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A AUSÊNCIA DE EDUCADORES DO SEXO

MASCULINO NAS CRECHES DA CIDADE DE


JEQUIÉ
Alfrancio Ferreira Dias, UFS#
diasalfrancio@hotmail.com

Antonio Jeferson Barreto Xavier, UESB##


jeffersonbxavier@hotmail.com

Recebido em: 06/01/2013


Aceito em: 06/03/2013
Publicado em: 25/04/2013

Resumo. O presente artigo é fruto de uma pesquisa em andamento realizada na cidade de


Jequié­Ba, com o objetivo de problematizar a ausência de educadores do sexo masculino nas
creches desse Município, sendo realizado entrevistas como as diretoras das creches e aplicado
um questionário com os estudantes do curso de Pedagogia da Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia, faremos ainda uma abordagem a cerca da feminização do magistério.
Palavras-chave:Gênero. Educadores. Pedagogia. Creches.

LACK OF SEX EDUCATORS MALE DAY CARE IN TOWN JEQUIE


Abstract. This article is the result of ongoing research in the city of Jequie/Ba, aiming to discuss
the lack of male teachers in child care centers this city, being conducted interviews as the
directors of kindergartens and aplicad a questionnaire with the students of Pedagogy at the State
University of Southwest Bahia, we will still approach about the feminization of the teaching
profession.
Keywords: Gender. Educators. Pedagogy. Creches.

# Doutor em Sociologia pelo Núcleo de Pós­Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Sergipe; Membro
do Grupo de Pesquisa Estudos em Educação, Formação, Processo de Trabalho e Relações de Gênero, vinculado a
Universidade Federal de Sergipe; Professor do Departamento de Educação da Universidade Federal de Sergipe
(UFS).
## Graduando do curso de Letras pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Bolsista voluntário de iniciação
cientifica no Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Relações de Trabalho, Gênero e Educação, atuando na linha de
Estudos sobre Gênero. Bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência­ UESB/CAPES
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Introdução

A inda que seja notável uma mudança em relação da atuação de homens em


atribuições relacionadas aos afazeres domésticos, ao cuidado e educação dos
filhos, de forma menos machista e aceitando tais serviços não mais como
‘coisas de mulheres’ ainda há um olhar enviesado para aqueles poucos sujeitos do
sexo masculino que assumem profissionalmente a docência de crianças pequenas.
Existe na nossa sociedade a concepção de que o cuidar e o educar de crianças na fase
da Educação Infantil não são tarefas masculinas. Analisando pesquisas realizadas a
cerca da feminização do magistério e da ausência de sujeitos masculinos na Educação
Infantil, Carolina Mafra de Sá e Walquíria Miranda (2011) apontam que praticamente
em todo Brasil, o magistério se torna uma ocupação majoritariamente feminina entre
finais do século XIX e início do século XX.
As pesquisadoras Flúvia Rosemberg e Eliana Saparolli (1996) embasaram­se
em estudos realizados por Maria Jesús Izquierdo (1994) e concluíram que “a
profissão de educador infantil” não constitui um trabalho feminino porque aí
encontramos um número maior de mulheres, mas porque exercem uma função de
gênero feminino, vinculada à esfera da vida reprodutiva: “cuidar e educar crianças
pequenas”. Para Guacira Lopes Louro (1997) sendo o casamento e a maternidade
considerados como as verdadeiras carreiras das mulheres, qualquer profissão por
elas exercida vai ser considerada desvio dessas funções sociais, a não ser que haja um
ajuste da profissão aos seus atributos femininos, logo na concepção da nossa
sociedade atuar como professora nas creches é uma extensão da dona de casa, da
mãe. Sendo assim, impensável para os sujeitos do sexo masculino. Considerando tais
atribuições como tarefas femininas, historicamente a educação infantil foi se
configurando em um espaço eminentemente de professoras e isso fica mais evidente
quando se trata das creches.
Analisando dados do Censo Escolar de 20121 a cerca do número de
professores do sexo masculino atuando em creches, constatamos que em um
universo de 189.397 (cento e oitenta e nove mil, trezentos e noventa e sete)
docentes nas creches brasileiras apenas 4.192 (quatro mil, cento e noventa e dois)
são do sexo masculino, contrastando com 185.205(cento e oitenta e cinco, duzentas
e cinco) docentes do sexo feminino. Enquanto no Estado da Bahia dos 7.102 (sete
mil, cento e dois) profissionais que atuam nas creches, apenas 138 (cento e trinta e
oito) são do sexo masculino, observmoas como os números são discrepantes em
nível nacional e estadual.

1 Dados disponíveis no Portal do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP, no
seguinte endereço: http://portal.inep.gov.br/basica­censo­escolar­sinopse­sinopse.
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Na cidade de Jequié­BA, a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia


­UESB oferece desde o ano de 1998 o curso de Licenciatura em Pedagogia²,
graduação que licencia os profissionais para atuarem na educação infantil. Dados
fornecidos pela a Secretaria Geral de Cursos da UESB apontam que nesses quinze
anos de curso, seiscentos e setenta e sete estudantes concluíram o curso de
Pedagogia, sendo que desse número apenas noventa e oito são do sexo masculino. E
como veremos na pesquisas esses licenciados não assumiram a sala de aula nas
creches do município. Tal conjuntura nos provocou curiosidade sobre o que pensa o
graduando do curso de Pedagogia sobre essa ausência, já que eles serão os novos
profissionais licenciados para esse trabalho. Questões como: O que os motivaram a
cursar Pedagogia? Se havia pretensão de trabalhar na Educação Infantil, e por fim
qual a opinião desses acerca da atuação dos sujeitos masculinos nas creches. São
algumas questões que abordaremos no presente trabalho. Apresentaremos ainda
dados da pesquisa realizada nas creches do município. Faremos inicialmente uma
breve abordagem sobre a chamada feminização do magistério, no segundo momento
apresentaremos a metodologia usada na coleta de dados, posteriormente
analisaremos os dados e apresentaremos as considerações finais.

A Feminização do Magistério – uma breve abordagem

Nos últimos anos tem aumentado o interesse pelo estudo do Gênero e o


Trabalho Docente na Educação Infantil e o ensino nas séries iniciais do Ensino
Fundamental. Nos primeiros estudos (ROSEMBERG, 1996; LOURO, 1997;
SAPAROLLI, 1997) apontaram que essas modalidades de ensino há várias décadas
contam com mais de 90% de mulheres. Pesquisas e artigos recentes (SAYÃO, 2005;
EUGÊNIO, 2010; FERREIRA, 2009; PIZZI, 2009 e outros) corroboram com os
primeiros estudos e apontam a associação do trabalho nessa etapa da escolarização
ao trabalho feminino e a recorrente existência de práticas de invisibilidade dos
poucos educadores do sexo masculino.
Para pensar a feminização do magistério, Guacira Lopes Louro (1997)
propõe considerar que depois da metade do século XIX um processo de urbanização
estava em curso no Brasil e também começava a haver aqui a presença de imigrantes;
novas expectativas e práticas educativas e outras oportunidades de trabalho,
instituindo assim um novo estatuto de escola, é nesse contexto que segunda a autora
o magistério se tornou “uma atividade permitida e, após muitas polêmicas, indicada
para mulheres” (LOURO 1997, p. 95).

2 O curso de Licenciatura em Pedagogia da foi autorizado por meio do processo CEE/BA­ 479/96, Parecer CEE Nº
151/97, o qual originou a Resolução do CEE Nº 084/97, que foi publicado no Diário Oficial de 24/12/97.
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Autoras como Maria Eliana Novaes (1984) e Alessandra Arce (1997) em uma
tentativa de responder por que o magistério tornou­se campo de trabalho feminino,
explicam que esta profissão foi uma das primeiras que espaço para as mulheres sob a
aprovação da sociedade, como já vimos em Louro (1997) também para essas
pesquisadoras as mulheres foram impelidas para esta profissão sob a associação da
tarefa educativa com atividade materna e de dona de casa. Novaes (1984) assim
explica a feminização do magistério:
Não é só pelo problema financeiro, da baixa remuneração que os homens não
buscam o Magistério. Vejo mais como um preconceito, um estereótipo social.
Existem homens trabalhando no setor de serviços, às vezes portadores de
escolaridade de segundo grau, trabalhando no comércio ou em escritórios que,
considerando a sua jornada de trabalho, têm salário inferior ao das professoras.
Não é que eu considere o salário das professoras alto, não há como pensar assim.
O problema é que parece, os homens não buscam o magistério porque
tradicionalmente, essa é uma profissão vista como feminina, “Lidar com criança é
serviço de mulher”, em casa e na escola. É assim que pensam, na nossa sociedade,
não só os homens, mas, o que é pior, as próprias mulheres. (p. 96).

Transferidos para a profissão de educadoras os atributos associados


tradicionalmente as mulheres como delicadeza, paciência, o cuidado, o amor, as
professoras tornaram no imaginário social as “mães espirituais” e seus alunos e
alunas passam a ser considerados com seus filhos (LOURO, 1997). Corroborando
com Louro, Marília Pinto de Carvalho (1999) aponta que
A formação da docência pode ser compreendida não apenas como crescimento
numérico das mulheres empregadas como professoras, mas também como
estabelecimento de características de gênero feminino para a ocupação. (1999, p.
71).
A pesquisadora Alessandra Arce (2002) acrescenta ainda que,
[...] Tem sido reforçada a imagem ideal da profissional para a educação infantil
como da mulher “naturalmente” educadora nata, passiva, paciente, amorosa, que
sabe agir com bom senso, é guiada pelo coração em detrimento da formação
profissional. A não valorização salarial, a inferioridade perante os demais
docentes, a vinculação do seu trabalho como doméstico, o privado, e a deficiência
na formação aparecem como resultado desta imagem, que traz na sua base as
determinações de gênero e a divulgação de uma figura mitificada deste
profissional, que não consegue se desvincular dos mitos que interligam a mãe e a
criança (p. 2).

Outro ponto que é apontado como um dos motivos da ausência dos


educadores do sexo masculino nas creches é o cuidar das crianças, o contato com o
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corpo e a visão assistencialista que foi construído em torno da creche. De acordo


com a pesquisa de Joaquim Ramos (2011), o conceito assistencialista atribuído
socialmente à educação infantil e de que a creche substitui a mãe e o papel
desempenhado por ela, dificulta que a tarefa seja avaliada como algo profissional
pelas famílias e pelos próprios docentes, citando a pesquisa de Elizabete Franco Cruz
(1998) o autor diz que,
Dois fatores que explicam a resistência à presença de homens na creche: o fato de
o cuidado com as crianças ser considerado uma função do gênero feminino e as
concepções de educação infantil, fundamentadas numa tradição assistencialista de
creches que servem de substituição da mãe. Nessa concepção, prepondera uma
perspectiva doméstica em oposição a uma perspectiva profissional. Isso dificulta a
incorporação dos homens e de suas propostas de trabalho. (RAMOS, 2011, p.
107)

Nessa mesma perspectiva Deborah Thomé Sayão (2005) em sua tese de


doutorado intitulada “Relações de Gênero e Trabalho Docente na Educação Infantil:
Um Estudo de Professores de Creche aponta para o fato de que o contato com o
corpo das crianças surge como um impedimento para atuação de homens nesse
segmento da educação:
São evidentes os preconceitos e estigmas originários de idéias que vêem a
profissão como eminentemente feminina porque lida diretamente com os
cuidados corporais de meninos e meninas. Dado que, historicamente, e como
uma continuação da maternidade, os cuidados com o corpo foram atributos das
mulheres, a proximidade entre um homem lidando com o corpo de meninos
e/ou meninas de pouca idade provoca conflitos, dúvidas e questionamentos,
estigmas e preconceitos. (SAYÃO, 2005, p.16)

Para Jitt Jensen (1993 apud Sayão 2005) o principal obstáculo à adesão dos
homens à carreira de educador infantil são os baixos salários pagos, associados ao
baixo status da profissão, talvez por isso, há uma preferência para que os homens
atuem como coordenador, ou gestor, é como se este lugar de poder e destaque fosse
natural e legitimo aos homens. Eliana Saparolli (1997) levanta a hipótese de que a
grande presença das mulheres pela concepção de que a profissão parece ter nascido
colada ao gênero feminino, mas sabemos que nada é natural, somos frutos das
construções sociais, que em cada cultura, em cada contexto as construções
socioculturais vão ditando o que é natural ao homem/masculino e a mulher/feminino
e consequentemente quais afazeres competem a cada um, porém devemos estar
sempre dispostos e atentos para problematizar e desnaturalizar essas construções.
Segundo Sayão (2005) há no Brasil uma insuficiência de pesquisas que
consideram o gênero como categoria de análise, o que segundo a pesquisadora
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justifica a algumas ideias “naturalizadas” na área da educação de modo geral, a


exemplo da concepção do magistério como uma profissão feminina e a
associação do cuidar/educar como prática natural das mulheres, na nossa
pesquisa, ainda que não seja de forma aprofundada, consideramos útil o uso da
categoria de gênero uma vez que pensar na categoria essa cateoria “possibilita
estudar as categorizações cujos referentes falam da distinção sexual, mesmo
onde os sujeitos não estão presentes.” (COSTA, 1998, p.186 apud SAYÃO, 2005,
p. 49). Assim, na nossa concepção o conceito de Gênero pode ser um conceito
relevante, útil e apropriado para as questões educacionais por perseguir a
neutralização da ideia quase compulsória do caráter “natural” atribuído ao que é
do feminino e ao que é do masculino.

Um itinerário metodológico

Para iniciar a pesquisa foi realizado um levantamento junto a Secretária


Municipal de Educação dos nomes, endereços e telefones das creches do
município e posteriormente realizamos as entrevistas semi­estruturadas com as
diretoras. Segundo Augusto Triviños (2009, p.146), a entrevista semi­estruturada
tem como características questionamentos básicos que são apoiados em teorias e
hipóteses que se relacionam ao tema da pesquisa. Os questionamentos dariam
frutos a novas hipóteses surgidas a partir das respostas dos informantes.
Além das entrevistas aplicamos um questionário aberto a vinte e três
estudantes do sexo masculino de Pedagogia de um total de trinta e sete
matriculados, o questionário era composto de cinco perguntas, seguindo o que
aconselha Triviños “as perguntas do questionário aberto devem ser poucas:
entre duas e cinco interrogativas são suficientes” (TRIVIÑOS, 2009, 171). Para
esse trabalho selecionamos cinco entrevistas, quanto ao questionário aplicados
aos estudantes o objetivo era saber a opinião destes acerca da ausência do
sujeito masculino nas creches, a motivação para cursar Pedagogia e se havia a
pretensão de trabalhar em creches.
Optamos por aplicar os questionários com os estudantes por
consideramos que os questionários apresentam maior facilidade de análise e
rápido recolhimento de informações. Os questionários foram aplicados
pessoalmente, possibilitando o contato entre o pesquisador e o pesquisado,
permitindo a explicação do questionário, objetivos da pesquisa, etc. Ressaltamos
que houve um interesse por parte dos estudantes e das diretoras em participar
da pesquisa e de ler os resultados finais.
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De “não vejo problema” a “homem não dá conta”: Diálogos sobre a


ausência dos sujeitos masculinos nas creches de Jequié.

O universo da nossa pesquisa abrange as diretoras das oito creches do


município de Jequié, e vinte e três dos trinta e sete estudantes do sexo masculino
regularmente matriculados no curso de licenciatura em Pedagogia da Universidade
Estadual do Sudoeste da Bahia. Os nomes das diretoras, assim como os dos
estudantes, serão substituídos por nomes fictícios, como forma de manter o
anonimato dos participantes.
Iniciando os trabalhos da nossa pesquisa fomos a creches do município
para entrevistarmos as diretoras, fomos bem recebidos por todas que se
pontificaram a participar da pesquisa, começamos com questionamentos comuns a
exemplo, quantidade de salas, quantas crianças estão matriculadas, quantas
professoras compõem a creche e no meio dessa conversa perguntávamos se havia
ou já houve um professor do sexo masculino atuando na creche e qual opinião
quanto diretora em relação a presença do sujeito masculino nas salas de aula das
creches. A diretora Flávia ao responder sobre presença de professores
rapidamente diz:
Não, não tenho não, tenho homens como coordenador, assistente
administrativo, porteiro, mas como professor não! Eu, na minha opinião seria
ótimo, seria um novo olhar , contemplaria ideias novas e os professores que
desejam atuar nessa área, não vejo problemas nenhum.. (Flavia, diretora).

Observamos na fala da diretora Flávia que ela não vê problemas na


possibilidade de atuação um sujeito do sexo masculino como educador na creche.
Observamos, no entanto, que há sujeitos masculinos ocupando alguns cargos na
creche, mesmo que não seja o foco dessa pesquisa, que tem como objetivo a
ausência de educadores do sexo masculino é importante salientar o que já foi dito
anteriormente, ao homem fica reservado os lugares de status, de poder, na creche
da diretora Flávia tem coordenador, auxiliar administrativo, porteiro, menos
educador, confirmando assim o que nos sinaliza Janaina Rodrigues Araujo (2009),
em seu texto Relações de Gênero na Educação Infantil: Questionamentos acerca da
Reduzida Presença de Homens na Docência,
Nos espaços públicos, como no caso da escola, historicamente associada a figura
feminina, os homens buscam desempenhar ações/funções que marquem a sua
superioridade, usualmente envolvidos no controle da disciplina, na segurança
(porteiros,vigias) ou noutros papeis tradicionalmente associados ao poder
(diretor ) e a força (aula de Educação Física, lideranças em festa). (ARAUJO, 2009,
p. 119).
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Na segunda entrevista, é a vez da simpática diretora Luiza, quando


questionada a cerca da presença de algum homem como professor na creche, e a
opinião dela acerca da temática ela nos diz que também não veria problemas,
Não, não tenho, só tenho professoras mulheres, mas seria ótimo, nossos bebês
são crianças carentes seria muito importante ter um homem como professor,
quando chega algum homem para algum serviço, ou visitante é uma alegria
para eles, a maioria não tem pai, seria bom eles terem contato com um
homem, acho que eu só não deixaria dar banho, ficaria receosa por causa dos
pais (...) mas eu acho que a própria Secretaria é preconceituosa, porque nunca
chegou nenhum professor aqui para assumir uma sala. (Luiza, diretora).

Outro aspecto construído no imaginário social a respeito da presença dos


professores homens na educação infantil é a que trata de maneira positiva a interação
que professores do sexo masculino estabelecem com as crianças pequenas. Nesse
caso, prevalece o caráter compensatório dessa figura, a possibilidade da criança criar
um vínculo mais estreito com uma figura masculina, especialmente se essa criança é
privada no ambiente familiar da figura paterna, assim acaba caindo na mesma visão
da professora que “substitui” a imagem da mãe. Isso é evidente quando a diretora diz
que acha importante que as crianças, em sua maioria sem pai, tenham contato com
um professor do sexo masculino. Observamos que não há uma compreensão de que
a creche é uma das etapas da educação e formação do sujeito e que mesmo que a
afetividade faça parte do ensino­aprendizagem, o profissional da Educação que atua
na creche, ou em qualquer fase da Educação Infantil, não tem como função ser
extensão ou/e substituição de pai ou de mãe.
A nossa terceira diretora a ser entrevistada, foi menos otimista em relação as
suas colegas, na opinião de Glória “homem não dá conta de trabalhar com criança
pequena não.Sem contar que ele iria sofrer preconceito por parte da própria
comunidade, iam dizer que isso é coisa de gay e essas coisas de abuso... sei lá acho
que não encaixa”. (Glória, diretora). Na fala da diretora observamos a (re)construção
dos discursos citados no começo desse trabalho, o trabalho com crianças nas creches
visto realmente coisa de mulher, “ homem não dá conta”,
Em uma cultura que atribui características “inerentes” à mulher e características
“próprias” de homem, a mulher é vista como aquela que tem mais tato para lidar
com as crianças. Afinal não são ainda as mulheres que permanecem a maior parte
do tempo com os (as) filhos (as)? Não são elas as responsáveis pelo ordenamento
do lar e da família? (...). (ARAUJO, 2009, p. 117).

Observamos nessa entrevista o que Carvalho (1992) denominou de


“domesticidade da escola”, nesse caso específico da creche, mais uma vez a ideia da
atuação da professora ser uma extensão da dona de casa, da mãe, “é fácil para a
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mulher”, “o homem não nasceu para essas coisas”, Marília Pinto de Carvalho (2005,
p. 95), nos lembra também que nossa cultura compreende a masculinidade e a
feminilidade em termos bipolares; assim o trato com as emoções seria considerado
terreno feminino, o que permite apreender melhor as dimensões de feminização do
ensino da escola primária e das creches. As emoções e o cuidado infantil são tidos
como femininos e feminino é entendido como sinônimo de mulheres.
Observamos ainda como a própria mulher pode reforçar esses
estereótipos e discursos. Outro ponto que chamou nossa atenção na fala dessa
diretora é em relação ao suposto preconceito da comunidade de achar que o
professor é gay e a questão do abuso sexual, dois pontos que são bem relevantes
na discussão a cerca da ausência dos educadores do sexo masculino nas creches e
na Educação Infantil de modo geral. Segundo Janaina Rodrigues Araujo (2009, p.
119),
Quando pensado de modo mais amplo, o receio do abuso sexual parece estar
ligado a ideia de que somente os homens são abusadores em potencial. A figura
da professora dificilmente é associada a uma abusadora. Já no caso do professor,
além dessa associação, percebe­se o temor de que as crianças estejam em contato
com um “afeminado”, seguramente uma má influência para meninos e meninas.

Sayão (2005) em sua pesquisa também observou a relação que é feita da


imagem do homem como abusador em potencial e também a imagem negativa que
se tem de da presença de um professor homossexual nas creches, a autora sinaliza
que “a heterossexualidade compulsória é algo que atormenta as mentes de
profissionais e de algumas famílias. A homossexualidade ainda é concebida como
um problema na cultura da creche” (SAYÃO, 2005, p. 259), a mesma autora
esclarece que deve haver um conhecimento por parte da sociedade e de forma
especial as pessoas que compõem as escolas e creches que “as interações que
meninos e meninas vivenciam com adultos homossexuais, bissexuais,
heterossexuais ou com qualquer outra orientação sexual não são determinantes de
sua própria orientação”. (SAYÃO, 2005, p. 259).
A nossa próxima entrevistada é a diretora Juliana, respondendo a mesma
pergunta a cerca da ausência do sujeito do sexo masculino e se há ou se já houve
professores homens na creche, ela nos respondeu dizendo que não há professor
do sexo masculino, mas que não vê problemas de um homem assumir uma sala de
aula de uma creche, nas palavras da diretora,
Não tenho professor, só mulheres, mas não vejo problema, porque importante é
o profissionalismo, o profissionalismo está acima de qualquer coisa, quanto
aos cuidados, dar banho, essas coisas eu não vejo problema amanhã se você
tiver filhos, você não vai ter que cuidar? Não vai ter que dar banho? Levar ao
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banheiro? Por isso eu cito o profissionalismo, isso é que importa não o sexo da
pessoa. ( Juliana, diretora).

A diretora Juliana, demonstra a preocupação com a formação do docente


das creches, o que ela denomina de profissionalismo, na visão da diretora o que
importa é o trabalho desenvolvido pelo o sujeito, seja do sexo masculino ou do sexo
feminino, resposta semelhante a essa nos foi dada pela a diretora Cláudia, ainda que
não houvesse essa realidade na creche em que ela trabalha a diretora diz que não vê
problemas em um homem ser educador de creche o que tem peso é a sua formação,
nas palavras da diretora “o que interessa é a definição e formação desse sujeito, não
é o sexo que define o sucesso pedagógico, é a formação desse profissional.”
(Cláudia, diretora).
Ainda que as diretoras entrevistadas em sua maioria inicialmente negarem
qualquer forma de discriminação ou de preconceito e se expressarem favorável a
atuação do sujeito do sexo masculino nas creches, os números nos dizem o
contrário. Zero, foi o número de professor do sexo masculino, em um universo de
oito creches do município de Jequié e ainda que na cidade exista um curso de
Pedagogia a ausência desses profissionais nas creches sinaliza que persiste em nossa
sociedade a ideia de que a creche é um espaço de mulheres, os homens que ousam
ocupar esses espaços serão categorizados como “anomalias” Willians (1995 apud
SAYÃO, 2005).
Os homens podem atuar nas creches como coordenadores, porteiros,
auxiliares administrativos, o que nos sinaliza outro fato importante, ainda que com o
feminismo a nossa sociedade tenha avançando em relação a algumas situações, e que
a mulher tenha reivindicado e conseguido espaço em lugares antes só permitido aos
homens, ainda persiste a ideia de que ao homem cabe o púbico, o lugar de destaque,
de chefe, enquanto para a mulher fica reservado o privado e as profissões que
estejam associadas aos seus atributos “naturais”. Todas essas questões apontam que
ainda vivemos em uma sociedade onde o patriarcalismo ainda está presente e paira
também na esfera educacional.

E o que nos dizem os futuros pedagogos?

Os questionários foram aplicados entre os meses de dezembro de 2012 a


março de 2013, contemplamos estudantes do turno matutino e noturno, turnos em
que o curso de Pedagogia é oferecido, como já foi exposto questionário era
composto de cinco perguntas, os vinte e três estudantes se pontificaram a participar
da pesquisa, mostrando interesse sobre a temática. As respostas a esse questionário
serão melhores discutidas em um segundo momento dessa pesquisa, mas achamos
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importante expor aqui e fazermos uma breve discussão.


Dos vinte e três graduandos oito deles afirmaram que não tem interesse em
atuar nas creches e na Educação Infantil, e dezesseis deles responderam que tem
algum interesse em atuar profissionalmente na área da Educação Infantil, em
porcentagem significa afirmar que 18.4% dos estudantes entrevistados não
pretendem trabalhar com crianças e 81.6% demonstra interesse. Desses
questionários selecionamos as resposta de alguns deles para discutirmos.
Entre as respostas dos alunos que afirmaram que não querem atuar, o
estudante Fernando, com vinte e seis anos de idade, militar, respondendo a questão:
Você deseja atuar como professor em creches ou em qualquer outra área da
Educação Infantil? Respondeu: “não porque, não me sinto preparado para atuar
nessa importante fase da educação e não gosto de trabalhar com criança”
(Fernando, estudante). Quanto a questão da presença de educadores do sexo
masculino nas creches, Fernando acha complexo pelo o caráter assistencialista da
Educação Infantil , nas palavras do estudante:
Acho complexo, primeiro a Educação Infantil ainda tem o caráter
assistencialista. E o professor nesse espaço é caracterizado como o ‘tio’ ou a tia,
vinculando ao ser afetivo, segundo, o preconceito dos colegas de trabalho e da
família do alunado.” (Fernando, estudante).

Observamos na fala de Fernando um receio quanto à afetividade presente


na relação professor/criança, elemento constatado na pesquisa de Sayão(2005) como
outro impasse para a presença do sujeito masculino nas creches, para a pesquisadora
à ideia de cuidar e da afetividade como um tabu que reduz o significado profissional
e educativa a um trabalho “inferior”, outro ponto que nos chama atenção é a
referência ao preconceito por parte dos colegas e pela a família das crianças, O
estudo de Flores (2000) apud Sayão (2005) explicitou que o fato das mulheres
considerarem tão natural o que elas faziam na Educação Infantil gerava um tipo de
pensamento que se expressava da seguinte forma: “um homem com H não deveria se
interessar por ser professor de crianças pequenas”, colocando assim a identidade e a
orientação sexual desse docente sob suspeita, o que justifica o receio por parte do
estudante de Pedagogia.
Outro estudante que respondeu ao questionário, ao falar sobre a
possibilidade de atuar como professor de Educação Infantil, disse que “eu não
quero, quero me especializar em Psicologia no término do curso, mas se não tiver
outra alternativa vou ter que enfrentar” (Cláudio, estudante), na resposta desse
estudante observamos que ele coloca a possibilidade de atuar na Educação Infantil
ou em creches como última alternativa, se não tiver outra alternativa “vou ter que
enfrentar”, uma resposta que denúncia uma visão de que o trabalho com crianças é
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colocado como uma profissão inferior em relação a possibilidade de atuar como


psicólogo e outras profissões.
Dentre os estudantes que afirmaram que desejam atuar na Educação
infantil, nos chamou atenção a resposta do estudante Luís, com 24 anos de idade e
sem profissão, Luiz diz que
Defendo a ideia de que tanto homens quanto mulheres tem a mesma
capacidade e competência de atuarem na Educação Infantil. Primeiramente
não há um currículo diferenciado para pedagoga e pedagogos, somos
formados de maneira igual e passamos pela mesmas experiências
acadêmicas.” (Luís, estudante).

A resposta de Luís nos remete a reflexão da necessidade de superar os preconceitos e


assim pensar como uma das diretoras entrevistada disse “o que importa é a formação
desse sujeito”, não é o ser homem ou mulher que define a sua atuação como
educador/a.
Outro graduando do curso de Pedagogia, Gerson, 24 anos, atua como
auxiliar administrativo, disse que deseja atuar nessa área da Educação Infantil , “sim,
quero atuar, pois acredito que atuando neste âmbito da educação, é possível
formar mentes de caráter transformador e inovador.” (Gerson, estudante).
Observamos que o estudante aponta para a necessidade de construímos e pesarmos
a creche como um espaço onde as concepções das crianças são construídas, não
nascemos preconceituosos, misóginos, ou racistas, são construções sociais e
culturais, se uma criança desde a sua primeira etapa educacional tem contato com
professores e professoras estaremos contribuindo para que mude a visão de
separação de profissões, a ideia de que existe trabalho de homem, trabalho de
mulher, devemos pensar na formação desse sujeito como um todo.

Conclusões inacabadas

O trabalho não acabou!Buscamos nesse texto problematizar a temática


acerca da ausência do sujeito do sexo masculino nas creches de Jequié, a ausência foi
comprovada diante da constatação da ausência total de professores do sexo
masculino nas oito creches mantidas pelo o município, o que nos leva aos
questionamentos: onde estão os noventa e oito graduados em Pedagogia nesses
quinze anos de curso? O que levaram esses profissionais a tomarem outros rumos
profissionais, o que pensa os pais sobre o tema, questionamentos que buscaremos
respostas em um segundo momento dessa pesquisa. O que podemos observar até o
momento é ainda que as maiorias das diretoras tenham sinalizado positivamente
acerca da presença desses sujeitos nas creches, sabemos que ainda existe muito
115

preconceito por parte da sociedade, a feminização do magistério como dado


histórico “naturalizou” a creche como um espaço de mulheres, no entanto devemos
repensar essa questão, enxergar como problema e não como algo natural. Parece que
ainda que haja um desejo por parte do sujeito o sexo masculino, em trabalhar nas
creches há uma proibição dessa atuação, pensamos que tais proibições, explicitadas
ou apresentadas mais sutilmente confrontam com a realidade social que atualmente
mostra como as relações humanas e a sociedade mais do que nunca se
transformaram, revendo conceitos, desconstruindo preconceitos, realizando a
revisão das definições e as limitações impostas pelo gênero e nesse processo de
novas configurações as práticas educacionais devem ser incorporadas, buscando o
desenvolvimento de um espaço educacional sem lugar para exclusões e
descriminações.

Referências

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