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Há formas diferentes de
concretizar o sonho. Para uma camponesa, é por meio de um casamento. Para um jornalista, através do trafico de drogas. Mas no final o sonho se torna um
pesadelo e as chances de as coisas ainda darem certo se tornam cada vez mais remotas. E, de repente, um incêndio...
Kindle
internet, o livro narra o auge de uma pintora a partir da chegada de um forasteiro para administrar a pousada local. ele se apaixona e todavia se torna
seu genro. uma história de arte e morte, de vício e doença, de amor e sexo, tudo como todas as coisas submetido à passagem do tempo.
Uma mulher jovem sozinha na cidade. Abandonada pelo amante caminha sem ter para onde ir. Um rapaz que
passa por ela pensando nas coisas de seu trabalho e nos livros que pegará na biblioteca. Uma revelação...
Um dia ela achará o mesmo. Um dia como sempre quando não mais for
possível.
ELA NÃO FALA há dias. A última conversa foi com a moça que viajou a
seu lado. Saiu do ônibus sentindo o esforço. Seu duplo exausto passou pela
vitrine enquanto lá dentro a vendedora apanhava uma sandália. Parece seu
número. Tiras e ligas, do tipo que ela gosta. A atendente é bem bonita mas que
vale a beleza? Dinheiro é o que vale. Um após outro eles passam. De Darken
Pöbel a Öffner Hilo. Com um ficou na ponta dos pés e com outro deixou o
celular cair. Permitirá tudo. Pomba gemendo em círculos sobre o farelo de
tempos de um mundo inóspito mais inóspito quanto vivos os sonhos.
Ele surgiu do nada: — Aceita um café? — disse. Que moça sozinha na
cidade grande recusaria? Era gentil e muito lindo. Ensina como se chega à casa
da moça. Ela não teria de passar a noite na rodoviária ou numa casa de
acolhida.
O sol da tarde nos cabelos fazia de Alice uma santa aureolada. O ombro
esquerdo no lado direito do peito rígido. Não é um rapazola nem tão mais velho
como ela a princípio imaginou. O tecido da blusa lhe cai bem. O que estou
dizendo? Não o conheço.
uma bela jovem é a única suspeita de uma série de assassinatos mas há algum problema com a investigação
pois ela mesma tinha sido a primeira vitima. e os assassinatos continuam e tudo ainda aponta para ela. mas ela está morta
)
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Language: Portuguese
Não voltará para casa. Não há nada para fazer à noite. Não há
como conhecer um rapaz que lhe dê a existência que deseja. Hábitos
que não se renovam. Sonhos ultrapassados na esperança do futuro, o
que retira do futuro a esperança. Vida arranjada por velhos satisfeitos
com suas casas e com seus quintais pálidos e inertes. O pai diante de
um copo no balcão do armazém mexericando com vizinhos sobre
vizinhos mais distantes. Lá também se celebram acordos acerca dos
filhos como no século passado. O meu para a tua. É o que a espera.
Então em Tundra não pode ser pior
- Dinheiro não é tudo. Venha logo se sente algum afeto por esse
velho.
Os dias de inverno quando o sol quase não aquece mas tanto ilumina são dias nos
quais os que chegaram ao inverno da vida ainda podem sonhar. Mesmo doentes e se achem
inúteis. Mesmo sempre inoportunos. Ele pensava assim ao voltar do médico, coisa rara. Não
pensar. Voltar do médico. Significava que tinha ido. Não do médico. Da médica. Faz grande
diferença.
Houve aquele momento em que pediu para ser internado. - Só autorizo internação em
último caso. - O que falta para que meu caso chegue lá? - É quando o paciente representa
risco para os outros ou para si mesmo. Quando se torna agressivo ou pensa em suicídio. – Ah –
– Graças a Deus.
Com um homem parecido ela sonhou na noite anterior. Ombros largos, não troncudo.
Cabelos curtos não penteados, penteados com a mão. Camiseta e jeans. Uma mochila como
essa. Em dias assim se acentua no homem o desejo de uma companheira com quem partilhe
essa vontade. Uma mulher que o receba e se tornem uma carne quente e una mas também
possam depois calarem juntos na paz posterior que é tudo e as mulheres costumam matar
com palavras.
- Mas e o que eu contei sobre as noites de angústia em que penso que seria melhor
nem ter nascido? - Você disse que sempre passa - disse ela. - Podemos tratar isso no
pisca de um modo teatral e seus olhos não o acompanham quando ele se levanta e caminha
até a janela. O prédio antigo no coração nervoso do centro da cidade em frente. Entradas de
pinho e escadas de mármore, espelhos de prata e arabescos de gesso. Num lugar assim eu
poderia morrer. Então se virou e a viu de costas pela primeira vez. Daquele ângulo era
bondosa como a imaginara na outra consulta. Ela se lembrou ao ouvir a voz sem ver o rosto de
Ao acordar de manhã se lembrou do jaleco que havia comprado no dia anterior e foi
como estava de calcinha e sutiã até o armário e experimentou diante do espelho. Era de
gabardine com detalhes em gorgurão. As fibras segundo a vendedora tinham íons de prata
que elimanam bactérias e fungos. A médica reparou que podia cortar as mangas ou até tirá-
las. O espelho lhe devolveu o sorriso. Depois de tudo, ainda sabe sorrir e que bela é quando
sorri.
O homem estava hipnotizado pelo branco do tecido. Era o momento clássico em que o
tempo fica em suspenso esperando para que lado a conversa irá e para onde levará as vidas. -
Ela disse sim e ele respondeu que não ia dar certo. Tomara remédios demais ao longo
da vida e das poucas coisas que restavam era o afeto feminino. Ela continuava digitando e
olhando o monitor. Tentou tranqüilizá-lo. Hoje em dia existem antidepressivos que não afetam
a libido. Ele pensou em dizer que não confiava em médicos mas ela ficaria magoada e ele
perguntou se ao dizer terapia estava dizendo que iria colocar um psicólogo entre eles. Não
Ela disse sim e ele concluiu que não ia dar certo. Ingenuidade pensar que daria e
tivesse encontrado a solução para fazer suas traduções num lugar calmo sem se preocupar
com as refeições. Dias frios fazem esquecer a doença e a inutilidade como se o homem
entrado em anos se sentisse preservado. Sim estava na melhor idade. Até ofereciam lugar
para ele no metrô. Não sempre; às vezes. Quando não, era como se as moças dissessem: “O
Era portanto um velho embora não se sentisse um, estava doente. Não muito doente
na verdade nada diferente do esperado para um velho quer se sinta ou não assim. Ainda bem
existem os dias frios quando o sentir-se inoportuno é amenizado pela luz do sol que quase não
aquece mas tanto ilumina em meio a casas encantadas onde o tempo não se decidiu se vai nos
acompanhar ou se podemos continuar sonhando. Porque geralmente não é assim mas uma
olhar inconfundível que ensina a um menino de treze anos que já é um homem e a um homem
***
chocolate começou a usar papel de alumínio e um pouco antes da Grande Guerra voltou ao Rio
de Janeiro onde trabalhou como ilustrador até morrer de tuberculose. Sua filha Ana também
desenhava e se tornou professora de pintura. Com vinte e um anos, ela se mudou para Porto
Alegre e se casou com um outro membro do movimento expressionista. Tiveram dois filhos. A
neta de Johann sempre foi o xodó do avô embora não tivesse qualquer propensão para seguir
a vocação artística da família. Interessava-se pelas pessoas de mais idade e com 19 anos, já
na faculdade, fazia a coleta de leite materno em domicílio para a Pro Matre Paulista.
Quando saía à noite com seu irmão cada um com seu par ela em geral estava com
algum estrangeiro mas nunca um alemão exceto quando namorou um ator parente de Karl
Marx que tinha seu próprio teatro. Aos vinte e cinco conheceu num bar um arquiteto muito
bonito e educado por meio de quem começou a se interessar pelas expressões de arte e
cultura norueguesa. – I'm Joachim and I'm from Bergen – dissera ele com um largo sorriso,
pedindo para ela e o casal se sentarem. Disse que acreditava ter também algum parentesco
com Marx. – Are you serious? – espantou-se ela. – What a coincidence! – exclamou. Ficou com
Joaquim por um pouco mais de dois anos. Aprendeu o idioma dele e a gostar de Grieg e Mari
Boine. – Come with me and we'll see her concert at the Oslo Opera House – ele convidou.
A enfermeira ficou com o arquiteto em Oslo apenas na noite de natal. Ela estava com
um casaco preto de couro com gola de pele e na saída do concerto ficaram vendo o pessoal
patinar. Os enfeites iluminados caindo como gotas das árvores. As luzes amarelas. O vozerio
no mercado. Ele diz que ela está muito silenciosa e ela apenas sorri. Balança a cabeça bem de
leve, não dá para entender se está ou não admitindo. Não tem a menor vontade de falar. É
uma cidade tão linda, Oslo. Uma atmosfera quase bucólica em alguns momentos. E foi um
concerto tão bonito. Mari estava tão elegante, ela canta tão bem. Se tiver de pensar em outra
coisa, que seja em trabalho. Em como ficar na Noruega. Conseguir o skilled worker. Ouviu
dizer que precisam de pessoal para a área da saúde. O idioma afinal de contas ela ja fala e o
***
Vinte mil longos sinuosos quilômetros de mar ladeado por penhascos glaciais. O
menino caminha na pedra escura molhada e pisa no lago salgado diante da casa vinho de seu
pai. - Det va en sjø-ørret, ikke en laks - disse o pescador. Debaixo d´água o esverdeado fundo
de pedrinhas multicores e peixes amarelados por um sol como quase sempre oculto além do
recorte pétreo das vertentes. - Veldig bra jobba gutter. - disse o avô.
Outro menino gira o molinete com a mesma mão direita trêmula à noite pensando na
amiga e na mãe da amiga na varanda vindas do interior da casa. Era quase meia-noite e tudo
ficou laranja. Era assim o verão inteiro e nem ela se acostumava com a cor de tudo àquela luz
nem ele com as formas daquela cor que a encontrava nos ombros do decote que não se espera
por esses lados. Essa mão. Esse céu inteiro laranja. E agora a pedra e o mar em tons de verde:
O menino estende o salmão como jóia numa bandeja e ri seu riso tímido ou triste. A
superfície móvel e cintilante azul-escura quase negra respira também como os seios e arfa
como a filha e o pescador entende e talvez aceite agora aceite que a menina pode ser mesmo
porta-retrato em que o menino lhe sorri. Ele não sorri assim pessoalmente mas mantém um
agradável aspecto de amigo em quem se pode confiar. A filha do pescador entra com o copo de
água e diz alguma coisa e se afasta de novo. Senta-se no sofá. Bebe lentamente. A metade
visível de seu rosto alaranjada. Um celular e um carregador na mesa de centro com as flores.
O sol lá fora parece que será eterno. A luz lateral confirma o tamanho das coisas mas
prevalecerá a memória. "Ele está chegando", diz a irmã. "Parece que já te viu".
O barco subia nas ondas escuras lançado sobre a tempestuosa superfície. Estalava a
cada batida como um machado no grito da madeira; nao por virtude ou vício mas apenas um
nível acima do que é humano. Ondas perfeitas. O conhecimento não importa e não importa a
braços e outras duas irmãs uma de cada lado. Usa um vestido largo e escuro de um tecido
semelhante à lã e anda no pier pelo horizonte em chamas e o rosto fulgura dessa mesma luz.
Vê que o barco esta se aproximando e aperta o passo sem sentir os pés nos sapatos pretos de
homem. Passaria pela moça desfocada, se fosse um filme. A mãe e seus filhos são
protagonistas desse take e quando terminam de passar vê-se as águas escuras cuja superfície
Se fosse um filme, as mulheres de luto estariam olhando com dolorosa inveja. Uma
delas é mãe e perdeu o filho; a outra é filha e perdeu o pai. A câmera focaliza o rosto da
médica. Outra tomada mostra o vulto do pescador desenrolando a corda. Ela se aproxima e
agora o vulto dos dois são um só. Ela fala. A música sobe lentamente. Eles se afastam do
barco. Seus passos ecoam na madeira pois não é um filme. Num filme, enquanto caminhassem
pela vereda ele apontaria para o alto. Leva em si condensado o mundo de onde se expande
Aproximava-se de acordo com sua fome a hora do almoço. Também o indicava toda
aquela gente no largo. Havia uma névoa brilhante e as sombras do meio-dia no verão ocultas
sob as pessoas moviam-se e se encompridavam ao lado delas. Era o que ele constatara desde
cerca de uma semana quando passara a comparar dias e estações. Desde que começara a
observar o comportamento dos pombos em torno das migalhas e dos cães rosnando para
quem se aproximava demais de seus mendigos. Quando os dias lavados pela chuva do fim de
semana se engalanaram para o período seco que deveria durar pelo menos três semanas.
Então a moça se aproximou e se sentou no mesmo banco como se o homem não estivesse ali.
Ela achava que o canto de um pássaro é bom presságio portanto sua lágrima não faz
sentido mas nao pode evitar porque não pode evitar a própria lembrança. A paisagem de
da casa. A rodovia traça o prateado contorno da varanda enquanto a porta do carro é aberta
manchada pelas luzes da lanterna. Ela descera precedida pelas grossas pernas em sutil
equilibro no imenso salto pontiagudo vistas num relance em toda exuberância pelos segundos
que ficaram expostas. O motorista que ela ultrapassou um minuto antes se tocou de longe ao
vê-la caminhando sob os faróis que indicavam o caminho para a garagem. Porém ela desvia
antes e depois de três degraus de escada o hall se acende. A porta da frente se abre e ela
entra e a porta se fecha de novo. Senta-se na sala. Brilho difuso de um perfil de boneca
melancólica ebonite.
carregador que sempre esquecia. Manchada pelos ramos da segunda árvore à direita de quem
entra viu surgir do balanço da perna o esmalte se desfazendo nas unhas cortadas rente. No
agora as páginas todas cheias da letra redonda e chorosa de pensamentos depressivos como
o barulho dos carros. Ela que gostava de ficar quieta em seu canto quando chegava em casa e
Ele mediu o que havia no espaço entre os dois. A saia xadrez e a blusa branca
engomada. O crachá balançando entre os seios. Viu que ela havia se levantado e se afastara
um pouco. O celular no calor de seus dedos gordinhos bafejado pelo hálito de canela. Por
hábito ele havia apanhado o papel de bala e se levantara para colocar no coletor de lixo.
Quando voltavam os olhares se encontram no espaço exíguo de uma impressão. Não viam as
pessoas que passavam em frente à banca de jornais do outro lado da alameda. O caminho
estava inesperadamente limpo como se houvesse um homem solitário para cada bala de papel
lançada fora. Ela já o tinha visto antes — a blusa de lã fina de um azul gasto e as luvas
coloridas sem dedos e até as falhas na costura do bolso lateral do jeans — e agora ele
disse ela como se tivesse acabado de chegar. Ele assentiu com um apenas perceptível ricto. O
pássaro na gaiola sobre a banca emitiu outra nota e depois outra mais alta e então calou-se
como se tivesse alcançado um nível desejado. — Que frio, não é? — a voz da moça se propaga
em ondas. Separa as sílabas como uma cantora de blues falado. — Você não gosta? —
Depende.
propriedade da Alliance Navigation, com bandeira do Chipre e tripulação russa, que zarpara
de Kristiansand com destino a Haia, onde deveria chegar em 4 de abril, navegava a uma
velocidade entre quinze e vinte nós com um carregamento de três mil toneladas de madeira
avaliada em um milhão e meio de dólares. Um cardume de skrei vindo do mar de Barrents
passa junto à superfície mexida rumo às zonas de desova qual uma única criatura, harmônica
e acéfala. A corda com a âncora tem uma bóia na outra ponta e assim o barco do pescador
norueguês avança dois mil metros. O barco fez uma curva arrojada batido por ondas apenas
enormes onde há dois dias havia vagalhões. O gajeiro no mastaréu não tirava os binóculos dos
olhos e o comandante entendeu que ele falara sozinho como de costume, discute consigo
pescador nas botas sentiam o pulsar da maré sob o casco. As luzes do farol ricocheteiam na
superfície escura. Tantas vezes dissera que não voltaria, se estabeleceria em terra, mas
sombra azulada que se movimentava à cabeceira da filha. Havia comprado o livro no dia
anterior quando voltava da empresa. Sorriu ao ver que estava aberto no colo da menina sobre
a coberta xadrezada. — Essa história me lembra uma que você contava quando eu era bem
pequena. —- Que história? —- disse a mãe, lembrando. —A do rei destronado e da moça pobre
no jardim de inverno. —- Como era mesmo? —Você sabe. —-Eu sei. —- Conta. —Você está bem
Quando a menina era bem pequena o homem e a mãe costumavam contar juntos. Era
um inverno muito...
Uma cidade da região serrana do Rio de Janeiro, 1980. Uma jovem assediada foge de casa e se prostitui
para sobreviver. Em 1982 na capital, um rapaz tímido e solitário se apaixona pela enfeira de um professor. Mais de uma década depois, a diretora de um
hospital, desencantada de seus ideais, passa a manter contato telefônico com um maestro e se apaixona embora nunca o tenha visto. As três são a
mesma mulher e ele eh o mesmo homem. Agora, a timidez e as escolhas erradas podem levar a um final trágico.
Vagões. Vagões. Vagões. Quando um deles cumprirá a promessa de Marcelino, trazendo seu sucessor? A
violência voltou a tomar conta da terra. Pessoas vão e vêm tentando levar a vida; mas a cada dia se torna mais
difícil levar a vida por aqui. Como naqueles tempos…
Disparos ecoam por toda parte no calor. Enfrentam-se duas quadrilhas em meio à correria dos moradores do
vilarejo. Ali Marcelino iria aparecer e a poeira baixar por entre os raios da manhã.
Eu mesmo não estava lá. Hilson me contou o começo da história quando deixávamos o Igapó. Ele também
não estava no princípio. Esta é uma história que passou por muitas vozes até chegar a meus ouvidos. Quem
poderia imaginar que seria eu o único a sobrar para contá-la?
Fagulhas puxam os raios luminosos de quando em quando ante a solene indiferença da máscara pétrea dos
homens que atiravam atrás do monte de tijolos. O vento varre a poeira pesada de cascalho. Um tem idade para
ser pai do outro e um terceiro vem avisá-los da chegada de alguém. Os revólveres caem abandonados. Outro
homem entra suando num bar cheio de homens suando. O reboco das paredes externas está amarelado. A
sombra dos respingos é mais escura mas amarela ainda. Pela sala naturalmente mais fresca há estantes cheias
de livros e pó. A mulher encostada num balcão lembra uma espanhola de filme. A saia comprida verde. A anca
direita inclinada onde o tecido retém a luz fraca da lâmpada. O xale arrogante sobre os ombros firmes. Os
anéis da mão apoiada pingam reflexos do maçarico agora distante. Ela grita com o velho de olhos tristes e a
barba recém-feita cheirando forte a loção. Ele
observa tudo com o olhar atento. Apesar da emoção ele fala mole como se estivesse enfermo. Como se fosse
um grande esforço separar as sílabas.
No zunir das balas dois homens se atracavam no chão com facas. O menino passou por eles temendo ser visto.
Não devia ter mais que uns 13, 14 anos. O sol que aparecia no horizonte ao fazer luzir em seu pescoço o
estranho crucifixo paralisou os contendores.
Os cavalos atrelados se agitavam. Mulheres tropeçavam nas saias ao correr. Homens que bebiam se
ajuntaram agachados atrás do balcão. Os moradores se deitavam e oravam dentro das casas para escapar das
balas perdidas.
A mulher dá de ombros como se nada estivesse acontecendo.
O amarelo escuro e as sombras do chapisco estão marrons. As poças também escureceram. Os cacos não
reluzem mais.
Era uma gente acostumada com o cotidiano selvagem onde os assaltos eram comuns e ninguém merecedor de
confiança. Os mais violentos prevaleciam e o narcotráfico ditava as regras. Quem visse qualquer coisa estava
fadado a desaparecer.
Numa cena semelhante Crisóstomo surgiu.
Ninguém sabe ao certo como tudo começou. A versão mais considerada é a do exército de 107 homens.
Conspiraram contra os coronéis e políticos corruptos e na madrugada de cinco de julho tomaram a fazenda de
um proprietário que traficava drogas e mulheres. O prefeito e o governador fugiram.
Cercados pelas tropas oficiais sustentaram a posição até o dia vinte e sete quando aderiram à guerra móbil ao
longo do rio até a fronteira. Marchavam a pé e a cavalo durante meses e escaparam de todo tipo de cerco.
Ganharam a simpatia da opiniao publica e de parte da policia. A partir desse novo ambiente se tornou possivel
o fim da impunidade e com a execuçao das penas apos decisao em segunda instancia deputados e ministros
eram presos e o proprio Governo abalado e Crisostomo crescia diante de todos, das populacoes ribeirinhas e
missionarios e chefes indígenas que lhe davam cobertura aa imprensa internacional que tentava entender os
acontecimentos.
Os poderosos temiam que preso ou morto se tornasse um mártir e, atarantados, passaram de caçadores a caça.
Logo Crisóstomo tinha suas próprias terras onde famílias se estabeleciam e passaram a se multiplicar o gado
e as culturas. Desertores dentre os traficantes a ele acorriam e eram assentados. Prostitutas. Escravos.
Mas um dia, em consequência de uma bala que se alojara em seu pescoço, Crisóstomo morreu sem que
pudesse conduzir o processo de transição. A revolta armada deve - dizia - evoluir para uma sociedade justa;
porém seus homens se dividiram na luta pela sucessão. Sua morte foi o fim dos dias em que tinham sido
banidas a injustiça e a corrupção. E a violência voltou.
O reboco está marrom e as sombras quase negras e negra também a estante e o pó dos livros desapareceu.
- O quê é, Marcelino? Que cara é essa?
O menino disse dois homens lá fora estavam lutando, pai, e pararam quando me viram. Walter olhou-o com
expressão indefinida. Entendeu que afinal chegara o dia.
- É hora de você não mais me chamar de pai.
- Não sou seu filho?
- Me entregaram você chorando. Estava entre os sobreviventes de uma chacina. Não tinha mais que dois
meses de vida.
Após o silêncio que se seguiu, Marcelino respondeu.- Por que esses homens me chamaram filho de
Crisóstomo?
O crucifixo. Na época Walter nada sabia a respeito. Um dia viu uma mulher que fazia às margens do Guaporé
o desenho de uma cruz. Enquanto falava o velho revia na memoria a revoada de emocoes. - Ela disse
chorando que representava o bem da terra. A fonte da vida. A paz.
- Eu?
- Quem mais?
- Sequer tenho o respeito dos meus amigos.
- Terá.
- E não tenho inimigos.
- Quem for inimigo da paz será seu inimigo também.
A voz de Walter é forte e clara. Sua barba branca treme ligeiramente quando ele fala.
-E o que devo fazer, meu pai?
- Não me chamar mais de pai. Eu não posso te ensinar a ser o que você é.
- Tenho medo.
Um rapazinho surgiu do nada
- Marcelino...
- Como você sabe o meu nome?
- Qualquer que conheça o desenho dessa cruz saberá o seu nome.
- E seu nome qual é?
Alonso respondeu e permaneceu quieto em adoração.
Um homem se aproximou e perguntou o que estava acontecendo. Takeda eh o pai das meninas com quem
Marcelino brincara um tempo, quando crianças; mas por alguma razão elas foram retiradas do convívio misto.
- Grande serão as provações a que você estará exposto, meu filho - diz Walter baixinho.
Do outro lado um galope traz a voz de Jerônimo, o braço direito de Crisóstomo nos tempos antigos. - O que
é isso afinal, Walter? - disse ele. - Vai querer nos impor um bastardo como chefe? - seu cavalo balancando a
cabeca relinchou como se enfatizasse a pergunta.
- Quem estiver com esse menino estará contra Crisóstomo e contra mim; honrarei sua memória - disse um
outro a seu lado.
Takeda olhou para o menino e para Jeronimo, para Walter.
- Então, Jerônimo, estou contra você.
No tiroteio, ninguém se deu conta de que o menino sumira.
O corpo ensanguentado de Takeda entrara carregado por maltrapilhos . Agora esta deitado e Alice Eiko, a
filha adolescente, coloca compressas e faz curativos. Um outro homem entrou ofegante. Estavam
encurralados, disse. Jerônimo cercara a fazenda. Devem invadir a qualquer momento. As balas zunem e
ricocheteiam. Rastros de fumaça e ecos pela floresta.
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Um vilarejo no fim do mundo. um forasteiro. a partir de sua chegada, terão de lidar com as conseqüências funestas de seus pecados.
Preferia acreditar que não seriam capazes de nada além das costumeiras chacotas.
Julgava-os apenas crianças. Crianças más às vezes é verdade; mas apenas crianças.
Recusava-se a crer que pudessem fazer algum mal à sua mulher, ainda mais
acompanhada da filhinha. Não eram pessoas assim hediondas. Mas havia mais de três
horas que ela saíra para comprar mantimentos e da casa na encosta do monte até o
vilarejo não passava de uma hora de carroça e outro tanto para voltar. Trovões
anunciam a tempestade. Largou o machado que brandia e limpando as mãos calosas
no brim grosso da calça entrou na pequena habitação. Não. Nada havia acontecido.
Mas ia começar a chover forte. Na verdade, com o frio que fazia, era possível que
nevasse. O vento varria em redemoinhos.
Quando entrou viu pela janela que dava para leste a vermelhidão do céu e do
outro lado nuvens pesadas cobriam o monte. Mas como explicar aquela rubríssima luz
entrando em seus olhos vinda do firmamento? Crepúsculo sombrio. Nuvens pairavam
baixas carregadas de opressão. Saiu. Não se vê um palmo à frente. A noite desce
ameaçadora. Ele precisa ir à cidade. Não que tivesse acontecido alguma coisa com sua
mulher e sua filha. Estariam protegidas da tempestade na casa de Fiodor. Ninguém na
cidade seria capaz de lhes fazer mal. Não precisava se inquietar. Devia apenas ir
encontrá-las pois talvez precisem dele para colocar as coisas na carroça. Não estão
vestidas de modo adequado. Levar-lhes-á agasalhos. Realmente faz muito frio.
Foi um ano difícil, pensa enquanto prepara o cavalo. Novembro era um mês
especialmente árduo para os homens das montanhas. O tempo das primeiras
nevascas. Começou a sentir os pingos de chuva. Gostava do cheiro da chuva na terra
mas naquele momento respirou-o como enxofre. Uma angústia insuportável. A voz do
vento severa e gelada. Contemplou as cores fortes do horizonte. Ondas de fumaça
trazidas pelos círculos. O cheiro de fogo substituiu o cheiro da chuva e envolveu suas
recordações...
Desemboca na praça onde o juiz de paz, Fiodor, vive com a mulher, Helena, e os
filhos – Érika – uma bela jovem de 19 anos – e Marco – um forte rapaz saído da
puberdade. Moravam no andar de cima do cartório onde o pai raramente exerce sua
profissão. O cartório é contíguo à mercearia de onde tira o sustento da família. O
movimento basta para que ele renove o estoque por meio de um mercador itinerante
com o qual divide riscos e lucros. Ali vende aviamento para roupas e material escolar,
vestimentas de montaria e garimpo, facões e ração e alguns tipos de comida pronta.
Agora Maggie está ali. Compra o que precisa para receber seu irmão. Talvez o
convença dessa vez a ficar e usufruir permanentemente da paz que a cidade grande
não propicia. Enfatizarah para convence-lo a subsistência simples mas sem
sobressaltos. Bandidos, o que poderiam querer num fim de mundo como aquele, onde
a mina estava desativada e nunca chegou a funcionar um banco? Por essa paz – e por
que mais? – os que permaneceram após a exaustão do subsolo preferem viver a
decadência da cidade. São mais felizes agora do que em sua época áurea.
Ao lado da praça numa elevação junto à ravina seca ergue-se a igreja local. Faz
também o papel de escola. Autoridades federais acreditam que isso não é adequado
mas estão longe demais. No chão, mistura-se a terra trazida por uma infinidade de
botas de mineiros que aos domingos iam agradecer a benção das pepitas. Isso agora é
nostalgia. O sino só repica de trinta em trinta dias, quando um padre da região vem
celebrar a missa mensal do arrependimento.
Fiodor faz parte de um ciclo bem definido em que há terra e trabalho. Benjamin
vende charques na quantidade presumida da procura que ele antecipa pela
experiência. Ian e sua mulher, Nadja, são seus melhores fregueses mas estão restritos
às necessidades das pessoas cujos calçados ele produz ou conserta. É ele quem se
aproxima agora da loja de ferramentas de Walt. Os rendimentos de Walt crescem ou
diminuem na proporção das visitas do açougueiro. Tanja costura para fora, vive disso.
Todos comem carne. Nem todos substituem ou afiam regulamente suas pás e enxadas
e uma boa parte das pessoas costura as próprias roupas.
Não é uma vida fácil. Todavia tranquila. Como o profundo oceano ao pôr-do-sol o
que se vê é perfeita serenidade.
Homem bonito o jovem forasteiro que ali desembarcou. Ele achava que haveria
alguém por ali que negociasse pedras preciosas. É que encontrara uma.
Fazia muito calor quando ele chegou. Coiotes e lobos vagueavam ao redor
pelas colinas.
Então Dan, o condutor, imaginou que ele veio reencontrar um velho amigo e
expressou isso em palavras. O vento em seu rosto as levou até o rapaz que respondeu.
Não conhecia qualquer pessoa naquele lugar.
– Mas meu Deus que diabos faz você nesse fim de mundo?
Disseram que havia ouro. E comerciantes de ouro. E ele encontrara uma grande
pedra.
- Aqui não há ouro faz tempo. É só um lugarejo que não quis se tornar uma
cidade-fantasma.
- Então?
– O que não há é um jeito de ir para esses lugares agora além desta carroça.
- O senhor está zombando? Eu cheguei no lugar onde o senhor parou para mim
em uma diligência.
- Mas por que eu haveria de zombar? A tal diligência mudou o trajeto porque a
estrada principal estava interditada até o dia anterior.
O rapaz não queria ofender, mas insiste. - E se alguém precisar sair da cidade e
o senhor não estiver?
– Não entendo como alguém sobrevive num lugar indecente como esse - disse
ele.
Uma semana naquela cidade. Sim. Compreendeu enfim e não se sentiu mal. O
pesadelo estava no passado e pela primeira vez na vida tinha muito dinheiro nas mãos.
Uma semana de férias num lugar longe da civilização. Um descanso. Pela primeira na
vida sentiu alívio que não provinha de suicídio.
A primeira impressão que alguém teria ao ver o rapaz naquele momento seria a
mesma que, ao refletir sua figura, o espelho invocava. Havia desolação à janela do
quarto e ele ali lembra uma estátua cinzenta marcada pelo movimento do sol. Ao
longe o barulho contínuo de um moinho. Portas e assoalho que rangem. Vozes ao
longe. Passarinhos cantam em tamanho calor? O perfil triste recebe as últimas luzes do
dia.