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Dossié Manifesto Comunista Manifesto do Partido Comunista KARL MARX ¢ FRIEDRICH ENGELS 'M ESPECTRO RONDA A EUROPA - o espectro do comunismo. ‘Todas as poténcias da velha Europa aliaram-se numa sagrada perseguicao a esse espectro, o Papa e 0 Czar, Met- ternich e Guizot, radicais franceses ¢ policiais alemaes. Onde esté o partido de oposi¢ao que nio tenha sido difamado como comunista pelos seus adversdrios governistas, onde esté o partido de oposiga0 que ndo tenha arremessado de volta, aos opositores mais progressistas tanto quanto aos seus adversdrios reacionérios, a pecha estigmatizante do comunismo? ‘Duas coisas decorrem dese fato. O comunismo jé é reconhecido como uma poténcia por todas as poténcias européias. Jé € tempo de os comunistas exporem abertamente, perante 0 mundo todo, sua maneira de pensar, os seus objetivos, as suas tendéncias, e de contraporem ao conto da carochinka sobre o espectro do comunismo um manifesto do proprio partido. Com esse objetivo, reuniram-se em Londres comunistas das mais diversas nacionalidades ¢ esbogaram o seguinte manifesto, que est sendo publicado em idioma inglés, francés, alemio, italiano, flamengo e dinamarqués. I Burgueses e Proletérios (1) A histéria de todas as sociedades até o presente (2) é a histéria das lutas de classes. Homem livre e escravo, patricio e pleben, senhor feudal e servo, membro de corporacio e oficial-artesio, em sintese, opressores ¢ oprimidos estiveram em constante oposigZ0 uns aos outros, travaram. uma [uta ininterrupta, ora dissimulada, ora aberta, que a cada vez EsTuOs AVANCADOS 12 (34), 1998 7 terminava com uma reconfiguragio revoluciondria de toda a sociedade ou com a derrocada comum das classes em Iuta. Nas épocas remotas da hist6ria, encontramos por quase toda a parte uma estruturacio completa da sociedade em diferentes esta- mentos, uma gradac4o multifacetada das posigées sociais. Na Roma antiga temos patricios, cavaleiros, plebeus, escravos; na Idade Média, senhores feudais, vassalos, membros de corporarao, oficiais-artesios, servos, e ainda, em quase cada uma dessas classes, novas gradacées particalares. A moderna sociedade burguesa, emergente do naufrégio da sociedade fendal, nao aboliu os antagonismos de classes. Ela apenas colocou novas classes, novas condicées de opressio, novas estruturas de futa no lugar das antigas. A nossa época, a época da burguesia, caracteriza-se, contudo, pelo fato de ter simplificado os antagonismos de classes. A sociedade toda cinde-se, mais ¢ mais, em dois grandes campos inimigos, em duas grandes classes diretamente confrontadas: burguesia ¢ proletariado. Dos servos da Idade Média advieram os burgueses extra-muros das primeiras cidades; deste estamento medieval desenvolveram-se os primeiros elementos da burguesia. A descoberta da América, a circunavegagio da Africa criaram um novo terreno para a burguesia ascendente. Os mercados das Sndias Orientais e da China, a colonizagio da América, 0 intercambio com as colénias, a multiplicagao dos meios de troca e das mercadorias em geral deram ao comércio, a navegacio, 4 indistria um impulso jamais conhecidos ¢, com isso, imprimiram um répido desenvol- vimento ao elemento revolucionério na sociedade feudal em desagregacio. 1 Pfablbirger no original (“burgués da palicada”); 0 termo designa os habi- tantes de um espago situado entre as muralhas do castelo ¢ uma circundante fronteira de paligada. Em sua condicdo social, o Pfabloiirger corresponde parcialmente a0 “vilio” do feudalismo portugués. Em sentido figurado, Pfubibitrger significa uma pessoa demasiado limitada, de concepgdes con- vencionais ¢ enrijecidas. (N. d. T.) 8 EsTubos AVANGADOS 12 (34), 1998 O funcionamento feudal ou corporativo da industria, existente até entio, jé nao bastava para as necessidades que cresciam com os novos mercados. A manufatura tomou o seu Iugar. Os mestres de corporagao foram sufocados pelo estrato médio industrial; a divisio do trabalho entre as diversas corporacées desapareceu perante a divisdo do trabalho no interior da propria oficina particular. ‘Mas os mercados continuavam a cresces, continuavaa aumentar a necessidade de produtos. Também a manufatura j4 no bastava mais. Entio o vapor ¢ a maquinaria revolucionaram a produgio industrial. A grande industria moderna tomou o lugar da manufatura; o lugar do estrato médio industrial foi tomado pelos milionérios industriais, os chefes de exércitos industriais inteiros, os burgueses modernos. A grande industria criou o mercado mundial, que a descoberta da América preparara. O mercado mundial deu ao comércio, 4 navegagao, 4s comunicag6es por terra um desenvolvimento incal- culavel. Este por sua vez reagiu sobre a expansio da indiistria, e na mesma medida em que indtistria, comércio, navegacao, estradas de ferro se expandiam, nessa mesma medida a burguesia desenvolvia- se, multiplicava seus capitais, empurrava a um segundo plano todas as classes provenientes da Idade Média. ‘Vemos, portanto, como a prépria burguesia moderna é 0 produto de um longo processo de desenvolvimento, de uma série de revoluges (Umwélsungen) nos meios de producao e de transporte. Cada uma dessas etapas de desenvolvimento da burguesia veio acompanhada de um progresso politico correspondente. Estrato social oprimido sob o dominio dos senhores feudais, associagao ar- mada e com administrac4o auténoma na comuna (3); aqui cidade- repiiblica independente, ali terceiro Estado tributério da monarquias depois, na era da manufatura, contrapeso 4 nobreza na monarquia estamental ou absoluta; base principal das grandes monarquias de uma forma geral, a burguesia conquistou finalmente para si, desde a criacdo da grande indiistria e do mercado mundial no moderno Estado representativo, o dominio politico exclusivo. O poder estatal moderno é apenas uma comisso que administra os negécios comuns do conjunto da classe burguesa. ESTUDOS AVANGADOS 12 (34), 1998 . ‘A burguesia desempenhow na histéria um papel extremamente revolucionario. Onde quer a burguesia tenha chegado ao poder, ela destruiu todas as relagées feudais, patriarcais, idilicas. Ela rompeu impiedosamente os variegados lacos feudais que atavam o homem ao seu superior natural, nao deixando nenhum outro laco entre os seres humanos senio o interesse nu e cru, sendo o insensivel “pagamento a vista”. Bla afogou os arrepios sagrados do arroubo religioso, do entusiasmo cavalheiresco, da plangéncia do filisteismo burgués, nas dguas gélidas do cdlculo egoista. Ela dissolveu a dignidade pessoal em valor de troca, e no lugar das intimeras liberdades atestadas em documento ou valorosamente conquistadas, colocou uma unica inescrupulosa liberdade de comércio. A burguesia, em uma palavra, colocou no lugar da exploracio ocultada por ilusées religiosas ¢ politicas a exploracao aberta, desavergonhada, direta, seca. A burguesia despojou de sua auréola sagrada todas as atividades até entio venerveis, contempladas com piedoso recato. Ela transformou o médico, o jurista, 0 clérigo, o poeta, o homem das ciéncias, em trabalhadores assalariados, pagos por ela. A burguesia arrancou as relacées familiares 0 seu comovente véu sentimental e as reduziu a pura relacio monetéria. A burguesia revelou como o dispéndio brutal de forgas, que a reagio tanto admira na Idade Média, encontrava a seu complemento adequado na mais indolente ociosidade. Apenas ela deu provas daquilo que a atividade dos homens é capaz de levar a cabo. Ela realizou obras miraculosas inteiramente diferentes das piramides egipcias, dos aquedutos romanos e das catedrais géticas, ela executou deslocamentos inteiramente diferentes das Migragées dos Povos e das Cruzadas. A burguesia nao pode existir sem revolucionar continuamente 0s instrumentos de produsio, portanto as relagdes de produsao e, assim, 0 conjunto das relagdes sociais. Conservagio inalterada do velho modo de produsio foi, ao contrario, a condicao primeira de existéncia de todas as classes industriais anteriores. O revolucio- namento continuo da producio, o abalo ininterrupto de todas as 10 ESTUDOS AVANCADOS 12 (34), 1998 situagdes sociais, a inseguranga ea movimentagio eternas distinguem a época burguesa de todas as outras. Todas as relagées fixas enferrujadas, com 0 seu séquito de veneraveis representacées € concepeies, s40 dissolvidas; todas as relacées novas, posteriormente formadas, envelhecem antes que possam enrijecer-se. Tudo o que esté estratificado ¢ em vigor volatiliza-se, todo o sagrado ¢ profanado, ¢ 0s homens sao finalmente obrigados a encarar a sua situagio de vida, os seus relacionamentos miituos com olhos sébrios. A necessidade de um mercado cada vex, mais expansivo para seus tos impele a burguesia por todo o globo terrestre. Ela tem de alojar-se por toda parte, estabelecer-se por toda parte, construir vinculos por toda parte. Através da exploragio do mercado mundial, a burguesia configurou de maneira cosmopolita a producdo e 0 consumo de todos os paises. Para grande pesar dos reacionarios, ela subtraiu 4 indtistria o solo nacional em que tinha os pés. As antiquissimas indistrias nacionais foram aniquiladas e ainda continuam sendo aniquiladas diariamente. Sao sufocadas por novas induistrias, cuja introdugdo se torna uma questio vital para todas as nagées civilizadas, por industrias que nao mais processam miterias-primas nativas, mas sim matérias-primas préprias das zonas mais afastadas, € cujos produtos sio consumidos ndo apenas no préprio pais, mas sinmultaneamente em todas as partes do mundo. No Iugar das velhas necessidades, satisfeitas pelos produtos nacionais, surgem novas necessidades, que requerem para a sua satisfacio os produtos dos mais distantes paises ¢ climas. No lugar da velha auto-suficiéncia ¢ do vetho isolamento locais ¢ nacionais, surge um intercambio em todas as diresdes, uma interdependéncia multipla das nagées. Eo que se dé com a produsio material, dé-se também com a produsio intelectual. Os produtos intelectnais das nagdes isoladas tornam-se patriménio comum. A unilateralidade e estreiteza nacionais tornam- se cada vez mais impossiveis, e das muitas literaturas nacionais ¢ locais vai se formando uma literatura universal’, 2 Provavel referéncia de Marx e Engels ao conceito de literatura universal (Weltliteratur) exposto por Goethe a Eckermann em 31 de janeiro de 1827. Goethe também traca um paralelo entre a constituicdo da literatura universal a expansio internacional do comércio. (N. 4. T.) EsTupos AVANCADOS 12 (34), 1998 n Através do répido aperfeigoamento de todos os instrumentos de produsio, através das comunicagées infinitamente facilitadas, a burguesia arrasta todas as nagdes, mesmo as mais barbaras, para dentro da civilizago. Os médicos pregos de suas mercadorias sao a artilharia pesada com que ela poe abaixo todas as muralhas da China, com que ela constrange a capitulacdo mesmo a mais obstinada xenofobia dos barbaros. Ela obriga todas as nagGes que nao queiram desmoronar a apropriar-se do modo de produgio da burguesia; cla as obriga a introduzir em seu préprio meio a assim chamada civilizagio, isto é, a tornarem-se burguesas. Em uma palavra, ela cria para si um mundo A sua prépria imagem. Aburguesia submeteu 0 campo ao dominio da cidade. Ela criou cidades enormes, aumentou o mimero da populagéo urbana, em face da rural, em alta escala ¢, assim, arrancou do idiotismo® da vida rural uma parcela significativa da populagdo. Da mesma forma como torna o campo dependente da cidade, ela torna os paises birbaros e semibirbaros dependentes dos civilizados, 0s povos agrarios dependentes dos povos burgueses, 0 Oriente dependente do Ocidente. A burguesia vem abolindo cada vez, mais a fragmentagio dos meios de produsio, da posse e da populagio. Ela aglomerou a popu- lagio, centralizou os meios de produsao € concentrou a propriedade em poucas maos. Conseqiiéncia necesséria disso tudo foi a centralizagio politica. Provincias independentes, quase que tio- somente aliadas, com interesses, leis, governos e sistemas aduaneiros diversificados, foram aglutinadas em sma nagio, um governo, tm interesse nacional de classe, uma fronteira aduancira. Em seu dominio de classe que mal chega a um século, a burguesia crion forcas produtivas em massa, mais colossais do que 2 Idiotismus, no original. Em sua “Introdugio a0 Manifesto Comunista”, E. Hobsbawn observa quanto a essa expressio que, embora os seus autores partilhassem do costumeiro desprezo do citadino pelo mundo rural, ela possui antes 0 sentido de “horizontes estreitos” do que “estupide2”. “Ela fazia eco a0 sentido original do termo grego ‘idiotes’, do qual derivou o significado corrente de ‘idiota’ ou ‘idiotice’, a saber, uma ‘pessoa preocupada apenas com seus pr6- rios assuntos particulares endo com os da comunidade mais ampla’.” (In Sobre Histéria, Companhia das Letras, 1998, p. 298.) (N. d. T.) 2 ESTUDOS AVANGADOS 12 (34), 1998 todas as geragdes passadas em conjunto. Subjugacio das forsas da natureza, maquinaria, aplicagio da quimica na indistria ¢ na agricultura, navegacao a vapor, estradas de ferro, telégrafos elétricos, arroteamento de continentes inteiros, canalizacao dos rios para a navegacio, populagdes inteiras como que brotando do chao - que século passado poderia supor que tamanhas forcas produtivas estavam adormecidas no seio do trabalho social! ‘Nés vimos portanto: os meios de producio e de circulagio, sobre cujas bases a burguesia se formou, foram gerados na sociedade feudal. Em um certo estégio do desenvolvimento desses meios de produsio ¢ de circulagao, as relagées nas quais a sociedade feudal produzia e trocava, a organizagio feudal da agricultura e da manufatura, em uma palavra, as relagdes feudais de propriedade, nio correspondiam mais as forgas produtivas j4 desenvolvidas. Elas tolhiam a produgio, em vez de fomenté-la. Transformavam-se assim. em outros tantos grilhées. Precisavam ser explodidas, foram explodidas. Em seu lugar entrow a livre concorréncia, com a constituigio social e politica que Ihe era adequada, com o dominio econémico e politico da classe burguesa. Sob 0s nossos olhos processa-se um movimento semelhante. As relacdes burguesas de produgio e de circulagio, as relagdes burguesas de propriedade, a moderna sociedade burguesa, que fez aparecer meios de producio e de circulacio tio poderosos, assemelha- se a0 feiticeiro que j4 no consegue mais dominar os poderes subterraneos que invocou. Ha decénios a histéria da industria e do comércio vem sendo apenas a histéria da revolta das modernas for- as produtivas contra as modernas relagées de produgio, contra as relagdes de propriedade que constituem as condicées vitais da burguesia e da sua dominagio. Basta mencionar as crises comerciais que, em sua recorréncia periédica, questionam de maneira cada vez mais ameagadora a existéncia de toda a sociedade burguesa. Nas crises cometciais extermina-se regularmente nao apenas uma grande parte dos produtos fabricados, mas também das for¢as produtivas jé criadas. Deflagra-se nas crises uma epidemia social que a todas as. épocas anteriores apareceria como contra-senso - a epidemia da superprodugao. A sociedade encontra-se remetida subitamente a um EsTUDOS AVANGADOS 12 (34), 1998 1B estado de momentinea barbérie; uma epidemia de fome, uma guerra geral de exterminio parecem ter-Ihe cortado todo suprimento de alimentos; a indtistria, o comércio parecem aniquilados - e por qué? Porque a sociedade possui demasiada civilizacao, demasiados suprimentos de alimentos, demasiada industria, demasiado comércio. As forsas produtivas que esto 4 sua disposicao j4 ndo servem mais ao fomento das relacées de propriedade burguesas; 20 contrério, elas se tornaram por demais poderosas para essas relagoes, sao tolhidas por elas; ¢ téo logo superam esse obstaculo, levam toda a sociedade burguesa a desordem, péem em perigo a existéncia da propriedade burguesa. As relagdes burguesas tornaram-ee demasiado estreitas para abarcar a riqueza gerada por elas. - Através de que meios a burguesia supera as crises? Por um lado, pelo exterminio forcado de grande parte das forcas produtivas; por outro lado, pela conquista de novos mercados e da exploras4o mais metédica dos antigos mercados. Como isso acontece entio? Pelo fato de que a burguesia prepara crises cada vez mais amplas e poderosas, e reduz 0s meios de preveni-las. ‘As armas com as quais a burguesia derruin o feudalismo voltam-se agora contra a propria burguesia. ‘Mas a burguesia nio forjou apenas as armas que ihe trazem a morte; ela produziu também os homens que portardo essas armas — 08 operrios modernos, os proletérios. Na mesma medida em que a burguesia, isto ¢, o capital, desenvolve-se, desenvolve-se 0 proletariado, a classe dos modernos operérios, 08 quais 6 subsistem enquanto encontram trabalho, ¢ s6 encontram trabalho enquanto 0 seu trabalho aumenta o capital. Esses. operérios, que tém de vender-se um a um, s40 uma mercadoria como qualquer outro artigo de comércio ¢, por isso, igualmente expostos a todas as vicissitudes da concorréncia, a todas as oscilagées do mercado. © trabalho dos proletirios perdeu, pela expansio da maqui- nara e pela diviso do trabalho, todo carter auténomo ¢, com isso, todo atrativo para o operdrio. Ele torna-se um mero acessério da méquina, do qual é exigido apenas o mais simples movimento de méos, o mais monétono, o mais ficil de aprender. Os custos que 0 operétio causa restringem-se por isso quase que tio-somente aos alimentos de que ele carece para o sustento proprio e para a “4 EsTupos AVANCADOS 12 (34.1998 reprodugio de sua espécie (Rasse). Mas o preco de uma mercadoria, portanto também do trabalho, é igual aos seus custos de producio. Na mesma medida em que cresce o carter repugnante do trabalho, diminui por isso mesmo o sal4rio. Mais ainda, na mesma medida em que a maquinaria ¢ a diviséo do trabalho aumentam, aumenta a massa do trabalho, seja pela multiplicagio das horas de trabalho, seja pela multiplicasao do trabalho exigido em um tempo determinado, pelo funcionamento acelerado da maquina etc. A indistria moderna transformou a pequena oficina do mestre patriarcal na grande fabrica do capitalista industrial. Massas de operdrios, aglomeradas na fabrica, sio organizadas de forma soldadesca, Como soldados rasos da indiistria, s4o colocados sob a supervisdo de uma hierarquia completa de suboficiais e oficiais. Eles nao apenas sio servos da classe burguesa, do Estado burgués; diariamente ¢ a cada hora eles so escravizados pela maquina, pelo supervisor ¢, sobretudo, por cada um dos fabricantes burgueses. Esse despotismo é tanto mais mesquinho, odioso, encarnicado, quanto mais abertamente ele prociama o lucro como o seu objetivo. Quanto menos o trabalho manual requer habilidade e dis. péndio de forsas, isto é, quanto mais a indtistria moderna se desen- volve, tanto mais o trabalho dos homens é sufocado pelo das mu- theres. Diferengas de sexo e de idade nao tém mais qualquer validade social para a classe operdria. S6 restam ainda instrumentos de trabalho que, de acordo com idade e sexo, perfazem custos variados. Sea exploracio do operério pelo fabricante esté terminada no momento em que aquele recebe seu salario em dinheiro vivo, abatem- se sobre ele entio as outras parcelas da burguesia, o proprietario do imével, o dono da mercearia, o penhorista ete. Os pequenos estratos médios até hoje existentes, 0s pequenos industriais, comerciantes e os que vivem de pequenas rendas, os artesdos ¢ os camponeses, todas essas classes decaem no proletariado, em parte porque o seu pequeno capital nao basta para o grande empreendimento industrial ¢ sucumbe 4 concorréncia com os capitalistas maiores, em parte porque a sua habilidade ¢ desvalorizada pelos novos modos de produsao. Assim recruta-se o proletariado de todas as classes da populasio, ESTUDOS AVANGADOS 12 (34), 1998 15 No inicio tutam os operérios isolados, depois os operirios de uma fabrica, depois os operérios de um ramo industrial, numa mesma regio, contra um burgués particular, que os explora dire- tamente. les dirigem os seus ataques no apenas contra as relagdes de produgio burguesas; eles os dirigem contra os préprios instra- mentos de produgio; eles aniguilam as mercadorias estrangeiras concorrentes, destrogam as maquinas, ateiam fogo nas fabricas, buscam reconquistar a soterrada posisao do trabalhador medieval. Nessa etapa os operdrios formam uma massa dispersa por todo © pais ¢ fragmentada pela concorréncia. Agregacio em massa dos operarios ainda nao é a conseqiiéncia de sua prépria associacao, ‘mas sim a conseqiiéncia da associacao da burguesia que, para alcancar seus préprios objetivos politicos, tem de mobilizar todo o proletariado, o que por enquanto ela ainda consegue. Nessa etapa, portanto, os proletérios combatem nio os seus inimigos, mas sim 08 inimigos de seus inimigos, os resquicios da monarquia absoluta, 0s proprietérios de grandes territérios, os burgueses nio-industriais, os pequenos burgueses. Toda a movimentagao histérica estd concentrada assim nas maos da burguesia; toda vitéria assim conquistada é uma vitéria da burguesia. Mas com o desenvolvimento da industria no apenas se multiplica o proletariado; este é agregado em massas cada vez maiores, sua forga cresce e torna-se mais perceptivel para ele. Os interesses, as situagées de vida no interior do proletariado equiparam-se cada vez mais, 2 medida que a maquinaria dissipa cada vez mais as diferencas do trabalho e, por quase toda parte, comprime o salério para um nivel igualmente baixo. A crescente concorréncia entre os burgueses e as crises de comércio dai resultantes fazem o salério do operdrio oscilar cada vez mais; 0 aperfeigoamento incessante da maquinaria, desenvolvendo-se com crescente rapidez, torna cada vez mais insegura toda a sua condigio de vida; cada vez mais, as colisées entre o operério particular e burgués particular assumem o carter de colisées entre duas classes. Os operdrios comecam a constitnir coalizées contra os burgueses; eles congregam-se para a garantia de seus saldrios. Chegam mesmo 16 ‘EsTUDOS AVANGADOS 12 (34), 1998 a fandar associagdes permanentes com a finalidade de criar provisbes de mantimentos para eventuais revoltas. Aqui ¢ acolé, a luta eclode em sublevagio. De tempos em tempos triunfam os operdrios, mas apenas provisoriamente. O resultado efetivo de suas lutas nao é o éxito imediato, mas sim uma unio operaria em crescente expansio. Ela é fomentada pelos meios de comunicagio que, gerados pela grande indistria, se avolumam e colocam os operdrios das diversas Jocalidades em contato miituo. O mero contato, porém, basta para centralizar as muitas lutas locais, com car4ter semelhante por toda parte, em uma luta nacional, em uma luta de classes. Mas toda luta de classes é uma luta politica. E a unio, para a qual os burgueses da Idade Média, com seus caminhos vicinais, necessitaram de séculos, 0s proletérios modernos, com as estradas de ferro, a executam em poucos anos. Essa organizagio dos proletérios em classe, e com isso em partido politico, é a todo momento rompida pela concorréncia en- tre os préprios operdrios. Mas cla ressurge sempre de novo, mais forte, mais sélida, mais poderosa. Ela impée 0 reconhecimento de interesses particulares dos operérios em forma de lei, 4 medida que se aproveita das cisdes internas da burguesia. Ko caso da lei da jornada de dez horas, na Inglaterra. As colisdes no interior da velha sociedade promovem em geral, de miiltiplos modos, o processo de desenvolvimento do proletariado. A burguesia encontra-se em Iuta continua: no inicio, contra a aristocracia; mais tarde, contra as fragées da propria burguesia cujos interesses entraram em contradigio com o progresso da indtistrias ¢ sempre, contra a burguesia de todos os paises estrangeiros. Em todas essas Iutas, ela se vé obrigada a apelar ao proletariado, a reivindicar a sua ajuda e, assim, a engolfé-lo no movimento politico. Ela mesma, portanto, leva ao proletariado os seus préprios elementos de formasio’, isto é, armas contra si mesma. 4 Na edigdo de 1888 lé-se: “os elementos de sua propria formagio politica ¢ geral”. ESTUDOs AVANCADOS 12 (34), 1998 ” Além disso, como vimos, contingents inteiros da classe dominante sao arrastados para o proletariado em virtude do progresso da industria, ou pelo menos ameacados em suas condicées de vida. Também esses contingentes levam ao proletariado grande quantidade de elementos de formagio’. Em tempos, por fim, em que a luta de classes se aproxima da decisio, o proceso de dissolucao no interior da classe dominante, no interior de toda a velha sociedade, assume um caréter tio violento, to estridente, que uma pequena fragio da classe dominante se desliga dela e se associa & classe revolucionéria, A classe que traz 0 faturo em suas mos. Por isso, assim como outrora uma parcela da nobreza passou para a burguesia, uma parcela da burguesia passa agora para o proletariado, e notadamente uma parcela dos idedlogos burgueses que se algaram 4 compreensio teérica do movimento histérico em sua totalidade. De todas as classes que se defrontam hoje com a burguesia, s6 © proletariado é uma classe realmente revolucionéria. As classes restantes vio se degenerando e afundam sob a grande indtistria; 0 proletariado é o seu produto mais genuine. Os estratos médios, 0 pequeno industrial, 0 pequeno comer- ciante, 0 artesio, o camponés, todos eles combatem a burguesia para salvar sua existéncia, enquanto estratos médios, do naufragio. Eles, portanto, nio séo revoluciondrios, mas sim conservadores. Mais ainda, sio reaciondrios, procuram girar para tras a roda da histéria. Se eles so revolucionarios, entdo s6 0 s30 com vistas 4 sua passagem iminente para o proletariado, e assim defendem nao os seus interesses atuais, mas os futuros, assim abandonam a sua posicao prépria para colocarem-se na do proletariado. ‘O lumpenproletariado, esse apodrecimento passivo das camadas mais baixas da velha sociedade, é parcialmente arrastado para o movimento por uma revolugio prol em consonincia com toda a sua situagao de vida, ele estard mais pronto a se deixar comprar para maquinagées reaciondrias, 5 Na edicdo de 1888: “elementos de esclarecimento e de progresso”. 18 ESTUDOS AVANCADOS 12 (34), 1998

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