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RAIZES DO BRASIL — livro curto, discreto, de poucas citagdes — no entanto sew éxito de quatidade foi imediato e ele se tornou um cldssico de nascenca. AnTén1o CANDIDO LIVRARIA JOSE OLYMPIO EDITORA apresenta na Am COLECAO DOCUMENTOS ry i" BRASILEIROS (DIRECAO DE AFONSO ARINOS DE MELO FRANCO) © VOLUME N.° 1 SERGIO BUARQUE DE HOLANDA RAIZES DO BRASIL 19361976 nona edi¢éo—comemorativa do jubileu de esmeraida, do livro e da colegéo RIO DE JANEIRO/1976 a : a aid clapasig er aae se aca tu, porgunta: “Porque, ye que et sobereno Artiice to esta artesonada boveda, del mundo con tanto} que no las dlspuso, decia yo, con orden Y co ‘niodo que eniretejieron vistotos laz0e y formaron primorosos teborest votre te entiendo, acudié Critilo, quisiera tu que estuvieron dis picestis en Jorma, ta de i ariifitoso reeamada, ya de un precioso Joel, repartidas’con arte y correspondencia. ‘cco mismo, Pordue @ més de que campecran otro tanto teh expectdculo muy agradable a le vista Grilantsimo artic fie, destrise con eso del todo el divino hocedor aquel neco es Eripulo de haberse hecho deaso y declaraba: de todo punto sw di Sine Providencia' ist * "via cabe naturalmente a Critil para quem a Di- Yomando's separtn as eteli,atendeu 4 outta @ inais importante correspondénela, "qual lo es de'eus movimientos fj Squel templarse de tnfluencia ‘Baltaror Graciéa, Critieéa”, Odrar Completes (Dadri, 1944), pt 435, 100 5b. deh. v O HOMEM CORDIAL ANTIGONA 2 CREONTE—PEDAGOGIA MODERNA B 4s VIRTODES ANTIPAMILIARBS—PATRIMONIA- Lisuo.—0“H6MEM CORDIAL” —AVERS40 408 Vind SOGL4L, Na LINGUAGEM, NOs NiGOOIOS. —A°RELIGIIO E 4 ExALT4Gdo DOS VALOEES ‘ooRDIAIS. O scrape wio # uaa ampli so do cfrculo familiar o, ainda menos, uma integragio de certos Agrupamentos, de eertas vontades particularistas, de que a fa- rilia 6.0 melior exemplo. Nao existe, entre o cireulo familiar ¢ o Hstado, una. gradaséo, map ant tine deseontinuiade © alé "A indistingas Fandamental entre as dias formas tico que teve os seus adeptos mais entusiastas durante o séeulo décimo nono, De acordo com esses doutrinado- res, 0 Hstado e as suas instituigdes descenderiam em linha reta, e por simples evolupdo da Famili, & verdade, bem ours, é qué Ga ordem domésticae familiar € que nasco 0 Btado'e que 0-sin- les individuo se Fax cidhidae, contrit leitor,-clegivel; re- erutavel e respousavel, ante as leis da C ‘HA nesse fate" um triunfo do geral sobre-o particular, do ‘intelectual sobre o mate- Hial, do abstrato sobre o eorpére0 0 éo uma depuragio sucessiva, uma espiritualizacéo de formas mais naturais ¢ rudimentares, uma, procissdo: das hipéstases, para falar como na filosofia ale- xandrina, A ordem familiar, em sua forma pura,’é abolida por ‘uma transcendéncia. ‘Ninguém exprimiu com mais intensidade a oposigio ¢ mesmo a ineompatibilidade fundamental entre os dois prineipios do quo Séfoeles. Creonto encarna a nogdo abstrata, impessoal da Cidade em luta contra essa realidade conereta e tangivel que 6 a familia, Antigona, sepultando Polinice contra as ordenagdes do Estado, atrai sobre si a oélera do irmio, que nfo age em nome de sua vontade pessoal, mas da suposta vontade geral dos cidadios, da atria: E todo aquele que acima da Pétria Coloca seu amigo, eu 0 teret por nulo, ratzes-do br. 101 0 conflito entre Antigona ¢ Creonte 6 de todas as épocas preserva'se sua veeméncia ainda em nossos dias. Em todas as ulturas, 0 processo pelo qual a lei geral suplanta a lei parti- cular Zaz-se acompanhar de erises mais ow menos graves e pro- ongadas, que podem afetar profundamente a estrutura da sotie- dade, O estudo dessas crises constitui um dos temas fundamentais Ga historia social. Quem compare, por exemplo, 0 regime do tra rages ¢ grémios de artesios com a “es- eravidio dos salérios” nas usinas modernas, tem um elemento precioso para o julgamento da inquietagdo social de nossos dias. Nas velhas eorporagdes o mestre e seus aprendizes ¢ jornaleiros formavam como uma s6 familia, cujos membros se sujeitam a uma hierarquia natural, mas que partilham das mesmas priva- ‘es e confortos\Foi o fnederno sistema industriallque, separando adores e empregados nos processos de manufatura ¢ do eada vez mais suas fmgdes, suprimiu a atmosfera jade que reinava entre uns ¢ outros ¢ estimulow os an- .O novo regime tornava mais fécil, além iso, ao capi ‘explorer o trabalho de seus empregados, a \ tee de salarios infimos. ‘Para o empregador moderno—assinala um sociélogo norte-ame- ricano—o empregado transforma-se em um simples miimero: a relagio humana desapareceu. A produedo em larga eseala, a or- ganizagio de grandes massas de trabalho e complicados ‘meca- hhismos para colossais rendimentos, acentuou, aparentemente, ¢ exacerbou, a separagio das classes produtoras, tornando inevi- tavel um sentimento de irresponsabilidade, da parte dos que di- rigem, pelas vidas dos trabalhadores manuais. Compare-se 0 sis- tema da produgio, tal como existia quando o mestre e seu apren- diz ou empregado trabalhavam na mesma sala e utilizavam os mesmos instrumentos, com 0 que oeorre na organizagio habitual da corporagio moderna. No primeiro, as relagdes de empregador fe empregado eram pessoais e diretas, néo havia autoridades in- termedidrias, Na Gltima, entre o traballiador manual eo derradei- ro proprietério—o acionista—existe toda uma hierarquia de fun- tados pelo superintendente da nte da corporagio, © proprio conselho de diretoria. idade por acidentes do trabalho, jiémicas, se perea de ‘A crise que acompanhou a transicfo do trabalho industrial agiui assinalada’ pods dar uma"idéia pélida das dificuldades que 12 F, Stuart Chapin, Oultural Change (Nova York, 1928), pg. 261. 102s. b. deh. se optem & aboligo da velha o a3 institiigdes as relagbes soe ‘ratos, tendlem a substituir-sé a Tioje persistem, aqui e ali, mes dessas. Tamniliag“retardat obedieiites a0 vellio ideal qu soos fil nas pata o efteulo doméstico,. Mas essas mestias tendem a desa- ‘parecer ante as exigéncias imperativas das novas condigdes de ‘Vida, Segundo alguns pedagogos ¢ psic6logos de nossos dias, a educagéo familiar deve ser apenas uma espéeie de propedéutica da vida na sociedade, fora da familia. E se bem considerarmos cada vez mais, a as teorias modernas, veremos que clas tende separar o individuo da comunidade doméstic assim dizer, das “virtudes” familiares, Dir-se-é que essa sepa- ragio e essa libertagdo representam as condigdes primarias e obri- gatérias de qualquer adaptagéo & “vida prética’ Nisso, » pedagorip centitien da atualidade togue rumos pre. cisamente 6postos tds que preconizavam os antigos métodos de gdueagio. Um dos seus adepto observar, por exemplo, que e obediéncia, um dos prin: isicos da velha educacéo, 96 deve ser estimulada na medida em que possa permitir uma adogdo razodvel de opinides ¢ regras que a propria conhega como formuladas por adultos que tenham experiéneia nos terrenos sociais em que ela ingressa. “Em particular—aeres- centa—a crianga deve ser preparada para desobedecer nos pon- tos em que sojam faliveis as provisdes dos pais”. Deve adquirir i wvidualidade, “‘imico fundamento justo s easos fregiientes em que os jovens so dominados pelas mies e pais na,escolha das roupas, dos brin- _quedos, dos interesses e atividades gerais, a ponto de se tornarem incompetentes, tanto social, como individualmente, quando néo psicopatas, so demasiado freqiientes para serem ignorados”. E aconselha: “no s6 os pais de idéias est os que séo extremamente atilados ¢ inteligentes, devem precaver- -se contra essa atitude false, pois esses pais realmente inteligen- tes slo, de ordindrio, os que mais se inclinam # exereer dominio sobre a erianga, As boas mies causam, provavelmente, maiores estragos do que as més, na acepeéo mais generalizada e popular destes voodbulos”.158 Com efeito, onde quer que prospere e assente em bases muito a-idéia de familia—e principalmente onde predomina a familia de tipo patriarcal—tende a ser preedria ¢ a lutar contra fortes restrigdes a formagao e evolugio da sociedade segundo con- night Dunlap, Oitied Life, The Principles ond Applications of Jehology (Baltimore, 1998), page 188- raizes do br. 108 ceitos atuais, A crise de adaptagio dos individvos ao mecanismo social 6, assim, especialmente sensfvel no nosso tempo devido ao decisive triunfo de certas virtudes antifamibiares por exceléncia, © sio, sem ditvida, que repousam no espirito de iva pessoal e na coneornéncia cidadios. Entre n6s, mesmo durante o Império, j4 se tinham tornado manifestas as limitagSes que os vineulos fainiliares demasiado es- tweitos, e nfo raro opressivos, podem impor & vida ulterior dos individuos, Nao faltavam, sem diivida, meios de se eorrigirem os inconvenientes que muitas vezes acarretam certos padrées de con- ula impostos desde cedo pelo efreulo doméstico. B nfo haveria grande exagero em dizer-se que, se os estabelecimentos de ensino superior, sobretudo os cursos juridicos, fundados desde 1827 em Sao Paulo ¢ Olinda, contribuiram largamente para a formagéo de homens piblicos éapazes, devemo-lo as possibilidades que, com ririam numerosos adolescentes arrancados aos seus ineios provinciais e rurais, de “viver por si”, libertando-se progressiva- mente dos velhos lagos caseiros, quase tanto como, aos eonheci- mentos que ministravam as faculdades. ‘A personalidade social do estudante, moldada em tradigdes acentuadamente particularistas, tradigdes que, como se sabe, cos- tumam ser decisivas ¢ imperativas durante os primeiros quatro ou cinco anos de vida da crianga,!® era forgada a ajustar-se, nesses casos, a novas situagdes ¢ a Hoyas relagées sociais que im- portavam na necessidade de uma revisio, por vezes radical, dos, interesses, atividades, valores, sentimentos, atitudes e erengas ad- (quiridos no convivio da faxnilia, ‘Transplantados para longe dos pais, muito jovens, os “filhos de que falava Capistrano de Abreu, 86 por essa forma conseguiam alcangar um senso de responsabilidade que Ihes fora até entio vedado, Nem sempre, é certo, bastavam para apagar noles 0 ‘vineo criada a0 contato de um meio patriareal, tio oposto as exigéncias de uma sooiedade de homens livres ¢ de inclinagdo eada vez, itévia, Por isso mesmo Joaquim Nabuco péde dizer que Srffios, os aban- nossa politiea e em nossa soviedade (...), s40 os donados, que vencem a luta, sobem e governam’ Tem-se visto como a erfticn ia contra a tendéncia re- ‘ente de alguns Hstados para a eriagio de vastos apare seguro e previdéneia social, funda-se unicamente ixarem margem extremamente diminuta & agéo individual ¢ institutos condenam toda ipria de uma époce que, pela primeira vex na hist6ria, se erigiu a concorréncia fre 03 cidadios, com todas as suas conseqiiéneias, em valor positive. ‘Aos que, com raziio de seu ponto de vis 5 ‘08 parecidos os mbitos familiares excessivamente estreitos ¢ gentes, isto é aos que os condenam por cireunsereverem de- masiado os horizontes da erianga dentro da paisagem doméstica, pode ser respondido que, em rigor, $6 hoje tais ambientes chegam fa constituir, muitas vezes, verdadeiras escolas de inadaptados ¢ até de psicopatas. Hm outras épocas, tudo cont harmonia e maior coineidéncia entre as virtudes que se formam ¢ se exigem no recesso do lar e as que asseguram a prosperidade social e 2 ordem entre os cidadios. Nao esté muito distante 0 tempo em que o Dr. Johnson Zazia ante o seu biégrafo, a apolo- tia crue dos eastigos corporais para os edueandos e recomendava a vara para “o terror geral de todos”. Parecia-the preferivel esse ‘a que se dissesse, por exemplo, ao ahino:—Se fizeres isto lo, serés mais estimado do que ten irmAo.ou tua irmi.— jgundo dizia a Boswell, a vara tem um efeito que ter- ‘em si, a0 passo que se forem incentivadas as emulagses e as comparagies de superioridade, lancar-se-f0, com isso, as bases de um mal permanente, fazendo com que irmios e irmis se de- 108 outros. (e yerou, desde tempos remotes, o tipo primi- tivo da familia patriareal,’o desenvolvimento da, urbanizacio— {que nfo resulta unieamente do erescimento das cidades, mas tam- Bem do cresimento dos meios de comunicagi, atraindo vatar reas rarais para a esfera de influéneia des cidades—ia acarretar | 4o social, eujos efeitos permanecem vivos ainda um desequil ‘Assinn, eles se catacterizam justament cionério “patrimonial” do puro buroerata conforme a definico de Max Weber. Para o funcionério “patrimonial”, a propria. Geiger os fithos na orfondade, aienon Byietoto, porque sabia que no he Grfos no mundo.”—Joaquim Nabuco, op. ott, T, pig. 5. raizes do br. 105 gosto politica apresenta-ce como assunto de seu interesse parti- cular; as Fungées, os empregos é'os beneticios que deles autere, im-se a direitos pessoais do funcionsrio e nfo a interesses no verdadeiro Estado buroerstico, em que izagio das fungies ¢ 0 esforgo para se as- prevaleeem a esp segurarem garantias juridicas aos cidadios.15° A escolha dos ho- mens que irfo exereer fungSes piiblicas faz-se de acordo com a confianga pessoal que meregam os candidates, e muito menos de acordo com as suas eapacidades préprias. Falta a tudo a ordena- gio impessoal que caracteriza a vida no Estado buroerético. O ionali i pode, com, progressiva dvisio das as zagho, adquirir tragos buroerdti mais caracterizados estejam os ‘pode dizer-se que s6 exeepeionalmente tivemos um istrativo e um corpo de funciondrios puramente ‘uma ordenacio impessoal. Dentre esses o da familia aquele que se exprimiu com ura em nossa sociedade, E um dos efeita macia inéontestivel, absorvente, do micleo familiar—a esfera, por exeeléncia dos chamados “contatos primarios”, dos lagos de’san- gue e de coragiio—esti em que as relagGes que se eriam na vida Gomésticn sempre forneceram o modelo obrigatério de qualquer composigio social entre nés. Isso ooorre mesmo onde as institui- ges democraticas, fundadas em prinefpios neutros e abstratos, pretendem assentar a sociedade em normas antiparticul mol6gica, eo nia tivesto sido contrariamonte intarpretada em obra recente storia do Sr, Cassiano Beardo onde 20 Thomem cordial dos antepo dade assim entondida 0 ros, quo sort a bondade © at6 mesmo carta 106 sb. deh. fluéneia ancestral dos padrées de convivio humano, informados ‘rural e patriarcal, Seria engano supor que essas virtades “boas maneiras”, eivilidade. Sio antes de tudo ‘de um fundo emotive extremamente rico € transbordante. Na civilidade hé qualquer eoisa de coereitive— ela pode exprimir-se em mandamentos e em sentengas. Entre os onese se sabe, a polides envolve os aspectos mais fa a ponto de confundirse, por fato significative, de que as formas exteriores de veneragio a divindade, no cetimonial xintofsta, nfo diferem essencialmente das maneiras sociais de demonstra respeito. ‘Nenhum povo est mais distante dessa nogio ritualista da vi do que o brasileiro. Nossa forma ordingria de eonvivio soci no fundo, justamente o eontrério da polidez, Ele pode il aparéneia—e isso se explica pelo fato de a atitude precisamente em uma espécie de mimica deli nifestagdes que so espontineas no “homem cordit natural e viva que se converteu em f6rmula, Além di de algum modo, organizagio de defesa ante a sociedade. Detém- epidérmiea do individuo, podendo mesmo io, de pega de resisténcia, Hquivale a um ri a cada qual preservar intatas sua sensi- fe semelhante padronizagio das formas exteriores da cordialidade, que néo precisam ser legitimas para se manifesta- da bondade”, “uma bondade mais envolvente, mais politica, mais storlament, sr nat tao odie fen, quando multe, benevol maior extsnato d¢_concetto , sendo ‘pablien ow epee errr) terrae ss} ff des Politischen, Hamburgo, ‘a. [1983], pag. raizes do br. 107 yom, revela-se um deci mado dessa mascara, reduz o individuo,“eada vez mais, 2 parcela que no brasileiro—eomo bom amerieano—tende a ser a que mais importa. Hla ¢ antes um viver nos outros. Foi a esse tipo huma- no que se dirigiu Niet i ‘v6s mesmos vos faz ‘Nada mais signifi ial, que cexige, por vezes, ume personalidade fortemente homogénea e equi- librada em todas as suas partes, do que a dificuldade em que se sentem, geralmente, os brasileiros, de uma reveréncia prolongada ante um superior. Nosso temperamento admite f6rmulas de reve dos portugueses, tio. préximos de n6s em tantos aspectos, 203 titulos e sinais de reveréncia, ‘No dominio da lingiiistica, para citar um exemplo, esse modo de ser parece refletir-se em nosso pendor acentuado para o em- terminagao “inho”, aposta as palavras, izar mais com as pessoas ou os objetos ¢, Ihes dar relévo. 11 a maneira de fazé-los mais acessiveis aos sentidos.e também de aproximi-los do cora- ‘qo. Sabemos como é freqiiente, entre portugueses, o zombarem , abusos tio idioulos para eles quanto o é para nés, muitas vezes, a pieguice itana, Inerimosa e amarge." Um estudo atento das nossas for- “Ti Prtedrien Niotescho, Werke, Alfred Kroner Verlag, IV (Caiprig, ». 4, pl 65. aoe, is le ey no afoedlogse om torran de lingua. cclimente de Ams Speubt (Andheri Salam fee a abuninein da fe istntn, projuiea 0 fsaeintarprotar abuso do diminutivos como particuleismo do cada via. ‘Resta admin, eontudoy gu0 ee je um trapo ao regional, alin: enguanto 0 cidade mas sintéxieas traria, sem dévida, revelagies preciosas a ésse respeito. ‘A mecma ordem de manifestagées pertence certamente a ten- @éneia para a omissfio do nome de familia no tratamento,sgcial Em regra 6 0 Homie iHaivfdtal, de hatismo, que pievalece. Essa yendéneia, que entre portugueses resulta de uma tradi¢o com vyelhas raizes—como se sabe, os nomes de familia s6 ontram a predominar na Europa cristae medieval a partir do séeulo XII acentuou-se estranhaments entre nés. Seria talvez plausivel re- sugestZo de que o uso do simples prenome importa em sbolir psicologicamente as brreiras determinadas pelo fato de existirem familias diferentes e independentes umas Gas outras. Corresponde atitude natural aos grupos humanos itando de bom grado uma disciplina da simpatia, da “ con- , Tepelem as do raciocinio abstrato ou que néo tenham como findamento, para empreger a terminologia de Téunies, as ‘comunidades de sangue, de lugar on de esp’ 0 desconhecimento de qualquer forma de convivio que'nfio seja que nfo desaparece sequer nos tipos de atividade que devem ali- mentar-se normalmente da coneorréneia, Um negociante de Fila- manifeston certa vez a André Siegfried seu espanto 20 ar que, no Brasil como na Argentina, para conguistar um frogués tinha necessidade de fazer dele um amigo. licismo, tio caracteristico, que permite tratar Gardtor cultural, uma forma relagbes coloquiais, que. 6a gua fata 9 bun Patto do 101 André Slogfsiod, Amérique Latino (Pais, 1994), pg. 148. rafees do br. 109 temo, que se acomoda mal as cevimOnias Ho que também ocorren com o nosso menino Jesus, companheiro ‘de bringuedo das exiangas e que faz pensar menos no Jesus dos evangellios eandnieos do que no de cértos apSerifos, principal- monte as diversas redagSes do Evangelho da Tnfincia, Os que em Sao ma um historiador— lo. Cada easa loves se ajoelham ante ‘a e os santos 38 nfo ‘ssa aversao ao Pitta ginar—com wm sentimento Newman, em profundo lesa Ineraria so estivesse ie que a nagio is supersticiosa, more bigoted, ‘mente 0 nosso culto sem obrigagdes e sem ri liar, a que se poderia chamar, com alguina impropriedade, eursosiologie des “Mitel 1851), peg 389. sava no fiel todo esforgo, toda diligéncia, toda tirania sobre si mesmo, o que corrompen, pela base, o nosso sentimento religioso. & significativo que, ao tempo Ga famosa questio eclesiéstica, no Império, uma luta furiosa, que durante largo tempo abalou 0 pais, se tenha travado principal- mente porque D. Vital de Oliveira se obstinava em nfo aban- donar sen “excesso de zel ngular é que, entre os acusadores do bispo de Oli igéiicia que parecia imperdodvel ¢ eriminosa, figurassem nfo poueos eat os, ou que se imaginavam sinceramente catélicos. Avuma idade de superficie, menos atenta uo sentido intimo das eetiménias do que a0 elorido e & pompa exterior, ‘quase carnal em seu apogo ao conereto e em sua rancorosa incom. preensio de toda verdadeira espiri i so mesmo que pronta a acordes, ninguém pedi se elevasse a produzir giosidade que se perdia e eqs) por sso mesmo, m0 th que o fato chegaria a alarmar o pi pelos peri ‘A pouca devocdo dos brasileiros e até das brasile que se impSe aos olhos de todos os viajantes estrangeiros, desde os tempos do Padre Fernéo Cardim, que dizia das pernambucanas “muito senhoras ¢ nao muito, devotas, nem ‘povo comparece como se 's, a maioria dos pre- yet a eomnunhEo da mio do bispo. Olhavam a direita © a esquerda, conversavam antes desse momiento solene ¢ ree0- 7 is”. As ruas, acrescenta powco a jam apinhadas de gente, que cortia de igroja Ja, mas somente para vé-las, sem 0 menor sinal de fervor ‘Forno Cardim, Tratedos da Terra ¢ Gente do Brasil (Rio de Janeiro, ig. 284, ‘do Saint-Hilaire, Foyage an Bio Grande do Sut (Orléans, ag. 587. raizes do'br. 111 Em verdade, muito pouco se poderia esperar de uma devogio que, como essa, quer ser continuamente sazonad: imen- almas, hd de ferir prime’ (do e da mixérdia, da jo- rm todas essas eelebra- vialidade e da ostentagio que earaet 05 gloriosas, pomposas, esplendorosas”, nota o Pastor Kidder, j4 nfo digo estimulo, mas ao menos Iu espiritual, precisaré ser singularmente mnte, de meados do séeulo passado, ma- nifesta profund sobre a possibilidade de se implanta- rem algum dia, no Brasil, ormas mais rigoristas de culto. Conta- vse que os préprios protestantes logo degeneram .aqui, exelama. E acreseenta: “8 que o clima nfo favorece a severidade seitas nérdicas, O austero metodismo ou o puritanismo jamé Florescerio nos trépicos”.!° "A. exaltagio dos valores cordiais ¢ das formas concretas e sen- siveis da religifo, que no catolicismo tridentino parecem repre- sentar uma exigéneia do esforgo de reconguista espiritual e da propaganda da #6 perante a ofensiva da Reforma, encontraram entre nés um terreno de eleigdo ¢ acomodaram-se bem a outros aspectos tipicos de nosso comportamento social. Em particular a nossa aversio ao ritualismo 6 explicivel, até certo ponto, nesta “terre remissa ¢ algo melancéliea”, de que falavam 08 py observadores europeus, por isto que, no fundo, o ritualismo nos é necessério, Normalmente nossa reagio a0 mei , pols, para se abando- a tod dias, gestos ¢ formas qe enc em Sea camiinho, assimilando.os freqlientements_sei.maiores di- sigulgadea, ~~ “ WO Roy, Daniel P, Kidder, Sketches of Residence and Travels in Brasil, GLondves, 1866), pig. 187: oe Thomas Ewtanle Life in Brastt or a Jouraal of a the Cocoa and the Paim (Nova York, 1956), pag. 239- land of U2 « b.deh VI NOVOS TEMPOS FINIS OPERANTIS0 SEN7IDO DO BACHARE. 408 LIVROS—A MIRAGEM DA ALFABBTIZAGAO. “0 DESENCANTO D4 BRALIDADE. Eoca sraio xuna osocial esti Jonge de constituir um fator aprecidvel deordem coletiva: Por ‘goo mestio que relutazios emi aseitar um principio superindivi- ‘Viduo, nesse caso, afirma-se ante os seus semelhantes indiferente a lei geral, onde esta lei contrarie suas afinidades emotivas, e enas a0 que o distingue dos demais, do resto do mundo, 1, 86 raramente nos aplicamos de corpo e alma a um objeto yr a nés mesmos. E quando fugimos & norma é por simples descompassado e sem controle, jam: gula- dos por livre iniciativa, Somos notoriamente avessos as atividades morosas ¢ monétonas, desde a criagio estética até as artes servis, em que o sujeito se submeta deliberadamente a um mundo dis- tinto dele: a_personalidade individual difi comandada por um sistema-exigente,¢ diseiplinador. (aise ‘03 brasileiros que se presumem intelectuais, a facilidade com que se alimentam, ao mesmo tempo, de doutrinas dos mais variados matizes e com que sustentam, simultaneamente, as con- viegdes mais dispares. Basta que tais’doutrinas e conviegies se Possam impor & imaginago por uma roupagem vistosa: palavras bonitas ou argumentos sedutores. A contradigio que‘porventura possa existir entre elas parece-lhes tio pouco chocante, que al- entusiasmo, se todos os nossos homens de grande talento sio um pouco dessa expécie, io hé, talver, nenhum exagero em dizer-se que qua- ratzes do br. 113 No trabalho nio buseamos sendo a prépria satisfagdo, cle tem eamos ¢ niio na obra: um finis operantis, niio ‘um finis operis, As atividades profissionais slo, aqui, outros pavos, onde as proprias palavras que indie atividedes podem adquirir acento quase religioso." ‘Ainda hoje sfio raros, no Brasil, os médieos, advogados, enge- Deus oH ase dove alo got tem mio Be ee Bee depois, em voltar para a tropa funcionério péblico esforsa-se ¢ 0 mais talentoso engemheiro mi oct sngo de arreeadador ie alffindega. O oficial de marinha aspira ao uniforme de chefe de esquadra. Ocupar cinco ou seis eargos ao mesmo tempo nio exereer nenhum, 6 coisa nada rara”. Dacharsis, que ios ens Poueas terras, por exe “praga do bacharelis jue se seguiram & durante os ano 6 notéria a im 08 graduates na Nova. do puritanismo cont terra de advogados, onde apenas os cida- reito ascendem em regra As mais altas po- ja observar que, ainda nesse singularidade: advogados de pro- fiseio foram em sua mi ‘membros da Convengéo de Fila. ie,!6 advogados séo ainda em nossos dias, metade dos ele- seentos das Teptdaturas estaduais o do. Congresso dos Estados Unidos; advogados tém sido todos os presidentes da Repiblica norte-americana que nfo foram generais, com as tinicas excegdes de Harding e de Hoover. Exatamente como entre nés, As eriti- teas a esse Lato sio lé quase to freqtientes quanto aqui e jé se Iembrou o contraste evidente com o que ocorre na Gra-Bretanha, ‘onde nfo houve um tinico primeiro-ministro advogado durante todo o séeulo que vai de Perceval a'Asquith.!7° . ‘Apenas, no Brasil, se fatores de ordem econdmica ¢ social— [comuns a todos os paises americanos—devem ter contribuido lar- ‘gamente para o prestigio das profissdes liberais, convém mio es- quecer que © mesmo prestigio J4 as cereava tradicionalmente na fmie-pétria, Em quase todas as épocas da histéria portuguesa ‘uma carta de bacharel valeu quase tanto como uma carta de mmendagio nas pretenses a altos cargos ptiblicos. No século XVII, a erer no que afianga e Arte de Furtar, mais de cem estu- Gantes conseguiam colar grau na Universidade de Coimbra todos ‘08 anos, a fim de obterem empregos piblieos, sem nunca terem estado em Coimbra. ; ; ‘De qualquer modo, ainda no vieio do bacharelismo ostenta-se também nossa tendéncia para exaltar acima de tudo a persona- Tidade individual eomo valor proprio, superior as contingéncias. ‘A dignidade e importincia que confere o titulo de doutor per- item ao individuo atravessar a existéncia com disereta compos- ‘ura e, em alguns casos, podem liberté-lo da necessidade de uma caga incessante aos bens materiais, que subjuga ¢ bumilha a per- sonalidade. Se nos dias atuais o nosso ambiente social j4 mo permite que essa situagdo privilegiada se mantenha cabalm © se 0 prestigio do bacharel 6 sobretudo uma reminiseéncia de condigdes de vida material que j6 ndo se reproduzem de modo leno, o certo 6 que a maioria, entre nés, ainda parece pensar hesse particular pouco diversamente dos nossos avés. Q que im- i fio exereida “pelas me al a es ‘personalidide. Dai, também, 0 fato“de jm um ambienle’ do” vida maverial que “Naoe outro, alias, 6 motivo da ansia 70 Zechariah Chaos, An Inquiry by Trt 2 UG sb. deh. (Sova! York, 1922 exigindo, ao mesmo tempo, um mfnimo de esforgo pessoal, de aplieagio e sujeigio da personalidade, como sucede tio freqiien- temente com certos emprogos piblicas. ‘Um amor pronunciado pelas formas fixas e pelas leis genéricas, Tepresentam um repouso para a imaginaglo, compardvel a exi géncia de regularidade a que o compasso musical eonvida o corpo do dangarino, O prestigio da palavra eserita, da frase lepidar, do pensamento inflexivel, 0 horror ao vago, a0 hesitante, ao flu do, que obrigam a eolaboragao, ao esforgo e, por conseguinte, & cotta dependéncia e mesmo abdicagéo da personalidade tém de- ‘terminado asslduamente nossa formagio espiritual. ‘Tudo quanto dispense qualquer trabalho mental aturado e fatigante, as idéias laras, licidas, definitivas, que favorecem uma espéeie de atonia a inteligéneia, parecem-nos constituir a verdadeira esséncia da sabedoria, ¢ entre outros povos parentes do nosso, combo Cl ¢o Mexico, Justamente por esse repouso que per i nigbes inresistfyeis e impevativas do adeptss, a grandeda, a importanci tamente & sua eapacidade de resi lesée sistema prende-se exa- a fluides e & mobilidade da vida, ® realmente edificante certeza que punham aqueles ho- ‘mons no triunfo final das novas idéias..O mundo acaharia inrevo- 96. porque efarh, racionais,.s6-porque-a er_posta-eti-diivida.e.se-impunha obri- muito menos de anular o ascendente fatal de uma nova espiritualidade reclamada pelo eonjunto das necessidades humanas. Q mobilidrio cientifico © intelectual que © Mestre legou i Humanidade bastaria para que se atendesse em todos os tempos e em todas as terras a semelhantes necessidades. E nossa histéria, nossa tradigéio, cram recriadas de acordo com esses prineipios inflexiveis. ‘Beerto que, em suas construgées polftions, os positivist lamente respeitar nosso'“estado preexistente”, nossa feigio propria, nossos antecedentes especiais, E assim, por exem- plo, em um documento datado de Homero de 102, isto é quando contévamos dois meses de vida republicans, propunhem que se subdividisse o pais em duas sortes de Estados: “os Estados Oci- dentais Brasileiros, sistematicamente confederados ¢ que provém da fusio do elemento europeu com o elemento aftieano ¢ 0 ele- ‘mento americano aborigine” e os “Hstados Americanos Brasilei- raizes do br. 117 ros, empiricamente confederados, constitufdos por hordas feti- ‘histas esparsas pelo territério de toda a Reptiblica; a federagio Geles limitar-se-ia & manutengdo das relagies amistosas hoje re- eouhecidas como tm dever entre nagies distintas ¢ simpéticas, dade de seus princfpios e pela certeza de que o futuro ‘i, e a0s seus contempordneos, segundo a conduta que adotassem, individual e coletivamente, com relagéo a tais prinefpios. ‘convicgdes defendiam-nos do resto do pais, no recesso dos gal netes, pois foram, todos eles, grandes ledores. E 9 fatalmente—o advérbio que figura com mais i escritos—por vir # les, por aceitar seus ensinamentos, por aca- instante chegaram a formar a aris- Uigentzia, Foram forgas com que Iutassem contra politicos—mais ativos e menos eseruptlosos. De Benjamim Constant Botelho de Magalhiies, hon- ado por muitos com o titulo de Fundador de riossa Repabli sabe-se que nunea votou, senfio no ‘iltimo ano da monar’ isso mesmo, porque desejou servir' a um amigo de familia, - selheiro Andrade Pinto, que se apresentava candidato a senato- ria, Costumava dizer que tinha nojo de nossa politica.’ E um dos seus intimos refere-nos, sobre sua atitude as vésperas de inau- gurar-se o novo regime que, naqu , ner Tia os jornais, tal a aversio que i BH ascim prossegue: “era-Ihe indiferente que governasse Pedro ‘ou Martinho, liberal ou conservador. Todos, na opinido dele, néo Tit Miguel Lemos ¢ R, Teixeira Mondos, Bases de uma Constituigdo Po- ‘eis Distal Pedra pore Replica Broce (0 de ‘Fanci, 172 R, Teixeira Mondes, Benjainim Coniton 2 uma apreciagtio sintbtics da vida ¢-da obra do Fundador da Reptbiica Brasileiro, (Rio de Janeiro, 1918), pég. 88. 18 «bide h. prestavam para nada. E eu ferenga e 0 pouco caso de Ben; ‘que em geral sio tio favori cago ; e procurava expli ticas, de alguma edu: izendo comigo mes- ie no se ocupava Ihe sobrava para seus estudos se dedieou com ardor e paixio”. ‘Mas os positivistas foram apenas os exemi i a iplares mais earacte- risticos de uma raga humana que prosperou consideravelmente ter consciéncia de si. jim puderam incorporar & menos como fachada ou decoragéo ex- quanto sent \déneia, as conqui {ite fisemos durante o decureo de nossa evoluglo p quase de surpresa; a grande massa do povo recebeu-as com dis- it lar, de uma eoneepeio da vida bem Getinida especifia, que tivese chegedo 4 maturidade plena, Os eampeses das novas idéias esqueceram-se, Gom freqiiéncia, de que as formas de vida smpre sio expressdes do arbitrio pessoal, mi sfazem” por deereto. A oélebre carta de © 15 de Novembro é documento TTR: Tesaira Mendes, op. cit, I, pag. 81 « oop. raizes do br. 119 Hlagrante do imprevisto que representou para nbs, a despeito de toda a propaganda, de toda a popularidade entre os mogos das academias, a realizagGo da idéia républicana, “Por ora—dizia 0 Gélebre paredro do novo regime—por ora a cor do govern é pu- are deveré ser assim. O fato foi dees, deles 6, jorayao de elemento civil foi quase aula, O povo Destializado, aténite, surpreso, sem eonhecer o que significava”. "A fermentagio liberalista que precedeu A proclamagio da In- dependéncia constituiu obra de minories exaltadas, sua reper- cusséo foi bem limitada entre-o povo, bem mais limitada, sem davida, do que o querem fazer crer os compéndios de histéria patria, Saint-Hilaire, que por essa época anotava suas impres- ses de viagem pelo ‘interior brasileiro, observa que, no Ho, as agitagdes do Liberalismo anteriores ao 12 de janeiro foram pro- movidas por europeus @ que as revolugdes das provincias par- tiram de algumas familias ricas e poderosas, “A massa do povo —diz—ficou indiferente a tudo, parecendo perguntar ¢ burro da fébula: Nao terei a vida toda.de carregar a albarda ‘imeaga nibs, om virtude dos aconigsi- a migragéo forgada da familia real_por- eiacMDSO erescente:Sosmopoltiamo de alguns centros urbanos nao constituiu perig inente para a supremacia dos senhores agrérios, supremacia apoiada na tra- Gigdo e na opinigo, mas abriu certamente novos horizontes © sugeriu ambigdes novas que tenderiam, com o tempo, a pertur- bar os antigos del ‘e lazeres da vida rural, Colhides de sti- bito pelas exigéncias impostas com um outro estado de coisas, sobretudo depois da Independéncia e das crises da Regéncia, muitos nfo souberam conformar-so logo com as mudancas, Desde ‘entdo comegou a patentear-se a distincia entre o elemento “cons- ciente” e a massa brasileira, distincia que se evidenciou depois, em todos os instantes supremos da vida nacional. Nos ‘08, a imprensa, nos discursos, a realidade comega a infalivelmente, a dura, a triste realidade, A transigio do convivio das coisas ele- mentares da natureza para a existéneia mais regular e abstrata das cidades, deve ter estimulado, em nossos homens, uma crise subterrénea, voraz. Os melhores, os mais sensiveis, puseram-se a detestar francamente a vida, 0 “crcere da vida”, para falar na Tinguagem do tempo. Pode dizer-se de nosso, romantismo que, mesmo copiando Byron, Musset, Esproiiceda, mesmo eriando um indianismo de convengio, j4 antecipado, em quase todas as suas ia dos-velhos padres eoloniais vin-se pela primeira TA, de Saint-Hilaire, op. olf pg. S81. 120 sb. deh. , por Chatesubriand e Cooper, ow quando transpés 0 mante de Hugo para as suas estrofes eondoreiras, 86 foi artifieioso e insincero om certas particularidades formais. Como em toda parte, os romnticos brasileiros trataram de abandonar o convencionalismo cléssico, tudo quanto pretendia fazer de nossa natureza tropical uma pobre_e ridicule earjcatura Gas paisagens areédieas, Fixando sua preferéncia no pessoal ¢ no instintivo, esse movimento poderia ter um papel mais pode- roso—e até certo ponto o teve. Néo precisou, para isso, deseer ‘205 fandos obseuros da existéncia, basto-Ihe contentar-se em ser espontineo. Nao nos trouxe, é corto, nade de verdadeiram ssimismo, 0 morrer de amores e até a sentimen dade lacrimosa que ostenta, constituem tracos caracter! tradigGo lirica que nos velo da metnépole. Ha mesino do mar nesse alastramento de uma so ide ferninina, deliat cente, Iinfatica, num momento em que, mal acordados para a vide Ge nagio independents, todas as nossas energias deveriam eon- certar-se para opor um anteparo aos estimulos negadores. iludir as aparineias a ponto de nos fazerem ver, nos movimentos de depressio e de exaltagio que ofereee essa literatura romfntica, muito mais do que uma super- fetacio na vida brasileira, nfo obstante a sinceridade fundamen- ‘al dos seus representantes tipicos. Tornando possivel a criagéo de um mundo fora do mundo, o amor as Tetras nfo tardou em {nstituir um derivative cOmodo para 0 horror & nossa realidade cotidiana. Néo reagiu contra cla, de uma reagio si ¢ fecunda, io tratou de corrigila ou doming-la; esqueseu-a, simplesmente, Ainda quando se punham a legiferar ou_a cuidar de organiza gio e coisas prétieas, os nossos homens de idéias eram, em geral, ures homens de palavras ¢ livros; nflo safam de si mesmos, de Sous sonhos ¢ imaginages. Tudo assim conspirava para a fabri- eagio de uma realidade artificiosa e livresea, onde nossa vida ‘verdadeira morria asfixiada. Comparsas desatentos do mundo que hhabitévamos, quisemos reeriar outro mundo mais déeil aos nossos desejos ou devaneios. Era 0 modo de nfo nos rebaixarmos, de ratzes do'br. 121. nfo sacrificarmos nossa personalidade no eontato de coisas mes- quinhas ¢ despreziveis. Como Plétino de Alexandria, que tinha ‘yergonha do préprio corpo, acabariam fatos prosaicos que fazem a verdadefra ‘vezes, penhor de sabedoriae indicio de superioridade mental, assim como o anel de grau ou a carta de bacharel. 1 digno de nota—diga-se de passagem—o valor exagerado que damos Jeretos; dir-se-ia que as idéias nao nos seriam acessfveis sem uma intervengiio assfdua do eorp6reo ¢ do sensivel. Dom Pedro II, ‘a0 seu tempo, um protétipo da nos 1a a devogio aos livros a ponto de se dizer dele, com ‘Bsse imperador, que alguém comparou a um pastor protestante oficiando em templo catético,"" nfo 6, em verdade, uma figura dos seus tragos pode mesmo comparar-se aos positivistas de que antes se tratou, eles também grandes amigos da pigina impressa, agrérios—os nossos homens de solar—tendé a ceder sew esta outra, gobretndo citadina, que é a do ti Porque com 0 declinio do velho mundo sentan ‘onspicuos essas novas elites, a aristocracia. do “ospirito’ riam naturalmente indicadas para o lugar vago. pare a Biogratia de D. Pedro 11”, Revista do Ins Geogrifioo Brasileiro, Tomo Eapecial (Rio de Janaire, dicts Hropr, “A Propbit de Dom Pedro TI", Perf de Bucldes 1 Outros Perfia (iho do Tancito, 1944), pag. 192 122 ab deh, Nenhuma congregagio achava-se tio aparelhade para o mister de reservar, na medida do possivel, teor essencialmente aristo- exético de nossa sociedade tradicional como a das pessoas de ima- ‘presenga des- ginagio cultivada e de leituras francesas, ‘sas qualidades, que se adquirem, em geral, numa adoleseéncia isentas de preceupagdes materiais imperiosas, bas- mais nfo fosse, para denuneiar uma estirpe de beati /- Mas hé outros tragos por onde nossa intelectualidade.ainda revela sua, missio nitidamente.conservadora-e-senhorial. Um de- es 6 a présunedo, ainda em nossos dias tio generalizada entre seus expoentes, de que o verdadeiro talento hé, de ser espontineo, de nascenga, como a verdadeira nobreza, pois os trabalhos e 0 estudo acurado podem conduzir ao saber, mas assemelham-se, por sua monotonia e reiteragdo, aos que -degradam 0 ho- mem, Outro 6 exatamente o voluntario alheamento ao miindo eir- pstamenteclonficen, en itor como se fossem uma colegio de pedras bri- jeterminadas teorias que trazem o endosso de ¢ dificeis, e pelo simples fato de o trazerem, parece enlagar-se estreitamente a semelhante atitude, E também a uma concepeéo do mundo que procura simplifiear todas as coisas para colocé-las mais facilmente ao aleance de raciocinios Bpreruluoos, Um mando complieado requereriproceios mentais oriosos e minudentes, excluindo por eonseguinte a sedugdo das palavras on £6rmulas de virtude quase sobrenatural e que tudo resolvem de um gesto, como as varas mégicas. ‘Nao tém conta entre nés os pedagogos da prosperidade que, apegando-se a certas solugées onde, na melhor hipétese, se abri- gam verdades parciais, transformam-nas em requisito obrigatério e ine de todo progresso. H bem catentacie para oe um Scamplo,o que ouorre com a miragem da alfabetagto do povo, Quanta inti retOree se tem esperdigado para provar que todos 08 nossos males ficariam resolvidos de um momento para outro se estivessem amplamente difundidas as escolas primérias e 0 raizes do.br. 123 conhecimento do ABO. Certos simplificadores chegam a sustentar que, se fizéssemos nesse ponto como os Estados Unidos, “em vinte por hipétese—diz ainda um deles—aue nos vinte e um Estados do Brasil os governos passados tivessem feito para a atualidade ‘uma populagio culte e um igual aparelhamento escolar, como 0 que se encontra em cada um dos Estados da Amérien do Norte, gragas 2 previsdo dos americanos. Nessa hipétese, estariamos no Brasil om um progresso espantoso em todos os nossos Bstados, ‘Todos eles estariam cortados de estradas de ferro feitas pela ini- ciativa particular, todos éles estariam cheios de cidades riquis- simas, cobertos de lavouras opulentas, povoados por uma raga forte, vigorosa e sadi ‘A muitos desses pregoctros do progresso seria diffeil convencer de que a alfabetizaggo em massa nfo 6 condigio obrigatéria nem sequer para o tipo de cultura técnica e capitalista que admiram ¢ eujo modelo mais completo vamos encontrar na América do Norte, H de que, com seus seis milhées de adultos analfabetos, 0s Estados Unidos, nesse ponto, comparam-se desfavoravelments a outros pafses menos “progressistas”. Em uma s6 comunidade de Middle West, de cerea de trezentas mil almas (e uma comu- nidade, por sinal, que se vangloria de seu prego as coisas de cultura, a ponto de se considerar uma segunda Boston) 6 maior o niimero de eriangas que nfo freqiientam e nfo se destinam as escolas, afirmava, nfo bh muitos anos, uma autoridade norte- americana em questGes de edueagio, do que em todo o Reich aleméo.1”8 Cabe acrescentar que, mesmo independentemente dosse ideal de cultura, a simples alfabetizagéo em massa nfo constitu talvez ‘um beneffcio sem-par. Desacompanhada de outros elementos fun- damentais da educagio, que a completem, 6 compardvel, em eer- ‘os casos, a uma arma de fogo posta nas mios de um cego. Essa ¢ outras pangeéias semelhantes, se de um lado pareeem indiear em seus predieadores um vicio de racioeinio, de outro servem para disfarcar um invencivel deseneanto em face das nos- sas condigGes reais. Variam os discursos de diapasiio e de contet- do, mas tém sempre 0 mesmo sentido e as mesmas secretas ori- gens. Muitos dos que eriticam o Brasil imperial por ter difundido uma espéeie de bovarismo nacional, grotesco e sensabordo, es- 177 Mario Pinto Serra, O Enigma Brasileiro (Sio Paulo, s. 4.), page. 10 87. Vie AJ. Toda, Theories of Social Progress (Nova York, 1984), pg. 528 0 segs. 1A sd. deh. com 0 tempo; o que dimi- le aos seus efeitos. ana, julgou-se, 6 certo, quecem-se de que o mal néo diminut nuiu, talvez, foi apenas nossa sensibil Quando se fez a propaganda rept introduair, com o novo regime, um supostas aspiragées da nacionalidade: o pais ia viver finalmente 96 na Amézicn, formes polities 2 inda um inci- prichosas e antiquad tamento negador o que animou os propagandist via entrar em novo rumo, porque “se envergonhava” de si mes- mo, de sua realidade biolégica. Aqueles que pugnaram por uma vide nova ‘ainda mais do que seus ante- cessores, a idéia de que o pats néo pode erescer pelas suas pré- prias forgas naturais: deve formar-se de fora para dentro, deve merecer a aprovagio dos outros. E justamente a esse respeito nfo 6 exagero dizer que nossa Repéblica foi, em mais de um ponto, além do Tmpério. Neste, pio do. Poder Moderador, chave de toda a organizagio ica e aplicagio da idéia de pouvoir neutre, em que Benja- min_ Constant, 0 europeu, definia a verdadeira posigio do chefe de Estado constitucional, corrompeu-se bem eedo, graces & inex- periéneia do povo, servindo de base para nossa monarquia tute ax, compreensfvel onde dominava um sistema agrario patriar ‘A divislo politica, segundo o modelo inglés, em dois partid Finalmente 0 préprio Parlamento tinha uma fungéo precipua a ‘cumprir dentro do quadro da vida nacional, dando a imagem vi- sivel dessa solidariedade e dessa luta. rotzes do br. 125 Vit NOSSA REVOLUQAO 48 AGITAQORS POLTICAS NA AMSRICA LATINA.

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