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FICHAMENTO

RÉMOND, René (dir.). Por uma história política. 2ª Ed. Rio de Janeiro. Editora FGV, 2003.

“Esta coletânea, coordenada por René Rémond, pode ser enquadrada nesse tipo de produção.
Lançado na França em 1988, o livro Por uma história política, que é agora oferecido ao
público brasileiro, tem como objetivo central fazer a defesa da história política, ressaltando
sual_mr_ortâ11cia pafllJt_ compreensão do todo social, mas apontando também os caminhos
já percorridos, e a percorrer, para a sua renovação.” (Apresentação. Marieta de Moraes
Ferreira CPDOC/FGV – IFCS/UFRJ. p.5)

“O ponto de partida do livro é uma análise historiográfica arguta feita pelo próprio René
Rémond. Este será o instrumento fundamental para a compreensão da trajetória da história
política na França, desde seu apogeu no século XIX, passando por seu desprestígio
concomitante à afirmação da école des Annales, até a recuperação delineada a partir da
década de 1980. Mas não é só isso o que o livro deseja mostrar. Não é suficiente descrever o
recente processo de legitimação do estudo do político. É preciso também apontar os caminhos
da renovação da história política, seja através do estudo de temas já tradicionais, como
partidos, eleições, guerras ou biografias, trabalhados porém em uma nova perspectiva, seja
através da análise de novos objetos, como a opinião pública, a mídia ou o discurso.” (idem,
p.6)

“Sem perder de vista a concepção de história proposta pelos Annales, rebate as antigas
acusações de que a história política só se interessa pelas minorias privilegiadas e negligencia
as massas, de que seu objeto são os fatos efémeros e superficiais, inscritos na curta duração,
incapazes de fazer perceber os movimentos profundos das sociedades. Outra acusação
contestada é a de que a história política não dispõe do apoio de uma massa documental
passível de ser tratada estatisticamente, o que explicaria a presumida superioridade dos dados
econômicos sobre suas características subjetivas e impressionistas. A nova história política,
segundo Renê Rémond, preenche todos os requisitos necessários para ser reabilitada. Ao se
ocupar do estudo da participação na vida política e dos processos eleitorais, integra todos os
atores, mesmo os mais modestos, perdendo assim seu caráter elitista e individualista e
elegendo as massas como seu objeto central. Seu interesse não está voltado para a curta
duração, mas para uma pluralidade de ritmos, em que se combinam o instantâneo e o
extremamente lento. E na longa duração que se irá buscar a história das formações políticas e
das ideologias, ou seja, a cultura política, que por sua vez servirá à reflexão sobre os
fenômenos políticos, permitindo detectar as continuidades no tempo. Finalmente, a história
política também dispõe de grandes massas documentais passíveis de quantificação, tais como
dados eleitorais e partidários, para citar os mais expressivos.” (idem, p.6-7)

“Durante séculos, a chamada história política - a do Estado, do poder e das disputas por sua
conquista ou conservação, das instituições em que ele se concentrava, das revoluções que o
transformavam - desfrutou junto aos historiadores de um prestígio inigualado devido a uma
convergência de fatores. Talvez eles a achassem mais fácil de reconstituir por basear-se em
fontes que tinham a dupla vantagem de ser regularmente constituídas - já que estabelecidas
por uma administração cuja função era operar por meio de textos que deixavam um vestígio
escrito - e estar classificadas e conservadas, e portanto acessíveis em um momento posterior.
Mas também se refletia nesse tipo de história o brilho que emanava do Estado, realidade
suprema e transcendente que é uma expressão do sagrado em nossas sociedades secularizadas
- o que mostra o quanto é verdade que o historiador de uma época distribui sua atenção entre os
diversos objetos que solicitam seu interesse na proporção do prestígio com que a opinião pública
envolve os componentes da realidade. No Antigo Regime, a história era naturalmente ordenada
tendo em vista a glória do soberano e a exaltação da monarquia. As revoluções que derrubaram os
regimes monárquicos não destronaram a história política de sua posição preeminente, apenas
mudaram seu objeto. Em vez de fixar-se na pessoa do monarca, a história política voltou-se para o
Estado e a nação, consagrando daí em diante suas obras à formação dos Estados nacionais, às lutas
por sua unidade ou emancipação, às revoluções políticas, ao advento da democracia, às lutas”
(Rémond, p.15)

“Desejosa de ir ao fundo das coisas, de captar o âmago da realidade, a nova história considerava as
estruturas duráveis mais reais e determinantes que os acidentes de conjuntura. ; Seus pressupostos
eram que os comportamentos coletivos tinham mais importância para o curso da história que as
iniciativas individuais, que os fenômenos registrados numa longa duração eram mais significativos e
mais decisivos que os movimentos de fraca amplitude, e que as realidades do trabalho, da produção,
das trocas, o estado das técnicas, as mudanças da tecnologia e as relações sociais daí resultantes
tinham mais conseqüências, e portanto deviam reter maior atenção dos observadores, que os
regimes políticos ou as mudanças na identidade dos detentores de um poder cujas decisões, segundo
se entendia, só faziam traduzir o estado da relação das forças sociais, ou refletir realidades anteriores
às escolhas políticas. ,, Ora, a história política apresentava uma configuração que era exatamente
contrária a essa história ideal. Estudo das estruturas? Ela só tinha olhos para os acidentes e as
circunstâncias mais superficiais: esgotando-se na análise das crises ministeriais e privilegiando as
rupturas de continuidade, era a própria imagem e o exemplo perfeito da história dita factual, ou
événementielle - sendo o termo aí evidentemente usado UMA HISTÓRIA PRESENTE 17 no mau
sentido -, que fica na superfície das coisas e esquece de vincular os acontecimentos às suas causas
profundas. Quanto tempo perdido em estabelecer fatos menores, em precisar o encadeamento das
circunstâncias! Até afundar na anedota, superestimando o papel do acaso em detrimento da
necessidade encarnada nos movimentos de longa duração. Ao privilegiar o particular, o nacional, a
história política privava-se, ao mesmo tempo, da possibilidade de comparações no espaço e no
tempo, e interditava-se as generalizações e sínteses que, apenas elas, dão ao trabalho do historiador
sua dimensão científica. Enquanto a vocação do historiador é interrogar-se sobre o sentido dos fatos,
enquanto sua especificidade reside, em conseqüência disso, numa atitude interrogativa, e seu papel
é formar hipóteses explicativas, a história política permanecia uniformemente narrativa, escrava do
relato linear, e no melhor dos casos, só temperava a mediocridade de uma descri- ção submetida à
cronologia pelo talento eventual do autor, que então fazia com que sua obra se aparentasse mais
com a literatura que com o conhecimento científico” (p.16-17)

“Outra coisa atuou no mesmo sentido para reintegrar os fatos políticos ao campo de observação da
história: a ampliação do domínio da ação política com o aumento das atribuições do Estado. As
fronteiras que delimitam o campo do político não são eternas: seu traçado conheceu muitas
variações ao longo da história. Em nosso século, a evolução se fez no sentido da extensão: pode-s~
dizer que também o universo político está em expansão/Sob a pressão das cir~ cunstâncias que
criavam situações Insólitas, de guerra total, de crise de uma gravidade sem precedente, e também
para 24 POR UMA HISTÓRIA POLÍTICA satisfazer às demandas de uma opinião pública que se voltava
espontaneamente para os poderes públicos para responsabilizá-los por suas desgraças, ou exigir que
as remediassem, sob a influência enfim de teorias que sistematizavam e legitimavam a intervenção
do Estado, a política se apoderou de toda espécie de problemas que não lhe diziam respeito
inicialmente, e com os quais a história política jamais tivera antes, portanto, de se preocupa~ À
medida que os poderes públicos eram levados a legisfar, regulamentar, subvencionar, controlar a
produção, a construção de moradias, a assistência social, a saúde pública, a difusão da cultura, esses
setores passaram, uns após os outros, para os domínios da história política. Com isso desabou a
principal objeção a esse tipo de história: como sustentar ainda que o político não se refere às
verdadeiras realidades, quando ele tem por objeto geri-las?” (p.23-24)

“Porque o político é o lugar de gestão da sociedade global, ele dirige em parte as outras atividadcs;
define seu status, regulamenta seu exercício. A lei autoriza ou proíbe, encoraja .ºii--- impede. 6s
·~~éct1íos públicos suscitam, ajudam, favorecern,b\... decisão política pode criar situações
inteiramente novas qtJe abrem u~ campõP [...] O historiador do político não reivindica como objeto
de sua atenção preferencial essa hegemonia: não pretende que tudo seja político. nem terá a
imprudênci<l de afirmar que a política tem sempre a primeira e a última palavra, mas constatC que o
político é o ponto para onde conflui a maioria das atividades e que recapitula os outros componentes
do conjunto social.” (p.447)

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