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Coma e Morte Encefálica

Profa. Dra. Regina Maria França Fernandes


Prof. Dr. Osvaldo Massaiti Takayanagui

Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento, Faculdade de Medicina de


Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

Coma é um estado de comprometimento patológico da consciência devido a


alterações funcionais ou estruturais, em diversos níveis do sistema nervoso central (SNC).
Os transtornos que levam ao coma podem ser afecções encefálicas primárias (lesões
destrutivas ou expansivas, processos infecciosos, inflamatórios, tóxicos, metabólicos), ou
disfunções de outros sistemas (cardio-respiratório, hepático, renal, endócrino,
hematológico, etc...), com repercussão secundária sobre o SNC. Do ponto de vista
operacional, considera-se em coma o indivíduo que apresenta comprometimento
acentuado da percepção de si e do meio ambiente (componente qualitativo de
consciência), acompanhado de redução do nível de alerta ou despertar (componente
quantitativo de consciência), com baixa ou nenhuma reatividade a estímulos auditivos,
visuais, tácteis e dolorosos. Para a caracterização do coma, é fundamental que ambos os
componentes da consciência estejam envolvidos no quadro disfuncional (figura 1), uma
vez que o comprometimento exclusivo da percepção de si e do meio, sem alterações no
nível de vigilância, pode ocorrer em outros estados alterados de consciência, como em
certos quadros demenciais e psicóticos. Igualmente, a hiper-sonolência, sem confusão
mental pode ser um distúrbio do sono, sem caracterizar coma.
O paciente em coma mantém-se com olhos fechados, exceto em situações
particulares de comprometimento da musculatura palpebral, podendo ter abertura ocular
somente a estímulos, ou durante crises epilépticas.
Várias gradações de comprometimento de consciência podem preceder a
instalação do estado de coma, cuja forma insidiosa ou abrupta direciona o médico para o
mecanismo fisiopatológico e as prováveis etiologias envolvidas na sua gênese. Estas
gradações podem envolver mais ou menos os componentes qualitativo ou quantitativo da
consciência, até que os dois elementos se associem em intensidade suficiente para
determinar o coma. Assim, certas encefalopatias podem provocar inicialmente um estado
de euforia, ou de confusão mental e delírio, sem que haja alteração no nível de alerta ou
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despertar do indivíduo, com posterior surgimento de sonolência, torpor e, finalmente, o


coma, caso um tratamento eficaz não seja instituído, interrompendo a seqüência de
aprofundamento do nível de vigilância. Por outro lado, em alguns contextos, o indivíduo
pode manifestar dificuldade para se manter alerta, num estado de sonolência patológica,
sendo, contudo, capaz de responder adequadamente a estímulos e a manifestar noção
clara de si e do meio, quando desperto sob estimulação. Isto ocorre principalmente em
afecções específicas, como síndromes de hiper-sonolência patológica, ou em estados
iniciais de encefalopatias, sem acometimento primário do córtex cerebral, que é mais
envolvido na elaboração do componente qualitativo da consciência.

CONSCIÊNCIA

Quantidade Qualidade

COMA

Aspectos Quantitativos da Consciência: Aspectos Qualitativos da Consciência:


perda do alerta ou do despertar
conteúdo e curso do pensamento, percepção
Sonolência Torpor Coma do meio interno e externo

FIGURA 1: Componentes quantitativo e qualitativo da consciência, cujo desequilíbrio pode gerar


comprometimento do nível de vigilância, da compreensão do mundo interno e da reatividade ao ambiente,
resultando no estado de Coma.

Os estados gradativos de comprometimento do alerta, anteriores à


instalação do coma, são comumente caracterizados como:
1) Sonolência: dificuldade de manutenção da vigília, ou grande propensão para o
sono, com preservação da capacidade de despertar em vigência de estimulação
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táctil, visual, auditiva ou nociceptiva, havendo clareza no conteúdo de consciência


(percepção de si e do meio) quando o indivíduo é despertado. Intoxicações por
tranqüilizantes, sedativos e depressores do SNC, em estado inicial, ou alterações
metabólicas diversas, com potencial de evolução para o coma, podem causar
inicialmente sonolência excessiva. A característica fundamental do estado de sono
fisiológico, ou das hiper-sonolências secundárias a distúrbios do sono, em
oposição ao coma, é seu caráter cíclico, reversível e não progressivo.
2) Turvação da consciência: estado de comprometimento da qualidade da
consciência, geralmente com distúrbios de percepção do ambiente e alteração no
conteúdo e curso do pensamento, levando a alucinações ou ilusões (delírio), com
ou sem disforia e descontrole emocional, que, com o tempo, combina-se com
flutuações do nível de alerta e atenção, tendendo a redução da vigilância e a
sonolência. A estimulação do indivíduo pode aumentar o nível de confusão mental
e percepção distorcida do ambiente, com reações de agressividade ou
inapropriadas para o contexto. São estados mais sugestivos de encefalopatias
tóxicas e metabólicas, embora também possam ocorrer em processos infecciosos
do SNC e lesões estruturais com efeito de massa em progressão.
3) Estupor ou Torpor: ocorre nos mesmos contextos clínicos da turvação de
consciência, denotando um estado em que o nível de alerta é nitidamente mais
comprometido em relação ao anterior, associado a confusão mental em diversos
graus. Há tendência do indivíduo a retornar a um estado de sonolência aparente,
quando não estimulado, com flutuações na clareza de consciência, redução
progressiva da resposta aos estímulos e da compreensão do mundo interno e
externo. Tal estado pode variar em intensidade e ser considerado um coma
superficial, contudo, sendo possível “trazer” o paciente para um estado de alerta
sob estimulação, momento em que o mesmo pode aparentar recuperação
qualitativa da consciência, embora com constantes flutuações, associadas a
respostas verbais inadequadas. O estupor de encefalopatias hepática e renal, bem
como, de outros transtornos clínicos (pneumonia com hipóxia ou infecção urinária,
em idosos), pode se associar com distúrbios do movimento (mioclono negativo ou
positivo, flapping, asterix, tremores), guiando o médico para prováveis
encefalopatias específicas. Isto se deve a alterações no sistema nervoso em
centros de controle motor, no córtex e/ou gânglios da base. Um estupor
intermitente pode ser visto no curso de quadros demenciais degenerativos,
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especialmente com variações circadianas (piora no período vespertino e noturno),


ou intoxicações medicamentosas, durante picos sanguíneos de absorção das
drogas.

Neste contexto, é importante distinguir certos estados alterados de


consciência e da interação do indivíduo com o meio, comumente encontrados na
evolução após o coma, ou após encefalopatias agudas, excluindo-se alterações de
consciência secundárias a quadros demenciais degenerativos, ou psicopatias graves
(depressão, catatonia). São eles o estado vegetativo persistente, também conhecido
como síndrome apálica, o estado de consciência mínima, o mutismo acinético e a
síndrome do encarceramento (ou locked-in syndrome). Tais situações merecem uma
breve descrição, pois podem ocorrer na evolução do estado de coma, ou induzirem a
um falso diagnóstico de coma, em indivíduo consciente, impedido de se relacionar
com o meio devido ao grave e difuso comprometimento motor, por lesão neurológica.
- Estado Vegetativo Persistente: também conhecido como Coma Vigil, ou Síndrome
Apálica, é provocado por lesões encefálicas extensas e irreversíveis em nível supra-
tentorial, envolvendo principalmente o córtex cerebral, com relativa preservação das
estruturas do tronco encefálico, sendo o paciente capaz de manter funções vitais, na
dependência de suporte ventilatório e nutricional, por métodos artificiais. Tais
pacientes têm também relativa preservação de estruturas diencefálicas e
hipotalâmicas, que previnem descontroles hidroeletrolítico e neurovegetativo maiores
(como diabetes insipidus, encefalopatia perdedora de sal, descontrole térmico e
cardiopressórico). Acabam por apresentar abertura ocular, geralmente, em até 30 dias
da instalação do coma, porém, permanecem sem qualquer evidência de percepção de
si e do ambiente, em geral, com tetraplegia espástica, podendo manter posturas
crônicas de descerebração ou decorticação. Alguns exibem movimentos respiratórios
espontâneos, porém, em ritmo insatisfatório para adequada ventilação, enquanto
outros são capazes de se manter fora do ventilador. Exibem bocejo, olhar vago, sem
fixação no ambiente, e seu eletroencefalograma (EEG) mostra acentuada depressão
dos ritmos cerebrais, sendo impossível a distinção correta entre estados de vigília ou
sono nestes casos. O estado vegetativo pode ser visto transitoriamente na
recuperação de um coma, sendo considerado persistente, por definição, quando se
mantém por mais de um mês. A despeito de citações de melhora na expressão
qualitativa de consciência e recuperação do contato com o meio, em graus variáveis,
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em pacientes com estado vegetativo persistente, esta condição costuma ser crônica e
imutável, sendo a sobrevida dependente do controle de complicações clínicas
secundárias, como quadros infecciosos pulmonares.
- Estado de Consciência Mínima: definido mais recentemente por um consenso de
neurologistas, neurocirurgiões, neuropsicólogos e especialistas em reabilitação1, esta
condição aplica-se a pacientes em estado vegetativo que manifestam um mínimo
conteúdo de percepção de si e do meio ambiente, a despeito da qualidade de
consciência muito comprometida. Tal percepção só pode ser evidenciada por
expressões verbais emitidas pelo paciente sob estimulação, que podem ser palavras
soltas, ou a obediência inconstante a comandos. Os estudos com ressonância
magnética funcional mostram maior preservação cortical neste pacientes em relação
àqueles em estado vegetativo, com sinais de ativação do córtex temporal dominante
na aplicação de paradigmas de linguagem verbal falada. Esta condição pode ser
crônica e persistente, assim como o estado vegetativo, ou transitória, no curso de
melhora ou de piora de encefalopatias.
- Mutismo Acinético: condição em que o paciente se mantém em total quietude,
embora alerta, sem evidências demonstráveis de percepção de si e do meio ambiente,
com pouca ou nenhuma movimentação espontânea, tendo, contudo, o retorno de um
ciclo vigília-sono. Ocorre por lesões envolvendo o hipotálamo e o diencéfalo basal
adjacente.
- Síndrome do Encarceramento ou Locked-In Syndrome: é um estado de ampla de-
eferentação, devido a lesões maciças na base da ponte, por onde trafegam os tratos
motores piramidal e córtico-nuclear, que se destinam, respectivamente, aos neurônios
motores espinhais e aos núcleos motores dos nervos cranianos. Sendo lesão pontina,
ocorre em nível abaixo do nervo oculomotor, cujas funções mantêm-se preservadas.
Tal comprometimento situa-se mais anteriormente na estrutura pontina, preservando
os tratos reticulares e a substância cinzenta periarquedutal, e resultando em
preservação da consciência. O único repertório motor possível para tais pacientes,
embora conscientes, é a movimentação ocular vertical e a elevação da pálpebra
superior, que são mediadas pelo III nervo craniano, de origem mesencefálica. Os
movimentos oculares horizontais e do músculo oblíquo superior estão prejudicados
pelo acometimento das eferências para os nervos abducente e troclear. Tais pacientes
têm preservação do ciclo vigília-sono e EEG normal, ou quase normal, com ritmo alfa
reativo, sendo mandatória a distinção entre este estado e o coma. A percepção do
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ambiente pode ser manifesta por uma comunicação desenvolvida com o examinador,
em código que utiliza apenas movimentos de abertura ocular (músculo elevador da
pálpebra, controlado pelo oculomotor) e movimentos oculares verticais. O médico
nesta situação deve falar à beira do leito “ao” paciente e, não, “sobre” o paciente.
Raramente, um estado semelhante à síndrome do encarceramento pode ser visto em
pacientes com neuropatia motora subaguda, como a Síndrome de Guillain-Barré.
Na avaliação clínica, os diversos graus de comprometimento da consciência vêm
sendo descritos através de escalas que conferem valor numérico a componentes
essenciais do exame físico e neurológico, como o contato verbal, a resposta motora, a
abertura ocular e a execução de comandos verbais. Tais escalas visam dar mais
objetividade e facilitar a comunicação entre profissionais, na forma de descrever o
nível de comprometimento de consciência do paciente dia após dia, como será visto
mais adiante.

Aspectos Fisiopatológicos do Coma

As disfunções encefálicas capazes de provocar o estado de coma podem


ter naturezas e mecanismos diversos; entretanto, há aspectos que determinam a
possibilidade de uma lesão ou disfunção provocar coma, quais sejam: sua topografia,
seu tamanho, ou extensão, e sua velocidade de instalação. As estruturas encefálicas
cuja lesão ou disfunção podem provocar o coma são: 1) estruturas axiais da linha
média do diencéfalo e do tronco encefálico, promotoras de ativação cortical e estado
de alerta, compreendendo principalmente a formação reticular ativadora ascendente
no tronco encefálico e diencéfalo, especialmente na região posterior ao terceiro
ventrículo, a substância cinzenta periarquedutal e os núcleos intralaminares do
tálamo; 2) o córtex cerebral como um todo.
Assim, com base em dados experimentais, clínicos, neurocirúrgicos e de
neuroimagem, sabe-se que o coma pode ser determinado por um dos seguintes
mecanismos: - disfunções corticais bilaterais decorrentes de processos tóxico-
metabólicos ou inflamatórios; - lesões multifocais expansivas ou destrutivas do córtex
cerebral, extensas e bilaterais; - lesões hemisféricas lateralizadas que provocam
desvio da linha média e afecção cortical bilateral; - lesões hemisféricas lateralizadas
que provocam hérnias ou compressão secundária do diencéfalo, envolvendo
estruturas ativadoras da consciência; - lesões supratentoriais que comprimem
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secundariamente o tronco encefálico alto, num processo de deterioração rostro-


caudal; - lesões ou disfunções primárias do tronco cerebral, envolvendo suas
estruturas mediais, particularmente, a formação reticular e/ou a substância cinzenta
periarquedutal; - lesões extrínsecas ao tronco encefálico na fossa posterior ou
cerebelo, comprimindo secundariamente a formação reticular ativadora ascendente.
Lesões de pequeno tamanho na estrutura interna do tronco encefálico são
capazes de promover o coma, enquanto, nas estruturas supra-tentoriais (situadas
acima da tenda do cerebelo, ou, em termos práticos, acima do pedúnculo cerebral), as
lesões ou disfunções têm que adquirir maiores dimensões para comprometerem a
consciência, especialmente se iniciadas na estrutura cortical. Entretanto, o tempo de
instalação das lesões tem participação na determinação, ou não, de coma. Grandes
lesões hemisféricas de crescimento lento e insidioso, inclusive apresentando desvio
da linha média, podem ser acomodadas por longo tempo, antes de começarem a
exibir fenômenos compressivos secundários que comprometam a consciência. Isto
também é fato em lesões de crescimento lento no tronco encefálico, embora a
descompensação neste caso ocorra mais rapidamente e por processos de menores
dimensões. São exemplos desta situação os tumores do ângulo ponto-cerebelar,
como o neurinoma do acústico, os aneurismas gigantes da artéria basilar, os
astrocitomas císticos do cerebelo e os macroadenomas da hipófise, dentre outros.
Tais lesões são comumente diagnosticadas com grandes dimensões, provocando
significativas distorções nas estruturas encefálicas adjacentes, muitas vezes, com
sintomatologia clínica muito sutil e desproporcional ao tamanho do processo
expansivo. Já os acidentes vasculares ou os quadros inflamatórios agudos do tronco
encefálico, que comprometem suas estruturas mediais, podem provocar inconsciência
imediata durante sua instalação.
Mecanismos complexos de compressão de estruturas controladoras da
consciência, levando ao coma, podem incluir a dilatação do sistema ventricular por
lesões da fossa posterior, com compressão secundária das estruturas supra-tentoriais,
incluindo o córtex cerebral bilateralmente, o que também dependerá da rapidez de sua
instalação, explicando diferentes apresentações clínicas das diversas formas de
hidrocefalia. Herniações do tecido encefálico através da tenda do cerebelo podem
ocorrer, tanto de forma descendente (hérnia do uncus do lobo temporal), comprimindo
a formação reticular ativadora ascendente do mesencéfalo, por efeito de massa supra-
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tentorial, quanto de forma ascendente, por aumento de pressão no tronco encefálico,


comprimindo secundariamente estruturas diencefálicas mediais (figura 2).
Os quadros tóxicos e metabólicos que provocam o coma resultam de
disfunções na atividade neuronal envolvendo difusamente os hemisférios cerebrais, ou
as estruturas mediais responsáveis pela manutenção da consciência vigil, mesmo na
ausência de distorções da anatomia do encéfalo, ou da ocorrência de fenômenos
compressivos.

A B

Figura 2: A – Desvio da linha média por hematoma subdural pós-traumático comprimindo o hemisfério
cerebral esquerdo, associado a anisocoria com midríase à esquerda, por herniação do uncus
homolateral. B - Hérnias encefálicas: 1= subfalcina; 2= uncal; 3=diencefálica ou central; 4= cerebelar.

Etiologia do Coma

As alterações que provocam coma podem ser caracterizadas, de acordo


com sua natureza, em processos lesionais (destrutivos ou compressivos),
metabólicos, inflamatórios ou tóxicos. Do ponto de vista topográfico, elas podem ter
origem acima da tenda do cerebelo, ou supra-tentorial (nos hemisféricos cerebrais,
diencéfalo, tálamo, hipotálamo ou gânglios da base), ou abaixo da tenda cerebelar,
infra-tentorial (tronco encefálico, cerebelo ou lesões extra-axiais na fossa posterior).
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Podem ainda ser difusas, multifocais ou secundárias a processos metabólicos de


origem sistêmica. O quadro I sistematiza tais mecanismos etiológicos de forma
genérica, nas diversas topografias possíveis, destacando as principais entidades
provocadoras de coma na prática clínica.
Na determinação da etiologia do coma, o conjunto de dados que envolvem
a história clínica (início abrupto ou insidioso da alteração de consciência,
circunstâncias associadas, doenças clínicas ou neurológicas prévias, etc...), o exame
físico, exames laboratoriais e de neuroimagem devem permitir o estabelecimento de
uma impressão diagnóstica que leve à instalação do tratamento, o mais rapidamente
que possível. O prognóstico do coma, tanto sua letalidade quanto a ocorrência de
seqüelas após recuperação da consciência, dependerá da gravidade do processo
etiológico e do tempo transcorrido até seu reconhecimento e início do tratamento
específico. Depende também da vitalidade e plasticidade cerebral do organismo
acometido, sendo a recuperação funcional potencialmente menor em idosos e
pacientes com lesões encefálicas crônicas, como os etilistas.

Exame do paciente em coma

Todo paciente com distúrbio de consciência de causa conhecida, ou não,


constitui-se num caso grave, ou potencialmente grave, requerendo abordagem dentro
dos critérios de atendimento emergencial. Assim, dá-se atenção inicial aos quesitos
mais urgentes do exame físico geral, como o estado de permeabilidade das vias
aéreas superiores, a respiração e a circulação, seqüência designada como ABC na
literatura em Inglês (A=airway; B=breath; C=circulation). Desta forma, o primeiro
passo é sempre a inspeção adequada do paciente, para a rápida identificação de
alguma alteração nestes setores, que implique em atitude ativa imediata, como a
desobstrução das vias aéreas por aspiração, a intubação oro ou nasotraqueal e a
ventilação, no paciente com vias aéreas comprometidas, obstruídas, bem como, com
depressão ou parada respiratória. Pode haver ainda necessidade de estancamento de
hemorragias ou infusão de líquidos, soluções hipertônicas ou transfusão sanguínea,
em caso de choque, bem como, a massagem cardíaca, ou a cardioversão química
(e.g, adrenalina) ou elétrica, em caso de parada cardíaca.
Ao mesmo tempo, a equipe de atendimento procura informações o mais
acuradas que possível sobre a história recente em busca da etiologia do coma, que
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pode direcionar o exame físico e neurológico para áreas de maior interesse, ou sugerir
o tratamento emergencial mais adequado. Por exemplo, a história de epilepsia crônica
e/ou crise epiléptica recente pode dirigir o médico para um diagnóstico etiológico mais
simples do ponto de vista da preservação da vida, como um estado de coma pós-ictal
(ou pós-crise). Por outro lado, a história de cardiopatia grave, com arritmia cardíaca,
ou uso de marca-passo, pode sugerir a ocorrência de coma de origem cardiogênica e
parada cardíaca passível de cardioversão elétrica. História de encontro do paciente
em via pública já inconsciente sugere possibilidades como traumatismo
cranioencefálico (TCE), espancamento, intoxicação etílica ou por drogas ilícitas, o que
pode ser complementado pela inspeção ou “screening” de drogas no sangue e
tomografia do crânio, até que se tenham maiores informações.
A inspeção inclui observação geral do paciente, com ênfase nos indícios de
politraumatismo e/ou TCE (otorragia e/ou rinorragia sanguinolenta ou liquórica,
hematoma bipalpebral, ou sinal do guaxinim, equimose ou hematoma retroauricular,
sugerindo fratura da base do crânio, hematoma ou depressão do couro cabeludo). É
importante a percepção do hálito (etílico, cetônico), de sinais sugestivos de crise
convulsiva recente (mordedura de língua, liberação de esfíncteres), indícios de doença
consumptiva, ou de doenças crônicas, como fascies cushingóide, aranhas vasculares,
icterícia, cianose, baqueteamento de unhas, indícios de doença genética ou
neurológica crônica (fascies dismórfico, atrofia muscular, piramidalismo, escaras de
decúbito, etc...). São ainda importantes sinais evidentes de doenças agudas, como
febre, petéquias, reação urticariforme, extremidades frias, com baixa perfusão,
dispnéia, sudorese excessiva, palidez ou cianose, estase jugular, dentre outros. Este
conjunto de observações deve ser pesquisado pelo médico experiente, no momento
em que atende aos quesitos imediatos do primeiro atendimento, acima citados pela
sigla ABC.
O exame clínico geral deve conter dados sobre a coloração da pele, com
destaque para a presença de palidez, cianose ou icterícia, sobre a existência de
edemas de membros inferiores, palpebral ou anasarca, o padrão respiratório, que se
superpõe à avaliação neurológica, a ausculta pulmonar e cardíaca, a pressão arterial,
a palpação, percussão e ausculta do abdome, pesquisando visceromegalias.
Idealmente, a avaliação cardiovascular do paciente em coma deve contar com um
registro do eletrocardiograma, especialmente em idosos e nos pacientes sem causa
evidente da encefalopatia, ou com anormalidades à ausculta cardíaca. Também é
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importante a conexão do paciente a um monitor cardio-respiratório, com pulso-


oxímetro, para avaliação mais objetiva da pressão arterial, do ritmo cardio-respiratório
e do estado de oxigenação sanguínea.
O exame neurológico do paciente comatoso deve incluir, de forma
esquemática, os seguintes passos: - profundidade do coma; - exame das pupilas; -
semiologia óculo-palpebral; - exame dos nervos cranianos passíveis de avaliação no
paciente comatoso; - exame da motricidade, incluindo posturas anormais, plegias ou
paresias, movimentos anormais (crises epilépticas motoras, tremores, automatismos),
tono e trofismo muscular, reflexos profundos, reflexos superficiais (cutâneo-plantar,
cutâneo-abdominal, cremastérico), reflexos frontais (palmo-mentual, voracidade,
grasping, grooping); - exame da sensibilidade geral (reatividade a estímulos tácteis,
auditivos e nociceptivos); - pesquisa de sinais meníngeos.
A profundidade do coma tem sido descrita principalmente em relação à
possibilidade de se provocar aumento da vigilância do paciente, com abertura ocular,
movimentação, ou vocalização, após estímulo, variando-se progressivamente a
intensidade e modalidade do estímulo (chamada pelo nome, toque vigoroso, gritar do
nome com toque vigoroso, estímulo nociceptivo em pontos dolorosos, como a
compressão da região external, ou do leito ungueal, da borda supra-orbitária ou da
junção têmporo-mandibular).
O paciente é considerado em coma superficial quando responde a
estímulos de média intensidade, geralmente mantendo funções vitais estáveis e
respiração espontânea, apesar destas dependerem de mecanismos não relacionados
necessariamente com o controle da consciência. Já no coma profundo, o paciente não
exibirá abertura ocular ou movimentação após estímulos dolorosos intensos e tenderá
a exibir depressão ou alteração no padrão respiratório. Na prática clínica, a escala de
Glasgow representa uma forma simples e objetiva de se fazer a gradação da
profundidade do coma, com vistas à comparação entre profissionais de saúde que
avaliem o mesmo paciente ao longo do tempo (quadro II). A normalidade de
consciência é caracterizada pela pontuação máxima nesta escala, ou seja, Glasgow
15. Escores de 12 a 14 correspondem a estados de sonolência excessiva ou turvação
da consciência, sem caracterização de coma, enquanto valores entre 10 e 12 se
correlacionam com o estupor. Já os pacientes com pontuação menor do que 10 nesta
escala serão considerados em coma, sendo 3 o seu grau de máxima profundidade.
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Quadro I : ETIOLOGIAS DO COMA


Coma Simétrico Não-Estrutural
- Metabólico (hipóxia, hipercarbia, hipernatremia, hiponatremia, hipoglicemia, coma hiperglicêmico não-
cetótico, cetoacidose diabética, acidose lática, hipercalcemia, hipermagnesemia, hipertermia, hipotermia,
encefalopatia hepática, uremia, encefalopatia dialítica, , encefalopatia de Wernick, porfiria, crise
Addinsoniana, síndrome de Rey, aminoacidemia).
- Infecções (meningite/meningoencefalite bacteriana, encefalite viral, encefalomielite pós-infecciosa, sífilis,
sepsis, malária, febre tifóide, síndrome de Waterhouse-Friedricksen)
- Toxinas (chumbo, tálio, cogumelos, cianidro, monóxido de carbono, metanol, etileno-glicol)
- Drogas: sedativos, barbitúricos, tranqüilizantes, outros hipnóticos, álcool, drogas antiepilépticas, salicilato,
paraldeído, tricíclicos, anticolinérgicos, anfetamina, lítio, feniciclidina, IMAO, brometo)
- Outras causas: coma pós-ictal, isquemia miocárdica difusa (infarto agudo do miocárdio, arritmia cardíaca,
insuficiência cardíaca congestiva), hipotensão arterial, hipotireoidismo, encefalopatia hipertensiva, embolia
gordurosa)
Coma Simétrico Estrutural Supra-Tentorial
- Oclusão Bilateral da Artéria Carótida Interna
- Oclusão Bilateral da Artéria Cerebral Anterior
- Lesão Axonal Difusa, Concussão Cerebral, Brain Swelling difuso (TCE)
- Hemorragia Subaracnóidea
- Hidrocefalia
Coma Simétrico Estrutural Infra-Tentorial
- Oclusão da Artéria Basilar
- Hemorragia Pontina
- Tumor da linha média do tronco encefálico
Coma Assimétrico Estrutural Supra-Tentorial
- Acidente Vascular Isquêmico ou Hemorrágico Hemisférico com herniação central ou uncal
- Abscesso Cerebral, Contusão Cerebral, Granuloma Cortical ou Subcortical com efeito de massa
- Empiema, Hematoma Supra ou Extra-dural, Higroma com efeito de massa
- Tromboflebite cerebral, Leucoencefalopatia Multifocal associada a quimioterapia, Esclerose Múltipla,
Encefalomielite Aguda Disseminada, Vasculite Cerebral, Apoplexia Pituitária, Adrenoleucodistrofia, Doença de
Creutzfeldt-Jakob
Coma Assimétrico Estrutural Infra-Tentorial
- Infarto ou Hemorragia do Tronco Encefálico
- Compressões extrínsecas ao tronco encefálico por lesões da fossa posterior (hemorragia ou tumor
cerebelar, tumores do ângulo ponto-cerebelar)
- Tumores do Tronco Encefálico com efeito compressivo sobre a linha média
3
Esquema modificado de Plum and Posner`s Diagnosis of Stupor and Coma.

Pacientes com comprometimento seletivo de algumas funções motoras ou


sensitivas, que limitam as respostas verbais e/ou motoras, podem receber pontuação
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muito baixa na escala de Glasgow, mesmo tendo perfeita consciência de si e do meio


ambiente. Isto pode ocorrer em doenças neuromusculares graves, tetraparesias,
transtornos específicos de funções corticais, como afasia sensitivo e/ou motora,
quadros psiquiátricos graves, ou na Síndrome do Encarceramento. Nesta última, o
diagnóstico deve ser suspeitado pela conjunção de outros elementos do exame
neurológico, bem como, do contexto clínico e neuro-radiológico, permitindo-se o
estabelecimento de contato com o paciente através de código, em que o mesmo
utiliza movimentos de abertura ocular e movimentos verticais dos olhos, evidenciado
plena manutenção da consciência de si e do meio e descaracterizando qualquer
impressão de coma. O EEG também se mostra extremamente útil nestes casos.

QUADRO II: Escala de Coma de Glasgow

ESCALA DE COMA DE GLASGOW

I- MELHOR RESPOSTA MOTORA

Obedece comandos 6
Localiza estímulos 5
Retirada de membros aos estímulos 4
Flexão anormal 3
Extensão anormal 2
Ausente 1

II- MELHOR RESPOSTA VERBAL


Orientado 5
Conversação confusa 4
Palavras inapropriadas 3
Sons incompreensíveis 2
Ausente 1

III- ABERTURA OCULAR


Espontânea 4
Ao chamado 3
À dor 2
Ausente 1

Máximo computável na escala : 15


Mínimo computável na escala : 3

Pacientes com intubação orotraqueal, ou traqueostomia, mesmo que


conscientes, receberão pontuação mínima no quesito “melhor resposta verbal” da
escala de Glasgow. Desta forma, tal gradação do coma é limitada em diversos
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contextos neurológicos e no paciente intubado. A escala FOUR (Full Outline of


Unresponsiveness)2 foi mais recentemente validada para melhor descrição dos graus
de comprometimento de consciência em pacientes neurológicos (quadro III), mas
ainda é pouco utilizada por intensivistas e mesmo pelos neurologistas.

QUADRO III: Escala FOUR (Full Outline of Unresponsiveness)


Resposta Ocular
4 – Pálpebras abertas ou abrindo e fechando, exploração visual do ambiente ou piscamento sob comando
3 – Pálpebras abertas mas sem exploração visual do ambiente
2 – Pálpebras fechadas, porém, abertas ao comando verbal vigoroso
1 – Pálpebras fechadas, porém, abertas após estimulo doloroso
0 – Pálpebras mantendo-se fechadas, mesmo após estímulo doloroso
Resposta Motora
4 – Executa ações motoras sob comando, como sinal do dedo polegar em positivo, siinal de “paz e amor”
com indicador e dedo médio e fechamento forçado das mãos
3 – Localiza estímulo doloroso
2 – Postura flexora em resposta à dor
1 – Postura extensora em resposta à dor
0 – Nenhuma resposta à dor, ou status mioclônico generalizado
Reflexos do Tronco Encefálico
4- Reflexo Pupilar e Córneo-palpebral presentes
3 – Uma pupila midriática e fixa
2 – Reflexo Pupilar ou Córneo-palpebral ausentes
1 - Reflexo Pupilar e Córneo-palpebral ausentes
0 – Ausência de Reflexo Pupilar, Córneo-palpebral e de Tosse
Respiração
4 – Não intubado, com padrão respiratório regular
3 – Não intubado, com padrão respiratório tipo Cheyne-Stokes
2 – Não intubado, com padrão respiratório irregular
1 – Respira após o ciclo do ventilador
0 – Apnéia ou respiração sob total comando do ventilador
3
Esquema modificado de Plum and Posner`s Diagnosis of Stupor and Coma.

Seguindo-se à avaliação do nível de consciência, procede-se à observação


das pupilas e pesquisa dos reflexos fotomotor direto e consensual, que são de
fundamental importância para caracterizar a topografia da lesão, ou disfunção
encefálica, assim como sugerir possível origem metabólica, em oposição às causas
estruturais. A inervação da pupila é feita tanto pelo sistema parassimpático (contração
do músculo esfíncter da pupila, ou miose), mediada pelo nervo oculomotor (3º nervo
15

craniano), quanto pelo sistema simpático (contração do músculo dilatador da pupila,


ou midríase), mediada pelas projeções dos nervos que emergem da cadeia simpática
cervical e adentram o crânio acompanhando a artéria carótida. As projeções
descendentes do sistema simpático trafegam na estrutura do diencéfalo e
mesencéfalo, anteriormente às estruturas do sistema parassimpático ocular, situadas
posteriormente, no tecto mesencefálico (núcleo de Edinger-Westphal e nervo
Oculomotor). Processos expansivos hemisféricos podem não afetar inicialmente o
controle das pupilas, até que se inicie compressão da transição diencéfalo-
mesencefálica, por deterioração rostro-caudal. Nesta etapa dita mesencefálica, as
pupilas podem se manter isocóricas, de diâmetro médio e fixas à luz, por afecção
combinada dos sistemas simpático e parassimpático (figura 3).
A compressão do nervo oculomotor ocorre comumente por lesões
expansivas hemisféricas, com desvio de linha média, já que ele é susceptível em vista
de seu longo trajeto na região subcortical, lateralmente ao diencéfalo. As fibras do
sistema parassimpático trafegam mais lateralmente na estrutura do 3º nervo, sendo
mais vulneráveis à compressão e fazendo da miose o primeiro sinal de sua afecção.
Da mesma forma, ocorre compressão deste nervo contra a borda da tenda do
cerebelo, nos casos de herniação do uncus do lobo temporal, por processo expansivo
hemisférico (figura 2). Isto provoca anisocoria, com midríase e redução ou ausência
do reflexo fotomotor no lado da compressão (figura 3), que pode se tornar bilateral
quando há aumento difuso da pressão intracraniana (hérnia de uncus bilateral), ou por
compressão do 3º nervo contralateral, na borda oposta da tenda cerebelar. Na
seqüência, pode ocorrer síndrome completa do 3º nervo, com estrabismo divergente e
ptose palpebral do lado afetado. Uma outra alteração característica é a pupila
puntiforme arreativa à luz, provocada por lesões pontinas bilaterais, que comprimem o
sistema simpático descendente, cujas fibras trafegam internamente, em posição
lateral no tronco encefálico (figura 3).
16

PUPILAS

Isocóricas e Fotorreagentes: normais

Médio-fixas: fase diencéfalo-mesencefálica da


deterioração rostro-caudal. Compressão dos sistemas
simpático e parassimpático no diencéfalo.

Anisocóricas, com midríase e assimetria ou ausência do


Reflexo Fotomotor (compressão do III nervo craniano –
aumento de pressão intracraniana supratentorial, ou
hérnia de uncus do lado da midríase).

Puntiformes: disfunção pontina (compressão do sistema


simpático na ponte), sem afetar o sistema
parassimpático (mesencefálico).

Figura 3: O exame das pupilas no paciente em coma

Um reflexo importante na avaliação da integridade do sistema simpático


para o músculo dilatador da pupila, em seu trajeto na ponte é o reflexo cílio-espinhal,
através das conexões do sistema trigeminal com as fibras descendentes do sistema
simpático neste nível do tronco encefálico. Tal reflexo é obtido pela elicitação de dor
ao beliscar a pele de uma hemiface, obtendo-se dilatação da pupila do lado do
estímulo, uma vez que tal integração se faz unilateralmente. Isto denota integridade
deste sistema, sendo, contudo, prejudicado em caso de disfunção do sistema
trigeminal. O reflexo cílio-espinhal também pode ser elicitado pelo beliscar da pele no
pescoço, obtendo-se midríase contralateral ao lado do estímulo, por integração das
vias sensitivas dolorosas (trato espinotalâmico lateral) com o sistema simpático
descendente no tronco encefálico. A integridade deste reflexo pode diferenciar a miose
provocada por drogas da miose devida à lesão pontina bilateral, havendo resposta
dilatadora da pupila à dor no caso de intoxicação medicamentosa.

Na observação das pupilas, é também importante o encontro de hippus


pupilar (instabilidade de diâmetro, com contrações e relaxamento independentes de
17

estímulo luminoso), que sugere a possibilidade de disfunção diencéfalo-mesencefálica


em curso, ou crises epilépticas.
Em seqüência ao exame das pupilas, vem a avaliação da motricidade
ocular que inclui a observação de posturas ou movimentos espontâneos anormais
(estrabismo, desvio ocular conjugado, nistagmo, movimentos ondulatórios lentos,
bobbing, movimentos desconjugados, crises epilépticas óculoclônicas). O estrabismo
divergente unilateral pode compor síndrome do 3º nervo craniano, sugerindo nível de
lesão no mesencéfalo, ou compressão secundária do oculomotor, por mecanismos
acima citados, em seu trajeto subcortical para a órbita. O estrabismo convergente
sugere lesão pontina homolateral (afecção do nervo abducente), podendo também
ocorrer por afecção direta do músculo reto lateral, nas lesões orbitárias e faciais.
O desvio ocular conjugado pode indicar lesão hemisférica homolateral, por
disfunção do centro do olhar conjugado no lobo frontal (áreas 6 e 8), cuja confirmação
se faz pela presença de hemiparesia contralateral ao desvio e à lesão, bem como, por
exames de neuroimagem. Por outro lado, na ausência de hemiparesias e de lesões
estruturais demonstráveis, o desvio conjugado lateral dos olhos pode ser provocado
por crises epilépticas, com origem no lobo frontal contralateral ao lado do desvio. Tal
semiologia também pode ser observada em crises de origem occipital (centro do olhar
conjugado occipital).
O nistagmo pode indicar irritação do sistema vestibular desde o labirínto até
o tronco encefálico, tendo mecanismo complexo que depende de integridade funcional
em níveis pontino e mesencefálico, incluindo os nervos motores oculares (3º, 4º e 6º),
o 8º nervo (vestibulococlear) e o fascículo longitudinal media. Lesões inflamatórias e
encefalopatias tóxicas ou metabólicas têm maior probabilidade de provocar nistagmo
espontâneo por irritação do sistema vestibular. Neste caso, o nistagmo tende a ser
horizontal com componente rápido (que determina o lado do nistagmo) contralateral
ao processo irritativo. Nistagmo horizontal provocado por lesões do sistema vestibular
no tronco encefálico (isquêmicas, traumáticas, compressivas...) tem seu componente
rápido voltado para o lado da lesão. A presença de nistagmo vertical é sugestiva de
lesão ou disfunção cerebelar.
Movimentos oculares ondulatórios, de predomínio horizontal, semelhantes
àqueles que ocorrem no estágio I do sono Não-REM, podem ser observados em
pacientes comatosos, ocorrendo mais comumente no contexto de encefalopatias
metabólicas. Tais movimentos não são perfeitamente conjugados e o paciente
18

plenamente desperto não consegue provocá-los, o que é útil na identificação de


quadros de “inconsciência” de origem psicogênica. Variantes destes movimentos
ondulatórios ocorrem na forma de “ping-pong”, com manutenção de desvio por alguns
segundos de cada lado, alternadamente. Isto pode também ser observado em lesões
estruturais do tronco encefálico, ou infartos hemisféricos bilaterais, sendo, contudo,
mais característicos de encefalopatias metabólicas. Nestas, as respostas óculo-
vestibular (ou reflexo óculo-cefálico), assim como as respostas calóricas vestíbulo-
oculares podem se mostrar hiperativas.
Outros movimentos oculares anormais que podem ser vistos em pacientes
comatosos são movimentos desconjugados no sentido vertical (skew deviation, da
literatura em Inglês) e o chamado bobbing, termo comumente incorporado do Inglês
no linguajar do neurologista que atende a pacientes em coma. Os movimentos
desconjugados verticais podem ocorrer em lesão pontina baixa ou da porção lateral do
bulbo, do sistema vestibular ou vestíbulo-cerebelar, do lado do desvio inferior, bem
como, em lesões do fascículo longitudinal medial, do lado do desvio vertical dos olhos.

Entretanto, em lesões ponto-bulbares, movimentos desconjugados verticais podem


ocorrer de forma alternada, ora com um olho para cima e o outro para baixo e vice-
versa. O bobbing consiste em um abalo brusco e conjugado dos olhos para baixo,
voltando lentamente à posição de origem após alguns segundos. É descrito em lesões
pontinas mais caudais, em hidrocefalia obstrutiva e hérnia de uncus, podendo também
ocorrer em encefalopatias metabólicas.
O reflexo óculo-cefálico é parte fundamental no exame neurológico do
paciente comatoso e está diretamente ligado à profundidade do coma, assim como à
possibilidade de lesões no tronco encefálico. Entretanto, sua ausência pode ser
provocada por lesões ou disfunções do sistema vestibular (tóxicas, metabólicas,
infecciosas ou neuro-degenerativas), independentemente da profundidade do coma.
Sua pesquisa somente é válida nos pacientes inconscientes, uma vez que a abertura
ocular e a percepção do ambiente levam à interferência voluntária do paciente na
exploração do campo visual.
A integridade do reflexo óculocefálico é demonstrada pelo desvio
conjugado dos olhos em oposição ao desvio brusco da cabeça: no desvio cefálico
lateral para a direita, os olhos se deslocam conjugadamente para a esquerda,
ocorrendo o contrário no desvio cefálico para a esquerda; no desvio vertical forçado
19

da cabeça para cima, os olhos se deslocam conjugadamente para baixo e vice-versa


quando se faz o desvio da cabeça para baixo.
Num coma de origem supra-tentorial, a perda do reflexo óculocefálico
sugere progressão do processo de deterioração rostro-caudal, com possível evolução
para a morte encefálica, excluídas as causas específicas de depressão deste reflexo,
sem relação com a profundidade do coma (doença degenerativa do sistema óculo-
vestibular, intoxicação por drogas).
Como parte da avaliação da integridade das funções do tronco encefálico,
as provas calóricas óculovestibulares dependem de integridade do tronco encefálico,
desde a ponte até o mesencéfalo alto, envolvendo o nervo vestibular, os núcleos
vestibulares, o fascículo longitudinal medial e os núcleos dos nervos cranianos que
movem os olhos. Tal prova é mandatória na pesquisa de arreflexia do tronco, quando
se suspeita de morte encefálica, porém, na avaliação rotineira do coma, a presença de
integridade do reflexo oculocefálico pode ser suficiente de imediato para o diagnóstico
topográfico da lesão, ou disfunção, não demandando a realização de prova calórica.
Habitualmente, utiliza-se água fria (em torno de 10 graus centígrados =
água na geladeira) para a realização desta prova: com a cabeça do paciente elevada
a 30 graus, após otoscopia para conferir a integridade do tímpano e ausência de
obstrução no conduto auditivo externo, injeta-se a água fria em um dos ouvidos,
observando-se por período de até 10 minutos a ocorrência de desvio conjugado dos
olhos para o lado da injeção e nistagmo contralateral. O desvio ocular terá sentido
oposto e o nistagmo será homolateral, caso o teste seja feito com água quente. Após
5-10 minutos da injeção em um ouvido, é feita a prova do outro lado. A ocorrência de
algum desvio ocular sem nistagmo, mesmo que somente em um dos olhos, apesar de
ser resposta incompleta deste reflexo, não permite caracterizar ausência de
integridade do todo o sistema envolvido em sua gênese e, portanto, não caracteriza a
arreflexia do tronco encefálico esperada no contexto de morte encefálica.
O exame dos nervos cranianos no paciente comatoso é direcionado para
algumas funções e reflexos passíveis de avaliação no paciente inconsciente. Assim,
não há sentido em se testar a acuidade visual deste paciente, apesar do exame do
fundo de olho ser incluído na bateria rotineira do neurologista. A integridade aparente
do nervo óptico e da retina afastam algumas situações que podem dirigir o médico
para determinados contextos etiológicos, como o papiledema em hipertensão
20

intracraniana de diversas origens, ou as hemorragias retinianas, comuns em lactentes


que sofreram traumatismo craniano do tipo chacoalhar (shaking baby).
Além do já citado para o 3º nervo craniano, a paralisia uni ou bilateral do
nervo abducente pode ocorrer em quadros de aumento da pressão intracraniana,
como pseudotumor cerebral, mesmo na ausência de lesões expansivas. Muito
raramente, estas paralisias foram também citadas envolvendo o nervo troclear.
Tendo passado pela semiologia oculopalpebral, que inclui o 3º, 4º e 6º
nervos cranianos, a integridade dos nervos trigêmio e facial (5º e 7º) é avaliada em
conjunto, através da provocação de dor na face (aferência trigeminal) e observação de
resposta mímica (eferência pelo nervo facial). A contração da musculatura facial pode
ocorrer quando da compressão da borda orbital superior ou da articulação têmporo-
mandibular, durante a pesquisa de reatividade do paciente, para avaliação do nível de
consciência. São observadas eventuais assimetrias da contração facial, denotando
paralisia ou paresia facial central ou periférica. O reflexo córneo-palpebral também é
um componente importante desta integração entre o 5º (sensibilidade da córnea) e o
7º (fechamento da pálpebra) nervos cranianos.
O 8º nervo (vestíbulo-coclear) é pesquisado em conjunção com o exame da
motricidade ocular (reflexo óculocefálico e prova calórica), bem como, pela
observação de movimentos oculares anormais espontâneos, conforme citado acima.
O 9º (glossofaríngeo) e 10º (vago) nervos cranianos são pesquisados
através dos reflexos do vômito, de deglutição e, principalmente, de tosse, este último
pela estimulação da cânula orotraqueal, nos pacientes intubados, ou durante a
aspiração orotraqueal. O reflexo de tosse é normalmente o último a desaparecer num
processo de deterioração rostro-caudal e pode sugerir evolução para a completa
arreflexia do tronco encefálico, salvo em casos de paralisia específica destes nervos,
por doenças neuromusculares ou neuro-degenerativas.
Componentes do sistema autonômico podem ser indiretamente avaliados
quando da manipulação do paciente para o exame, como as alterações de freqüência
cardíaca, pressão arterial e respiração, sob estimulação nociceptiva, ou durante
aspiração orotraqueal. A despeito de tal informação não contribuir especificamente
para indicar topografia de lesão ou mecanismo etiológico, é importante quando se
pesquisa a profundidade do coma, ou a eventual ausência de reflexos do tronco
encefálico.
21

O 11º nervo craniano (acessório) participa do reflexo óculo-cefálico, porém,


sua avaliação completa demanda consciência preservada e colaboração do paciente
para a realização de movimentos ativos. Esta dependência do nível de vigilância e
colaboração do paciente também é válida na pesquisa de integridade do 12º nervo
craniano (hipoglosso), que não é estudado no paciente comatoso, exceto nos estágios
de turvação da consciência ou torpor, quando a articulação da palavra pode denotar
disartria como parte de um déficit neurológico, em conjunção com outras alterações
motoras.
O exame da motricidade no paciente comatoso é um dos pilares de grande
utilidade na localização de lesões e na avaliação da gravidade do coma. O primeiro
passo é a inspeção do paciente em busca de assimetrias posturais, sugestivas de
hemiparesias ou hemiplegias, de posturas anormais (como descerebração ou
decorticação), de crises epilépticas motoras, ou mioclonias de outra origem.
Hemiparesias ou hemiplegias sugerem em princípio lesão estrutural e sua
localização dependerá da composição com outros dados do exame neurológico.
Hemiparesias transitórias podem ocorrer após crise epiléptica motora hemicorporal
(chamada de Paresia de Todd). As hemiplegias são mais comuns em lesões que
determinam coma de origem supratentorial, uma vez que lesões infratentoriais
geradoras de coma habitualmente exibem comprometimento motor bilateral,
hemiplegias alternadas com paralisia contralateral de nervos cranianos e outros sinais
de envolvimento do tronco encefálico (nistagmo, paresias oculares). Hemiplegias com
desvio conjugado contralateral dos olhos sugere lesão hemisférica no lado oposto ao
déficit motor, de origem supra-tentorial. Tais desvios também podem ocorrer em
lesões pontinas que envolvem o centro do olhar conjugado inferior na formação
reticular; porém, neste caso, o desvio ocular acontece para o mesmo lado da
hemiplegia e é contralateral à lesão (síndrome de Foville inferior).
As lesões supratentoriais geradoras de hemiplegia podem ter origem
cortical ou subcortical (em geral, tálamo-capsular) e sua distinção dependerá
igualmente de outros dados do exame neurológico (padrão de distribuição do déficit,
seja com predomínio braquio-facial, crural ou proporcionado), o que nem sempre é
possível de se avaliar no paciente comatoso. Assim, na ausência de desvios
conjugados dos olhos, esta diferenciação muitas vezes é obtida somente com exame
de imagem, como a tomografia do crânio (CT).
22

As encefalopatias metabólicas e tóxicas podem gerar alterações do tono


muscular (hipo ou hipertonia), embora déficits motores variáveis e mais sutis sejam
classicamente descritos em contexto de coma hipoglicêmico. Especula-se que o
quadro metabólico possa elicitar a manifestação de anormalidades encefálicas
latentes, como alterações de natureza vascular, particularmente nos idosos.
Entretanto, estes déficits motores mais sutis e erráticos, em associação com
encefalopatias metabólicas, em particular, a hipoglicemia, são mais comuns nas
crianças, o que torna pouco plausível a hipótese acima, de lesão isquêmica pregressa.
Os pacientes comatosos podem exibir aumento do tono muscular, com
espasticidade ou mesmo rigidez de origem extrapiramidal. Porém, com o
aprofundamento do coma, mesmo pacientes com lesões que envolvem o sistema
piramidal tenderão a um estado progressivo de hipotonia, quando se aproximam do
quadro de morte encefálica.
Um aspecto de fundamental importância no exame neuro-motor do
paciente em coma é a observação de posturas anormais, como a rigidez de
decorticação e de descerebração, ambas desencadeadas por diversos tipos de
estimulação, inclusive endógena (por exemplo, dilatação vesical). A primeira
manifesta-se com adução e hiperflexão do antebraço sobre o braço, com fechamento
tônico das mãos, associado a hiperextensão do membro inferior. Pode ser uni ou
bilateral e ocorre em disfunções ou lesões em nível diencefálico ou, no máximo, em
porções mais rostrais do mesencéfalo, isolando funcionalmente o telencéfalo do
tronco encefálico. Já a postura de descerebração manifesta-se com hiperextensão do
membro superior e inferior, com pronação do antebraço e mão. Pode igualmente ser
uni ou bilateral, associando-se com hiperextensão do tronco, como num opistótono,
midríase e aumento da freqüência respiratória. Tal postura é provocada por lesões ou
disfunções no mesencéfalo, particularmente entre os colículos superiores e inferiores,
embora tal topografia, observada experimentalmente, nem sempre seja comprovada
na patologia humana. A decorticação é manifestação com menor potencial de
gravidade do que a descerebração, sendo mais comum o óbito nos pacientes com
lesões estruturais que evoluem para esta postura. Ambas podem indicar estágios
progressivos de deterioração rostro-caudal (figura 4). É importante lembrar, contudo,
que várias encefalopatias metabólicas podem cursar com estas posturas, com
destaque para a encefalopatia hepática.
23

Lesão bilateral em nível mesencefálico alto


DECORTICAÇÃO

Lesão bilateral na parte superior da ponte


DECEREBRAÇÃO

Figura 4: Esquema modificado de Posner et al.3

A pesquisa de reflexos cutâneos, especialmente, o cutâneo-plantar, os


cutâneo-abdominais e o cremastérico complementam o exame da motricidade,
podendo estes estar alterados (reflexo cutâneo-plantar em extensão, ou sinal de
Babinski), ou abolidos (reflexos cutâneo-abdominal ausente) nas lesões piramidais. É
importante destacar que, em certas encefalopatias sem lesões estruturais que têm
efeito de massa, como as de origem metabólica, tóxica, infecciosa ou inflamatórias,
pode ser vista resposta extensora do reflexo cutâneo-plantar, geralmente de forma
errática.
Um último elemento de fundamental importância no exame neurológico do
paciente comatoso é o padrão respiratório, que pode fornecer elementos referentes à
localização das disfunções encefálicas, ou mesmo contribuir com a diferenciação
entre encefalopatias metabólicas e secundárias a lesões estruturais. Desde a primeira
observação do paciente, deve-se dar atenção ao padrão respiratório, com vistas à
preservação da vida, especialmente para a tomada de decisão quanto à eventual
necessidade de intubação orotraqueal e ventilação mecânica. Entretanto, um segundo
olhar deve ser dado à respiração do paciente, visando o esclarecimento da localização
e etiologia do coma. Assim, alguns padrões respiratórios têm correlação com
determinados mecanismos ou localizações das disfunções que determinam o coma. O
padrão respiratório de Cheyne-Stokes é encontrado durante o sono em pessoas sem
24

alteração cognitiva, que sofrem de insuficiência cardíaca congestiva ou doença


pulmonar obstrutiva crônica. Em pacientes comatosos, ele sugere a possibilidade de
lesões extensas e bilaterais dos hemisférios cerebrais. A hiperventilação neurogênica
central consiste em um ritmo respiratório mais acelerado, constante e de alta
amplitude, que se mantém mesmo que o paciente venha a fazer hiperoxigenação e
hipocarbia em decorrência deste quadro respiratório anormal. É provocado por
disfunções em nível diencefálico ou mesencefálico rostral. Respiração atáxica é
encontrada em lesões pontinas, correspondendo a um padrão irregular, tanto na
profundidade da respiração, quanto em seu ritmo. Respiração apneustica é resultado
de lesão ou disfunção em nível bulbar, na área do centro respiratório, constituindo-se
em períodos de apnéia prolongados, interrompidos por uma incursão respiratória mais
sustentada e única, sem o padrão crescendo-decrescendo visto na respiração de
Cheyne-Stokes. Por fim, a apnéia pode ocorrer também por lesão pontina direta ou
secundária a hérnia do vérmix cerebelar, ou a hipertensão intracraniana grave,
levando a compressão do centro respiratório (figura 5). Devem-se considerar ainda as
apnéias por parada dos movimentos respiratórios devida a falência ou cansaço da
musculatura esquelética (em doenças como miastenia grave, doenças da junção
neuromuscular, polirradiculoneurite grave...).
Alguns tipos de alteração respiratória são mais característicos de distúrbios
metabólicos, com a chamada respiração de Kusmaull, encontrada no coma
cetoacidótico. Consiste em inspirações profundas e prolongadas, mantendo um ritmo
respiratório de baixa freqüência.
Finalmente, é importante a pesquisa de sinais de irritação meníngea, a
despeito da intervenção de alterações motoras específicas dos comas de diversas
origens, que podem comprometer a pesquisa destes sinais. Rigidez de nuca deve ser
pesquisada através da flexão e extensão alternadas do pescoço, na ausência de
indícios de trauma cervical, cuidado este também válido para a pesquisa do reflexo
oculocefálico. A presença de hipertonia generalizada, por exemplo, associada a
postura de descerebração, pode comprometer a pesquisa de rigidez de nuca como
sinal meníngeo. Outro sinal meníngeo que pode ser pesquisado é o de Brudzinsky
(flexão brusca da cabeça do paciente, ou de seu tronco, em bloco, observando-se
resposta positiva quando há flexão nos membros inferiores, envolvendo os pés, as
pernas ou todo o membro, de forma uni ou bilateral). A presença de sinais de irritação
meníngea pode sugerir o diagnóstico para processo inflamatório infeccioso meníngeo
25

(meningite ou meningoencefalite), hemorragia subaracnóidea ou ocorrer no contexto


de síndrome de hipertensão intracraniana em adultos.

Respiração de Cheyne-Stokes

Hiperventilação Neurogênica Central

Respiração Apnêustica

Respiração Atáxica

Apnéia

Figura 5: Esquema modificado de Posner et al.3

Abordagem do Paciente em Coma

A abordagem do paciente em coma visa preservar a vida de imediato e


identificar a etiologia do coma para estabelecimento de tratamento específico o mais
rapidamente possível. Nestes termos, a história clínica, o exame físico e os exames
complementares serão encaminhados em conjunto nesta abordagem, conforme os
dados se apresentam dentro de um fluxograma de atitudes mais ou menos bem
estabelecido para a equipe de intensivistas, incluindo neurologista e neurocirurgião.
Detalhes sobre tratamentos específicos para as diversas etiologias do coma fogem ao
escopo deste capítulo. Serão destacados principalmente elementos do exame físico e
que direcionam o médico para etiologias mais prováveis, ou para a solicitação de
26

exames complementares, visando, em última análise o diagnóstico etiológico do


coma, como se pode observar no quadro IV.
Alguns aspectos do exame físico que podem ocorrer em encefalopatias
metabólicas, tóxicas ou infecciosas, mimetizando lesões estruturais devem ser
lembrados no cumprimento deste fluxograma. Por exemplo, pupilas puntiformes
arreativas podem ocorrer tanto em lesões pontinas bilaterais, quanto em intoxicação
por opióides (quadro V).
O teste do naloxone, em administração lenta para evitar síndrome de
abstinência nos pacientes usuários crônicos deste tipo de droga, irá reverter em
poucos minutos esta miose puntiforme, no caso de intoxicação. Pacientes em estado
pós-crise convulsiva maior podem apresentar pupilas midriáticas e arreativas, em vista
da liberação de catecolaminas pela crise e inibição pós-ictal do SNC, quadro este que
poderia simular coma estrutural de extrema gravidade. A reavaliação em 15 a 30
minutos pode comprovar a suspeita de midríase transitória pós-ictal. A ausência de
respostas óculocefálicas e óculovestibulares, a despeito de sugerirem coma de
extrema gravidade, com possível instalação de arreflexia de tronco encefálico, pode
ocorrer em quadros de intoxicação por certas drogas, como fenitoína e tricíclicos.
Alguns quadros passíveis de reversão com o tratamento podem simular
coma irreversível, ou morte encefálica, pela oftalmoplegia completa e arreflexia de
tronco. São eles a variante de Miller-Fisher da Síndrome de Guillain-Barré e a
Encefalite Autoimune do Tronco Encefálico (Encefalite de Bickerstaff), esta última
relacionada com autoanticorpos do tipo GQ1b. A reversão destes quadros clínicos
pode ser obtida com pulso de imunoglobulina e/ou com plasmaferese.
Algumas encefalopatias metabólicas graves podem sugerir processos
expansivos supratentoriais com deterioração rostro-caudal por cursarem com posturas
de decorticação ou de descerebração, com destaque para o coma hepático. Conforme
já citado no exame da motricidade, sinais motores focais, bem como anisocoria,
podem ocorrer nas encefalopatias secundárias a hipoglicemia, principalmente em
crianças.
Para a confirmação das hipóteses diagnósticas, exames complementares
serão necessários, incluindo principalmente algumas avaliações metabólicas
essenciais (glicemia, gasometria e ph sanguíneo, hemograma, dosagem de eletrólitos,
provas bioquímicas de função renal e hepática) e a tomografia computadorizada do
crânio. Outros exames, como sumário de urina, radiografia do tórax, “screening” de
27

drogas no sangue, dosagem de drogas antiepilépticas, punção liquórica (para exame


citológico, bioquímico, sorológico, bem como PCR para vírus, no líquor),
eletrocardiograma e o EEG deverão ser providenciados, conforme a evolução do
quadro e dados obtidos, ou a ausência de pistas etiológicas para explicar a origem do
coma.

QUADRO IV: Características dos diferentes quadros que se apresentam com ausência
persistente de contato com o meio

1- Lesões supratentoriais compressivas ou com efeito de massa sobre o diencéfalo ou tronco


encefálico
- Sinais progressivos de disfunção rostro-caudal
- Sinais neurológicos em diversas regiões anatômicas do encéfalo (diencéfalo, mesencéfalo, ponte, bulbo)
- Sinais motores comumente assimétricos
2- Lesões infratentoriais compressivas ou destrutivas causando coma
- Coma de início súbito ou história prévia de disfunções do tronco encefálico
- Sinais localizatórios do tronco encefálico precedendo ou acompanhando a instalação do coma
- Alterações pupilares e oculomotoras comumente presentes
- Alterações do padrão respiratório usualmente surgindo no início do quadro
3- Coma de causa metabólica, difusa ou multifocal
- Confusão e Estupor normalmente precedem sinais motores
- Reações pupilares são usualmente preservadas
- Asterix, mioclono, tremor e crises epilépticas são comuns
- Desbalanço ácido-básico com hiper ou hipoventilação é freqüente
4- “Inconsciência” relacionada com quadros psiquiátricos
- Pálpebras com fechamento ativo
- Pupilas reativas, isocóricas, podendo estar dilatadas
- Reflexo oculocefálico imprevisível; resposta oculovestibular fisiológica característica de indivíduo em vigília
(ex.: nistagmo presente)
- Tono muscular normal ou com alterações inconsistentes
- Eupnéia ou hiperventilação
- Nenhum reflexo patológico presente
- Eletrencefalograma normal
3
Esquema modificado de Plum and Posner`s Diagnosis of Stupor and Coma.

Os princípios do tratamento do paciente comatoso podem ser resumidos


nos seguintes itens: 1) Garantir ventilação adequada; 2) Manter a circulação; 3)
Assegurar glicemia adequada; 4) Reduzir a pressão intracraniana; 5) Interromper
crises epilépticas; 6) Tratar infecções; 7) Restabelecer o equilíbrio ácido-básico; 8)
Ajustar a temperatura corporal; 9) Administrar tiamina (vitamina B1); 10) Avaliar
28

possível uso de antídotos, como naloxone, fumazenil, etc...); 11) Controlar agitação
psicomotora. Detalhes de cada passo deste tratamento fogem aos objetivos deste
capítulo, como o fluxograma de tratamento do estado de mal epiléptico, de comas
ceto-acidótico, de sepsis, etc... Um fluxograma desta abordagem inicial do paciente
em coma pode se basear na proposta de Posner et al. 3, segundo o esquema
modificado do quadro V.

QUADRO V: Fluxograma de condutas e avaliações no atendimento emergencial de pacientes


em Coma
VIAS AÉREAS: intubar se Glagow ≤ 8 e pCO2 > 45 torr
RESPIRAÇÃO: manter SaO2 > 90% pCO2 < 40 torr
CIRCULAÇÃO: manter PA média > 70 mmHg

Glicotest e administração de glicose se nível ≤ 45 mg% / Colher sangue para exame de eletrólitos,
gasometria arterial, funções hepática, renal e tireoideana, Hemograma completo / Screen de Drogas no
sangue e urina, ECG

AVALIAÇÃO NEUROLÓGICA

Hiperventilação / Manitol 0,5 – 1,0 g/Kg, se evidências de aumento de pressão intracraniana ou


herniação encefálica (alguns preferem 30 ml de NaCl a 23,4%)
TIAMINA ou VIT B1 (100 mg) seguida por GLICOSE (se < 40 mg%, frascos de 10 ml de solução 50%, até
glicemia > 60 mg%)
NALOXONE se suspeita de intoxicação por opióides (0,4-2,0 mg EV, em 3 min ou infusão contínua de
0,8 mg/Kg/h
FLUMAZENIL se suspeita de intoxicação por Benzodiazepínicos (0,2 mg/min, com dose máxima de 1
mg EV)
Após Intubação, lavagem gástrica com Carvão Ativado, se suspeita de intoxicação por outras drogas

CT de Crânio e Coluna Cervical, se suspeita de Coma de Causa Estrutural

História Clínica Detalhada e complementação do Exame Clínico Geral

Avaliar necessidade de realização de Eletrencefalograma, Punção Liquórica e Ressonância Magnética


do Encéfalo

Obs: Esquema modificado com base nos dados de Posner et al. 3

MORTE ENCEFÁLICA
29

O grande desenvolvimento das unidades de terapia intensiva na segunda


metade do século 20, com melhora nos recursos de ventilação artificial, controle de
infecções, desenvolvimento de drogas vasoativas e mecanismos de eliminação de
excretas metabólicos, permitiu o surgimento dos quadros posteriormente
caracterizados como Morte Encefálica. Pacientes com destruição maciça do encéfalo
como um todo, particularmente do tronco encefálico, passaram a manter o sistema
cardio-circulatório funcionante por vários dias ou semanas, através de aporte artificial
de drogas, ventilação, controle térmico e do equilíbrio ácido-básico, até que ocorresse
a parada cardíaca irreversível.
Neste contexto, já em 1959, Mollaret et al. 4, na França, documentaram pela
primeira vez o que veio a ser reconhecido como Morte Encefálica, então intitulado de
Coma Depassé por aqueles autores. Descreveram o quadro clínico de 25 pacientes
que atingiram um estado de coma completamente arreativo a quaisquer estímulos,
sem reflexos do tronco encefálico, em apnéia permanente, apresentando tendência
progressiva a hipotermia e a descontrole hidroeletrolítico, como diabetes insipidus.
Tais pacientes tinham destruição maciça do encéfalo e evoluíram inexoravelmente
para o óbito, caracterizado pela parada cardíaca irreversível. Os autores preconizaram
que, uma vez atingido o coma depassé, a parada cardíaca seria inexorável, o que foi
posteriormente reconhecido pela medicina como um dos mecanismos de morte do
indivíduo.
Os indivíduos que chegam a este estado de falência irreversível do
encéfalo manifestam também a falência dos outros sistemas do organismo em tempos
variáveis, culminando com a parada cardíaca. São geralmente vitimas de destruições
maciças do encéfalo por traumatismo craniano, anóxia isquêmica do encéfalo (por
parada cárdio-respiratória prolongada, asfixia, afogamento, choque prolongado, etc...),
hemorragias maciças ou lesão destrutiva por processos inflamatório-infeciosos
irreversíveis, com edema e isquemia cerebral secundária.
A morte de todos os tecidos do corpo não ocorre exatamente no momento
de uma parada cardíaca irreversível, que determina o óbito do indivíduo, sendo
observado, por exemplo, o crescimento de pelos e unhas, até alguns dias após a
morte provocada pela parada cardíaca. O coração tem a capacidade de se manter em
atividade, mesmo fora do organismo vivo, em ambiente hidro-salino adequado e com
aporte de glicose, por tempo variável, porém, limitado. O controle fino do sistema
cárdio-circulatório, da função renal, da temperatura, dentre outros, depende de
30

eferências encefálicas. Desta forma, a morte irreversível do encéfalo resultará no óbito


do paciente, num processo diferente daquele determinado pela morte cardiovascular.
Com base neste princípio, que é amplamente comprovado na prática clínica, o
conceito de morte encefálica impôs a aceitação de um novo mecanismo de morte do
indivíduo que, tanto quanto a parada cardíaca irreversível, resultará no óbito, em
tempos diferentes para cada tecido do organismo. Na verdade, a morte de todos os
tecidos ao mesmo tempo é ocorrência rara, como em casos de eletrocussão ou
explosão atômica.
A primeira proposta formal de um processo de morte do indivíduo
determinada pela ausência de função encefálica recuperável, a despeito da
manutenção dos batimentos cardíacos, foi feita pelo Comitê Ad Hoc de Harvard, em
19685, quando o termo morte encefálica foi sugerido. Os critérios essenciais para a
caracterização deste quadro, propostos pelo grupo de Harvard, eram: -coma arreativo;
-apnéia persistente, com ausência de movimentos respiratórios após desligamento do
respirador; -ausência de reflexos do tronco encefálico e de reflexos profundos;
-demonstração de encefalopatia destrutiva de causa sabidamente irreversível;
-ausência de atividade elétrica cortical, demonstrada pelo EEG isoelétrico (ou silêncio
elétrico), ou ausência de circulação sanguínea encefálica, evidenciada por pan-
angiografia encefálica (sistemas carotídeo e vértebro-basilar).
Modificações nestes critérios foram feitas posteriormente, em 1971,
quando se observou que alguns elementos daquela primeira caracterização teriam
que ser revistos. Por exemplo, a manutenção de reflexos integrados em nível medular
(osteo-tendinosos dos membros e tronco, cutâneo-plantar em extensão, cremastérico,
tônico-cervical, reflexo de retirada) podia ocorrer mesmo em vigência da morte
irreversível do encéfalo. Ainda, a avaliação da ausência de respiração espontânea
deveria ser feita de forma a não impor mais riscos de lesão ao centro respiratório,
caso houvesse alguma viabilidade residual, tendo surgido um método seguro de se
investigar a presença de apnéia. Na verdade, esta reformulação operacional
determina a necessidade de ausência de reflexos do tronco encefálico, sugerindo que
a lesão deste segmento do SNC (o tronco) é que constitui o ponto de “não-retorno”, a
partir do qual ocorrerá inexoravelmente o óbito do indivíduo. Na morte do tronco
encefálico, determinando o quadro clínico e evolutivo de morte encefálica, não há
necessariamente, e de imediato, a morte das estruturas telencefálicas, que compõem
31

os hemisférios cerebrais, o cérebro propriamente dito. Por isto, é completamente


inadequado o termo “morte cerebral”, como sinonímia de morte encefálica.
A segunda reformulação dos critérios de morte encefálica determinou que a
mesma seja caracterizada por: a)Coma arreativo; b)Ausência de Reflexos do Tronco
Encefálico; c)Ausência de Posturas de Decorticação ou Descerebração e de Crises
Epilépticas; d)Ausência de Respiração Espontânea, estabelecida pelo teste de apnéia.
Outros elementos importantes são certas precondições estabelecidas, como a
comprovação de dano encefálico maciço e irreversível, pelos dados clínicos e de
exames complementares. E, por fim, há a necessidade da exclusão de certas
etiologias que poderiam determinar arreflexia do tronco, bem como, coma arreativo,
tendo, contudo, potencial de reversibilidade, quais sejam: - a síndrome do
encarceramento (embora, conforme citado acima, o exame neurológico nesta
condição indique a viabilidade das porções mesencefálicas do tronco); - a hipotermia
grave, geralmente determinando silêncio eletrocerebral a temperaturas menores ou
iguais a 32 graus centígrados; - intoxicações graves por drogas potencialmente
depressoras do SNC (barbitúricos, benzodiazepínicos, tricíclicos, neurolépticos,
anestésicos, opióides, etc...); -processos infecciosos, distúrbios hidroeletrolíticos ou
endocrinológicos graves, com potencial de reversibilidade.
Para a caracterização da arreflexia de tronco, além do exame neurológico
averiguando a função de todos os nervos cranianos, já citado em outra parte deste
capítulo, faz-se necessária uma menção sobre a prova de apnéia. A mesma tem por
objetivo a estimulação do centro respiratório através de elevação crítica dos níveis de
CO2 (um potente estimulador do centro respiratório), sem reduzir a oxigenação
sanguínea a valores de risco para o SNC e demais órgãos. Deve-se iniciar a prova,
obtendo-se dados de gasometria arterial. Em seguida, ventila-se o paciente no
respirador com oxigênio a 100%, por 10 minutos. Idealmente, colhe-se outra
gasometria após este tempo de hiperoxigenação (mas, não, hiperventilação, que
levaria à redução excessiva do CO2). Após estes 10 minutos, desconecta-se o
paciente do respirador, colocando um cateter de O2 com fluxo a 6 litros/minuto, ao
nível da carina, e observa-se o paciente para averiguar a ocorrência de qualquer
movimento respiratório, mesmo que incipiente, por tempo de 10 minutos. Ao final
deste tempo, o paciente é reconectado ao respirador, sendo imediatamente colhida
outra gasometria arterial. É importante a comprovação de que o CO2 atingiu nível
superior a 55 Torr, ou que teve um aumento superior a 20 mmHg em relação ao nível
32

basal, antes do início da prova, para que seja comprovada a máxima estimulação do
centro respiratório. Durante a prova, caso seja feita gasometria arterial comprovando
um dos níveis de aumento de CO2 acima citados, esta pode ser interrompida antes
dos 10 minutos de observação.
Algumas precauções e medidas devem ser tomadas em relação à prova de
apnéia, quais sejam: - a temperatura corporal deve ser maior ou igual a 35 graus
centígrados; - a pressão arterial sistólica deve ser maior ou igual a 90 mmHg; - o
paciente deve estar em balanço hídrico positivo nas últimas 6 horas. Quaisquer destas
precondições acima, quando não atendidas, podem determinar depressão do centro
respiratório (hipotermia ou hipo-perfusão), além do processo etiológico do coma.
Quando há arritmia, bradicardia, fibrilação ou hipotensão arterial grave, durante a
prova, comprovadas pelo monitor cardio-respiratório, o teste deve ser imediatamente
interrompido naquele momento não sendo possível a confirmação da morte
encefálica, antes da parada cardíaca inexorável.
O diagnóstico de morte encefálica deve ser feito através de 2 exames
clínicos completos, cumpridas as precondições e exclusões diagnósticas necessárias.
O tempo de observação do paciente entre o primeiro e o segundo exame é
estabelecido com base na idade do paciente e na ausência de níveis presumíveis ou
confirmados de drogas depressoras do SNC. Tal período mínimo de observação entre
as duas provas clínicas pode ser de 6 horas nos adultos. Em crianças, a morte
encefálica pode ser diagnosticada a partir de 7 dias de vida, nos recém-nascidos a
termo. O período de aguardo entre a primeira e a segunda prova nas crianças é assim
determinado: - 48 horas, nas crianças de 7 dias a 2 meses; - 24 horas, nas crianças
de 2 meses a 1 ano de idade; - 12 horas, em idade superior a 1 ano e inferior a 2
anos. A partir de 2 anos, o tempo de 6 horas pode ser considerado, assim como para
os adultos.
A constituição brasileira passou a incluir a morte encefálica como uma das
formas de definição de morte do indivíduo, a partir de 1992, quando esta declaração
era permitida apenas para pessoas com idade maior ou igual a 2 anos. Em 1997, a
resolução nº 1.480/97 do Conselho Federal de Medicina 6 modificou os critérios de
1992 em relação às idades de possível determinação da morte encefálica e aos
exames complementares necessários, sendo incorporada à legislação brasileira.
Desde então, a morte encefálica pode ser declarada em crianças nascidas a termo, a
partir de 7 dias de vida, com tempos de observação entre as duas provas clínicas
33

conforme acima citado. A legislação brasileira considera mandatória a confirmação do


diagnóstico clínico de morte encefálica com um exame complementar, o que é
dispensado em alguns países do mundo, como a Inglaterra. Esta precaução traz mais
segurança ao diagnóstico, especialmente em casos com etiologia sugerida por exame
de imagem (anóxia encefálica, por exemplo), sem dados seguros de história clínica.
Entidades como a síndrome do encarceramento, a encefalite autoimune de Bickerstaff
ou a síndrome de Miller-Fisher, acima citadas, podem cursar com intensa depressão
do tronco encefálico, sem determinar isoeletricidade no EEG, ou parada da circulação
em nível supratentorial.
Os exames complementares que podem ser utilizados para a comprovação
do diagnóstico clínico de morte encefálica são: o EEG, a panangiografia das artérias
encefálicas, os potenciais evocados do tronco encefálico, o Doppler transcraniano, a
prova de extração encefálica de oxigênio e o SPECT cerebral. O crânio das crianças
pequenas tem alta complacência, permitindo a persistência de circulação
anastomótica entre os sistemas carotídeo externo e interno através de artérias da
díploe e levando à presença de contraste na superfície meníngea de sua convexidade,
com dúvida sobre a persistência de circulação cortical. Por isto, foi estabelecido pela
legislação brasileira que o EEG seja o exame mandatório para a confirmação da morte
encefálica nas crianças com idade inferior a 1 ano.
A angiografia encefálica de todos os vasos mostrará o chamado sinal do
“stop”, ou parada do contraste na base do crânio, sem indício de perfusão sanguínea
no tronco e nos hemisférios cerebrais. Isto se deve à coagulação do sangue e
colabamento dos vasos no processo de morte encefálica, impedindo a progressão do
contraste.
Segundo o artigo 7º da resolução CFM nº 1.480/97, os exames que podem
ou devem ser utilizados em cada faixa etária, com os respectivos intervalos de tempo
entre o primeiro e segundo testes, são:
a) Quaisquer dos exames complementares acima citados, para pacientes com idade
superior ou igual a 2 anos.
b) Entre 1 e 2 anos incompletos, o mesmo está estabelecido. Entretanto, se a opção
for o EEG, este deve ser repetido com intervalo de 12 horas entre um e o outro.
c) Nas crianças com idade entre 2 meses e 1 ano incompleto, devem ser realizados
2 EEGs, com intervalo de 24 horas entre o primeiro e o segundo exame.
34

d) Nas crianças com idade entre 7 dias (nascidas a termo) e 2 meses, devem ser
realizados 2 EEGs, com intervalo de 48 horas entre o primeiro e o segundo
exame.

Os exames clínicos para a declaração de morte encefálica devem ser


conduzidos por médico experiente, preferencialmente neurologista, neurocirurgião, ou
intensivista com experiência neste procedimento. O médico ou a equipe responsável pela
primeira prova clínica devem ser diferentes daqueles envolvidos com a realização da
segunda prova. Igualmente, nenhum destes profissionais pode ser vinculado ao serviço
de resgate de órgãos para transplantes.
A declaração de morte encefálica no prontuário deve ser feita como
diagnóstico de morte, independentemente de eventual doação de órgãos para
transplante, por autorização de familiares, ou declaração prévia por escrito, feita pelo
próprio paciente. As decisões que possam advir do diagnóstico de morte encefálica, para
os pacientes não doadores de órgãos, fogem ao escopo deste capítulo, mas vale ressaltar
que, uma vez confirmada a morte encefálica, esta equivale legalmente à morte do
indivíduo e o desligamento de suporte ventilatório ao paciente não é considerado
eutanásia, mas, apenas, procedimento de praxe no caso de óbito. Atitudes intermediárias,
como manutenção do paciente no respirador, retirando-se drogas vasoativas, controle
térmico, suporte nutricional e antibioticoterapia, com exclusiva manutenção de soro
glicofisiológico, até que a parada cardíaca se imponha, são muito observadas no Brasil,
fruto da relação médico-paciente (em consideração ao pedido da família). Porém, esta
conduta é questionável em face à carência de leitos de UTI para pessoas com
prognóstico de recuperação, ou de sobrevivência. Desta forma, no caso acima, é de praxe
o paciente ser levado a leito hospitalar comum, até que a parada cardíaca ocorra.
Por fim, mesmo quando há convicção de que o paciente possa estar em
morte encefálica, pela conjunção de todos os dados, quando não foi possível se
completar o teste de apnéia, a retirada dos recursos acima citados não é, em princípio,
autorizada, uma vez que a morte encefálica não pôde ser declarada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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