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Os irmãos Rebouças e as perspectivas da imigração espontânea no

Paraná (1865-1875)
Alexandro Dantas Trindade1

RESUMO:
Pretendo analisar o percurso sócio-profissional e intelectual dos engenheiros André e
Antonio Rebouças no Paraná, entre 1865 e 1875. A mais jovem província do Império,
emancipada de São Paulo em 1853, soava estratégica para os irmãos engenheiros, que
nutriam expectativas de elevá-la ao que de melhor a tecnologia e os métodos de
gerenciamento europeus e norte-americanos pudessem oferecer, vislumbrando-a como um
modelo para as demais províncias. Ao me propor analisar a trajetória dos Rebouças,
particularmente de André, pela província do Paraná, tenho a intenção de iluminar alguns
aspectos do debate intelectual daquele contexto, tais como os horizontes da modernização
material, a colonização e a imigração espontânea, a transição para o trabalho livre, dentre
outros temas.

PALAVRAS-CHAVE:
Rebouças, André; Rebouças, Antonio; Brasil – Império; Paraná; Modernização; Escravidão;
Reformismo; Imigração; Colonização

Este texto tem o propósito de expor e analisar as trajetórias sócio-profissional e


intelectual dos irmãos André e Antonio Rebouças, afro-descendentes de origem baiana, no
que diz respeito aos projetos nutridos por ambos para a província do Paraná. As discussões
aqui expostas são preliminares, pois se trata de uma pesquisa em andamento e cujo escopo
maior visa mapear um conjunto significativo de discursos e representações produzidos no
âmbito do pensamento social, ao longo do século XIX, a respeito das potencialidades
econômicas e sociais do Paraná, não apenas por parte dos Rebouças, mas por outros
autores e agentes. O foco inicial nos Rebouças é resultado, particularmente, da minha tese
de doutorado (TRINDADE, 2004), embora sejam relativamente inéditos os temas aqui
abordados. Assim, ao me propor analisar estas trajetórias específicas, tenho a intenção de
iluminar futuramente alguns aspectos do debate intelectual daquele contexto, tais como os
horizontes da modernização material, a colonização e a imigração, a transição para o
trabalho livre e, num recorte mais amplo, a leitura produzida por diversos autores quanto à
peculiaridade da formação meridional do Brasil.
Este debate, preocupação de parcela significativa da elite intelectual oitocentista no
Brasil, teve como espaços privilegiados associações tais como o Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, a Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, o Instituto Politécnico,
as diversas Sociedades de Aclimação provinciais, a Sociedade Central de Imigração, as

1
Professor adjunto de Sociologia da Universidade Federal do Paraná (Deciso / UFPR).
2

expedições científicas de mapeamento do território, dentre outras esferas nas quais


particularmente os Rebouças participaram. Assim, minha análise visa entender também o
papel jogado naquele contexto por certas instituições criadas na esteira do processo de
formação e consolidação do Estado brasileiro.
Tais Sociedades, que tinham um caráter científico, mas também político num sentido
mais amplo, criadas no espírito da Ilustração, faziam parte do que podemos entender como
sendo a complexa “artesania política” que representou, por parte do Estado brasileiro, a
formação de um “corpo de intelectuais preparado para operar na linguagem e no universo
cultural das nações européias” (COSTA, 2003, p. 79). O Brasil, como de resto os países da
América Latina, recém-liberto do jugo colonial, e surgido sob a égide de um sistema mundial
de Estados-nações, padecia da fragilidade estrutural que consistia em “realizar de forma
concentrada um percurso político que a Europa fizera em um prazo de séculos” (Idem, p.
72). O mero rompimento com a antiga metrópole não garantia automaticamente a
legitimação de suas pretensões à entrada naquele sistema, e o reconhecimento
internacional à sua condição de nação soberana demandava algumas tarefas
imprescindíveis, tais como a organização de um centro político estável, a instituição de
formas mais ou menos canônicas de representação política, a demonstração de
homogeneidade cultural, a instituição de uma literatura original, e, particularmente no que
nos interessa aqui, um controle efetivo sobre o território. Todas elas, tarefas tornadas mais
difíceis justamente em razão da manutenção e mesmo recrudescimento das “heranças” do
Antigo Sistema Colonial com o qual se buscava romper, como o território das possessões
portuguesas na América, a escravidão e o tráfico negreiro, assim como a própria monarquia
(Idem, ibidem).
A criação e a rotinização de instituições e carreiras profissionais e intelectuais, como a
engenharia, fazia parte do estabelecimento de “novas rotas de peregrinação para seus
intelectuais”, nos moldes das Societés Savantes e congêneres européias, as quais os
tornavam peças-chave na configuração da “geografia política” da nação. Afinal, ser
intelectual naquele contexto era, sobretudo, possuir o “domínio da palavra escrita, signo de
nascimento privilegiado”, capital altamente valorizado numa sociedade escravista e
excludente e, em função disto, garantia para a saída da obscuridade (Idem, p. 81), mesmo
para homens de pouca ou relativa fortuna, como era o caso dos Rebouças.
O Paraná, a mais jovem província do Império, emancipada da província de São Paulo
em 1853, soava estratégica nesse sentido. A indefinição de suas fronteiras a oeste e ao sul,
bem como a necessidade de construção e melhoramento de suas vias de comunicação,
3

foram motivo de preocupação permanente, presente nos relatórios provinciais desde 1854.2
Diversos engenheiros, brasileiros e estrangeiros, foram mobilizados no sentido de estudar e
mapear o território e os traçados dos seus principais rios ao longo da segunda metade do
século XIX, e é nesse contexto que os nomes dos irmãos Rebouças despontam, partícipes
que foram de diversos projetos de reconhecimento do território da província, gestores de
projetos empresariais e executores de traçados ferroviários.3
Também para os Rebouças, a província do Paraná soava estratégica do ponto de vista
de seu potencial econômico e geopolítico, e ambos ansiavam por elevá-la ao que de melhor
a tecnologia e os métodos de gerenciamento europeus e norte-americanos pudessem
oferecer. O tom por vezes utópico de André é compartilhado também por Antonio Rebouças,
embora o último não tenha tido uma produção intelectual significativa, limitando-se à
participação em empreendimentos rodo-ferroviários e à exploração fluvial e do território,
engajando-se em expedições científicas, sendo a mais notória delas a expedição Christian
Palm / William Lloyd, da qual falaremos adiante. Ademais, Antonio Rebouças faleceu
prematuramente em 1874, aos 35 anos de idade, ao passo que André viveria até 1898. No
entanto, muito da eloqüência do abolicionista e reformista social André Rebouças,
particularmente suas perspectivas de modernização material, foi feita à base da valorização
das iniciativas profissionais e empresariais de ambos na província paranaense. Acredito que
algumas notas biográficas breves esclareçam o sentido deste percurso em comum.

Do Recôncavo Baiano para a corte do Rio de Janeiro


Naturais de Maragogipe, cidade da região do Recôncavo Baiano, as trajetórias dos
irmãos Rebouças são indissociáveis até 1864. André e Antonio nasceram, respectivamente,
em 1838 e 1839. Aqueles anos foram muito significativos para a trajetória da família, que
acompanhou a eclosão de uma das tantas rebeliões provinciais do período da Regência, no
caso a “Sabinada”, no bojo da qual, idéias federalistas e republicanas tiveram apoio desde
as camadas médias e comerciantes às populares, incluindo uma parcela de escravos.
Contudo, a região natal dos Rebouças ficou a salvo da rebelião, pois os senhores de
2
Os relatórios dos presidentes de província podem ser consultados na íntegra no seguinte endereço eletrônico:
<http://www.crl.edu/content.asp?l1=5&l2=24&l3=45>.
3
Tanto que a historiografia paranaense, sobretudo sob a égide do Instituto Histórico e Geográfico Paranaense
fundado por Romário Martins em 1900, tem dado destaque à contribuição dos engenheiros em diversas ocasiões.
Logo no seu segundo número, o Boletim do IHGP, de 1917, reproduziu uma memória de André Rebouças
intitulada “O Parque Nacional do Guayra”, de 1876. Anos mais tarde, o mesmo Boletim republicou o artigo,
agregando outras memórias dos irmãos Rebouças, em 1975, ocasião em que Francisco de Paula Dias Negrão
escreveu: “São eles [os irmãos Rebouças] credores da gratidão dos Paranaenses, pois seus vastos serviços
científicos, seus preciosos projetos e cogitações, estudos e traçados ferroviários e fluviais, aí estão, atestando o
interesse e amor que votavam às coisas do Paraná. O Paraná, tão pródigo em levantar estátuas a brasileiros
ilustres, é certo, ainda não pagou sua divida de gratidão para com esses devotados e ilustres patriotas, glórias da
engenharia brasileira” (NEGRÃO, 1975, p. 7).
4

engenho, apoiando a monarquia unitária, assim como o advogado autodidata Antonio


Pereira Rebouças, pai de André e Antonio, ajudaram a sufocá-la. Isto, mais o papel nas
lutas contra a resistência portuguesa em 1822, teriam assegurado ao patriarca da família
Rebouças reconhecimento social junto à elite imperial. Apesar da família nunca ter feito
parte da elite dirigente, seus membros tiveram recursos materiais e simbólicos significativos,
ampliados em função da projeção do patriarca, fato que garantiria aos filhos certa facilidade
no acesso a postos importantes. É importante reter que Rebouças, pai, fora um
intransigente defensor do poder moderador e adversário da proposta de uma monarquia
federativa, e sua atuação durante o período do “regresso” lhe granjeara o apoio de uma
série de políticos conservadores, cuja importância ficaria patente, por exemplo, no
desempenho de André sob o gabinete ministerial do Visconde de Itaboraí, membro do
Partido Conservador e importante figura da elite saquarema, ou seja, a “linha dura”
responsável, durante o período que vai de 1837 a 1850, pelo processo de centralização
imperial (GRINBERG, 2002; TRINDADE, 2004; MATTOS, 1987).
Em 1846 a família migrou para o Rio de Janeiro, ingressando os irmãos no curso de
Engenharia da Escola Militar em 1854 – embrião da Escola Politécnica criada em 1874 –,
diplomando-se ambos em 1861, como engenheiros militares. Viajaram à Europa de fevereiro
de 1861 a dezembro de 1862, fazendo uma verdadeira peregrinação pelos portos, arsenais,
estradas de ferro, túneis, viadutos, e tudo o mais que a engenharia do período podia
proporcionar de mais avançado tecnologicamente em diversas cidades da França, Inglaterra
e Holanda. Apesar do entusiasmo de ambos pela engenharia civil e pelos empreendimentos
portuários (no caso de André) e rodo-ferroviários (no caso de Antônio, embora André
também atuasse intermitentemente em alguns empreendimentos, mas como administrador e
acionista), foram como engenheiros militares que iniciaram suas carreiras, em seu retorno
ao Brasil em fins de 1862.

Da Corte para o Sul do Brasil


Em dezembro de 1862 os irmãos foram nomeados pelo Ministro da Guerra Polidoro
Jordão, para vistoriar as fortalezas do sul do País, desde Santos até Santa Catarina,
passando por Paranaguá, permanecendo nesta atividade entre janeiro e outubro de 1863. A
missão concedida tinha como objetivo recuperar as fortalezas consideradas vulneráveis do
Império, sob o clima de tensão que a ruptura de relações diplomáticas com a Inglaterra –
produto da “Questão Christie” – produzira.4 Assim, suas primeiras atividades profissionais

4
Para além da tensão que envolvia a normalidade da relação anglo-brasileira, a inabilidade e prepotência do
ministro inglês, Willian Douglas Christie, agravado por uma série de outros acontecimentos imprevistos (como o
naufrágio e perda da carga do Prince of Walles no litoral gaúcho sem a abertura de inquérito que dirimisse as
5

dão bem a idéia de quão privilegiada era a posição de ambos, permitindo-lhes tomar
consciência da fragilidade do Brasil no tocante à defesa de seu território. Segundo Joaquim
Nabuco, também neste ponto o incidente diplomático permitira ao País, embora
tragicamente, atestar o quanto estava “inteiramente desarmado, sem exército e sem
marinha” (NABUCO, 1997, p. 537), numa linha de argumentação que também não fugia a
André Rebouças, quando de sua crítica à falta de profissionalismo e às interferências
políticas na condução dos esforços da Guerra da Tríplice Aliança, da qual participaria.
A estadia dos irmãos na ilha de Anhatomirim, recuperando a Fortaleza de Santa Cruz,
em Santa Catarina, permitiu a André Rebouças esboçar, em um Diário que começaria a
escrever a partir de então, registros, notas e projetos de modernização material para as
províncias do Império. São as notas contidas em seu Diário, inclusive, que nos permitem
deduzir o reconhecimento com que ambos foram vistos como intermediários entre oficiais do
exército e administradores, diretores de obras públicas, presidentes de Província e Ministros
de Estado, e nos dar uma dimensão das redes sociais que lhes permitiriam no futuro alçar
vôos mais largos nos horizontes da profissão.
No caso de André Rebouças, a viagem que faria aos portos e docas das províncias
nordestinas, em maio do ano seguinte, ampliaria seus contatos também com engenheiros
civis e práticos, iniciando uma longa relação que se patentearia nas propostas de Rebouças
para formação de um Corpo de Engenheiros Civis e que desembocaria na sua ativa
participação junto ao Instituto Politécnico. Dentre estes contatos, destaca-se a figura de
Beaurepaire Rohan, o qual fora presidente da província do Paraná de 1855 a 1856, futuro
ministro da guerra em 1864, e cuja amizade com Rebouças pode ser percebida pelos
interesses em comum, dentre eles as preocupações com escravidão, o combate às secas
nordestinas, a crítica à grande propriedade territorial, bem como projetos ferroviários.5
Já apenas há alguns meses em Santa Catarina, o presidente da província, Pedro
Leitão da Cunha, convidara André para dar um “parecer sobre o pedido de concessão da
Estrada de Ferro de Sta. Catarina ao Rio Grande do Sul, apresentado por J. Dias da Cruz
Lima”.6 No mês seguinte, escreveria em seu Diário o encontro que tivera com o Visconde de
Barbacena, também engenheiro militar, ex-presidente da província do Rio de Janeiro em
1848, e um dos primeiros diretores de estradas de ferro no Brasil (BLAKE, 1883-1902). O

dúvidas sobre o evento, e a prisão e soltura de oficiais britânicos na corte sem a devida abertura de processo
formal), acentuaram o clima de animosidade e denúncias mútuas que redundaria na ruptura diplomática, só
reatada durante a Guerra do Paraguai, mais precisamente no acampamento montado por conta do cerco de
Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, em setembro de 1865.
5
Ver, por exemplo, seu discurso “O Futuro da Grande Lavoura”, no Congresso Agrícola do Rio de Janeiro em
1878, cujos argumentos são bastante próximos aos de Rebouças e outros membros da Sociedade Central de
Imigração.
6
André Rebouças, Diário pessoal, manuscrito, 13 de junho de 1863. Doravante, indicarei apenas como Diário.
6

Visconde lhe prometera uma audiência com o Ministro da Agricultura, Cansanção do


Sinimbu, para estudar, junto com o irmão, o melhoramento do porto da Laguna, no Rio
Grande do Sul, fato que o animara, por lhe dar esperanças de novas perspectivas de
atuação profissional. Contudo, ainda não seria desta vez que André se desvencilharia da
burocracia militar, sendo em 1864 designado pelo Ministério da Marinha para estudar as
fortalezas de Pernambuco, Paraíba e Maranhão. Já Antonio Rebouças, naquele mesmo
ano, fora nomeado Engenheiro-Chefe da Estrada da Graciosa, ligando Antonina a Curitiba.

Consolidando as fronteiras do Sul do Brasil


Mal completara alguns meses de seu retorno daquelas províncias do norte, e André
Rebouças partiria novamente para o sul, agora na condição de 1º Tenente Engenheiro, para
participar da Guerra do Paraguai. No entanto, havia pensado antes em alistar-se não como
oficial, mas como membro dos corpos de “Voluntários da Pátria”, recém-criados pelo
governo, oferecendo-se para ir com o irmão “abrir no tempo mais curto possível uma estrada
estratégica da Província do Paraná ao Paraguai aproveitando o Rio Curitiba [sic]”.7 André se
empenhou neste projeto e o apresentou ao então ministro da Guerra, Beaurepaire Rohan,
que o acolheu com simpatia. Entretanto, o Ministro da Agricultura e Obras Públicas, Jesuíno
Marcondes de Oliveira, natural do Paraná, e por duas gestões presidente daquela
província,8 também reivindicava a autoria do projeto, afirmando ademais desconhecer a
origem do manuscrito que Rebouças lhe entregara. Dias mais tarde André saberia através
de outro funcionário ter “ouvido taxarem de “utopia” o projeto da Estrada Militar por mim
feito. Eis o segredo que tem guardado o Sr. Marcondes”.9 O projeto de construir uma
“estrada de ferro estratégica” entre Antonina e Miranda, em Mato Grosso, quando não em
Assunção, no Paraguai, seria retomado pelos Rebouças após sua participação no conflito,

7
Diário, 9 de janeiro de 1865. No registro do dia 22 aparece “Rio Curitiba ou Iguassú”.
8
O Cel. Jesuíno Marcondes de Oliveira nasceu em 1827, no município de Palmeira, formou-se em direito na
Faculdade de Olinda, e foi membro do Partido Liberal. No Paraná, foi Inspetor Geral de Educação vice-
presidente entre 1878/9, além de deputado provincial nos biênios de 1854-55, 1856-57, 1860-61, e representante
paranaense na Câmara dos Deputados durante três legislaturas; ocupou o posto de Ministro de Estado dos
Negócios de Agricultura, Comércio e Obras Públicas, ocasião em quando autorizou as comissões Keller e Jardim
a efetuarem explorações para verificar a navegabilidade dos rios Iguaçu, Paranapanema, Tibagy e Ivay; mandou
abrir uma estrada entre Palmas e Corrientes, e deu início a uma estrada entre Curitiba e o Porto de S. Francisco.
Esta última obra foi sustada por ir contra os interesses dos conservadores de Paranaguá. Estava à frente do
governo da Província quando foi proclamada a República’. Poucos meses após o advento da República, mudou-
se com sua família para Genebra, na Suíça, onde faleceu em outubro de 1903 (BLAKE, 1883-1902).
9
Diário, 17 de março de 1865. Anos mais tarde, quando Rebouças resolvera auto exilar-se após a proclamação
da Republica, redige uma carta destinada a Joaquim Nabuco, em 1891, voltando à carga contra Jesuíno
Marcondes, segundo ele “cognominado Jesuíno dos Carneirinhos – porque das proprias janelas do Ministério
comprava carneiros para suas fazendas do Paraná. Foi esse cínico quem converteu meu projeto na Comissão
Álvaro-Jardim para descobrir o Campo-Erê, que ele pretendia adicionar aos seus latifúndios e abrir picada para
comercio de mulas com Entre Ríos e Corrientes!!!” (Rebouças para Joaquim Nabuco, 1º de outubro de 1891).
7

quando de sua presença, junto com seu irmão, nos empreendimentos ferroviários da
província do Paraná.
A ocupação paraguaia da província de Mato Grosso, em dezembro de 1864, e sua
ofensiva posterior invadindo o Rio Grande do Sul, cruzando as províncias argentinas de
Corrientes e Entre Ríos em 1865, deflagrou o maior conflito bélico da América do Sul: a
Guerra da Tríplice Aliança entre Argentina, Brasil e Uruguai contra o Paraguai. Todavia, a
guerra pode ser interpretada também no âmbito das contradições platinas, ainda que não
diretamente ligadas a elas, as quais remontam à consolidação dos Estados nacionais na
região, e aos conflitos endêmicos da única “fronteira viva” entre as possessões coloniais
portuguesa e espanhola (DORATIOTO, 2002; COSTA, 1996). Não foi sem motivo que a
primeira província a ser invadida era a mais distante e isolada do Império, uma vez que
Mato Grosso, capitania criada em 1748 por desmembramento da de São Paulo, juntamente
com Goiás, fora parte da estratégia geopolítica colonial portuguesa na definição das
fronteiras com o território do império espanhol (GARCIA, 2001).
A tomada de consciência da fragilidade das fronteiras do Império – particularmente
vivenciada por Mato Grosso e Rio Grande do Sul –, produto da experiência pessoal
adquirida in loco, é o elemento que mobilizará o interesse de André Rebouças e dirigirá seu
empenho intelectual e profissional. Pode-se dizer, nesse sentido, que a Guerra do Paraguai
teria um valor heurístico não só para este autor, como também para outras figuras das elites
intelectual e política daquele contexto. No caso de André Rebouças, o drama da integração
territorial poderia ser equacionado através de um conjunto de medidas que passavam,
preferencialmente, pelo reconhecimento da importância estratégica da província
paranaense.
Apesar do tempo relativamente curto de permanência de André Rebouças na Guerra,
que foi entre maio de 1865 e junho de 1866, ele teve ocasião de presenciar alguns dos
episódios simbolicamente mais dramáticos do conflito, como o cerco à cidade rio-grandense
de Uruguaiana, uma parte do território brasileiro que, justamente pro ser objeto de litígio de
fronteiras, fora ocupada pelo exército paraguaio. Alem disso, participou das primeiras
operações do exército brasileiro em território paraguaio, no acampamento do Passo da
Pátria e Tuiuti, tendo sido encarregado, inclusive, da redação do Diário Oficial da expedição
de ocupação da Ilha de Redenção e do Forte de Itapiru, entre abril e junho de 1866,10 o que

10
Acampado em Passo da Pátria, Rebouças retorna enfermo para Corrientes entre os dias 5 e 26 de maio, não
participa pessoalmente, portanto, da maior batalha campal da Guerra, a “Batalha de Tuiuti”, que culminou numa
vitória aliada. Apesar de doente, Rebouças continua a registrar os acontecimentos e anotar os comentários sobre
o andamento das operações. O caderno no qual estão assentadas as notas da Guerra do período de março a junho
de 1866 foi publicado integralmente por Maria Odila Silva Dias (1973), permanecendo inédito até então. Tal
material apresenta em riqueza de detalhes notas sobre a movimentação da tropa aliada sediada entre a província
8

dá bem a medida de sua posição: afinal, redigir um relatório era compor a versão oficial da
guerra, ao mesmo tempo em que lhe permitia ter acesso a documentos e fontes que não
estavam à disposição da maioria dos combatentes e mesmo de oficiais subalternos. Sua
patente de 1º tenente também não fora empecilho para travar conversas diretamente com os
generais sobre as estratégias de guerra, sendo a melhor demonstração disso uma carta
redigida diretamente ao Ministro da Guerra, ocupado então por Ângelo Ferraz, escrita a
bordo do vapor 11 de junho que, a caminho de Uruguaiana, levava o almirante Tamandaré e
o Comandante em Chefe das forças aliadas, o General Bartolomeu Mitre, presidente da
Confederação Argentina. Rebouças teria conversado com ambos a propósito da melhor
estratégia para expulsar os invasores paraguaios daquela cidade e, em seguida, redigido a
correspondência, na qual pedia que o ministro intercedesse diretamente com o Imperador,
argumentando que os interesses comerciais uruguaios e político-eleitoriais de riograndenses
contra Uruguaiana seriam os únicos motivos para o bombardeamento e destruição daquela
11
cidade.
Os Rebouças nutriam uma profunda desconfiança das elites provinciais, e o tom com
que se dirigia aos oficiais da Guarda Nacional, e em particular à milícia rio-grandense, a
ponto de compará-la com o caudilhismo e militarismo dos países vizinhos, atesta o quanto
tal visão era compartilhada pela elite dirigente comprometida com a centralização imperial.
Assim, em meados de 1865, André Rebouças acreditava, equivocadamente, num
rápido desfecho para a Guerra. Tecia considerações sobre os prováveis benefícios que ela
poderia trazer num futuro próximo, talvez uma forma de compensar o péssimo desempenho
da campanha militar, e seus terríveis efeitos. Dentre as mudanças benéficas que poderiam
eventualmente ocorrer, previa o incremento de vias de comunicação, como estradas de ferro
e navegação regular dos rios que serviam ao teatro das operações, bem como a imigração e
a formação de colônias agrícolas, particularmente regidas pela pequena propriedade. O
conjunto destas reformas apareceria de forma nítida somente a partir de meados da década
de 1870, após o interregno entre 1866 – quando se desliga do Exército – e 1875, ocasião
em que se tornara um dos principais engenheiros e empresários responsáveis pela
modernização portuária do Rio de Janeiro. Após a viagem empreendida aos Estados Unidos
em 1873, André Rebouças praticamente abandonaria as grandes obras de engenharia e
suas empresas, e passaria a se dedicar ao jornalismo, escrevendo inúmeros artigos em
periódicos como a Revista Novo Mundo (1870-1879) editada por José Carlos Rodrigues em
Nova York, publicando diversos opúsculos e memórias, participando intensamente da

de Corrientes e a bifurcação dos rios Paraguai e Paraná, bem como transcreve o Diário Oficial da expedição
acima.
11
Diário, 8 de setembro de 1865.
9

Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional e do Instituto Politécnico, e publicando seus


principais livros, a saber, Garantia de Juros: estudos para sua aplicação às empresas de
utilidade pública no Brasil, (1874) e Agricultura Nacional. Estudos Econômicos. Propaganda
Abolicionista e Democrática, (1883).
A despeito da vasta produção e da diversidade de temas encontrados nestes
trabalhos, pode-se perceber um determinado tratamento comum que consiste no
“triangulamento” de soluções possíveis para a superação do “espírito de rotina”, que se
traduzia, por um lado, na tutela do Estado sobre a economia e sobre a livre iniciativa, e por
outro, na manutenção de uma agricultura mercantil-escravista. Assim, em relação à
agricultura, a imigração e a colonização, tanto quanto a criação de engenhos e fazendas
centrais, serviriam para modernizá-la, cumprindo também um duplo papel: fundamentais na
substituição do trabalho escravo para o trabalho livre, et pour cause, apressariam a divisão e
o parcelamento das grandes propriedades entre os libertos, colonos nacionais e, fechando o
círculo, imigrantes estrangeiros, cujas condições de fixação no Brasil dependeriam
principalmente da existência de um mercado de terras acessível aos pequenos proprietários,
praticantes de uma lavoura diversificada à base de técnicas sofisticadas de plantio, colheita
e processamento. Compondo ainda o caleidoscópio das reformas, previa que os
melhoramentos das vias de comunicação, tais como estradas de ferro, navegação fluvial e
modernização portuária, facilitariam o escoamento e embarque da produção agrícola,
permitiria emprego aos imigrantes e nacionais e, fundamentalmente, integrariam o território
brasileiro. Na outra ponta, lançava mão de instrumentos jurídicos e de política econômica
que permitissem o financiamento deste tipo de modernização, tais como certos mecanismos
de crédito, uma legislação sobre empresas concessionárias de serviços públicos, outra de
garantia de juros, disposições sobre tarifas alfandegárias de caráter fiscal, auxílios à
agricultura e sobretudo, um imposto territorial, recaindo não sobre a produção agrícola, mas
sobre a área ocupada, com o fito de subdividi-la.

O Paraná como província estratégica


Inegavelmente André Rebouças vislumbrou no Paraná a possibilidade de
concretização deste formidável conjunto de reformas econômicas e sociais. Nas notas feitas
quando em viagem pelo que denominava “Oeste” dos Estados Unidos, mas que de fato
compreendera o transcurso por Nova York, Massachussets e Pensilvânia em pouco menos
de duas semanas, André Rebouças, navegando pelo “East River”, comparava aquele rio
com os “salgueiros, praias de areia, colinas verdes [e] vegetação sempre mediana” do rio
10

Paraná “desde a boca do Iguassú até Itapirú”.12 Por suas condições climáticas, de
salubridade e de fertilidade, aquela província seria a
região predestinada para a imigração espontânea no Brasil. No dia em que o Paraná tiver vias de
comunicação, os imigrantes afluirão para ali aos cem mil, como agora para os Estados Unidos.
A simples estrada de rodagem da Graciosa tem feito imigrar para o Paraná colonos de todas as
outras províncias do Império! (REBOUÇAS, 1883, p. 85).

No entanto, às razões de ordem física justapunham-se as razões de ordem geopolítica


– as quais André concebera a partir da experiência vivida na Guerra do Paraguai – bem
como as de ordem econômica, às quais Antonio perseguira concretamente enquanto
engenheiro e empresário. Nesse sentido, digna de nota foi a empresa montada por ambos,
a Companhia Florestal Paranaense, da qual falarei adiante.
No caso de Antonio Rebouças, este fora nomeado Engenheiro-Chefe da Estrada da
Graciosa em 1864. O interesse nesta estrada de rodagem, que ligava Antonina a Curitiba,
mobilizou quase todos os presidentes que ocuparam a Província do Paraná desde 1853
(KROETZ, 1985; POMBO, 1980). O engenheiro responsável pelas obras iniciais foi Henrique
de Beaurepaire-Rohan, que esteve na direção delas de 1854 a 1864. No entanto, até aquela
data, em função das grandes despesas exigidas para sua construção, pouco se tinha feito
de melhorias senão algumas pontes. Antonio Rebouças, em 1864, propôs novas diretrizes a
fim de melhorar seu traçado, e a obra contou com mais recursos financeiros. Um fator que
lhe favorecia era a reiteração do uso estratégico e militar da estrada, agora com o advento
da Guerra do Paraguai (SILVA TELES, 1994, p. 219). Antonio permaneceu na obra até 1867,
quando, em função de fortes chuvas, uma parte da estrada foi danificada. Sua substituição
pelos engenheiros Luiz Pereira Dias e Gottlieb Nielland, entretanto, também teria sido
motivada pela decisão do Conselho de Estado de enviá-lo à Venezuela, como adido
especial.
André Rebouças foi enfático em condenar a inconveniência para seu irmão desta
viagem, pois isso significaria abandonar a concretização da Estrada da Graciosa, que André
percebia como sendo o “tronco da comunicação de Antonina à capital do Paraguai”.13 André
tentara persuadir Zacarias de Góis, então ministro da Fazenda, que atendeu seu pedido,
prometendo-lhe inclusive mais recursos. No entanto, uma vez que havia sido o próprio
Imperador o autor da indicação de Antonio para a comissão, que não se restringiria à
Venezuela, mas também ao Chile, acabou prevalecendo a vontade do chefe de Estado.
André só voltaria a rever o irmão no dia 16 de maio de 1868, para logo em seguida separar-
se dele, uma vez que Antonio agora iria explorar a tão almejada estrada estratégica de

12
Diário, 13 de junho de 1873.
13
Diário, 21 de fevereiro de 1867.
11

Curitiba ao Paraguai. Rebouças expôs em seu Diário, naquela ocasião, as seguintes


considerações:
Deus os ajude [a Antonio Rebouças e a seu ajudante, o engenheiro alemão Peter Scherer,
Maurício Schwartz e Júlio Kallman] em seus penosos trabalhos e dê ao Brasil um Governo
capaz de realizar as estradas para Assunção, capital do Paraguai, e para a fronteira do Mato
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Grosso pela província do Paraná.

Antonio Rebouças, a partir de maio de 1868, estava encarregado agora do estudo da


estrada que partia de Atonina, passava por Curitiba e seguia para o interior, até o Rio Ivaí.
No entanto, apenas em 1871 o Governo concederia a permissão para a construção da
estrada de ferro de Antonina a Curitiba, passando por Morretes, através do Decreto 4.674,
de janeiro de 1871, concessão essa dada aos engenheiros Antonio Rebouças, Francisco
Antonio Tourinho e Maurício Schwartz. Outro Decreto, o de numero 4.851, também de 1871,
concedia ao barão de Mauá, Thomas Cochrane e aos engenheiros Antonio Rebouças,
William Lloyd e Christian Palm a permissão para a construção do prolongamento da estrada
de Curitiba até Miranda, em Mato Grosso. No entanto, tanto o trecho inicial como seu
prolongamento seriam parcialmente concluídos bem mais tarde, devido a uma série de
acidentes de percurso, como a morte por malária do engenheiro sueco Christian Palm, o
qual chefiava uma numerosa equipe de engenheiros estrangeiros, bem como a de Antonio
Rebouças, morto em 1874 em São Paulo, enquanto fazia trabalhos de campo para a
Companhia Paulista de Estrada de Ferro. Embora André Rebouças tivesse tentado
organizar a empresa, entrando em contato com diversos empresários – tais como José
Machado Coelho de Castro, diretor do Banco do Brasil, José Antonio de Figueiredo Junior,
Mariano Procópio, e, sobretudo, com o barão de Mauá, tudo isso entre março e junho de
1871 –, fracassou em seu empenho. A concessão original caducou e foi transferida em 1879
para a companhia francesa Cie Générale des Chemins de Fer Brésiliens, que entregou a
obra à firma belga Societé Anonyme des Travaux Dyle et Bacalan.
Embora o ponto inicial da estrada fosse Antonina, sugestão dada por Antonio
Rebouças e compartilhada por todos os técnicos envolvidos na obra, devido a sua menor
extensão e menores custos, pessoas influentes de Paranaguá queriam que a estrada
partisse daquela cidade, e a polêmica instaurada em torno disso indispôs os irmãos
Rebouças a várias figuras importantes do Império, sendo que o próprio André registrou em
seu Diário ter considerado o episódio como o ponto final de sua carreira empresarial, em
meados de 1875.

14
Diário, 14 de junho de 1868.
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Em termos gerais, a estrada estratégica do Paraná ao Mato Grosso proposta pelos


Rebouças contou com vários opositores, dentre eles o ex-deputado por Mato Grosso, Dr.
Caetano Xavier da Silva Pereira, que a pedido de um parente seu, de nome Peixoto, que era
“contratador do serviço de correio para Mato-Grosso”, escreveu vários artigos no Jornal do
Commércio contra a estrada.15 Literalmente na outra ponta estavam os representantes de
Paranaguá a reivindicarem para aquela cidade, e não para Antonina, o início do traçado.
Aliás, a histórica disputa entre os portos das duas cidades, (POMBO, 1980, pp.79-81), está
na origem dos sérios conflitos entre os Rebouças e os políticos e comerciantes de
Paranaguá, o que teria entravado também outra iniciativa cara aos irmãos, a Companhia
Florestal Paranaense, criada em 1871 e dirigida por João Frederico Russel (Conde da
Estrela) e Antonio Pinto Gomes, sendo André e Antonio seus principais acionistas. Esta
Companhia, situada na Borda do Campo, ao final da Estrada da Graciosa,16 tinha como um
dos objetivos o processamento de pinho para embalagem e condicionamento da erva-mate,
um dos principais produtos de exportação do Paraná de então, substituindo os surrões de
couro que, na visão de André Rebouças, não agregavam valor ao produto: “envolvido em
lasca de taquara, ou coberto de couro, [a erva-mate] pode ir aos campos do Uruguai ou aos
pampas da Republica Argentina; mas, por certo, não está decente para se apresentar em
um palácio, em um dia de grande gala” (REBOUÇAS, 1876a). A Companhia também serviria
para fornecer madeira para a construção da tão almejada ferrovia.
Segundo André Rebouças, o conselheiro Manoel Francisco Correia, o qual, ocupando
a pasta dos Negócios Estrangeiros entre 1871 e 1873, no Gabinete Rio Branco, e o Senado
em 1877, alem de Eufrásio Correia, sobrinho do primeiro e deputado geral, teriam
intercedido junto ao Gabinete em favor da cidade de Paranaguá, além de dificultado a

15
Diário, 12 de novembro de 1868.
16
Thomas P. Bigg-Wither, um dos integrantes da Expedição Palm contratados para a Paraná and Mato Grosso
Survey Expedition, após a cansativa viagem de Antonina pela estrada da Graciosa, assim descreve a recepção
que tiveram ao chegar “às serrarias do Sr. Antonio Rebouças”: “O Sr. Antonio Rebouças era um gentleman de
cor, homem de empresa e de grandes conhecimentos, gozando da alta estima do Imperador. Ele era também um
dos concessionários da Paraná and Mato Grosso Railway Surveys. [...]. Fomos recebidos pelo próprio com
grande cordialidade; ele insistia em abrir garrafas e mais garrafas de cerveja em nossa homenagem. Ficamos
mais encantados com a amigável e hospitaleira recepção do que surpresos ao verificar não ter ainda saído da
terra da cerveja. Muitos brindes e votos de felicidade foram trocados, tendo o Sr. Rebouças manifestado o maior
interesse por todas e cada uma das alusões às nossas experiências individuais em seu pais. Foi com grande pesar
que soubemos da morte prematura desse cavalheiro uns dois anos depois. Não havia tempo para uma visita às
serrarias, mas confesso que fiquei surpreso ao verificar que a forca motriz era a vapor e não a água. A
dificuldade e despesas conseqüentes da colocação de varias pecas do engenho no alto da Serra tinham sido
enormes e não me saia da cabeça a idéia de que a forca hidráulica poderia ter sido aproveitada com a mesma
eficiência e por muito menos. Mas, de qualquer forma, todo elogio é devido ao sr. Rebouças, o primeiro a
utilizar sistematicamente a ótima madeira daquela região.” (BIGG-WITHER, 1974, pp.74-75).
13

implantação da Companhia Florestal.17 Para Rebouças, os deputados Correia, “filhos de


Paranaguá”, representavam as “misérrimas influências políticas”18 que barravam o
florescimento do “espírito de associação”. E era sob tais influências que a seu ver pendia a
benevolência governamental, tanto a do ministro Rio Branco, o qual, segundo Rebouças,
“sacrificou à família Correia a província do Paraná e o legado único do meu pobre
Antonio”,19 como até mesmo da família imperial: “Ah! Reis! Reis!”.20 Rebouças trilharia então
um novo caminho, desprendendo-se paulatinamente do círculo de amizades e influências
com as quais convivera até então, mas sem abandoná-las por completo. Durante a segunda
metade da década de 1870, seria para o jornalismo que canalizaria suas energias,
buscando novos simpatizantes, agora não mais para suas próprias iniciativas empresariais,
mas para uma nova forma de conduzi-las.
Recuperado o sentido das propostas às quais aludimos acima, André Rebouças
concedia às vias de comunicação, tanto às ferrovias como a navegação fluvial, um papel
central na modernização material. Mais do que isso, tanto os melhoramentos materiais como
a economia substituiriam a própria política. Um exemplo disso é a menção que faz quanto
ao papel desempenhado pelas estradas de ferro nos processos de unificação nacional dos
países da periferia da Europa, em curso na década de 1870. Referindo-se ao caso italiano,
afirma que
[...]o caminho de ferro combateu mais pela unidade da Itália que Garibaldi e Cavour!
A unificação deste país seria ainda hoje não uma utopia, mas sim uma quimera, se a locomotiva
não tornasse possível passar-se a manhã em Roma e a noite em Nápoles, Florença, Turin, Milão
ou Veneza!
É não compreender que os caminhos de ferro da Itália são as cadeias de ouro, que unem os
membros da grande família italiana; que são eles que fazem que o napolitano não seja um
estrangeiro em Turim ou em Veneza; que são eles, enfim, que estão dando a ilustre rediviva das
glórias de Roma antiga, uma só língua, uma só moeda, uma só medida e um só pensar!
(REBOUÇAS, 1874, p. 89).

As ferrovias, aliás, eram vistas como tendo um papel estratégico na promoção da


própria “civilização”:
E essas vias férreas irão animar a agricultura, a indústria e o comércio por todo esse império;
irão salvar muitas províncias da ruína e bancarrota, que as ameaça; serão para o governo meios
seguros de difundir a instrução, a polícia e a civilização; irão ensinar aos sertanejos do Piauí a
reconhecer a bandeira brasileira, e aos do Alto Araguaia o valor da moeda-papel; estabelecerão

17
Assim se referia Rebouças em sua correspondência com Joaquim Nabuco, em 1891: “Eu fui, em 1870 e 1871,
o primeiro empresário do Rio de Janeiro; apoiado pelo Visconde de Itaboraí, que me queria tanto a fazer inveja
de mim na própria família. A Cia Florestal Paranaense – cortar pinheiros a 8 léguas do mar em rampa decadente
– que parecia um Potosi, custou-nos 40 ou 50 contos de réis em pura perda, a luta com a família Correia e Cia, o
afastamento do Imperador, etc.”(André Rebouças a Joaquim Nabuco, 7 de junho de 1891).
18
Diário, 15 de fevereiro de 1875.
19
Diário, 28 de abril de 1875.
20
Diário, 8 de maio de 1875.
14

sobre as sólidas bases da amizade e do comércio a união da família brasileira; serão tão úteis na
paz como na guerra, e, em todas as ocorrências, excelentes 'instrumenta regni', na enérgica frase
do povo romano! (REBOUÇAS, 1874, p. 116).

Agregando a expansão ferroviária à exploração fluvial, Rebouças perceberia o quanto


a província paranaense era promissora no sentido de realizar uma perfeita integração entre
o sul do Império brasileiro e as Republicas vizinhas. A tarefa primordial consistiria em
estudar detidamente o território e utilizá-lo em um sentido econômico e social, mais eficaz
do que o militarismo em voga. Em um artigo para a Revista Novo Mundo de 1876, intitulado
“O Uruguai livre”, Rebouças escrevia – rememorando os “erros sociais, erros políticos e
erros econômicos” que teriam resultado na Guerra do Paraguai –, que “estamos
convencidos que é a ignorância das condições topográficas das províncias limítrofes do
Império que tem levado os nossos estadistas a cometer tão graves erros de política
internacional”. Após fazer uma longa descrição topográfica dos rios e vales da região,
afirma:
Basta atentarmos a essa sinopse do curso do Uruguai para nos convencermos que é um rio
internacional por excelência. Foi talvez essa convicção que levou o ilustrado redator do Globo a
chamá-lo “o Reno da América do Sul”, ao mesmo tempo em que apelidava “Danúbio” ao
Paraná.
Para nós a América não deve ter Danubios nem Renos; mas tão somente Ohios e Mississipis.
Rios que sirvam para levar os imigrantes ao coração dos continentes e para irrigar os seus
campos de lavoura.
Já por demais temos sacrificado no sangrento altar de marte! Deixemos à velha Europa sua
brutal estratégia: nós só devemos querer paz e liberdade, indústria e comercio, imigração e
prosperidade (REBOUÇAS, 1876b).

Tal linha de argumentação anti-belicista e “americanista” apareceria de forma ainda


mais nítida em um artigo publicado no Diário Oficial em 1876, intitulado “Caminhos de ferro
interoceânicos pela província do Paraná”, no qual faz uma revisão dos estudos feitos pela
Expedição Palm / Lloyd e pelo engenheiro Francisco Antonio Tourinho – este último, diretor
da Estrada de rodagem de Curitiba a Mato Grosso e autor da memória “Estrada de Ferro
para Mato Grosso e para a Bolívia” a pedido do então presidente do Paraná, Lamenha Lins.
Neste artigo, Rebouças busca integrar a expansão ferroviária com a rede fluvial da província
do Paraná, a qual, pelo privilegio de possuir “dois litorais”, estaria em condições de integrar
plenamente o território meridional do Brasil às Republicas latino-americanas:
Possui a Província do Paraná um admirável sistema hidrográfico. Considerado sob o ponto de
vista geral das comunicações internacionais, este sistema hidrográfico dá a essa Província dois
litorais: - Um sobre o Oceano Atlântico, outro sobre o Rio Paraná. O litoral atlântico é a estação
inicial da grande estrada livre – Maré Liberum – que conduz à Europa, aos Estados Unidos e às
cinco partes do mundo.
15

O litoral do Rio Paraná é a estação central de vias de comunicações internas de uma bacia
fluvial, que, na América do Sul, rivaliza em grandeza e importância, com a do prodigioso
Amazonas. [...]
Ao sul da primorosa maravilha da América do Sul, é o próprio Rio Paraná que leva às mais ricas
regiões das Republicas do Paraguai, Argentina e do Uruguai, até lançar-se no Oceano com o
nome de Rio da Prata. Nesta região da América do Sul, o Paraná reina sem competidor
(REBOUÇAS, 1876c).

Na seqüência do argumento, prognosticava a missão civilizatória do Rio Paraná,


comparando-o, num registro tocquevileano, à marcha para o Oeste nos Estados Unidos:
Na América do Sul, o Rio Paraná tem a mesma missão civilizadora que o Mississipe-Missouri
na América do Norte: o grande problema é, conduzir a locomotiva do Oceano Atlântico ao Rio
Paraná no mais breve prazo possível: fundar uma – Omaha – na América do Sul; resolvido esse
problema, ficará segura a construção do primeiro caminho de ferro interoceânico da América do
Sul; tanto mais, quanto as locomotivas do Peru já galgaram os Andes!
[...]
O problema, que ora nos ocupa, é todo do futuro. Inquirir qual o vale, que seguirá de preferência
a locomotiva para ir do Planalto de Curitiba ao Rio Paraná, é o esmo que perguntar – que
caminho seguirá o majestoso préstipo da civilização, no dizer de Tocqueville, em sua marcha
secular do Oriente para o Ocidente? (Idem).

Conclusão
O intuito deste texto foi mais o de apresentar um problema de pesquisa do que
efetivamente trilhar uma análise mais sistemática acerca do tema. Para tanto, seria
necessário, além das indicações fornecidas pelos irmãos Rebouças, recuperar também a
repercussão na imprensa destes inúmeros projetos. Não apenas dos Rebouças, mas de um
conjunto significativo de intelectuais e políticos, bem como dar voz ao debate travado em
determinadas instituições, tais como a Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional e a
Sociedade de Aclimação do Paraná, no âmbito das quais os temas expostos por nossos
protagonistas reverberaram ao longo de toda segunda metade do século XIX. Nesse
sentido, é possível argumentar, ao menos provisoriamente, que os debates sobre a
transição para o trabalho livre, a imigração e a colonização, a expansão ferroviária, o
reconhecimento do território, dentre outros, foram temas aos quais perpassou a delicada
questão da peculiaridade da “fronteira viva” do Brasil meridional. Dimensão geopolítica que,
por certo, não escapou à consciência daqueles intelectuais.

Bibliografia
16

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