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Fernão Lopes não foi certamente um filósofo, mas sim um cronista genial
dos acontecimentos que levaram a Geração de Avis ao poder. Em todo o
caso, nas páginas das suas crónicas encontramos momentos decisivos
de afirmação do pensamento político português dos finais da idade
média, com especial relevo para a tese da soberania inicial do povo, já
anteriormente expressa pelo Infante D. Pedro, a par da tónica comum no
fundamento ético e na finalidade espiritual do poder temporal.
Outro tema de inegável relevo nas crónicas de Fernão Lopes, mais explorado na Crónica de D.
João I, é a tese da soberania inicial do povo, expressa no direito que lhe assiste de avocar a
soberania uma vez quebrada a linha de sucessão directa, como veio a suceder com a morte do
rei D. Fernando e com a eleição do mestre de Avis.
Deve pois realçar-se a parte final da Crónica de D. João I, sobretudo pela transcrição que faz
das palavras do Doutor João das Regras nas Cortes de Coimbra, como também perante o
mestre de Avis: «Senhor, eu ei assaz trabalhado por mostrar com vivas razões e direitos que
estes reinos são vagos de todo e a eleição deles fica livremente ao povo».
No entanto, esta concepção da soberania inicial do povo, muito comum na idade média e
fortemente estimulada pelo pensamento de S. Tomás de Aquino, não infirmava a tese paulina
da origem divina do poder, pois que o povo se assumia como medianeiro entre Deus e o
soberano à luz da tese «omnis potestas a Deo per populum» (todo o poder vem de Deus
através do povo) e «populo faciente et Deu inspirante», pelo que não devemos exagerar o seu
alcance pretensamente revolucionário.
Com efeito, esta tese assentava no pensamento de S. Tomás de Aquino, ao entender que
todas as criaturas dotadas de fim próprio deveriam possuir as faculdades necessárias ao seu
cumprimento. Ora, dado que a sociedade é uma entidade transpessoal dotada de fins próprios,
deverá também ela possuir as faculdades necessárias para os atingir, ou seja, para realizar o
bem comum, que se não identifica com o interesse particular.
O contexto preciso desta sua tese remetia para a impossibilidade de eleger o rei de Castela,
pois, segundo a sua linha de argumentação, se pusera ao lado dos cismáticos excluindo-se
das fronteiras da cristandade, pelo que obedecer a tal rei seria desobedecer a Deus e ao Papa.
Esta tese, tendo raízes também antigas, foi uma peça importante na fundamentação futura do
direito de resistência, tanto passiva como activa, como veremos em Diogo Lopes Rebelo.
Obras
Crónica de D. Pedro I, Barcelos, Livraria Civilização, 1994; Crónica de D. Fernando, Barcelos,
ibid., s.d; Crónica de D. João I, Barcelos, 1994.
Bibliografia
Luis de Sousa Rebelo, O Poder Político em Fernão Lopes, Lisboa, Liv. Horizonte, s.d.; Martim
de Albuquerque, O Poder Político no Renascimento Português, Lisboa, s.d.
Pedro Calafate