Professional Documents
Culture Documents
Esther Hamburger
Pina Coco
Silvia Helena Simões Borelli
Rodrigo Barreto
e-papers
CNPq
Salvador - BA
2004
2 Analisando Telenovelas
Analisando a autoria das telenovelas 3
Analisando telenovelas
organizadora
Maria Carmem Jacob de Souza
Pina Coco
Silvia Helena Simões Borelli
Rodrigo Barreto
e-papers
CNPq
Salvador - BA
2004
E-papers Serviços Editoriais Ltda. 2004
Todos os direitos reservados à E-Pappers Serviços Editoriais. É proibida a repro-
dução ou transmissão desta obra, ou parte dela, por qualquer meio, sem a prévia
autorização dos editores.
Impresso no Brasil.
Arte final
Eduardo Freire
Apresentação 9
Comicidade e fantástico:
diálogos com o melodrama 53
Analisando a autoria
das telenovelas
1
Consultar o Dicionário da TV Globo de programas de dramaturgia e entretenimento
(2003), assim como o livro de Mauro Alencar (2002).
2
Consultar Souza (2004); Balogh (1996 e 2002); Tesche (2000); Borelli (1996, 1997 e
2002); Ortiz et al. (1989); Mattelart (1989); Calza (1996); Campedelli (1985); Nogueira
(2002); Pallottini (1998); Hamburger (1998); Kehl (1979 e 1986), entre outros.
3
Manoel Carlos com Waddington: Por Amor (1998); Laços de Família (2000) e Mulheres
Apaixonadas (2003). Benedito Rui Barbosa com Luiz Fernando Carvalho: Renascer (1993);
O Rei do Gado (1996) e Esperança (2002). Barbosa com Monjardim: Pantanal (1990, TV
Manchete) e Terra Nostra (1999). Braga com Dennis Carvalho: O Dono do Mundo (1992);
Pátria Minha (1995) e Celebridade (2004).
Analisando a autoria das telenovelas 13
4
Ver especialmente as argumentações de Gomes (1996 e 2003); Featherstone (1995);
Bourdieu (1996); Foucault (1992); Martín-Barbero (1987); Jensen & Jankowski (1993).
5
A pesquisa em curso vem sendo apoiada pelo CNPq desde 2001. Atualmente desenvol-
vemos o Projeto : “Campo da telenovela e autoria: análise das telenovelas Renascer(1993),
O Rei do Gado (1996), Esperança (2002)”. As telenovelas foram escritas por Benedito Ruy
Barbosa e dirigidas por Luiz Fernando Carvalho. A pesquisa é coordenada por Maria
Carmem Jacob de Souza, pesquisadora do CNPq, responsável pelo grupo de pesquisa
A-Tevê. Professora do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura Con-
temporâneas da Universidade Federal da Bahia. Participante da linha de pesquisa de
Análise de Produtos e linguagens da cultura mediática deste Programa. Este momento
da pesquisa contou com a participação da bolsista de iniciação científica (Fapesb) Elen
Vila Nova e Alexsandro Oliveira (CNPq).
16 Analisando Telenovelas
Buscando o autor
6
Os resultados de um exercício de análise textual empregando o método proposto neste
artigo foi formulada por Rodrigo Barreto e encontra-se neste livro.
Analisando a autoria das telenovelas 17
7
Trabalho de Bernardet (1994) deixa clara a polêmica quanto aos critérios de definição
do autor no cinema, uma obra coletivamente produzida. O roteirista, o produtor e até
mesmo a ausência da idéia de autor são evocadas.
18 Analisando Telenovelas
8
Infelizmente, o acervo de imagens do NPTN/USP foi seriamente danificado, mas aos
poucos a instituição o vai recompondo. A Rede Globo aprimorou seu intercâmbio com
as universidades e tem colaborado com o acesso a imagens e aos realizadores. O acesso
as imagens e aos dados das outras emissoras de televisão produtoras de telenovelas no
Brasil é ainda precário. Vale ressaltar que os apaixonados por telenovelas organizados
pelo país já têm um acervo de imagens que precisa ser recuperado pelas universidades,
ampliando assim os acervos de imagens para estudos mais relevantes sobre a história
das formas narrativas e audiovisuais das telenovelas. Outros pesquisadores também
estão desenvolvendo pesquisas nesta área e acredita-se que nos próximos anos ter-se-á
um acúmulo de conhecimento mais significativo a este respeito.
Analisando a autoria das telenovelas 19
Localizando o autor
10
Atente-se para a leitura do artigo de Pina Coco, neste livro, que examina as frequentes
recorrências de certos modos de construção das heroínas.
32 Analisando Telenovelas
11
Jacy Campos introduziu mudanças importantes em termos de linguagem quando criou
o Camera Um, usando uma única câmera em movimento no teleteatro. Câmera Um deixou
a marca da busca de uma linguagem própria para a televisão, inovando no tratamento
cênico, brincando com o telespectador ao lidar com a câmera e os seus limites, uma
câmera que, muitas vezes, narrava sem cortes (Klagsbrunn e Rezende,1991, p. 43)
12
Pantanal foi exibida em 1990 pela TV Manchete, alcançando, pela primeira vez depois
de muitos anos, índices de audiência superiores a telenovela da TV Globo exibida neste
período, no mesmo horário.
13
Renascer é conhecida como a “novela que deixa nova marca na televisão brasileira”. Um
dos responsáveis foi o diretor Luiz Fernando Carvalho. Os primeiros quatro capítulos
de Renascer foram considerados um dos melhores da TV Brasileira (Jornal do Brasil,13
nov. 1993. Revista da TV).
Analisando a autoria das telenovelas 33
14
O jornalista Hugo Sukman pergunta a Luiz Fernando Carvalho: “por que se diz que
quando a TV tem qualidade é cinematográfica e, quando é ruim é TV mesmo?” Ele
responde: “há uma tendência geral em diminuir a televisão e sou completamente contra
isso. As pessoas costumam fazer a comparação: é cinema, é bom, mesmo que não seja;
é televisão, é ruim, mesmo que seja bom. A narrativa cinematográfica é totalmente
diferente da televisão, não lida com tantos diálogos, tantos planos fechados” (Jornal do
Brasil, 12 maio 1995. Caderno B).
34 Analisando Telenovelas
15
Reafirma-se a fase preliminar desta experiência associada as lacunas da pesquisadora
que tem sua formação ancorada nas ciências sociais. A clareza dos limites impostos pela
origem da formação fomentou uma reordenação no campo de estudos da pesquisadora
desde 2000 para aprimorar a capacidade analítica de textos e discursos audiovisuais
mediáticos. Resultados deste percurso transdiciplinar guiará, certamente, o processo
de investigação em curso e os futuros trabalhos nesta área.
Analisando a autoria das telenovelas 37
16
O termo obra é aqui usado como trabalho artístico em geral, não importanto se
reconhecida como erudita, popular ou massiva. Em alguns momentos do texto, poderá
também referir-se a produção total de um realizador.
38 Analisando Telenovelas
não podem servir de base para a análise porque muitas vezes não
correspondem ao desenvolvimento final da história exibida na te-
levisão. Além disso, o acesso do pesquisador a este material escrito
e a todos os capítulos exibidos é muito difícil, cabendo ao pesqui-
sador imaginar outros caminhos para conhecer o texto narrativo,
a história contada nas suas nuances e modos de elaboração.
Nestas circunstâncias algumas etapas foram estabelecidas:
i) elaboração de um resumo da história baseado nos boletins de
programação, nas sinopses, quando houver, nos resumos dos capí-
tulos exibidos; ii) elaboração de um resumo descritivo e ampliado
do desenrolar da história, buscando respeitar a composição e o
ritmo da narrativa; iii) criação de um quadro geral que permita
observar o ritmo da narrativa ao longo das semanas e dos meses,
configurando as curvas dramáticas segundo as tramas centrais e
secundárias. Os dois últimos itens lançam mão das mesmas fontes,
precisando recorrer a memória e ou depoimentos de telespecta-
dores que assistiram a telenovela. Neste momento também são
reunidas as matérias da imprensa mais significativas que oferecem
dados sobre a audiência e sobre as repercussões da telenovela na
vida social e na vida de telespectadores.
O panorama geral da história oferece ao pesquisador um qua-
dro de hipóteses de trabalho para rastrear os capítulos gravados
buscando uma correspondência entre o momento da história e
os capítulos registrados. Isto porque dificilmente consegue-se ter
registrado em VHS ou DVD todos os capítulos exibidos. De posse
deste material, o investigador pode passar a fase seguinte, a análise
textual do material audiovisual. O investigador já formulou uma
primeira versão do conjunto geral do texto narrativo, do modo
do escritor narrar a história, os temas tratados, a fase de implan-
tação da trama central em relação a fase do desfecho, as intrigas
principais e secundárias, a caracterização dos personagens, suas
ações e motivos, e tantas outros. Tem-se conhecimento inclusive
das situações consideradas problemas, dos melhores momentos
para os realizadores, críticos de televisão e para o público. Este
40 Analisando Telenovelas
18
Recomenda-se a leitura do artigo de Borelli neste livro por apresentar esta perspectiva
de análise.
Analisando a autoria das telenovelas 41
19
Recomenda-se, mais uma vez, a leitura do artigo de Rodrigo Barreto neste livro
pois permite observar as diferenças no modo de narrar presentes nos dois primeiros
capítulos de uma telenovela da mesma emissora, exibidas no mesmo horário, na mesma
década e com a mesma direção geral de Jayme Monjardim. O artigo apresenta algumas
hipóteses de trabalho sobre as estratégias narrativas particulares dos escritores: Glória
Peres e Benedito Ruy Barbosa.
Analisando a autoria das telenovelas 43
Bibliografia
Quadro I
Telenovelas, Rede Globo, 20h* (1989-2003)
Título Período Cap. Roteiro Direção
Aguinaldo Silva com
Ricardo Linhares e Paulo Ubiratan
14 Ago/89 Ana Maria Moretzsohn (direção geral),
Tieta a 196 Reynaldo Boury e
31 Mar/90 Adaptação do Roman- Luiz Fernando Car-
ce “Tieta do Agreste” valho.
de Jorge Amado.
Jorge Fernando (dire-
Sílvio de Abreu com ção geral),
Rainha da 2 Abr/90 a
177 Alcides Nogueira e Jodelet Larcher
sucata 27 Out/90
José Antônio de Souza Roberto Talma
(direção executiva)
Cassiano Gabus
Paulo Ubiratan
Mendes
(direção geral),
29 Out/90 Ricardo Waddington
Meu bem Colaboração de
a 173 e
meu mal Dejair Cardoso,
17 Mai/91 Reynaldo Boury.
Maria Adelaide Amaral
Paulo Ubiratan
Luiz Carlos Fusco (a
(direção executiva)
partir do capítulo 20).
Dennis Carvalho
Gilberto Braga
(direção geral),
Colaboração de
20 Mai/91 Mauro Mendonça
O dono do Ricardo Linhares,
a 197 Filho,
mundo Leonor Basséres.
13 Jan/92 Ricardo Waddington.
Apoio de Sílvio de
Ruy Matos
Abreu
(direção executiva)
Aguinaldo Silva com Paulo Ubiratan
Ana Maria Moretz- (direção geral),
sohn e Gonzaga Blota,
Pedra so- 6 Jan/92 a
178 Ricardo Linhares. Luiz Fernando
bre pedra 31 Jul/92
Colaboração de Carvalho e
Márcia Prates Ruy Matos
e Flávio de Campos. (direção de produção)
* O termo “Horário das 20h” é utilizado aqui para as telenovelas exibidas, de segunda
a sábado, pela TV Globo, apesar de sua imprecisão.
Analisando a autoria das telenovelas 47
Colaboração de
Flávio de Campos e
Marcia Prates.
Fontes
Arquivos do acervo do Grupo de Pesquisa A-tevê (PosCom-
UFBa). Dados coletados em sites da emissora Tv Globo; jornais
impressos e on-line O Globo; Jornal do Brasil; Folha de São Paulo
e Dicionário da TV Globo (2003).
52 Analisando Telenovelas
Comicidade e fantástico: diálogos com o melodrama 53
Comicidade e fantástico:
diálogos com o melodrama1
Traços da Comicidade
1
Uma versão preliminar deste texto está parcialmente publicada em: LOPES, M. I. V;
BORELLI, S. H. S. e RESENDE, V. Vivendo com a telenovela. Mediações, recepção, teleficcio-
nalidade. São Paulo: Summus, 2002.
54 Analisando Telenovelas
Tinha uma cidade, que parece que era no nordeste, mas eles falavam
engraçado meio inglês, meio português com sotaque do nordeste. Isto era
mesmo muito engraçado (Tati, Família 3, ES).
Ah, eu acho que o sotaque né, meio... meio inglês assim, acho que, sei
lá, eu achava engraçado certas coisas, certas palavras, meio bizarro
(Beatriz, Família 4, ES).
Comicidade e fantástico: diálogos com o melodrama 55
O que pegava mesmo, e que eu dava risada, era que tinha o sotaque:
era muito engraçado, era uma coisa bastante diferente (Paula,
Família 4, ES).
Agora: é óbvio que tem o lado cômico que seria o da própria Altiva, nas brigas
com o padre, no raio que cai em sua cabeça... (Cristiane, Família 3, EG).
Tem o padre José; quando a Altiva ameaça, ele fala: ‘Eu vou
mostrar meu bundão’. Mas eu dou tanta risada, dou tanta ri-
56 Analisando Telenovelas
Primeiro que ele é um padre que é uma piada, ele tem um litro de
whisky na sacristia, ele bate o maior papo com a imagem da santa
e bebe. Toda vez que ele vai no British Club, ele toma o whiskynho
dele e oferece, sei lá, faz uma reverência e bebe. Mas eu diria que ele
é autêntico, eu acho que ele faria isso dessa forma assumida até na
frente do papa ou do bispo, na frente de quem estiver (Cristiane,
Família 3, EG).
‘Desta vez faço uma mãe desnaturada’, delicia-se Eva Wilma, acredi-
tando que o público vai, assim mesmo, dar boas gargalhadas. ‘As pessoas
reprimem a agressividade e por isso costumam fazer catarse através de
personagens malvados’ (Sinopse A Indomada:16).
Tem hora que eu penso assim: ’Pô, a Altiva não tem dó de ninguém,
não basta ela ficar na rua por uns nove dias’. Ficou nove dias e quase
nos últimos dias, no oitavo dia, foi lá na casa da Helena e do Teobaldo,
comeu todinho o almoço do pessoal - mas eu dei tanta risada! Não, mas
ela merecia ficar na rua. O cachorro foi lá e comeu o café da manhã dela,
queria dormir com ela (Fernanda, Família 1, EG).
A Altiva encontrou com a Berbela, ela estava falando que estava numa
vida boa, que não sei o que, que sempre estava muito gostoso e a noite
ela acabou dormindo no banco da praça. Aí no dia seguinte, aí tinha
um cachorro faminto, e ela guardou uma empadinha e um pedaço de
carne, coxa de frango, aí tudo bem, ela foi dormir, aí o cachorro comeu
tudinho, aí depois o cachorro foi dormir junto com a Altiva. Nossa,
mas a Altiva deu um pulo do banco; nossa eu dei tanta risada, tanta
risada (Lurdinha, Família 1, HV).
Comicidade e fantástico: diálogos com o melodrama 59
No limite entre o drama e a farsa, o que eles (os autores) querem é fazer
o público rir e se emocionar com A Indomada. Fala-se, explicitamente,
nesse equilibrismo entre comédia e drama (Sinopse A Indomada:7).
Ela sofreu muito, perdeu os pais cedo e teve que tomar decisões impor-
tantes, mas eu a vejo encarnando tudo isso com uma dose de humor. O
jovem dos anos 90 é muito independente, politizado, sabe reverter muito
bem o sofrimento. Eu imagino nela uma grande mulher, com uma boa
alma (Sinopse A Indomada:10).
Narrativa fantástica
Fazer o público acreditar nas loucuras deste universo que mistura magia
com fatos reais é principalmente a atribuição de quem transforma texto
em ação (Sinopse A Indomada:8).
62 Analisando Telenovelas
...um diretor que não está acostumado com nosso trabalho estranha
muito essa tendência de enlouquecer a história; se for muito realista, ele
não entende; os diretores precisam embarcar neste clima mágico porque
depende da maneira como as cenas são feitas para que o público acredite
nelas. E Paulo Ubiratan completa: claro que tudo tem que ser feito
com um critério criativo, mas o interessante do realismo fantástico é
sua temporalidade, que não tem compromisso com um local real; tudo
pode! Entretanto, a gente brinca fazendo sério, senão vira chanchada.
O segredo é humanizar e dar seriedade às circunstâncias deste universo
absurdo. Tem hora de fazer rir e a hora de fazer o público se emocionar
de verdade (Sinopse A Indomada:8).
Aquela história do Cadeirudo não tinha nada a ver, eu acho. Estava bem
distante. Aquele papo do delegado Motinha, de cair no buraco e sair no
Japão, eu acho que não tinha nada a ver (Juliana, Família 2, ES).
Começa a ficar longe da real quando o delegado cai no buraco e sai no
Japão, quando cai um raio na Altiva e ela não morre, a lua dupla, o
Cadeirudo, que é um tarado bem ridículo, porque tarado existe, mas
não daquele jeito; os relâmpagos que caiam no meio da praça, o outro
que virou anjo no meio da praça, isso não acontece (Tati, Família 3,
ES/QC).
É...essa história de cair num buraco, está parecendo uma lenda que a
professora me contou: se cava um tipo de um poço, mais fundo ainda,
aí se joga lá e cai no Japão. É... ela estava contando esses dias (...)
Aquilo ali não deu mais nem para acreditar né, deu até vontade de não
assistir mais a novela (...) todo mundo pensando que ele tinha morrido;
daqui a pouco ele aparece com uma japonesa (João Paulo, Família
2, EG/EV).
eu acho que num batia certo, não dava certo (...) Achei muita mentira.
Eu sou do tipo de pessoa que quando eu vejo que é muito mentira eu até
saiu de perto. Acho ficção. Não dá, não dá, não gosto. Ridículo. Não
dá para acreditar nestas coisas. Cair num buraco, e de repente voltar
do Japão, ah que louco. Acho bobeira, não sei. Acho também que foi
palhaçada aquilo: ela estava procurando umas pedras no fundo do mar.
Aí teve alguém que quase se matou no fundo do mar, alguma coisa assim.
Só sei que ela tinha desmaiado na areia, e apareceu a mãe dela com
as pedras que ela estava procurando. Uma coisa muito babaca. Achei
muita fantasia, só isso (Joana, Família 2, ES/QC).
Não. Acho que, pelo contrário, ele faz para acreditar que aquilo não
é verdade. Acho que é esta a mensagem que ele quer passar. Até para
o pessoal acreditar que é novela. Não é realidade. Mas eu acho que
algumas pessoas acreditam que aquilo é verdade. As pessoas que falo
Comicidade e fantástico: diálogos com o melodrama 65
são as pessoas mais velhas. As pessoas jovens, eu acho que não (Joana,
Família 2, EG).
Agora na usina teve o dia que a Helena machucou a perna, não sei o
que aconteceu que ela ficou na usina e, para o Teobaldo encontra-la, a
Eulália [a falecida mãe de Helena] foi colocando um caminho de
velas até lá, entendeu? Foi interessante (Tati, Família 3, EV).
Eu sonhei que ela [Celeste, uma tia já falecida] estava na casa dela,
que é no alto da rua, lá em cima. Quer dizer, nós estávamos lá. Aí ela
chegava. Todo mundo estava reunido e a gente ficava super feliz porque
ela tinha chegado, mas todo mundo já sabia que ela tinha morrido. Aí
eu falava: ‘Nossa mãe, a tia veio visitar a gente’. A minha mãe falava:
‘é, eu sei disso’. Gozado mãe, mas eu sei que ela está morta, mas parece
66 Analisando Telenovelas
que ela não está morta. Aí eu pegava e falava. ‘Não mãe, ela não está
morta, ela está viva’. Aí eu ficava sentindo ela assim. Aí minha mãe
falava: ‘ela está viva agora, mas daqui a pouco ela vai embora’. Eu sei
que ela abraçava o neto. Vinha, abraçava a gente. Eu sempre sonho
isso. Eu sei que ela está morta, mas eu estou vendo que ela está ali. Eu
consigo conversar com ela. Ela veio falar que onde ela está, está bem.
Nesse sonho estava ela e outra filha dela, que já morreu. Aí eu falava
assim: ‘ela está morta mesmo’. Aí eu pedia para ela: ‘tia, fica aqui com
a gente, não vá embora não’. Ela falava assim: ‘aqui vocês estão todos
juntos; eu preciso ir para lá cuidar dela, da minha filha, que é a Ana
Paula, que já morreu faz bom tempo (Juliana, Família 2, HV).
uma roupa hiper chique. Aí todo mundo: “Oh!”. Aí ele contou como
foi (Fernanda, Família 1,EG).
... eu acho que o mar levou eles [Helena e Artêmio] para a Ilha do
Enforcado. Lembrei! E é muito bom! Aí a Helena pediu para a mãe
dela: ‘Mãe, você que está aí no céu, que morreu por amor, e o senhor
também pai, que morreu afogado, me ajuda a encontrar essas pedras
preciosas’. Aí a noite ela dormiu e apareceu na mão dela as pedras
preciosas (Fernanda, Família 1, EG).
É tipo assim, ela estava saindo do mar, ela saiu do mar, depois a He-
lena estava dormindo, dai deixou as pedras do lado da cabeça dela. Me
lembrou do filme que eu assisti de Jesus Cristo. Ele andando no mar
(João Paulo, Família 2, EG/EV).
Ainda que se trate de uma novela muito bem humorada, sabe-se que
cabe ao casal central da trama o ‘eu te amo’ sério. E se o autor resolver
envolvê-los num conteúdo fantástico - embora as regras do folhetim cos-
tumem preservar os heróis - ela é aceita (...) E quem sabe se, ao final, ele
(o herói) acaba domando a mocinha com um passeio de tapete mágico?
(Sinopse A Indomada:11).
68 Analisando Telenovelas
Ah, com certeza, aí é com certeza, eu sempre assistia para ver o Ca-
deirudo, adorava (risos). Quando era noite de lua cheia e eu estava
assistindo, eu acho, não mais... Era envolvente sim. Porque tem aquela
novela que quando acaba o capítulo, você não vê a hora de chegar o dia
seguinte para assistir de novo; ela era assim, não em todos os capítulos,
mas era (Joana, Família 2, ES).
me dê uma luz: onde sua filha está?’. Ela foi acendendo vela, uma por
uma, até a usina, onde ela estava. Quando ele foi chegando, chegando,
ela estava dormindo; quando ele entrou lá, ela acordou e falou assim:
‘Estou com sede’; e ele falou assim: ‘Por que você não pediu uma coisa
mais difícil, como trazer a lua e as estrelas para você?’. Ela falou: ‘Onde
você vai?’. ’Vou aqui pertinho buscar água para você’. Quando ele voltou,
ela falou: ‘Por que você acendeu tantas velas aqui?’; ele falou: ‘eu não
acendi nada’; ‘então quem acendeu?’; ele falou: ‘eu fui no túmulo da sua
mãe pedir uma luz e ela me trouxe do túmulo dela até aqui’. ‘Então foi
uma iluminação’ (Sheila, Família 1, GD).
Acho que é cômica, ela é cômica. Esta, eu só sento para rir. Eu não
agüento esta coisa de falar inglês (Joana, Família 2, EG).
Ah, sim. Tem a própria Altiva, que é uma ruim que faz rir. E de que
eles falam engraçado, com sotaque nordestino e falando algumas coisas
em inglês, como ‘ó xente my god’ ou o delegado ‘little Mota’. Às vezes a
gente mesmo fala algumas dessas coisas. O padre também é engraçado,
o jeito que ele fala (...) Não tem uma cena em especial, é na novela toda:
erótica. Não sei. Se falarmos da Scarlet, não sei se chega a ser erótica.
É um pouco forte, mas também não acho que seja erótica (Cristina,
Família 4, EG).
Ela não tinha morrido. Isso é real. Eu acho que o nome era Izilda
e tinha uns 18 ou 19 anos. Ela tinha uns desmaios e, então ela teve
esses desmaios e os médicos acharam que ela... E tinha um médico que
cuidava da menina e sabia o que ela tinha. E ele explicou. Eu sei que
no decorrer ela acabou morrendo. Isso não é mentira. Eu estava no ve-
74 Analisando Telenovelas
lório. Ela tinha morrido à tarde, um outro médico, não aquele, atestou
que ela tinha morrido. E, no dia seguinte, está todo mundo lá, numa
chácara, aí a gente começou a ouvir uns barulhos [Xarlote imita com
uns gemidos]. Daqui a pouco, a menina senta. A mãe quando viu
aquilo, em vez de correr para o lado da criança, saiu para fora correndo.
Os homens foram lá, olharam, estava tudo bem, tiraram a menina do
caixão. E para mexer em tudo, de novo, porque isso dá uma confusão.
Precisou levar para o IML, para provar que não morreu. O padre
dispensou todo mundo do velório. O médico que cuidava teve que provar
que a menina tinha a doença... Me parece que o Sérgio Cardoso tinha
essa doença e acabou morrendo, também. Com o Sérgio Cardoso, ele
morreu e o médico estava viajando. Quando o médico chegou, soube e
foi saber. Ele estava vivo e morreu de falta de ar, dentro do caixão. É,
existe esse tipo de doença (Xarlote. Família 2. HC).
Bibliografia
Pina Coco
Bibliografia
Rodrigo Barreto
A construção romântica
1
Na sinopse da novela presente no boletim de programação da TV Globo (01/09/1999),
os nomes dos personagens não seguem necessariamente a grafia própria da língua
italiana. Neste texto, segue-se o mesmo padrão.
92 Analisando Telenovelas
Analisando O Clone
Mundo árabe e clonagem
Os personagens na trama
chora e pede para não ser deixada sozinha, enquanto a mãe resig-
nada, fala do seu futuro no Marrocos (“lá, você não vai se sentir
diferente de ninguém”), onde alguns parentes irão ampará-la. Após
a morte da personagem de Walderez de Barros, é apresentada uma
cena mais lírica, na qual o quarto aparece enfumaçado (incenso)
e banhado por uma luz azulada, o que reforça a religiosidade do
momento. Com teor emocional mais contido, ela representa, sem
dúvida, uma tentativa de colocar o público em contato com um
ritual islâmico íntimo: Jade faz orações em árabe, enquanto lava
sozinha o corpo da mãe para a cerimônia fúnebre (“esse ritual só
pode ser feito por uma muçulmana”, diz ela, declinando a ajuda
de uma vizinha).
Novas descobertas acerca da cultura islâmica estão relacio-
nados às vivências de Jade no Marrocos e a seu contato com os
parentes que lá vivem, a prima Latifa (Letícia Sabatella), o tio Ali
(Stênio Garcia) e Zoraide. Parece um pouco estranho o desco-
nhecimento da personagem acerca de alguns costumes de sua
gente (uma vez que sua mãe parecia zelosa da preservação de sua
tradição), mas, ao mesmo tempo, isso acaba sendo um recurso
conveniente para que se estabeleçam vínculos entre a protago-
nista e os telespectadores, colocados em semelhante estado de
ignorância ou surpresa diante desses novos hábitos. Logo na sua
chegada, Jade se perde num mercado de Marrocos, fica assustada
com o assédio dos vendedores, é agredida por transeuntes por
causa de suas roupas, além de presenciar um cortejo fúnebre e o
desfile de um grupo de mulheres, que carregam, pelas ruas, um
lençol ensangüentado como prova da virgindade de uma noiva
recém-casada.
Toda discussão sobre os clones está, por sua vez, concentrada
na figura do obcecado cientista Albieri e há pouca sutileza no fato
do assunto vir à baila em todas as oportunidades em que o perso-
nagem aparece. Isso, obviamente, delimita o papel do cientista na
trama desde o início. Por outro lado, a construção de Albieri deixa,
no entanto, brechas para um desenvolvimento mais polivalente do
Onde tudo começa: Terra Nostra e O Clone - uma experiência de análise 101
Luz e cores
Considerações Finais
Bibliografia