You are on page 1of 24

Os limites do poder fiscalizador do

Tribunal de Contas do Estado

Jorge Ulisses Jacoby Fernandes

Sumário
1. Introdução. 2. Tribunal de Contas – uma
instituição de controle. 3. Poderes de fiscalização
dos Tribunais de Contas. 3.1. Poder de fiscali-
zação do TCU e as demais esferas do governo.
3.2. O poder de fiscalização e o dever de
prestar contas. 3.3. O poder fiscalizador do
TCU sobre recursos repassados às demais
esferas de governo. 3.4. Recursos da Educação.
3.5. Convênio entre a União e Estados, Muni-
cípios ou Distrito Federal. 3.6. Limites do po-
der de fiscalização dos Tribunais de Contas.
4. Conclusão.

1. Introdução
As instituições de controle, entre as quais
destaca-se o Tribunal de Contas da União,
são pouco conhecidas da sociedade e do ci-
dadão. Sobre os Tribunais de Contas, já dis-
se o Ministro Carlos Veloso, que na atuali-
dade ilustra a Presidência do Supremo Tri-
bunal Federal: são “casas de esperança”1.
Por desconhecimento, muito provavel-
mente, ou em decorrência de fatos episódi-
cos, a maioria da sociedade, porém, não
possui visão tão nobre dessas instituições.
Se esse é o cenário mais facilmente per-
ceptível, quando se transpõe a questão para
Jorge Ulisses Jacoby Fernandes é Procurador o nível dos Estados federados, o quadro agra-
do Ministério Público junto ao Tribunal de va-se.
Contas do Distrito Federal, ex-Juiz do Trabalho
Desconhecidos pela sociedade, subme-
da 10ª Região, Professor titular de Direito
Administrativo da AEUDF, instrutor do Centro tidos a intensas pressões políticas oriundas
Ibero Americano de Administração e Direito dos segmentos controlados, sem autonomia
(Brasil/Portugal) e Instituto Serzedello Corrêa financeira para arrecadar recursos e depen-
do TCU. dentes de liberação de verbas por parte dos
Brasília a. 36 n. 142 abr./jun. 1999 167
órgãos fiscalizados, os Tribunais de Contas serem alargadas e restrições a serem repen-
dos Estados têm maiores dificuldades para sadas.
o desempenho de sua missão institucional.
Por outro lado, o Poder Judiciário, que 2. Tribunal de Contas – uma instituição
poderia dar contornos mais eficazes a sua de controle
ação, normalmente profere decisões valori- O Tribunal de Contas, no Brasil, é uma
zando o princípio da ampla revisibilidade instituição com raiz constitucional, delibe-
dos atos administrativos, colocando em evi- rando de forma colegiada, incumbida de
dência o monopólio da função jurisdicional, julgar a boa e regular aplicação dos recur-
num misoneísmo que não abre espaço para sos públicos e auxiliar o Poder Legislativo
a melhor doutrina, nem para os benfazejos na realização do controle externo da Admi-
ventos da renovação do direito comparado. nistração Pública e no julgamento das con-
Também fruto do desconhecimento. tas anuais dos chefes do Poder Executivo.
Completando essas matizes desanima- Há duas competências nesse conceito:
doras, verifica-se que, nas relações entre os a) a primeira diz respeito à competência
controles estaduais e federais, ocorre uma privativa de julgar contas.
espécie de diminuição daqueles frente a Esse termo mereceu detido exame de bri-
estes, porque alguns setores ainda insistem lhantes juristas pátrios, a iniciar-se pelo Pro-
em definir a competência pela regra de ori- curador do Ministério Público junto ao TCU,
gem dos recursos, ao invés do regime de cai- Leopoldo da Cunha Melo2, asserindo que o
xa. Não é preciso muito esforço para lem- “Tribunal de Contas não é um simples ór-
brar que o atual modelo constitucional for- gão administrativo”, mas exerce “uma ver-
taleceu a arrecadação tributária dos Muni- dadeira judicatura sobre os exatores, os que
cípios e da União, criando Estados fracos e têm em seu poder, sob sua gestão, bens e
pobres, com elevado grau de dependência dinheiros públicos”.
do poder central. Também Pontes de Miranda, com seu
Numa ampla e aprofundada pesquisa perene brilho, sustenta que “a função de
na doutrina pátria, verifica-se com facilida- julgar as contas está claríssima no texto
de que não se tem dispensado à competên- constitucional. Não havemos de interpretar
cia legislativa estadual maior relevo. No mo- que o Tribunal de Contas julgue e outro juiz
mento, apenas duas obras estudam o direi- as rejulgue depois. Tratar-se-ia de absurdo
to constitucional estadual, demonstrando bis in idem.”3
que a nossa federação está mais para um Nesse sentido já se pronunciou a Justiça
sofisma do que para uma realidade. Corolá- Federal: “O TCU só formalmente não é órgão
rio dessa visão é ainda a falta de estudos do poder Judiciário. Suas decisões transitam
sobre a competência dos Tribunais de em julgado e têm, portanto, natureza
Contas dos Estados. prejudicial para o juízo não especializado”.
Nas linhas a seguir, demonstra-se, com A própria Constituição Federal em vigor,
base em ampla coleta de informações, que respeitando a linha ortodoxa e histórica,
os Tribunais de Contas dos Estados têm-se assentou inequivocamente essa natureza ao
limitado a transferir para a esfera dos entes referir a “julgar”4, quando elencou a com-
federados a competência do Tribunal de petência, e “judicatura”, quando se referiu
Contas da União numa simetria exata. ao exercício do cargo de Auditor, Ministro-
Mesmo assim, há algo a ser dito com som substituto5.
de novidade; muito a ser debatido, em prol b) a segunda refere-se à sua posição cons-
do aperfeiçoamento; limites a serem conti- titucional, em que exerce a função de auxi-
dos e searas a serem limitadas; fronteiras a liar o Poder Legislativo no controle externo
168 Revista de Informação Legislativa
da Administração e no julgamento das con- se ao Tribunal de Contas –, “é inútil ou im-
tas anuais do Chefe do Poder Executivo. profícuo perguntarmo-nos se seria ou não
O Tribunal de Contas não é órgão auxiliar um Poder. Basta-nos uma conclusão ao meu
do Poder Legislativo, órgão de assessora- ver irrefutável: o Tribunal de Contas, em
mento do parlamento ou seu apêndice. Cons- nosso sistema, é um conjunto orgânico per-
titui, no mínimo, desconhecimento da história feitamente autônomo.”
e da Constituição assim cognominá-lo. Se é órgão autônomo e não está inserido
Se assim fosse, como explicar que o no Poder Executivo, a relação entre Tribu-
Tribunal de Contas da União faz auditoria nal de Contas e qualquer órgão de Poder é
nas Casas do Congresso Nacional, julga de colaboração, a exemplo do que ocorre
aposentadoria de servidores da Câmara e entre casas do parlamento ou juízos e
do Senado, determina ao Poder Legislativo tribunais do Poder Judiciário.
que se abstenha da prática de ato? Como Esse raciocínio deve ser desde logo esta-
explicar recente decisão do Tribunal de Con- belecido a fim de que não se incorra nova-
tas do Distrito Federal, o qual, acolhendo mente em equívoco ao tentar subjugar o
representação do Ministério Público que Tribunal de Contas da União. Por outro lado,
atua junto àquele Tribunal, realizou audi- devem sempre os Tribunais de Contas ter
toria na Câmara Legislativa? consciência de que o titular do controle ex-
A Constituição Federal de 1988 estabe- terno é o Poder Legislativo, razão pela qual
leceu no art. 70 que o titular da função do não podem deixar de emprestar colabora-
Controle Externo da Administração Pública ção nas auditorias e inspeções que lhe forem
é o Congresso Nacional, exercendo essa requeridas.
função com o auxílio do Tribunal de Contas. Aliás, compreende-se que a Constituição
Não é raro que menos esclarecidos ten- tenha dado essa titularidade ao Poder Le-
tem visualizar nesse contexto vínculo de hie- gislativo porque esse é composto de repre-
rarquia, que subordinaria o TCU ao Con- sentantes do povo, com legitimidade para
gresso Nacional. Guardadas as devidas impor a arrecadação (ou extorsão?) tributá-
proporções, observa-se idêntico equívoco ria, definir sua aplicação, mediante a Lei
nas demais esferas de governo. Orçamentária, e, por corolário natural,
Incorreto, porém, esse entendimento. O exercer o controle.
poder hierárquico, conforme noções elemen-
tares do Direito Administrativo, existe na 3. Poderes de fiscalização dos Tribunais
estrutura organizacional típica do Poder de Contas
Executivo; por extensão, adota-se como ele-
A Constituição Federal não estabeleceu
mento de ordenação interna de órgãos ad-
expressamente os poderes de fiscalização
ministrativos dos demais Poderes. Para re-
dos Tribunais de Contas dos Estados, do
lacionar órgãos autônomos ou independen-
Distrito Federal e dos Municípios. Seguindo
tes, o vínculo jurídico que existe é o de co-
o delineamento sistêmico de funções que
laboração6. Ninguém ousaria sustentar a adotou para outras atividades, definiu a
existência de subordinação entre Tribunal competência do Tribunal de Contas da
de Justiça e Supremo Tribunal Federal ou União, de forma detalhada, nos arts. 70 e
entre as Casas do Congresso Nacional, exa- 71, e, no art. 75, mandou aplicar, no que cou-
tamente porque consabida é a existência da besse, as normas dispostas para aquela Cor-
relação jurídica de colaboração. te, pertinentes à organização, composição e
A propósito, lembra Celso de Mello, atual fiscalização.
Ministro-Presidente do Supremo Tribunal Sobre o assunto, em escólio ao art. 75,
Federal7, que, “como o Texto Maior desde- assere Manoel Gonçalves Ferreira Filho que
nhou designá-lo como Poder” – referindo- “tem-se aqui uma norma de extensão norma-
Brasília a. 36 n. 142 abr./jun. 1999 169
tiva (ou seja, regra que estende a outro ou 3.1. Poder de fiscalização do TCU e as demais
outros órgãos normas que presidem a insti- esferas de governo
tuição, ou lhe cometem poderes)”8. Ampa-
Atento à estruturação constitucional,
rado em Rubens Catelli, acrescenta que “a
examina-se a seguir cada uma das compe-
norma dispõe sobre matéria de competên-
tências definidas para o TCU e sua corres-
cia obrigatória pelos Estados-membros, não
pondência nos Estados, Distrito Federal e
permitindo, em conseqüência, a estes qual-
Municípios.
quer distorção na aplicação das normas que
Para melhor compreensão do tema, im-
corporificam o sistema de fiscalização ins-
põe-se uma análise comparativa de cada um
tituído”. Ao final, arremata que os Estados
dos incisos da Lei Orgânica, do paradigma
não podem desobedecer à ordenação dada
federal frente à Constituição Federal e às vá-
ao Tribunal de Contas da União, sendo que
rias leis de outros Tribunais de Contas que
as normas só podem ser postas de lado onde
tivemos a oportunidade de conhecer.
“não couber a sua aplicação”.
Lei Orgânica do TCU - competência11
A lógica abona a interpretação literal, na
Art. 1º Ao Tribunal de Contas da
medida em que se pretende, no art. 74, um
União, órgão de controle externo, compe-
sistema de controle interno, o qual certamen-
te, nos termos da Constituição Federal e
te deve ter uma interface com o sistema de
na forma estabelecida nesta Lei:
controle externo. Inexoravelmente a estrutu-
I - julgar as contas dos administrado-
ração sistêmica exige uma similitude orgâ-
res e demais responsáveis por dinheiros,
nica, só permitida com a simetria imposta.
bens e valores públicos das unidades dos
Aliás, com a singeleza e a capacidade de
poderes da União e das entidades da ad-
síntese que sempre o destacaram, pontifica
ministração indireta, incluídas as funda-
Wolgran Junqueira Ferreira: “Todos os ór-
ções e sociedades instituídas e mantidas
gãos estaduais e municipais devem ter si- pelo poder público federal, e as contas da-
metria com o Tribunal de Contas da União”9. queles que derem causa a perda, extravio
Poderia um Estado criar na Constitui- ou outra irregularidade de que resulte
ção Estadual norma que conflite com o dano ao Erário;
modelo federal? Comentários:
Responde, com propriedade, J. Cretella O texto reafirma o inc. II do art. 71 da
Jr. que “nenhuma Constituição de Estado- Constituição Federal de 1988, com mudança
membro pode abrigar uma só regra jurídica de redação. Foi colocado na Lei, em primeiro
constitucional que conflite com a correspon- lugar, para destacar a feição jurisdicional
dente regra jurídica constitucional federal”. do Tribunal de Contas, que, nesse particular,
Lapidarmente complementa: “a Constitui- exerce julgamento privativo.
ção Federal é a matriz. Dá os parâmetros a Reproduzem essa competência as leis
serem seguidos em todo o país”10. dos Tribunais de Contas dos Estados do
Com sabedoria e senso de Justiça, pode- Acre, Ceará, Goiás, Mato Grosso, Minas
se equacionar a questão, com respeito ao Gerais, Pará, Piauí, Rio Grande do Sul, Rio
princípio federativo, de molde a proporcio- Grande do Norte, Rondônia, Roraima, São
nar uma convivência harmoniosa dos ór- Paulo e Tocantins, entre outros Estados,
gãos de controle dessas esferas de governo. como também a Lei Orgânica do Tribunal
É possível, porém, que eventualmente sejam de Contas do Município de São Paulo e do
suscitados conflitos de competência. Por Tribunal de Contas do Distrito Federal.
esse motivo, impõe-se analisar o poder de No subitem seguinte, será essa compe-
fiscalização do TCU, dos Tribunais de tência analisada com mais vagar.
Contas dos Estados, dando maior elastério II – proceder, por iniciativa própria
ao tema proposto, visando oportunizar ou por solicitação do Congresso Nacio-
possível exame de conflito de competência. nal, de suas Casas ou das respectivas
170 Revista de Informação Legislativa
Comissões, à fiscalização contábil, finan- tese específica de exame das contas
ceira, orçamentária, operacional e patri- anuais do Chefe do Executivo, emite
monial das unidades dos poderes da União pronunciamento técnico, sem conteúdo
e das demais entidades referidas no inciso deliberativo, consubstanciado em
anterior; parecer prévio destinado a subsidiar
Comentários: o exercício das atribuições fiscaliza-
O texto repete o inc. IV do art. 71 da Cons- doras do Poder Legislativo e (2) a de
tituição Federal de 1988, com mudança de que essa manifestação meramente
redação. opinativa não vincula a instituição
Reproduzem essa competência as Leis parlamentar quanto ao desempenho
dos Tribunais de Contas dos Estados do de sua competência.
Acre, Ceará, Mato Grosso, Minas Gerais, (...)
Pará, Piauí, Rio Grande do Sul, Rio Grande A circunstância de o Tribunal de
do Norte, Rondônia, Roraima, São Paulo e Contas exercer atribuições desvesti-
Tocantins, entre outros Estados, como tam- das de caráter deliberativo não exonera
bém a Lei Orgânica do Tribunal de Contas essa essencial instituição de controle
do Município de São Paulo e do Tribunal de – mesmo tratando-se da apreciação
simplesmente opinativa das contas
Contas do Distrito Federal.
anuais prestadas pelo Governador do
III - apreciar as contas prestadas anual-
Estado – do dever de observar a
mente pelo Presidente da República, nos
cláusula constitucional que assegura
termos do Art. 36 desta Lei;
o direito de defesa e as demais prerro-
Comentários: gativas inerentes ao ‘due process of
O texto repete o inc. I do art. 71 da Cons- law’ aos que possam, ainda que em sede
tituição Federal de 1988, com mudança de de procedimento administrativo, even-
redação. tualmente expor-se aos riscos de uma
É importante notar que, no julgamento sanção jurídica.
da Suspensão de Segurança nº 1.197-9, em (...)
despacho singular, o atual Presidente do Su- Todas as razões ora expostas, pois,
premo Tribunal Federal, apreciando pedi- levam-me a indeferir a postulação
do do Tribunal de Contas do Estado de Per- deduzida pelo E. Tribunal de Contas
nambuco, que requeria a suspensão de efi- do Estado de Pernambuco.”
cácia da medida liminar de decisão proferi- Após longo e detido exame dos funda-
da pelo Tribunal de Justiça daquela Unida- mentos da decisão adotada, é possível vis-
de da Federação, nos autos do Mandado de lumbrar lição que fortalece os Tribunais de
Segurança nº 36.947-1, impetrado pelo Contas. De fato, não é razoável supor-se que
Governador do Estado, decidiu manter a Se- pretenderia aquela autoridade impor a ma-
gurança concedida. Firmava, assim, o en- nifestação do governo interessado, antes da
tendimento de que, no julgamento de con- emissão de parecer prévio, sem que reconhe-
tas anuais, deve a Corte assegurar a efi- cesse, de forma subjacente, a definitividade
cácia do princípio da ampla defesa e do da manifestação técnica que encerra o Pare-
contraditório. cer Prévio.
Da decisão de S. Exa. merece ser desta- Desse modo, a equação que sintetiza a
cado o seguinte: competência dos Tribunais de Contas pode
“A análise do art. 71, I , da Carta ser assim resumida:
Federal – extensível aos Estados por for- a) o julgamento das contas anuais dos
ça do art. 75 – permite, de logo, extrair órgãos e entidades, decidindo sobre a regu-
duas conclusões: (1) a de que o Tri- laridade, ou irregularidade, é soberano, pri-
bunal de Contas, somente na hipó- vativo e definitivo.
Brasília a. 36 n. 142 abr./jun. 1999 171
A Constituição excepcionou a competên- gravíssima irregularidade na arrecadação
cia da ampla revisibilidade desses atos pelo de tributos, envolvendo banco multinacio-
Poder Judiciário, inscrita no art. 5º, inciso nal. Quando, em continuidade, pretendeu
XXXV, para assegurar aos Tribunais de promover uma auditoria operacional, teve
Contas o poder de julgar, na forma do art. sua ação obviada por uma inexplicável –
71, inciso II; sob o aspecto jurídico – e vergonhosa – sob
b) a Constituição tratou das contas o aspecto da moralidade – liminar concedi-
anuais da ação governamental, prevendo da pelo Supremo Tribunal Federal a pretex-
para o Tribunal de Contas a atribuição de to de estar violando o sigilo fiscal12.
apenas emitir Parecer Prévio, de caráter tam- Repetem, expressamente, essa compe-
bém definitivo, mas sem o poder de julgar. tência, de forma idêntica, as Leis dos Tribu-
O julgamento é, nesse caso, de cunho po- nais de Contas dos Estados do Ceará, Mi-
lítico, fundado nos fatos tecnicamente apu- nas Gerais, Rondônia, São Paulo, entre
rados; a Corte, nesse contexto, converte-se, outros. Nas demais, porém, a competência
em seu conjunto, no corpo de perícia espe- está subentendida.
cializado e credenciado do juiz soberano – VIII – representar ao poder competen-
a Sociedade contribuinte –, que outorga te sobre irregularidades ou abusos apura-
mandato aos seus legítimos representantes, dos, indicando o ato inquinado e definin-
sob a ação permanente de controle jurisdi- do responsabilidades, inclusive as de Mi-
cional do Ministério Público, que tem a mis- nistro de Estado ou autoridade de nível
são institucional da defesa da ordem jurídi- hierárquico equivalente;
ca, do regime democrático, da guarda da lei Comentários:
e a fiscalização de sua execução, nesse caso
Repetem o dispositivo acima as Leis Or-
no âmbito das contas do Distrito Federal.
gânicas dos Tribunais de Contas do Distri-
Repetem essa competência as Leis dos
to Federal, Mato Grosso, Município de São
Tribunais de Contas dos Estados do Acre,
Paulo, Pará, Rio Grande do Sul, Ceará,
Ceará, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará,
Piauí, entre outros.
Piauí, Rio Grande do Sul, Rio Grande do
Em alguns tribunais, essa competência
Norte, Rondônia, Roraima, São Paulo e
não é privativa do plenário das Cortes de
Tocantins, entre outros Estados, como
também a Lei Orgânica do Tribunal de Contas, podendo ser exercida por suas tur-
Contas do Município de São Paulo e do mas ou câmaras.
Tribunal de Contas do Distrito Federal. V – apreciar, para fins de registro, na
IV – acompanhar a arrecadação da forma estabelecida no Regimento Interno,
receita a cargo da União e das entidades a legalidade dos atos de admissão de pes-
referidas no inciso I deste artigo, mediante soal, a qualquer título, na administração
inspeções e auditorias, ou por meio de direta e indireta, incluídas as fundações
demonstrativos próprios, na forma esta- instituídas e mantidas pelo poder público
belecida no Regimento Interno; federal, excetuadas as nomeações para car-
Comentários: go de provimento em comissão, bem como
O texto é uma decorrência natural do que a das concessões de aposentadorias, refor-
prescreve o art. 71, inc. IV, da Constituição mas e pensões, ressalvadas as melhorias
Federal de 1988. Aliás, em nenhum país do posteriores que não alterem o fundamento
mundo se concebe um Tribunal de Contas legal do ato concessório;
limitado ao exame da despesa. Comentários:
É importante notar que o Tribunal de Essa competência, repetida em todas as
Contas da União, ao proceder a uma audi- leis orgânicas consultadas, com freqüência,
toria parcial na Receita Federal, constatou volta a ser debatida em nossos tribunais. O
172 Revista de Informação Legislativa
Supremo Tribunal Federal firmou entendi- direito que lhe é devido. A forma conciliató-
mento de que ria curva-se à exegese do Supremo Tribunal
“constatada a ocorrência de vício de Federal e à lógica que impede ao órgão de
legalidade no ato concessivo de apo- controle ser ordenador de despesa. Resguar-
sentadoria, torna-se lícito ao Tribunal da-se a ordem jurídica e o direito lesado,
de Contas da União – especialmente atribuindo-se a quem de direito a iniciativa
ante a ampliação do espaço institu- da ação, com o apoio do Ministério Público
cional de sua atuação fiscalizadora – especializado que atua junto às Cortes de
recomendar ao órgão ou entidade Contas.
competente que adote as medidas Verifica-se que os Tribunais de Contas
necessárias ao exato cumprimento da dos Estados, com pequenas alterações, se-
lei, evitando, desse modo, a medida guem não só a competência constitucional-
radical de recusa de registro. mente definida para o TCU, como assimi-
Se o órgão de que proveio o ato lam as disposições legais, podendo apro-
juridicamente viciado, agindo nos veitar a jurisprudência estabelecida em
limites de sua esfera de atribuições, relação ao paradigma federal.
recusar-se a dar execução à diligên-
Exercem o poder de fiscalização de mo-
cia recomendada pelo Tribunal de
dos diversos, nem sempre intercambiando
Contas da União – reafirmando,
experiências, informações ou tecnologia de
assim, o seu entendimento quanto à
controle.
plena legalidade da concessão da
aposentadoria –, caberá à Corte de 3.2. O poder de fiscalização e o dever de
Contas, então, pronunciar-se, defi- prestar contas
nitivamente, sobre a efetivação do
O poder de fiscalização pode estar ou
registro.
não associado ao dever de prestar contas.
(....)
Pode existir o primeiro independente do
O Tribunal de Contas da União,
no desempenho dessa específica segundo, e o segundo independente do
atribuição, não dispõe de competên- primeiro.
cia para proceder a qualquer inova- Nas mais variadas vezes, há coincidên-
ção no título jurídico de aposentação cia entre os órgãos que repassam recursos e
submetido ao seu exame”13. os que fiscalizam e os que recebem recursos
Nesse particular, há um ponto que e ficam sujeitos ao dever de prestar contas.
merece relevo: se a concessão implica Mais do que isso: ordinariamente, quem
pagamento maior do que o devido, com a recebe os recursos fica sujeito ao dever de pres-
recusa do registro, a despesa é declarada tar contas diretamente ao órgão repassador.
ilegal; e, se não sustada sua execução, Importante examinar, primeiramente,
responderá direta e pessoalmente o orde- quem está sujeito ao dever de prestar contas.
nador de despesa pela recomposição do 3.2.1. O dever de prestar contas
erário. Contudo, se está sendo pago valor
inferior ao devido, a Corte não detém compe- A resposta à questão teve alteração formal
tência para impor o pagamento. recente com a Emenda Constitucional nº
No desempenho da função de Procura- 19, de 5 de junho de 1998, que modificou a
dor-Geral do Ministério Público junto ao redação do parágrafo único do art. 70.
TCDF, temos proposto que, em casos tais, Estratificando o comando legal, tem-se
fosse remetida cópia do parecer do Ministé- que são sujeitos passivos do dever de pres-
rio Público diretamente ao interessado, a fim tar contas:
de que, por sua iniciativa, resguardasse o 1) a pessoa física,
Brasília a. 36 n. 142 abr./jun. 1999 173
2) a pessoa jurídica, pública ou privada, dever de prestar contas os serviços sociais
a) que esteja praticando pelo me- autônomos, as entidades e conselhos regula-
nos uma das seguintes ações: dores das profissões regulamentadas14.
utilize, Pelo mesmo motivo, ainda que não perso-
arrecade, nalizados, os fundos públicos com receitas
guarde, oriundas direta ou indiretamente do erário,
gerencie, ou administre respondendo, no caso, o respectivo gestor.
dinheiros, Os organismos internacionais que utili-
bens, e zem recursos federais, bem como empresas
valores públicos supranacionais, organizações não-governa-
ou pelos quais a União responda;
mentais, também submetem-se a esse dever.
b) ou que em nome desta (da
União) assuma obrigações de nature- 3.2.1.3. “A qualificadora” utilizar, arrecadar,
za pecuniária. guardar, gerenciar ou administrar dinheiros,
Como o dever de prestar contas é uma bens e valores públicos
obrigação jurídica, segue-se que, para vali- A doutrina saudou com entusiasmo a
dade de sua existência, o sujeito deve ser re- clareza da norma, porque afastou qual-
conhecido como capaz pela ordem jurídica. quer possibilidade de entidades fugirem
3.2.1.1. Pessoas físicas ao controle.
Assim, a pessoa física deve ser conside- Coube, contudo, ao próprio TCU dar
rada capaz, segundo as regras do Código contornos mais eficazes a essa norma ao
Civil brasileiro, para assumir obrigação. submeter todo o elenco de pessoas referi-
Se, ao tempo em que se consuma o dever das, nos três últimos parágrafos, ao dever
de prestar contas, essa pessoa já não mais é de prestar contas, por evidenciar a pre-
considerada capaz ou não existe, a jurispru- sença dessa qualificadora.
dência tem oferecido as seguintes soluções:
3.2.2. O direito-dever de tomar contas
a) se o advento da perda da capacidade
jurídica ou a morte são anteriores ao julga- Quem tem o direito-dever de tomar
mento, as contas são consideradas iliqui- contas?
dáveis; Essa idéia remonta à Idade Média,
b) se posteriores ao julgamento pela quando houve a separação das noções de
irregularidade, busca-se a recomposi- dinheiro público e fortuna dos governan-
ção do dano com o patrimônio curado tes e a separação de funções do Estado. A
ou transferido. As multas não são trans- Declaração dos Direitos do Homem e do
feridas, dado o caráter intuito personae Cidadão, de 1789, em seu art. 15, estabe-
de que se revestem. lece: “A sociedade tem o direito de pedir
contas a todo agente público de sua ad-
3.2.1.2. Pessoa jurídica ministração.”
Estão sujeitas ao dever de prestar contas Numa síntese, quem tem o direito de to-
as pessoas jurídicas, públicas ou privadas, mar contas ou a pessoa a qual se dirige o
na mais lata acepção. dever de prestar contas é a sociedade.
Desse modo, assujeitam-se a União, os No âmbito da estrutura jurídica institu-
Estados, o Distrito Federal, autarquias, fun- cional de controle, a definição da questão
dações, agências executivas, empresas pú- não está diretamente associada à singela
blicas, organizações sociais, sociedades de relação órgão-repassador-fiscalizador-
economia mista, associações e sindicatos. tomador das contas, tendo no outro pólo
Dada a natureza pública dos recursos órgão-recebedor-fiscalizador e prestador de
que manejam, também estão sujeitos ao contas. Antes, incidem sobre essa relação,
174 Revista de Informação Legislativa
para definir o terceiro e quarto elementos – agente, definidos em norma infraconstitu-
poder de fiscalizar e tomar contas –, outros cional.
critérios, como por exemplo: Nesse compasso, é importante assinalar
• o princípio da descentralização; que a reforma do estado tem lançado mati-
• o princípio da economicidade; zes no amplo espectro de competência, rumo
à racionalização do controle. Merecem ser
• o princípio da eficiência; destacados os seguintes trechos de impor-
• o princípio federativo. tante manifestação do ilustre Dr. Domingos
Os princípios referidos defluem da evo- Poubel de Castro, Secretário Federal de
lução histórico-jurídica, encontrando arrimo Controle, in Nota técnica nº 02/SFC/MF,
recente no Decreto-Lei nº 200, de 25 de de 9-2-98:
fevereiro de 1967, e em outros diplomas edi- “Tudo isso posto, conclui-se que
tados na esteira da reforma administrativa. os procedimentos em vigor, que orien-
O primeiro princípio, à luz do art. 10 tam o exame e aprovação da presta-
daquele diploma, assentou-se em linhas ção de contas de convênios de nature-
diretivas, como descentralizar e distinguir za financeira, firmados entre a União,
os níveis de direção e execução, no âmbito estados, municípios e Distrito Federal,
federal; descentralizar da Administração não se coadunam com o princípio da
Federal para as unidade federadas; descen- economicidade exigido nos textos
tralizar a competência da administração constitucionais acima referidos, e,
casuística – decisão de casos individuais – tampouco, com a celeridade desejável
para os serviços de natureza local, que estão na prática administrativa, ensejando
em contato com os fatos e com o público; por a revisão de tais procedimentos, para
fim, ressalvados apenas “os casos de mani- o que proponho a inclusão de um ar-
festa impraticabilidade ou inconveniência”, tigo na Medida Provisória de nº 1626-
a execução de programas federais de caráter 48 que organiza e disciplina os Siste-
nitidamente local deverá ser delegada aos mas de Controle Interno e de Planeja-
órgãos estaduais e municipais. Definiu, mento e de Orçamento do Poder Exe-
ainda, que os órgãos federais responsáveis cutivo...
pelos programas exercerão a fiscalização e (....)
o controle indispensáveis sobre a execução Por tudo isto, e considerando a
local. economia, inclusive processual, pre-
Poderia a lei descentralizar o controle? conizada pelo artigo 14 do Decreto-
A resposta é afirmativa e pode significar Lei nº 200/67, sugiro a reorientação
implemento de eficácia, se adotados meios da matéria, salientando que a suges-
de gerenciamento adequados de gestão de tão de valer-se da Medida Provisória
programas. Em plena consonância com a nº 1626-48, para implementação da
visão de futuro, o próprio Decreto-Lei nº proposta, decorre da pertinência da
200/67, no art. 14, ao cuidar do controle – matéria com as competências do Sis-
portanto norma específica –, recomendou a tema de Controle Interno do Poder
incidência do princípio da economicidade, Executivo Federal.
segundo expressões vernaculares corres- (...)
pondentes da época. Corroborando esse nosso posicio-
Essas linhas gerais são indicativas de namento, o Excelentíssimo Senhor
que, se o dever de prestar contas é indelével Presidente da República acabou de
e inarredável, o mesmo não se pode dizer sancionar a Lei nº 9.604, de 5 de feve-
em relação ao tomador e fiscalizador das reiro de 1998, aplicável especificamen-
contas, que, embora deva necessariamente te aos recursos do Fundo Nacional de
existir, pode ter parâmetros e forma, ou até o Assistência Social, que determina, de
Brasília a. 36 n. 142 abr./jun. 1999 175
modo semelhante, o encaminhamento os que fazem exame perfunctório do art. 70
das prestações de contas dos recursos da Constituição Federal.
descentralizados pelo Governo Fede-
3.3.1. Recursos do FPE, FPM e Fundef
ral para as esferas estaduais e muni-
cipais, aos órgãos de controle daque- Os recursos arrecadados pela União,
las esferas governamentais, dispen- como qualquer dinheiro, “não levam carim-
sando, destarte, a comprovação formal bo” e transferem-se segundo as regras jurí-
da aplicação de tais recursos ao dicas ordinárias da tradição. Assim, por
governo Federal, passando a exigir, exemplo, cita-se que a prestação de contas
tão-somente, a comprovação do cum- do Fundo de Participação dos Estados, dos
primento do objeto que tenha moti- Municípios e do Fundef é feita perante os
vado a transferência dos recursos.” respectivos Tribunais de Contas dos Esta-
dos, dos Municípios, onde houver, e do Dis-
3.3. O poder fiscalizador do TCU sobre
trito Federal. Compete ao Tribunal de Con-
recursos repassados às demais esferas de
tas da União a tarefa de zelar pelo efetivo
governo
repasse dos recursos.
Se é certo que qualquer pessoa, seja física Qual o fundamento jurídico dessa com-
ou jurídica, que receba recursos públicos petência? É a resposta estabelecida pelo re-
fica jungida ao dever de prestar contas; se gime de caixa: quando o recurso ingressa
também é correto que mesmo Estados, nos cofres das demais esferas de governo,
Municípios e Distrito Federal, quando ipso facto, nasce a competência dos respecti-
recebem recursos federais, ficam sujeitos ao vos Tribunais de Contas. O modelo ideali-
dever de prestar contas, não é necessaria- zado, com singular mestria, resolve suma-
mente correto declarar-se ipso facto que os orde- riamente, com amparo na lógica e no direi-
nadores de despesa dessas unidades estão to, o problema de competência. Lógico, por-
submetidos ao poder fiscalizador do TCU. que define por critérios objetivos e racionais
A definição da competência, ser ou não a competência de cada Tribunal: o TCU fis-
do TCU, e sua exata dimensão depende das caliza o cumprimento do dever da União de
seguintes ocorrências: repassar os recursos até a entrada nos co-
a) os recursos sejam públicos federais fres do Estado; o Tribunal de Contas do Es-
(lato sensu); tado fiscaliza a entrada do recurso e sua
b) os órgãos repassadores sejam jurisdi- utilização. Para ampliar a ação do controle
cionados ao TCU; e assegurar o rigoroso acompanhamento em
c) do instrumento ou da legislação que todas as etapas, o TCU teve a feliz iniciativa
ensejou o repasse conste o dever de prestar de firmar acordos de cooperação com os
contas; demais Tribunais de Contas, visando ao
d) o direito-dever de exigir as contas seja intercâmbio de informações.
afeto ao órgão repassador ou a outro, desde Não só o TCU reconhece que a fiscaliza-
de que sujeito à jurisdição do TCU; ção desses recursos é do órgão de controle
e) que o órgão tomador das contas externo da esfera recebedora, quanto o Po-
instaure tomada de contas especial - TCE, der Judiciário tem igual e uniforme entendi-
por dano causado ao erário; mento, como se observa deste elucidativo
f) que a irregularidade seja comprovada acórdão da lavra do Ministro do Superior
e não elidida; Tribunal de Justiça Anselmo Santiago:
g) que a TCE seja encaminhada ao TCU. “Processual Penal. Competência. Crime
Examinando algumas das ocorrências cometido em tese por ex-prefeito. Parcelas
mais comuns, verifica-se que o poder fisca- do fundo de participação dos municípios –
lizador não é tão externo quanto pretendem FPM Decisão15.
176 Revista de Informação Legislativa
1. Não é da competência da Justiça No art. 8º do retrocitado Decreto, conferiu-
Federal o processo e julgamento de se a administração de recursos do Fundo
crimes praticados na aplicação de Nacional de Saúde a uma Junta Deliberativa
recursos financeiros do fundo de e Diretor-Executivo, sob a orientação e
participação dos Municípios transfe- supervisão direta do Ministro de Estado da
ridos e incorporados ao patrimônio Saúde. Acresce a Lei nº 8.080 que, “consta-
dos Municípios. tada a malversação, desvio ou não aplicação
2. Conflito conhecido, declarado dos recursos, caberá ao Ministério da Saúde
competente o Tribunal de Justiça do aplicar as medidas previstas em lei”.
Estado de Tocantins, o suscitado.” Haveria nessa hipótese a competência
do TCU?
3.3.2. Recursos do Fundo Nacional de
Conquanto tenha definido com clareza
Assistência à Saúde
a responsabilidade do órgão repassador, a
Em 5 de fevereiro de 1998, em consonân- Lei nº 8.080, no art. 35, § 6º, deixou eviden-
cia com as modernas normas administrati- ciado o seguinte:
vas, a Lei nº 9.604, estabeleceu a sistemática “§ 6º O disposto no parágrafo ante-
referente à prestação de contas do precitado rior não prejudica a atuação dos
fundo, dispondo: órgãos de controle interno e externo e
“Art. 1º A prestação de contas da nem a aplicação de penalidades
aplicação dos recursos financeiros previstas em lei, em caso de irregula-
oriundos do Fundo Nacional de As- ridades verificadas na gestão dos
sistência Social, a que se refere a Lei recursos transferidos.”
nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, Releva notar que o mencionado parágrafo
será feita pelo beneficiário diretamente ao anterior estabelecia que “as transferências
Tribunal de Contas do Estado ou do Dis- de recursos previstas nesta Lei dispensam
trito Federal, no caso desses entes federa- a celebração de convênios ou outros instru-
dos, e à Câmara Municipal, auxiliada mentos jurídicos” e foi vetado pelo Presi-
pelos Tribunais de Contas dos Municí- dente da República.
pios, quando o beneficiário for o Municí- Após a transferência de recursos, à toda
pio, e também ao Tribunal de Contas da evidência, a competência para julgamento
União, quando por este determinado.16 define-se nos seguintes termos:
Parágrafo único. É assegurado a) para o TCU, a jurisdição permanece
ao Tribunal de Contas da União e ao sobre o órgão repassador, dado que o fundo
Sistema de Controle Interno do Poder é gerido pelo Ministério da Saúde;
Executivo da União o acesso, a qual- b) para os Tribunais de Contas dos Esta-
quer tempo, à documentação compro- dos ou Municípios da respectiva unidade
batória da execução da despesa, aos que recebeu os recursos, a jurisdição se
registros dos programas e a toda estabelece em relação aos atos de gestão dos
documentação pertinente à assistên- recursos repassados.
cia social custeada com recursos do O tema oferece relevância não só no
Fundo Nacional de Assistência Social.” âmbito das contas públicas, como também
no aspecto penal e no direito cível, pois, se
3.3.3. Recursos do Fundo Nacional de Saúde
for entendido que os recursos da saúde
Por meio da Lei nº 8.080, de 19 de continuam sendo federais, mesmo após
setembro de 1990, regulamentada pelo terem ingressado no orçamento do Estado
Decreto nº 806, de 24 de abril de 1993, o ou Distrito Federal, por exemplo, a compe-
Governo Federal normatizou a aplicação tência para julgar contas será do TCU e crime
dos recursos do Fundo Nacional de Saúde. de apropriação indébita ou de aplicação
Brasília a. 36 n. 142 abr./jun. 1999 177
irregular de verbas públicas, será da Justiça 3. Conflito conhecido. Competên-
federal. Ao contrário, se for entendido como cia da justiça comum estadual.”
recurso público, em conformidade com os “Conflito de competência19. Repas-
clássicos postulados da Lei nº 4.320, de 17 se de verbas federais. Falta de presta-
de março de 1964 – que estatui normas dos ção de contas. A justiça estadual é
orçamentos e balanços da União, dos competente para processar e julgar
Estados, dos Municípios e do Distrito Fe- ação proposta pelo Município contra
deral –, no caso do exemplo, os recursos que o ex-prefeito para que apresente
ingressarem nos cofres do Estado ou do contas relativas ao repasse de ver-
Distrito Federal serão estaduais ou distri- bas federais. Conflito conhecido
tais, conforme o caso, e a competência será para declarar competente o MM. Juiz
do Tribunal de Contas do Estado ou do de Direito da comarca de Augusti-
Distrito Federal e do respectivo Tribunal nópolis.”
de Justiça. “Processo Penal20. Prefeito Muni-
Não se trata, pois, de singela questão de cipal. Desvio de verbas federais con-
conflito de atribuições entre Tribunais de veniadas.
Contas, mas de conflito de competência, de 1. Competência. Tradicional Juris-
respeito ao princípio federativo. prudência dos Tribunais Superiores,
O Poder Judiciário tem enfrentado a ora adotada pelo STJ, sobre competir
questão, havendo torrencial jurisprudência tal ação penal a justiça Estadual, hoje
no sentido exposto: a seus tribunais de justiça (Cf. art. 29,
“Penal. Competência. Crime pra- VIII).”
ticado por Prefeito Municipal. Desvio Diferentemente, porém, se os recursos
de verbas transferidas ao Município destinados à saúde não ingressam na receita
por entidade federal. Incorporação ao do Estado, ou do Município ou do Distrito
patrimônio da municipalidade”17. Federal, e sendo desviados antes de chegar
1. Compete à Justiça comum esta- aos cofres dessa unidade da federação, a
dual processar e julgar os crimes pra- competência é da esfera federal21.
ticados, em tese, por Prefeito Munici-
pal acusado de malversação de verbas 3.4. Recursos da educação
concedidas ao Município por órgão A fiscalização dos recursos federais
da Administração Federal, por força destinados à educação também é da com-
de convênio, em face da prevalência petência das demais esferas de governo após
do interesse municipal sobre o da o ingresso nos respetivos cofres.
União, vez que referidas verbas Nesse caso em particular, parece que a
incorporam-se ao patrimônio da mu- jurisprudência, antes do advento da Medi-
nicipalidade. Precedente do STF. da Provisória nº 1677-58, fazia a distinção
2. Conflito conhecido. Competên- entre recursos repassados pela União, me-
cia do Juízo Estadual, o suscitado. diante convênio22 ou não23. Em isolado acór-
“Penal. Processual. Prefeito. Verba dão de uma turma, admitiu aquela Corte a
Federal. Desvio. Crime. Competência18. integral competência do TCU, quando se tra-
1. A verba que a União Federal ou tar de recursos repassados pela União por
seus agentes entregam ao Município outro instrumento que não seja o convênio,
se incorpora ao patrimônio municipal. isto é, quando o Estado estiver executando
2. O crime de desvio de verba serviço típico da União por delegação dire-
federal praticado por prefeito não se ta dessa. Insta notar que, no caso de convê-
insere na competência Jurisdicional nio, o STF, em composição plenária, reco-
da Justiça Federal. nheceu a competência da Justiça Estadual.
178 Revista de Informação Legislativa
3.5. Convênios entre a União e Estados, nos termos do art. 116 da Lei nº 8.666/93, o
Municípios ou Distrito Federal dever de prestar contas e a quem é dirigido
esse dever. Pelas normas hoje em vigor, no-
Se a fiscalização dos recursos dos fundos
tadamente a Instrução Normativa nº 1 da
está bem equacionada, o mesmo também se
Secretaria do Tesouro Nacional25, o direito
pode afirmar em relação aos convênios
de tomar contas é do órgão repassador, nor-
firmados entre a União e as demais esferas
malmente o Ministério, a autarquia ou a fun-
de governo.
dação a ele vinculados. Se houver omissão,
Pano de fundo para a questão é a política
deverá o órgão repassador instaurar, nos
tributária injusta e iníqua, que não se sabe
termos do art. 8º da Lei Orgânica do Tribu-
graças a quê ainda não motivou uma nova
“derrama” ou inconfidência. Sustentado nal de Contas da União26, a correspondente
por esse equilíbrio instável e letárgico, per- Tomada de Contas Especial.
petra-se constante violação aos princípios Esse sistema é de fato o único que, inter-
vetores da Administração Pública, em pretado com rigor científico, evidencia não
especial ao princípio da impessoalidade. só conformidade com os melhores postula-
Efetivamente, como o convênio é ato de dos do Direito, como implica extraordiná-
colaboração entre as partes, deve ser reco- ria racionalização administrativa. Observe-
nhecida razoável – ou enorme – margem de se que, havendo regular aplicação de recur-
discricionariedade. A imprensa, sempre vi- sos, o dever de prestar contas – e o corres-
gilante, tem apontado indícios de favoreci- pondente dever de tomar contas – exaure-se
mento para Estados geridos por partidos do entre os convenentes; havendo omissão, ex-
Governo Federal ou, ainda, a maciça libera- surge o dever de instaurar Tomada de Con-
ção de recursos em períodos pré-eleitorais. tas Especial e a competência do TCU para
Por dever de Justiça e a bem da verdade, tais julgá-las.
acusações não são marcas registradas des- Importante evidenciar aqui o conteúdo
te ou daquele governo, parecendo ser mes- do art. 71, inc. II, da Constituição Federal, in
mo uma constante. verbis:
Qual a situação geral dos convênios? Me- “Art. 71. O controle externo, a cargo
rece o tema atenção da sociedade? do Congresso Nacional, será exerci-
Segundo estatísticas do próprio TCU, no do com o auxílio do Tribunal de Con-
ano de 1997, o Governo Federal firmou, só tas da União, ao qual compete:
com os Estados, o Distrito Federal e os Mu- (...)
nicípios, 51.004 convênios, numa assom- II — julgar as contas dos administra-
brosa média de 142 por dia! O total de re- dores e demais responsáveis por di-
cursos alcançou a cifra de 3,2 bilhões de nheiros, bens e valores públicos da
reais24! administração direta e indireta, incluí-
Interessante notar que se estima o con- das as fundações e sociedades insti-
sumo de 34% do tempo destinado a julga- tuídas e mantidas pelo Poder Público
mentos da Corte federal de Contas para o federal, e as contas daqueles que de-
exame desses convênios. rem causa a perda, extravio ou outra
Embora mereça aplauso a iniciativa de irregularidade de que resulte prejuí-
fiscalização conjunta, mediante acordo de zo ao erário público.”
cooperação entre Tribunais de Contas, é pre- A primeira parte do inciso, que define a
ciso refletir se o exame de ditos convênios competência, renova o direito de julgar con-
de fato insere-se na competência do TCU. tas das autoridades da administração dire-
O instrumento de convênio é um ato ju- ta e indireta federais, na mais lata acepção.
rídico administrativo. Nele assumem as Na segunda parte, e por exceção, o Consti-
partes obrigações recíprocas, entre as quais, tuinte submeteu também à jurisdição do
Brasília a. 36 n. 142 abr./jun. 1999 179
Tribunal de Contas da União aqueles que órgão repassador. Não se mostra razoável,
“derem causa a perda, extravio ou outra ir- estando ainda por vencer esse prazo, ser o
regularidade de que resulte prejuízo ao erá- agente recebedor do recurso submetido à ju-
rio público”. Reparem a simetria existente risdição do Tribunal para ter sua conduta
entre essa norma e aquela insculpida no art. avaliada. De igual modo, também não é cor-
8º da Lei Orgânica do Tribunal de Contas reto que, tendo prestado contas, considera-
da União27. O fato leva a inafastável conclu- das corretas pelo órgão repassador, o
são: somente se ficar apurado em regular Tribunal de Contas da União venha a julgar
processo administrativo, no qual, por óbvio, atos de gestão referente a tais recursos.
garanta-se a ampla defesa e o contraditó- No âmbito do Distrito Federal, registra-
rio28, o prejuízo ao erário federal é que se ram-se casos de realização de obras com
formará o liame jurídico que atrai a compe- recursos federais, obtidos mediante convê-
tência do Tribunal de Contas da União sobre nio, em que houve julgamento tanto pelo
agentes federais repassadores. Tribunal de Contas da União quanto pelo
Desse modo, a avaliação da gestão se faz Tribunal de Contas do Distrito Federal.
sobre o órgão repassador, que está sujeito à Criou-se inusitado fato, porque a obra foi
peculiar jurisdição de legalidade, economi-
realizada com parte de recursos federais
cidade e eficiência do Tribunal de Contas
(18%) e contrapartida de recursos locais. Os
da União. Não havendo a prestação de con-
atos praticados não poderiam ser julgados
tas do convênio, esse órgão repassador ins-
parcialmente. Como conceber-se que 18% de
taura a tomada de contas especial e remete
uma licitação foi julgada legal?
ao TCU para julgamento, apontando o res-
O Direito agasalha em seu âmago uma
ponsável.
extraordinária lógica e sua aplicação não
Em harmônica afinação com o exposto,
entende-se a competência definida no art. pode conduzir ao absurdo. No caso citado,
71, inc. VI, da Constituição Federal, que es- a competência da Corte federal limita-se a
tabelece: verificar:
“VI — fiscalizar a aplicação de quais- • se os recursos foram repassados;
quer recursos repassados pela União, • se houve a correspondente prestação
mediante convênio, acordo, ajuste ou de contas;
outros instrumentos congêneres, a • por exceção, se a obra foi realizada.
Estado, ao Distrito Federal ou a Mu- O TCU exerce tal poder de fiscalização
nicípio.” junto ao órgão repassador, podendo obri-
O poder de fiscalização ora referido se gá-lo a proceder à fiscalização in loco ou,
exerce com a maior amplitude, sempre, po- havendo motivos suficientes, e justificáveis
rém, sobre a autoridade repassadora; e, por por critérios de economicidade, poderá rea-
intermédio dessa, sobre o agente recebedor lizar, por sua própria iniciativa, a precitada
do recurso. Assim, pode e deve o Tribunal fiscalização.
de Contas da União promover o acompa- Em matéria legislativa, coube ao ilustre
nhamento sistemático dos atos praticados Dr. Domingos Poubel de Castro dar signifi-
pela autoridade repassadora, fiscalizar o cativo passo nessa linha diretiva. É eviden-
cumprimento das normas em vigor e até pro- te que o sistema de controle interno está as-
mover a fiscalização in loco. Somente de- soberbado de exames de convênios e que os
pois de decorrido o prazo para a prestação mesmos vêm sendo fiscalizados pelos Tri-
de contas, ficando caracterizado o prejuízo, bunais de Contas dos Estados. Percebe-se,
poderá o TCU reportar-se aos agentes pú- por isso, que a busca da qualidade do
blicos não federais, para julgar-lhes as con- processo decisório de controle e o princípio
tas, em processo de TCE instaurado pelo da economicidade recomendavam uma
180 Revista de Informação Legislativa
mudança de postura que agasalhasse, em o objeto pactuado foi executado obe-
nível infraconstitucional, a exegese raciona- decendo aos respectivos projetos e
lizadora em tela. planos de trabalho, conforme con-
Teve aquela autoridade a feliz iniciativa vencionado, e se a sua utilização obe-
de provocar a alteração da Medida Provisó- dece à destinação prevista no termo
ria nº 1.626, que disciplina e organiza os pactual.
Sistemas de Planejamento e Orçamento Fe- § 4º O disposto nos parágrafos an-
deral e de Controle Interno do Poder Execu- teriores não impede que, nos casos em
tivo, a partir de fevereiro de 1998. Na atuali- que julgar conveniente, o órgão do sis-
dade, a Medida Provisória nº 1677/58 re- tema de Controle Interno do Poder
gula o tema nos seguintes artigos: Executivo Federal verifique a aplica-
“Art. 26. Os órgãos e entidades, da ção dos recursos em questão sob os
Administração direta e indireta, da aspectos da legalidade, da eficiência,
União, ao celebrarem compromissos da eficácia, da legitimidade e da eco-
em que haja a previsão de transferên- nomicidade.
cias de recursos financeiros, de seus § 5º Nas hipóteses de haver des-
orçamentos para Estados, Distrito Fe- cumprimento de cláusulas ou de obri-
deral e Municípios, estabelecerão nos gações por parte do conveniente, ou
instrumentos pactuais a obrigação de qualquer forma de inadimplência,
dos entes recebedores de fazerem in- os órgãos de controle referidos no § 2º
cluir tais recursos nos seus respecti- tomarão as providências no sentido
vos orçamentos. de regularizar as impropriedades ou
§ 1º Ao fixarem os valores a serem irregularidades constatadas, inclusi-
transferidos, conforme o disposto nes- ve, promovendo, ou determinando, o
te artigo, os entes nele referidos farão levantamento da tomada de contas
análise de custos, de maneira que o especial, quando for o caso.
montante de recursos envolvidos na § 6º Os órgãos e entidades, de ou-
operação seja compatível com o seu tras esferas de governo, que receberem
objeto, não permitindo a transferên- recursos financeiros do Governo Fe-
cia de valores insuficientes para a sua deral, para execução de obras, para a
conclusão, nem o excesso que permi- prestação de serviços ou a realização
ta uma execução por preços acima dos de quaisquer projetos, usarão dos
vigentes no mercado. meios adequados para informar à
§ 2º Os órgãos do sistema de con- sociedade e aos usuários em geral a
trole interno e o controle externo, a que origem dos recursos utilizados.”
se vincule a entidade governamental Aliás, parece que o próprio Tribunal de
recebedora dos recursos transferidos Contas da União já tem esse nível de ciên-
por órgão ou entidade de outra esfera cia. Pronunciou-se a respeito o Ministro Ben-
de governo, incumbir-se-ão de verifi- to Bugarim, daquela Corte29:
car a legalidade, a legitimidade e a “ (....)
econimicidade da gestão dos recur- 8) Natureza dos recursos repassa-
sos, bem como a eficiência e a eficácia dos mediante convênio:
de sua aplicação. – Entendimento da Justiça Federal:
§ 3º Os órgãos do Sistema de Con- Conflito de competência: A Justiça
trole Interno do Poder Executivo Fe- Federal, sempre que provocada a
deral zelarão pelo cumprimento do decidir sobre questões oriundas da
disposto neste artigo, e, nos seus tra- aplicação de recursos repassados pela
balhos de fiscalização, verificarão se União a Estados e Municípios, me-
Brasília a. 36 n. 142 abr./jun. 1999 181
diante convênio, tem suscitado con- perante o Fundo Nacional de Desen-
flito de competência, por entender que, volvimento de Educação.
com o repasse, os recursos perdem a 2. Conflito conhecido para decla-
qualidade de federais e passam a ser rar competente o Tribunal de Justiça
estaduais ou municipais, conforme o do Estado do Rio Grande do Sul, o
beneficiário. suscitado.”
– Jurisprudência do STJ: O Supe- “Habeas Corpus33. Ação Penal con-
rior Tribunal de Justiça, por sua vez, tra Prefeito Municipal. Malversação
tem julgado procedente o conflito e de- de verbas concedidas ao Município
clarado competente a Justiça Esta- por entidades federais. Competência
dual, ora sob o argumento de que, tra- da Justiça Comum.
tando-se de verba transferida, perdeu I – Alegação de competência da
a qualidade de federal, e ora sob o fun- Justiça Federal. A verba, ainda que
damento de que a União não manifes- proveniente de entidade federal, pas-
tou interesse de ingressar nos autos.” sou ao patrimônio da municipalida-
Efetivamente, essa é a jurisprudência do- de. O prejuízo resultante de sua mal-
minante: versação pesou sobre o município, não
“Conflito. Processual Penal30. sobre a União. Afasta-se a incidência
Compete à Justiça Federal julgar do artigo 109-IV da Constituição.
prefeito acusado de desvio de verbas II – Perquerir sobre a existência
destinadas ao Município em razão de de dolo ou de prejuízo pressupõe
convênio com a União (Fundo Nacio- análise do acervo probatório – tarefa
nal de Desenvolvimento da Educa- incompatível com a destacando do
ção).” writ.
“Competência31. Penal. Crime pra- III – Incompetência das câmaras
ticado por ex-Prefeito Municipal. criminais reunidas. Inovação do pe-
Verbas conveniadas da União trans- dido: não-conhecimento. Recurso or-
feridas para o Município, incorporada. dinário não provido.”
1. Compete à Justiça comum esta- “Habeas Corpus34. Competência. É
dual o processo e julgamento de cri- da competência da Justiça do Estado
mes atribuídos a Prefeito Municipal, o processo e julgamento de prefeito
acusado de malversação de verbas acusado de ter-se apropriado de ver-
oriundas da Administração Federal, ba oriunda do Ministério da Educa-
por força de convênio em virtude da ção e Cultura, destinada, em virtude
prevalência do interesse do Muni- de convênio, à construção de escola
cípio. do Município com quatro salas de
2. Conflito conhecido, competên- aulas. Anulação de sentença conde-
cia do juízo suscitado (Tribunal de natória, proferida por Juiz Federal,
Justiça do Estado do Mato Grosso do bem como de acórdão do Tribunal Fe-
Sul).” deral de Recursos, que lhe deu provi-
“Processual Penal32. Competência. mento em parte. Remessa dos autos à
Desvio e má aplicação de verbas. Justiça comum. Ordem deferida.”
1. Compete à Justiça estadual pro- “Inquérito instaurado contra Prefei-
cessar e julgar ação proposta contra to35, para a apuração de desvio de
ex-Prefeito acusado de ter desviado ou recursos repassados pela União, me-
aplicado indevidamente verba repas- diante convênio, para a realização de
sada pela União Federal ao Municí- obras municipais. Competência da
pio, em virtude de convênio firmado Justiça do Estado.”
182 Revista de Informação Legislativa
Esse contexto e a adequada exegese das Essa definição legal de um procedimen-
normas em questão revelam que os traba- to próprio, quando promulgada pela Lei,
lhos das Cortes de Contas podem ser bas- imediatamente passou a constituir uma ga-
tante racionalizados, contribuindo ainda rantia para todos os agentes jurisdiciona-
mais para resgatar o crédito dessas institui- dos ao Tribunal de Contas da União. Se as
ções, evitando a sobreposição de competên- leis orgânicas dos Tribunais de Contas eri-
cias – até porque o modelo federativo e o girem norma semelhante, a exemplo do que
princípio da economicidade a repugnam –, fez o TCDF, haverá uma uniformidade na-
além do constrangedor conflito de decisões. cional, acatando a pretensão do legislador.
Por outro lado, cientes dos limites do Sobretudo, porém, é um processo que não
poder de fiscalização, devem as autoridades se limita às estreitas e frias fronteiras da le-
envolvidas buscar o acatamento dos princí- galidade. Consagra, em toda sua extensão,
pios do juízo natural e do devido processo uma possibilidade de apreciação jurídica
legal. dos fatos, permitindo que sejam sopesados,
pelo órgão de controle, todos os fatores que
3.6. Limites do poder de fiscalização dos incidiram sobre o agente no momento em
Tribunais de Contas que buscava a realização do interesse pú-
O poder de fiscalização tem limite sim. blico, tantas vezes premido pelas constran-
Primeiramente, devemos afastar a tese gedoras carências de recursos humanos e
dos que, por inocência, ingenuidade ou es- materiais. É, portanto, um processo que
treiteza de visão do interesse público, pre- almeja justiça.
tendem sustentar a existência de limites Bem se vê, portanto, que, embora a
como o sigilo bancário e fiscal. guarda e aplicação dos recursos públicos
Não podemos vislumbrar controle sem possam ser tutelados por medidas judiciais
acesso a tais informações, seja porque é pos- à disposição da sociedade, a TCE, como
sível resguardar a privacidade numa inves- hoje está normatizada, constitui um
tigação de controle, seja porque não se con- direito público subjetivo dos agentes
cebe controle de contas considerando-se envolvidos nesse mister, e sua instauração
apenas a despesa, sem permitir-se o exame pode ser perfeitamente encaixada como
da receita, inclusive a tributária. uma garantia do devido processo legal,
O limite que delineamos é o decorrente com significativas vantagens para os
do Estado Democrático de Direito e, portan- agentes envolvidos, para a celeridade da
to, oriundo da própria Constituição Federal, Justiça e da sociedade.
assim considerado: Em judiciosa manifestação, lembra o
eminente Ministro Substituto do TCU Lin-
a) limitações decorrentes do dever de acatar o coln Magalhães da Rocha que a jurispru-
devido processo legal dência daquela Corte, ao interpretar o art.
Quando, v. g., a Lei estabeleceu que 197 do RI, “de há muito vem considerando
“diante da omissão no dever de prestar con- que a transformação do processo de Denún-
tas, da não-comprovação da aplicação dos cia em Tomada de Contas Especial empol-
recursos, da ocorrência de desfalque ou des- ga o rito daquela, passando o due process of
vio de dinheiros, bens ou valores públicos, law a ser aquele pertinente ao processo de
ou, ainda, da prática de qualquer ato ilegal, Tomada de Contas Especial”, acrescentan-
ilegítimo ou antieconômico de que resulte do que “a esse procedimento não é ínsito o
dano ao Erário deve ser instaurada Toma- sigilo, mas a publicidade”37.
da de Contas Especial”, o legislador defi- Para os agentes, as vantagens do reco-
niu o processo devido para a apuração da nhecimento da TCE como direito subjetivo
irregularidade36. são manifestas, porque permitido será
Brasília a. 36 n. 142 abr./jun. 1999 183
postular diretamente, não sendo indispen- trata, apenas, de zelar pela imagem institu-
sável o patrocínio de advogado, conquanto cional na imprensa, porque tal perspectiva
recomendável, mas apenas nas causas mais não seria juridicamente tutelada. Trata-se,
complexas; também será possível contex- ao contrário, de permitir à sociedade o co-
tualizar os fatos na ampla órbita jurídica, nhecimento e controle sobre os órgãos que
avaliando procedimentos com vistas ao têm o dever de zelar pelo bom emprego dos
Direito e não à restrita interpretação literal. recursos públicos.
O processo de TCE firma-se com tal força no Nesse diapasão, a instauração do pro-
ordenamento jurídico que, no seu curso, nem cesso para apurar a irregularidade pode ser
mesmo as Cortes de Contas podem impedir levada à imprensa, desde que não prejul-
a sua instauração e tramitação, devendo gue condutas ou pessoas, sob pena de vio-
dirigir sua atuação para o julgamento38. lação ao devido processo legal.
Com relação ao Poder Judiciário, só há Peculiar posição respalda a ação do Mi-
vantagens em reconhecer o processo de TCE nistério Público, incumbido constitucional-
como prejudicial de mérito, especialmente mente de zelar pela defesa da ordem jurídi-
em relação à celeridade e certeza de julga- ca, do regime democrático e dos interesses
mento. Celeridade, na medida em que serão sociais e individuais indisponíveis.
dispensados os extensos percursos de rea- Em razão de tal mister, podem os mem-
lização de perícia, sendo os fatos avaliáveis bros dessa instituição dar publicidade de
por pessoas que conhecem os procedimen- seus atos, inclusive pela imprensa oficiosa,
tos administrativos e são experimentados não se constituindo esse fato em violação a
nas peculiaridades, com efetiva garantia do preceito jurígeno se houver equilíbrio, pon-
contraditório e da ampla defesa. Certeza, deração e amadurecido senso crítico, respei-
porque a reposição do erário iniciar-se-á com tando, sempre, a inocência presumível que
um título executivo, líquido e certo. Consa- paira sobre todos os integrantes de uma co-
grando esse entendimento, já deixou as- letividade. Essa publicidade deverá ainda
sentado o antigo Tribunal Federal de Recur- se efetivar somente após a preclusão das
sos que, “cuidando-se de cobrança executi- fases processuais, de tal forma que registre
va, a título de alcance, embora dispensada fatos ocorridos. Assim, pode um Promotor
a inscrição, a liquidação da conta proces- ou Procurador do Ministério Público infor-
sar-se-á perante o órgão competente, vale mar que deu entrada numa ação ou represen-
dizer, no caso de crédito da União, mediante tação para apurar um fato, que determinado
o julgamento do Tribunal de Contas”39. agente foi citado para se defender, quando
O Supremo Tribunal Federal, guardião será o julgamento do processo, qual foi o deci-
da Constituição, registra firme jurisprudên- sum adotado, se ingressou com recurso, etc.
cia no sentido de que o julgamento das con- O eminente Procurador da República
tas de responsáveis por haveres públicos é Wellington Cabral Saraiva, em lapidar sín-
de competência exclusiva das Cortes de tese, averbou que: “a imprensa é um instru-
Contas, salvo nulidade por irregularidade mento de trabalho do Ministério Público e
formal grave40 ou manifesta ilegalidade41. do Poder Judiciário. A divulgação ampla
dos atos dessas instituições, além de dar
b) limitação decorrente do dever de garantir a cumprimento ao direito da população de
ampla defesa e o contraditório saber o que fazem os seus servidores, serve
• a divulgação de informações não pode pre- como meio de comunicação social das ações
cipitar o juízo do julgamento de responsabilização dos infratores da or-
A sociedade deve ter o direito de ser in- dem jurídica42. Acresce, ainda, que “a divul-
formada de que os órgãos responsáveis gação da responsabilização e das sanções
agiram para preservar a legalidade. Não se decorrentes de lesão aos valores juridica-
184 Revista de Informação Legislativa
mente protegidos funciona como meio de encontrada nas Leis Orgânicas desses ór-
tornar eficaz a chamada prevenção geral. gãos, como pela implícita regra que decorre
Como diz Aníbal Bruno, promove-se a pre- do art. 75 da Constituição Federal.
venção geral dos crimes por meio de ação Na atualidade, a propósito, mostra-se in-
educativa sociocultural que o direito puni- dispensável que os Tribunais de Contas or-
tivo exerce pela definição dos bens jurídicos ganizem um sistema de divulgação de suas
fundamentais e pela ameaça da sanção com ações, a exemplo do que já vem fazendo o
que procura assegurar a sua inviolabili- Supremo Tribunal Federal com o encarte do
dade. Desse modo, o direito dá segurança e Diário Oficial da União “Informativo do
força a seus preceitos e incute na consciência STF”. Sendo a sociedade uma fonte primá-
coletiva o valor desses bens e o respeito que ria do Direito, é indispensável considerar a
o sistema jurídico lhes quer garantir, imprensa como o mais importante forma-
prevenindo sua violação (Das penas, Rio de dor de opinião e, nessa linha de entendi-
Janeiro, Rio, 1976, p. 22-3).” mento, compreender que a ação dos Tribu-
Os servidores do Tribunal de Contas, nais de Contas só alcançará a eficácia dese-
jungidos à Lei Federal nº 8.112/90, têm sua jada com o engajamento da coletividade no
ação restringida pelo disposto no art. 116, controle se houver ressonância positiva nas
VIII, que impõe o dever de “guardar sigilo ações dessas Cortes.
sobre assunto da repartição”. Após o Na esfera federal, importantes passos
julgamento, poderiam manifestar-se, com a nessa direção foram dados na gestão do Mi-
publicidade do ato, desde que atendido o nistro Marcos Vinícius Rodrigues Villaça,
inciso II desse mesmo dispositivo, na quando Presidente do TCU.
medida em que não seja “desleal” à insti- • qualquer punição só pode ser aplicada após
tuição a que servir. a oitiva do envolvido
Quanto aos Ministros do Tribunal de A Constituição Federal de 1988 asse-
Contas da União, por força do disposto no gura aos litigantes em processo judicial
art. 73, § 3º, da Constituição Federal, são ou administrativo, e aos acusados em geral,
equiparados em impedimentos aos Minis- o contraditório e a ampla defesa, com os
tros do Superior Tribunal de Justiça, regidos meios e recursos a ela inerentes43.
pela Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Como, a rigor, a TCE só assume a natu-
Assim, de igual modo, esses magistrados reza de processo a partir do seu ingresso no
submetem-se à vedação do art. 36, III, da Lei Tribunal de Contas na chamada fase exter-
Complementar nº 35, de 14 de março de 1979, na, anteriormente não apresenta partes ou
que averba: litigantes, porque inexiste uma lide, mas, tão-
“Art. 36. É vedado ao magistrado: somente, uma unidade dos atos investiga-
I – (...) tórios rumo à verdade material.
(...) No relatório final da comissão de TCE,
III – manifestar, por qualquer meio poderá esta firmar a irregularidade das con-
de comunicação, opinião sobre pro- tas, hipótese em que, após a manifestação
cesso pendente de julgamento, seu ou do órgão de controle interno e da autorida-
de outrem, ou juízo depreciativo so- de em nível de Ministro ou de Secretário de
bre despachos, votos ou sentenças, de Estado, ou equivalente, remeterá os autos
órgãos judiciais, ressalvada a crítica ao Tribunal de Contas para julgamento. Pre-
nos autos e em obras técnicas ou no cisamente nesse momento, a TCE assume a
exercício do magistério.” condição de processo, quando o órgão ins-
Aos Conselheiros das Cortes de Contas trutivo, apreciando a apuração promovida
se aplica igual restrição, em decorrência de pela comissão e os demais elementos dos
expressa equiparação a Desembargadores, autos, destacará os principais aspectos,
Brasília a. 36 n. 142 abr./jun. 1999 185
passando, diretamente ou após a delibera- plinar, a Comissão, em seu relatório final,
ção do Colegiado das Cortes de Contas – não está vinculada a acatar como procedentes
plenário, câmara ou turma –, para manifes- as razões de defesa; todavia, isto sim, está
tação do Ministério Público, que funciona obrigada, sob pena de nulidade, a consi-
em caráter especializado junto ao Tribunal. derar as razões de defesa, enfrentando-as,
Nesse momento, presenciando a existên- quer para acatá-las, quer, principalmente,
cia de indícios, formaliza-se a acusação, se- quando for o caso, para mostrar, fundamen-
guindo-se a citação, defesa e julgamento tadamente na prova colhida na instrução, a
pelo Tribunal de Contas. improcedência ou inconsistência das
Essa mudança de procedimento para mesmas.
processo de TCE, que, guardadas as devidas Em decorrência desse princípio, au-
proporções, pode ser equiparada às duas toriza-se o servidor ou responsável a
fases do processo penal – inquérito policial contradizer os fatos apurados pela co-
e ação penal propriamente dita –, é também missão de TCE, se agasalhados pelo
o marco essencial à plena satisfação dos Ministério Público na proposta de cita-
princípios da ampla defesa e do contraditório. ção. Para demonstrar a diferença entre a
O princípio do contraditório, comu- TCE e o processo administrativo discipli-
mente resumido na antiga parêmia latina nar, cabe assinalar que, no primeiro, não há
– audiatur et altera pars –, consiste no dever nulidade se a prova é constituída sem ob-
do Juiz, em razão do seu dever de impar- servância do princípio. A citação posterior,
cialidade, de ouvir a parte do processo realizada pelo TCU, simplesmente sana o
sobre as alegações deduzidas por outra. processo, na medida em que assegura a mais
Também é chamado de princípio da au- ampla defesa.
diência bilateral.
Esse axioma dá sustentação a toda teoria c) limitações específicas de órgãos de controle
geral do processo, e sua inobservância
acarreta a nulidade, ressalvadas as exceções
• o respeito ao poder decisório, quando hou-
expressamente admitidas em lei, como a ver teses juridicamente razoáveis
medida liminar sem oitiva da parte adversa, Já decidiu o TCU44 que, se o Adminis-
que, por isso mesmo, constitui-se instrumen- trador atua seguindo tese razoável firma-
to restrito. da pelo órgão jurídico, não pode ser pe-
Com o descortino superior que lhe é nalizado.
peculiar, obtempera o Dr. João Bonifácio • a impossibilidade de criar procedimentos
Cabral Jr. que, no Direito comparado, em para a atividade-fim da Administração
especial na doutrina alemã, é reconhecido Em norma já esquecida, certa vez o le-
que, subjacente ao direito de defesa, estão gislador pátrio delineou com mestria essa
presentes três outros direitos, quais sejam: competência, nos seguintes termos:
a) o direito de informação – pelo qual se “ É vedada a imposição de nor-
garante que o interessado, por exemplo, num mas não previstas na legislação ge-
processo administrativo disciplinar, tenha ral ou específica”45.
acesso a todas as informações relativas ao Na atualidade, essa limitação ao poder
andamento e aos atos do processo; decorre de dois fundamentos:
b) o direito de manifestação – pelo qual a) o primeiro, que o Tribunal de Contas,
se garante ao sobredito interessado o direi- exercendo atividade-meio, deve dirigir sua
to de manifestar-se oralmente ou peticionan- ação de modo a não criar novas tarefas ou
do por escrito no processo; atividades para os que desenvolvem as ati-
c) o direito de ver suas razões conside- vidades- fim.
radas – vale dizer: no caso de uma sindi- Obviamente a necessidade de informa-
cância ou processo administrativo disci- ções e o processo decisório eficaz, em tempo
186 Revista de Informação Legislativa
real, exigem a ação por meio de inspeções e disposições das forças, o poder detenha o
auditorias, evitando-se sempre a criação de poder. Dando azo à filosofia pátria, acres-
formulários, relações e remessa de incontá- centaríamos, com Calheiros Bonfim: “Todo
veis documentos, cópias, atas, pareceres, que o poder a salvo de controle externo tende ao
muito pouco ou nada contribuem para a efe- abuso, ao arbítrio, ao autoritarismo. Dessa
tiva ação de controle; regra não se excetua o Judiciário, nem qual-
b) o segundo concerne ao dever dos Tri- quer outra instituição.” Observe que o re-
bunais de Contas de darem cumprimento nomado jurista abre exceção ao controle
ao princípio da legalidade, no desempenho externo como fator limitador de poder,
de suas funções. mas não aos órgãos de controle externo
Desse modo, ao impor a alteração de ro- que, a exemplo dos órgãos do Poder Judi-
tinas ou procedimentos habituais, devem ciário, devem ser submetidos também a
fazê-lo por intermédio de lei. Por exemplo: um controle externo.
remeter ao tribunal relação dos ordenado- Por isso, os Tribunais de Contas têm o
dever de prestar contas de sua gestão ao
res de despesa, com os dados...
Poder Legislativo, mediante relatórios perió-
Não se confunde com o princípio da re-
dicos e realização de auditorias e inspeções
serva legal e, portanto, prescinde de lei or-
requeridas, com acatamento da forma regi-
dem do Tribunal de Contas para ajustar mental pelas casas parlamentares.
ações ao fiel acatamento da norma. Em estudos no Direito comparado, veri-
fica-se que a evolução da sociedade leva ao
4. Conclusão exaurimento da função legislativa e aprimo-
Esse breve panorama da legislação e as ramento da função de controle, competindo
considerações expendidas permitem con- ao Poder Legislativo estar ciente da atenção
cluir definindo dois vetores fundamentais que deve dispensar à elaboração da Lei Or-
– limitador e expansor – para a ação do çamentária e ao julgamento das Contas do
controle externo exercido pelos Estados- Chefe do Poder Executivo. Em conferência
membros. realizada em Coimbra, sob os auspícios do
O primeiro impõe limite ao poder do con- Centro Brasileiro de Administração e Direi-
to – CEBRAD, destacamos esse papel, asso-
trole externo do Estado-membro frente à so-
ciado à ação dos Tribunais de Contas como
ciedade dos órgãos e agentes controlados, de-
instrumento de combate à corrupção numa
finidos pelo Direito, e estabelece uma relação
visão de futuro, a curto espaço de tempo.
de cooperação com o Poder Legislativo.
Na Argentina, enfocamos a importância
O segundo vetor expande o poder do do papel do controle em ano eleitoral como
controle externo dos Estados-membros em importante instrumento de garantia à regu-
duas grandes áreas: primeiro ao estabelecer laridade do processo democrático, impedi-
limites aos órgãos federais em suas incur- tivo de abusos da máquina administrativa.
sões controladoras sobre gestão de recursos É nesse cenário que vislumbramos o pa-
administrados pelos Estados; segundo ao pel do Poder Legislativo e dos órgãos de con-
ampliar o modelo estrutural da ação de con- trole externo, no qual todos nós temos um
trole externo, permitindo o desenvolvimento relevante papel a desempenhar, vez que o
de novos paradigmas de sistemas, que, pela sistema pressupõe um nível de amadureci-
criatividade, possa açambarcar em favor do mento da cidadania em que a expressão
cidadão a mais ampla expressão de uso efi- “recursos públicos” assuma a conotação de
caz e probo de recursos públicos. recursos de todos e não mais recursos de
Sobre o primeiro vetor – limitador do con- ninguém.
trole –, Montesquieu ensina: “para que não Sobre o segundo vetor – expansor –, além
possa abusar do poder, é preciso que, pelas do que já foi exposto, não se pode olvidar
Brasília a. 36 n. 142 abr./jun. 1999 187
Klaus Vogel, citado por Raimundo Juliano Contas criarem sistema de atendimento ao
Rêgo Feitosa, quando assinala a existência público, que, ainda não corrompido pelo
de nexo entre o surgimento do Estado de- sentimento de impunidade, busca quem lhe
mocrático constitucional e a inserção da escute para oferecer uma denúncia ou fazer
matéria financeira nas constituições e atri- uma reclamação.
bui à luta pelo direito de elaborar a legisla- Entre a harmonização com o modelo es-
ção tributária o ponto de partida para for- tabelecido pela Constituição Federal e a im-
mular outras exigências como liberdades possibilidade de inovar ou o dever de copiar,
públicas46. existe uma longa distância e compete aos
A completar esse cenário, é preciso in- operadores do direito vivificar a norma, tor-
centivar o desenvolvimento da ação fiscali- ná-la fértil, real, concreta, para que a socie-
zadora do cidadão, tal como pretendia o mo- dade sinta a presença permanente da pos-
vimento iluminista quando insculpiu na De- sibilidade de exercitar o controle, sem cus-
claração dos Direitos do Homem e do Cida- tos pessoais ou financeiros, sem demoras
dão, em 1789: “a sociedade tem o direito de ou objeções, sem timidez ou vergonha.
pedir conta a todo agente público de sua Que o desenvolvimento desse rico ma-
administração”47. nancial de exercício do Poder Consti-
No delineamento das competências tri- tuinte Decorrente e de legislar seja efeti-
butárias, coube ao Estado o imposto mais vamente progressivo e aponte na direção
diretamente relacionado com a coletivida- de novos horizontes na consolidação de
de e a riqueza da sociedade: o imposto so- uma sociedade mais consciente, justa e
bre a circulação de mercadorias e parcelas fraterna.
oriundas das repartições de tributos das
competências das outras esferas de gover-
no. Por esse motivo, o controle das riquezas
dos Estados-membros depende, ainda mais, Notas
do amadurecimento político de um povo e
da consciência da cidadania como parcela
1
Por ocasião do I Encontro Nacional de
Procuradores do Ministério Público junto aos Tri-
da sociedade.
bunais de Contas, realizado em Brasília, em abril
Na medida em que não se desenvolve de 1994.
um Direito Constitucional estadual, deixa a 2
Pareceres, 1950, vol. IV, pág. 118/9, apud Sea-
sociedade de explorar as potencialidades de bra Fagundes, O controle dos atos administrativos
organização, estruturação e definição de pelo Poder Judiciário, Rio de Janeiro, Forense, pág.
competências próprias e peculiares, passan- 144, nota de rodapé ao § 69.
3
Ob. cit., pág. 239.
do a exercer o papel menor de acolher ma- 4
Art. 71, inc. II, da Constituição Federal
trizes federais. Em decorrência, na esfera da 5
Art. 73, § 4º, da Constituição Federal
fiscalização e controle – que exige maior 6
Nesse sentido, José Cretella Jr., in Curso de
exercício do controle dos direitos difusos –, Direito Administrativo, 12ª ed., Ed. Forense, Rio de
a legislação sofre duplamente: pela atrofia Janeiro, p. 71.
7
RDP 72:137.
no exercício, pelo subjugamento ao limita- 8
Comentários à Constituição Brasileira de 1988,
do papel de copiar competências. vol. 1, Ed. Saraiva, São Paulo, 2ª ed. atual. e re-
Há searas a explorar e aqui se pode refe- form., p. 412.
rir, por exemplo, ao controle sobre execução 9
Comentários à Constituição de 1988, vol. 2, 1ª
dos serviços públicos, tema sobre o qual ed. Julex, Campinas-SP, p. 634.
tivemos a oportunidade de oferecer projeto
10
Comentários à Constituição de 1988, vol. V,
– Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997.
de lei, ao Deputado Distrital Peniel Pache- 11
Publicada no D.O.U. de 17-7-1992.
co, imediatamente aprovado, sem alteração, 12
MS nº 22801-6.
pelo parlamento local. Muito há ainda a ser 13
MSG nº 21.466-0, de 15 de maio de 1993, DJ
feito, como, por exemplo, os Tribunais de de 6-5-94, seção I, pág. 10.486.
188 Revista de Informação Legislativa
14
Decisão nº 047/95 – TCU – 1ª Câmara – Re- Federal do Rio de Janeiro para o Curso de Políticas
lator: Min. Homero dos Santos DOU: 21-3-95 – Públicas, oferecido a servidores do TCU.
Seção I, p. 4647. 30
CC 14358/RS, Relator Min. Felix Fischer. Pro-
15
CC 15887/TO Processo nº 95/0068699-6, cesso STJ nº 95/0034767-9, publicado no DJ de 19-
publicado no DJ de 1-7-96, p. 23981. 5-97.
16
Grifos nossos. 31
CC 17541/MS, Relator Min. Anselmo Santia-
17
CC 15530/RS Processo STJ nº 95/0057266-4. go. Processo STJ nº 96/0036000-6, publicado no
Relator: Min. Vicente Leal. Publicado no DJ em 26- DJ em 19-12-97.
2-96, p. 03929. 32
CC 12580/RS, Relator Min. Anselmo Santia-
18
CC 13073/RS Processo STJ nº 95/0013207-9. go. Processo STJ nº 95/003293-1, publicado no DJ
Relator: Min. Edson Vidigal. Publicado no DJ em 5- em 13-5-96.
2-96, p. 01351. 33
RHC-71419 / MT. Relator Ministro Francisco
19
CC 20294/TO Processo STJ nº 97/0057614- Rezek, publicado no DJ em 16-6-95.
0. Relator: Min. Arri Pargendler. Publicado no DJ 34
HC 55074/CE STF Relator Min. Leitão de
24-11-97, p. 61087. Abreu. Publicado no DJU 9-8-77.
20
CC 12578/RS Processo STJ nº 95/0003289-9 35
RE 205773/SC STF Relator Min. Octávio
Relator: Min. José Dantas. Publicado no DOU em Gallotti. Publicado no DJ de 1-8-97.
23-10-95, p. 35604. 36
Art. 8º da Lei nº 8.443/92
21
RECR 196982/PR, STF. Rel.: Ministro Neri da 37
Excerto do voto proferido no Proc. TC –
Silveira. Publicado no DJ em 27-6-97 PP 30247 019.880/93-6, publicado no DOU de 26-3-96, p.
Ement. Vol-01875-09 PP 01779 (anterior à MP 5.013 e s.
1677-58). 38
Colhe-se o seguinte excerto do voto do Minis-
CC 13325/SP Processo STJ nº 95/0016788-3. tro Paulo Affonso: “Outrossim, convém esclarecer
Relator Min. Cid Flaquer Scartezzini, publicado no que esta Corte de Contas não tem o poder de obstar
DJ em 3-2-97, p. 0063 (anterior à MP 1677-58). o andamento de contas especiais instauradas pelos
22
RECR – 76789/RN, STF. Relator Ministro órgãos repassadores de recursos federais, a quem
Thompson Flores, publicado no DJ em 14-5-76 PG. compete aprovar as respectivas contas, devidamente
CC 15666/DF, Processo STJ nº 95/0061338- certificadas pelos órgãos de controle interno, con-
7. Relator Min. Ari Pargendler, pub. no DJ em 18-3- soante reiterado no âmbito desse Tribunal”. Proc.
96, p. 07499. TC - 009.458/93-0, Decisão 019/96 - TCU - Plená-
HC 055074/CE, STF. Relator Min. Leitão de rio, Ata 04/96, sessão de 31-1-96 – ordinária, pu-
Abreu, publicado no DJ em 9-8-77 PG. RTJ. Vol. blicada no DOU de 22-2-96.
00082-02, p. 378. 39
Apelação Cível 63.492-RN, Rel.: Min. Sebas-
23
HC 74788/MS, STF. Relator Min. Sepúlveda tião Alves dos Reis, em 29-3-82, publicada no DJU
Pertence, publicado no DJ em 12-9-97 PP-43714 de 6-5-82.
Ement Vol-01882-01 PP - 00112. 40
MS 6.960, 1959.
24
Dados obtidos em palestra do Ministro Bento 41
RE 55.321/67-PR, publicado no DJU de 24-
Bugarin, em 29-5-98, no Instituto Serzedello Cor- 11-67; MS 7.280, 1960.
rêa, no curso de Políticas Públicas. 42
In Correio Braziliense, Caderno Direito e Jus-
25
Publicada no Diário Oficial da União de 31 de tiça, de 26-2-96, p. 5.
janeiro de 1997, p. 1887 a 1896. 43
Art. 5º, LV.
26
Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992, publica- 44
Decisão 074/97 - TCU Plenário. Relator: Min.
da no D.O.U. de 17-7-92. Carlos Átila. Publicada no DOU em 11-3-97, p. 4782.
27
Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992, publica- 45
Lei nº 6.223 de 14-7-75, art. 7º, § 2º.
da no D.O.U. de 17-7-92. 46
Constituição Financeira: a ordenação da ati-
28
Art. 5º, inc. LV, da Constituição Federal vidade financeira e tributária do Estado, artigo ain-
29
Painel de Debates promovido, no dia 29-5-98, da inédito, distribuído em aula pelo autor.
no Instituto Serzedello Corrêa, pela Universidade 47
Art. 15.

Referências bibliográficas conforme original.


Brasília a. 36 n. 142 abr./jun. 1999 189
190 Revista de Informação Legislativa

You might also like