas à casa de Lola,


cocote espanhola.

Olavo Bilac, após assistir à estreia da peça, escreveu


num jornal:
“E há uma pancada seca no bombo e nos timbales da
orquestra, e abre-se o fundo da cena, e, por uma tarde
batida de sol, aparecem os arcos da Carioca, e, sobre eles,
o bonde elétrico voando – numa esplêndida cenografia de
Carrancini... E o pano cai, ao reboar dos aplausos.”

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PARTE 3 TExTos, ARTE E culTuRA

Ato III
Cena IV
Duquinha, lourenço
Cenário: a saleta de Lola
(Duquinha tem dezoito anos e é muito tímido.)
Duquinha – A senhora dona Lola está em casa?
lourenço (Muito respeitoso.) – Sim, meu senhor... e pede a V. Ex.ª que tenha o obséquio de espe‑
rar alguns instantes.
Duquinha – Muito obrigado. (À parte.) É o cocheiro... não sei se deva...
lourenço – Como diz V. Ex.ª?
Duquinha – Se não fosse ofendê‑lo, pedia‑lhe que aceitasse... (Tira a carteira.)
lourenço – Oh! não!... Perdoe V. Ex.ª... não é orgulho; mas que diria a patroa se soubesse que eu...
Duquinha – Ah! nesse caso... (Guarda a carteira.)
lourenço (Que ia sair, voltando.) – Se bem que eu estou certo que V. Ex.ª não diria nada à senho‑
ra dona Lola...
Duquinha – (Tirando de novo a carteira.) – Ela nunca o saberá. (Dá‑lhe dinheiro.)
lourenço – Beijo as mãos de V. Ex.ª. A senhora dona Lola é tão escrupulosa! (À parte.) Uma de
trinta! O franguinho promete... (Sai com muitas mesuras, levando o sobretu‑
do e demais objetos.)

Cena V
Duquinha – Estou trêmulo e nervoso... É a primeira vez
que entro em casa de uma destas mulheres...
Não pude resistir!... A Lola é tão bonita, e o
outro dia, no Braço de Ouro, me lançou uns
olhares tão meigos, tão provocadores, que
tenho sonhado todas as noites com ela! Até
versos lhe fiz, e aqui lhos trago... Quis comprar‑
‑lhe uma joia, mas receoso de ofendê‑la, com‑
prei apenas estas flores... Ai, Jesus! ela aí vem!
Que lhe vou dizer?... Vera Basile/Arquivo da editora

Cena VI
Duquinha e lola
lola – Não me engano: é o meu namorado do Braço de Ouro! (Estendendo‑lhe
a mão.) Como tem passado?
Duquinha – Eu... sim... bem, obrigado; e a senhora?
lola – Como tem as mãos frias!
Duquinha – Estou muito impressionado. É uma coisa esquisita: todas as vezes que fico impressio‑
nado... fico também com as mãos frias...
lola – Mas não se impressione! Esteja à sua vontade! Parece que não lhe devo meter medo!
Duquinha – Pelo contrário!
lola (Arremedando‑o.) – Pelo contrário! (Outro som.) São minhas essas flores?
Duquinha – Sim... eu não me atrevia... (Dá‑lhe as flores.)
lola – Ora essa! Por quê? (Depois de aspirá‑las.) Que lindas são!
Duquinha – Trago‑lhe também umas flores... poéticas.
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o TEATRo no século xIx: AbREm‑sE As PoRTAs do TEATRo nAcIonAl cAPÍTulo 6

lola – Umas quê?...


Duquinha – Uns versos.
lola – Versos? Bravo! Não sabia que era poeta!
Duquinha – Sou poeta, sim, senhora... mas poeta moderno, decadente...
lola – Decadente? Nessa idade?
Duquinha – Nós somos todos muito novos.
lola – Nós quem?
Duquinha – Nós, os decadentes. E só podemos ser compreendidos por gente da nossa idade. As
pessoas de mais de trinta anos não nos entendem.
lola – Se o senhor se demorasse mais algum tempo, arriscava‑se a não ser compreendido
por mim.
Duquinha – Se dá licença, leio os meus versos. (Tirando um papel da algibeira.) Quer ouvi‑los?
lola – Com todo o prazer.
Duquinha – (Lendo.)
Ó flor das flores, linda espanhola,
Como eu te adoro, como eu te adoro!
Pelos teus olhos, ó Lola! ó Lola!
De dia canto, de noite choro,
Linda espanhola, linda espanhola!
lola – Dir‑se‑ia que o trago de canto chorado!
Duquinha – Ouça a segunda estrofe:
És uma santa, santa das santas!
Como eu te adoro, como eu te adoro!
Meu peito enlevas, minh’alma encantas!
Ouve o meu triste canto sonoro,
Santa das santas, santa das santas!
lola – Santa? Eu!... Isto é que é liberdade poética!
Duquinha – A mulher amada pelo poeta é sempre santa para ele! Terceira e última estrofe...
lola – Só três? Que pena!
Duquinha (Lendo.)
Ó flor das flores! bela andaluza!
Como eu te adoro, como eu te adoro!
Tu és a minha pálida musa!
Desses teus lábios um beijo imploro,
Bela andaluza, bela andaluza!
lola – Perdão, mas eu não sou da Andaluzia: sou de Valladolid.
Duquinha – Pois há espanholas bonitas que não sejam andaluzas?
lola – Pois não! O que não há são andaluzas bonitas que não sejam espanholas.
Duquinha – Hei de fazer uma emenda.
lola – E que mais?
Duquinha – Como?
lola – O senhor trouxe‑me flores... trouxe‑me versos... e... não me trouxe mais nada?
Duquinha – Eu?
lola – Sim... Os versos são bonitos... as flores são cheirosas... mas há outras coisas de que as
mulheres gostam muito.
Duquinha – uma caixinha de marrons glacés?
lola – Sim, não digo que não... é uma boa gulodice... mas não é isso...
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PARTE 3 TExTos, ARTE E culTuRA

Duquinha – Então que é?


lola – Faça favor de me dizer para que se inventaram os

Vera Basile/Arquivo da editora


ourives.
Duquinha – Ah! já percebo... Eu devia trazer‑lhe uma joia!
lola – Naturalmente. As joias são o “Sésamo, abre‑te” des‑
tas cavernas de amor.
Duquinha – Eu quis trazer‑lhe uma joia, quis; mas receei que a
senhora se ofendesse...
lola – Que me ofendesse?... Oh! santa ingenuidade!... Em que é que uma joia poderia
ofender? Querem ver que o meu amiguinho me toma por uma respeitável mãe
de família? Creia que um simples grampo de chapéu, com um bonito brilhante,
produziria mais efeito que todo esse:
Como te adoro, como te adoro!
Linda espanhola, linda espanhola,
Santa das santas, santa das santas!
Duquinha – Vejo que lhe não agrada a escola decadente...
lola – Confesso que as joias exercem sobre mim uma fascinação maior que a literatura.
E demais, não sou mulher a quem se ofereçam versos... Vejo que o senhor não é de
opinião de Bocage...
Duquinha – Oh! Não me fale em Bocage!
lola – Que mania essa de não nos tomarem pelo que somos realmente! Guarde os seus
versos para as donzelinhas sentimentais, e, ande, vá buscar o “Sésamo, abre‑te”
e volte amanhã. (Empurra ‑o para o lado da porta. Entra Lourenço.)
Duquinha – Mas...
lola – Vá, vá! Não me apareça aqui sem uma joia. (A Lourenço.) Lourenço, conduza este
senhor até a porta. (Sai pela direita.)
Duquinha – Não, não é preciso, não se incomode. (À parte.) Vou pedir dinheiro a mamãe. (Sai.)
n AZEVEDO, Artur. A capital federal. Disponível em: <www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000041.pdf>.
Acesso em: 1o fev. 2013.

1. Duquinha, na flor de seus 18 anos, se coloca como um poeta moderno e “decadente”. O Decadentismo,
segundo o Pequeno Dicionário de Literatura Brasileira, designou, na França, “o movimento precursor
do Simbolismo (o termo deriva de um artigo de jornal, de 1882, que chamava a atenção para a
ideia de decadência perceptível na poesia de Baudelaire e Paul Verlaine. Os ‘decadentes’ pregavam
a anarquia, o satanismo, as perversões, a morbidez, o pessimismo, a histeria, o horror da realidade
banal, ao mesmo tempo que cultuavam os neologismos e os vocábulos raros (‘abscôndito’,
‘hiemal’, ‘lactescente’)”.
a) Tomando por base as três estrofes declamadas por Duquinha, você diria que ele é “realmente” um
poeta decadente?
b) Os versos de Duquinha têm características que os aproximam de que escola literária?
c) Que características do texto justificam sua resposta à questão anterior?

2. Qual é a reação de Lola ao ouvir os versos de Duquinha? Era a reação esperada por ele? Aponte a fala
dele que demonstra seu sentimento em relação à reação de Lola.

3. Bocage (1765‑1805), poeta português, apresentou três facetas distintas em sua obra: árcade, pré‑
‑romântica e satírico‑erótica. Lola não conhece o movimento decadentista, mas cita Bocage, o que
horroriza Duquinha. O que justifica a aversão de Duquinha?

4. Duquinha e Lola representam dois polos de visão de mundo. Explicite‑os e exemplifique‑os com
trechos do texto.

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o TEATRo no século xIx: AbREm‑sE As PoRTAs do TEATRo nAcIonAl cAPÍTulo 6

bIblIoTEcA
No século XIX, o teatro nacional marcou a vida cultural apresentando textos divertidos e críticos. A comédia de costumes
instalou‑se e, ainda hoje, peças de Martins Pena (O noviço, Judas em sábado de Aleluia, A família e a festa na roça) e Artur Azevedo
(A capital federal, Oçmambembe) ganham seguidas montagens nos palcos brasileiros. O mesmo ocorre com obras dramáticas de
José de Alencar (Verso e reverso, As asas de um anjo, O demônio familiar), Gonçalves Dias (Leonor de Mendonça) e Álvares de
Azevedo (Macário). Se você tiver oportunidade, não deixe de assistir a um desses espetáculos.

Roberto Loffel/Arquivo da editora


n Cena da montagem dirigida por Brian Penido da peça O noviço, de Martins Pena.

VElHos TEmAs, noVAs lEITuRAs

O TEATRO BRASILEIRO, O AMOR E O NEGRO


A comédia, a princípio malvista, começou a se tornar gênero praticado por diversos autores, inclu‑
sive por alguns de seus críticos, como José de Alencar, que, em meados do século XIX, escreveu uma
comédia chamada O demônio familiar. A intenção de José de Alencar, em toda sua obra literária, era
fomentar padrões morais em seu público, mostrando‑lhe os perigos da modernização. No teatro, onde
o contato com o público era mais próximo, essa proposta não poderia ser desperdiçada. Por conta
disso, Alencar se esmerou em escrever uma comédia supostamente instrutiva, que fosse além de
mero entretenimento.

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PARTE 3 TExTos, ARTE E culTuRA

No desenvolvimento da comédia, impressiona a forma como os parâmetros ideológicos de Alencar


são expostos de forma explícita. O enredo da peça é bastante simples: as relações familiares e amoro‑
sas – no caso, o amor puro e moral – estão sempre postas em perigo por conta da ganância de alguns
personagens corrompidos pela vida fútil da modernidade. O mais degenerado de todos é Pedro, um
escravo doméstico que, a partir de manobras astuciosas e irresponsáveis, visa realizar seu sonho:
tornar‑se um cocheiro de elegante carril, desfilando pelas ruas do Rio de Janeiro. Para realizar seu inten‑
to, atrapalha as relações de amor verdadeiro de seus senhores – troca os destinatários de cartas e
mensagens amorosas –, pois quer que eles arranjem casamentos com personagens de grandes posses.
Na peça, não falta nenhum dos ingredientes da literatura alencariana: a idealização da mulher como
um ser puro e doméstico, a crítica aos esnobes e janotas tão cheios de si e de galicismos, a valorização
da cultura nacional em detrimento do que era importado, a defesa da moral, da família e do amor ver‑
dadeiro. Em uma passagem do texto, Eduardo, o protagonista da história, diz as seguintes palavras,
emblemáticas, a sua mãe:
Eduardo – É preciso conhecer o coração humano, minha mãe, para saber quanto as pequeninas
circunstâncias influem sobre os grandes sentimentos. O amor, sobretudo, recebe a
impressão de qualquer acidente, ainda o mais imperceptível. O coração que ama de
longe, que concentra o seu amor por não poder exprimi‑lo, que vive separado pela
distância, irrita‑se com os obstáculos, e procura vencê‑los para aproximar‑se. Nessa
luta de paixão cega todos os meios são bons: o afeto puro muitas vezes degenera em
desejo insensato e recorre a esses ardis de que um homem calmo se envergonharia;
corrompe os nossos escravos, introduz a imoralidade no seio das famílias, devassa o
interior da nossa casa, que deve ser sagrada como um templo, porque realmente é o
templo da felicidade doméstica.
n ALENCAR, José de. O demônio familiar. Campinas: Pontes, 2003. p. 56‑57.

A proposta do autor é clara: a partir de um texto que toca em temas bastante próximos do públi‑
co, passar uma lição moralizante. Aquilo que era sagrado, como o amor, a família e as relações escravo‑
cratas, quando corrompidas, degenerava em desejos insensatos, ardis desonestos e imoralidade. É
preciso lembrar que, quando Alencar escreveu sua peça, o tráfico negreiro tinha sido proibido havia
pouco e, além disso, avultavam os negócios financeiros na Corte, com uma volumosa inversão de capi‑
tais e consumo de mercadorias europeias. Ou seja, Alencar via um mundo em mudança e, conservador
que era, não aprovava as novidades. O fim da história é emblemático e chocante; para Eduardo, um
exemplo de conduta reacionária, já que as relações sagradas estavam abaladas, a única forma de resol‑
ver o problema era romper com a mais degenerada de todas elas, qual seja, a escravidão. Assim, o
escravo, o demônio familiar responsável pelas armações e confusões, como punição por suas atitudes,
ganha sua alforria, a liberdade. Logo, a principal punição era retirar o escravo do seio da família, lançá‑
‑lo ao mundo corrompido, expulsá‑lo do paraíso para ganhar o pão com o suor de seu próprio rosto. Na
comédia de José de Alencar, o elemento escravo, quando distante da instituição que lhe dá significado
social, se torna negativo, um corruptor das virtudes puras e honradas. O escritor romântico, portanto,
cria uma visão dominadora sobre o negro, que só se realizaria na condição de dependente e sujeito à
moral dos senhores.
Passados cem anos da publicação e encenação da comédia de Alencar, o poeta Vinícius de
Morais também escreveria uma peça de teatro cujo enfoque seria o negro na sociedade brasileira,
mas com perspectiva bastante distinta. Lançada em 1954, Orfeu da Conceição é uma peça de teatro
em versos, que deu origem a uma opereta, cuja trilha sonora ficou a cargo do maestro Antônio Carlos
Jobim. O texto de Vinícius de Morais é uma adaptação do mito de Orfeu e Eurídice para a realidade
dos morros cariocas de meados do século XX. No mito original, Orfeu, que possui um exímio talento
para a música, desce aos infernos para resgatar sua amada, Eurídice, que morrera vítima de uma

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o TEATRo no século xIx: AbREm‑sE As PoRTAs do TEATRo nAcIonAl cAPÍTulo 6

trama motivada por ciúmes. Orfeu encanta os deuses do inferno com sua música e consegue autori‑
zação para resgatar sua amada, desde que jamais olhasse para trás a fim de conferir se Eurídice o
seguia. Quando estavam quase voltando à superfície, Orfeu não se aguenta e vira o rosto; dessa
forma, sua adorada se perde para sempre, e Orfeu é assassinado pelas Bacantes, indignadas com a
fidelidade do músico.
Na adaptação de Vinícius de Morais, o cenário é um morro carioca; Orfeu, um sambista; e o inferno,
um clube noturno da cidade, onde, em uma terça‑feira gorda, ocorre uma festa orgástica comandada
por Plutão, o chefe do bloco de carnaval “Os maiorais do inferno”. O inusitado e admirável da peça é
exatamente essa confluência entre dois campos normalmente tidos como distantes: a alta cultura e a
cultura popular. O mito grego e o samba, a linguagem oralizada da população, a paisagem dos morros e
as mazelas sociais resultam em uma peça de rara poesia e beleza, um mito renovado, uma louvação da
cultura popular e afro‑brasileira. Apesar de todos os problemas, essa cultura que emanava dos populares
tinha seu valor e sua imensa alegria, que poderiam ir além da exclusão social. Como diz Orfeu, em diá‑
logo com a Dama Negra – ou seja, a morte:
Vá embora
Senhora Dama! eu lhe digo: vá embora!
No morro manda Orfeu! Orfeu é a vida
No morro ninguém morre antes da hora!
Agora o morro é vida, o morro é Orfeu
É a música de Orfeu! Nada no morro
Existe sem Orfeu e a sua viola!
Cada homem no morro e a sua mulher
Vivem só porque Orfeu os faz viver
Com sua música! Eu sou a harmonia
E a paz, e o castigo! Eu sou Orfeu
O músico!
n MORAIS, Vinícius de. Obra poética completa.
Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1968. p. 446.

Com duas obras dramáticas bastante distintas, José de Alencar e Vinícius de Morais – com propos‑
tas, também, muito distintas – abordam dois polos de uma mesma história. Alencar via como ameaça‑
doras as mudanças pelas quais o Brasil passava nos meados do século XIX, principalmente com o fim do
tráfico negreiro, que colocava no horizonte o final da própria escravidão e a crise de toda a sociedade
brasileira. Vinícius de Morais, em meados do século XX, período, da mesma forma, de intensa moderniza‑
ção, ressalta a situação de pobreza e marginalidade em que vivia a população afro‑brasileira, lançada a
sua própria sorte, sem a menor atenção dos serviços públicos. Para entender melhor as particularidades
de cada uma das duas obras, estão relacionados, a seguir, dois trechos das peças. Leia‑os atentamente e
responda às questões.

Texto 1
eDuarDo – Ah!... Escutem‑me, senhores; depois me julgarão... é a nossa sociedade brasileira a
causa única de tudo quanto se acaba de passar.
alFreDo – Como?
VasConCelos – Tem razão, começo a entender!
eDuarDo – Os antigos acreditavam que toda casa era habitada por um demônio familiar, do qual
dependia o sossego e a tranquilidade das pessoas que nela viviam. Nós, os brasileiros,
realizamos infelizmente esta crença; temos no nosso lar doméstico esse demônio

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PARTE 3 TExTos, ARTE E culTuRA

familiar. Quantas vezes não partilha conosco as carícias de nossas mães, os folguedos
de nossos irmãos e uma parte das afeições da família! Mas vem um dia, como hoje, em
que ele, na sua ignorância ou na sua malícia, perturba a paz doméstica; e faz do amor,
da amizade, da reputação, e de todos esses objetos santos, um jogo de criança. Este
demônio familiar de nossas casas, que todos conhecemos, ei‑lo.
azeVeDo – É uma grande verdade.
VasConCelos – Tem toda a razão; a ele é que ouvi!
alFreDo – Sim, não há dúvida.
Carlotinha – Eu adivinhava!...
D. maria – Como? Foste tu?
PeDro – Pedro confessa, sim senhora.
[...]
eDuarDo – Todos devemos perdoar‑nos mutuamente; todos somos culpados por havermos acredi‑
tado ou consentido no fato primeiro, que é a causa de tudo isto. O único inocente é aque‑
le que não tem imputação, e que fez apenas uma travessura de criança, levado pelo ins‑
tinto da amizade. Eu o corrijo, fazendo do autômato um homem; restituo‑o à sociedade,
porém expulso‑o do seio de minha família e fecho‑lhe para sempre a porta de minha
casa. (a Pedro) Toma: é a tua carta de liberdade, ela será a tua punição de hoje em diante,
porque as tuas faltas recairão unicamente sobre ti; porque a moral e a lei te pedirão uma
conta severa de tuas ações. Livre, sentirás a necessidade do trabalho honesto e apreciarás
os nobres sentimentos que hoje não compreendes. (Pedro beija‑lhe a mão.)
D. maria – Muito bem, meu filho! Adivinhaste o meu pensamento!
[...]
eDuarDo – E agora, meus amigos, façamos votos para que o demônio familiar das nossas casas
desapareça um dia, deixando o nosso lar doméstico protegido por Deus e por esses
anjos tutelares que, sob a forma de mães, de esposas e de irmãs, valerão sobre a felici‑
dade de nossos filhos!...
n ALENCAR, José de. O demônio familiar.
Campinas: Pontes, 2003. p. 89‑92.

Texto 2
a Primeira mulher Pobrezinho. Tal qual alma penada...
Foi assim: meu garoto vinha vindo Talvez pior, que está penando em vida!
Da banca de engraxate (vocês sabem
a segunDa mulher
Como ele, de levado, sobe o morro
E nunca mais ninguém ouviu um som
Lá pela ribanceira...) Muito bem. Sair do violão...
Vinha assim vindo. Estava escurecendo
Quando ele entrou na mata. De repente a terCeira mulher
Vê uma aparição! Esfrega os olhos: É. Não tá certo.
Não, era Orfeu! Orfeu todo de branco Desandou tudo nesse morro. Tudo.
Como andava sempre, violão no peito Quantas brigas, meu deus, que tem saído
Braços abertos, boca com um sorriso Quanta gente mudando para outros morros
Como esperando alguém, alguém que veio Foi mau‑olhado, foi...
Porque ele olha pro lado de repente a quarta mulher
Abre os braços assim e sai correndo Cala essa boca!
Vai embora. Meu filho segue ele Não chama mais desgraça, criatura
Mas Orfeu se escondeu quem sabe onde... Eu por mim vou‑me embora. Aqui não fico.

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o TEATRo no século xIx: AbREm‑sE As PoRTAs do TEATRo nAcIonAl cAPÍTulo 6

[...] uma outra mulher


um homem E não faltava nada pra ninguém.
E lembrar desse morro há uma semana... Qualquer necessidade, não sei como
Nem parecia um morro da cidade! Orfeu sabia e logo aparecia
Uma calma, um prazer, uma harmonia Um dinheirinho – tudo samba dele...
Quanto samba de Orfeu de boca em boca Uma tristeza em casa? uma quizília?
Quanta festa com Orfeu sempre presente Ele vinha, mexia, se virava
Quanta falta de briga... Sapecava um sambinha de improviso
Brincava... Um anjo! Tinha pés de santo...
um outro homem
(Uma mulher põe‑se a chorar e sai correndo
Eu que o diga!
[da cena.)
Foi Orfeu que mudou a minha vida
n MORAIS, Vinícius de. Obra poética completa.
Devo o que sou a ele. Antigamente Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1968. p. 474‑476.
Era só valentia, briga à‑toa
’Té que ele veio e conversou comigo.
Orfeu não era um homem, era um anjo...
Agora digam: vale a pena?... Qual!
Mulher é perdição...

1. Como o escravo Pedro é caracterizado na peça de José de Alencar?


2. Na perspectiva do personagem Eduardo, por que a alforria é entendida como uma punição para o
escravo? Nesse sentido, qual é o significado da rubrica do texto, na qual está dito que Pedro beija
as mãos de seu senhor?

3. Como a família é entendida na peça de José de Alencar?


4. Explique, com suas palavras, o significado da primeira fala de Eduardo, quando ele diz que a culpa
pelo sucedido é da sociedade brasileira.

5. Identifique alguns elementos de oralidade do texto de Vinícius de Morais.


6. Como Orfeu é caracterizado na peça de Vinícius de Morais?
7. Em sua opinião, qual é o sentido que Vinícius de Morais atribui à música popular?
8. Escreva um pequeno texto relacionando as cenas transcritas nesta seção com a situação dos afro‑
‑brasileiros hoje.

A peça de teatro Orfeu da Conceição foi adaptada duas vezes para o


cinema. A primeira, em 1959, como Orfeu Negro, premiado filme do cineasta
francês, Marcel Camus. A segunda, em 1999, quando o diretor brasileiro
Cacá Diegues realizou o filme Orfeu. Com seus colegas, assista a um desses
dois filmes e escreva um pequeno texto descrevendo a forma como a vida
no morro é representada. Quais são os problemas que aparecem? Como
eles são tratados?

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PARTE 3 TExTos, ARTE E culTuRA

NO
Questões de exames FAÇARNO!
CAD
E

1. (UFPR) As rubricas ou indicações cênicas são b) Deixou‑nos excelentes poemas líricos.


c) Escreveu peças teatrais em que se constata
“textos que não se destinam a ser pronuncia‑
influência do Romantismo.
dos no palco, mas que ajudam o leitor a compre‑
ender e a imaginar a ação e as personagens. Esses d) Teve seus dramas históricos representados, na
época, com grande sucesso.
textos são igualmente úteis ao diretor e aos ato‑
res durante os ensaios, mesmo que eles não os e) Evitou em suas peças de teatro o uso de lingua‑
respeitem.” gem simples e direta.
n (RYNGAERT, Jean‑Pierre. Introdução à análise do teatro.
São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 44)
4. (UFPA)
“Rosa – Quando lhe dei a minha mão, poderia
Entre as indicações cênicas a seguir – extraídas de
prever que ele seria um traidor? E a senhora,
O Anjo Negro, de Nelson Rodrigues – assinale a que
quando lhe deu a sua, que se unia a um infame?
se destina à leitura e interpretação do texto e não à
sua encenação. Florência – Oh, não!
Rosa – E nós, suas desgraçadas vítimas, nos
a) “Passaram‑se dezesseis anos e nunca mais fez
sol. Não há dia para Ismael e sua família.” (Pri‑ odiaremos mutuamente, em vez de nos ligarmos,
meiro quadro do terceiro ato) para de comum acordo perseguirmos ao traidor?
b) “No andar térreo, um velório. O pequeno caixão Florência – Nem eu, nem a senhora temos
de ‘anjo’ – de seda branca – com os quatro círios, culpa do que se tem passado; quisera viver longe
bem finos e longos acesos.” (Primeiro quadro do da senhora... a sua presença aviva os meus des‑
primeiro ato) gostos, porém farei um esforço; aceito o seu ofe‑
c) “Em cima, de costas para a plateia, Virgínia, a recimento; unamo‑nos e mostraremos ao mons‑
esposa branca, muito alva; veste luto fechado.” tro o que podem duas fracas mulheres quando se
(Primeiro quadro do primeiro ato) querem vingar...”
n PENA, Martins. O noviço. In: Martins Pena. Teatro cômico.
d) “Elias, meigo como nunca. A cama atual de Virgí‑ São Paulo: Ed. Cultura, 1943, p. 311.
nia está revolvida, como a de solteira; um tra‑
vesseiro no chão; metade do lençol para fora.” Sobre o fragmento e o texto a que pertence, é cor‑
(Segundo ato) reto afirmar que:
e) “Vê‑se a silhueta de Ana Maria, no frenético e a) reforça a visão da mulher, incapaz de cuidar de
inútil esforço de libertação.” (Segundo quadro si, vítima dos abusos masculinos. O texto é uma
do terceiro ato) espécie de denúncia de Martins Pena, que criou,
em nosso Romantismo, um teatro voltado para
2. (Fuvest‑SP) as causas sociais.
I. Autor que levava no palco a sociedade portu‑ b) o acordo feito entre Rosa e Florência terá como
guesa da primeira metade do século XVI, viven‑ sequência uma das cenas engraçadas da peça O
ciando, na expressão de António José Saraiva, o noviço, a surra que ambas dão em Ambrósio, por
reflexo da crise. quem foram enganadas, no momento em que
II. Atuou na linha do teatro de costumes, associou ele põe a cabeça fora do armário onde se encon‑
o burlesco e o cômico em dramas e comédias ao tra preso.
retratar flagrantes da vida brasileira. c) o acordo feito entre Rosa e Florência aponta para
o final da peça: Ambrósio é mandado para o
Os enunciados referem‑se, respectivamente, aos
convento no lugar de Carlos, o noviço. Dessa
teatrólogos:
forma todos se sentem vingados.
a) Camilo Castelo Branco e José de Alencar
d) as duas mulheres tramam a vingança contra
b) Machado de Assis e Miguel Torga Ambrósio, por quem foram enganadas, revelan‑
c) Gil Vicente e Nélson Rodrigues do que são elas as personagens centrais da
d) Gil Vicente e Martins Pena peça, que, embora se intitule O noviço, não dá
e) Camilo Castelo Branco e Nélson Rodrigues relevância a Carlos, o noviço da trama.
e) revela a linguagem de Martins Pena, desartifi‑
3. (UFPA) Marque a única alternativa certa a respeito ciosa, simples, natural, o que não foi aceito pelo
de Martins Pena. público burguês da época, acostumado a rebus‑
a) Escreveu peças de teatro rigorosamente de acor‑ camentos, a tiradas filosóficas e a arrebatamen‑
do com as leis do teatro clássico. tos estilísticos.

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7
Os esTiLOs de éPOCA dA RevOLUçãO indUsTRiAL à PRimeiRA GUeRRA: O PARnAsiAnismO CAPÍTULO 7

CAP Í T U L O 7

Os estilos de época da
Revolução Industrial
à Primeira Guerra: o
Parnasianismo
Museu do Prado, Madrí/The Bridgeman/Keystone

Só não se inventou
uma máquina de fazer
versos – já havia o
poeta parnasiano.
n ANDRADE, Oswald de. Manifesto Pau-Brasil.
In: ANDRADE, Oswald de. A utopia antropofágica.
São Paulo: Globo/Secretaria do Estado da Cultura,
1990. p. 41.

Parnaso é um monte de quase 2 500 metros localizado na região central da Grécia. Segundo a mitologia grega, ali ficava
a morada de Apolo (deus da luz, das artes; personificação do Sol) e das musas. Por extensão de sentido, passou a
designar a morada simbólica dos poetas. Na França, a partir de 1866, foram publicadas antologias poéticas organizadas
por Théophile Gautier, com propostas contrárias à estética romântica, intituladas Parnasse Contemporain. O nome do
movimento deriva dessas antologias e denuncia a intenção de resgatar a estética da Antiguidade Clássica.

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PARTe 3 TexTOs, ARTe e CULTURA

////////////////////////
A HERANÇA CLÁSSICA NAS ARTES BRASILEIRAS
///////////
///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

A PinTURA
Reprodução/Museu Histórico e Diplomático do Itamaraty –
Ministério das Relações Exteriores, Rio de Janeiro, RJ.

Pedro Américo (1843-1905),


consagrado pintor de temas
históricos do II Império, viveu
uma temporada em Florença
e, na virada do século, dedicou-
-se a algumas alegorias de
tendência clássica, como Paz
e Concórdia ou Alegoria da
Civilização, de 1895. Na pintu-
ra, diante de uma imensa
construção neoclássica,
vemos uma figura de mulher
que representa a jovem
República brasileira sendo
saudada pelas principais
nações do mundo, num clima
de paz e concórdia.

• A pintura de Pedro Américo se utiliza de várias construções alegóricas. Qual é a função de uma alegoria?
Que significado as alegorias possuem nessa pintura?

A ARQUiTeTURA
Acervo Iconographia/Reminiscências

n Teatro Amazonas
(Manaus), inaugurado
em 1896.

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Os esTiLOs de éPOCA dA RevOLUçãO indUsTRiAL à PRimeiRA GUeRRA: O PARnAsiAnismO CAPÍTULO 7

Theatro Municipal do Rio de Janeiro,


inaugurado em 1909. Ismar Ingber/Pulsar Imagens
n Theatro
Municipal
do Rio de Janeiro,
inaugurado em 1909.

Hart Preston/Time Life Pictures/Getty Images


3

n Theatro Municipal
de São Paulo,
inaugurado em 1911.

O ciclo da borracha, na região Norte, e o do café, no Vale do Paraíba, no eixo


Rio-São Paulo, criam as condições materiais para a construção de imponentes • Apesar de localizados em
teatros na virada do século, como bem exemplificam o Teatro Amazonas (1), cidades diferentes, os três
inaugurado em 1896, em estilo neoclássico; o Theatro Municipal do Rio de
teatros apresentam carac‑
Janeiro (2) e o Theatro Municipal de São Paulo (3), projetados no final do
século XIX e inaugurados, respectivamente, em 1909 e 1911, e que seguem um terísticas arquitetônicas
estilo eclético com predomínio de linhas neoclássicas em suas fachadas. em comum. Que explicação
Esses verdadeiros templos projetados para o culto das óperas e da música você daria para esse fato?
clássica tiveram, como referência, os teatros Ópera de Paris e Scala de Milão.

WeBTeCA
Para conhecer mais, acesse:
<www.culturamazonas.am.gov.br/programas_02.php?cod=0255>
<www.theatromunicipal.rj.gov.br>
<www.teatromunicipal.sp.gov.br/>
Acessos em: 1o fev. 2013.

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PARTe 3 TexTOs, ARTe e CULTURA

////////////////////////
///////////
ART NOUVEAU
////////////////////////////////////////

Com os avanços advindos da Segunda Revolução Industrial, a socie‑

Coleção privada/Instituto de Arte de Chicago, EUA.


dade capitalista atingiu um novo patamar de produção e consumo. Por
meio da exploração de novas fontes de energia e recursos técnicos, as
cidades cresceram, os meios de transporte ficaram mais dinâmicos, os
produtos, mais baratos e a prática comercial, mais difundida. A partir da
década de 1870, aqueles que tinham condições de participar da moder‑
nidade viveram tempos de otimismo com o futuro e com a realização da
sociedade burguesa; tal período ficou conhecido como a belle époque. A
principal manifestação artística
dessa fase foi a art nouveau (arte Coleção privada/Art Renewal Center Museum

nova), cujas características mar‑


cantes foram sua aplicação prática
na arquitetura, no design, na deco‑
ração e na publicidade.

n Dois desenhos, ambos usados como


Rafael Andrade/Folhapress

peças publicitárias, do artista checo


Alfons Maria Mucha (1860-1939),
um dos principais representantes
da art nouveau.

• Quais são as carac‑


terísticas comuns a
esses dois cartazes?

n Interior da Confeitaria Colombo, fundada em 1894, no centro do Rio de Janeiro.


Exemplo de arquitetura art nouveau praticada no Brasil, a confeitaria, por seu refi-
namento e novidade, em pouco tempo se transformou em ponto de encontro da
elite carioca, assim como espaço de reuniões entre escritores e artistas.

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///////////
A VIRADA DO SÉCULO
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O momento histórico que marca a transição do século XIX para o século XX e a definição de um novo orde‑
namento mundial é extremamente complexo e se prolonga até a Primeira Guerra Mundial (1914‑1918) e as
agitações sociais na Rússia (1917‑1921).
O processo burguês industrial evoluía a passos largos, gerando a luta das grandes potências pelos merca‑
dos consumidores e fornecedores de matéria‑prima. A unificação da Alemanha (1870) e da Itália (1871) alavanca
o processo de industrialização desses países (chamados países de capitalismo tardio) e os coloca na disputa por
novos mercados. Por esses motivos, fragmenta‑se a África e ampliam‑se as influências sobre os territórios asiá‑
ticos; desenvolve‑se, assim, a política do neocolonialismo (na África) e do imperialismo (na Ásia) e toma corpo o
fantasma de uma guerra envolvendo os países europeus.
Em consequência, ocorrem duas situações distintas:
• de um lado, um clima de euforia motivado pelo progresso industrial e pela expansão do capitalismo, pelo
aumento do consumo, pela moderna urbanização (Paris torna‑se símbolo desse novo mundo); era a consagração
das soluções racionalistas e a vitória definitiva do pensamento científico, que sustentavam o avanço tecnológico.
Vivia‑se a belle époque;
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Os esTiLOs de éPOCA dA RevOLUçãO indUsTRiAL à PRimeiRA GUeRRA: O PARnAsiAnismO CAPÍTULO 7

• de outro, um clima de insatisfação, insegurança e pessimismo motivado pelo acirramento dos conflitos sociais;
o mesmo progresso industrial que levava ao consumismo criava massas de excluídos; o movimento operário se
organiza, eclodem greves. Uma parte da intelectualidade começa a questionar o “paraíso” prometido pela
Revolução Industrial e a crença de que a Razão e a Ciência teriam respostas para tudo.
Refletindo essa ambiguidade, a literatura, particularmente a poesia, percorre diferentes caminhos, daí
resultando os movimentos parnasiano, que analisaremos neste capítulo, e simbolista, tema do próximo capítulo.

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PARNASIANISMO: O CULTO DA FORMA
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O estilo poético que marcou a elite literária brasileira do final do século XIX (entre os fundadores da
Academia Brasileira de Letras, em 1897, a maioria absoluta dos poetas se filiava ao Parnasianismo) apresenta
nítida influência francesa, como se percebe na própria denominação do movimento, que não passa de uma
alusão às antologias publicadas na França, com o título de Parnasse Contemporain (foram publicadas três anto‑
logias, em 1866, 1871 e 1876).
A principal característica da poesia parnasiana é a valorização da forma (o soneto, a métrica, a rima), o culto
da arte pela arte, como bem define Olavo Bilac:

Profissão de fé1 E horas sem conto passo, mudo,

Alice Hattori/Arquivo da editora


(fragmentos) O olhar atento,
Invejo o ourives2 quando escrevo: A trabalhar, longe de tudo,
O pensamento.
Imito o amor
Com que ele, em ouro, o alto‑relevo Porque o escrever – tanta perícia,
Faz de uma flor. Tanta requer,
Que ofício tal... nem há notícia
Imito‑o. E, pois, nem de Carrara3
De outro qualquer.
A pedra firo:
Assim procedo. Minha pena
O alvo cristal, a pedra rara,
Segue esta norma,
O ônix4 prefiro.
Por te servir, Deusa serena,
Por isso, corre, por servir‑me, Serena Forma10! n Quarta capa do número 7
Sobre o papel da revista Klaxon, porta-voz
Celebrarei o teu ofício
A pena, como em prata firme da Semana de Arte
No altar: porém, Moderna, ironizando a
Corre o cinzel5.
Se inda é pequeno o sacrifício, produção dos poetas
Corre; desenha, enfeita a imagem, parnasianos. Para os poetas
Morra eu também!
A ideia veste: do Modernismo, o modelo
Cinge‑lhe ao corpo a ampla roupagem Caia eu também, sem esperança, parnasiano era comparado
Porém tranquilo, a uma prisão, que resumia
Azul‑celeste. a arte a modelos, a formas.
Inda, ao cair, vibrando a lança,
Torce, aprimora, alteia, lima
Em prol do Estilo!
A frase; e, enfim,
n BILAC, Olavo. Olavo Bilac: obra reunida. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1996. p. 89.
No verso de ouro6 engasta a rima,
Como um rubim7. 1 profissão de fé: declaração pública de uma crença; no caso, de um conceito sobre poesia.
2 ourives: aquele que trabalha com ouro, burilando a forma; por extensão, joalheiro.
Quero que a estrofe cristalina, 3 Carrara: cidade italiana famosa pela qualidade de seu mármore.
4 ônix: pedra preciosa. O poeta diz preferir as pedras raras ao mármore.
Dobrada ao jeito 5 cinzel: instrumento de aço, cortante, usado por escultores e joalheiros.
Do ourives, saia da oficina8 6 verso de ouro: o último verso de cada estrofe; para os parnasianos, a expressão mais

Sem um defeito: comum era “chave de ouro”: o poeta se esmerava em obter uma imagem de efeito.
7 rubim: variante, por nasalação, de rubi. Observe a rima enfim/rubim, utilizando a forma
E que o lavor do verso, acaso, menos usual da palavra rubi.
Por tão sutil, 8 oficina: aqui, o local de
trabalho do poeta/ourives.
9 Becerril: artesão romano.
Possa o lavor lembrar de um vaso 10 Deusa Forma: a divinização da forma como objetivo da postura do poeta parnasiano, da
De Becerril9. sua fé. Nas duas últimas estrofes, o trabalho do poeta é visto como um sacrifício religioso.

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PARTe 3 TexTOs, ARTe e CULTURA

ando
oc
tr

ideias
a) Em pequenos grupos, releiam atentamente o poema de Olavo Bilac e relacionem as principais
características da poética parnasiana. Em seguida, apresentem‑nas aos colegas e ao professor.
b) Expliquem a afirmação de Oswald de Andrade (citada na abertura do capítulo) segundo a
qual os parnasianos eram “máquinas de fazer versos”.

PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DA POÉTICA PARNASIANA


• A poética parnasiana baseia‑se no binômio objetividade temática/culto da forma, numa postura totalmente
antirromântica.
• Perfeição formal: forma fixa dos sonetos, a métrica dos versos alexandrinos (12 sílabas poéticas) e decassílabos
perfeitos, a rima rica, rara e perfeita.
• A objetividade temática surge como negação ao sentimentalismo romântico, numa tentativa de atingir a impassi-
bilidade e a impessoalidade.
• Opõe ao subjetivismo decadente o universalismo – daí resultar numa poesia carregada de descrições objetivas e
impessoais.
• Retomada dos conceitos da Antiguidade Clássica: racionalismo e formas perfeitas.
• Poesia de meditação; filosófica, mas artificial.

O “estilo clássico”
Neste fragmento de Triste fim de Policarpo Quaresma, Lima Barreto ironiza o “estilo clássico” dos
poetas parnasianos:

“De fato, ele estava escrevendo ou mais particularmente: traduzia para o ‘clássico’ um grande
artigo sobre ‘Ferimentos por arma de fogo’. O seu último truc intelectual era este do clássico. Buscava
nisto uma distinção, uma separação intelectual desses meninos por aí que escrevem contos e roman‑
ces nos jornais. Ele, um sábio, e sobretudo um doutor, não podia escrever da mesma forma que eles. A
sua sabedoria superior e o seu estilo ‘acadêmico’ não podiam usar da mesma língua, dos mesmos
modismos, da mesma sintaxe que esses poetastros e literatecos. Veio‑lhe então a ideia do clássico. O
processo era simples: escrevia do modo comum, com as palavras e o jeito de hoje, em seguida invertia
as orações, picava o período com vírgulas e substituía incomodar por molestar, ao redor por derredor,
isto por esto, quão grande ou tão grande por quamanho, sarapintava tudo de ao invés, em pós, e assim
obtinha o seu estilo clássico que começava a causar admiração aos seus pares e ao público em geral.”
n BARRETO, Lima. Triste fim de Policarpo Quaresma. São Paulo: Scipione, 2004. p. 115.

ando
oc
tr

ideias
O polêmico dramaturgo, poeta e diretor de cinema francês Jean Cocteau (França, 1889‑
‑1963) dizia: “A poesia é indispensável. Se eu ao menos soubesse para quê...”.
Discuta com seu grupo e com o professor: deve o poeta debruçar‑se sobre o texto e cultivar
a “arte pela arte”, como propunha Olavo Bilac, ou, como afirmava Carlos Drummond de Andrade,
escrever palavras “duras”, que façam o leitor “sofrer”?
Compartilhe com os demais grupos os resultados da discussão.

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A PRODUÇÃO LITERÁRIA
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O descritivismo de Alberto de Oliveira

Alberto de Oliveira (1857-1937)


Reprodução/Arquivo da editora

Antônio Mariano Alberto de Oliveira travou amizade com Olavo Bilac e Raimundo
Correia em 1883, todos já cultivando a estética parnasiana. Foi um dos fundadores da
Academia Brasileira de Letras e, curiosamente, eleito Príncipe dos Poetas em 1924, sob o
impacto dos acontecimentos da Semana de Arte Moderna de 22.

Embora tenha vivido 80 anos de profundas transformações políticas, econômicas e sociais, além de
literárias, Alberto de Oliveira sempre permaneceu fiel ao Parnasianismo e à margem dos acontecimentos
históricos. A partir de seu segundo livro, Meridionais, já segue os preceitos parnasianos, sendo mesmo consi‑
derado mestre dessa estética. Sua temática restringiu‑se aos rígidos limites impostos pela Escola: uma poe‑
sia descritiva, cujos temas abrangiam desde a natureza até meros objetos, exaltando‑lhes a forma (como nos
sonetos “Vaso grego”, “Vaso chinês” e “A estátua”). São características de seus poemas a impassibilidade (por
vezes esquecida em alguns sonetos de tom mais intimista), o culto da arte pela arte e a exaltação da
Antiguidade Clássica. Destacam‑se, ainda, a perfeição formal, a métrica rígida e a linguagem extremamente
trabalhada, chegando por vezes ao rebuscamento, como exemplifica o fragmento que segue:

A estátua
Às mãos o escopro, olhando o mármor: “Quero
– O estatuário disse – uma por uma
As perfeições que têm as formas de Hero
Talhar em pedra que o ideal resuma”.

Lendo os textos

Vaso grego
Esta, de áureos relevos, trabalhada Ignota5 voz, qual se da antiga lira
De divas mãos, brilhante copa, um dia, Fosse a encantada música das cordas,
Museu Britânico, Londres
Já de aos deuses servir como cansada, Qual se essa a voz de Anacreonte2 fosse.
Vinda do Olimpo1, a um novo deus servia. n OLIVEIRA, Alberto de. Alberto de Oliveira: poesia.
2. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1969. p. 22.
Era o poeta de Teos2 que a suspendia
Então e, ora repleta ora esvazada3, 1 Olimpo: segundo a mitologia grega, morada dos
A taça amiga aos dedos seus tinia deuses.
2 poeta de Teos: referência a Anacreonte, poeta
Toda de roxas pétalas colmada4.
grego natural de Teos (século VI a.C.), famoso por
suas canções de amor irônicas e melancólicas.
Depois... Mas o lavor da taça admira, 3 esvazada: esvaziada.
Toca‑a, e do ouvido aproximando‑a, às bordas 4 colmada: coberta, cheia.

Finas hás de lhe ouvir, canora e doce, 5 ignota: ignorada, desconhecida.

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PARTe 3 TexTOs, ARTe e CULTURA

1. Comente os aspectos formais do poema.


2. Como se posiciona a voz enunciadora? Como essa voz se relaciona com o motivo do poema?
3. Comente a seleção vocabular e a sintaxe do texto.
4. Releia o texto e explique a mudança de curso promovida pelo “Depois...”, que inicia a terceira estrofe.

Aparição nas águas


Vênus, a ideal pagã que a velha Grécia um dia
Viu esplêndida erguer‑se à branca flor da espuma
– Cisne do mar Iônio1
Desvendado da bruma,
Visão filha talvez da ardente fantasia
De um cérebro de deus:
Vênus, quando eu te vejo a resvalar tão pura
Do largo oceano à flor,
1 Iônio: ou Jônico; referência ao mar que banha a parte
Das águas verde‑azuis na úmida frescura, ocidental da Grécia.
Vem dos prístinos2 céus, 2 prístinos: antigos, de tempos remotos.
Vem da Grécia, que é morta,
Abre do azul a misteriosa porta
E em ti revive, ó pérola do Amor!
n OLIVEIRA, Alberto de. Alberto de Oliveira: poesia. 2. ed.
Rio de Janeiro: Agir, 1969.

1. O poema exemplifica algumas características marcantes da lírica de Alberto de Oliveira. Comente


ao menos duas delas.

2. Vênus é deusa romana que corresponde à Afrodite grega, filha de Urano, que teve seus testículos
cortados por Cronos e atirados ao mar; daí falar‑se que Afrodite é filha das espumas do mar e, em
suas representações, aparecer como que saída de uma concha. Que passagens do poema fazem
referência direta à origem de Vênus/Afrodite?

A reflexão filosófica de Raimundo Correia

Raimundo Correia (1859-1911)


Reprodução/Coleção particular

Raimundo da Mota de Azevedo Correia, um dos componentes da “tríade


parnasiana”, foi acusado de se apropriar de alguns temas de poetas europeus. O
crítico Otto Maria Carpeaux assim se manifesta: “Quanto à sua consumada arte
do verso e à profundidade da emoção de Raimundo Correia, não há discussão;
surgiram dúvidas, porém, quanto à sua originalidade.”.

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Raimundo Correia estreou como romântico: o livro Primeiros sonhos revela influência de quase
todos os poetas românticos brasileiros, de Gonçalves Dias a Castro Alves. Só assume o Parnasianismo
a partir do livro Sinfonias, formando desde então a Trindade Parnasiana, ao lado de Olavo Bilac e Alberto
de Oliveira. Sua temática é a da moda da época: a natureza, a perfeição formal dos objetos, a cultura
clássica; merece destaque apenas sua poesia filosófica, de meditação, marcada pela desilusão e por um
forte pessimismo.
Um aspecto controvertido de sua obra foi levantado por Luís Murat, desencadeando violenta polê‑
mica: foi Raimundo Correia um plagiador? Ou um “recriador”? A diferença é sutil. O que não pode negar
nem o mais ferrenho defensor do poeta é a patente influência, às vezes exagerada, de autores europeus
em sua obra. É o caso do soneto “As pombas”, uma repetição literal das ideias apresentadas pelo francês
Theóphile Gautier (1811‑1872) em “Mademoiselle de Maupin”, ou do soneto “Mal secreto”, “recriação” de
um poema do italiano Metastásio (1698‑1782). Deve‑se destacar, entretanto, a força lírica de Raimundo
Correia, principalmente ao cantar a natureza, quando produz belos versos impressionistas:

“Raia sanguínea e fresca a madrugada.”


(“As pombas”)

“Esbraseia o Ocidente na agonia


O Sol... Aves em bandos destacados,
Por céus de oiro e de púrpura raiados,
Fogem... Fecha‑se a pálpebra do dia...”
(“Anoitecer”)

Lendo os textos

A “recriação” de Raimundo Correia: à esquerda, os versos de Metastásio; à direita, o


soneto “Mal secreto”, do poeta brasileiro.

Se a ciascun l’interno affanno Se a cólera que espuma, a dor que mora


N’alma, e destrói cada ilusão que nasce,
si leggesse in fronte scritto,
Tudo o que punge, tudo o que devora
quanti mai, che invidia fanno, O coração, no rosto se estampasse;
ci farebbero pietà!
Se se pudesse, o espírito que chora,
Si vedria che i lor nemici Ver através da máscara da face,
hanno in seno; e si riduce Quanta gente, talvez, que inveja agora
Nos causa, então piedade nos causasse!
nel parere a noi
felici ogni lor felicità. Quanta gente que ri, talvez, consigo
n Disponível em: <http://guide.supereva.it/
Guarda um atroz, recôndito inimigo,
letteratura_italiana/interventi/2009/01/le-arie-di-pietro-metastasio>. Como invisível chaga cancerosa!
Acesso em: 1º fev. 2013.
Quanta gente que ri, talvez existe,
Cuja ventura única consiste
Em parecer aos outros venturosa!
n CORREIA, Raimundo. Raimundo Correia: poesia.
Rio de Janeiro: Agir, 1958. p. 25.

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PARTe 3 TexTOs, ARTe e CULTURA

1. Um dos recursos construtivos muito utilizados pelos poetas parnasianos era o enjambement, que pode
ser entendido como “prolongamento de um verso no verso seguinte”; segundo o Dicionário Houaiss da
Língua Portuguesa, tal recurso “cria um efeito de coesão entre os versos, pois aquele onde começa o
enjambement não pode ser lido com a habitual pausa descendente no final, e sim com entonação
ascendente, que indica continuação da frase, e com uma pausa mais curta ou sem pausa”. Aponte um
exemplo de enjambement no soneto anterior de Raimundo Correia.

2. Qual é o esquema de rima adotado pelo poeta?


3. Você concorda com a reflexão feita pelo poeta? Justifique sua resposta.

As pombas
Vai‑se a primeira pomba despertada...
Vai‑se outra mais... mais outra... enfim dezenas
De pombas vão‑se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada...

E à tarde, quando a rígida nortada Vera Basile/Arquivo da editora

Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,


Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada...
No azul da adolescência as asas soltam,
Também dos corações onde abotoam, Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
Os sonhos, um por um, céleres voam, E eles aos corações não voltam mais...
Como voam as pombas dos pombais; n CORREIA, Raimundo. Raimundo Correia: poesia. Rio de Janeiro: Agir, 1958. p. 22.

1. O poema é construído a partir de relações de semelhança. Identifique‑as e comente‑as.


2. O eu poético se mostra? É possível identificá‑lo? O que isso revela?
3. Depois de ler “As pombas”, você concorda com a caracterização de Raimundo Correia como “poeta
filósofo”? Justifique sua resposta.

O lirismo amoroso de Olavo Bilac

Olavo Bilac (1865-1918)


Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac, o mais popular dos parnasianos, participou
ativamente da vida política do final do século. Republicano e nacionalista, escreveu, em
Reprodução/Arquivo da editora

1889, a letra do Hino à Bandeira; mais tarde, por fazer oposição ao governo de Floriano, foi
exilado em Ouro Preto, Minas Gerais. Em 1907 foi eleito o primeiro Príncipe dos Poetas; em
1915 iniciou suas campanhas cívicas: alfabetização e serviço militar obrigatório; no ano
seguinte fundou a Liga de Defesa Nacional. No entanto, essa militância não contaminou
sua poesia parnasiana: Bilac colocou-se à margem dos grandes acontecimentos políticos e
sociais de seu tempo (por exemplo, ignorou a campanha abolicionista; mais tarde, ignorou
a Primeira Guerra Mundial). No entanto, fora da poesia parnasiana percebem-se
manifestações de outra faceta de Bilac. Os poemas em que ironizou o então ditador Floriano Peixoto são excelentes
(Floriano é satirizado como “Hamleto, o príncipe das Alagoas”); as crônicas publicadas em jornais cariocas revelam o lado
galhofeiro e insolente de Bilac (segundo o professor Antônio Dimas, suas crônicas são “ideologicamente irregulares e ora
apontam para soluções reacionárias, identificadas com o sistema vigente, ora para sua contestação”).

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Os esTiLOs de éPOCA dA RevOLUçãO indUsTRiAL à PRimeiRA GUeRRA: O PARnAsiAnismO CAPÍTULO 7

Suas obras parnasianas podem ser assim caracterizadas:


Em Panóplias, o poeta está voltado para a Antiguidade Clássica, basicamente para Roma. Pertencem
a essa fase, entre outros, os sonetos “A sesta de Nero”, “O incêndio de Roma” e “Lendo a Ilíada”.
Em Via láctea, há 35 sonetos marcados por forte lirismo. O lirismo e a temática desses sonetos são
responsáveis pela popularidade imediata alcançada pelo poeta. Dentre eles, merece destaque o soneto XIII:
“Ora (direis) ouvir estrelas...”.
Em Sarças de fogo permanece o lirismo, a que se acrescenta agora o sensualismo. É famoso o soneto
“Nel mezzo del camin...”, com seus pleonasmos e inversões.
Em Alma inquieta e Viagens o poeta volta‑se para os temas ditos filosóficos, tão ao gosto dos parnasianos.
Em Viagens, está o poema épico “O caçador de esmeraldas”, que o próprio Bilac definiu como “episó‑
dio da epopeia sertanista no século XVII”, e que narra a chegada dos bandeirantes a terras mineiras, com
os paulistas individualizados na figura de Fernão Dias Pais.
Tarde mostra o poeta mais descritivo e profundamente nacionalista. É exemplo significativo do descri‑
tivismo do poeta o soneto “Crepúsculo na mata”, e bem atestam a volta ao passado nacional os sonetos
“Anchieta” e “Vila Rica”. O que mais chama a atenção do leitor em Tarde é, no entanto, a consciência do fim,
a proximidade da morte: o crepúsculo do poeta.

Lendo o texto
In extremis
(do livro Alma Inquieta)
Nunca morrer assim! Nunca morrer num dia
Assim! de um sol assim!
Tu, desgrenhada e fria,
Fria! postos nos meus os teus olhos molhados,
E apertando nos teus os meus dedos gelados...

E um dia assim! de um sol assim! E assim a esfera


Toda azul, no esplendor do fim da primavera!
Asas, tontas de luz, cortando o firmamento!
Ninhos cantando! Em flor a terra toda! O vento Vera Basile/Arquivo da editora

Despencando os rosais, sacudindo o arvoredo...

E, aqui dentro, o silêncio... E este espanto! E este medo!


Nós dois... e, entre nós dois, implacável e forte,
A arredar‑me de ti, cada vez mais a morte...
Eu com o frio a crescer no coração, – tão cheio
De ti, até no horror do verdadeiro anseio!
Tu, vendo retorcer‑se amarguradamente,
A boca que beijava a tua boca ardente,
A boca que foi tua!
E eu morrendo! E eu morrendo,
Vendo‑te, e vendo o sol, e vendo o céu, e vendo
Tão bela palpitar nos teus olhos, querida,
A delícia da vida! a delícia da vida!
n BILAC, Olavo. Olavo Bilac: obra reunida. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1996.

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PARTe 3 TexTOs, ARTe e CULTURA

1. O gerúndio anda muito mal falado nesses últimos tempos... Há até quem defenda seu fim!... Mas o
gerúndio é imprescindível (como as demais formas verbais). O crítico Ivan Teixeira afirma que Olavo
Bilac consegue, em vários poemas, “tirar extraordinário partido do fluxo gerundial”. Comente o efeito
do uso contínuo de gerúndios no poema.

2. Polissíndeto é uma figura que consiste na repetição de uma conjunção (síndeto), notadamente das
coordenadas. Aponte uma passagem em que ocorre polissíndeto.

3. Anáfora é uma figura que consiste na repetição de uma palavra ou de um grupo de palavras ao
longo de um texto. Aponte passagens em que ocorre anáfora.

4. Relacione o que foi visto nas questões anteriores ao assunto do poema.

Texto e Intertexto

Ora (direis) ouvir estrelas!


“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” Eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi‑las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

Vera Basile/Arquivo da editora


E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: “Tresloucado amigo!


Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”

E eu vos direi: “Amai para entendê‑las!


Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.”
n BILAC, Olavo. Disponível em: <www.academia.org.br/
abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=443&sid=184>.
Acesso em: 25 jan. 2013.

Uvi strella
Che scuitá strella, nê meia strella! Direis intó: – Ó migno inlustre amigo!
Vucê stá maluco e io ti diró intanto, O chi é chi as strellas ti dizia
Chi p’ra iscuitalas moltas veiz livanto, Quano illas viéro acunversá contigo?
I vô dá una spiada na gianella.
E io ti diró: – Studi p’ra intendela,
I passo as notte acunversando c’o ella. Pois só chi giá studô Astrolomia,
Inguanto che as outra lá d’un canto É capaiz di intendê istas strella.
Stó mi spiano. I o sol come un briglianto
n BANANÉRE, Juó. La divina increnca. 2. ed.
Nasce. Oglio p’ru çeu: – Cadê strella? ! São Paulo: Folco Masucci, 1966. p. 303.

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Os esTiLOs de éPOCA dA RevOLUçãO indUsTRiAL à PRimeiRA GUeRRA: O PARnAsiAnismO CAPÍTULO 7

Sobre “Ora, direis...”


1. O poema apresenta estrutura de diálogo. Quem são os interlocutores? Que tipo de postura cada um evidencia?
2. O poeta trabalhou tanto o discurso direto como o discurso indireto. Dê um exemplo de cada e identifique
o dono da fala reproduzida.

3. O interlocutor é um adepto do racionalismo. Aponte, na seleção vocabular da fala do interlocutor, indica‑


dores dessa postura.

4. Aponte uma passagem em que Bilac faz uso do recurso do enjambement ou encadeamento.
5. Considera‑se rima pobre aquela que é feita entre palavras da mesma categoria gramatical, notadamente
as que apresentam os mesmos sufixos ou terminações verbais. Rima rica é a rima entre palavras de cate‑
gorias gramaticais diferentes, sem auxílio de sufixos. Quando a rima resulta de uma combinação muito
especial, diz‑se que é rica e rara. Aponte um exemplo de rima rica e rara no soneto de Bilac.

6. Embora os poetas parnasianos sejam considerados “impassíveis”, objetivos, declaradamente antirro‑


mânticos, observam‑se na poética de Olavo Bilac certos traços do Romantismo. O próprio poeta afir‑
mou: “Aos chamados poetas parnasianos também se deu outro nome: ‘impassíveis’. Quem pode conce‑
ber um poeta que não seja suscetível de padecimento? Ninguém e nada é impassível: nem sei se as
pedras podem viver sem alma. Uma estátua, quando é verdadeiramente bela, tem sangue e nervos”.
Comprove essas afirmações a partir de elementos presentes no soneto “Ora (direis) ouvir estrelas”.

Relacionando Bilac e Bananére


7. Juó Bananére é o pseudônimo sob o qual ficou conhecido o escritor paulista Alexandre Ribeiro Marcondes
Machado (1892‑1933). Bananére, utilizando‑se da linguagem e do sotaque dos imigrantes italianos que
viviam em São Paulo, ganhou fama ao publicar crônicas humorísticas e sátiras de poemas famosos em
jornais e revistas e ao criar uma literatura engraçada e inovadora. Quais são as semelhanças e diferenças
formais entre os poemas de Olavo Bilac e Juó Bananére?

8. O poema de Juó Bananére é, evidentemente, uma sátira do texto de Olavo Bilac. Como Bananére produz
efeito de sentido humorístico no poema?

veLHOs TemAs, nOvAs LeiTURAs

A CIDADE E A LITERATURA
Com o crescimento da produção industrial e do consumo, algumas mudanças começaram a ocorrer na pró‑
pria organização do espaço urbano. Para as elites, era preciso criar um ambiente adequado para usufruir dos novos
benefícios promovidos pela Segunda Revolução Industrial; além do mais, as revoltas populares ocorridas nas prin‑
cipais cidades europeias, em meados do século XIX, comprovavam a necessidade de transformar o espaço urbano,
ainda de feição medieval, repleto de vielas e construções irregulares, no qual as forças policiais tinham dificuldades
de agir, em grandes e vistosas cidades, que representassem, materialmente, a ideologia da belle époque.
Essa capa civilizacional imposta às cidades não conseguia, no entanto, conter os ímpetos populares, as
práticas cotidianas e os desvios à ordem burguesa estabelecida; o resultado era que a sociedade se transfor‑
mava em uma gigantesca panela de pressão, cujo assíduo apito já demonstrava a estreiteza dos limites ainda
disponíveis para a sufocação social; apesar de todos os sinais da artificialidade do bem‑estar elitista, a pres‑
são continuava sempre latente. Conforme alerta o historiador Nicolau Sevcenko:

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PARTe 3 TexTOs, ARTe e CULTURA

A constituição de uma sociedade predominantemente urbanizada e de forte teor burguês no início


da fase republicana, resultado do enquadramento do Brasil nos termos da nova ordem econômica
mundial instaurada pela Revolução Científico‑Tecnológica (por volta de 1870), foi acompanhada de
movimentos convulsivos e crises traumáticas, cuja solução convergiu insistentemente para um sacri‑
fício cruciante dos grupos populares.
n SEVCENKO, Nicolau. A Revolta da Vacina: mentes insanas em corpos rebeldes. São Paulo: Cosac & Naify, 2010. p. 12.

A O tema das cidades, seja no jornalismo ou na ficção, não podia escapar aos literatos da virada do
século XIX para o XX. Até hoje, com a crescente urbanização do Brasil, as cidades são temas fundamentais
para a literatura. Para entender melhor essa relação, leia os dois textos a seguir. O primeiro é uma breve
crônica intitulada “Carris urbanos”, de Raul Pompeia, publicada em 15 de abril de 1888, no Jornal do Comércio.
O segundo, um trecho do conto “Abraçado ao meu rancor”, do escritor paulista João Antônio (1937‑1996).

Texto 1
Continuam estes veículos a percorrer em disparada as nossas estreitas ruas, atropelando tudo e a todos.
As posturas municipais, de 11 de junho de 1853 e 17 de julho de 1872, são infringidas com o mais brutal abuso.
A direção desta exterminadora companhia nenhuma providência tomou, quanto ao seu célebre
horário tão irracional quanto inexequível.
A flor da gente, esses bravos assalariados que se intitulam cocheiros, comandados por seu capitão,
podem impunemente cometer toda a sorte de desvarios; para eles, não há leis nem costumes nem
governo e nem moral... a vida do cidadão está à mercê dessa horda de vândalos.
Providências, Exmo. Sr. Chefe de Polícia, visto que as administrações só curam dos seus interesses.
n POMPEIA, Raul. Melhores crônicas de Raul Pompeia. Seleção e prefácio de Cláudio Murilo Leal. São Paulo: Global, 2011. p. 39.

Texto 2
Gentes molambentas, caras enrugadas, pescoço de galinha, peles de fuligem de quem trabalha no puxe
encalacrado e se raspa para viver. Ou escapar com vida, livrar a cara nesta selva complicada. Complicadinha.
Viver... Viver é assim, aturdir‑se? Aqui se batalha e aqui não se para. É preciso, hoje mais amanhã,
se aturdir pelo trabalho. Assim fazem as pessoas e será provavelmente para se esquecerem de que
vivem aqui. E bom não é. Mas viver é isto?
[...]
Quantos cantos e extremos, além de quatro, terá esta cidade [São Paulo] que ninguém sabe quan‑
tos cantos tem? Sabido algum a conhece inteira, a ela que se joga em cinco partes, feito estrela e intrin‑
ca um centro complicado, planta favelas na horizontal à beira de seus três rios – Pinheiros, Tietê,
Tamanduateí –, encarapita favelas nos morros e é dissimulada, envergonhada, dada às lordices nos
cartões‑postais. Como o Rio, como outras, trata de esconder suas mazelas. E mostra o vendável.
n ANTÔNIO, João. Abraçado ao meu rancor. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. p. 81 e p. 112.

1. Quais são as principais características da crônica de Raul Pompeia?


2. Qual é o principal alvo da crítica de Raul Pompeia? Justifique.
3. Quais são as principais características da linguagem utilizada por João Antônio em seu conto?
4. Qual é o principal tema do conto de João Antônio? Justifique.

Você conhece a história de sua cidade? Já parou para pensar a respeito da forma como ela está
organizada? Que tal seguir os exemplos de Raul Pompeia e João Antônio e escrever uma crônica ou
conto a respeito de algum problema do lugar onde você vive? Para isso, realize pesquisas e procure
conhecer a opinião de algumas pessoas que vivem o cotidiano da cidade. Depois, troque seu texto
com o de seus colegas de classe e descubra se existem temas recorrentes entre os textos.

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Os esTiLOs de éPOCA dA RevOLUçãO indUsTRiAL à PRimeiRA GUeRRA: O PARnAsiAnismO CAPÍTULO 7

NO
Questões de exames FAÇARNO!
CAD
E

1. (Unicamp‑SP) O soneto abaixo, de Machado de Quer mesquinho e sem cor, quer amplo e terso,
Assis, intitula‑se Suave mari magno, expressão Em vão não é que eu digo ao verso: “Fala!”
usada pelo poeta latino Lucrécio, que passou a ser E ele fala‑me sempre, porque é verso.
empregada para definir o prazer experimentado n (Júlio César da Silva. Arte de amar. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1961.)
por alguém quando se percebe livre dos perigos a
que outros estão expostos: 2. O soneto “Arte suprema” apresenta as característi‑
cas comuns da poesia parnasiana. Assinale a alter‑
Suave mari magno nativa em que as características descritas se refe‑
Lembra‑me que, em certo dia, rem ao parnasianismo.
Na rua, ao sol de verão, a) Busca da objetividade, preocupação acentuada
Envenenado morria com o apuro formal, com a rima, o ritmo, a esco‑
Um pobre cão. lha dos vocábulos, a composição e a técnica do
poema.
Arfava, espumava e ria, b) Tendência para a humanização do sobrenatural,
De um riso espúrio* e bufão, com a oposição entre o homem voltado para
Ventre e pernas sacudia Deus e o homem voltado para a terra.
Na convulsão. c) Poesia caracterizada pelo escapismo, ou seja,
pela fuga do mundo real para um mundo ideal
Nenhum, nenhum curioso caracterizado pelo sonho, pela solidão, pelas
Passava, sem se deter, emoções pessoais.
Silencioso, d) Predomínio dos sentimentos sobre a razão,
gosto pelas ruínas e pela atmosfera de
Junto ao cão que ia morrer,
mistério.
Como se lhe desse gozo
e) Poesia impregnada de religiosidade e que faz
Ver padecer.
uso recorrente de sinestesias.
* espúrio: não genuíno; ilegítimo, ilegal, falsificado.

Em medicina, diz respeito a uma enfermidade 3. O poema de Júlio César da Silva faz referência ao
falsa, não genuína, a que faltam os sintomas mito grego de Pigmalião, um escultor da ilha de
característicos. Chipre que obteve da deusa Vênus a graça de trans‑
formar em uma mulher de verdade a belíssima
a) Que paradoxo o poema aponta nas reações do
estátua que havia esculpido. Esse aproveitamento
cão envenenado?
do mito, todavia, tem um encaminhamento dife‑
b) Por que se pode afirmar que os passantes, dian‑ rente no soneto.
te dele, também agem de forma paradoxal? Aponte a alternativa que melhor descreve como o
c) Em vista dessas reações paradoxais, justifique o mito foi aproveitado no poema.
título do poema. a) O poema se serve do mito para apresentar uma
defesa da poesia como arte superior em capaci‑
(Unesp‑SP) As questões 2 e 3 tomam por base um
dade de comunicação e expressão à escultura e
poema do parnasiano brasileiro Júlio César da Silva
às demais artes.
(1872‑1936):
b) O eu‑poemático aproveita o mito para demons‑
Arte suprema trar que a escultura, como arte visual, apresenta
Tal como Pigmalião, a minha ideia possibilidades expressivas que a poesia jamais
Visto na pedra: talho‑a, domo‑a, bato‑a; poderá atingir.
E ante os meus olhos e a vaidade fátua c) O desenvolvimento do poema conduz a uma
Surge, formosa e nua, Galateia. exaltação da correspondência entre as artes,
demonstrando que todas apresentam grande
Mais um retoque, uns golpes... e remato‑a; força expressiva.
Digo‑lhe: “Fala!”, ao ver em cada veia d) O mito de Pigmalião é usado para realçar o gran‑
Sangue rubro, que a cora e aformoseia... de poder da arte da escultura, como também da
E a estátua não falou, porque era estátua. poesia, que pode imitar a escultura.
e) A lenda de Pigmalião e Galateia é utilizada para
Bem haja o verso, em cuja enorme escala dividir o poema em duas partes, com a primeira
Falam todas as vozes do universo, associando Pigmalião à escultura e a segunda
E ao qual também arte nenhuma iguala: associando Galateia à poesia.

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8
PARTE 3 TExTos, ARTE E culTuRA

cAPÍTulo 8

Os estilos de época da
Revolução Industrial
à Primeira Guerra:
0 Simbolismo
Nomear um objeto é suprimir três quartos do prazer do poema, que consiste em ir
adivinhando pouco a pouco: sugerir, eis o sonho. É a perfeita utilização desse mistério
que constitui o símbolo: evocar pouco a pouco um objeto para mostrar um estado de
alma, ou, inversamente, escolher um objeto e extrair dele um estado de alma, através de
uma série de adivinhas.
n Stéphane Mallarmé (1842‑1898), poeta simbolista francês.
The Bridgeman Art Library/Keystone/Museu D'Orsay, Paris, França.

Várias telas de Gauguin, notadamente as que


retratam as paisagens e o povo do Taiti,
apresentam características simbolistas. Sobre
a tela reproduzida, em que vemos um cachorro
vermelho e um rio amarelo-alaranjado, que
provocou os mais diversos comentários da
crítica europeia, Gauguin explicou que o uso
das cores era intencional e calculado, como se
fosse um tipo de música: “eu crio os arranjos
de linhas e cores e, como um pretexto,
acrescento algum tema da natureza, da vida,
de sinfonias ou harmonias”. (In: MANNERING,
Douglas. Vida e obra de Gauguin. Rio de
Janeiro: Ediouro, 1996.)

n Arearea (1892), de Paul Gauguin.

• O que mais chama sua atenção nessa pintura de Paul Gauguin? Em sua opinião, ela é marcada por certo exotismo?

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os EsTilos dE éPocA dA REvolução indusTRiAl à PRimEiRA GuERRA:o simbolismo cAPÍTulo 8

AS ARTES PLÁSTICAS NA VIRADA DO SÉCULO


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///////////
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A PinTuRA

A revolução impressionista
“A ‘natureza’ ou o ‘motivo’ muda de minuto a minuto, quando uma nuvem passa sob o sol ou o
vento quebra o reflexo na água. O pintor que espera captar um aspecto característico não dispõe de
tempo para misturar e combinar suas cores; ele tem que fixá‑las imediatamente em sua tela, em
pinceladas rápidas, cuidando menos de detalhes do que do efeito geral do todo. [...]
Assim, resolveram [alguns jovens pintores] reunir‑se em 1874 e organizar uma exposição.
Continha uma tela de Monet que o catálogo descrevia como Impressão: nascer do sol; era a pintura de
um porto visto através das névoas matinais. Um dos críticos achou esse título particularmente ridículo
e referiu‑se a todo o grupo de artistas como ‘os impressionistas’. O rótulo pegou.”
n GOMBRICH, E. H. História da arte. Rio de Janeiro: Zahar, 1979. p. 410.
Reprodução/Museu Marmottan Monet, Paris, França.

Impressão: nascer do sol, de Claude Monet, pintada em 1872 e apresentada ao público em 1874, mostra o sol nascendo no
horizonte, ainda envolto em névoa, no Porto de Le Havre. Em pinceladas rápidas, o artista, em pleno contato com a natureza,
pintando ao ar livre, registra o intenso cromatismo natural da cena.

• Você acha que essa pintura foi feita em um estúdio ou ao ar livre? Justifique sua resposta.

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PARTE 3 TExTos, ARTE E culTuRA

A PinTuRA

A pintura simbolista
“O impressionismo foi, acima de tudo, a tentativa de integrar a arte num mundo em que a multi‑
plicidade de informações e imagens era cada vez maior, por meio da exploração de todos os efeitos
visuais que o homem pudesse captar. Alguns artistas, entretanto, pretenderam desenvolver as conquis‑
tas impressionistas, acrescentando‑lhes a representação do que há de irracional e espiritual no ser
humano. Mais uma vez o subjetivo e o enigmático entram em cena: começa a fase dos simbolistas.
No dizer de seus adeptos, simbolismo seria a arte baseada na representação das imagens do
mundo das ideias.
Eles propõem uma expressão, na pintura, que corresponda à usada na linguagem, ou seja, livre para
misturar o concreto e o abstrato, o material e o ideal dentro de um todo único. Para os simbolistas, defi‑
nir de forma absoluta o objeto é destruir o prazer do conhecimento gradativo e intuitivo de sua verda‑
deira natureza. As coisas devem, portanto, ser apresentadas não através de uma nomeação direta e
definitiva, mas por meio de símbolos. Pois o símbolo é, em si mesmo, inesgotável.”
n Arte nos séculos. São Paulo: Abril Cultural, 1971. Fascículo 83.
Reprodução/Museu Van Gogh, Amsterdã, Holanda.

Vincent van Gogh não se preocupava em usar as cores de modo convencional; ao contrário, ele as escolhia de acordo com as
emoções que queria transmitir. Em Trigal com corvos (1890), uma de suas últimas telas, aves sinistras planam sob um céu
turbulento e ameaçador. Observe o colorido vibrante e as fortes pinceladas, que dão movimento à cena e intensificam a
atmosfera dramática. Dias depois de concluí-la, Van Gogh suicidou-se com um tiro no peito.

FilmoTEcA
Divulgação/Arquivo da editora

Van Gogh (1991). Direção: Maurice Pialat. Com Jacques Dutronc e Alexandra London.
O filme se prende aos últimos dias de vida do grande pintor, deixando de lado propositalmen‑
te sua biografia. Pela tela desfilam eventos, impressões e imagens avulsas, cuja finalidade é retratar
Van Gogh de maneira realista.
Van Gogh: vida e obra de um gênio (Vincent & Theo) (1990). Direção: Robert Altman. Com Tim
Roth, Paul Rhys e Adrian Brine.
A partir das cartas escritas por Van Gogh a seu irmão Theo, Altman reconstitui passagens signifi‑
cativas da vida do pintor, com grande apuro estético. O filme retrata com propriedade as crises de
angústia vividas pelo gênio que pintou 80 telas em seus últimos cinco anos de vida.

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os EsTilos dE éPocA dA REvolução indusTRiAl à PRimEiRA GuERRA:o simbolismo cAPÍTulo 8

A PinTuRA

Reprodução/Museu Nacional Gustave Moreau, Paris, França.


Os temas bíblicos e mitológicos são uma constante na pintura
simbolista. A tela ao lado retrata Salomé tatuada dançando
diante de Herodes, num templo tenuamente iluminado. A figura
de Salomé, com toda sua carga simbólica, foi tema recorrente
na obra de Gustave Moreau. O crítico Alastair Mackintosh, no
livro O Simbolismo e o Art Nouveau (Rio de Janeiro: Editorial
Labor do Brasil, [s.d.]), afirma que a personagem bíblica
tornara-se o “símbolo central da época simbolista. Ao mesmo
tempo perversa e inocente, exótica e sensual, sedutora mas
perigosa, ela exemplificava a visão simbolista de mulher,
distinta da visão que se tinha tornado um clichê literário na
poesia romântica”.

A EsculTuRA
Gian Berto Vanni/Corbis/Latinstock

The Bridgeman Art Library/Keystone

imPREssionisTAs

Procure conhecer as obras de


alguns impressionistas para enten‑
der por que esse movimento artís‑
tico constituiu uma mudança na
forma de representar a realidade:
manchas imprecisas de cores bási‑
cas sobrepostas podem sugerir
uma impressão efêmera, uma vez
que nada é eterno, tudo se trans‑
forma continuamente. Procure em
livros ou pesquise na internet obras
de Monet, Degas, Renoir, Van
Gogh, Cézanne, Sisley, entre outros.

Auguste Rodin (1840-1917) foi o revolucionário escultor da virada do século XIX para o
século XX, estabelecendo uma nova linguagem. Numa época em que prevaleciam as
descrições realistas e a fotografia se desenvolvia rapidamente, Rodin cria figuras que
emergem da pedra ou do barro, ora com detalhes impressionantes, ora com formas • Essa escultura de Auguste
apenas sugeridas. Em 1880, a convite, iniciou a sua A porta do inferno (acima, à direita), Rodin causa algum desconforto
inspirada na Divina comédia, de Dante Alighieri; esse projeto se alongou por mais de
ou estranhamento no observa‑
vinte anos e deixou obras como O pensador, Ugolino e seus filhos, O beijo, A sombra
e A grande sombra (acima, à esquerda), Paolo e Francesca. As figuras de Rodin – ao dor? Explique sua resposta.
contrário das figuras renascentistas, de gestos largos, expansivos, “para fora” –
são introspectivas, angustiadas, com gestos “para dentro”.

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PARTE 3 TExTos, ARTE E culTuRA

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///////////////
O MUNDO FORA DOS EIXOS
///////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

O Simbolismo reflete um momento histórico extremamente complexo, marcando a transição para o sécu‑
lo XX e a definição de um novo mundo, que se consolidaria a partir da segunda década desse século; basta
lembrar que as últimas manifestações simbolistas e as primeiras produções das vanguardas modernistas são
contemporâneas da Primeira Guerra Mundial e da Revolução Russa.
Nas duas últimas décadas do século XIX, já se percebe, em boa parte dos autores realistas, uma postura de
desilusão e mesmo de frustração em consequência das infrutíferas tentativas de transformar a sociedade bur‑
guesa industrial. O crítico Alfredo Bosi sintetiza esse clima:

“Do âmago da inteligência europeia surge uma oposição vigorosa ao triunfo da coisa e do
fato sobre o sujeito – aquele sujeito a quem o otimismo do século prometera o paraíso mas não
dera senão um purgatório de contrastes e frustrações.”
n História concisa da literatura brasileira. 36. ed. São Paulo: Cultrix, 1999. p. 264.

Portugal oferece vários e significativos exemplos. Um deles é o de Antero de Quental, que, em meio a pro‑
fundas crises existenciais, acabou por se suicidar. Curiosa também foi a trajetória da sociedade Vencidos da Vida,
formada por antigos militantes do Realismo (Eça de Queirós, Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro, Oliveira
Martins) que se reuniam frequentemente em jantares. Esses
intelectuais, antes defensores dos ideais realistas, defendem

Keystone/Mast Collection
agora (1888‑1889) a família, a propriedade, a Monarquia e um
nacionalismo ufanista.
O artista, oprimido pelo mundo material, vê‑se abalado
em meio a crises existenciais. Impotente para modificar o
mundo exterior, a tendência natural é negá‑lo e voltar‑se
para uma realidade subjetiva; as tendências espiritualistas
renascem; o subconsciente e o inconsciente são valorizados,
segundo a lição freudiana.
Na Europa, as origens do Simbolismo devem ser busca‑
das na França, com a publicação de As flores do mal, de
Baudelaire, em 1857. A denominação foi usada pela primeira
vez por Jean Moréas, em 1886, em seu manifesto literário no
Figaro Littéraire, quando afirmou:
Museu de Belas Artes, Boston.

“Inimiga do ensinamento, da
declamação, da falsa sensibilidade,
da descrição objetiva, a poesia sim‑
bolista procura vestir a Ideia duma
forma sensível.”

Três grandes poetas franceses produziram


o que a Europa conheceu de melhor na estética
simbolista: Stéphane Mallarmé, Paul Verlaine,
Arthur Rimbaud.

n No restaurante La Mie, de Toulouse‑Lautrec.

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os EsTilos dE éPocA dA REvolução indusTRiAl à PRimEiRA GuERRA:o simbolismo cAPÍTulo 8

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AS INFLUÊNCIAS
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Sigmund Freud (1856‑1939)


Hans Casparius/Hulton
Archive/Getty Images

Sigmund Freud é considerado o “pai” da Psicanálise, método de investigação que


consiste essencialmente em evidenciar o significado inconsciente das palavras, das ações,
das produções imaginárias (sonhos, fantasias, delírios) de um sujeito.
Freud confessava que “em nenhum momento sentia uma inclinação especial pela
carreira de médico... e era movido, antes, por uma espécie de curiosidade dirigida para o
gênero humano do que para os objetos naturais”.

Charles Baudelaire (1821‑1867)


Charles Baudelaire, descendente direto do romantismo mal do século, apresenta uma
Etienne Carjat/Getty Images

nova visão subjetiva do mundo. Segundo Manuel Bandeira, “sua poética se caracteriza pela
inteligência crítica do destino humano e do seu próprio destino, pelo sentimento agudo da
vida moderna, da vida de Paris de seu tempo”.
Em 1857 publica As flores do mal, o que lhe valeu um processo pelo delito de ultraje à
moral pública; condenado, teve de pagar uma multa e retirar seis poemas do livro,
considerados imorais.
Para o poeta francês Paul Valéry: “Não há nelas [As flores do mal] nenhum discurso
filosófico. A política está ausente por completo. As descrições, escassas, são sempre densas de
significado. Mas no livro tudo é fascinação, música, sensualidade abstrata e poderosa”.

biblioTEcA
Editora 34

As flores do mal, de Charles Baudelaire.


Há algumas edições nacionais disponíveis. No caso de poetas que realizam um especialíssimo
trabalho com a linguagem (como Baudelaire e os simbolistas franceses), é fundamental atentar para
o trabalho de tradução.
Na internet, vários sites disponibilizam poemas de Baudelaire.
Flores das Flores do mal de Baudelaire.
Neste livro, o poeta Guilherme de Almeida selecionou os 21 poemas que ele considerava os
melhores ("as flores") de As flores do mal, de Baudelaire. Conta ainda com notas de Guilherme de
Almeida, comentando o trabalho de recriação dos poemas.

////////////////////////////
SIMBOLISMO, A ARTE DA SUGESTÃO
///////////
////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////

As características
O simbolismo começa por repudiar o realismo e suas manifestações. De fato, a nova estética rejeita o
cientificismo, o materialismo e o racionalismo, valorizando, em contrapartida, as manifestações metafísicas e
espirituais, o que equivale a dizer que ela corresponde à negação do naturalismo e do parnasianismo.
A realidade objetiva não interessa mais; o homem volta‑se para uma realidade subjetiva, retomando um
aspecto abandonado desde o romantismo. O eu passa a ser o universo, mas não o eu superficial, sentimentaloide
e piegas do romantismo: os simbolistas buscam a essência do ser humano, aquilo que ele tem de mais profundo
e universal – a alma. Daí a sublimação: a oposição entre matéria e espírito, a purificação, por meio da qual o espí‑
rito atinge as regiões etéreas, o espaço infinito. Em última análise, trata‑se de uma oposição entre corpo e alma
em que a alma só se liberta quando se rompem as correntes que a aprisionam ao corpo, ou seja, com a morte:
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PARTE 3 TExTos, ARTE E culTuRA

Cárcere das almas


Ah! Toda a alma num cárcere anda presa, Ó almas presas, mudas e fechadas
Soluçando nas trevas, entre as grades Nas prisões colossais e abandonadas,
Do calabouço olhando imensidades, Da Dor no calabouço, atroz, funéreo!
Mares, estrelas, tardes, natureza.
Nesses silêncios solitários, graves,
Tudo se veste de uma igual grandeza Que chaveiro do Céu possui as chaves
Quando a alma entre grilhões as liberdades Para abrir‑vos as portas do Mistério?!
Sonha e, sonhando, as imortalidades n CRUZ E SOUSA. Obra poética.
Rio de Janeiro: José Aguilar, 1961.
Rasga no etéreo Espaço da Pureza.

Em consequência desse subjetivismo, dessa valorização do inconsciente e do subconsciente, dos estados


d’alma, da busca do vago, do diáfano, do sonho e da loucura, o simbolismo desenvolve uma linguagem carrega‑
da de símbolos (o trópos, isto é, o “desvio”, a mudança de significado de uma palavra ou expressão), em clara
oposição a uma linguagem literária mais seca e impessoal.
No simbolismo, tudo é sugestão. “Sugerir, eis o sonho” era a palavra de ordem do poeta simbolista francês
Stéphane Mallarmé (1842‑1898). As palavras transcendem o significado, ao mesmo tempo que apelam para a
totalidade da nossa percepção, ou seja, para todos os sentidos.
A musicalidade é uma das características mais destacadas da estética simbolista, segundo o ensinamento
de um de seus mestres franceses, Paul Verlaine, que no poema intitulado “Art poétique” afirmou: “De la musique
avant toute chose...” (“A música acima de tudo...”).

O Simbolismo em Portugal
Considera‑se que, em Portugal e no Brasil, o Simbolismo tenha sido uma estética importada da França;
argumenta‑se que os países mais afastados da luta imediata pelos mercados consumidores ou fornecedores de
matéria‑prima, não sentindo na própria pele a aproximação de um grande conflito, não apresentavam o clima
ideal para o desenvolvimento dessa escola. Verdade é que Portugal vive a luta imperialista na África, com graves
consequências: 1890 é o ano do Ultimato Inglês, que mergulhou a sociedade portuguesa num clima de frustração
e pessimismo (isso sem contar a violenta crise econômica dos anos de 1890‑1891 e o consequente descrédito do
governo monarquista). Essa situação vem alimentar um saudosismo nacionalista e uma mentalidade colonialista.
Desde a repercussão de As flores do mal, de Baudelaire, jovens poetas portugueses passam a seguir tendências
decadentistas, pré‑simbolistas. Em 1889, no agitado ambiente de Coimbra, duas revistas acadêmicas, com sugestivos
nomes, apontam para a estética simbolista: Os Insubmissos (apresentando um poema de Eugênio de Castro) e
Boêmia Nova. No ano seguinte, 1890, Eugênio de Castro publica, em Paris, o livro Oaristos, cujo prefácio constitui um
verdadeiro programa da estética simbolista, passando a ser considerado o marco inicial do Simbolismo em Portugal.
Em 1915, ainda sob o impacto da proclamação da República, no campo interno, do início da Primeira Guerra
Mundial e dos movimentos de vanguarda, no campo externo, é publicado o primeiro número da revista Orpheu,
inaugurando o Modernismo em Portugal.

Eugênio de Castro: a tentativa de conciliar teoria e prática

Eugênio de Castro (1869‑1944)


Acervo Iconographia/
Reminiscências

Eugênio de Castro e Almeida nasceu, estudou e, formado, lecionou em Coimbra, na


Faculdade de Letras. Conceituado na Europa (foi membro da Royal Academia da Bélgica),
introduziu o Simbolismo em Portugal. Após 1910, abandonou os princípios simbolistas e
voltou‑se a uma poesia neoclássica marcada pelo nacionalismo.

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os EsTilos dE éPocA dA REvolução indusTRiAl à PRimEiRA GuERRA:o simbolismo cAPÍTulo 8

Lendo o texto

Oaristos
Poema XI (fragmentos)
Um sonho
Na messe1, que enlourece, estremece Esmaiece9 na messe o rumor da quermesse...
[a quermesse... – Não ouves este ai que esmaiece e esmorece?
O sol, o celestial girassol, esmorece... É um noivo a quem fugiu a Flor de olhos amenos,
E as cantilenas2 de serenos sons amenos E chora a sua morta, absorto, à flor dos fenos...
Fogem fluidas, fluindo à fina flor dos fenos... [...]

As estrelas em seus halos3 Três da manhã. Desperto incerto... E essa


Brilham com brilhos sinistros... [quermesse?
Cornamusas4 e crotalos5, E a Flor que sonho? e o sonho? Ah! tudo isso
Cítolas6, cítaras, sistros7, [esmorece!
Soam suaves, sonolentos, No meu quarto uma luz, luz com lumes amenos,
Sonolentos e suaves, Chora o vento lá fora, à flor dos flóreos fenos...
Em suaves, n CASTRO, Eugênio de. In: TORRES, Alexandre Pinheiro.
Antologia da poesia portuguesa. Porto:
Suaves, lentos lamentos Lello & Irmão, 1977. p. 1357‑1358. v. 2.
De acentos
Graves,
Suaves.

Flor! enquanto na messe estremece a quermesse 1 messe: plantação em época de colheita.


E o sol, o celestial girassol esmorece, 2 cantilena: cantiga suave.

Deixemos estes sons tão serenos e amenos, 3 halo: coroa luminosa; disco luminoso que envolve alguns

Fujamos, Flor! à flor destes floridos fenos... astros (principalmente as estrelas e a Lua).
4 cornamusa: gaita de fole.
[...] 5 crotalo: antigo instrumento musical, semelhante a castanholas
(os dicionários registram apenas a forma proparoxítona
Como aqui se está bem! Além freme8 a quermesse... crótalo).
– Não sentes um gemer dolente que esmorece? 6 cítola: o mesmo que cítara, instrumento musical de cordas.
7 sistro: antigo instrumento de percussão.
São os amantes delirantes que em amenos
8 freme: do verbo fremir, “soar ruidosamente, retumbar”.
Beijos se beijam, Flor! à flor dos frescos fenos... 9 esmaiece: mesmo que esmaece, do verbo esmaecer, “perder a
[...] cor, desmaiar”.

1. No poema de Eugênio de Castro percebe‑se a musicalidade e o mundo transcendental. Como essas


duas características se manifestam no texto?

2. O eu poético emprega advérbios para situar campos diversos: “Como aqui se está bem! Além freme
a quermesse...”. Quais são esses campos?

3. Segundo os biógrafos de Eugênio de Castro, a paixão fatal e o amor não correspondido que
predominam nos poemas de Oaristos (“diálogos íntimos entre esposos ou amantes”) refletem
a paixão do poeta por Helena Bordalo Pinheiro. Transcreva versos em que se percebe o amor
não correspondido.

4. Quais as principais características das duas primeiras estrofes? Dê exemplos retirados do texto.

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PARTE 3 TExTos, ARTE E culTuRA

ando
oc
tr

ideias
Em pequenos grupos, leiam atentamente os fragmentos do prefácio de Oaristos (Oaristos
significa diálogos íntimos entre amantes), mais uma vez com a postura de um historiador e
crítico da literatura que se debruça sobre documentos e obras.
Depois, busquem, nas passagens transcritas, algumas das características da nova estética
introduzida por Eugênio de Castro.

Oaristos
Prefácio da primeira edição
(1890)

[...] Com duas ou três luminosas exceções, a Poesia portuguesa contemporânea assenta sobre
algumas dezenas de coçados e esmaiados lugares‑comuns.
Tais são: olhos cor do céu, olhos comparados a estrelas, lábios de rosa, cabelos de ouro e de sol,
crianças tímidas, tímidas gazelas, brancura de luar e de neve, etc.
No tocante a rimas, uma pobreza franciscana: lábios rimando sempre com sábios, pérolas com
cérulas, sol com rouxinol, caminhos com ninhos, etc.
No tocante a vocabulário, uma não menos franciscana pobreza.
Os Oaristos são as primícias dessa nova maneira do Poeta.
Registrando:
Este livro é o primeiro que em Portugal aparece defendendo a liberdade do Ritmo contra os
dogmáticos e estultos decretos dos velhos prosodistas. Introduz‑se o desconhecido processo da alite-
ração. Ao contrário do que por aí se faz, ornaram‑se os versos de rimas raras, rutilantes.
O vocabulário dos Oaristos é escolhido e variado. Algumas palavras menos vulgares darão cer‑
tamente lugar aos comentários cáusticos da crítica. O Poeta empregou esses raros vocábulos: em
primeiro lugar, porque às fastidiosas perífrases prefere o termo preciso; em segundo lugar, porque
pensa, como Baudelaire, que as palavras, independentemente da ideia que representam, têm a sua
beleza própria. Assim: gomil é mais belo que jarro, cerusa mais belo que alvaiade, etc.;
Tais são, sumariamente, as capitais inovações que este livro apresenta.
n CASTRO, Eugênio de. Disponível em: <http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/ecastro.htm>.
Acesso em: 28 fev. 2011.

Camilo Pessanha: a mais pura expressão do Simbolismo português

Camilo Pessanha (1867‑1926)


Reprodução/Unicamp

Camilo de Almeida Pessanha produziu a melhor poesia simbolista de


Portugal. Após se formar em Coimbra, vai para Macau (então colônia
portuguesa encravada na China), onde vive em companhia de uma chinesa
e enfrenta vários problemas de saúde física e mental (ao que tudo indica,
ambos eram viciados em ópio). Seu único livro publicado levou o título de
Clepsidra (“relógio de água”), e seus poemas refletem profunda melancolia e
busca da transcendência: “Tenho sonhos cruéis; n’alma doente / sinto um
vago receio prematuro. / Vou a medo na aresta do futuro / embebido em
saudades do presente...”

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os EsTilos dE éPocA dA REvolução indusTRiAl à PRimEiRA GuERRA:o simbolismo cAPÍTulo 8

Lendo o texto

Ao longe os barcos de flores


Só, incessante, um som de flauta chora, E a orquestra? E os beijos? Tudo a noite, fora,
Viúva, grácil1, na escuridão tranquila, Cauta4, detém. Só modulada5 trila
– Perdida voz que de entre as mais se exila, A flauta flébil6... Quem há‑de remi‑la7?
– Festões2 de som dissimulando a hora. Quem sabe a dor que sem razão deplora8?
Na orgia, ao longe, que em clarões cintila Só, incessante, um som de flauta chora.
E os lábios, branca, do carmim3 desflora... n PESSANHA, Camilo. Clepsidra. 6. ed. Lisboa: Ática, 1983.
Só, incessante, um som de flauta chora,
Viúva, grácil, na escuridão tranquila.
Vera Basile/Arquivo da editora

1 grácil: delgada, delicada, fina, sutil. 5 modulada: melodiosa, harmoniosa.


2 festões: ramalhetes de flores, grinaldas. 6 flébil: lastimosa, lacrimosa, débil.
3 carmim: vermelho muito vivo. 7 remi-la: tirá‑la do cativeiro, livrá‑la dos sofrimentos.
4 cauta: cautelosa. 8 deplora: lastima, chora.

1. Considerando que aliteração é uma figura de linguagem que consiste na repetição de fonemas para
sugerir um som, transcreva um verso em que esse recurso é utilizado.

2. Rima rica é a rima obtida pela combinação de palavras de classes gramaticais diferentes ou por uma
combinação muito especial. Transcreva um exemplo do segundo caso.

3. O poema centra‑se numa oposição. Comente‑a.


4. Podemos afirmar que o poema de Camilo Pessanha tem uma subida de tom até atingir um clímax?
Comente.

5. A musicalidade é tema e recurso poético. É muito provável, no entanto, que provoque distintas emo‑
ções nos leitores. Considerando que o Dicionário Aurélio define emoção como “perturbação ou
variação do espírito advinda de situações diversas, e que se manifesta como alegria, tristeza, raiva,
etc.”, que tipo de emoção cada um dos textos provoca em você?

O Simbolismo no Brasil
No Brasil, duas publicações de 1893, ambas de Cruz e Sousa, são consideradas o
Reprodução/Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, RJ.

marco inicial da estética simbolista: Missal, com seus textos em prosa, e Broquéis, com seus
poemas. O Simbolismo estende‑se até o ano de 1922, data da Semana de Arte Moderna.
O início do Simbolismo não pode, no entanto, ser identificado com o término da
escola antecedente, o Realismo. Na realidade, no final do século XIX e início do século XX
três tendências caminhavam paralelamente: o Realismo e suas manifestações (roman‑
ce realista, romance naturalista e poesia parnasiana); o Simbolismo, situado à margem
da literatura acadêmica da época; e o Pré‑Modernismo, com o aparecimento de alguns
autores preocupados em denunciar a realidade brasileira, como Euclides da Cunha, Lima
Barreto e Monteiro Lobato, entre outros.

n Capa de Broquéis, que marcou o início do Simbolismo no Brasil.


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PARTE 3 TExTos, ARTE E culTuRA

REALISMO
SEMANA DE
ROMANTISMO NATURALISMO/
ARTE MODERNA
PARNASIANISMO
1836
1922
1881
SIMBOLISMO

1893
PRÉ-MODERNISMO

1902
Reprodução/Museu Nacional de Belas Artes – Iphan/Minc, Rio de Janeiro, RJ.

Museu de Belas Artes de Santiago do Chile/Associação Culturalo Eliseu Visconti.


Eliseu d’Angelo Visconti (Itália, 1866-RJ, 1944) é considerado por muitos críticos o melhor pintor da virada
do século produzindo no Brasil, criando telas de inspiração impressionista e os raros trabalhos de inspiração
simbolista. Neste último caso, enquadram-se as telas Gioventù, de 1898, e Sonho místico, de 1897.

Cruz e Sousa: linguagem e musicalidade num mundo transcendental

Cruz e Sousa (1861‑1898)


Reprodução/Arquivo da editora

João da Cruz era filho de escravos na Ilha do Desterro (atual Florianópolis); o


próprio poeta, ao nascer, sustentava a condição de escravo. O sobrenome Sousa foi
herdado do proprietário de seus pais, que alforriou toda a família após a Guerra do
Paraguai. Sua vida pessoal foi muito trágica: casou‑se com Gavita, que também
fora escrava; o casal teve quatro filhos, todos falecidos prematuramente; Gavita
enlouqueceu e passou um longo tempo internada; por seus escritos abolicionistas,
Cruz e Sousa sofreu perseguições; o poeta, tuberculoso, morreu aos 37 anos,
absolutamente abandonado.

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os EsTilos dE éPocA dA REvolução indusTRiAl à PRimEiRA GuERRA:o simbolismo cAPÍTulo 8

Lendo o texto

Antífona

Ó Formas alvas, brancas, Formas claras Desejos, vibrações, ânsias, alentos,


De luares, de neves, de neblinas!... Fulvas17 vitórias, triunfamentos acres,
Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas... Os mais estranhos estremecimentos...
Incensos dos turíbulos1 das aras2...
Flores negras do tédio e flores vagas
Formas do Amor, constelarmente puras, De amores vãos, tantálicos18, doentios...
De Virgens e Santas vaporosas... Fundas vermelhidões de velhas chagas
Brilhos errantes, mádidas3 frescuras Em sangue, abertas, escorrendo em rios...
E dolências4 de lírios e de rosas...
Tudo! vivo e nervoso e quente e forte,
Indefiníveis músicas supremas, Nos turbilhões19 quiméricos do Sonho,
Harmonias da Cor e do Perfume... Passe, cantando, ante o perfil medonho
Horas do Ocaso, trêmulas, extremas, E o tropel cabalístico20 da Morte...
Réquiem5 do Sol que a Dor da Luz resume... n CRUZ E SOUSA. Cruz e Sousa: obra completa.
Rio de Janeiro: José Aguilar, 1961. p. 69.
Visões, salmos e cânticos serenos,
Surdinas6 de órgãos flébeis7, soluçantes... 1 turíbulo: vaso onde se queima incenso.

Dormências de volúpicos8 venenos 2 ara: pedra de altar, o próprio altar.

Sutis e suaves, mórbidos, radiantes... 3 mádida: úmida, molhada pelo orvalho.

4 dolência: mágoa, lástima, lamento, dor.

Infinitos espíritos dispersos, 5 réquiem: descanso, repouso; parte do ofício fúnebre; música desse

Inefáveis9, edênicos10, aéreos, ofício.


6 surdina: pequena peça que se adapta a um instrumento para
Fecundai o Mistério destes versos
abafar a sonoridade ou alterar o timbre.
Com a chama ideal de todos os mistérios. 7 flébil: choroso, lacrimoso.

8 volúpico: o mesmo que voluptuoso; neologismo criado pelo autor.


Do Sonho as mais azuis diafaneidades11
9 inefável: encantador; que não se pode exprimir por palavras.
Que fuljam12, que na Estrofe se levantem 10 edênico: relativo a Éden, paradisíaco.
E as emoções, todas as castidades 11 diafaneidade: qualidade do que é diáfano, isto é, translúcido,
Da alma do Verso, pelos versos cantem. transparente.
12 fulgir: resplandecer, sobressair, ter fulgor.
Que o pólen de ouro dos mais finos astros 13 alabastro: rocha branca e translúcida.
Fecunde e inflame a rima clara e ardente... 14 eflúvio: emanação invisível, exalação.

Que brilhe a correção dos alabastros13 15 Éter: o espaço celeste.

16 álacre: alegre, jovial.


Sonoramente, luminosamente.
17 fulva: amarelada, dourada.

Forças originais, essência, graça 18 tantálico: relativo a Tântalo, figura lendária condenada pelos

De carnes de mulher, delicadezas... deuses a jamais alcançar a água e os alimentos, os quais se


afastavam à medida que ele se aproximava; por extensão,
Todo esse eflúvio14 que por ondas passa desejado e inacessível.
Do Éter15 nas róseas e áureas correntezas 19 turbilhão: remoinho de vento; aquilo que impele violentamente.

Cristais diluídos de clarões álacres16, 20 cabalístico: misterioso; místico; secreto.

Antífona é o versículo recitado ou cantado antes ou depois de um salmo. De maneira significativa, é


a poesia que abre o livro Broquéis (versos cantados antes da obra) transformando‑se numa espécie de
síntese da poética de Cruz e Sousa.
Neste poema percebem‑se várias características da construção de suas poesias e seus temas predi‑
letos. As questões que seguem pretendem destacar essas características e esses temas.

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PARTE 3 TExTos, ARTE E culTuRA

1. Transcreva passagens do texto que exemplifiquem a fixação do poeta pelo branco.


2. Há referências, embora leves, à questão sexual. Localize‑as e comente a visão do poeta.
3. “... Mistério... mistérios...” (quinta estrofe); “... Verso... versos...” (sexta estrofe). Comente o uso
das maiúsculas.

4. Sinestesia é uma figura muito comum na poética simbolista. Sinestesia, literalmente, significa
“mistura de sensações”; consiste numa relação subjetiva que apela a mais de um de nossos sentidos,
como: “Tem cheiro a luz, a manhã nasce... / Oh sonora audição colorida do aroma!” (Alphonsus de
Guimaraens), em que o poeta apela à audição, à visão e ao olfato. Ou: “Corre por toda ela um suor
de pedrarias, / um murmúrio de cores” (Eugênio de Castro), em que se fundem as sensações tátil,
auditiva e visual.
Aponte, no poema “Antífona”, versos em que ocorre sinestesia.

5. Aliteração é uma figura que consiste na repetição de fonemas para sugerir um som. Difere da ono‑
matopeia uma vez que esta imita o som; a aliteração é sugestão: “Toda gente homenageia Januária
na janela / até o mar faz maré cheia para chegar mais perto dela.” (Chico Buarque); “Vozes veladas,
veludosas vozes, / volúpias dos violões, vozes veladas, / vagam nos velhos vórtices vorazes / Dos
ventos, vivas, vãs, vulcanizadas...” (Cruz e Sousa).
Transcreva uma passagem caracterizada pela aliteração.

6. Polissíndeto é uma figura de sintaxe caracterizada pela repetição de conjunções, notadamente da


conjunção aditiva. Transcreva um verso caracterizado por essa figura.

7. Quanto à forma:
a) Qual é a métrica empregada por Cruz e Sousa? Escolha um verso e faça a escansão (divisão das
sílabas poéticas).
b) Qual é o esquema de rima?

8. Quanto à linguagem:
a) Transcreva palavras ou expressões que remetam à noção de música, som.
b) Transcreva palavras ou expressões que remetam a um mundo transcendental, etéreo, diáfano.

9. Como já afirmamos, “Antífona” apresenta temas recorrentes na obra de Cruz e Sousa. Tomando por
base a última estrofe, destaque alguns desses temas.

Texto e Intertexto
Música da morte
A Música da morte, a nebulosa, E alucinando e em trevas delirando,
estranha, imensa música sombria, como um ópio letal2, vertiginando,
passa a tremer pela minh’alma e fria os meus nervos, letárgica3, fascina...
gela, fica a tremer, maravilhosa... n CRUZ E SOUSA. Obra poética.
Rio de Janeiro: José Aguilar, 1961.
Onda nervosa e atroz, onda nervosa,
Letes1 sinistro e torvo da agonia, 1 Letes: na mitologia grega, nome do rio que separa o mundo dos vivos
recresce a lancinante sinfonia, do mundo dos mortos: as almas que transpõem esse rio, esquecem‑se
sobe, numa volúpia dolorosa... do passado, perdem a memória da vida que viveram. Esse substantivo
vem do grego lethe, que significa "esquecimento".
2 letal: mortal.
Sobe, recresce, tumultuando e amarga,
3 letárgica: deriva do mesmo lethe grego; letárgica é um profundo
tremenda, absurda, imponderada e larga, estado de inconsciência, do sono profundo; o adjetivo letárgico é
de pavores e trevas alucina... relativo a esse estado mórbido.

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os EsTilos dE éPocA dA REvolução indusTRiAl à PRimEiRA GuERRA:o simbolismo cAPÍTulo 8

Acrobata da dor

Vera Basile/Arquivo da editora


Gargalha, ri, num riso de tormenta,
Como um palhaço, que desengonçado,
Nervoso, ri, num riso absurdo, inflado
De uma ironia e de uma dor violenta.

Da gargalhada atroz, sanguinolenta,


Agita os guizos1, e convulsionado
Salta, gavroche2, salta clown3, varado
Pelo estertor4 dessa agonia lenta... 1 guizo: pequenas esferas de metal, ocas e com pequenos orifícios, com bolinhas
em seu interior, que, agitadas, produzem som metálico.
2 gavroche: personagem do romance Os miseráveis, de Victor Hugo; Gavroche é
Pedem‑te bis e um bis não se despreza!
um menino das ruas parisienses que luta e morre pela revolução popular.
Vamos! retesa os músculos, retesa Empregado como substantivo comum ou adjetivo, faz referência àquele que
Nessas macabras piruetas d’aço... vive miseravelmente e luta contra forças poderosas até ser inapelavelmente
abatido.
E embora caias sobre o chão, fremente, 3 clown: ator cômico que usa maquiagem e trajes bizarros, divertindo o público;
palhaço (originariamente do circo, o clown ganhou os palcos de teatro e, mais
Afogado em teu sangue estuoso5 e quente tarde, as telas de cinemas; Carlitos, o vagabundo criado por Charles Chaplin, é
Ri! Coração, tristíssimo palhaço. exemplo de clown).
4 estertor: respiração ruidosa de pacientes terminais.
n CRUZ E SOUSA. Cruz e Sousa: obra completa.
Rio de Janeiro: José Aguilar, 1961. p. 92. 5 estuoso: que jorra fortemente, febril, ardente.

Sobre "Música da morte", responda:

1. Quais são a métrica e o esquema de rima utilizados pelo poeta?


2. Você diria que esse poema tem algum ponto em comum com o parnasianismo? Em caso afirmativo, qual?
3. Considerando apenas os dois primeiros versos, comente alguns recursos explorados na poesia.
4. Considere, agora, todo o poema e analise os recursos explorados pelo poeta.
5. Indique a passagem em que o poeta nos indica o “desenlace”, a Morte.
Sobre "Acrobata da dor":

6. Os poemas do Simbolismo refletem o fluir de imagens do inconsciente, são extremamente subjetivos, mas
revelam, todavia, apurado trabalho formal, aproximando‑se, nesse aspecto, dos poemas parnasianos. Isso
pode ser comprovado no poema acima? Justifique.

7. Lendo em voz alta o poema (de preferência diante de um espelho), perceberemos um intenso movimento
dos lábios e da língua. A que se deve isso?

8. A poesia simbolista, assim como a romântica, trabalha fundamentalmente com as relações de semelhança
(comparações, metáforas). Qual relação serve de sustentação a este poema?

Sobre os dois poemas:

9. Nos dois textos, a sonoridade é tema e recurso poético. É muito provável, no entanto, que provoquem dis‑
tintas emoções nos leitores. Considerando que o Dicionário Aurélio define emoção como “perturbação ou
variação do espírito advinda de situações diversas, e que se manifesta como alegria, tristeza, raiva, etc.”, que
tipo de emoção cada um dos textos provoca em você?

10. Ainda sobre a musicalidade dos textos:


A “sinfonia” que caracteriza os poemas de Cruz e Sousa apresenta um crescimento que atinge um clí‑
max, para depois morrer suavemente. Você apontaria a estrofe em que esse clímax é atingido em cada
um dos poemas?
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PARTE 3 TExTos, ARTE E culTuRA

Misticismo, amor e morte na poesia de Alphonsus de Guimaraens

Alphonsus de Guimaraens (1870‑1921)


Afonso Henriques da Costa Guimarães, o poeta simbolista Alphonsus de Guimaraens,

Acervo Iconographia/Reminiscências
teve sua vida marcada pela morte prematura da noiva, Constança. Esse amor irrealizado,
bem como um forte misticismo religioso, está presente em toda sua obra. O poeta
mineiro viveu os últimos anos isolado na cidade de Mariana, em Minas Gerais.
Misticismo, amor e morte – eis o triângulo que caracteriza a obra de Alphonsus de
Guimaraens. O amor pela noiva, Constança, morta às vésperas do casamento, e sua
profunda religiosidade e devoção pela Virgem geraram um misticismo que beira o
exagero – por isso é comum a crítica literária considerá‑lo o poeta mais místico de nossa
literatura. A morte aparece como o único meio de atingir a sublimação e de aproximá‑lo
de Constança e da Virgem; daí o Amor aparecer sempre espiritualizado. A própria decisão
de se isolar na cidade de Mariana (MG), sua “torre de marfim”, é uma postura simbolista.
Ao lado dessas características, destacam‑se ainda a linguagem de sugestão, o uso de aliterações e uma tendência à
autocompaixão.
O livro Setenário das dores de Nossa Senhora atesta o misticismo do poeta mineiro e sua devoção: são 49 sonetos divididos
em sete grupos de sete sonetos cada, sendo cada um dos grupos dedicados a uma das sete dores de Nossa Senhora.

Lendo os textos

Ismália

Vera Basile/Arquivo da editora


Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs‑se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu, E como um anjo pendeu
Viu outra lua no mar. As asas para voar...
Queria a lua do céu,
No sonho em que se perdeu,
Queria a lua do mar...
Banhou‑se toda em luar...
Queria subir ao céu, As asas que Deus lhe deu
Queria descer ao mar... Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
E, no desvario seu,
Seu corpo desceu ao mar...
Na torre pôs‑se a cantar...
n GUIMARAENS, Alphonsus de. Disponível em:
Estava perto do céu, <www.releituras.com/alphonsus_ismalia.asp>.
Estava longe do mar... Acesso em: 28 jan. 2013.

1. Em todas as estrofes aparecem antíteses. Destaque‑as. Elas culminam na oposição mais represen‑
tativa. Qual é ela?

2. Como é tratada a loucura no texto? E o sonho? Qual é a relação entre eles?


3. Recordando o neoplatonismo: Platão concebia dois mundos – o mundo sensível em que habitamos
e o mundo inteligível, das ideias puras. Neste, encontramos as divinas essências, as verdades; no
mundo sensível, as realidades concretas são simples sombras ou reflexos das ideias puras. A cons‑
tante busca do ideal não é mais do que uma tentativa de ascensão do mundo sensível ao mundo
inteligível. A partir do século XV, percebe‑se uma tentativa de aproximar a filosofia platônica dos
princípios do cristianismo. Dessa forma, o mundo inteligível, as essências, as verdades corresponde‑
riam, segundo a tradição cristã, ao Céu e às criações divinas.
A partir do que foi dito acima, explique a última estrofe do poema.
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os EsTilos dE éPocA dA REvolução indusTRiAl à PRimEiRA GuERRA:o simbolismo cAPÍTulo 8

A catedral
Entre brumas ao longe surge a aurora, E o sino chora em lúgubres responsos:
O hialino1 orvalho aos poucos se evapora, “Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!”
Agoniza o arrebol2.
A catedral ebúrnea3 do meu sonho O céu é todo trevas: o vento uiva.
Aparece na paz do céu risonho Do relâmpago a cabeleira ruiva
Toda branca de sol. Vem açoitar o rosto meu.
A catedral ebúrnea do meu sonho
E o sino canta em lúgubres4 responsos5: Afunda‑se no caos do céu medonho.
“Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus! Como um astro que já morreu.

O astro glorioso segue a eterna estrada. E o sino geme em lúgubres responsos:


Uma áurea seta Ihe cintila em cada “Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!”
Refulgente raio de luz. n GUIMARAENS, Alphonsus de. Alphonsus de Guimaraens: poesia.
A catedral ebúrnea do meu sonho, Rio de Janeiro: Agir, 1963. p. 82.
Onde os meus olhos tão cansados ponho,
Recebe a bênção de Jesus. 1 hialino: que se assemelha a vidro; transparente; translúcido.
2 arrebol: a cor avermelhada do crepúsculo.

E o sino clama em lúgubres responsos: 3 ebúrnea: de marfim; que tem a aparência de marfim.
“Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!” 4 lúgubre: que evoca a morte, funéreo, sinistro.
5 responso: conjunto de palavras pronunciada ou cantadas nos
Por entre lírios e lilases desce ofícios da Igreja católica, alternadamente por uma ou mais
A tarde esquiva: amargurada prece vozes, de uma parte, e pelo coro, de outra parte.
Põe‑se a lua a rezar.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Aparece na paz do céu tristonho • Qual foi a intenção do artista ao pintar essas três telas?
Toda branca de luar.
Museu D' Orsay, Paris, França

nA catedral de Rouen, pintada por Claude Monet em 1894, sob o impacto da luz natural em três diferentes momentos.

1. Quais são as principais características do poema quanto à forma (rima, métrica, estrofação)?
2. Há no poema quatro instantes. Quais são? Justifique a resposta com elementos do texto.
3. Qual é a relação entre o eu poético e a mudança do cenário que o envolve?
4. Como a relação mencionada na questão anterior se manifesta no badalar do sino?

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PARTE 3 TExTos, ARTE E culTuRA

vElHos TEmAs, novAs lEiTuRAs

A MODERNIDADE, A MULTIDÃO E A LITERATURA


Como já vimos, os avanços tecnológicos da Segunda Revolução Industrial potencializaram a capacidade
produtiva do capitalismo industrial, dinamizaram os meios de transporte, trouxeram melhorias nas práticas
medicinais e de saúde pública; as cidades cresceram em tamanho e população, as práticas comerciais avul‑
taram, aumentou o consumo de mercadorias, a multidão e a velocidade tornaram‑se marcas das grandes
metrópoles. Isso não garantiu, no entanto, o fim das desigualdades; pelo contrário, o fator econômico passou
a ser determinante e excludente. A sociedade burguesa da segunda metade do século XIX, ao mesmo tempo
que viu surgirem benefícios e melhorias, conheceu, mais do que nunca, a exclusão e o privilégio.
Uma das principais obras a retratar essa situação é Folhas de relva, publicada em 1855 pelo estaduni‑
dense Walt Whitman (1819‑1892), que representa todas as mudanças pelas quais passavam os Estados
Unidos da época, dando voz aos excluídos e aos marginais, atentando às mudanças impostas ao cotidiano
pela modernidade:
Por mim passam muitas vozes mudas há muito tempo,
Vozes das intermináveis gerações de escravos,
Vozes de prostitutas e pessoas deformadas,
Vozes de doentes e desesperados e dos ladrões e anões,
Vozes dos ciclos de preparação e acreção,
E dos fios que conectam as estrelas – e do útero e do sêmen paterno,
E dos direitos dos que são oprimidos pelos outros,
Dos deformados e insignificantes e tontos e imbecis e desprezados,
Do fogo no ar e besouros rolando bolas de bosta.
Por mim passam vozes proibidas,
Vozes dos sexos e luxúrias... vozes veladas, e eu removo o véu,
Vozes indecentes esclarecidas e transformadas por mim.
n WHITMAN, Walt. Folhas de relva. Trad. e posfácio de Rodrigo Garcia Lopes. São Paulo: Iluminuras, 2007. p. 77.

Essa percepção de uma arte que precisava mudar para dar conta de toda a complexidade do mundo
surgido com a modernidade também se deu com outro importante poeta, o francês Charles Baudelaire
(1821‑1867). Em seu famoso ensaio O pintor da vida moderna, publicado no final de 1863, Baudelaire anali‑
sou a obra do gravurista Constantin Guys (1802‑1892) e identificou em suas imagens a capacidade de
entender a dialética entre a multidão e o indivíduo, o fluido e o constante, o fugaz e o eterno. De acordo
com o poeta, Guys era o perfeito flâuneur, um indivíduo capaz de flanar pela massa e se fundir ao todo,
mas sem perder a capacidade de entender o particular.
Quando, enfim, encontrei‑o, vi imediatamente que me defrontava não exatamente com um artis-
ta, mas, antes, com um homem do mundo. [...] Homem do mundo, isto é, homem do mundo inteiro,
homem que compreende o mundo e as razões misteriosas e legítimas de todos os seus usos; artista, isto
é, especialista, homem preso à sua palheta como o servo à sua gleba. O Sr. G. não gosta de ser chamado
de artista. Não tem ele um pouco de razão? Ele se interessa pelo mundo inteiro; quer saber, compreen‑
der, apreciar tudo o que se passa na superfície de nosso esferoide.
n BAUDELAIRE, Charles. O pintor da vida moderna. Trad. Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. (Coleção Mimo; 7). p. 22‑24.

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os EsTilos dE éPocA dA REvolução indusTRiAl à PRimEiRA GuERRA:o simbolismo cAPÍTulo 8

A concepção que Baudelaire faz de

Reprodução/Museu Metropolitano de Arte, Nova York, EUA.


Constantin Guys é reveladora; não se
trata de um artista, e sim de um homem
do mundo. Em outras palavras, o crítico
evidencia que a arte idealizada, até
então, não era capaz de representar o
mundo, de dar conta da diversidade e
abrangência da multidão, de sair de sua
torre de marfim e desbravar a sociedade
que a cercava. Essa era a principal neces‑
sidade para renovar a arte, o artista pre‑
cisava negar sua individualidade egoísta
e ir para a rua.
n Meeting in
the Park.
Reprodução/Constantin Guys

n Gravuras de Constantin Guys,


nas quais estão representados
elementos populares e burgueses.

n Dois soldados
e três mulheres.

Album/Les Arts Décoratifs, Paris/Akg-Images/Latinstock

n Coupé attelé
d’un cheval.

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PARTE 3 TExTos, ARTE E culTuRA

No Brasil, muito provavelmente, o exemplo mais bem‑acabado de flâneur foi o escritor e jornalista
Paulo Barreto (1881‑1921), mais conhecido por seu pseudônimo, que já traz em si a própria marca da cidade:
João do Rio. Suas crônicas foram compiladas no livro A alma encantadora das ruas, publicado em 1908. Nas
páginas de seus escritos, publicados em jornais cariocas e revistas literárias, pululavam os marginais, os
desprovidos de voz, as religiões não católicas, os malandros. Em uma de suas mais belas crônicas, “A rua”,
João do Rio trata da própria condição de ser um flâneur, de vagar pelas ruas e contemplar aquilo que apa‑
rentemente é gratuito, e mostra como isso tinha, e muito, a ver com as mudanças ocorridas na cultura da
segunda metade do século XIX.
É vagabundagem? Talvez. Flanar é a distração do perambulador com inteligência. Nada como
o inútil para ser artístico. Daí o desocupado flâneur ter sempre na mente dez mil coisas necessá‑
rias, imprescindíveis, que podem ficar eternamente adiadas. [...] Haveis de encontrá‑lo numa bela
noite ou numa noite muito feia. Não vos saberá dizer donde vem, que está a fazer, para onde vai.
Pensareis decerto estar diante de um sujeito fatal? Coitado! O flâneur é o bonhomme possuidor de
uma alma igualitária e risonha, falando aos notáveis e aos humildes com doçura, porque de
ambos conhece a face misteriosa e cada vez mais se convence da inutilidade da cólera e da neces‑
sidade do perdão...
n JOÃO DO RIO. A alma encantadora das ruas.
Belo Horizonte: Crisálida, 2007. p. 18.

João do Rio, aprofundando experiências anteriores e antecipando as futuras, foi responsável por lançar
a paisagem urbana e os personagens do povo na literatura brasileira. Para compreender melhor essa relação
entre a rua e a literatura, leia os dois textos a seguir. O primeiro são trechos de uma crônica do próprio João
do Rio, intitulada “A musa das ruas”, e publicada em agosto de 1905. O segundo, um trecho da crônica
“Recordação feliz”, escrita por José Lins do Rego (1901‑1957), em 1919.

Texto 1
E se os gregos asseguravam que a poesia é um delírio inspirado pelas musas às almas simples e
virgens, se o Evangelho afirma pertencer o céu às crianças e ao que lhe perecem – por que teimaremos
nós em dizer que a poesia preferiu o nosso cérebro ensandwichado em literaturas estrangeiras à alma
simples do povo ignorante? Os poetas de calçada são as flores de todo o ano da cidade, são a sua graça
anônima, a sua coquetterie, a sua vaidade anônima e sua sagração – porque afinal o próprio Platão, que
julgava Homero um envenenador público, considerava o poeta um ser leve, alado e sagrado... É exata‑
mente assim a nossa musa. [...]
A musa da cidade, a musa constante e anônima, que tange as cordas da vida e é como a alma da
multidão, a musa triste é vagabunda, é livre, é pobre, é humilde. E por isso todos lhe sofrem a ingênua
fascinação, por isso a voz de um vagabundo, nas noites de luar, enche de lágrimas os olhos dos mais
frios, por isso ninguém há que não a ame – flor ideal nascida nas sarjetas, sonho perpétuo da cidade à
margem da poesia, riso e lágrima, poesia da encantadora alma das ruas!...
n JOÃO DO RIO. A alma encantadora das ruas.
Belo Horizonte: Crisálida, 2007. p. 204 e p. 217‑218.

Texto 2
Eram as 8 horas da noite, um silêncio sagrado de templo vivia naquele grande ambiente de estu‑
do; uma voz maviosa, sinfônica, como a dolente música de sabiá, vinha arrancar a contemplação de
meu espírito, que até então caído num estranho marasmo, parecia esquecido de si mesmo. Uma voz
santamente artística, fugindo, paulatinamente, de uma garganta de marfim, comovia‑me e, maviosa
como o sopro de harmonia, penetrava em todas as fibras de meu ser e, na mais lânguida e nervosa
recordação, fazia‑me pensar na maravilhosa liberdade do lar paterno.

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os EsTilos dE éPocA dA REvolução indusTRiAl à PRimEiRA GuERRA:o simbolismo cAPÍTulo 8

Era uma poesia descuidada que não possuía escola e, no entanto, tinha para mim mais senti‑
mentalismo que todos os versos chorosos de Lamartine. Alexandre Herculano bem dizia: bendito
seja o Deus que me deu o chorar.
E aquela sinfonia divina e triste, pouco a pouco aproximando‑se, enchia‑me de uma louca sau‑
dade de casa e quando se sumia perdida, na escuridão da noite, com os olhos molhados de lágrimas,
voltava com o espírito forte, ao trabalho com mais coragem e amor. E sabem os leitores quem era
este pássaro tão harmonioso? Uma pregoeira de pamonhas.
n REGO, José Lins do. Ligeiros traços: escritos de juventude. Sel., introdução e notas de
César Braga‑Pinto. Rio de Janeiro: José Olympio, 2007. p. 44.

1. Na primeira parte de sua crônica, que tipo de relação João do Rio estabelece entre as literaturas
estrangeiras e a nacional?

2. Para João do Rio, quais são as principais características da poesia feita nas ruas?
3. Na crônica de José Lins do Rego, a situação narrada apresenta algo de inusitado, quase uma contra‑
posição de ideias. Que efeito de sentido isso produz?

4. Comente a linguagem de José Lins do Rego ao descrever a música.


5. As duas crônicas possuem um sentido comum. Qual é ele?
6. Ambos os textos, apesar de distantes mais de uma década, são crônicas. Quais são as características
comuns, no que diz respeito aos aspectos narrativos, entre os dois textos?

Que tal flanar pelas ruas de sua cidade ou bairro? Assim como fez João do Rio, passeie des‑
preocupadamente, mas atentando aos detalhes e às situações inusitadas. Escolha um tema que
despertou sua curiosidade e escreva uma breve crônica sobre o assunto. Lembre‑se de adequar
as questões de linguagem e de construção narrativa; expresse seu ponto de vista e estabeleça
diálogos com o leitor. Após a elaboração do texto, mostre‑o para seus colegas de classe; vocês
podem montar uma antologia de crônicas, mostrando como também é encantadora a alma das
ruas de sua cidade ou bairro.

NO
Questões de exames FAÇARNO!
CAD
E

1. (Unifesp) Leia o poema.


De linho e rosas brancas vais vestido, As aves sonorizam‑te o caminho...
sonho virgem que cantas no meu peito!... E as vestes frescas, do mais puro linho
És do Luar o claro deus eleito, e as rosas brancas dão‑te um ar nevado...
das estrelas puríssimas nascido.
No entanto, ó Sonho branco de quermesse!
Por caminho aromal, enflorescido, Nessa alegria em que tu vais, parece
alvo, sereno, límpido, direito, que vais infantilmente amortalhado!
segues radiante, no esplendor perfeito, n (Cruz e Sousa. Sonho branco.)
no perfeito esplendor indefinido...

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PARTE 3 TExTos, ARTE E culTuRA

a) Identifique o movimento literário ao qual está Nesses silêncios solitários, graves,


associado o poema, apontando uma caracterís‑ que chaveiro do Céu possui as chaves
tica típica dessa tendência. para abrir‑vos as portas do Mistério?!
Transcreva um verso ou fragmento do poema n CRUZ E SOUSA, J. Poesia completa. Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura /
que exemplifique sua resposta. Fundação Banco do Brasil, 1993.

b) Liste, de um lado, dois substantivos e, de outro, Os elementos formais e temáticos relacionados ao


quatro adjetivos, dispersos ao longo do poema contexto cultural do Simbolismo encontrados no
para criar sua atmosfera luminosa e etérea, ao poema “Cárcere das almas”, de Cruz e Sousa, são
gosto do movimento literário em que se insere.
a) a opção pela abordagem, em linguagem simples
Identifique os versos que, em certo momento,
e direta, de temas filosóficos.
criam uma tensão em relação à trajetória pura e
vivificante do poema, introduzindo uma nota b) a prevalência do lirismo amoroso e intimista em
sombria em sua atmosfera. relação à temática nacionalista.
c) o refinamento estético da forma poética e o
2. (Enem) tratamento metafísico de temas universais.
Reprodução/Enem

Em busca de maior natu‑ d) a evidente preocupação do eu lírico com a realidade


ralismo em suas obras e social expressa em imagens poéticas inovadoras.
fundamentando‑se em e) a liberdade formal da estrutura poética que dis‑
novo conceito estético, pensa a rima e a métrica tradicionais em favor
Monet, Degas, Renoir e de temas do cotidiano.
outros artistas passaram a
explorar novas formas de 4. (UFPE) Como escola literária, o Simbolismo (assinale
composição artística, que V para verdadeira e F para falsa):
resultaram no estilo deno‑ (*) apresenta‑se como uma estética oposta à poe‑
minado Impressionismo. sia objetiva, plástica e descritiva, praticada pelo
Observadores atentos da Parnasianismo, e como uma recusa aos valores
natureza, esses artistas burgueses.
passaram a (*) define‑se pelo anti‑intelectualismo e mergulha
a) retratar, em suas obras, as cores que idealizavam no irracional, descobrindo um mundo estranho
de acordo com o reflexo da luz solar nos de associações, de ideias e sensações.
objetos. (*) propõe uma poesia pura, hermética e misterio‑
b) usar mais a cor preta, fazendo contornos nítidos, sa, que usa imagens, e não conceitos.
que melhor definiam as imagens e as cores do (*) foi um movimento de grande receptividade e
objeto representado. repercussão junto ao público brasileiro.
c) retratar paisagens em diferentes horas do dia, (*) revolucionou a poesia da época, com o uso de
recriando, em suas telas, as imagens por eles versos livres e de uma temática materialista.
idealizadas.
d) usar pinceladas rápidas de cores puras e disso‑ 5. (PUC‑PR) Assinale o que for incorreto a respeito da
ciadas diretamente na tela, sem misturá‑las estética simbolista e da poesia de Cruz e Sousa.
antes na paleta. a) Os poetas simbolistas se opunham ao objetivis‑
e) usar as sombras em tons de cinza e preto e com mo cientificista dos realistas/naturalistas.
efeitos esfumaçados, tal como eram realizadas b) Cruz e Sousa é o maior representante da estéti‑
no Renascimento. ca simbolista no país. Porém, nas primeiras
décadas do século XX, observa‑se uma grande
3. (Enem) expansão do Simbolismo no Sul do Brasil, sendo
o Paraná um dos estados com maior número de
Cárcere das almas
manifestações poéticas dessa escola, seja pelas
Ah! Toda a alma num cárcere anda presa, revistas que foram criadas, seja pelos poetas que
Soluçando nas trevas, entre as grades foram revelados.
Do calabouço olhando imensidades, c) Verifica‑se na estética simbolista o culto à musi‑
Mares, estrelas, tardes, natureza. calidade do poema, em sintonia com a busca
pela espiritualidade, um dos temas predomi‑
Tudo se veste de uma igual grandeza nantes na poesia de Cruz e Sousa.
Quando a alma entre grilhões as liberdades d) O Simbolismo brasileiro recupera de modo ine‑
Sonha e, sonhando, as imortalidades quívoco os procedimentos e os temas do Roman‑
Rasga no etéreo o Espaço da Pureza. tismo, valorizando o sentimento nacionalista e
as ideias abolicionistas.
Ó almas presas, mudas e fechadas e) Para os simbolistas, a poesia, experiência trans‑
Nas prisões colossais e abandonadas, cendente, é uma forma pela qual se alcança o
Da Dor no calabouço, atroz, funéreo! sentido oculto das coisas e das vivências.

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Bibliografia

Com esta bibliografia básica você poderá realizar pesquisas e aprofundar seus conhecimentos.
Todos os textos apresentados no volume também constam nesta lista. As obras aparecem agrupadas por
grandes temas, mas muitas delas, que estão listadas em um grupo, poderiam fazer parte de outro, já que
geralmente os temas se inter-relacionam.

Língua portuguesa . Linguística aplicada ao português: sintaxe. 9. ed.


São Paulo: Cortez, 2000.
BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37. ed.
Rio de Janeiro: Lucerna, 2001. VILELA, Mário; KOCH, Ingedore Villaça. Gramática da língua
portuguesa. Coimbra: Almedina, 2001.
BORBA, Francisco da Silva. Pequeno vocabulário de linguísti-
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guesa. 4. ed. Caxias do Sul: Educs, 2001.
CÂMARA JR., Joaquim Mattoso. Estrutura da língua portu-
guesa. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1973.
. Princípios de linguística geral. 4. ed. Rio de Janeiro:
Dicionários
Livraria Acadêmica,1972.
ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Dicionário escolar da
CARONE, Flávia de Barros. Morfossintaxe. 8. ed. São Paulo: língua portuguesa. 2. ed. São Paulo: Nacional, 2008.
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BORBA, Francisco da Silva. Dicionário de usos do português
CASTILHO, Ataliba T. de; ELIAS, Vanda M. Pequena gramática do Brasil. São Paulo: Ática, 2002.
do português brasileiro. São Paulo: Contexto, 2012.
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COSTA, Sônia Bastos Borba. O aspecto em português. 3. ed.
da Unesp, 1991.
São Paulo: Contexto, 2002.
CÂMARA JR., Joaquim Mattoso. Dicionário de linguística e
CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova gramática do portu-
gramática. 12. ed. Petrópolis: Vozes, 1985.
guês contemporâneo. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
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Dicionário de análise do discurso. São Paulo: Contexto, 2004.
FIORIN, José Luiz (Org.). Introdução à linguística. São Paulo:
Contexto, 2002. CHILVERS, Ian. Dicionário Oxford de arte. São Paulo: Martins
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KEHDI, Valter. Formação de palavras em português. 3. ed. São
Paulo: Ática, 2002. COELHO, Jacinto do Prado (Org.). Dicionário das literaturas
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São Paulo: Contexto, 2001. 1978.

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Paulo: Ática, 1985. XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro:
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NEVES, Maria Helena Moura. Gramática de usos do portu-
guês. São Paulo: Ed. da Unesp, 2000. HOUAISS, Antonio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa.
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ORLANDI, Eni Pulcinelli. O que é linguística. São Paulo:
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São Paulo: Cortez, 1997. Contexto, 2004.
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Língua portuguesa: reflexões MARTINS, M. Helena (Org.). Questões de linguagem. 3. ed.
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PLATÃO. In: PLATÃO – Diálogos: Mênon, Banquete, Fedro.
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Campinas, SP: Mercado de Letras; Associação de Leitura do Companhia das Letras, 1997.
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Produção de texto
Gêneros e tipos textuais BORDENAVE, Juan E. Díaz. O que é comunicação. 5. ed. São
BAZERMAN, Charles; DIONÍSIO, Angela Paiva; HOFFNAGEL, Paulo: Brasiliense, 1984.
Judith Chambliss (Org.). Escrita, gênero e interação social. CITELLI, Adilson. O texto argumentativo. São Paulo: Scipione,
São Paulo: Cortez, 2007. 1994.
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Paulo: Cortez, 2009. Paulo: Ática, 2004.
BRANDÃO, Helena Nagamine (Coord.). Gêneros do discurso GARCIA, Othon M. Comunicação em prosa moderna. 2. ed.
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científica. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001.
KOCH, Ingedore G. Villaça. A coesão textual. 5. ed. São Paulo:
DIONÍSIO, Angela Paiva; MACHADO, Anna Rachel; BEZERRA,
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Maria Auxiliadora (Org.). Gêneros textuais & ensino. 2. ed.
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Siglas das instituições
promotoras dos exames
ESPM-SP: Escola Superior de Propaganda e Marketing UFC-CE: Universidade Federal do Ceará
(São Paulo) UFF-RJ: Universidade Federal Fluminense (Rio de
FGV-SP: Fundação Getúlio Vargas (São Paulo) Janeiro)
Fuvest-SP: Fundação Universitária para o Vestibular UFJF-MG: Universidade Federal de Juiz de Fora
(São Paulo) (Minas Gerais)
Insper-SP: Instituto de Ensino e Pesquisa (São Paulo) UFMS: Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
ITA-SP: Instituto Tecnológico de Aeronáutica (São UFMT: Universidade Federal de Mato Grosso
Paulo) UFPA: Universidade Federal do Pará
PUC-PR: Pontifícia Universidade Católica do Paraná UFPR: Universidade Federal do Paraná
PUC-RS: Pontifícia Universidade Católica do Rio UFRJ: Universidade Federal do Rio de Janeiro
Grande do Sul
UFRS: Universidade Federal do Rio Grande do Sul
PUC-SP: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
UFSC: Universidade Federal de Santa Catarina
UEL-PR: Universidade Estadual de Londrina (Paraná)
Ufscar-SP: Universidade Federal de São Carlos
UEM-PR: Universidade Estadual de Maringá (Paraná) (São Paulo)
Uepa: Universidade do Estado do Pará UFV-MG: Universidade Federal de Viçosa (Minas
UEPB: Universidade Estadual da Paraíba Gerais)
UEPG-PR: Universidade Estadual de Ponta Grossa Unesp-SP: Universidade Estadual Paulista “Júlio de
(Paraná) Mesquita Filho” (São Paulo)
Uerj: Universidade Estadual do Rio de Janeiro Unicamp-SP: Universidade Estadual de Campinas
UFABC-SP: Universidade Federal do ABC (São Paulo) (São Paulo)
UFBA: Universidade Federal da Bahia Unifesp: Universidade Federal de São Paulo

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