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Domínio filipino, expansão territorial e escravidão indígena

Na segunda metade do século XVI, o Império português estava consolidado em sua máxima
expansão, englobando variadas formas de colonização, desde o estabelecimento de relações
comerciais regulares com o Oriente até o povoamento associado à produção agrícola no Brasil.

No Oriente, o comércio sofria concorrência de outras potências, e, na América, a Espanha


consolidava várias unidades administrativas, com destaque para Nova Espanha e Peru, com suas
economias em grande parte baseadas na extração mineral.

Após a morte do cardeal-rei D. Henrique, em 1580, Felipe II fez o exército espanhol entrar em
Portugal e, apesar de uma inexpressiva resistência militar dirigida pelo prior do Crato,
consolidou sua posição como novo soberano. Iniciava-se um período de sessenta anos (1580-
1640) em que Portugal e suas colônias permaneceram sob o domínio da dinastia espanhola,
denominado por alguns autores como União Ibérica, que na prática colocava sob o governo
espanhol o maior império colonial da história.

No Brasil, o período coincidiu com importantes movimentos e a expansão da colonização, ao


mesmo tempo que a influência da monarquia Habsburgo se fez sentir em várias orientações de
grande vulto para a colonização.A historiografia clássica sobre o período filipino, que tem em
Joaquim Veríssimo Serrão (1984) o seu principal representante, consolidou a ideia de respeito à
autonomia portuguesa. Contudo, tal entendimento pôde ser revisto à luz do trabalho recente
de Roseli Stela (2000), que demonstra a efetiva interferência espanhola na administração. Ao
deslocarmos o eixo da análise da formatação institucional para os processos decisórios, percebe-
se que os órgãos centrais de Madri foram cada vez mais a instância última da deliberação em
substituição aos Conselhos de Fazenda e de Portugal.

A virada para o século XVII foi marcada pelo esgotamento da revolução dos preços, entre 1590
e 1600 (isto é, o período de alta de preços que caracterizou a conjuntura econômica da Europa,
no século XVI, período estudado por você na disciplina História Moderna), abrindo uma nova
tendência conjuntural na qual o sistema colonial espanhol e português foi abalado por graves
crises. O aprimoramento da administração e a orientação centralizadora, atribuídos pela
historiografi a à monarquia dos Habsburgo, já se esboçara no reinado de D. Sebastião, refletindo
a crescente importância da produção do açúcar brasileiro e as dificuldades do comércio oriental.
Desde 1571, foi esboçada a montagem do que contemporaneamente denominamos de Antigo
Sistema Colonial. A preocupação com as ameaças da concorrência estrangeira produziu uma
ordenação da organização das armadas (Provisão de 15.12.1557 e Provisão de 3.11.1571),
exigindo-se seu aparelhamento bélico, o que aumentava os seus custos e certamente estreitava
as possibilidades de participação de negociantes interessados. A legislação de D. Sebastião
(1571) foi ampliada por novos diplomas em 1591 e 1605, criando uma série de procedimentos
para que barcos estrangeiros obtivessem licença para ir a qualquer porto do Império,
culminando neste último ano com a lei (18.3.1605) que proibia qualquer navio estrangeiro de ir
ao Brasil e a outras partes do Império.

O cuidado especial com as minas foi materializado nos Regimentos das Terras Minerais do Brasil,
instituídos respectivamente em 15 de agosto de 1603 e 8 de agosto de 1618, firmandoprincípio
da livre extração, mediante o pagamento do quinto. Esses Regimentos foram instrumentos
reguladores e disciplinadores da atividade mineradora de metais preciosos que, naquela época,
já eram o objetivo principal de expedições ao interior do continente em busca dos “eldorados”,
já em curso como no caso do governador Francisco de Souza, que será estudado no decorrer
desta aula. Ficava criada a Fundição Real, onde o provedor desempenhava o papel de tesoureiro,
para dar origem, marcar e apropriar o quinto. Esse novo funcionário tinha ainda sob suas ordens
um meirinho e três guardas para vigilância e diligências, e julgava causas relativas às minas até
a alçada de 60 mil-réis, dando contas ao rei em relatório anual.

 A preocupação com a regulamentação e o controle das atividades econômicas, como


noscasos citados dos Regimentos de Minas e, principalmente, a restrição ao comércio
com outros países tornavam efetivo o conceito de exclusivo, base do sistema colonial.
Como você deve lembrar, a colonização da época moderna era baseada no exclusivo,
isto é, as relações econômicas da colônia eram restritas a sua própria metrópole, para
assegurar a extração dos excedentes produzidos. Foi no período estudado que se
tornaram mais efetivas as restrições à participação de estrangeiros nos negócios do
Brasil.

As bandeiras foram expedições armadas que desbravaram o interior do Brasil entre os séculos
XVII e XVIII. Organizadas a partir de São Paulo, voltaram-se na maior parte do século XVII para o
ataque às Reduções e o aprisionamento de nativos que supriam de mão de obra a economia do
planalto paulista. Os líderes e organizadores das expedições confundiam-se em grande parte
com os principais proprietários e representavam as principais famílias da região. Dessa época
datam as denúncias dos religiosos, sobretudo jesuítas, sobre o que consideravam massacre
praticado pelos paulistas. Contemporaneamente, poucos temas mereceram atenção de tão
vasta produção historiográfica. Objeto de extensas e profundas polêmicas historiográfi cas, a
sua percepção variou desde a condenação jesuítica – a “lenda negra” – até a de heróis
construtores da formação territorial da nação na primeira metade do século XX, quando
historiadores paulistas como Affonso Taunay (1975) e Alfredo Ellis (1934) produziram
minuciosas investigações sobre o tema, mas associada à pesquisa histórica estava o que Paulo
Cavalcante (1995) chamou de “memória bandeirante”: uma representação heroica dos paulistas
e o seu papel prevalente na constituição da nação. Vários historiadores importantes se
ocuparam do fenômeno, incorporando novos matizes explicativos. A título de exemplo, Caio
Prado Júnior (1971) valorizou a sua motivação econômica e Sérgio Buarque de Holanda (1981)
destacou os elementos culturais como a intensa aculturação com o indígena como elemento
facilitador das bandeiras. A historiografia tradicional do bandeirismo, representada dentre
outros por Alfredo Ellis (1934) e Affonso Taunay (1975), consagrou a tese do “recuo do
meridiano” – favorecida pela perda de sentido do Tratado de Tordesilhas durante a União Ibérica
– como elemento facilitador da expansão, entendimento contestado por Jaime Cortesão (1958)
para quem a expansão foi o resultado dos próprios interesses coloniais lusoespanhóis e por
trabalhos mais recentes que vinculam a interiorização à dinâmica da economia e da sociedade
colonial. Uma das vertentes bastante difundida no presente é representada por John Monteiro
(1994), que busca entender o bandeirismo a partir das próprias dinâmicas sociais do processo
de colonização.A historiografia mais recente, com destaque para John Monteiro (1994), tem
realçado o bandeirismo de apresamento como uma atividade vinculada à própria expansão da
agricultura no planalto paulista, embora os autores clássicos tenham valorizado o fornecimento
de “negros da terra” para outras capitanias, situação que efetivamente ocorreu de forma mais
pontual, segundo nos parece.

A expansão territorial foi um fenômeno geral, indicativa do aprofundamento da exploração


colonial desde o final do século XVI. Na capitania do Rio de Janeiro, por exemplo, no início dos
Seiscentos foi consolidada a ocupação do litoral sul (Angra dos Reis e Parati), e os colonos se
voltavam para a área da extinta capitania de São Tomé (região de Campos dos Goitacases). No
Nordeste, a economia da cana-de-açúcar produzia um relativo “fechamento” do litoral, do qual
resultaram novos núcleos de povoamento como Filipeia (Paraíba, fundada em 1585), ao mesmo
tempo que a pecuária deslocava-se para o interior, ocupando grande parte do sertão. Do Rio
Grande até a foz do Amazonas, o litoral foi sendo progressivamente conquistado aos indígenas
e aos estrangeiros, com destaque para a ocupação francesa – França Equinocial, no Maranhão.
Vale ressaltar que nunca deixou de existir o movimento de “entradas”, ou seja, de explorações
mais ou menos isoladas do interior do território, nas quais sempre esteve presente a atração
exercida pelos recursos minerais.

A escravidão indígena
O recrutamento de mão de obra é outro aspecto demonstrativo da expansão da colonização. O
crescente emprego de africanos é um forte indício da maior demanda de mão de obra e
mecanismo de acumulação da elite colonial. No entanto, o gentio continuou a ser largamente
utilizado de múltiplas formas e em diversos empreendimentos. O recurso à mão de obra nativa
não foi, portanto, um fenômeno exclusivamente da região paulista ou da Amazônia, sempre
referidas na historiografia e objeto de fortes denúncias dos contemporâneos, tendo como
exemplo o padre Antonio Vieira. O fato da “cativação dos índios” ser sempre uma atividade
sistemática não deve ser considerado como indício da menor importância da produção agrícola,
podendo significar, pelo contrário, fator de incentivo, pela disponibilidade de fatores de
produção, no caso a mão de obra, como já destacou John Monteiro (1994). Se “os paulistas
deram as costas para o circuito comercial atlântico”, eles, por sua vez, desenvolveram “formas
distintas de organização empresarial, tomaram em suas próprias mãos a tarefa de constituir
uma força de trabalho”, na conclusão de John Monteiro, utilizada de forma sistemática, na
“idade de ouro” da produção de trigo, entre 1630 e 1680, e justificando as grandes ações do
bandeirismo de apresamento. No século XVII, convergiram os interesses minerais e agrícolas na
busca de cativos, braços de sustentação de uma produção descrita em todos os autores como
rica em trigo, hortaliças, mandioca, arroz e algodão. No Rio de Janeiro, no final do século XVI, a
população indígena distribuía-se próxima à cidade, em duas aldeias no recôncavo – São
Lourenço e São Barnabé –, mas sua maior concentração ficava no norte da capitania (aí incluindo
áreas da então capitania de São Tomé). No sul da cidade de São Sebastião foram fundadas, no
início dos Seiscentos, as aldeias de Itinga (Itacuruçá) e Mangaratiba. Ambas tiveram sua criação
creditada ao governador Martim de Sá, conhecido pela utilização de mão de obra indígena, tanto
nas ações governamentais, quanto, provavelmente, nas suas propriedades particulares.

Os índios foram problema central da montagem da colonização portuguesa na América. A sua


inserção e/ou resistência ao projeto europeu e a percepção da alteridade estiveram no centro
da preocupação dos colonos e da historiografia, em suas diferentes vertentes: desde a defesa
ou denúncia da sua submissão até a compreensão da dinâmica das sociedades indígenas e as
suas múltiplas formas de inserção no processo colonial. O aldeamento, sob a direção religiosa,
e os sucessivos mandamentos legais não impediram a escravização do gentio, pois a legislação
apresentava muitas “brechas” como, por exemplo, a possibilidade de se praticar a “guerra
justa”, enquanto se aguardava alguma manifestação da metrópole, o que na prática favorecia a
escravização. Nesse sentido, no mundo do trabalho, os aldeamentos não constituíram barreira
intransponível para o emprego do trabalho indígena, da mesma forma que não existia uma
sucessão rígida entre os usos da mão de obra indígena e africana. O trabalho indígena
predominou no início da colonização e manteve-se, guardando uma relação de
complementaridade a outras formas de exploração. Seu declínio parece-nos muito mais ligado
ao déficit demográfico das comunidades nativas do que à progressiva preponderância do
trabalho escravo. Persistiu a insistência dos colonos em submeter os indígenas à escravidão,
como apontado por Schwartz (1988) para a Bahia, ao arrepio dos sucessivos ordenamentos de
1570, 1595 e 1609, contrários à submissão do gentio. O mesmo autor, no entanto, aponta pelo
menos duas outras “formas de coerção” – além da escravidão direta – visando inserir o indígena
na exploração colonial: o aldeamento e a utilização individual por meio de pagamento de salário.

A historiografia mais recente, representada, por exemplo, pelos próprios historiadores Stuart
Schwartz (1998), Jacob Gorender (1978) e John Monteiro (1994), tem chamado atenção para
“as diversas formas de organização do trabalho”, e tal reconhecimento implica repensar
mecanismos como o aldeamento, não em oposição, mas como alternativa à escravidão,
garantindo mão de obra abundante e barata, o que na opinião de John Monteiro (1994)
caracterizou a política indigenista no início da colonização: desenvolver uma estrutura de
trabalho na qual os colonos contratariam os serviços dos nativos. Estaríamos, portanto, diante
do que Gorender denominou “formas incompletas” de escravidão indígena, onde se incluem os
“sistemas de administração” – os aldeamentos, o pagamento de salários e o trabalho
compulsório. No primeiro caso, compreendem-se as aldeias como parte integrante do complexo
econômico colonial, garantindo a produção de abastecimento e representando uma espécie de
reserva de mão de obra. A colônia tivera, durante o domínio espanhol, uma relativa expansão
econômica e após a Restauração, numa conjuntura de “atlantização do Império”. O fato de o
Brasil se destacar como seu principal centro não deve ser compreendido apenas pelo declínio
da exploração ou encolhimento das conquistas africanas e asiáticas, mas também pelo
aprofundamento da exploração americana. O balanço dos sessenta anos de domínio espanhol
aponta para uma consolidação da exploração colonial. Foram ampliados a exploração
econômica e o domínio do território, assim como a administração foi ampliada, consolidando o
modelo de colonização mercantilista da época moderna.

Envolvida de forma intensa na política europeia, a crise sucessória de 1580 colocou Portugal sob
o domínio da Espanha, governada pela dinastia de Habsburgo, tendo repercussões no Brasil. O
processo de colonização sofreu o impacto de novas orientações, como: o maior rigor das regras
monopolistas e exclusivas do sistema colonial; a regulamentação das atividades econômicas e a
aplicação e centralização da administração. O período coincidiu com uma conjuntura favorável
para a produção e comercialização do açúcar e a busca de metais, contribuindo para o processo
de expansão territorial.

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