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C

APÍTULO 2

DEFECTOLOGIA

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

 Compreender a abordagem histórica da defectologia.

 Elaborar conceitos e proposições no âmbito da defectologia e compreender suas


implicações para a educação especial.

 Problematizar e refletir a respeito do que a defectologia contribui para a educação


especial.

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1 - Capítulo elaborado por Rosyeri de Souza Cordeiro; graduada em Fonoaudiologia pela UNIVALI,
especialista em Psicopedagogia e Pós-graduanda em Educação Especial pela UNIASSELVI
Deficiência Mental

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Capítulo 2 DEFECTOLOGIA

CONTEXTUALIZAÇÃO
Este capítulo tem como objetivo compreender a abordagem histórica
da deficiência mental, elaborar conhecimentos a partir da concepção
de desenvolvimento das pessoas com deficiência mental, com base na
defectologia, e, principalmente, proporcionar a você uma reflexão sobre a atual
situação de processo de educação inclusiva em que nos encontramos.

Como já vimos no capítulo anterior, a deficiência em seu processo histórico


era, durante muitos anos, permeada por investigação psicológica, com a
utilização específica e única de testes padronizados e quantitativos (testes de
Q.I), como se a inteligência humana pudesse ser quantificada.

Assim, o ser humano era medido em sua capacidade cognitiva e todo


seu desenvolvimento. As crianças que apareciam com alguma deficiência
ou, principalmente, com deficiência intelectual eram classificadas ou
estigmatizadas por este método quantitativo e padronizado, por ficarem dentro
de uma escala de nível de desenvolvimento muito abaixo do esperado.

Nestes métodos puramente quantitativos, que ainda são utilizados, o


grau de inteligência que a criança apresenta é determinado, assim, pelo grau
de insuficiência manifestado em decorrência da deficiência; contudo, não se
consegue caracterizar a personalidade do indivíduo que é analisado com estes
critérios. (NASCIMENTO, 2005)

Existem também diversos outros métodos que não são de caráter


psicológico, e que Vygotsky denomina de métodos paidológicos, de natureza
anatômica e fisiológica, mas que também se evidenciam nas respostas
quantitativas, sem caracterizar algo mais significativo e subjetivo, além de
resultados superior ou inferior a uma média.

Em consonância com Vygotsky (1997, p. 11) quando relata sobre alguns


métodos, podemos considerar que

... as proporções, o tamanho, a escala constituem as


categorias fundamentais da investigação, como se todos
os problemas da defectologia fossem problemas de
proporções e toda a diversidade dos fenômenos estudados
pela defectologia estivesse englobada por um esquema
único: “mais ou menos”. Em defectologia se começou antes
a calcular e a medir que a experimentar, observar, analisar,
diferenciar e generalizar, descobrir e definir qualitativamente”.

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Deficiência Mental

Defectologia é um termo russo que vem da palavra “defeito” e é usado


para definir os estudos relacionados às deficiências. Está presente no Tomo
V – Fundamentos de defectologia, das Obras Excogitas de Vygotsky.

Atualmente, os testes quantitativos são utilizados mais como um recurso


para avaliar as pessoas com deficiência.

Assim como a criança em cada etapa do desenvolvimento,


em cada uma de suas fases, apresenta uma peculiaridade
quantitativa, uma estrutura específica do organismo e
da personalidade, de igual maneira a criança deficiente
apresenta um tipo de desenvolvimento qualitativamente
distinto. (VYGOTSKY, 1997, p.12).

Portanto, o que se percebe na visão de Vigotsky, é que o comportamento


humano apresenta diferentes variáveis nas etapas do desenvolvimento da
vida e que, por conseguinte, cada indivíduo reage de maneira diferente devido
ao meio em que se encontra.

FUNDAMENTOS DA DEFECTOLOGIA
De acordo com NASCIMENTO, 2005, a criança com deficiência passa a
ser vista como um ser humano que se desenvolve com características únicas
e individuais, de acordo com o meio, com o estímulo recebido e com seu
organismo. Salvo se a pessoa com deficiência, em especial a com deficiência
mental se desenvolve de uma maneira diferente, não mais se considerando
uma variante numérica do desenvolvimento normal, mas a significância de
uma concepção de desenvolvimento individual diferenciado.

Na premissa vygotskyana, as pessoas com necessidades especiais


apresentam particularidades na forma de aprender e se desenvolver, nos
recursos necessários para a aprendizagem, entre outros fatores.

Na teoria vygotskyana, a criança que tem qualquer tipo de deficiência


ou alteração não é menos desenvolvida que uma criança dita normal, o
que acontece é que esta criança se desenvolve de forma diferenciada,
qualitativamente diferente. (NASCIMENTO, 2005).

Vygotsky (1997, p. 251) acredita que “o ato intelectual por si mesmo, na


criança débil mental, manifesta em todas as propriedades fundamentais a
mesma natureza que na criança normal... Tampouco se pode afirmar que seus
processos intelectuais são menos intensos”.

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Capítulo 2 DEFECTOLOGIA

O enfoque quantitativo da deficiência, segundo o autor, tem uma visão


negativa do seu desenvolvimento, revelando apenas aquilo que a criança não
é e não faz, enquadrando-a fora do padrão de normalidade. E ainda, com o
estudo sobre a deficiência e o desenvolvimento de crianças com deficiência,
a defectologia, como chama Vygotsky, vem para valorizar as potencialidades
e capacidades da criança com deficiência e não mais enfatizar suas
impossibilidades e incapacidades.

O fato exposto anteriormente, caro aluno, influencia diretamente na


prática educacional destes indivíduos, respeitando sua forma peculiar de se
desenvolver, com suas particularidades na forma de aprender, assim como
na seleção de recursos necessários para sua aprendizagem. Portanto, a
educação inclusiva ganha força e sentido através desta premissa.

Na defectologia, defendida por Vygotsky, evidencia-se a importância que


se deve dar para as interações sociais, a qualidade destas, identificando quais
as situações de aprendizagem a pessoa com deficiência já conhece, além
da alteração biológica que o indivíduo apresenta, para que seja realizado um Teoria sócio-
diagnóstico fidedigno. Apenas como forma complementar de pensamento e interacionista concebe
informação, Vygotsky toma como base o desenvolvimento do indivíduo como o desenvolvimento
resultado de um processo histórico-social, ou seja, uma estreita conexão entre como processo cultural
aprendizagem e desenvolvimento, através das relações sociais que troca com e defende que todo
o meio externo. o funcionamento
humano se origina e
Enfim, Vygotsky acredita numa concepção sócio-interacionista de se modifica através
desenvolvimento cultural do ser humano por meio do uso de instrumentos, em das relações sociais.
especial a linguagem, tida como instrumento do pensamento. Assim, o homem
é um ser histórico-social ou, mais abrangentemente, um ser histórico-cultural;
moldado pela cultura que ele próprio cria; ou ainda, o indivíduo é determinado
nas interações sociais, ou seja, é por meio da relação com o outro que o
indivíduo é determinado; é na linguagem e por ela própria que o indivíduo é
determinado e é determinante de outros indivíduos.

Os instrumentos são meios externos utilizados pelos indivíduos para


interferir na natureza, mudando-a e, consequentemente, provocando
mudanças nos mesmos indivíduos.

Então, resumidamente, temos que a teoria sócio-interacionista concebe o


desenvolvimento como processo cultural e defende que todo o funcionamento
humano se origina e se modifica através das relações sociais; por isso a
importância desta teoria para que não subestimemos a capacidade das
pessoas com deficiência, pois não devemos considerar o defeito por si mesmo,
mas as relações do sujeito com deficiência com os outros, na qualidade das
experiências vividas no meio social.

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Deficiência Mental

A VALORIZAÇÃO DAS RELAÇÕES SOCIAIS


Nesta concepção, “o fenômeno da deficiência está atrelado ao corpo, ao
defeito” em seu cérebro ou em seus cromossomos; correspondente à parte
orgânica ou, ainda, relacionado à atitude dos outros, na maneira como vêem
e como interagem com a pessoa com deficiência em seu cotidiano, estando
representada assim a esfera do meio social. (NASCIMENTO, 2005)

A idéia da deficiência está na interação social realizada com e por ele, na


forma do relacionamento social. (NASCIMENTO, 2005) Desta maneira, é viável
que a pessoa com deficiência possa constituir-se a partir de relações sociais
variadas, pois a dificuldade não lhe é inerente. Neste sentido, a deficiência do
indivíduo pode ser determinada de acordo com suas relações sociais.

A pessoa com deficiência tem acrescentado às suas competências atuais


novas competências por causa da aproximação com o meio social, surgindo
novas apropriações através do outro, do mediador ou do grupo social em que
está inserido.

Só para você recapitular e sustentar o pensamento anterior. Segundo


Vygotsky o desenvolvimento se apresenta em dois níveis: real, que representa
o que a criança pode realizar sozinha; e potencial, que representa aquilo que
ela só realiza com ajuda, ou pela imitação, mas que poderá vir a realizar sozinha
a partir de interações que promovam suas aprendizagens. As aprendizagens,
assim, são entendidas no sentido da apropriação (VYGOTSKY, 1998).

Vygotsky (apud NASCIMENTO, 2005) coloca uma nova visão sobre


deficiência, definindo como deficiência primária aquela que surge como
biológica, e secundária, a social. Assim, a deficiência primária corresponde
às lesões orgânicas, malformações, alterações cromossômicas apresentadas
na pessoa com deficiência; e a deficiência secundária estaria atrelada ao
desenvolvimento que o indivíduo apresenta em suas interações sociais.

Logo, a deficiência passa a ser determinada de acordo com sua posição


nas suas relações sociais. A criança, a princípio, não percebe a deficiência
em si, mas as necessidades que ela ocasiona, e que surgem socialmente, no
convívio com o outro.

Podemos ainda ressaltar que a deficiência primária transforma-se em


secundária em certas condições sociais. A lesão cerebral, por exemplo, pode
ou não agregar uma deficiência mental em certas condições sociais, pois não
existe aspecto em que o biológico possa separar-se do social. (VYGOTSKI,
1995)

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Capítulo 2 DEFECTOLOGIA

A partir daí, conclui-se que a teoria de Vygotski explica a deficiência


levando-se em consideração tanto o caráter biológico como o social. Ou seja,
tanto os fatores biológicos, como a compreensão da relação que existe entre a
história pessoal e vida social são importantes para entendermos a deficiência
de um sujeito.

Diante da concepção de deficiência e do conceito de compensação social,


desenvolvidos por Vygotsky, embora os vários tipos de deficiências sejam
também circunstâncias biológicas, a educação deve estar voltada para suas
consequências sociais. Caso contrário, a educação orienta-se, desde o início,
para a deficiência, a invalidez, como um princípio. Neste sentido, o autor
afirma:

É um equívoco ver na anormalidade só uma enfermidade.


Na criança anormal nós só vemos o defeito e por isso nossa
teoria sobre a criança, o tratamento dado a ela se limita à
constatação de uma porcentagem de cegueira, surdez
ou alterações do paladar. Detemo-nos nos gramas de
enfermidade e não notamos os quilos de saúde. Notamos os
defeitos e não percebemos as esferas colossais enriquecidas
pela vida que possuem as crianças que apresentam
anormalidades. (VYGOTSKY, 1995, p. 45).

Enfim, a mediação é de suma importância como recurso para garantir


a qualidade das relações sociais da pessoa com deficiência, como também
para compensar toda a limitação que apresentam a nível biológico do
desenvolvimento.

O eixo fundamental que encontramos no desenvolvimento agravado


pelo defeito é de que todo o defeito cria os estímulos para elaborar uma
compensação (VYGOTSKY, 1997). E ainda, ao se conseguir estabelecer
possibilidades de compensação para vencer o defeito, estas devem ser
incluídas ao seu desenvolvimento, como também em seu processo educativo,
como sua força motriz. (VYGOTSKY, 1995).

A partir do que foi descrito, podemos dizer que uma criança que possui
uma diminuição de sua função social, em decorrência de sua deficiência,
fica prejudicada com relação a sua compensação, já que esta se origina
socialmente, causando o que VYGOTSKY chamou de “sentimento de
inferioridade”.

Conforme Vygotsky (1997), o defeito provoca a compensação,


indiretamente, através do sentimento de inferioridade.

Desta forma, NASCIMENTO (2005), em concordância com os


pensamentos vygotskyanos, deixa claro que o desenvolvimento de uma criança

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Deficiência Mental

com deficiência passa a depender de sua relação social e do desenvolvimento


do sentimento de inferioridade que pode, assim, desenvolver compensações
para a conquista de uma participação social mais plena. E ainda, a qualidade
das relações sociais de um grupo garante que as estruturas fundamentais do
desenvolvimento humano, como o pensamento e a linguagem, se estruturem.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Diante do que foi explanado no capítulo, podemos ver fundamentada
a teoria de desenvolvimento segundo Vygotsky, de que o ser humano é
constituído através de dois importantes aspectos: biológico e social.

Então, pensemos nas condições em que muitas vezes as crianças com


deficiência se encontram. Muitas vezes, dentro do círculo relacional da família,
podem encontrar experiências de exclusão, sendo tratados com atitudes de
rejeição ou superproteção, ampliando-se estas experiências para a exclusão
escolar, com professores alegando falta de preparo ou outras desculpas, ou
mesmo a comunidade, cheia de preconceito e incompreensão, fechando um
histórico de segregação social.

Você também, a partir deste momento, de acordo com o que foi


mencionado acima, pode refletir sobre ações que considera discriminatórias
com relação à pessoa com deficiência, e que, direta ou indiretamente, fazem
parte de seu contexto social.

É importante sabermos que enfermidade tem a pessoa, mas também é


interessante traçar um perfil da pessoa que tem determinada enfermidade.
Portanto, não basta sabermos o defeito que tem a criança, mas também
que criança tem este defeito, além de conhecer que importância tem esta
insuficiência para a caracterização de sua personalidade, como a criança se
relaciona e se desenvolve com a deficiência, enfim, como se dá o processo de
compensação. (VYGOTSKY, 1997)

Para complementar, Vygotsky (1997, p. 135) defende que “A consciência


de sua própria insuficiência aparece na reação de vencer este penoso
sentimento, a superar esta insuficiência por meio consciente, a elevar-se a um
nível superior”.

Conforme NASCIMENTO (2005), conclui-se que toda a relação que a


criança tenha será essencial para seu desenvolvimento, e isto não descarta
a expectativa do outro, o respeito, a amizade, a percepção que o outro tem
em relação à deficiência. Assim, a convivência humana na diversidade é um

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Capítulo 2 DEFECTOLOGIA

fator importante dentro da Defectologia, pois, é na relação que as pessoas têm


contato com o “defeito”. A amizade, neste contexto, é de grande valia para uma
saudável compensação, como também para o desenvolvimento da pessoa
com deficiência.

Desta maneira, percebe-se o papel primordial que a escola exerce quando


se fala em educação inclusiva, pois a pessoa com deficiência deve ter este
espaço durante grande parte do seu desenvolvimento, para fortalecimento de
sua personalidade, para a superação de desafios e aprendizagem de como
conviver com a deficiência de forma mais qualitativa possível.

O convívio no âmbito escolar sem delimitações ou “homogeneidades” é


essencial para criar um meio de riqueza interpessoal, provocando trocas e
mediações psicossociais indispensáveis para o desenvolvimento infantil. Só
assim, a inclusão escolar tem real significância para a pessoa com deficiência
(Hugo Otto Beyer, 2005).

Atividade de estudos:

Diante do que foi explanado no parágrafo acima, elabore algumas ações que
você, enquanto professor e agente ativo do processo inclusivo, pode promover
para auxiliar o aluno com deficiência mental na compensação do “defeito”,
através das relações sociais existentes no âmbito escolar.
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Como os estudos de Vygotsky se baseiam em uma concepção de


desenvolvimento humano, que leva em consideração a íntima e constante
relação entre o social e o biológico, eles oportunizam aos profissionais da
educação regular e especial, uma reflexão sobre sua prática. E é através da
aproximação entre teoria e prática que se garante a qualidade na educação de
qualquer grupo de alunos. Reflita e redija sua opinião através de um pequeno
texto, levando em consideração as pessoas com necessidades especiais.
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Digite no Google: Revista do Centro de Educação e artigo de Hugo Otto


Beyer e complemente seu estudo com a leitura do artigo: Por que Lev Vygotsky,
quando se propõe uma educação inclusiva? Esta leitura lhe proporcionará um
prospecto complementar do que foi abordado nesta apostila. Boa leitura pra
você!

PACHECO, José et all. Caminhos para a inclusão: um guia para o


aprimoramento da equipe escolar. Porto Alegre: Artmed, 2007.

Organizado por José Pacheco, ex-diretor da célebre Escola da Ponte,


de Portugal, reúne experiências de êxito, realizadas em alguns países da
Europa, direcionadas à educação inclusiva, e tem como objetivo oferecer aos
professores, pais e serviços de apoio, informações sobre práticas de educação
escolar inclusiva. Além de descrever o trabalho realizado, inclui sugestões
úteis para o aprimoramento da equipe escolar. Este livro traz ainda consigo
um CD-ROM ilustrativo, que mostra as possibilidades de inclusão de crianças
com deficiência, além de nos dar um panorama de como se dá o processo de
inclusão na prática.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BEYER, Hugo Otto. Por que Lev Vygotski quando se propõe uma
educação inclusiva? Revista do Centro de Educação, nº 26, 2005.

NASCIMENTO, L. M. A amizade na escola inclusiva. Blumenau: FURB.


Dissertação de Mestrado em Educação, 2005.

VYGOTSKY, Lev Semenovich. Fundamentos de defectologia. Obras


escogidas V. Madri: Visor, 1997.

_____. Fundamentos de defectologia. Obras completas V. 2 ed. Tradução:


Maria Del Carmen Ponce Fernández. Ciudad de la Habbana, Cuba: Editorial
Pueblo y Educación, 1995.

_____. A formação social da mente. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,


1998.

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