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A Síndrome de Fragilidade no Idoso:

Marcadores Clínicos e Biológicos

Roberto A. Lourenço

Resumo Introdução
Não obstante a idade ser o principal fator Não há marcadores de qualquer natureza
de risco para um número grande de doenças, a – sociais, econômicos ou biológicos, que delimi-
maioria dos idosos vive de maneira autônoma e tem de maneira clara, inequívoca e consensual,
independente, auferindo alto grau de satisfação a fronteira a partir da qual um indivíduo deve
pessoal. No entanto, uma parcela substancial da ser classificado como idoso.
população idosa é portadora de condições de O relógio e a cronologia a ele associada,
saúde que as tornam vulneráveis a um grande embora necessário e largamente utilizado
número de eventos adversos. Estes indivíduos como critério de decisão em situações como a
definição de direitos sociais, ou para a inclusão
estão prestes a transpor, ou já transpuseram, a
de populações em estudos sobre aspectos do
barreira da preservação funcional e cognitiva,
envelhecimento, não constitui, quando visto iso-
desenvolvendo quadros variados de dependên-
ladamente, parâmetro adequado para se estimar
cia, e são classificados na moderna literatura
as verdadeiras condições de desgaste orgânico
geriátrica como portadores de fragilidade, uma
individual associado ao tempo e aos seus efeitos.
síndrome cuja fisiopatologia encontra-se em
Por esta razão, a definição de quem é idoso,
franco processo de investigação. O presente
determinadas por organismos nacionais e inter-
trabalho é uma revisão da literatura com o obje- nacionais, como o Ministério da Saúde do Brasil
tivo de relacionar o processo de envelhecimento e a Organização Mundial de Saúde, é, sobretudo,
com perdas funcionais e fragilidade; discutir a um marco arbitrário, de uma maneira geral fruto
relação entre perdas funcionais, morbidades e de impressões e expectativas da sociedade sobre
fragilidade; apresentar o conceito fisiopatológico o processo de envelhecimento e suas conseqüên-
de fragilidade, seus instrumentos de aferição e cias. Para estas instituições, ter 60 ou mais anos
marcadores biológicos; e apresentar perspectivas de idade, mais do que estabelecer uma condição
futuras para o estudo de fragilidade em indiví- clara e inequívoca de funcionamento orgânico,
duos idosos no Brasil. define pontos a partir dos quais governos e indi-

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víduos devem esperar exercer direitos e deveres. Uma série de estudos tem apontado que esta
O envelhecimento humano é marcado por população, saudável de um ponto de vista fun-
alterações fisiológicas, que ocorrem de maneira cional e cognitivo, perfaz 80% da população de
diferenciada, em maior ou menor intensidade, indivíduos com 60 anos ou mais, e que, por suas
em todos os aparelhos e sistemas, e isto se dá de características específicas, precisam, do ponto de
tal maneira que o idoso, quando visto do ponto vista de saúde, não apenas de cuidados médicos
de vista individual, carrega a sua própria velhice, orientados para o controle das morbidades de
única e singular. Diversidade e singularidade que são portadores, mas principalmente de
são, portanto, aspectos essenciais para o correto cuidados preventivos que os mantenham autô-
entendimento do envelhecimento humano dos nomos e independentes.
pontos de vista populacional e individual. Porém, o aspecto essencial que ressal-
A percepção negativa que associa o enve- taremos neste trabalho relaciona-se com os
lhecimento ao comprometimento da saúde física indivíduos que estão prestes a transpor, ou
e mental precisa ser considerada sob a luz das já transpuseram, a barreira da preservação
modificações orgânicas associadas ao tempo e funcional e cognitiva, desenvolvendo quadros
a uma perspectiva diferenciada do que deve ser variados de dependência, e que se sabe são os
esperado como vida saudável entre indivíduos responsáveis por parte substancial do gasto com
idosos. cuidados em saúde.
A preservação da autonomia e da indepen- Em torno de ¾ dos recursos gastos com
dência é, hoje, considerada o aspecto fundamen- cuidados de saúde da população idosa são
tal na avaliação de saúde de idosos. Preservar destinados a esta parcela menor que, caracte-
a capacidade de decidir – autonomia – assim risticamente, desenvolve quadros mais graves
como a de executar as tarefas de autocuidado e e com maiores complicações, interna mais
aquelas associadas à vida de relação com a so- freqüentemente por patologias agudas ou agu-
ciedade – independência – são, muito mais que dizadas – permanecendo mais tempo em leitos
a simples presença de morbidades, os elementos hospitalares, com frequência em ambientes
essenciais que permitem ao idoso manter uma de cuidado intensivo - além de ser usuária de
vida com qualidade1. outros procedimentos de alta complexidade e,
Não obstante a idade ser o principal fator de portanto, alto custo8.
risco para um número grande de doenças, e uma Esta parcela da população idosa, também
parte significativa da população idosa ser por- heterogênea em suas características de apresen-
tadora de mais de um problema de saúde, uma tação de quadros de dependência, é portadora
série de estudos populacionais tem mostrado de aspectos comuns e cada vez mais estudados
consistentemente que a maioria dos idosos vive de alterações fisiopatológicas, apresentação clí-
de maneira autônoma e independente, auferindo nica e desfechos de saúde. Um número cada vez
alto grau de satisfação pessoal. maior de estudos tem apontado para estes idosos
Estes indivíduos saudáveis, vigorosos na no- como portadores de uma síndrome batizada de
menclatura de alguns autores, embora portado- fragilidade, e é sobre ela que discorreremos no
res de morbidades, como a hipertensão arterial, texto que se segue.
a hipercolesterolemia, as artropatias e outras, Os objetivos do presente trabalho são:
mantêm-se funcionalmente adequados ao seu relacionar o processo de envelhecimento com
meio, relacionando-se com os seus familiares perdas funcionais e fragilidade; discutir a re-
e com a sociedade de uma maneira produtiva, lação entre perdas funcionais, morbidades e
muitas vezes dando continuidade ao papel de fragilidade; apresentar o conceito fisiopatológico
provedores de recursos financeiros e/ou apoio de fragilidade, seus instrumentos de aferição e
no cuidado de parentes e amigos2. marcadores biológicos; e apresentar perspectivas

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futuras para o estudo de fragilidade em indiví- psico-sociais complexos, além de apresentações
duos idosos no Brasil. atípicas de doenças; ainda, algumas descrições se
pautam nos indivíduos que apresentam envelhe-
Fragilidade, envelhecimento cimento acelerado sendo, portanto, candidatos a
e incapacidade programas especializados de geriatria.
A síndrome da fragilidade vem sendo am-
A Síndrome de Fragilidade: plamente estudada nas últimas décadas e seus
algumas definições conceitos vêm sofrendo modificações. Associa-
da inicialmente com incapacidade funcional e
Alguns significados vernaculares distintos
comorbidade, hoje se sabe que ela é uma entida-
são encontrados para a palavra fragilidade,
de à parte, na qual nem todo indivíduo frágil é
como: facilmente quebrável ou destrutível; que
incapaz ou apresenta comorbidades e vice-versa.
provavelmente fracassa ou morre rapidamente;
Para Fried e Walston10, é uma vulnerabili-
particularmente susceptível às doenças; com
dade fisiológica associada ao envelhecimento re-
força ou capacidade diminuída; fraco, leve,
sultante de uma reserva homeostática reduzida
fino, tênue.
e uma dificuldade do organismo em responder
No contexto do diagnóstico e do tratamento
das manifestações de velhice patológica, mais adequadamente ao estresse, um conjunto de
especificamente para caracterizar os idosos mais declínios através de múltiplos sistemas que são
debilitados e vulneráveis, geriatras e gerontó- altamente prevalentes na população idosa e
logos, nos últimos 20 anos, vêm utilizando o associadas a graves consequências.
termo fragilidade. Esta definição foi baseada em trabalhos que
Foi apenas a partir da década de 1980 que o sugeriram que, embora se tratasse de acometi-
termo fragilidade apareceu na literatura da área mento inespecífico, envolvendo redução multis-
de saúde do idoso para designar indivíduos em sistêmica da reserva funcional, suas manifesta-
precárias condições funcionais. Desde então, as ções clínicas estão associadas, principalmente,
referências bibliográficas sobre o assunto vêm ao acometimento da reserva funcional de alguns
crescendo de maneira exponencial, partindo sistemas orgânicos – sarcopenia, disfunção neu-
de umas poucas no início daquela década para roendócrina e alterações imunes – envolvidos
muitas centenas por ano nos últimos 10 anos22. em uma espiral de perdas cumulativas.
Segundo Hogan et al.14,22, a definição de
O idoso frágil
fragilidade pode ser originada de três fontes
classificatórias distintas: 1) dependência nas O idoso frágil deve ser considerado o alvo
atividades de vida diária (AVDs) e nas ativi- prioritário de políticas públicas de saúde para a
dades instrumentais de vida diária (AIVDs); população idosa. Por que o idoso frágil? Porque
2) vulnerabilidade aos estresses ambientais, às é o que mais necessita de cuidados de saúde,
patologias e às quedas, e 3) estados patológicos serviços comunitários de suporte e cuidados
agudos e crônicos. de longo prazo, pois o estado de vulnerabili-
Do ponto de vista clínico, a literatura é dade acarreta um risco aumentado de eventos
abundante em definições de quem é o indivíduo adversos, como a dependência, a incapacidade,
frágil. Algumas destas definições veem-no como as quedas e lesões, as doenças agudas, a lenta
aquele sujeito dependente de outros ou sob recuperação de doenças, a hospitalização, a
risco substancial de dependência e outros des- institucionalização de longa permanência e a
fechos de saúde adversos; pode ser visto, ainda, mortalidade elevada; também, porque é o sub-
como aquele que apresenta perda das reservas grupo que cresce acentuadamente: constituem
fisiológicas; ou o que tem muitas doenças crô- 10% a 25% das pessoas com 65 ou mais anos
nicas – comorbidades – e problemas médicos e de idade; e ainda,porque muitos dos cuidados

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de medicina geriátrica (por exemplo, avalia- não parece representar um risco maior para
ções abrangentes, intervenções preventivas e o aparecimento da síndrome de fragilidade, e
cuidados multidisciplinares) são direcionados evidências empíricas sugerem que o grupo de
aos idosos frágeis, pois neste grupo são melhor maior risco seria aquele onde as morbidades se
custo-efetividade10. apresentariam com maior gravidade, evoluindo
em estágios avançados4.
Quem é o idoso fragilizado: Sem dúvida, sendo o envelhecimento
algum consenso no meio da acompanhado de perda funcional fisiológica já
a partir da 4ª década, perda esta que se acentua
bruma ... intensamente a partir da 7ª década, é natural
A geriatria é, ainda, entendida por muitos que se considere os indivíduos muito idosos
como a especialidade médica que cuida de como potenciais portadores de fragilidade. No
idosos portadores de síndromes geriátricas: a entanto, há que se considerar que sendo poten-
demência; a depressão; a incontinência urinária cial, não é, no entanto, elemento indispensável
e fecal; a instabilidade, os distúrbios de equilí- ao diagnóstico da síndrome, que pode ser vista,
brio e marcha, e as quedas; os défices sensoriais também, em idosos mais jovens. Da mesma ma-
– auditivo e visual; as desordens do movimento; neira, não pode ser considerada como elemento
a imobilidade e suas sequelas; e a incapacidade. diagnóstico único, patognomônico, que dis-
Tais síndromes, na sua imensa maioria, pensa a prova através de outros identificadores.
estão presentes, de forma isolada ou agrupada, Ainda, vale lembrar as definições de fra-
em pacientes que preenchem também critérios gilidade que buscam as incapacidades como
mais estritos da síndrome de fragilidade. No elemento diagnóstico definidor, indispensável,
entanto, a ausência de uma não é garantia de único e essencial. Por um lado, danos exclusivos
que a outra não esteja presente. Isto é, o conceito em um aparelho, sistema ou parte do corpo,
atual de fragilidade, que relaciona a síndrome que pode produzir incapacidade, na maioria
à diminuição crítica da reserva funcional e ao das vezes não produz comprometimento mul-
desequilíbrio homeostático, não nos permite tissistêmico e não acarretam risco elevado de
utilizar instrumentos operacionais que busquem complicações, como aquelas já enunciadas
a síndrome de fragilidade exclusivamente nos para a fragilidade, sobretudo quando o dano
indivíduos portadores de grandes síndromes pode ser compensado por reabilitação através
geriátricas10. de tecnologia específica – por exemplo, órteses,
Naturalmente, trata-se de considerar que próteses e fisioterapia. Por outro, a incapacidade
provavelmente tais síndromes representem, em costuma ser consequência tardia de fragilidade,
primeiro lugar, uma consequência de perdas de maneira que, ao buscarmos o diagnóstico
funcionais mais aceleradas em sistemas espe- daquela síndrome através da identificação
cíficos e, por outro, nos alerte para a possibili- das dificuldades associadas às tarefas de vida,
dade de, talvez, existirem modelos específicos estamos nos habilitando apenas à identificação
causais de fragilidade iniciada por uma destas tardia de perdas funcionais que se iniciaram
síndromes10. há muito tempo. Em resumo, a incapacidade
Por outro lado, dada a alta prevalência de pode se desenvolver a partir da disfunção de
patologias na população idosa, encontra-se um sistema ou de múltiplos sistemas, mas a
com frequência na literatura a tendência a se fragilidade sempre está associada à disfunção de
identificar a síndrome de fragilidade como múltiplos sistemas; a incapacidade não precisa
uma consequência espúria da associação de estar associada à instabilidade, ao passo que a
morbidades múltiplas e de gravidade variada. fragilidade sempre está associada ao declínio
No entanto, a presença isolada de comorbidades funcional que não se deixa estabilizar.

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Enfim, incapacidade, comorbidades e fra- dos nessa década continuam sendo estudados
gilidade parecem se relacionar de uma maneira atualmente22.
complexa, dentro de um sistema de interações
múltiplas, tal como exemplificado pelos dados Fisiopatologia
de Fried e colaboradores9. Atualmente, talvez, a expressão mais difun-
dida do conceito de fragilidade seja aquela pro-
Evolução recente do posta pelo grupo do Centro de Envelhecimento
conceito e Saúde da Universidade Johns Hopkins, o qual,
Na década de 1980, os primeiros estudos em estudos coordenados por Fried, definiu a
sobre fragilidade baseavam-se no conceito de síndrome da fragilidade como uma síndrome de
funcionalidade. Nessa primeira fase, a fragili- declínio de energia que ocorre em espiral, em-
dade era vista como uma redução na autonomia basado por um tripé de alterações relacionadas
e nas habilidades para o desenvolvimento de ao envelhecimento, composto, principalmente,
atividades da vida diária12,17,18,25. por sarcopenia, desregulação neuroendócrina e
No entanto, um conceito estritamente fun- disfunção imunológica6,10.
cional é vago e não permite a proposição de um Como consequência da diminuição da mas-
quadro clínico definido ou de uma fisiopatologia sa muscular esquelética – sarcopenia – ocorreria
para esta condição. Os dois outros critérios tam- a redução na captação máxima de oxigênio (VO2
bém são insuficientes por focalizarem apenas max), da força e tolerância aos exercícios e do
variáveis particulares de desfecho. gasto energético; ainda, distúrbios na termo-
Com o passar dos anos, alguns grupos regulação e aumento na resistência à insulina.
passaram a sugerir a existência de um quadro A diminuição nos níveis de interleucina 2, das
sindrômico de fragilidade, de caráter multis- imunoglobulinas G e A, e da resposta mitogê-
sistêmico, em que a redução da capacidade de nica, assim como o aumento na quantidade de
adaptação do organismo tornaria o portador células de memória imunológica e das inter-
suscetível a eventos adversos quando submetido leucinas 6 e 1B são conseqüências da disfunção
a fatores estressores. imunlógica associada à síndrome. Por último, a
Essa condição resultaria em dificuldade de desregulação neuroendócrina caracterizaria-se
restabelecimento das funções, após agressões por redução dos níveis de hormônio do cres-
de várias naturezas, decréscimo da eficiência cimento, do estrogênio e da testosterona, pelo
de medidas terapêuticas e de reabilitação, baixa aumento do tônus simpático e pela desregulação
resposta dos sistemas de defesa, reduzida inte- do cortisol10.
ração com o meio e redução da independência Trata-se de uma síndrome clínica, de natu-
e da qualidade de vida. Sua progressão levaria reza multifatorial, caracterizada pela diminui-
ao declínio constante das funções fisiológicas ção das reservas de energia e pela resistência
até a morte10,13,19,20. reduzida aos estressores, condições essas que
Ainda na década de 1990, o conceito sobre resultam do declínio acumulativo dos sistemas
o estado de “ser frágil” foi gradualmente subs- fisiológicos11.
tituído pela condição de “tornar-se frágil”. Tal Em publicação mais recente resultante de
mudança foi baseada em três premissas: (1) nem novo trabalho de síntese do grupo, Walston e
todas as pessoas com limitações no desempenho colaboradores23 expõem um modelo explica-
de atividades seriam frágeis; (2) nem todas tivo da fragilidade envolvendo a descrição de
as pessoas frágeis apresentariam limitações trajetórias de variáveis moleculares, fisiológicas
no desempenho das atividades; (3) existência e clínicas. A trajetória de mudanças moleculares
de potencial para prevenção. Os mecanismos incluiria variações gênicas expressas em estresse
subjacentes ao processo de fragilidade discuti- oxidativo, perdas mitocondriais, encurtamento

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de telômeros, danos ao DNA e envelhecimento genéticas sobre os desequilíbrios fisiológicos
celular, em interação recíproca com doenças in- se expressa num ciclo vicioso de redução de
flamatórias. Entre os marcadores genéticos que energia, aumento da dependência e aumento da
têm atraído o interesse de pesquisadores, estão suscetibilidade a agressores, cujas manifestações
os syngle nucleotide polymorphisms (SNP) e as clínicas resumem-se em lentidão, debilidade,
mutações de DNA mitocondrial5. perda de peso, baixo nível de atividade e fadiga.
Esse conjunto de condições de base genética Isso significa que o termo genérico fragilidade
daria origem a inflamações e à desregulação denota uma diversidade de vulnerabilidades,
neuroendócrina, que, em interação recíproca, debilidades, instabilidades e limitações com
funcionariam como antecedentes para a ano- causas compartilhadas22.
rexia, a sarcopenia, a osteopenia, o declínio da Diferentemente de outras entidades clínicas
função imune, défices cognitivos, problemas usuais em Geriatria, o diagnóstico de fragi-
hematológicos e problemas no metabolismo lidade não é baseado numa queixa principal.
da glucose. Ao contrário, sua presença é frequentemente
Ferrucci et al.7,22 sugerem como marcadores sutil e assintomática24, o que faz do seu estudo
biológicos alguns mediadores da resposta in- um foco de especial interesse, quando se tem a
flamatória, além de hormônios, radicais livres, meta de estabelecer instrumentos diagnósticos e
antioxidantes e macro e micronutrientes. Níveis formas de tratamento norteadores de esforços de
elevados de interleucina 6 e Proteína C Reativa promoção de saúde na velhice, principalmente
(PCR) são associados ao desenvolvimento de em situações como a brasileira, em que é im-
incapacidades e à elevação da mortalidade. perativo eleger prioridades, dada a carência de
Walston e colaboradores23 identificaram recursos e as demandas em rápida emergência
correlações positivas entre o estado de fragi- na população idosa.
lidade e proteínas de fase aguda, como a PCR. Para este grupo, a síndrome de fragilidade
Níveis elevados de insulinemia de jejum e após poderia ser uma expressão de formas primárias
teste de tolerância à glicose foram demonstrados de apresentação, onde a redução da reserva
em idosos considerados frágeis16,21,23. Walston e funcional associada ao envelhecimento seria
colaboradores22,23 verificou uma diferença mí- o principal mecanismo fisiopatológico, e de
formas secundárias, onde o aparecimento de
nima, mas significante, nas taxas de albumina,
determinadas morbidades – diabetes mellitus,
triglicérides e colesterol total e frações entre
insuficiência cardíaca congestiva, doenças da
grupos frágeis e não frágeis.
tireóide, tuberculose e outras infecções crônicas,
Estes autores23 estudaram 4735 idosos que
neoplasias, arterite temporal e outras condi-
viviam na comunidade, com 65 anos ou mais.
ções inflamatórias, luto, depressão, demência
Segundo os critérios de Fried, foram consi-
– acelerariam as perdas funcionais, que mais
derados frágeis 6,3%, intermediários 45,3% e
rapidamente atingiriam o nível crítico limiar, a
não frágeis 48,3%. Quando os frágeis foram
partir do qual apareceriam os sinais, sintomas e
comparados com os não frágeis, o PCR, o fa-
complicações frequentes entre os frágeis.
tor VIII, o fibrinogênio e o dímero D estavam
significativamente aumentados nos primeiros.
A operacionalização do
A diferença persistiu quando excluídos os dia-
béticos e portadores de doença cardiovascular conceito
da amostra. Os autores concluíram que havia Embora exista um “senso clínico” aguçado
bases fisiológicas para a síndrome de fragilidade, a respeito do que é a fragilidade e de quem é o
sendo caracterizadas, em parte, por aumento idoso frágil, não há ainda uma concordância
nos marcadores inflamatórios e da coagulação. explícita, uma definição clínica padrão a respeito
O resultado da influência das variáveis de como diagnosticar esta síndrome, um instru-

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mento acima de toda discordância, que auxilie saudável” a “Gravemente frágil”.
na identificação deste subgrupo de pacientes de
alto risco, antes do início dos eventos adversos Estudo da Fragilidade em
característicos desta população. Idosos Brasileiros: Rede
Não obstante este relativo consenso acima
apontado, do ponto de vista operacional a
FIBRA
controvérsia se desenrola, principalmente, em
Antecedentes
torno de duas visões distintas: a primeira, que
define a fragilidade através do modelo teórico de Embora seja uma condição de alta prevalên-
vulnerabilidade fisiológica, e utiliza a presença cia na população idosa e responsável por gastos
de pelo menos três itens, de um total de cinco, substanciais em cuidado de saúde e perda de
como indicadores de um “fenótipo”9; a segunda, qualidade de vida desta faixa etária, no Brasil
que dá menos importância para quais os itens (Barbosa, 2005; Lebrão 2005), a síndrome de fra-
presentes em um indivíduo frágil, e propõe gilidade não vinha recebendo a devida atenção
um índice de fragilidade baseado no número de profissionais de assistência, pesquisa e ensino.
de problemas (coisas que estão erradas) que o Por esta razão, em 2006, como resposta
indivíduo é portador19,20. a uma convocação do Conselho Nacional de
Linda Fried e colaboradores9 propuseram Pesquisa – CNPq – através do Edital 17/06, foi
um teste rápido para rastreamento de indiví- constituída uma rede de pesquisa de natureza
duos frágeis. Eles avaliaram cinco itens – força multidisciplinar, com o objetivo de investigar
da mão, velocidade de marcha, perda de peso, a prevalência e os fatores de risco de natureza
exaustão física e atividade física. Os indivíduos biológica e ambiental da síndrome de fragilidade
foram classificados como frágeis se três, quatro entre idosos brasileiros (rodapé).
ou cinco itens estivessem presentes; intermedi- A rede foi constituída de tal forma que os
ários, se um ou dois itens estivessem presentes; idosos que dela participarão serão representa-
ou não frágeis, se nenhum critério estivesse pre- tivos da população de pessoas com 65 anos ou
sente. Esses critérios foram validados em uma mais, residentes na comunidade, em diferentes
amostra de 3312 idosos vivendo na comunidade. regiões do país. Além de caracterizar a síndrome
Rockwood e colaboradores19,20 propõem na população idosa brasileira, derivando perfis
algumas formas para operacionalizar a medida de fragilidade, a intenção dos organizadores
de fragilidade. O Índice de Fragilidade do CSHA da rede é testar critérios operacionais de diag-
(Canadian Study of Health and Aging) é uma nóstico, que possam subsidiar o trabalho das
medida ponderada do acúmulo individual de equipes de saúde nos diversos níveis de atenção
uma variedade de problemas – défices funcio- e, igualmente, oferecer informações úteis aos
nais, comorbidades, atitudes de saúde, sinais de planejadores e gestores de políticas públicas.
doenças e incapacidades autorrelatadas. Cada Fazem parte da rede várias cidades brasi-
item recebe um “peso”, que varia de zero a um, leiras, organizadas em torno de quatro centros
representando a sua frequência ou gravidade. coordenadores, constituídos por quatro grupos
Segundo o número de problemas presentes e de pesquisa - USP Ribeirão Preto, Unicamp,
sua gravidade, o grau de fragilidade pode ser UFMG e UERJ (rodapé com nome dos coor-
classificado em leve, moderado ou grave. Em denadores), que têm objetivos compartilhados.
outra proposta, Rockwood19,20 e colaboradores Tais objetivos serão investigados por meio de um
estabelecem que a observação dos problemas estudo multicêntrico e multidisciplinar.
acima referidos deve produzir uma impressão
clínica, a partir da qual o paciente será classi-
Considerações Finais
ficado em sete categorias, variando de “Muito Não obstante a precedência de aspectos clí-

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nicos, fisiológicos e etiológicos na investigação Brazilian elderly by age and gender differences:
data from SABE Survey. Cad de Saude Publica,
corrente da síndrome de fragilidade, muitas v. 21, n. 4, p. 1177-85, 2005.
das questões fundamentais permanecem não
4. BERGMAN, H. et al. Frailty: An emerging
respondidas, aguardando que agendas de pes- research and clinical paradigm – Issues and
quisa dos centros que hoje estudam o problema controversies. J Gerontol, v. 62 A, n. 7, p. 731-7,
2007.
tragam nova luz e apontem novos caminhos.
Bergman e colaboradores 4 apontam as 5. BORTZ, W. M. A conceptual framework of
frailty: a review. The journals of gerontology.
seguintes questões entre aquelas que aguardam Series A, J Gerontol A Biol Sci Med Sci, v. 57, n.
respostas: Qual a distinção entre fragilidade e 5, p. M283-M288, 2002.
envelhecimento? Qual a relação entre fragilida- 6. FERRUCCI, L. et al. Designing randomized,
de e doenças crônicas? A fragilidade é uma sín- controlled trials aimed at preventing or
delaying functional decline and disability in
drome ou uma série de distúrbios relacionados
frail, older persons: a consensus report. J Am
à idade que predizem eventos adversos? Quais Geriatr Soc, v. 52, n. 4, p. 625–34, 2004.
os domínios críticos e que devem ser incluídos 7. FERRUCCI, L. et al. Biomarkers of frailty in
em uma definição operacional da fragilidade? older persons. J Endocrinol Invest, v. 25, p. 10-5,
Como podemos medi-la? A fragilidade é um 2002. Supplement 10.

conceito realmente útil? 8. FREEBORN, D. K. et al. Consistently high users


of medical care among elderly. Med Care, v. 28,
A resposta a estas questões, provavelmente, n. 6, p. 567-85, June 1990.
faz parte da trajetória na busca por marcadores
9. FRIED, L. P. et al. Frailty in older adults:
biológicos que estejam claramente relacionados Evidence for a phenotype. J Gerontol, v. 56A,
à síndrome, assim como para o esclarecimento n. 3, p. M146-156, Mar. 2001.
dos aspectos sociais e psicológicos do modelo. 10. FRIED, L. P; Walston, J. Frailty and failure to
Sem nenhuma dúvida, a correta determinação thrive. In: HAZZARD, W. R. et al (Eds.) Principles
of geriatric medicine and gerontology, 5th ed.
de todos estes aspectos terá profundo impacto New York: McGraw-Hill. 2003. p. 1487-502.
sobre a promoção de saúde, a prevenção, a te-
11. FRIED, L. P. et al. Untangling the concepts of
rapêutica e a reabilitação. disablity, frailty and comorbidity: Implications
Pesquisas internacionais estão sendo de- for improved targeting and care J Gerontol A
Biol Sci Med Sci, v. 59, n. 3, p. 255-63. Mar. 2004.
lineadas tendo em vista estas necessidades; a
especificidade do problema no Brasil também 12. GILLICK, M. Pinning down frailty. J Gerontol
A Biol Sci Med Sci, v. 56, n. 3, p. M134-35, 2001.
está sendo investigada por grupos de pesquisa
em envelhecimento humano, ligados às univer- 13. HAMERMAN, D. Toward an understanding of
frailty. Ann Intern Med, v. 130, n. 11, p. 945-50,
sidades brasileiras e apoiados por agências de June 1999.
fomento em pesquisa que reconhecem, cada vez
14. HOGAN, D. B; MACKNIGHT, C; BERGMAN.
mais, a relevância da fragilidade como problema H. Models, definitions, and criteria of frailty.
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Ano 7, Janeiro / Junho de 2008 29

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