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PRINCÍPIOS DO CAPITALISMO

Como surgiu e qual o futuro desse sistema? Material disponibilizado por:


prof. Sergio Enabe
. Para Fins didáticos
Por Patricia Piacentini
3/11/16
Nº.61 UNIVERSO Dez.2016 | Jan.2017

Vivemos em uma sociedade capitalista, ou seja, uma sociedade de consumo, baseada


em relações de troca de mercadorias e trabalho por dinheiro, com o objetivo de obter
lucro. Mas o mundo sempre viveu assim? Entender quando e como o capitalismo
começou não é uma questão simples de responder.

“Se fala em capitalismo para marcar um modo específico de organização da sociedade,


diferente dos anteriores, ou seja, implica em periodizar a história”, aponta Thiago
Fontelas Rosado Gambi, especialista em história econômica e professor da
Universidade Federal de Alfenas (Unifal). Entretanto, nem todos os estudiosos
concordam com a especificidade do capitalismo: economistas, por exemplo, tendem a
considerar o sistema atemporal, caracterizado por relações econômicas com o mercado e
pelo comportamento individual voltado para o lucro. Contudo, há aqueles que
procuraram responder à questão sobre sua origem: “autores, como Max Weber (1864-
1920), identificam o capitalismo como a ação racional voltada para o lucro. Outros,
como o historiador belga Henri Pirenne (1862-1935), falam em capitalismo a partir da
expansão do comércio e da desestruturação do feudalismo durante a Baixa Idade Média
(séculos X a XV). Fernand Braudel (1902-1985), historiador francês, deriva o
capitalismo da civilização material e da economia-mundo erguida à época do
renascimento (século XV)”, enumera Gambi.

Há ainda o economista inglês Maurice Dobb (1900-1976) e outros autores marxistas


que relacionam o capitalismo à criação de mais-valia (veja box) e, portanto, ao
assalariamento como relação de trabalho predominante na sociedade. “Assim, o sistema
teria surgido com a revolução industrial inglesa, na segunda metade do século XVIII.
Mas, mesmo entre os marxistas, há divergências de interpretação: Ellen Wood (1942-
2016), por exemplo, identifica a lógica capitalista da competição e da produção para o
mercado já a partir do século XVI, período em que, segundo ela, teria predominado um
capitalismo agrário, distinto do capitalismo industrial surgido no século XVIII”, afirma
o professor.

Já Fábio Konder Comparato, advogado, jurista e professor emérito da Universidade de


São Paulo (USP), defende que o capitalismo não é apenas um sistema econômico, mas
uma civilização: a organização de um conjunto de sociedades, que podem ser étnica e
culturalmente diferentes umas das outras, mas que estão ligadas entre si por uma
unidade de poder e alguns valores e costumes coletivos comuns. “[O capitalismo]
Surgiu na Baixa Idade Média europeia (fim do século XI e início do século XII), em
razão de uma radical mudança nos dois fatores estruturantes de toda ordem social: a
relação de poder, de um lado, a mentalidade coletiva e os costumes sociais, de outro”.

Durante milênios, perdurou em toda Europa, no Oriente Médio e em grande parte do


continente asiático, a civilização indo-europeia, na qual a sociedade era dividida em três
grupos sociais, cada um com direitos e deveres próprios: “o clero, encarregado de orar
aos deuses para a proteção de todas as pessoas; a aristocracia militar, cuja função era a
defesa da sociedade contra o inimigo externo; e o conjunto dos agricultores e criadores
de gado, que produziam bens para o sustento de todos. Os dois primeiros tinham
privilégios, ou seja, direitos próprios e exclusivos, que passavam de geração em
geração. O último grupo, além de não ter privilégios, era obrigado não somente a
trabalhar, mas viver inteiramente subordinado aos demais”, especifica o advogado. A
mentalidade era marcada pela religião, sempre acima de tudo; pela tradição, com a
rejeição de todas as novidades; pela falta de autonomia dos indivíduos, que viviam
absorvidos no grupo social; e pelo grande desprezo por ofícios mecânicos e pela
profissão mercantil.

Comparato frisa ainda que, no capitalismo, sempre houve uma dissimulação do poder
real. “Enquanto na civilização indo-europeia, os titulares do poder sempre fizeram
questão de ostentá-lo, na sociedade capitalista, ao contrário, o poder sempre se fundou
na propriedade de bens materiais, mas esses proprietários de riqueza sempre procuraram
esconder esse poder, apresentando-se como pessoas obedientes aos titulares do poder
oficial. No mundo moderno, os empresários, ainda que riquíssimos, dizem submeter-se
aos dirigentes do Estado quando, na verdade, exercem sobre eles uma influência
dominante”, compara. Por fim, diz ele, o sistema fundou-se, desde o seu nascimento, no
princípio do egocentrismo: “cada um deve buscar a realização do seu próprio interesse,
sem se preocupar minimamente com o bem dos outros”.

Expansão

O capitalismo se expandiu para todo mundo. Para Comparato, isso se deve ao


desenvolvimento do comércio e a aceitação dos costumes estrangeiros, notadamente a
religião. “Na Antiguidade, não somente os comerciantes eram desprezados como
pessoas vis, mas o comércio com estrangeiros era rigorosamente proibido. Além disso,
como os deuses eram próprios de cada nação, a conversão a uma religião estrangeira era
considerada uma traição à pátria. Na civilização capitalista, ao contrário, o exercício do
comércio foi desde o início estimulado, sendo que os comerciantes capitalistas, ao se
fixarem em país estrangeiro, faziam questão de respeitar – senão fingir praticar – a
religião própria desse país”, enfatiza.

Da sua origem no século XV até o final do século XVIII temos o chamado capitalismo
mercantil. “A produção de riqueza se dava predominantemente na esfera da circulação.
Isso se expressava nas políticas mercantilistas adotadas pelos Estados centralizados,
cujo objetivo era a acumulação de riqueza, sobretudo metais, por meio do comércio
internacional. A lógica era produzir ou comprar barato e vender caro. Daí a expansão
marítima, as colonizações da América, África e Ásia e os monopólios comerciais de
mercadorias específicas que identificam o período”, diz Gambi.

A revolução industrial inglesa, no final do século XVIII, marca o início do capitalismo


industrial, marcado pela produção de riqueza. “Isso se expressava, inicialmente, na
construção de fábricas, sobretudo têxteis, caracterizadas pela divisão do trabalho,
assalariamento e o que Marx chamou de maquinaria. O uso do vapor como fonte de
energia resultou em um aumento significativo de produtividade. A lógica era produzir
com o menor custo para obter o maior lucro possível num contexto em que havia
concorrência e, portanto, com preços definidos pelo mercado e não pela força do
monopólio”, explica o professor da Unifal. O imperialismo do século XIX é outro
marco dessa fase do capitalismo, resultante da busca por mercados externos para
garantir a absorção da elevada produção industrial e, consequentemente, a realização do
lucro e da acumulação de capital.

Ilustração mostra fábrica de produtos texteis inglesa do século XVIII. Revolução Industrial é marco do
início do capitalismo.

O capitalismo financeiro surgiu no final do século XIX, integrando o capital industrial


ao capital financeiro (que financia a produção): essa concentração e centralização do
capital levaram à formação de grandes empresas e bancos. Segundo Gambi, o novo
padrão tecnológico – sobretudo por meio da eletricidade e da química – provocou
mudanças significativas na produção e, por isso, as inovações da época são às vezes
consideradas como uma segunda revolução industrial. “Embora tenha contribuído para
reduzir o custo de produção, o novo padrão tecnológico fez aumentar a necessidade de
capital para a compra de máquinas sofisticadas e caras. Além disso, era preciso capital
para que as empresas pudessem competir internacionalmente. Elas passaram, portanto, a
depender cada vez mais do financiamento dos bancos e, assim, o capital financeiro se
associou ao capital industrial em grandes empresas monopolistas”, discorre Gambi.

Globalização

No final do século XX, assistimos à crescente globalização do sistema capitalista, ou


seja, as relações econômicas passam a ser feitas conjuntamente por todos os países do
mundo, sobretudo por meio de conglomerados empresariais de natureza multinacional e
transnacional, que não têm ligação com nenhum país em particular. “A globalização
acarretou uma aproximação cada vez maior dos países e culturas diferentes, mas
provocou também a maior concentração de riqueza mundial de todos os tempos. Uma
instituição de pesquisa, a Oxfam, calculou, em 2015, que 1% da população mundial
concentra metade da riqueza de todo o planeta”, destaca Comparato.

As consequências mais imediatas da globalização, acrescenta Gambi, seriam a


aproximação de diferentes países, a ampliação dos mercados, o aumento da imigração e
a difusão cultural e tecnológica. “Se os países que participam desse processo fossem
homogêneos, essas consequências poderiam ser consideradas positivas. Contudo, houve
uma integração de países bastante heterogêneos. Assim, surgiram a dominação política
e a divisão internacional do trabalho, marcando a diferença entre países desenvolvidos e
subdesenvolvidos. Ampliou-se ainda a possibilidade de contágio das crises econômicas,
sejam comerciais ou financeiras”, aponta.

Crises

As grandes crises econômicas mundiais, como a de 1929 e 2008, seriam um processo já


esperado do capitalismo? Para Comparato, elas são o fruto da passagem do capitalismo
industrial para o financeiro, com o rápido decréscimo da produção mundial e a
concentração de riqueza em dinheiro não aplicado e papéis financeiros (ações,
debêntures etc.), cujo valor é em grande parte fictício, pois depende do jogo de oferta e
procura no mercado, sem base em bens materiais. “A cada grande crise econômica, o
processo mundial de concentração de renda se intensifica. Tudo isso representa, sem
dúvida, o sintoma de uma doença muito grave da civilização capitalista”, afirma.
Trabalhadores desempregados enfrentam fila para distribuição de sopa durante a crise de 1929, nos
Estados Unidos.

Gambi diz que aqueles que acreditam que as forças do mercado seriam capazes de
regular automaticamente a oferta e a demanda e produzir seu equilíbrio geralmente
veem as crises como resultado de influências externas que, de alguma maneira,
prejudicariam o livre funcionamento dos mercados. “As crises não necessariamente
deveriam ocorrer nem significariam uma fraqueza do sistema de livre mercado, pelo
contrário, apenas indicariam obstáculos ao seu funcionamento, que deveriam ser
removidos”. Por outro lado, há aqueles que enxergam as crises como fenômenos
inerentes ao capitalismo, como expressão da instabilidade e da fragilidade do sistema.
“Com o desenvolvimento das relações capitalistas, as crises tenderiam a ser cada vez
mais intensas e, enfim, levariam o sistema ao colapso. Nesse caso, as grandes crises não
só estão previstas, como mostram a fraqueza do capitalismo”, explica o professor da
Unifal.

Esgotamento

Estaria o capitalismo demonstrando sinais de esgotamento? Gambi acredita que o


sistema não tem capacidade de resolver suas próprias contradições. “Não é capaz, por
exemplo, de eliminar a pobreza em meio à abundância da produção; e, no contexto do
capitalismo financeiro, de manter o processo de acumulação de capital e o nível de
emprego em países subdesenvolvidos e desenvolvidos, reforçando a concentração de
renda nestes últimos. Isso ameaça a manutenção de uma demanda necessária para
absorver a produção, além de intensificar os problemas sociais oriundos da desigualdade
econômica, como a corrosão do tecido social e a violência”.

Comparato destaca que é possível e necessário pensar em uma civilização pós-


capitalista, cujos elementos estruturantes – a relação de poder e os valores coletivos –
sejam de natureza comunitária. “O poder deve ser exercido por todos os membros da
sociedade, e não apenas por um grupo, cada vez menor, de bilionários. Uma civilização
autenticamente democrática e não oligárquica. Os valores coletivos devem fundar-se na
supremacia do bem comum de todos sobre os interesses privados de cada pessoa ou
grupo. Ou seja, uma civilização autenticamente republicana, pois res publica, no mundo
romano, significa exatamente o bem comum do povo. Essa mutação não pode ser feita
de maneira radical, por meio de uma revolução, como se pensava até pouco tempo, mas
sim por meio de um processo organizado que persistirá através de muitas gerações”,
afirma.

“A captura do sistema político pelo capital, sobretudo financeiro, tem ameaçado o


funcionamento da já desgastada democracia representativa. Há ainda a questão
ambiental que coloca desafios talvez insuperáveis a uma sociedade baseada no
consumo, em função da necessidade de aumentar constantemente a acumulação de
capital. Não só é possível, como necessário, pensar novas formas de organização social
capazes de resolver, e não apenas mitigar, os problemas colocados pela própria maneira
como a sociedade tem se organizado”, finaliza Gambi.

Teóricos - Os britânicos Adam Smith, David Ricardo e Thomas Malthus foram os


fundadores da escola clássica inglesa de economia política, sendo, portanto, teóricos
das relações capitalistas. Adam Smith (1723-1790), considerado o pai da economia
moderna, via a relação de troca como algo inerente ao ser humano. Procurou
demonstrar que a riqueza das nações era fruto do papel de indivíduos que, pelo seu
próprio interesse (self-interest), eram responsáveis pelo progresso econômico. “Ele
disse que se cada um se ocupar de si próprio, uma ‘mão invisível’ fará com que isso
produza automaticamente o bem social”, completa Fábio Comparato, da USP.

David Ricardo (1772-1823) tratou de temas como o valor-trabalho, a teoria da


distribuição (relações entre o lucro e salários) e o comércio internacional. Sua "lei de
ferro dos salários" dizia que são inúteis todas as tentativas de aumentar o salário dos
trabalhadores porque eles permanecerão sempre próximos ao nível de subsistência.

Thomas Malthus (1766-1834) é considerado o pai da demografia por sua teoria para o
controle do aumento populacional, conhecida como malthusianismo (veja infográfico).
Ele demonstrou que o nível de atividade em uma economia capitalista está de acordo
com uma demanda efetiva, justificando assim os esbanjamentos praticados por aqueles
com alto poder aquisitivo.

O alemão Karl Marx (1818-1883) foi um grande crítico do sistema: na relação entre a
burguesia (capitalistas), que detém os meios de produção, e os trabalhadores, que
vendem sua força de trabalho, ele apontou a exploração contínua desse trabalho, que
sempre é muito superior à remuneração do trabalhador, no que chamou de exploração
“mais-valia”.

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